Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
135/12.7TCFUN.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO CE 44/2001
PACTO ATRIBUTIVO DE COMPETÊNCIA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
Data do Acordão: 02/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO EUROPEU - COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL / EXTENSÃO DE COMPETÊNCIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - TRIBUNAL / COMPETÊNCIA / COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código Processo Civil” Anotado, Coimbra Editora, Vol. II, 3.ª edição (reimpressão) 1981, p. 338 e ss..
- Anselmo de Castro, Artur, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Coimbra, Almedina, 1981, pp. 201, 203.
- Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, p. 232 e ss..
- Dário Moura Vicente, “Competência Judiciária e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) n.º 44/2001, Scientia Iuridica, Tomo LI, n.º 293, p. 369.
- Fausto Pocar, Direito Civil – Cooperação Judiciária Europeia, Consilium, 2013.
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, Tomo I, 2.ª ed., 2010, p.. 172 e ss..
- Júlio Vieira Gomes, “Ainda sobra a figura da perda de oportunidade ou perda de chance”, Cadernos de Direito Privado, Número Especial 2/Dezembro de 2012, pp. 17 a 29.
- Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 1.º, 2ª ed., p. 130.
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- Luís Miguel Caldas, “Direito à Informação no âmbito do direito do consumo”, Revista Julgar n.º 21, 2013, p. 223.
- Manuel A. Carneiro da Frada, Forjar o Direito – Danos Económicos Puros, Ilustração de uma Problemática, Almedina, 2015, pp. 158 a 161; Direito Civil. Responsabilidade Civil, o Método e o Caso, Almedina, 2006.
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- Paula Costa e Silva, “A longa vacatio legis da Convenção de Bruxelas”; Anotação aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Julho de 1997 e de 5 de Novembro de 1998”.
- Sofia Henriques, “Os Pactos de Jurisdição no Regulamento (CE) n.º 44/2001”, 2006, pp. 32 e 38, 62/63, 65/66, 81/82,110,114.
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- Teixeira de Sousa, Miguel, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2.ª edição, 2007, pp. 125, 126 a 128.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) N.º 44/2001, DE 16 DE JANEIRO, PUBLICADO NO JORNAL OFICIAL Nº L 012 DE 16/01/2001: - ARTIGO 23.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 32/01/1968, BMJ 173, P. 263 E DE 23/7/1981, BMJ N.º 309, P. 303-308.
-DE 1/7/1999 (CJ-ACÓRDÃOS DO STJ, 1999, 3º, PÁG. 11) E DE 12/6/1997 (BMJ 468, PÁG. 324).
-DE 17/6/1997 (C.J-ACÓRDÃOS DO STJ, 2º, PÁG. 128) E DE 23/4/1996 (BMJ 456, PÁG. 353),
-DE 8/10/2009, PROC. N.º 5138/06.8TBSTS.S1, 2.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 23/02/2012, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
-DE 14/10/2014, PROC. N.º 147/13.3TVPRT-A.C1.S1, E A DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA AÍ CITADAS.
-DE 19/11/2015, PROC. N.º 2864/12.6TBVCD.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 3/2008, DE 28 DE FEVEREIRO DE 2008, DR, I.ª SÉRIE, N.º 66, DE 3 DE ABRIL DE 2008, E DISPONÍVEL EM WWW.STJ.PT .

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DOS CONFLITOS:
-DE 21/10/2004; DE 23/5/2013; E DE 21/1/2014.
-DE 19/6/2014, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 22/4/2015, IN WWW.DGSI.PT .
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (TEDH):

- SANTOS SILVA C. PORTUGAL, ACÓRDÃO DE 20/4/2014, REQUÊTE N.º 52246/12, CEDH, ART. 6º § 1, VIOLAÇÃO.
- FERREIRA ALVES C. PORTUGAL, ACÓRDÃO DE 30/4/2015, REQUÊTE N.º 78165/12, CEDH, ART. 6º § 1, VIOLAÇÃO.
- ESTASIS SALOTTI DI COLZANI V. RÜWA, DE 14/12/1976, PROC. N.º 24/76, DE 14/12/1976, PUBLICADO NA ÍNTEGRA EM HTTP://EUR-LEX.EUROPA.EU .
- POWELL DOFFRYN V. WOLFANG PETEREIT, DE 10/03/1992, PROC. N.º C-214/89, COLECTÂNEA 1992/I-1745, N.ºS 13 E 14.
- BENINCASA V. DENTALKIT, DE 03/07/1997, PROC. N.º C-269/95, ACESSÍVEL EM TEXTO INTEGRAL EM HTTP://CURIA.EUROPA.EU .
- TRASPORTI CASTELLETTI SPEDIZIONI INTERNAZIONALI SPA V. HUGO TRUMPY SPA, DE 16/03/1999, PROC. N.º C-159/97, ACESSÍVEL EM TEXTO INTEGRAL EM HTTP://CURIA.EUROPA.EU .
- FOLIEN FISCHER AG E FOFITEC AG V. RITRAMA SPA, DE 25/10/2012, PROC. N.º C-133/11, ACESSÍVEL EM TEXTO INTEGRAL EM HTTP://CURIA.EUROPA.EU .
- REFCOMP SPA V. AXA CORPORATE SOLUTIONS ASSURANCE S.A. E OUTROS, DE 07/02/2013, PROC. N.º C-543/10, ACESSÍVEL EM TEXTO INTEGRAL EM HTTP://CURIA.EUROPA.EU .
Sumário :
I – A incompetência internacional é um pressuposto processual cuja aferição deve ser dessumida da pretensão jurisdicional consubstanciada na petição inicial;

II. – Tendo o peticionante, fundado a sua pretensão jurisdicional em factualidade que substancia a violação de um programa ou plano contratual convencionado num denominado “contrato de empresa de comercialização independente”, a violação desse contrato e a responsabilidade que desse incumprimento possa vir a decorrer deve ser qualificada como responsabilidade contratual;

III. – Embora a culpa de que decorre a responsabilidade contratual deve ser aquilatada pelos critérios e regras da responsabilidade aquiliana, a responsabilidade do contraente faltoso ou inadimplente não pode deixar de ser classificada como responsabilidade contratual;

IV. – A competência internacional atribuída aos tribunais portugueses por normas de fonte interna não poderá postergar o que a esse título se ache estabelecido em normas de fonte supra-estadual como tratados, convenções, e regulamentos comunitários;

V. - O regime do seu art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001 prevalece sobre as regras de forma de direito interno que fixem requisitos formais mais exigentes para os pactos de jurisdição.

VI - A noção de pacto de jurisdição vertida no Regulamento n.º 44/2001 é autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados-Membros e deve ser interpretada como um conceito autónomo.

VII. – Nos termos do art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, atribuída, por pacto privativo de competência, estabelecido no âmbito do contrato de “contrato de empresa de comercialização independente”, a competência aos tribunais da República da Irlanda para dirimição de litígios advenientes de violações de um programa contratual e/ou indemnizações que venham a ser requestadas por resolução do mencionado contrato, carecem de competência (internacional) para o conhecimento da causa os tribunais nacionais.
Decisão Texto Integral:

I. – Relatório.

“AA, SA” e “BB, SA” instauram a presente acção contra a “CC” (“CC”), pedindo: i) “ser a prática de abusos de posição dominante pela R., ao abrigo do artigo 6º da Lei nº 18/2003, de 11 de Junho, e do artigo 102º do TFUE; ii) ser declarada a prática de abusos de dependência económica pela R., designadamente na imposição do contrato GG, celebrado contra disposição imperativa da lei, proibido ao abrigo do artigo 7º da Lei 18/2003, de 11 de Junho; iii) ser a R. declarada a pagar à “AA” 39.183.667,40 € (trinta e nove milhões, cento e oitenta e três mil, seiscentos e sessenta e sete euros e quarenta cêntimos), acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; e iv) ser a R. condenada a pagar à “BB” 1.042.791,76 (um milhão e quarenta e dois mil setecentos e novecentos e um euros e setenta e seis cêntimos), acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.”    

Para o pedido que impetram, as demandantes desenvolvem, em cume, a sequente facticidade:

- A  “AA, SA” dedicou-se, de forma exclusiva em território português, à importação e distribuição (grossista) de produtos CC, desde, pelo menos 1985, até Outubro de 2011, sem prejuízo de uma sucessão de empresas, designadamente no interior da DD, que deteve o controle da “AA”;

- A ““AA, SA” passou, desde 2001, a ser detida pela “BB, SA.”

- A “BB, SA” desenvolveu a actividade em diversos escritórios – cfr. artigo 16 da p.i. – sendo capital social detido, na totalidade, pela “EE, S.A.”, que mantém, coligadas em grupo, uma ligação à CC – cfr. artigos 19º e 20º;

- A ligação entre a CC e a “AA” teve as vicissitudes e desenvolvimento relacional explicitado nos artigos 28º a 44º (descartando as inanidades pospositivas que no entremês pervagaram pelo articulado);

- A “AA” era o distribuidor não exclusivo de produtos CC cabendo a esta a total discricionariedade dos produtos colocava à disposição daquela e com as vicissitudes territoriais e de responsabilização referidas nos mencionados artigos (FF e GG celebrados entre a AA e a CC) – cfr. artigos 45.º a 59;

- Sob a modelo FF, a AA beneficiava de condições comerciais que lhe permitiam, ainda que de forma limitada, desenvolver com resultados a respectiva actividade de distribuição de produtos da CC – cfr. explicitações em artigos 61.º a 73º;

- Além da comercialização a “AA” desenvolvia um leque de obrigações e direitos relativos à gestão da actividade da CC em Portugal – cfr. artigos 74º a 78º;

- A partir de 1 de Abril de 2001, ocorreu uma alteração das relações contratuais (período GG) – cfr. artigos 79º a 91º - que determinaram que a “AA” passasse a figurar como responsável financeira e a transportadora dos produtos da CC, tendo esta empresa passado a celebrar directamente contratos com os seus LLs autorizados – cfr. artigos 85º e 89º;  

- A “AA” procurou negociar com a “HH, Lda.” para a venda do negócio da distribuição, que não se concretizou – cfr. artigos 92º a 99º - tendo a “AA” sido compelida (imposta) a solicitar duas garantias bancárias, nos termos exigidos pela CC – cfr. artigos 100º e 101º - e que esta viria a executar (parcialmente) – cfr. artigos 102º a 108º;

- A “BB, SA” foi revendedora da CC – cfr. artigos 109º a 111º;

- (Após a descrição das funcionalidades, capacidades e necessidades (a satisfazer) de cada um dos produtos comercializados pela CC – tablets, laptop e desktop, passando pela individualização dos referidos produtos “iPad”,”iPod” e “Macbook Air”) – cfr. artigos 109º a 147º - as demandantes procedem à descrição da respectiva dependência económica da CC – cfr. artigos 148º a 186º - bem com dos recursos humanos – cfr. artigos 187º a 210º;

- A partir do inicio do período FF, a CC iniciou uma estratégia comercial que teve como objectivo a exclusão da “AA” e da sua accionista “BB” do mercado, designadamente, da cadeia de distribuição de produtos CC e dos respectivos estabelecimentos comerciais – cfr. artigos 228º a 246º - e desenvolvimento de condições para instalação de novos estabelecimentos comerciais (artigos 234º a 237º) e de uma postura estratégica relativamente ao mercado (artigos 238º a 246º);

- A CC passou a definir, de modo unilateral, os preços pelos quais a “AA” devia vender os produtos aos grandes retalhistas e na negociação de descontos desta empresa aos retalhistas, mediante fixação de preços – cfr. artigos 247º a 255º;

- A CC passou a disciplinar os preços ao nível dos retalhistas  e a impedir as importações paralelas que colocassem em riscos preços e equilíbrios de preços por si definidos a nível nacional – cfr. artigo 256º - do mesmo passo que pressionou a “AA” a submeter-lhe encomendas de produtos em conformidade com as previsões da CC sobre o mercado português – cfr. artigos 258º a 264º;

- A CC abusou da sua posição ao impor o “GG” – cfr. artigos 265º a 286º;

- Desde o inicio do FF e atá ao termo da relação comercial a CC definiu de modo unilateral as circunstâncias factuais descritas nos artigos 288º a 290º, tendo proibido a “AA” de exportar para outros Estados Membros – cfr. artigos 292º a 307º - tendo-se apropriado do principal cliente da “AA”, a II (artigos 308º a 314º) bem como das vendas on line (artigos 315º a 320º);

- A CC obrigou a “AA” a passar aos seus clientes condições discriminatórias por ela decididas (artigos 321º a 334º);

- A CC desde a vigência do FF recusou injustificadamente fornecer produtos a determinados grandes clientes da “AA” obrigando esta a recusar encomendas ou mesmo a pôr termo a relações comerciais – cfr. artigos 331º a 334º;

- Pelo menos desde 2004, a CC impôs à “AA” a nomeação e demissão de trabalhadores – cfr. artigos 335º - tendo imposto à demandante a assumpção de encargos no plano da reparação e manutenção de produtos CC – cfr. artigos 336º a 347º;

- A partir de 2004, a CC pressionou a “BB” para transmitir dois estabelecimentos  comerciais, sitos em Lisboa – cfr. artigos 348º a 361º;

- A CC pôs fim à relação comercial entre si e a “AA” invocando falta de pagamento de facturas, embora esta tivesse procurado negociar um plano de pagamentos, sem sucesso, por a CC ter accionado as garantias que detinha junto da JJ – cfr. artigos 362º a 372º;

- Os comportamentos abusivos e a ruptura da relação comercial entre a CC e a “AA”, anteriormente descritos e referenciados traduziram-se para a “AA” em danos patrimoniais, que especifica de artigos 373º a 423º.       

                 

Na contestação que apresentou, a demandada, incoa por excepcionar a competência da jurisdição portuguesa para o julgamento da causa intentada, para o que, em síntese apertada, carreia:

- A disposição invocada pelas demandantes – artigo 5.º, nº 3 do Regulamento (CE) nº 44/2001 – não se aplica à situação versada na causa;

- O preceito citado concede e reconhece o direito à instauração de causas em que a pretensão jurisdicional requestada se funda no instituto da responsabilidade civil aquiliana, ao invés do que reverbera a situação jurídico-factual que as demandantes pretendem dirimir, que, em seu juízo, atina com a violação de regras de funcionamento da relação contratual estabelecida entre as partes, que a deman-dante descreve, especificando, no artigo 12.º da contestação;

- A constatação da asserção expressa no item anterior retira-o a demandada da profusão de alusões à relação contratual que diz ter sido objecto de violação por parte desta – cfr. artigos 13º a 16º da contestação;

- Acresce que, e em cume, se a causa de pedir indica a violação de pactos contratuais referentes ao GG (posteriores a Abril de 2011) então a responsabilidade que daí se possa vir a colher colima com responsabilidade pré-contratual – cfr. artigos 19.º e 20º da contestação.

Esparge e prova de inculcar a respectiva tese nos artigos 22.º a 52º da contestação.

A questão ainda teve debate nas, réplica – fls. 2298 a 2328 – e tréplica – fls. 2332 a 2379 – tendo o tribunal decidido a questão – fls. 2817 a 2823 – com decreto de abstinência da jurisdição portuguesa para o julgamento da causa.

Da apelação que alçaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, as demandantes – agora massa insolvente de “AA – …, S.A.” e “BB, Lda.” – não obtiveram sucesso, por esta instância ter decidido (sic): “(…) negar provi-mento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.”   

 Irresignada mantém o alor recursivo, com pedido de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo dessumido das extensas alegações o epítome conclusivo que a seguir queda extractado.

I.a. – Quadro Conclusivo.

(…)

2. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR FALTA DE FUNDAMENTACÃO

XX. O artigo 607º, nº 3, do Código de Processo Civil, dispõe que a sentença tem obrigatoriamente de ser fundamentada, «devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final» (sublinhado nosso). Tal significa que, na fundamentação da sua decisão, o tribunal deve esclarecer capazmente a linha de raciocínio que presidiu à sua operação de subsunção da matéria de facto ao Direito e evidenciar de forma clara as razões que justificam a aplicação das normas invocadas e a subsequente tomada de decisão final.

XXI. In casu, à apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa havia sido submetida uma questão de competência jurisdicional, que não é apenas processual, antes implicando uma necessária e conjunta apreciação de matérias diversas de Direito da Concorrência e Direito das Obrigações.

(…)

XXIX. Nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil, é nula a decisão que «[n]ão especifique os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão».

XXX. In casu, a fundamentação do acórdão não é meramente imperfeita ou insuficiente; é, em absoluto, inexistente.

XXXI. Assim, «[a]o juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (659-2). Há nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão» (JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONT AL V ÃO MACHADO, RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Ed., p. 703).

XXXII. «A fundamentação da sentença é, além do mais, indispensável em caso de recurso: na apreciação da causa, a Relação [bem como o Supremo Tribunal de Justiça] tem de saber em que se fundamentou a sentença recorrida» (JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO, cit., p. 704).

XXXIII. De outro modo, como é evidente, coarctar-se-á de modo inadmissível o direito ao recurso da parte que não obteve provimento na acção, pois que a fundamentação da decisão que o recurso visa sindicar sempre permaneceria um absoluto mistério.

XXXIV. Assim, ao não apresentar qualquer fundamentação na sua decisão, o tribunal a quo prolata um acórdão desprovido de qualquer valor jurídico, que nada decide, limitando-se a confirmar cegamente a decisão de 1.ª instância e impedindo por completo as Recorrentes de conhecer a razão jurídica por detrás de tal resultado, dificultando severamente o exercício do seu direito ao recurso e, dessa forma, incorrendo em nulidade por omissão de fundamentação de direito na motivação do acórdão, nos termos da citada alínea b), do nº 1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil.

(…)

4.A VIOLAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA COMO CAUSA DE PEDIR DA PRESENTE AÇÃO E FUNDAMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DA RÉ

A. ASPETOS GERAIS

L.É inegável que os comportamentos que se encontram subjacentes às normas de concorrência em causa nos presentes autos (abuso de posição dominante e abuso de dependência económica) pressupõem, na maior parte das vezes, e senão mesmo na totalidade, a existência de uma relação contratual de base.

LI. Não obstante, no presente caso concreto não é a relação contratual per se ­mas sim o concreto modo como esta veio sendo imposta e moldada pela CC às Recorrentes - que constitui a infracção do direito da concorrência em causa nos autos.

LII. O que está em causa no presente processo são os comportamentos da CC que configuram uma violação grosseira e evidente das regras de direito da concorrência e que, por isso, consubstanciam a prática de um ilícito de natureza extracontratual, o qual, por sua vez, constitui o único fundamento da pretensão indemnizatória deduzida pelas Autoras na presente acção.

LIII. Os factos relatados na Petição Inicial não surgem configurados na perspectiva de qualquer incumprimento contratual por parte da CC, mas antes como constituindo autênticos comportamentos de abuso de uma posição dominante (absoluta e relativa) de que a Ré CC era manifestamente detentora no mercado português.

LIV. O que gera a responsabilidade civil da Ré é, assim, não uma qualquer violação contratual, mas a violação de normas imperativas constantes da legislação da concorrência.

LV. Pelo que jamais a presente acção se centra em torno de uma responsabilidade contratual da Recorrida, que nem sequer existirá.

(…)

LXXVII. Quer na sua petição inicial, quer posteriormente na réplica e no recurso apresentado no Tribunal da Relação, as Recorrentes vieram sustentar que existe uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (da DE) relativa à distinção entre natureza contratual e natureza extracontratual numa acção de responsabilidade civil.

LXXVIII. As Recorrentes reiteram, naturalmente, todos os argumentos de autoridade anteriormente expendidos e acima devidamente realçados nas alegações.

LXXIX. Nesse sentido, é também no intuito de demonstrar um entendimento generalizado relativamente à natureza extracontratual da responsabilidade civil decorrente de infracções jusconcorrenciais que as Recorrentes citam a posição de J. VIEIRA PERES e EDUARDO MAIA CADETE, mandatários da Recorrida, a qual se mostra em linha com a jurisprudência do Tribunal de Justiça que assinala que a responsabilidade civil decorrente de infracções jusconcorrenciais tem - regra geral - natureza extracontratual.

(…)

E.QUANTO À EXCLUSÃO DA REGRA DE COMPETÊNCIA INTERNACIONAL PREVISTA NO ARTIGO 5.º, N.º 3, DO REGULAMENTO N.O 44/2001 POR CLÁUSULAS ATRIBUTIVAS DE JURISDIÇÃO CONFORMES COM O ARTIGO 23.º DESTE REGULAMENTO

LXXXIX. Por fim, ainda que fosse possível afastar a evidência de que as normas de direito da concorrência consubstanciam normas de ordem pública material e que a sua violação acarreta responsabilidade extracontratual, a verdade é que o Tribunal de Justiça já se pronunciou muito recentemente quanto a este assunto, em 21 de Maio de 2015, no aludido acórdão CDC/Evonik Degussa.

XC. O que estava em causa no processo era, justamente como nos presentes autos, a articulação entre, por um lado, disposições do direito primário que garantem uma livre concorrência na União Europeia e, por outro, disposições do direito internacional privado da União que dizem respeito à competência judiciária em matéria civil e comercial".

XCI. Desde logo, as empresas directamente lesadas no proc. CDC/Evonik Degussa e o, tinham, tal como nos presentes autos, uma prévia relação comercial com as empresas infractoras, assente em vários contratos de onde constavam cláusulas atributivas de jurisdição que derrogavam as regras de competência internacional previstas, designadamente, o artigo 5.º, n.º 3 do Regulamento n.º 44/2001.

XCII. As semelhanças com os presentes autos são evidentes.

XCIII. Em ambos os casos, as infracções às normas de concorrência têm por base a existência de uma prévia relação contratual entre as partes.

XCIV. Em ambos os casos, os contratos celebrados entre as partes dispunham de cláusulas atributivas de jurisdição que dizem respeito a litígios que tenham surgido ou que possam surgir dessa relação jurídica.

XCV. Em ambos os casos, foi suscitada a excepção de incompetência do órgão jurisdicional, através da invocação das referidas cláusulas atributivas de jurisdição constantes desses contratos.

XCVI. Enfim, em ambos os casos, a questão principal - tal como o órgão jurisdicional de reenvio no proc. CDC/Evonik Degussa e o. a colocou - está em saber se, no caso de as cláusulas atributivas de jurisdição abrangerem os direitos de indemnização alegados, o princípio de uma execução eficiente da proibição de violação das regras de direito da concorrência no direito da União Europeia (esteja em causa o artigo 101.º e/ou o artigo 102.º do TFUE ou mesmo disposições equivalentes de direito nacional) impede que essas cláusulas sejam aplicadas quando o tribunal chamado a pronunciar-se sobre um pedido desta natureza tem competência ao abrigo do artigo 5.°, n.º 3 do Regulamento Bruxelas I.

XCVII. E não se diga que o facto de no proc. CDC/Evonik Degussa e o. a conduta anticoncorrencial ser um cartel (artigo 101.º do TFUE) e não um abuso de posição dominante (artigo 102.º do TFUE) afasta as semelhanças existentes com os presentes autos, designadamente a aplicabilidade da solução dada pelo Tribunal de Justiça à questão prejudicial suscitada,

XCVIII. Uma vez que o que importa para este efeito é a existência objectiva de uma infracção às regras de concorrência e não qual a prática anticoncorrencial in concreto, sendo o acervo de direito da União esclarece dor no sentido de que o princípio da plena eficácia vale de igual modo para os artigos 101.º e 102º do TFUE.

XCIX. Ora, na análise que fez no proc. CDC/Evonik Degussa e o., o Tribunal de Justiça começou por sufragar a posição do órgão jurisdicional de reenvio que tinha dado "por adquirido" que acções desta natureza (i.e., acções de indemnização por infracção ao direito da concorrência) dizem respeito à matéria extracontratual visada pelo artigo 5.°, n.º 3, do Regulamento Bruxelas I.

C.Conforme salienta o Advogado-Geral KK, "[o] Tribunal de Justiça admitiu recentemente uma tal qualificação das ações desta natureza", desde logo no já referido acórdão flyLAL-Lithuanian Airlines: "[a] acção [emergente do litígio do processo principal] tem por objecto a reparação do prejuízo resultante da violação das regras do direito da concorrência. Assim, a acção é do domínio do direito da responsabilidade civil extracontratual”.

CI. Depois, o Tribunal de Justiça chegou à análise concreta da questão principal: saber se quando esteja em causa uma violação do direito da concorrência, a existência de uma cláusula atributiva de jurisdição que figure num contrato pode ou não continuar a produzir os seus efeitos na esfera das relações entre as partes que concordaram em celebrar esse contrato, e derrogar a norma de atribuição de competência internacional constante do artigo 5.º, n.º 3 do Regulamento Bruxelas I.

CII. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça considerou que "[u]ma cláusula atributiva de jurisdição só pode dizer respeito a litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, o que limita o alcance de um pacto atributivo de jurisdição apenas aos litígios que têm a sua origem na relação de direito na altura em que esse pacto foi celebrado. Esta exigência tem por objectivo evitar que uma parte seja surpreendida pela atribuição, a um foro determinado, dos litígios que surjam nas relações havidas com a outra parte contratante e que encontrariam a sua origem noutras relações para além das surgidas na altura em que a atribuição de jurisdição foi acordada".

CIII. Para afastar qualquer tipo de dúvida, o Tribunal de Justiça esclareceu que "[à] luz deste objectivo, o órgão jurisdicional de reenvio deverá considerar designadamente que uma cláusula que se refere, de modo abstrato, aos litígios surgidos nas relações contratuais não abrange um litígio relativo à responsabilidade extracontratual em que um co-contratante alegadamente incorreu em resultado do seu comportamento conforme com um cartel ilícito".

CIV. Com efeito, "dado que tal litígio não é razoavelmente previsível para a empresa vítima no momento em que deu o seu consentimento à referida cláusula, por, nessa época, desconhecer o cartel ilícito que envolve o seu co-contratante, não se pode considerar que o mesmo tem origem nas relações contratuais. Em consequência, tal cláusula não derroga validamente a competência do órgão jurisdicional de reenvio”.

CV. Este entendimento deve ser integralmente aplicado nos presentes autos, uma vez que jamais se poderá concluir no caso vertente que, na data em que celebraram os referidos acordos, as Recorrentes, anteviam ou deviam antever que a CC adoptasse práticas de abuso cujo objectivo ou efeito seria a exclusão/evicção das Recorrentes do contrato, do mercado, e posteriormente, a sua própria insolvência.

CVI. Só não seria assim se as cláusulas contratuais já visassem directa e explicitamente esses litígios, por um lado: “[e]m contrapartida, perante uma cláusula que faz referência aos litígios relativos à responsabilidade decorrente de uma infracção ao direito da concorrência e que designa um tribunal de um Estado-Membro diferente do Estado-Membro do órgão jurisdicional de reenvio, este deve declarar-se incompetente, mesmo quando essa cláusula exclui as regras de competência especiais, previstas nos artigos 5.º e/ou 6.º do Regulamento n.º 44/2001”.

(…)

(...)6. Do REENVIO PREJUDICIAL

CXLIII. Uma interpretação do artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001 que permita ter em conta, no caso de acções de indemnização por infracção à proibição de violação das regras de direito da concorrência (esteja em causa o artigo 101.º e/ou o artigo 102.º do TFUE ou até as disposições equivalentes de direito nacional), cláusulas atributivas de jurisdição que impliquem a derrogação das regras de competência internacional previstas no artigo 5.º, n.º 3, desse regulamento, para além de se encontrar ferida de inconstitucionalidade, viola igualmente o direito da União Europeia vigente na ordem jurídica interna (artigo 8.º da CRP), em especial o princípio de uma execução eficiente da proibição de violação dos artigos 101.º e 102.º do TFUE.

CXLIV. Com efeito, o pleno efeito dos artigos 101.º e 102.º do TFUE (e das normas de ordem pública adoptadas, hoje no RJC, em execução do comando constitucional do artigo 81.º, alínea j), da Constituição, seria irremediavelmente perdido se a AA e a BB, empresas sedeadas em Portugal, fossem obrigadas a interpor uma acção perante o Tribunal irlandês com vista à reparação de danos sofridos em Portugal por restrição da concorrência traduzi da em abusos de exclusão.

CXLV. A garantia do direito de pedir essa reparação contribui substancialmente para a manutenção de uma concorrência efectiva na União.

CXLVI. Desse modo, impõe-se neste caso a alegação de que, como foi profusamente demonstrado, existe uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da UE a este respeito, razão pela qual caso este Supremo Tribunal entenda afastar-se desta jurisprudência ou tenha dúvidas sobre a norma do Regulamento (CE) nº 44/2001 (ou, hoje, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012) a aplicar, impõe-se, à luz do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição, nos termos do qual o direito da União se aplica em Portugal nas condições definidas no próprio direito da União, e da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça em matéria de reenvio prejudicial, que seja submetida uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça para seu cabal esclarecimento, em nome da justiça formal mas também, e sobretudo, da justiça material, mas também do respeito pelas funções de cada tribunal.

CXLVII. Assim, considerando a jurisprudência do Tribunal de Justiça já referida, impõe-se a aplicação da jurisprudência comunitária sobre (i) o carácter de ordem pública das proibições resultantes das normas de concorrência; (ii) a natureza extracontratual da infracção consistente num abuso de exclusão por parte de uma multinacional toda poderosa contra um distribuidor exclusivo nacional; (iii) a irrelevância de um pacto atributivo de jurisdição que não abrange questões de direito da concorrência mas apenas matéria contratual; (iv) tanto mais quanto se trata de um litígio em que nem a causa de pedir nem o pedido invocam qualquer violação de uma obrigação contratual ou de qualquer dever acessório de cariz contratual; (v) mas apenas a reparação de prejuízos decorrentes da violação de normas legislativas de ordem pública.

CXLVIII. Nesse sentido, e subsidiariamente, entendem as Recorrentes que, a subsistir qualquer dúvida sobre a competência internacional dos Tribunais portugueses, num caso como o presente, deverá o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no § 3 do artigo 267.º do TFUE suspender a instância e colocar as seguintes questões ao Tribunal de Justiça:

- Constitui a norma que no artigo 102.º do TFUE estabelece a proibição de abusos de posição dominante e, em particular, de abusos de exclusão, uma norma de ordem pública material que pode originar responsabilidade civil extracontratual em favor da vítima do abuso?

- A circunstância de um abuso de posição dominante surgir no contexto em que entre as empresas (a que praticou o abuso e a que foi vítima do abuso e foi excluída do mercado) existiam relações contratuais duradouras impõe a qualificação da acção de responsabilidade civil tendente à reparação desses danos como acção sobre matéria "contratual" ou permite que seja qualificável como sendo referida a "matéria extracontratual", no sentido previsto no artigo 5.º, nº 3), do Regulamento (CE) nº 44/2001, ou no artigo 7º, nº 2), do Regulamento (UE) nº 1215/2012, e no acórdão flyLAL ­Lithuanian Airlines (proc. C-302/13, nº 28-29, 38)?

(…)

- Deverá ser declarada a nulidade do acórdão recorrido, por falta de fundamentação;  ou caso assim não se entenda;

- Subsistindo dúvidas no esprito deste Supremo Tribunal quanto à correcta aplicação do direito da União Europeia, deverá o processo ser suspenso e accionado o mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia; em qualquer caso;

- Deverá o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, justamente, declare competente a Instância Central do Tribunal da Comarca do Funchal para o conhecimento da presente acção.”

Revidou a demandada, com prolixas e exundiosas contra-alegações que resumiu no sumário que a seguir queda transcrito.

(…)

 (…)

JJJ) Cumpre referir que o regulamento é inaplicável ao casos dos autos, conforme resulta expressis verbis do seu art. 66.º, do Capítulo VI, sob a epígrafe "Disposições Transitórias": “O presente regulamento aplica-se apenas às acções judiciais intentadas (...) em 10 de Janeiro de 2015 ou em data posterior. ";

KKK) Os arestos convocados pelas Recorrentes nas alegações também não têm aplicabilidade aos presentes autos, entre o mais, ao não estar em causa em qualquer uma das decisões por estas citadas uma prévia relação intersubjectiva que não projecte responsabilidade contratual e/ou a existência entre as partes de um pacto de atribuição de jurisdição, em conformidade com o art. 23º do Regulamento n.º 44/2001. Se não vejamos

LLL) No acórdão de 5 de Junho de 2014 do TJVE, Coty Gennany, proc. C-360/12 (avançado no art. 147.° e nota de rodapé n.º 24, ambos das alegações de recurso), estava em pleito no processo nacional um litígio associado a uma alegada violação de uma marca comunitária, e como resulta do acima exposto, não existia qualquer relação contratual entre a Coty Germany e a First Note (esta última a entidade que alegadamente tinha infringido a marca comunitária).

MMM) O acórdão de 16 de maio de 2013 do TJVE, Melzer c. MF Global UK Ltd, no proc. C-228/11 (desfigurado no art. 147.° e nota de rodapé n.º 24, ambos das alegações de recurso), tem por base um litígio relativo a um pedido de indemnização no âmbito de execução de operações bolsistas no mercado de futuros, estando em causa aferir da competência do tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso, enquanto regra de competência especial do Regulamento n.º 44/2001, num caso em que inexistia pacto de atribuição de jurisdição.

NNN) o acórdão de 13 de Março de 2014 do TJVE, Brogsitter, no proc. C-548/12 (metamorfoseado no art. 147.º e correlativa nota de rodapé n.º 24; e art. 148.º, todos das alegações de recurso), tinha subjacente no processo nacional um litígio relativo a actos de concorrência desleal associados a mecanismos de relojoaria, bem como a caixas e mostradores de relógios. Esta decisão judicial não podia contender mais com a tese das Recorrentes ao estabelecer - em total desencontro com as construções fantasiosas das Recorrentes nos artigos 68.º a 75.º do seu Recurso -, no respectivo dispositivo o já supra reproduzido.

000) o acórdão de 1 de Outubro de 2012 do TJVE, Henkel, no quadro do proc. C­167/00 (avançado no art. 148º e na nota de rodapé n.º 27, ambos das alegações de recurso), tem subjacente um litígio desencadeado por uma associação de consumidores a propósito da utilização de cláusulas consideradas abusivas em contratos celebrados ou a celebrar com consumidores nos quais a associação não era parte contratante. Salientando, aliás, o Tribunal: “8. Ora, numa situação como a do processo principal, a associação de protecção dos consumidores e o comerciante não estão minimamente ligados por uma relação de natureza contratual." (sublinhado nosso) - esta decisão judicial não contém qualquer ensinamento para os presentes autos em que a relação material assenta toda ela na execução dos contratos.

PPP) o acórdão de 18 de Julho de 2013 do TJVE, OFAB, no proc. C-147/12 (avançado no artigo 147.° e na nota de rodapé n.º 24 das alegações de recurso) tem na sua génese um litígio a propósito da responsabilidade de um administrador e de um accionista por dívidas de uma sociedade face a um credor desta última (!). E em que como é fácil de compreender está ausente uma qualquer relação contratual entre o credor da sociedade e os respectivos accionistas e administradores, estatuindo o TJVE: &3. A este respeito, importa salientar, por um lado, que o conceito de «matéria contratual» na acepção do artigo 5.º ponto 1, alínea a), do Regulamento n.º 44/2001 não pode ser entendido como abrangendo uma situação em que não existe nenhum compromisso livremente assumido por uma parte perante a outra. Por conseguinte, a aplicação da regra de competência especial prevista em matéria contratual no referido artigo 5.º ponto 1, alínea a), pressupõe a determinação de uma obrigação jurídica livremente consentida por uma pessoa vara com outra e na qual se baseia a acção do demandante." (sublinhados nossos)

QQQ) Quanto ao processo Folien Fischer, proc. C-133/01, reinterpretado no artigo 148º e na nota de rodapé n.º 28, ambos das alegações de recurso, as partes nesse litígio não tinham também subjacente uma relação contratual, a sociedade Ritranna pretendia ex novo, e sem qualquer prévia relação contratual, aceder através de licenças a patentes da sociedade Folien.

RRR) Idem no que tange o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Setembro de 2005 (art. 125º das alegações), em que estava em causa a execução de uma sentença estrangeira em território nacional (!), e mutatis mutandis quanto ao argumentário doutrinário avançado nos artigos 127º a 128º das alegações de recurso em que as Recorrentes, evadindo-se do caso concreto, pretendem confundir, sem sucesso, a natureza das regras de concorrência com a jaez contratual da acção por si interposta.

SSS) De igual modo, o acórdão Lithuanian Airlines, proc. C-301/13 (arts. 157º a 164º das alegações de recurso), não contém um único segmento, uma única palavra, sobre a validade de pactos atributivos de jurisdição. Subjacente ao pedido de reenvio prejudicial estava o exequatur na Letónia (através do arresto de bens móveis e imóveis) de uma decisão judicial cautelar proferida a montante por um tribunal Lituano, tendo o Tribunal de Justiça concluído pela aplicação das regras do Regulamento n.º 44/2001, tal como também o fez o Tribunal do Funchal e o Tribunal da Relação de Lisboa no caso dos autos. Refere o dispositivo do aresto: “O artigo 1.º, n.º 1, do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que uma acção, como a que está em causa no processo principal, que tem por objecto a reparação do prejuízo resultante de alegadas violações do direito da concorrência da União é abrangida pelo conceito de «matéria civil e comercial, na acepção desta disposição, e, por conseguinte, entra no âmbito de aplicação desse regulamento, nem mais, nem menos.

TTT) o avançado neste particular no arts. 163.º a 166.º das alegações pelas Recorrentes enferma de erro de raciocínio, em concreto é referido no art. 166º: “Deste modo, não restam dúvidas de que, independentemente da concreta infracção da regra de direito da concorrência, sempre que uma acção tenha por objecto a reparação do prejuízo associado a uma alegada infracção ao direito da concorrência, estamos no domínio do direito da responsabilidade civil extracontratual"

VVV) Em primeiro lugar, o TJVE não apresenta tal conclusão no dito aresto, em segundo lugar, as Recorrentes in casu obnubilam a existência de pacto de jurisdição válido e cumulativamente, em terceiro lugar, rasgam e atiram pela janela o teor da petição inicial que apresentaram nestes autos e a relação contratual controvertida de mais de 25 anos que mantiveram com a Recorrida.

VVV) o "não restam dúvidas" das Recorrentes (art.166.º das alegações de recurso) não tem conformação no acquis judicial que resulta do acórdão de 13 de Março de 2014 do TJVE, Marc Brogsitter c. Fabrication de Montres Normandes, proc. C-548/12 (já citado), nem no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Junho de 2013, proc. 178/07.2TVPRT.P1.S1, Relator Juiz Conselheiro Serra Baptista (já reproduzido).

WWW) Quanto ao aresto de 25 de maio de 2015 do TJVE, CDC c. Degussa, o floreado pelas Recorrentes nos arts. 168º a 199º, das alegações de recurso, é um argumentário especulativo. Pura e simplesmente as Recorrentes olvidam que naquele caso estava em causa (i) um cartel, que não se confunde com o alegado abuso de posição dominante ou abuso de dependência económica, sendo que nestes dois últimos quadros jurídicos inexiste desconhecimento pelas Recorrentes dos comportamentos adoptados pela Recorrida; (ii) que a de mandante naquele processo a CDC tinha celebrado "acordos de cessão de direitos de indemnização, celebrados com 32 empresas estabelecidas em treze Estados-membros"; (iii) que a acção no tribunal nacional alemão tinha por fundamento, salientamos por fundamento, uma decisão condenatória da Comissão Europeia. Decisão 2006/903/CE, de 3 de maio de 2006, no proc. 38.620, composta por 530 (quinhentos e trinta) artigos (!), com aplicação de coimas, que constatava uma infracção ao art. 101º do TFVE no quadro de um cartel, decisão essa já transitada em julgado, no seguimento de recursos apresentados pelas empresas visadas junto do Tribunal Geral e, em momento subsequente, do TJVE - cfr. acórdãos, todos proferidos em 5 de Dezembro de 2013, Comissão c. Edison, proc. C 446/11 P; Caffaro c. Comissão, proc. C-447/11 P; SNIA c. Comissão, proc. C 448/11 P; Solvay Solexis c. Comissão, proc. C 449/11 P; e Solvay c. Comissão, proc. C-455/11 P.

XXX) Ora, no caso dos autos as Recorrentes dispõem de uma mão cheia de nada, inexistindo qualquer indiciário inquérito jusconcorrencial contra-ordenacional, ou decisão administrativa definitiva ou decisão judicial transitada em julgado que incida sobre a Recorrida que ateste ou fundamente um qualquer ilícito; tendo cumulativamente as Recorrentes conhecimento directo de todos os comportamentos adotados pela Recorrida;

YYY) E, continuando a incorrer em erro de raciocínio nos pressupostos avançados, as Recorrentes amnesicamente esquecem nas suas alegações de recurso, quando invocam o referido acórdão, tudo o que foi por si profusamente alegado na petição inicial, no domínio da relação sinalagmática intersubjectiva no quadro da responsabilidade contratual. E cuja causa de pedir in casu não tem por fundamento uma qualquer decisão jusconcorrencial condenatória da Comissão Europeia ou da Autoridade da Concorrência contra a Recorrida. Definitiva ou não definitiva, transitada ou não transitada em julgado. A causa de pedir subjacente ao processo CDC, uma follow-on action fundada em decisão condenatória da Comissão Europeia com 530 artigos confirmada judicialmente, com base em "acordos de cessão de direitos de indemnização, celebrados com 32 empresas estabelecidas em treze Estados-membros", não se confunde, nem tem qualquer nexo com a causa de pedir avançada pelas Recorrentes nos presentes autos: o fundamento da acção sub judice, a factualidade controvertida estampada e subjacente à acção, não é estruturalmente uma decisão condenatória da Autoridade da Concorrência ou da Comissão Europeia.

ZZZ) Para mais, in casu contrato após contrato, as Recorrentes assentiram na cláusula de jurisdição tendo uma relação directa bilateral sinalagmática comportamental com a Recorrida, bem conhecendo os facere adoptados por esta;

AAAA). Sem tergiversar, a Recorrida requer que o Tribunal pondere a actuação das Recorrentes ao pugnarem no articulado, com base num texto doutrinário publicado na Private Competition Enforcement Review de 2014, afirmação das Recorrentes que aqui se reproduz: "a posição de]. Vieira Peres e Eduardo Maia Cadete, Parece, em linha com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, ir também no sentido de que a responsabilidade civil decorrente de infracções jusconcorrenciais tem - regra geral -natureza extracontratual." (sublinhados nossos). Afirmação que é, no mínimo, incorrecta! Conforme resulta do texto dos autores em causa citado, aliás, pelas próprias Recorrentes, mas desta feita apenas em nota de rodapé e em inglês: “De igual modo não pode ser afastada a possibilidade de uma acção por danos ser interposta ao abrigo da responsabilidade contratual nos casos em que exista um contrato entre o infractor e a entidade que sofra os danos, e ocorra uma violação do contrato ou de um dever acessório.";

BBBB) Sem conceder, e de acordo com vários autores da 4.ª edição da referida publicação Private Competition Enforcement Review de 2014, não pode ser afastada a existência de responsabilidade contratual no âmbito de acções de indemnização no domínio jusconcorrencial, entre o mais, em jurisdições como França, Itália, Polónia e Portugal. Assim como em Espanha, de acordo com JESÚS QUIJANO GONZÁLEZ, in Private Enforcement of Competition Law, Almunia et aI, p. 474, e na Holanda, de acordo com os autores DAAN LUNSINGH SCHEURLEER, HERMAN SPEYART, FLIP WIJERS e FOOST FANOY, in The International Handbook on Private Enforcement of Competition Law 2010, p. 373.

CCCC) Destarte, a jurisprudência invocada pelas Recorrentes não belisca a sólida posição adoptada, sendo que todo o recurso das Recorrentes tem subjacente o esquecimento da relação contratual mantida com a Recorrida, o silenciar dos factos por si articulados e alegados junto do Tribunal do Funchal e a tentativa (gorada) de anestesiara existência do pacto de atribuição de foro.

DDDD) Assim como tentam confundir foro competente com lei aplicável à composição do litígio ao convocarem o Regulamento (CE) n.º 864/2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (arts. 20.º, 118.º e Conclusão XIII das contra-alegações), e ao quererem fazer crer que no caso dos autos as instâncias pronunciaram-se sobre a lei aplicável à composição do litígio - o que não tem qualquer suporte nas duas decisões judiciais adoptadas.

EEEE) Ipsis verbis no que tange a invocação sistemática nas alegações de recurso (cfr. artigos 20.º c., 112.º na sua nota de rodapé n.º 6, 116.º,117.º na sua nota de rodapé n.º 9, 118.° e na sua nota de rodapé n.º 10, 136.º, 139.º, 141.º das alegações de recurso e respectivas Conclusões XIII e LXVIII) da Directiva 2014/104/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as acções de indemnização no âmbito do direito nacional por infracção às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros e da União Europeia, Directiva que (i) para além de ainda não ter sido transposta para o ordenamento jurídico nacional (o prazo termo opera a 27 de Dezembro de 2016 - cfr. artigo 21.°); (ii) não tem efeitos retroactivos (cfr. artigo 22.º), (iii) não regula os pactos atributivos de jurisdição; (iv) não impede as Recorrentes de demandarem a Recorrida nos Tribunais da República da Irlanda e, muito menos, (iv) não anula o conteúdo da p.i. apresentada pelas Recorrentes junto do Tribunal do Funchal.

FFFF) No tema do reenvio prejudicial, as Recorrentes tentam reescrever (novamente) a matéria factual e jurídica vertida nos presentes autos com o propósito de suscitar o reenvio, exercício que fazem sem sucesso, ao fundarem tal pedido em considerações hipotéticas, sem adesão ao que resulta dos autos e da jurisprudência: a delimitação proposta pelas Recorrentes parte do pressuposto (errado) de ser matéria assente (que não é) a existência de uma qualquer infracção das regras do direito da concorrência, nomeadamente do art. 102.º do TFUE ou de normas equivalentes do direito nacional, matéria que integra uma apreciação do mérito da causa - passo esse subsequente e a jusante da verificação da competência do Tribunal e não aflorado pelo Tribunal - vide, neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Março de 2010, proc. 2425/07.1TBVCD.P1.S1, Relator Juiz Conselheiro Serra Baptista.

GGGG) No ver das Recorrentes sempre que a aparente substância de um litígio fundado numa relação contratual tivesse (ainda que em tese, e sem conceder) como pano de fundo normas decorrentes do direito da União Europeia, qualquer uma das partes, alegando a violação de tais normas, poderia afastar a aplicação de um pacto de jurisdição livre e validamente acordado - e, consequentemente, a norma constante do art. 23.º do Regulamento nº 44/2001 (que integra o direito da União Europeia)», ficando assim a aplicação de tal normativo ao critério (ou vontade) fortuito e interesseiro da parte que dele se quisesse prevalecer. Isto quando dos 577 artigos que compõem a petição inicial das Recorrentes, pelo menos 379 artigos (mais de metade!) são dedicados às relações contratuais entre as Recorrentes e a Recorrida (!) - conforme resulta, entre o mais, dos segmentos da p.i. assinalados no aresto recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa

HHHH) Para mais, em sintonia com o lapidarmente decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, saliente-se que é pacífico na jurisprudência nacional e europeia que a competência do tribunal deve" ser determinada face à relação jurídica tal como o autor a configura na petição inicial. (...) Sendo, pois, em função do que a agravante alegou na P.I. que se vai verificar se o tribunal português é ou não competente para a acção. Ou, como ensina Lima Pinheiro, em citação do Ac. do TJCE de 6.10.1976, no caso De Bloos, «a obrigação relevante vara o estabelecimento da competência é a que «serve de base à acção judicial». Aferindo-se a competência tal como o objecto e as partes se apresentam no momento da propositura da acção, sendo ir relevantes. em princípio, quaisquer modificações de facto ou de direito (art. 22.º da LOFTJ)." - in acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Março de 2010, proc. 2425/07.1TBVCD.P1.S1, Relator Juiz Conselheiro Serra Baptista, unanimemente sufragado pelos Juízes Conselheiros Álvaro Rodrigues e Santos Bernardino (sublinhados nossos) e, no mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Outubro de 2004, proc. 05B316, Relator Juiz Conselheiro Salvador da Costa. IIII) As Recorrentes, desresponsabilizando-se da sua petição inicial, alegam que estamos, afinal, e porque sim, perante responsabilidade extracontratual, querendo igualmente extrapolar e alavancar tal tese para servir de base a um pedido de reenvio prejudicial - ao arrepio da jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal de Justiça, em particular no quadro do principio estruturante da consumpção no instituto da responsabilidade civil, conforme exarado no dispositivo do acórdão de 13 de Março de 2014 do TJUE, Brogsitter, proc. C-548/12 (supra citado); e pelo Supremo Tribunal de Justiça, no lapidar acórdão de 20 de Junho de 2013, proc. 178/07.2TVPRT.P1.S1, Relator Juiz Conselheiro Serra Baptista, unanimemente sufragado pelos Juízes Conselheiros Álvaro Rodrigues e Fernando Bento (supra reproduzido);

KKKK) Estão manifestamente esvaziadas de relevância e pertinência as (não) questões prejudiciais colocadas pelas Recorrentes: não está em causa nos presentes autos a discussão sobre a efectivação do direito a uma reparação por violação das regras de concorrência, mas tão só a verificação da (in)competência dos Tribunais Portugueses para dirimir o presente litígio, emergente da relação jurídica tal como as Recorrentes a configuram na sua petição inicial.

LLLL) Aliás, as Recorrentes não avançam qualquer explicação ou razões concretas para fundamentar que o seu putativo direito de pedir uma reparação seria afectado, mas tão só, do que a Recorrida consegue apreender, que, por se tratarem de empresas sedeadas em Portugal, seria para estas inconveniente se tivessem que instaurar uma acção noutro Estado-Membro da União Europeia. Esta inconveniência não é legalmente atendível por, além do mais, não conter quaisquer razões objectivas e concretas, devidamente fundamentadas, para sequer deixar à ponderação uma putativa possibilidade de justificação para afastar um pacto de jurisdição válido e livremente acordado - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Fevereiro de 2015, proc. 877 /12.7TVLSB.L1-A.S1, Relator Juiz Conselheiro Gregório Silva Jesus, sufragado unanimemente pelos Juízes Conselheiros Martins de Sousa e Gabriel Catarino.

MMMM) In casu, a prática judicial identificada pelas Recorrentes ou não tem qualquer conexão com o controvertido nestes autos ou, ainda, colide com a sua tese, conforme resulta dos ares tos do TJVE, acima analisados, de (i) 21 de Maio de 2015, CDC c. Degussa, proc. C-352/13; (ii) 23 de Outubro de 2014, Lithuanian Airlines, proc. C-301/13; (iii) 5 de Junho de 2014, Coty Germany, proc. C-360/12; (iv) 13 de Março de 2014, Brogsitter, proc. C-548/12; (v) 18 de Julho de 2013, OFAB, proc. C-147/12; (vi) 16 de maio de 2013, Melzer c. MF Global UK Ltd, proc. C-228/11; (vii) 25 de Outubro de 2012, Folien Fischer, proc. C-133/01; e (viii) 1 de Outubro de 2012, Henkel, proc. C-167/00.

NNNN) Isto para além de jurisprudência trazida aos autos pela Recorrida, e já supra citada, do conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça, que atesta in totum a improcedência da efabulada construção peregrina pugnada pelas Recorrentes, e a validade do pacto atributivo de jurisdição ao abrigo das normas e princípios estruturantes do Regulamento n.º 44/2001, e que se passa a elencar de forma não exaustiva: (i) acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Fevereiro de 2015, proc. 877 /12.7TVLSB.L1-A.S1, Relator Juiz Conselheiro Gregório Silva Jesus, sufragado unanimemente pelos Juízes Conselheiros Martins de Sousa e Gabriel Catarino; (ii) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Junho de 2013, Proc. 178/07.2TVPRT.P1.S1, Relator Juiz Conselheiro Serra Baptista, unanimemente sufragado pelos Juízes Conselheiros Álvaro Rodrigues e Fernando Bento; (iii) acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Março de 2010, proc. 2425/07.1TBVCD.P1.S1, Relator Juiz Serra Baptista, unanimemente sufragado pelos Juízes Conselheiros Álvaro Rodrigues e Santos Bernardino; (iv) acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Fevereiro de 2008, proc. 07B1321, Relator Juiz Conselheiro Rodrigues dos Santos, adoptado por unanimidade; (v) acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Outubro de 2004, proc. 05B316, Relator Juiz Conselheiro Salvador da Costa; (vi) Acórdão de 13 de Março de 2014 do TJVE, Brogsitter, proc. C-548/12, (dispositivo); (vii) acórdão de 7 de Fevereiro de 2013 do TJVE, Refcomp SpA v. Axa Corporate Solutions Assurance S.A., proc. C-543/10, n.º 40; (viii) acórdão de 16 de Julho de 2009 do TJVE, Zuid Chemie, proc. C-189/08, n.º 17; (ix) acórdão de 23 de Abril de 2009 do TJVE, Draka NK Cab1es e o., proc. C-167/08, n.º 19; (x) acórdão de 2 de Outubro de 2008 do TJVE, Hassett e Doherty, proc. C-372/07, n.º 17; (xi) acórdão de 13 de Julho de 2006 do TJVE, Reisch Montage, proc. C-I03/05, n.º 29; (xii) acórdão de 19 de Fevereiro de 2002 do TJVE, Besix, proc. C-256/00, n.º 24; (xiii) acórdão de 28 de Setembro de 1999 do TJVE, GlE Groupe Concorde e o., proc. C-440/97, n.º 23; (xiv) acórdão de 16 de Março de 1999 do TJVE, Trasporti CasteUetti Spedizioni, proc. C-159/97, n.º 47; (xv) acórdão de 3 de Julho de 1997 do TJVE, Benincasa, proc. C-269/95, n.ºs 27-29; (xvi) acórdão de 29 de Junho de 1994 do TJVE, Custom Made Commercial, proc. C-288/92, n.º 20; (xvii) acórdão de 13 de Julho de 1993 do TJVE, Mulox lBC, proc. C-125/92, n.º 11; (xviii) acórdão de 10 de Março de 1992 do TJVE, Powell Doffryn c. W01fang Petereit, proc. C-214/89, n.ºs 13 e 14; (xix) acórdão de 22 de Março de 1983 do TJVE, Peters, proc. 34/82, n.º 17; (xx) acórdão de 4 de Março de 1982 do TJVE, Effer SPA c. Hansjoaquim Kantner, proc. 38/81, n.º 7; (xxi) acórdão de 24 de Junho de 1981 do TJVE, Soe. E1efanten Schuh GmbH vs jacqmain, proc. 150/80, n.º 26; (xxi) acórdão de 17 de Janeiro de 1980 do TJVE, Zeiger, proc. 56/79, n.º 4; (xxii) acórdão de 13 de Novembro de 1979 do TJVE, Sanicentral, proc. 25/79, nº 5; e (xxiii) acórdão de 6 de Outubro de 1976 do TJVE, De B100s, proc. 14/76, nº 14.

0000) É totalmente improcedente o alegado pelas Recorrentes de que um entendimento contrário ao por si pugnado no recurso consubstanciaria o afastamento pelo Supremo Tribunal de Justiça da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, de jure et de facto o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto órgão de soberania com competência para administrar a Justiça em nome do povo, acolhe, quando aplicável, na sua prática judicial a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.

PPPP) Assim como não se suscita também qualquer questão normativa de interpretação sobre o art. 23.º do regulamento aplicado pelo Tribunal do Funchal e pelo Tribunal da Relação de Lisboa, já por diversas lapidarmente estampado pelo Supremo Tribunal de Justiça, entre o mais, no aresto de 11 de Fevereiro de 2015, proc. 877 /12.7TVLSB.L1-A.S1, Relator Juiz Conselheiro Gregório Silva Jesus, unanimemente acompanhado pelos Juízes Conselheiros Martins de Sousa e Gabriel Catarino (já acima reproduzido).

QQQQ) Não relevando aqui (nem fazendo sentido, com o devido respeito), de igual forma, quaisquer considerações a respeito de ordem pública, no sentido pugnado pelas Recorrentes, isto porque o pleno efeito do art. 102º do TFUE (a ser indiciada alguma violação, o que não se concede) não seria afectado em caso algum, porquanto as Recorrentes sempre veriam o seu pedido indemnizatório apreciado junto dos Tribunais da República da Irlanda, os quais (tal como os Tribunais Portugueses) também se pautam pelas normas e princípios enformadores e conformadores da União Europeia.

RRRR) Destacam-se a este respeito, entre o catálogo de arestos do Supremo Tribunal de Justiça que exaram a natureza inequívoca do art. 23.º do Regulamento 44/2001, sempre infirmadores da tese das Recorrentes, os que se passam a enunciar.

SSSS) Acórdão de 9 de Junho de 2004, proc. 04B4076, Relator Juiz Conselheiro Neves Ribeiro, cujo sumário exara: "1. A competência judiciária internacional dos tribunais portugueses pode resultar da vontade das partes, no domínio de relações jurídicas por elas disponíveis; 2. É exclusiva. a competência resultante de pactos atributivos de jurisdição, previstos pelo artigo 23º, n.º1. com as limitações do n.º 3 e do n.º 5, do Regulamento comunitário n.º  44/01 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000 (. .. ); 3. O sistema de competência judiciária, de reconhecimento e de execução de decisões judiciais em matéria civil e comercial do Regulamento Comunitário nº 44/01 e da Convenção de Bruxelas, sobre a mesma matéria, incluindo a que resulta de pactos atributivos de competência judiciária, visa o reconhecimento automático dessas decisões, o favorecimento da sua exequibilidade e da sua livre circulação no espaço territorial da União Europeia, 4.º n.º 1 do artigo 23.º do Regulamento, a que corresponde o § r do artigo 1º da Convenção. Prevê que os factos atributivos conferem competência exclusiva, a menos que as partes convencionem em contrário. (...)

TTTT) Acórdão de 17 de maio de 2007, proc. 07B1001, Relator Juiz Conselheiro Oliveira Vasconcelos “(...) estabelecem expressamente a competência exclusiva do juiz italiano (tribunal de Brescia) para conhecimento dos contenciosos relativos ao presente contrato" (art. 23.º do Regulamento CE n.º 44/2001). II - É conforme às regras decorrentes dos arts. 236.º e 238.º  do CC a interpretação que vê a alusão aos litígios que pudessem surgir entre as partes quanto à execução do contrato como abrangendo ainda os litígios relacionados com a cessação dessa execução. III - A sujeição a um tribunal estrangeiro da resolução dos litígios resultantes de contratos a executar em território português não é contrária à lei. à ordem pública nem aos bons costumes (art. 280.º do CC).";

UUUU) Acórdão de uniformização de jurisprudência, 28 de Fevereiro de 2008, proc. 07B1321, Relator Juiz Conselheiro Rodrigues dos Santos, que positiva "A cláusula de atribuição de jurisdição inserida num contrato de agência mantêm-se em vigor para todas as questões de natureza cível, mesmo que relativas ao respectivo regime de cessação' (sublinhados nossos), contendo o seguinte iter decisório demais. no caso dos autos, como noutros idênticos, nada impedirá que o tribunal escolhido aplique, se entender, o direito material português. Acresce que o acolhimento de uma tese como a referida seria. Seguramente, um bom contributo para a menorização, ou mesmo, para a ineficácia das Convenções, afrontando, certeiramente, os, atrás, falados princípios do primado do direito comunitário e da aceitação da vigência interna das normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal é parte e quando é certo que tal vigência interna resulta do estabelecido nos respectivos Tratados Constitutivos, este último expresso na letra da Lei Fundamental. (...) Neste sentido, vai a jurisprudência nacional, largamente maioritária, designadamente, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça seguintes: de 16 de Fevereiro de 2006 - Proc nº 05B4294; 11 de Novembro de 2003 - proc. nº 03A3137; 14 de Novembro de 2006 - proc. n. 00683304; 13 de Junho de 1997­proc. n.º 97B062; 15 de Maio de 1998 - proc. nº 98B292; 18 de Janeiro de 1998; proc. n. o 98B354; 5 de Maio de 2007 - proc. n.º 07Bl00l; 25 de Março de 2004 ­proc. nº 04B301; 12 de Março de 2006 - proc. n.º 04092/01; 23 de Novembro de 1996 - proc. nº 199/96; 16 de Dezembro de 2004 - proc. nº 4076/04.";

VVVV) Acórdão de 27 de maio de 2008, proe. 08B278, Relator Juiz Conselheiro Santos Bernardino: "(...). 2. A validade dessa cláusula pode afirmar-se quer à luz do disposto no art. 23º, n.º 1 do Regulamento (CE) 44/2001 do Conselho. de 22.12.2000 - cujas disposições são aplicáveis às acções judiciais intentadas posteriormente à sua entrada em vigor - quer face à regra, de conteúdo idêntico, do art. 17º da Convenção de Bruxelas de 27.09.1968, que o Regulamento substituiu entre os Estados-Membros. 3. Estas normas sobrepõem-se às normas de direito interno nacional que dispõem sobre os factores de atribuição da competência internacional e da competência exclusiva dos tribunais portugueses, atenta a regra do primado do direito comunitário e da sua prevalência sobre o direito nacional.";

WWWW) Acórdão de 8 de Outubro de 2009, proc. 5138/06.8TBSTS.S1, Relator Juiz Conselheiro Serra Baptista: "1. O Regulamento Comunitário (CE) nº 44/2001. como os demais regulamentos comunitários, têm primazia sobre as leis nacionais, integrando-se no ordenamento jurídico de cada Estado, pelo que o Tribunal chamado a conhecer de uma causa em que haja um elemento de conexão com a ordem jurídica de outro Estado contratante, deverá ignorar as regras da competência internacional da lex fori e aplicar antes as repas uniformes de tal Regulamento. (...) 7. O pacto atributivo de jurisdição convencionado entre as partes respeita a qualquer litígio emergente do contrato, vigorando para todas as questões dele resultantes.";

XXXX) Acórdão de 4 de Março de 2010, proc. 2425/07.1TBVCD.P1.S1, Relator Juiz Conselheiro Serra Baptista: "1. A competência deve ser determinada face à relação jurídica. tal como autor a configura na petição inicial. (...) 4. Tendo a acção por base um relacionamento comercial firmado entre A. e Ré, nela se procurando ver reconhecido um direito indemnizatório por banda daquela, com base na violação de tal contrato. por parte da ré. e tendo as partes convencionado, por escrito, um pacto atributivo de jurisdição. tem aqui avaliação o art. 23.º do Regulamento, sendo competente o Tribunal a quem foi atribuída jurisdição pelas partes."

(…)

I.b. – Questão a merecer apreciação.

A pretensão recursiva das recorrentes, concentra-se na análise das questões, em desinência, no epítome conclusivo, a saber:

- Declaração a nulidade do acórdão recorrido, por falta de fundamentação;  

- Ocorrendo subsistência de dúvidas quanto à correcta aplicação do direito da União Europeia, deverá o processo ser suspenso e accionado o mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia; em qualquer caso;

- Em derradeiro transe, deverá o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, justamente, declare competente a Instância Central do Tribunal da Comarca do Funchal para o conhecimento da presente acção.”

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.b. – DE DIREITO.

II.b.1. – Declaração a nulidade do acórdão recorrido, por falta de fundamentação.

Acoimam, os recorrentes, a decisão revidenda de nula por o acórdão ser “manifestamente nulo por falta de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão, chocando pela sua simplicidade e ligeireza.

“(…) está em causa nos presentes autos a aferição da responsabilidade civil extracontratual da Ré CC por práticas violadoras de normas de Direito da Concorrência, praticadas, é certo, no contexto de relações comerciais que se desenvolveram entre as partes.

Com efeito, unicamente com base nessa circunstância, e independentemente da alegação expendida pelas Recorrentes na sua petição inicial, e dos concretos pedidos por estas formulados, o Tribunal Judicial da Comarca do Funchal entendeu que a eventual responsabilidade civil que haverá de ser assacada à Ré reveste natureza contratual, e não extracontratual.

O Tribunal de 1.ª instância entendeu - e o Tribunal da Relação assentiu ­que o fundamento da acção proposta pelas ora Recorrentes não reside na violação de quaisquer normas jusconcorrenciais, mas reside, pelo contrário, numa (não alegada) violação por parte da Ré das obrigações contratuais estabelecidas naqueles acordos.

Porém, em momento algum as instâncias se prestam à tarefa de identificar quais, em concreto, as obrigações violadas pela Ré, ou quais os deveres incumpridos, limitando-se a remeter para uma noção vaga de «violação do dever de lealdade e da actuação de acordo com os ditames da boa-fé», de impossível densificação no caso concreto e a qual, reitere-se, nunca foi alegada pelas Recorrentes na sua petição e não constitui a causa dos pedidos formulados nos presentes autos.

Isto dito, o cerne da questão decidenda prende-se com o facto de, inseridas nos aludidos acordos escritos celebrados entre as partes, encontrarem-se cláusulas que convencionam como competentes para a apreciação dos litígios potencialmente emergentes dos mesmos os tribunais da República da Irlanda.”

A necessidade da motivação de decisão judicial vem apontoada desde sempre no ordenamento jusprocessual – cfr. artigo 154º do Código Processo Civil –, taxando uma decisão sem fundamentação com a sanção de nulidade – cfr. artigo 615º, n.º 1, alínea b) – e que o legislador constitucional alçou a dever e exigência de sedimento e estrutura fundante de qualquer resolução judicial – cfr. artigo 205º da Constituição da República Portuguesa. [[1]]

 “[o] juiz está obrigado a racionalizar o fundamento da decisão articulando os argumentos (as «boas razões») em função das quais aquela pode resultar justificada: a motivação é, então, um discurso justificativo constituído por argumentos racionais.” [[2]]           

A motivação é informada ou perpassada por um princípio basilar, qual seja o da completude. Finca-se este princípio na necessidade de uma justificação cabal de todas as razões que determinaram a valoração (lógico-racional), tanto de facto como de direito, em que o Juiz se escorou para conferir determinada opção ou eleição decisória.

No ensino de Michele Taruffo o princípio da completude comporta duas implicações. [A] primeira implicação é que a motivação completa deve incluir tanto a chamada justificação interna, que atende à conexão lógica entre premissas de Direito e premissa de facto (a chamada subsunção do facto à norma) que sustenta a decisão final, como a justificação externa, quer dizer, a justificação das eleições das premissas das quais deriva a decisão final. A justificação externa da premissa de facto da decisão concerne às razões pelas quais o juiz reconstruiu e determinou de uma dada maneira os factos da causa: estas razões referem-se, essencialmente, às provas das quais o juiz se serviu para decidir acerca da verdade ou falsidade dos factos.” [[3]]       

No entanto, como adverte este autor, torna-se necessário eliminar um equivoco, consistente em considerar que a motivação é uma espécie de registo do razoamento que o juiz desenvolveu para chegar à decisão. “[Pelo] que respeita à motivação do juízo de facto, a motivação seria então uma espécie de narrativa (recuento) do que o juiz havia pensado ao praticar as provas, ao valorá-las e ao derivar delas a decisão final. Trata-se de uma concepção errada: há que distinguir entre o razoamento com que o juiz chegou a uma decisão e o razoamento com que o juiz a justifica. O primeiro razoamento tem um carácter heurístico, procede por hipóteses verificadas e falseadas, inclui inferências abdutivas e articula-se numa sequência de eleições até à eleição final sobre a verdade ou falsidade dos factos. A motivação da decisão consiste num razoamento justificado que - por assim dizer - pressupõe a decisão e está dirigida a mostrar que há «boas razões» e argumentos logicamente correctos, para a considerar válida e aceitável. Naturalmente, pode suceder que haja pontos de contacto entre as duas fases do razoamento do Juiz: o juiz que sabe que deve motivar estará induzido a razoar correctamente ainda quando está valorando as provas e formulando a decisão. O mesmo juiz ao redactar a motivação, poderá completar argumentos e inferências que formulou ao valorar as provas e ao configurar a decisão final. Isto não demonstra, sem embargo, que as duas fases de razoamento do juiz tenham a mesma estrutura e a mesma função, nem muito menos que uma possa considerar-se como uma espécie de reprodução da outra,” [[4]/[5]]

O tribunal quando procede à reapreciação da decisão de facto deve motivar a sua decisão, dado que esta exigência constitucional realiza uma das funções determinantes da acção jurisdicional na legitimação interna e externa do processo. [[6]]

Entre os aspectos determinantes da função extraprocessual da motivação, Michele Taruffo assinala a instrumentalidade que caracteriza a obrigação constitucional da motivação “[c]om respeito às garantias fundamentais relativas á administração da Justiça: é mediante a motivação, com efeito, que se torna possível controlar se em cada caso se cumpriram efectivamente princípios como o da legalidade ou os atinentes ao “devido processo”. “Outro aspecto relevante de la función de la motivación, que está en el lundamenta de su obligatoriedad, es que induce al juez a demostrar, justificando su decisión, que hay razones válidas para considerar la decisión misma como coherente con el sistema jurídico en el que se inserta. En este sentido, la motivación desarrolla una función de legitimación de la decisión, em cuanto muestra que responde a critérios que guían el ordenamiento y gobiernan la muestra la actividad del juez”. [[7]]  

Discorrendo sobre a natureza da motivação este autor assevera que não será correcta a ideia que parece querer impor-se de que o juiz deveria reproduzir o percurso lógico e psicológico da decisão que tomou “[a] a decisão estaria motivada sobre a base de uma espécie de explicação, quer dizer sobre a base de momentos e passagens mediante os quais a decisão se foi formando na mente do juiz”. “Este modo de entender la motivación como un discurso que desenhe la formación de la decisión está bastante difundido pero es impropio y está sustancialmente equivocado por varias razones que se pueden indicar sinteticamente.” [[8]] A primeira é que a psicologia da decisão e a estrutura da sentença não são coisas qualitativamente diferentes e deve ser evitada a confusão entre elas. Por outro lado parece obvio a impossibilidade de para o juiz de redactar uma espécie de registo ou reconto das suas próprias passagens mentais para explicar como chegou á decisão: “[el] procedimiento mental  del juez se desarrolla em vários momentos en el curso del proceso, y sóIo al flnal lleva a cabo la decisión final.” “En otros términos lo que se exige al juez cuando se le impone la obligación de motivación, es suministrar una justificación racional de su decisión és decir, desarrollar un conjunto de argumentaciones que hagan que su decisión resulte justificada sobre la base de critérios y estándares intersubjetivos de razonamiento. Si se acoge, como parece necesario, la concepción «legalracional» de la justicia, em los términos que han sido establecidos claramente por ejemplo, por Jerzy WROBLEWSKI con referencia a ordenamientos que – como el nuestro – están marcados por el principio de la legalidad, resulta evidente que la motivación de la sentencia consiste precisamente en un discurso justificativo en el que el juez enuncia y desarrolla las «buenas razones» que fundamentan la legitimidad e la racionalidad de la decisón”. [[9]]  

Arrancando destes ensinamentos, o juiz que reaprecia a prova, em via de recurso, deve “[S]iempre y cuando eI juez haya motivado su razonamiento probatório, el juez ad quem podrá revisar las declaraciones prestadas por los sujetos del  proceso, y comprobar que efectivamente eran coherentes, estaban corroboradas, contextualizadas y no contenían detalles oportunistas, siempre que cada uno de esos aspectos sea relevante en el caso concreto, […] El juez de apelación, finalmente, puede hacer algo más que descubrir los errores en el razonamiento probatório de la forma indicada. También puede, a raiz del descubrimiento de dichos errores, valorar conjuntamente toda la prueba practicada y extraer una versión diferente a la afirmada por el juez a quo.” [[10]]

Já quanto ao razoamento necessário e institucionalmente validante de uma decisão judicial este Mestre processualista italiano refere que o razoamento do juiz – para aqueles que, como ele, inculcavam à fundamentação (motivação da decisão judicial) uma distinção entre razoamento decisório e razoamento justificativo – se devia desdobrar em dois planos, pois “uma coisa é o procedimento através do qual o juiz chega a formular a decisão final, mediante uma concatenação de eleições, de hipóteses constatadas como falsas ou confirmadas, de mutações que intervêm no curso do processo, de elaborações e valorações que desembocam na decisão final; e outra coisa é o razoamento com o qual o juiz, após haver formulado a decisão final, organiza um razoamento justificativo no qual expõe as «boas razões» em função das quais a sua decisão deveria ser aceitada como válida e compatível.”

Refere o autor que esta distinção e forma de enquadrar o razoamento judicial, se equivale ao context of discovery: “que tinha características estruturais próprias: articula-se no tempo, implica a síntese de diversos factores, procede através de abduções e de trial and error, percorre caminhos que logo são abandonados, inclui a influencia de factores psicológicos e ideológicos, implica juízos de valor, e pode inclusivamente compreender a participação de várias pessoas, como ocorre em todas as hipóteses nas quais a decisão é tomada por um colégio de juízes.” Por outra parte o equivalente do context of justification apresentar-se-ia como sendo verdadeiramente como a motivação da sentença. Esta motivação configurar-se-ia como sendo aquela que surge quando a fase decisória já está esgotada e a decisão final já foi assumida “não tem a função de formular eleições, mas sim mostrar que as eleições que se realizaram foram «boas»; tem uma estrutura argumentativa e não heurística; tem uma função justificativa ; é um discurso – e, portanto uma entidade linguística – e não um iter psicológico; funda-se em argumentos com valência tendencialmente intersubjectivo; está estruturada logicamente: pode incluir inferências dedutivas e indutivas, mas não de abdução, e assim sucessivamente.” [[11]]

Se não se pode saber com o juiz tomou uma decisão, ou seja quais são« as razões reais» pelas quais o juiz elegeu um determinado vector decisório e logo o assumiu como decisão (definitiva), poderá sempre ficar-se a saber quais as «boas razões» que justificam a decisão tomada, se a justificação que for assumida lograr uma concatenação lógico-racional que permita ao destinatário percepcionar e compreender, de forma inteligível, clara e válida que as «boas razões» que estiveram na base e por detrás da decisão tomada se articulam num contexto de sentido racional aceitável e admissível à luz de valorações e princípios comummente aceites pelo substrato ideológico prevalente num determinado e dado contexto societário.      

Desprendendo da função da motivação da decisão duas vertentes, Michelle Taruffo refere a existência de um função endoprocessual e uma outra de função extraprocessual. [[12]

A motivação (justificativa) deve ser entendida, no ensino do Mestre que vimos citando, “como um discurso elaborado pelo juiz com o intento de tornar evidente (“volver manifesto”) um conjunto de significados: isso significa, para além disso, que a motivação deve ser configurada como um instrumento de comunicação que se insere (“inserta”) num procedimento comunicativo, que tem a sua origem no juiz e que está encaminhado para informar as partes, e também ao público em geral, aquilo que o juiz pretende expressar.” “A motivação não deve ser vista como um todo unitário e homogéneo, mas sim como um conjunto de entidades que, sob certos aspectos, são heterogéneos entre si: tratando-se de um discurso, entendido com um conjunto de proposições, poder-se-ia definir a motivação como o conjunto de signos linguísticos, quer dizer, como um signo complexo, dependendo do que se queira evidenciar a variedade das suas componentes, ou ainda a sua inserção (“ubicación”) num mesmo conjunto” [[13]]             

Firmados na lição do Mestre italiano – ainda que em breve e alongados passos expressa – talvez não seja despiciendo transcrever a parte fundamentadora da decisão sob revisão.
Justificou-se, na decisão a eleição pela decisão tomada, com a argumentação que a seguir queda extractada (sic): AA, SA” e “BB, SA”, ambas com sede na Madeira, instauraram acção contra CC, sociedade constituída ao abrigo da Lei Irlandesa, com sede na Irlanda, em que pediram: a) que seja declarada a prática de abusos “de posição dominante pela R, ao abrigo do artigo 6º da Lei nº 18/2003, de 11 de Junho e do art. 102º TFUE; b) seja declarada a prática de abusos de dependência económica pela R. designadamente na imposição do contrato GG, celebrado contra disposição imperativa da lei, proibido ao abrigo do art. 7º da Lei, nº18/2003, de 11 de Junho; c) ser a R. condenada a pagar à AA-…, SA €39.183.667,40 acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; c) ser a ré condenada a pagar à BB, SA, €1.042.791,7, acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

No art. 8 da petição, na sequência dos anteriores, refere que as relações comerciais entre a AA- …, SA e a Ré remonta pelo menos a 1985.

Nos artigos 25 e segs da petição inicial elencam o que enumeram como “vicissitudes da relação contratual e factual “ entre a  CC e a AA. Nos artigos 28 a 30 enumera os vários acordos ao abrigo dos quais se desenvolveu a relação comercial. E continuou referindo os acordos seguintes, nomeadamente o GG, vigente a partir de 01.04.2011.

Nos artigos seguintes da petição (45 a 108) analisa os vários períodos e os acordos neles em vigor, durante a vigência da relação contratual entre a CC e a AA. Nos artigos 109 a 111 sob o título “Da relação contratual entre BB e a CC, refere os acordados que regularam a mesma desde 1985. Nos artigos 112 e segs. até 226 sob o título “Da subordinação económica das autoras” e subtítulo “Posição dominante da CC” alega como se desenrolou a colaboração entre as partes. A partir dos artigos 227 da petição sob o título “Dos comportamentos abusivos” e subtítulo “introdução aos comportamentos abusivos da CC” alega o que entende serem comportamentos abusivos da Ré, fazendo-o referindo sempre um quadro de relação contratual entre as empresas AA e R., o que se mantém até ao artigo 424.

Com base nesses factos formula os pedidos referidos.

Como resulta do art. 581º, nº4, 1ª parte do CPC, a causa de pedir é o facto jurídico concreto de onde emerge a pretensão do autor.

A acção tem assim um fundamento contratual.

A motivação – esquemática e silogisticamente alinhada – não razoa de forma exuberante – dir-se-á que o faz de uma forma sincrética e sincopada – quanto ao tema que se constitui como cerne da questão para a eleição do foro competente, a saber se a relação jurídica de onde o proponente da acção arranca para a atribuição do foro se deve qualificar como uma relação jurídica contratuada e conchavada entre as partes e daí decorre – eventualmente por uma imputação ilícita violadora do contrato (domínio da posição dominante) – uma responsabilidade extracontratual, ou se se trata tão só, com assevera a demandante, de uma pura e estrénua violação de deveres e injunção extracontratuais e que agidos com culpa se reconduzem a uma obrigação de indemnizar com base nos pressupostos contidos no artigo 483º do Código Civil.            

Este Supremo tribunal tem vindo a firmar jurisprudência n sentido de que só a absoluta, total e completa falta ou omissão de fundamentação ou uma fundamentação inapropriada e desviada do tema decidindo, na sua vertente de não congraçar um raciocínio lógico-dedutivo pregnante e arrimado á questão a que pretende conferir consistência jurídico-substantiva, se constitui como vicio condutível á nulidade da decisão.

Na posse destes instrumentos de razoamento poderemos asseverar que, a motivação supra extractada, não podendo crismar-se como exemplar ou de tábua de ensino, cumpre os critérios e função de uma motivação atinada com o dever constitucional de motivação de uma decisão judicial.

Na verdade, ainda que numa arrumação esquemática e de sincope dedutiva, a decisão alinha os factos que, num razoamento sincopado e cascateado, induzem o resultado a que se alça. Nesse alinhamento, a decisão, de forma escorreita, enuncia os factos – correspondentes ao articulado pelas demandantes – em que se espelha a pulsão contratual donde pretendem fazer derivar a pretensão que solicitam ao tribunal. Desse alinhamento dessumem a asserção de que a causa de pedir ancora em factos (articulados) que inculcam a decisão (eleição decisória do julgador) de que subsiste ao tema a decidir uma questão relacional de índole contratual e que deverá ser desta relação que se deverá extrair as componentes de ordem jurisdicional para determinação da competência internacional do tribunal.

Como dissemos supra não se constitui como um modelo e exemplo de motivação – se tivermos os ensinamentos dos processualistas mais conceituados – mas também não se poderá acoimar a fundamentação da decisão (context of justification, ou denotatum) como completamente omissa ou ausente, de modo a taxar-se de “falta de fundamentação” para os efeitos do disposto no artigo 615º, nº, al. b) do Código Processo Civil.

Falece, neste entendimento, a carreada nulidade.            

II.b.2. – Suspensão da causa e accionamento do mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.  

Na pugna – munificente, confira-se – que as recorrentes conduzem pelo vencimento da sua posição, ponderam a possibilidade de que (sic): “[uma] interpretação do artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001 que permita ter em conta, no caso de acções de indemnização por infracção à proibição de violação das regras de direito da concorrência (esteja em causa o artigo 101.º e/ou o artigo 102.º do TFUE ou até as disposições equivalentes de direito nacional), cláusulas atributivas de jurisdição que impliquem a derrogação das regras de competência internacional previstas no artigo 5.º, n.º 3, desse regulamento, para além de se encontrar ferida de inconstitucionalidade, viola igualmente o direito da União Europeia vigente na ordem jurídica interna (artigo 8.º da CRP), em especial o princípio de uma execução eficiente da proibição de violação dos artigos 101.º e 102.º do TFUE.

Com efeito, o pleno efeito dos artigos 101.º e 102.º do TFUE (e das normas de ordem pública adoptadas, hoje no RJC, em execução do comando constitucional do artigo 81.º, alínea j), da Constituição, seria irremediavelmente perdido se a AA e a BB, empresas sedeadas em Portugal, fossem obrigadas a interpor uma acção perante o Tribunal irlandês com vista à reparação de danos sofridos em Portugal por restrição da concorrência traduzi da em abusos de exclusão.

A garantia do direito de pedir essa reparação contribui substancialmente para a manutenção de uma concorrência efectiva na União.

Desse modo, impõe-se neste caso a alegação de que, como foi profusamente demonstrado, existe uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da UE a este respeito, razão pela qual caso este Supremo Tribunal entenda afastar-se desta jurisprudência ou tenha dúvidas sobre a norma do Regulamento (CE) nº 44/2001 (ou, hoje, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012) a aplicar, impõe-se, à luz do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição, nos termos do qual o direito da União se aplica em Portugal nas condições definidas no próprio direito da União, e da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça em matéria de reenvio prejudicial, que seja submetida uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça para seu cabal esclarecimento, em nome da justiça formal mas também, e sobretudo, da justiça material, mas também do respeito pelas funções de cada tribunal.

Assim, considerando a jurisprudência do Tribunal de Justiça já referida, impõe-se a aplicação da jurisprudência comunitária sobre (i) o carácter de ordem pública das proibições resultantes das normas de concorrência; (ii) a natureza extracontratual da infracção consistente num abuso de exclusão por parte de uma multinacional toda poderosa contra um distribuidor exclusivo nacional; (iii) a irrelevância de um pacto atributivo de jurisdição que não abrange questões de direito da concorrência mas apenas matéria contratual; (iv) tanto mais quanto se trata de um litígio em que nem a causa de pedir nem o pedido invocam qualquer violação de uma obrigação contratual ou de qualquer dever acessório de cariz contratual; (v) mas apenas a reparação de prejuízos decorrentes da violação de normas legislativas de ordem pública.

Nesse sentido, e subsidiariamente, entendem as Recorrentes que, a subsistir qualquer dúvida sobre a competência internacional dos Tribunais portugueses, num caso como o presente, deverá o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no § 3 do artigo 267.º do TFUE suspender a instância e colocar as seguintes questões ao Tribunal de Justiça:

- Constitui a norma que no artigo 102.º do TFUE estabelece a proibição de abusos de posição dominante e, em particular, de abusos de exclusão, uma norma de ordem pública material que pode originar responsabilidade civil extracontratual em favor da vítima do abuso?

- A circunstância de um abuso de posição dominante surgir no contexto em que entre as empresas (a que praticou o abuso e a que foi vítima do abuso e foi excluída do mercado) existiam relações contratuais duradouras impõe a qualificação da acção de responsabilidade civil tendente à reparação desses danos como acção sobre matéria "contratual" ou permite que seja qualificável como sendo referida a "matéria extracontratual", no sentido previsto no artigo 5.º, nº 3), do Regulamento (CE) nº 44/2001, ou no artigo 7º, nº 2), do Regulamento (UE) nº 1215/2012, e no acórdão flyLAL ­Lithuanian Airlines (proc. C-302/13, nº 28-29, 38)?

- O princípio da protecção jurisdicional efectiva permite que, não invocando a causa de pedir nem o pedido na acção de reparação qualquer violação de uma obrigação constante do contrato ou derivada de um qualquer dever contratual acessório ao contrato, seja excluída a natureza extracontratual da questão sub iudice, em especial quando se trate de um abuso de exclusão cujo resultado a total reconfiguração da estrutura do mercado, a insolvência e a evicção do mercado da demandante?

Na apreciação a que se procede do pedido [(subsidiário), mas que, atenta a pronúncia definitiva quanto à excepção de incompetência internacional, nos parece dever ser o momento de apreciação deste pedido)] tem-se presente a doutrina dos acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), Ferreira Santos Pardal c. Portugal, [[14]] e do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), Ferreira da Silva e Brito al. Estado Português, [[15]] e respectivos comentários do Professor Miguel Teixeira de Sousa, no blog do Instituto Português de Processo Civil e de Alessandra Silveira e Sophie Perez Fernandes.    

Em nosso juízo a questão em debate para a solução da questão da competência nacional versus internacional empreende-se dentro de um núcleo de matérias que atinam com a qualificação/integração, no plano do direito nacional, do que se recorta como uma relação jurídica meramente contratual ou uma relação jurídica de natureza extracontratual. Pensamos não dever ser necessário o recurso ao envio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia para dirimir a enunciada dicotomia, ou dialéctica, jurídica que deverá, para eleição por uma ou outra socorrer-se tão só doc conceitos, critérios definidores e orientações doutrinais e jurisprudenciais que dilucidem o tema em tela de juízo e estabeleçam, em raia enquadradora, se a causa de pedir donde decorre o pedido assenta, repousa e se desenvolve na base de uma relação contratualmente preponderante ou, ao invés, a causa de pedir se ancora numa relação conformadora da responsabilidade aquiliana.   

Pedimos vénia para transcrever, o que a propósito da distinção entre responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual, ficou escrito em acórdão relatado pelo Conselheiro Gregório Jesus, no processo nº 209/06.3TVPRT.P1.S1, por nós subscrito, ao que se nos afigura inédito. 

Distingue-se a responsabilidade civil em contratual, quando provém da “falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei”, e extracontratual, também designada de delitual ou aquiliana, quando resulta da “violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem”.

O Código Civil (são deste diploma legal todos os preceitos por diante mencionados sem alguma menção de origem) sistematiza estas duas formas de responsabilidade em lugares distintos. A responsabilidade contratual nos arts. 798º e segs., no capítulo atinente ao cumprimento e não cumprimento das obrigações, e a responsabilidade extracontratual nos arts. 483º e segs. no capítulo das fontes das obrigações . Porque versando um problema que lhes é comum, às duas formas de responsabilidade interessam ainda os arts. 562º e segs. que fixam o regime próprio da obrigação de indemnizar.

Dispõe aquele art. 798º que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”, e de harmonia com o disposto no nº 1 do art. 483º, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

São os mesmos os elementos constitutivos da responsabilidade civil, provenha ela de um facto ilícito ou de um contrato, a saber: o facto (controlável pela vontade do homem); a ilicitude; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Em qualquer dos casos, a responsabilidade civil assenta na culpa, a qual é apreciada in abstracto, ou seja, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, conforme preceitua o nº 2 do art. 487º, aplicável à responsabilidade contratual ex vi nº 2 do art. 799º.

Todavia, existe interesse na destrinça das duas espécies que reside essencialmente no facto de a tutela contratual ser a que, em regra, mais favorece o lesado na sua pretensão indemnizatória face às regras legais em matéria de ónus da prova da culpa (arts. 799º nº 1 e 487º nº 1) , o que será objecto de análise no ponto seguinte.”

Em sentido similar, coonesta esta distinção, o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Fevereiro de 2012, relatado pelo Conselheiro Távora Vítor, quando escreve (sic). “Nos termos do preceituado no artigo 483º do Código Civil — Diploma a que pertencerão os restantes normativos a citar sem menção de origem — "aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

Ali se estabelece pois o princípio geral da responsabilidade civil, fundada em facto que seja objectivamente controlável ou dominável pelo agente, isto é uma conduta humana, que tanto pode consistir num facto positivo, uma acção, como num negativo (omissão ou abstenção), violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios — comportamento ilícito.

Para que desse facto irrompa a consequente responsabilidade necessário se torna, à partida, que o agente possa ser censurado pelo direito, em razão precisamente de não ter agido como podia e devia de outro modo; isto é que tenha agido com culpa.

A ilicitude e a culpa são elementos distintos; aquela, virada para a conduta objectivamente considerada, enquanto negação de valores tutelados pelo direito; esta, olhando sobretudo para o lado subjectivo do facto jurídico.

A responsabilidade traduz-se na obrigação de indemnizar, de reparar os danos sofridos pelo lesado.

Este dever de indemnizar compreende não só os prejuízos causados, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão — artº 564º do Código Civil.

O prejuízo surge pois como um elemento novo a acrescer ao facto ilícito e à culpa, sem o qual o agente não se constituiria na obrigação de indemnizar.

Os danos podem ter um conteúdo económico (danos patrimoniais) abrangendo os danos emergentes, efectiva diminuição do património do lesado, o prejuízo causado nos seus bens, e o lucro cessante, os ganhos que se frustraram por causa do facto ilícito, ou imaterial (danos não patrimoniais ou morais, que resultam da ofensa de bens de carácter espiritual ou morais, e que não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem todavia ser compensados pelo sacrifício imposto no património do lesante).

A reparação dos danos deve efectuar-se em princípio mediante uma reconstituição natural, isto é repondo-se a situação anterior à lesão; mas quando isso não for possível, ou não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, então haverá que subsidiariamente fixar‑se a indemnização em dinheiro - cfr. artsº 562º e 566º do Código Civil. Nesta hipótese, o dano real ou concreto é expresso pecuniariamente, reflectindo-se sobre a situação patrimonial do lesado (dano patrimonial ou abstracto).

A responsabilidade civil pode, no que ora nos interessa, verificar-se no âmbito de um contrato, gerada pelo incumprimento de uma das partes, sendo certo que não é necessário que aquele seja definitivo, já que a simples mora constitui o devedor na obrigação de indemnizar o credor – artigo 804º. Sendo um dos pressupostos de indemnizar, a lei prevê, para além do dolo, a culpa, como um dos requisitos a qual se presume em sede contratual.

Estatui o artigo 798º que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento de uma obrigação torna-se responsável pelo prejuízo causado a credor”. O Tatbestand desta norma, no âmbito da responsabilidade contratual, exige para a respectiva violação: “1º o facto voluntário (acção ou omissão); 2º violação cometida na relação obrigacional e dentro dos deveres compreendidos na relação de prestação; 3º relação entre o facto voluntário e a violação de um dever compreendido na relação de prestação”.

A responsabilidade extracontratual ou aquiliana resulta da prática de factos ilícitos culposos violadores de direitos ou interesses alheios juridicamente protegidos, causadores de prejuízos a outrem; como resulta dos seus próprios termos, esta responsabilidade gera-se fora do círculo de uma relação obrigacional entre as partes.

Muito embora em pouco se traduza, no tocante aos respectivos requisitos, a diferença entre os dois tipos de responsabilidade supra-referidos, certo é que no que concerne ao ónus da prova existe entre ambas uma diferença fundamental; na responsabilidade civil obrigacional a culpa presume-se, o que não sucede na responsabilidade extra-contratual ou aquiliana em que cabe ao lesado provar a culpa do lesante.” [[16]]

Genericamente a responsabilidade contratual tem a sua génese na violação de um pacto ou acordo firmado entre dois ou mais sujeitos – tratando-se de um negócio bilateral, que aqui nos interessa –, que pode ser traduzido numa situação de mora ou falta de adimplemento de um vínculo prestacional pactuado e assumido por cada um dos contraentes e gerador de uma correspectividade de prestações. À violação de um acordo ou pacto contratual preexiste a constituição de um vínculo obrigacional que as partes quiseram, num acordo voluntário e assumido de vontades que convergiram para a constituição da relação estabelecida.  

Já a responsabilidade extracontratual, ou aquiliana, resulta da violação de um estado de normatividade constituída e que estabelece um leque de valorações e direitos concentrados da pessoa ou das coisas e cuja observância deve ser acatada e respeitado por todos. Neste tipo de responsabilidade, ao contrário do que ocorre com a responsabilidade contratual, não existe uma relação (anterior) constituída e vinculativa de prestações recíprocas (itera-se para o caso dos negócios bilaterais), antes a violação ocorre de uma obrigação geral de respeito e observância de direitos constituídos e garantidas pela normatividade prevalente, em dado momento histórico.

A destrinça/distinção entre os dois tipos de responsabilização por violação de um pacto negocial e/ou de uma norma que protege direitos e regras gerais de comportamento/deveres socialmente impostos pela ordem jurídica deve ser efectuada à luz do ordenamento juspositivo português não se revelando uma questão de disquisição do direito comunitário ou que suscite controvérsia no conspecto desta ordenação compósita e multilateral.   

Do que se deixa dito, afigura-se-nos ser possível, à luz do ordenamento indígena, dirimir a questão axial de que se dessumirá a atribuição da competência dos tribunais da ordem jurídica nacional e/ou internacional.

Em vista da eleição assumida, passar-se-á a apreciar a questão cerne que propina o presente recurso. Vale dizer a excepção de incompetência do tribunal nacional para apreciação da questão proposta ao tribunal para resolução.      

II.b.3. – Excepção de Incompetência Internacional.

A essencialidade do recurso debate-se na dicotomia relação contratual versus relação extracontratual. Vale dizer, como as recorrentes pretendem inculcar, que o pedido deriva de uma infracção a deveres, regras de comportamento e pautas de acção decorrentes de uma posição de domínio contratual e que essa infracção deve ser reconduzida aos pressupostos da obrigação de indemnizar induzida de factores atinentes com a responsabilidade aquiliana, ou, ao invés, como a recorrida contramina, que a indemnização que é pedida radica numa estrénua e singela violação de regras ou pautas de conduta contratual e só neste âmbito pode ser enquadrada a causa para efeitos de aferição e atribuição da competência do tribunal nacional.

Passando em relevo o que já se disse quanto à fundamentação da decisão, e no que a este concreto ponto a decisão fundamentou, ficou exarado que (sic): “quanto aos contratos celebrados entre CC e a AA, no contrato IMC Agreement, cláusula 16, junto pelas AA (doc.12), todos os litígios decorrentes do Acordo serão submetidos à jurisdição dos Tribunais Irlandeses.

A cláusula 13.1 do FF também previa os Tribunais Irlandeses como os competentes para conhecer de litígios decorrente do contrato.

O GG manteve a cláusula 13.1 do FF, pelo que se manteve a cláusula quanto à jurisdição convencional.

Nos contratos celebrados entre CC e BB a cláusula 12.01 do contrato (doc. 26 da pi ) “LL Agreement” prevê os Tribunais da Irlanda como os competentes para conhecerem dos litígios emergentes. O contrato celebrado entre BB junto como documento 27 da p.i. diz que este faz parte integrante do “LL Agreement”.

O Regulamento (CE) 44/2001, de 22.12.2000 relativo à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial, entrou em vigor em 01.03.2002 e veio substituir entre os Estados Membros (com excepção da Dinamarca) a Convenção de Bruxelas de 1968.

No art. 23, do Regulamento 44/2001, que reproduz no essencial o art. 17 da Convenção de Bruxelas, se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário, devendo o pacto ser celebrado por escrito, ou com confirmação escrita.

A validade do pacto de jurisdição terá que ser analisada à luz do Regulamento nº 44/2001, uma vez que de acordo com a jurisprudência do TJUE a noção de pacto atributivo de jurisdição do art. 17 da Convenção de Bruxelas, extensível ao art. 23 do Regulamento é autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados contratantes, prevalecendo sobre estes.

São condições de admissibilidade dos pactos de jurisdição, a verificação cumulativa de que pelo menos uma das partes se encontre domiciliada no território de um Estado membro, que o pacto atribua competência a um tribunal ou aos tribunais de um Estado Membro e a internacionalização da situação jurídica controvertida.

Assim, verifica-se que de acordo com os contratos celebrados entre Informática, SA e BB, SA e CC, que estabeleceram as relações contratuais que as Recorrentes invocam na presente acção foi estipulado foro convencional - Tribunais da Irlanda - para dirimir os litígios decorrentes dos mesmos

Não se verifica nenhuma das circunstâncias de ordem pública ou situações que sejam da competência exclusiva dos Tribunais Portugueses, previstas no arts. 63º e 94º do CPC e arts. 22 e 23 do Reg. 44/2001.
Não prevendo o Regulamento nº 44/2001 as consequências da incompetência do tribunal, deve aplicar-se o direito interno do Estado do foro, de que resulta que a violação das regras de competência directa configura uma situação de incompetência absoluta, nos termos do art. 96 do CPC, que implica a absolvição da instância (arts. 278º, nº1, a), 576º, nº2, e 577º a) do CPC).

A competência postula-se, de acordo com a predefinição das matérias submetidas a julgamento dos tribunais, como um pressuposto processual “(…) que se determina pelo modo como o autor configura o pedido e a respectiva causa de pedir, que importa analisar antes de se conhecer do fundo da causa, de que depende poder o Juiz proferir decisão de mérito sobre a mesma, condenando ou denegando a providência judiciária requerida pelo demandante (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 74 e 75; Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, II, 1970, 379.), mas, também, que deve haver uma relação directa entre a competência e o pedido (Castro Mendes, Direito Processual Civil, I, 557.).” [[17]/[18]]

Para os processualistas, o pedido de uma acção proposta em juízo em que se pede a tutela jurisdicional de um determinado e concreto direito que se supõe ter sido objecto de violação por outrem, converte-se no efeito jurídico que se pretende obter e constitui “(…) o círculo dentro do qual o tribunal tem de se mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamando a decidir (cf. art.668.º, n.º 1, al. e)).” [[19]/[20]]  

Para este este Professor e depois de versar sobre o objecto imediato e mediato do pedido (providência que se pretende obter com a acção) refere, na consonância com o que Alberto dos Reis, havia doutrinado no Código Processo Civil anotado, que se deveria adoptar “(…) uma orientação semelhante àquela que em direito privado vigora para a determinação do exacto conteúdo dos contratos: basta que as partes tenham conhecimento do efeito prático, embora careçam da representação do efeito jurídico.” [[21]

Passa a constituir proposição axiomática que a competência material de um órgão jurisdicional se afere pela pretensão que é dirigida contra o demandado numa acção e pelo pedido que repercute a providência requestada ao tribunal para tutela efectiva do direito que estima ter sido objecto de violação. 

Surge um problema de competência internacional, ou seja, de determinação de competência dos tribunais de um país no seu conjunto face aos tribunais estrangeiros, sempre que uma causa esteja, através dos seus elementos, em contacto com mais de uma ordem jurídica. Os tribunais portugueses serão competentes quando haja um elemento de conexão considerado pela nossa lei processual suficientemente relevante para ser factor atributivo de competência internacional aos nossos tribunais.” [[22]/[23]]

O pacto mediante o qual se retira competência a um ou vários tribunais portugueses e a atribui em exclusivo a um ou a vários tribunais estrangeiros, designa-se pacto privativo de jurisdição, sendo o pacto atributivo [[24]] de competência aquele mediante o qual se concede a competência a um ou a vários tribunais portugueses, podendo esta ser concorrente ou exclusiva. [[25]]

Para Miguel Teixeira de Sousa [[26]] constituem-se requisitos de validade dos pactos de jurisdição: “a. (…) se for justificado por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que, neste último caso, não envolva inconveniente grave para a outra (art. 99º/3-c CPC). Este requisito destina-se essencialmente a salvaguardar a posição da parte mais fraca.

b. O pacto de jurisdição não pode ofender a competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 99º/3-a CPC); sobre esta competência, art. 65º-A CPC, isto é, o pacto não pode privar os Tribunais portugueses da sua competência exclusiva.

c. O pacto deve mencionar expressamente a jurisdição competente (art. 99º/3-e in fine CPC). A designação do Tribunal competente (pertencente à ordem jurídica de uma das partes, de ambas ou de nenhuma delas) pode ser feita directamente: nesta eventualidade, as partes indicam um Tribunal específico. Mas essa indicação também pode ser realizada indirectamente através de uma remissão para o Tribunal que for competente segundo as regras de competência vigentes na jurisdição designada: nessa hipótese, as partes designam globalmente os Tribunais de uma jurisdição.

d. O pacto de jurisdição só é válido se constar de acordo escrito ou confirmado por escrito (art. 9º/3-c CPC). Para este efeito, considera-se reduzido a escrito o acordo que consta de documentos assinados pelas partes ou que resulta de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer deles conste uma cláusula que remeta para algum documento que o contenha (art. 99º/4 CPC).”

O Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, em 16.01.2001, reproduz, na essencialidade, no seu artigo 23.º, o artigo 17.º da Convenção de Bruxelas, de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial. [[27]]        

Nos termos deste normativo (artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, “1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou

b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou
c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.

2. Qualquer comunicação por via electrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale «à forma escrita».

Os autores [[28]] soem aferir três requisitos de validade aos pactos de jurisdição abrangidos pelo artigo 17.º da Convenção de Bruxelas: “1.º A convenção deve ser celebrada ou por escrito, ou de acordo com os usos que as partes estabeleceram entre si ou, no âmbito do comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contrato do tipo celebrado; 2.º A convenção não pode recair sobre matérias abrangidas pelo art.16.º da Convenção de Bruxelas (competências exclusivas); 3.º A convenção deverá determinar os litígios de que o tribunal designado pode conhecer ou qual a relação jurídica geradora dos litígios sujeitos à jurisdição convencionalmente estabelecida.”    

Quanto à forma – questão que aqui se apresenta em tela de juízo – estipula o artigo 110.º, n.º 2 do Código Processo Civil que «o acordo há-de satisfazer os requisitos de forma do contrato, fonte da obrigação, contanto que seja escrito». Exige-se, no mínimo a forma escrita, mesmo quando esteja em causa uma obrigação que pela lei substantiva possa ser validamente contraída verbalmente, Escreve Alberto dos Reis: “a convenção verbal é suficiente, em tal caso, para fazer nascer a obrigação substancial; mas não é suficiente para desviar do tribunal normalmente competente a acção destinada a exigir a obrigação”. [[29]]

Para Maria Victória Ferreira da Rocha, qualquer forma escrita á admissível. “a lei limita-se a exigir que «o acordo conste de um escrito». Desde que «se exiba um escrito contendo um acordo sobre o tribunal competente para a acção, o juiz há-de tomá-lo em conta, o que não quer dizer que tenha imediatamente por provada a estipulação de tribunal competente; isso dependerá da força probatória do escrito»” [[30]]  

Em decisões deste Supremo Tribunal citados pela Autora [[31]] foi decidido que bastava a redução do contrato a escrito, «não requerendo a aceitação especifica da cláusula atributiva de jurisdição. “E mais, considera que «ainda que se entendesse necessária a aceitação por escrito (ut. Vaz Serra; RLJ, ano 101, p.377) sempre seria de ponderar que o carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz (art. 217.º do C. Civil»” [[32]]    

Para o caso de ter sido cumprida a formalidade de redução a escrito da cláusula atributiva de competência tem vindo a ser entendido que o silêncio deve ter-se como aceitação tácita, nos termos do artigo 217.º, n.º 2 do Código Civil. [[33]

A jurisprudência tem decidido de forma não uniforme a questão de formalização, ou necessidade de formalizar, por escrito, a aceitação de uma cláusula de atribuição de um forro prorrogando constante de um contrato. [[34]]

Com se disse supra o artigo 23.º do Regulamento 44/2001 exige que os pactos de atribuição se conformem com as regras insertas nas respectivas alíneas do seu artigo 1º: por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; b) respeito pelos usos que as partes estabeleçam entre si; c) usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.  

Em decisão proferida por este Supremo – decisão que sufragamos na posição de 2.º adjunto – traçou-se, uma quadro referencial de aplicação do regime de regulamentação da competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial e a sua relação com a normação pertinente do direito jusprocessual interno.

Socorremo-nos, data vénia, do que foi escrito no douto acórdão de 11 de Fevereiro de 2015, pelo Conselheiro Gregório de Jesus, que firmamos como adjunto. [[35]]

A competência do tribunal constitui um pressuposto processual a aferir perante a relação material controvertida e o pedido formulado pelo autor, na petição inicial, e as normas de competência internacional são aquelas que atribuem a um conjunto de tribunais de um Estado, o complexo de poderes para o exercício da função jurisdicional em situações transnacionais.

É apodíctico que os tribunais nacionais só podem conhecer de um litígio emergente de uma relação transnacional quando dispõem de competência internacional. Revelando a relação jurídica substantiva conexão com mais de uma ordem jurídica, a lei processual interna concede às partes, em determinadas situações – designadamente na área dos contratos de direito privado –, o direito de convencionarem a determinação da jurisdição competente para dirimir litígios advenientes dessa relação jurídica, através da celebração de pactos privativos e atributivos de jurisdição, conforme decorre dos arts. 65.º, 65.º-A e 99.º do CPC revogado, com correspondência nos actuais arts. 62.º, 63.º e 94.º do NCPC.

A competência diz-se convencional quando atribuída por convenção das partes, constituindo um pacto de jurisdição se versar sobre a jurisdição nacional competente e é susceptível de ter um efeito atributivo de competência ou um efeito privativo de competência: “Tem um efeito atributivo quando fundamenta a competência dos tribunais de um Estado que não seriam competentes por aplicação dos critérios de competência legal. Tem um efeito privativo quando suprime a competência dos tribunais de um Estado que seriam competentes por aplicação dos critérios de competência legal”. [[36]]

À face do Código de Processo Civil Português, a violação das regras de competência internacional legal, configura uma excepção dilatória tipificada, de conhecimento oficioso, geradora de incompetência absoluta, a qual pode ser suscitada em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (cf. arts. 101.º, 102.º, n.º 1, e 494.º, al. a), do CPC revogado, e arts. 96.º, 97.º, n.º 1, e 577.º, al. a), do NCPC). Por seu turno, a violação de uma competência internacional convencional, isto é, quando a acção é proposta num tribunal diverso do escolhido pelas partes, gera, no direito interno, incompetência relativa, daí decorrendo que, quando aquela incompetência resulta de violação de pacto privativo de jurisdição, não é de conhecimento oficioso, conduzindo à absolvição do réu da instância (e não à remissão do processo para o tribunal competente) (cf. arts. 101.º, parte final, 108.º, 110.º, 111.º, n.º 3, 288.º, n.º 1, al. e), 493.º, n.º 2, e 494.º do CPC revogado, e arts. 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 102.º, 104.º, 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.º 2, e 577.º do NCPC).

Estes, reiteram-se, os normativos vigentes no ordenamento jurídico nacional.

Estamos, porém, como se afirmou, perante uma situação jurídica transnacional, em que há elementos de estraneidade, mormente os domicílios das partes contratantes e ora litigantes.

Tratando-se de uma situação jurídica plurilocalizada, com pontos de contacto relevantes com mais de um ordenamento jurídico – na situação, o português e o inglês –, ter-se-ão de ponderar as regras da competência internacional, em particular o direito da competência internacional da União Europeia, sopesando a sua prevalência no cotejo com as regras internas, plasmadas no art. 65.º do CPC revogado, e art. 62.º do NCPC.

Recorde-se, a este respeito, o princípio do primado do direito da União Europeia, acolhido, directamente, além do mais, pelo art. 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP) – “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático” [[37]] –, ou mesmo, por remissão do actual art. 59.º do NCPC – “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais (…)”. [[38]]

Nesta sede, importa considerar a aplicabilidade do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22/12/2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial – que veio substituir, entre os Estados-Membros, a Convenção de Bruxelas de 1968 –, directamente aplicável a todos os Estados-Membros (excluindo a Dinamarca), em conformidade com o art. 249.º do Tratado que Instituiu a Comunidade Europeia (TCE) e com o actual art. 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) (cf., ainda, os arts. 1.º e 68.º do Regulamento). [[39]/[40]]

Este Regulamento foi substituído, a partir do dia 10/01/2015, pelo novíssimo Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2012 (cf. art. 81.º), que reformula, no espaço da União Europeia, as regras relativas à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, constantes do Regulamento n.º 44/2001, que, no entanto, não é aplicável ao caso (cfr. art. 66.º do mesmo regulamento) [[41]].

Conforme frisa Lima Pinheiro, “o regime de competência contido no Regulamento prevalece, dentro do seu âmbito material e espacial de aplicação, sobre o regime interno”. [[42]]

No caso em apreço, importa sublinhar a ocorrência cumulativa dos diversos âmbitos – material, temporal, territorial e subjectivo – de aplicação do Regulamento n.º 44/2001; com efeito:
- o âmbito de aplicação material do Regulamento está preenchido, pois trata-se de matéria civil e não se encontra excluída por nenhuma das alíneas do art. 1.º, n.º 2;

- o âmbito temporal também está atestado, pois a acção foi intentada depois de 01/03/2002 (arts. 66.º, n.º 1, e 76.º);

- o âmbito territorial também se encontra verificado, pois a acção foi intentada em Portugal, que é um Estado-Membro da UE (art. 1.º, n.º 3);

- o âmbito de aplicação subjectivo está completado, pois o réu tem domicílio num Estado-Membro, em Inglaterra (art. 4.º, n.º 1). [[43]]
Destarte, sendo o Regulamento (CE) n.º 44/2001 directamente aplicável nos Estados-Membros, entre os quais se incluem Portugal e a Inglaterra, reforça-se, ter-se-á de atender à prevalência das suas normas sobre as regras de direito interno, em especial as que regulam a competência internacional (e convencional), designadamente as constantes dos arts. 62.º, 63.º e 94.º do NCPC (cf. ex-art. 249.º do TCE e actual art. 288.º do TFUE, bem como os arts. 3.°, n.º 2, e 68.º do Regulamento, 59.º do NCPC, e 8.°, n.º 4, da CRP).

É, repete-se, a regra da primazia do direito comunitário, rectius da União Europeia, e da sua prevalência sobre o direito nacional. [[44]]

Não se olvide, de outra banda, que a interpretação uniforme do Regulamento n.º 44/2001 está confiada ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), pelos procedimentos ordinários de interpretação do direito comunitário (cf. art. 267.º do TFUE). [[45]/[46]]

(…) A regra de ouro do Regulamento n.º 44/2001 é de que o mesmo só é aplicável quando o demandado tiver domicílio ou sede no território de um Estado-Membro vinculado por esse Regulamento (art. 4.º, n.º 1), sendo certo que, no que respeita às pessoas colectivas, consideram-se, em princípio, domiciliadas no local da sua sede social, da sua administração central ou do seu estabelecimento principal (art. 60.º). É assim irrelevante, em sede de Regulamento, a localização das sucursais ou filiais, diferentemente do que ocorre no direito pátrio (cf., a esse propósito, o art. 7.º, n.º 2, do CPC revogado e o actual art. 13.º, n.º 2, do NCPC).

Porém, o art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, que aqui importa observar e aplicar, compõe a disposição fundamental para a compreensão do papel da autonomia privada na individualização da jurisdição competente para resolver o litígio, possibilitando às partes a designação do tribunal competente para julgar um determinado pleito que as contrapõe, quando esteja preenchido o âmbito de aplicação do dito Regulamento, nos moldes a que anteriormente se aludiu, como ocorre na situação vertente. [[47]]

O art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, constante da Secção 7, epigrafada “Extensão de competência” estabelece nos seus nºs 1 e 2:

“1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou

b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou

c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado

2. Qualquer comunicação por via electrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à « forma escrita»”.

Podem, assim, elencar-se três pressupostos, cumulativos, de admissibilidade e validade do pacto de jurisdição; a saber, que:

- pelo menos uma das partes se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro;

- o pacto atribua competência a um tribunal ou aos tribunais de um Estado-Membro; e,

- se trate de uma situação jurídica internacional.

O momento que releva para aferir o domicílio das partes é o momento da conclusão da cláusula atributiva de jurisdição. [[48]]
No que toca à validade formal do pacto de jurisdição, exige-se um acordo de vontades entre as partes que deve ser escrito, ou sendo verbal, a sua confirmação escrita, exigindo-se, assim, para a sua validade uma “ formalidade ad substanciam “, ou que esteja em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si, ou, no comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer (als. b) e c) do nº 1).

O art. 23.º estabelece, segundo Dário Moura Vicente, um regime claramente mais liberal do que aquele que vigora actualmente do direito português [

]], o que assoma, de modo cristalino, do seu cotejo com o art. 99.º do CPC revogado e mesmo com o actual art. 94.º do NCPC.

Conforme frisa Lima Pinheiro, no âmbito do Regulamento 44/2001, “para se considerar o pacto de jurisdição celebrado por escrito não é necessário que conste de um documento assinado por ambas as partes. Basta que o acordo sobre a jurisdição escolhida resulte de dois documentos separados, por exemplo, uma troca de cartas ou faxes; ou que o texto do contrato faça referência a uma proposta que contém o pacto de jurisdição” [[50]].

Em abono desta posição, veja-se o Acórdão do TJCE Estasis Salotti di Colzani v. Rüwa, de 14/12/1976, que mantém actualidade uma vez que o art. 23.º do Regulamento, no que tange à validade formal dos pactos de jurisdição, manteve a redacção do art.17.º da Convenção de Bruxelas de 1968, aditando o nº 2 relativo a comunicações por via electrónica, cuja equiparação com a forma escrita era reclamada pelo art.9.º nº 1 da Directiva sobre comércio electrónico. [[51]]

Urge enfatizar que o Regulamento n.º 44/2001 não exige qualquer solenidade especial para a atribuição de competência judiciária, procurando fundamentalmente conciliar a autonomia privada e a celeridade que é cada vez mais premente no comércio internacional, sendo ostensivo que o disposto no art. 23.º, n.ºs 1 e 2, prevalece, pelos motivos já expostos, sobre as regras de forma de direito interno que fixem requisitos formais mais exigentes para os pactos de jurisdição. [[52]]

No caso, porque as partes, tendo domicílio num Estado-Membro, podem convencionar que o tribunal de um Estado-Membro tem competência para decidir o litígio, e porque esse pacto respeitou a forma exigida, pois foi celebrado por escrito, ele é válido.
Nessa medida, tendo as partes derrogado, por acordo escrito, algumas das normas dos documentos incorporados na concreta negociação e não tendo afastado a norma da qual resulta a atribuição de jurisdição aos Tribunais Ingleses, que aceitaram (por via de incorporação do documento onde a mesma se encontra prevista), são aplicáveis todas as demais regras previstas nesses documentos, incluindo essa.

Considera-se, assim, que existe, ainda que por via da remissão, incorporação e aceitação do Acordo ISDA, na concreta negociação das partes, uma aceitação escrita, clara e precisa, de uma cláusula geral atributiva de competência exclusiva aos Tribunais Ingleses, encontrando-se preenchidos os pressupostos do art. 23.º, n.º 1, al. a), do Regulamento n.º 44/2001.

Aliás, o Tribunal de Justiça já decidiu que se o pacto de jurisdição se inserir num contrato, sendo apenas uma das suas cláusulas, a nulidade do contrato não afecta a validade do pacto de jurisdição (cf. Acórdão do TJCE Benincasa v. Dentalkit, de 03/07/1997). [[53]/[54]]

(…) Com efeito, o acordo escrito que consubstancia o pacto de jurisdição pode resultar, inequivocamente, de uma referência a cláusulas contratuais gerais.

Nas palavras de Lima Pinheiro: “Neste caso, é necessário que o texto contratual subscrito por ambas as partes remeta expressamente para as cláusulas contratuais gerais, mas já não se exige uma referência expressa à cláusula de jurisdição. Também é suficiente que o texto contratual faça referência a uma proposta que remeta expressamente para as cláusulas contratuais gerais, desde que esta remissão seja “susceptível de ser controlada por uma parte que empregue uma diligência normal” e se for demonstrado que as cláusulas contratuais gerais tenham sido efectivamente comunicadas à outra parte juntamente com a proposta”. [[55]]

Como igualmente diz Sofia Henriques: “É necessário, assim, determinar se as condições gerais foram efectivamente comunicadas pelo seu autor ao seu co-contratante, pelo menos no momento da assinatura do contrato principal que remete expressamente para as condições gerais”. [[56]]

Nessa situação o que o TJCE considerou – designadamente no já citado Acórdão do Estasis Salotti di Colzani v. Rüwa [[57]] – é que se o pacto constar de cláusulas contratuais gerais é necessário a sua referência ou remissão expressa, no contrato assinado pelas partes, para que o contraente, com diligência normal, constate a sua existência, mesmo que as cláusulas gerais figurem no verso do documento assinado.

Pois bem, da leitura dos documentos insertos no processo, e que estão plenamente aceites pelas partes, ressalta que, segundo a convenção constante da Secção 13 (b) (i) do ISDA Master Agreement, a determinação da existência ou não de um pacto de jurisdição e, em caso afirmativo, de qual o foro eleito pelas partes, encontra-se totalmente dependente da escolha da lei que rege o contrato. Ou seja, nos termos do ISDA Master Agreement era às partes que cabia decidir se pretendiam ou não tornar eficaz o pacto de jurisdição constante da Secção 13 (b) (i).

(…) Importa salvaguardar, prima facie, que o TJCE considerou, a propósito da norma similar constante do art. 17.º da Convenção de Bruxelas – sendo essa jurisprudência extensível ao art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001 [[58]] –, que a noção de pacto de jurisdição é autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados-Membros (cf. Acórdão do TJCE Powell Doffryn v. Wolfang Petereit, de 10/03/1992). [[59]]

Este mesmo princípio tem sido várias vezes reiterado, e foi-o, recentemente, no Acórdão do TJUE Refcomp SpA v. Axa Corporate Solutions Assurance S.A. e outros, de 07/02/2013, em cujo ponto 40 se adverte que o conceito de pacto privativo de jurisdição deve ser interpretado como um conceito autónomo e dar ao princípio da autonomia da vontade, no qual se fundamenta o art. 23.º, n.º 1, do Regulamento n.º 44/2001, a sua plena aplicação. [[60]]
Por seu turno, ainda segundo a jurisprudência do TJUE, que, recorda-se, é lapidar para a uniformização do Direito da União Europeia, é ponto assente que o art. 23.º assume carácter exclusivo na apreciação da validade dos pactos de jurisdição submetidos à aplicação do Regulamento n.º 44/2001.

Neste sentido, veja-se o importante Acórdão do TJCE Trasporti Castelletti Spedizioni Internazionali SpA v. Hugo Trumpy SpA, de 16/03/1999 [[61]], que se debruçou sobre a norma paralela do art. 17.º da Convenção, e inúmeras vezes citado, em cujas considerações decisórias, aqui pertinentes (e que se reproduzem), se exarou:

“ (…) 48. Tal como o Tribunal de Justiça afirmou em diversas ocasiões, obedece ao espírito de segurança jurídica, que constitui um dos objectivos da convenção, o facto de o juiz nacional a quem foi submetida a questão poder facilmente pronunciar-se sobre a sua própria competência com base nas regras da convenção, sem ser obrigado a proceder a um exame do processo quanto ao mérito (acórdãos de 22 de Março de 1983, Peters, 34/82, Recueil, p. 987, n.º 17; de 29 de Junho de 1994, Custom Made Commercial, C-288/92, Colect., p. 1-2913, n.º 20; e Benincasa, já referido, n.º 27). Nos n.ºs 28 e 29 do acórdão Benincasa, já referido, o Tribunal de Justiça precisou que esta preocupação de garantir a segurança jurídica através da possibilidade de prever com segurança o foro competente foi interpretada, no âmbito do artigo 17.° da convenção, através da fixação de condições de forma estritas, tendo esta disposição por objectivo designar, de forma clara e precisa, um tribunal de um Estado contratante a quem é atribuída competência exclusiva em conformidade com o consenso das partes.

49. Resulta do exposto que a escolha do tribunal designado só pode ser apreciada à luz de considerações ligadas às exigências estabelecidas pelo artigo 17.º

50. Foi por estas razões que o Tribunal de Justiça concluiu em várias ocasiões que o artigo 17.º da convenção abstrai de qualquer elemento objectivo de conexão entre a relação controvertida e o tribunal designado (acórdãos de 17 de Janeiro de 1980, Zeiger, 56/79, Recueil, p. 89, n.º 4; MSG, já referido, n.º 34; e Benincasa, já referido, n.° 28).

51. Pelas mesmas razões, numa situação como a dos autos no processo principal, deve excluir-se o controlo suplementar do mérito da cláusula e do objectivo prosseguido pela parte que a inseriu, e não pode ser reconhecida qualquer incidência, quanto à validade da referida cláusula, das normas substantivas em matéria de responsabilidade aplicáveis no tribunal escolhido.

52. Deve, por consequência, responder-se às terceira, sétima e sexta questões que o artigo 17.º, primeiro parágrafo, segunda frase, terceira hipótese, da convenção deve ser interpretado no sentido de que a escolha do tribunal designado numa cláusula atributiva de jurisdição só pode ser apreciada à luz de considerações ligadas às exigências estabelecidas pelo artigo 17.º da convenção. São estranhas a estas exigências quaisquer considerações relativas aos elementos de conexão entre o tribunal designado e a relação controvertida, ao mérito da causa e às normas substantivas em matéria de responsabilidade aplicáveis no tribunal escolhido” .

A orientação do TJUE é, pois, categórica e inequívoca no sentido dos requisitos de validade do pacto de jurisdição só serem aqueles que estão vertidos no art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001.

Isto mesmo é enfatizado por Sofia Henriques: “O Regulamento comunitário, tal como acontecia na Convenção de Bruxelas, não exige, nos pactos de jurisdição, qualquer conexão entre o tribunal escolhido pelas partes e a relação litigiosa, nem a adequação ou justificação da escolha do tribunal.

Na verdade, diferentemente do que acontece no nosso direito interno, (…) o Regulamento não exige o controlo dos fundamentos da atribuição de competência ao tribunal escolhido, pelo que as partes poderão escolher um qualquer foro competente, independentemente das razões que fundamentam essa escolha”. [[62]]

Destarte, é irrelevante para esse efeito fazer qualquer tipo de apreciação da validade do pacto de jurisdição à luz do direito interno do respectivo Estado-Membro.
E, assim sendo, para que a escolha do tribunal seja válida é desnecessário que exista qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado.

Aliás, parece ostensivo, sempre que as partes atribuem, através de uma pacto de jurisdição, competência a um tribunal estrangeiro, o qual se situa forçosamente noutro Estado-Membro, ocorrerá sempre o inconveniente, pelo menos para uma delas, de esse tribunal ser distante da respectiva sede.

Adicionalmente, mesmo que se pondere que nos deparamos com uma cláusula contratual geral, tem se atender ao facto de a autora/recorrida ser uma sociedade comercial que se dedica à fabricação de produtos de papel e alimentares, e, por isso mesmo, uma entidade com natureza empresarial e não um mero consumidor individual.

Ora, nessa circunstância, inexiste qualquer disposição de Direito da União Europeia que deva ser respeitada, ao abrigo do art. 67.º do Regulamento, pelo que a validade do pacto de jurisdição é aferida exclusivamente pelo disposto no art. 23.º do Regulamento.

Só assim não seria se a cláusula contratual geral estivesse integrada num contrato celebrado com um consumidor, pois, nessa circunstância, decorre do art. 67.º do Regulamento, de forma indirecta, que se impõe a consideração do disposto na Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 05/04/1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores – cf., v.g., art. 3.º, n.º 3 da Directiva e n.º 1, al. q), do Anexo à Directiva (pode ser abusiva a cláusula que suprima ou entrave a possibilidade de intentar acções judiciais ou seguir outras vias de recurso por parte do consumidor). [[63]]
Em todo o caso, mesmo aventando que o pacto de jurisdição constava de uma cláusula contratual geral e que se considerasse que o contrato foi outorgado em Portugal, constando as cláusulas em apreço de dois contratos de swap celebrados entre empresários ou entidades equiparadas (para utilizar a terminologia da Secção II LCCG), nunca seria de aplicar a Directiva 93/13/CEE – ou o regime do art. 21.º da LCCG (que está inserido na Secção III reportada aos consumidores finais) – por não estar em causa qualquer consumidor.

Acrescenta-se, também, e como já antes se demonstrou, que jamais seria de recorrer ao art. 19.º, al. g), da LCCG, por se tratar de um normativo de direito interno, não resultante do direito europeu, o qual é insusceptível de prevalecer sobre o regime do art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001.

Em resumo: a validade do pacto de jurisdição constante de uma cláusula contratual geral integrada num contrato celebrado entre um empresário ou entidade equiparada é analisada, exclusivamente, segundo o disposto no art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001.

Para terminar, quanto à suposta infracção do dever de informação, remetendo para os arts. 5.º a 7.º da LCCG, e a consequente sanção de exclusão prevista no art. 8.º, al. b), por violação do dever de informação (…). O dever de informação, a que alude o art. 6.º da LCCG, tem duas componentes: o n.º 1 reporta-se ao dever de, espontaneamente, prestar esclarecimentos (aclaração), isto é, pressupõe a iniciativa do predisponente que apresenta cláusulas contratuais gerais, em diligenciar para que sejam aclarados os aspectos que se justifiquem, ao passo que o n.º 2 se reporta a um dever de resposta, dever de responder às solicitações que lhe sejam dirigidas pelo aderente relativas a esclarecimentos razoáveis. Por outro lado, o conteúdo do dever de informação é variável, sendo de considerar a existência ou não de um relacionamento contratual anterior entre as partes, e o facto de se estar perante uma empresa ou um simples consumidor. [[64]]

(...) Aqui chegados, é tempo de dizer que o pacto de jurisdição privativo, subsumível ao art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, ao atribuir competência exclusiva ao tribunal escolhido pelas partes – o inglês, in casu –, e afastar as regras dos arts. 2.º e segs. desse Regulamento, não só permite que o tribunal conheça oficiosamente da preterição do pacto – na eventualidade do requerido ser domiciliado no território de um Estado-Membro e não comparecer em juízo, de harmonia com a regra do art. 25.º, não relevando se foram eventualmente respeitadas as competências legais, que foram afastadas por vontade das partes [[65]] -, da mesma forma que, evidentemente, possibilita aquela apreciação judicial, mediante arguição da parte interessada que seja prejudicada pela preterição de tal pacto, como ocorre na circunstância.

É de afastar, por conseguinte, a aplicação do art. 99.º do CPC revogado, ou do actual art. 94.º do NCPC, na avaliação dos requisitos formais e substanciais de tal pacto de jurisdição, que apenas se aplica quando nenhuma das partes tenha domicílio do território de um Estado-Membro ou de um Estado contratante e/ou as partes tenham escolhido os tribunais de um Estado terceiro, por estar plenamente preenchido o âmbito de aplicação do art. 23.º do Regulamento, cujos preceitos, como se viu, prevalecem sobre as normas de direito interno dos Estados-Membros.”[[66]]

Sendo pela petição – condensadora da pretensão (factual e jurídica) do autor para a tutela ou providência jurisdicional a obter do tribunal – o núcleo referencial donde se deve partir para aferição do pressuposto da competência de um órgão jurisdicional, importará socavar da factualidade expendida nesta peça processual a razão ou motivação jurídica erigida pelas demandantes para a providência que impetram ao tribunal.

No denominado “contrato de empresa de comercialização independente” e respectivos apêndices (documentos complementares) – cfr. fls. 2647 a 2723 – foi estatuído – cfr. item 16.a) (fls. 2548) – que a lei aplicável para a resolução de qualquer conflito ou litígio que viesse a eclodir e a ser suscitado entre a empresa fornecedora (CC Internacional) e a empresa de comercialização /distribuição dos produtos (AA, SA.”, designada por “ECI”) seria regulado e interpretado: “(…) de acordo com as leis da República da Irlanda, excluindo as que se apliquem aos conflitos de leis. O presente Contrato é celebrado apenas na língua inglesa. A ECI renuncia expressamente a todos os direitos, previstos na(s) lei(s) do seu país de domicílio, de exigir que o presente Contrato seja escrito na(s) línguas(s) oficial(ais) do mesmo. Todos os litígios emergentes do presente Contrato serão submetidos à jurisdição dos tribunais irlandeses. (sublinhado nosso) A CC reserva-se o direito de instaurar processos contra a ECI nos tribunais competentes do local onde a ECI tiver a sua sede ou em qualquer jurisdição onde tenham ocorrido ou estejam a ocorrer danos para a CC.”

W)Tomando de empréstimo, data vénia, o que foi aportado pela recorrida quanto à qualificação jurídica dos factos  que cevam a petição inicial constata-se que, efectivamente (sic): “Da p.i. resulta liminarmente que os comportamentos imputados à Recorrida constituem, segundo a configuração dada pelas próprias Recorrentes na respectiva petição inicial, violações dos contratos, isto é, daquilo a que, no entender das Recorrentes, a Recorrida se teria obrigado e dos direitos que a Recorrida teria atribuído contratualmente às Recorrentes e que, na prática, segundo aquelas e na sua visão ficcionada da realidade, não se veio a verificar: direito à liberdade de condução da sua actividade; liberdade de celebração das transacções, liberdade de fixação de preço e outras condições a aplicar aos seus clientes, etc.

 Assim, e por remissão para o art. 26.º et seg. da sua p.i.: (i) "fixar, de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda ou interferir na sua determinação pelo livre jogo do mercado' violaria, a ver das Recorrentes, a estipulação contratual constante do FF, mormente o parágrafo 3.4.1, conforme expressamente reconhecem as Recorrentes, no art. 52.º da p.i. "em aparência, a AA era também responsável e livre na fixação de preços de revenda dos produtos CC”;

(ii) "fixar, de forma directa ou indirecta, outras condições de transacção efectuadas no mesmo ou em diferentes estágios do processo económica”, (iii) "limitar ou controlar (...) a distribuição (...) ou os investimento”(iv) "Aplicar, de forma sistemática ou ocasional, condições discriminatórias de preço ou outras relativamente a prestações equivalentes”; (v) recusar, directa ou indirectamente, a compra ou venda de bens e a prestação de serviços" e (vi) "subordinar a celebração de contratos à aceitação de obrigações suplementares que, pela sua natureza ou segundo os usos comerciais, não tenham ligação com o objecto desses contrato violaria, no entender das Recorrentes, as estipulações contratuais constantes do FF, mormente os parágrafos 2.4.2 e 2.5, 5.2.2. e Doc. 19, § 7, conforme expressamente referem as Recorrentes no art. 47º "[De acordo com a letra do FF] A AA adquiria à CC a propriedade dos produtos para os revender aos LL” e 48.º "Com a exclusiva responsabilidade própria pelas suas relações com este” e 49.º "E transferindo-se o risco para a AA a partir da entrega dos produtos ao transportador da CC”;

(vii) "repartir os mercados ou as fontes de abastecimento" violaria, a ver das Recorrentes, a estipulação contratual constante do V GG, mormente os §§ 2.3.1, 3.8.2 e Apendice 1 (Territory), conforme expressamente referem as Recorrentes nos arts. 50.º "o território concedido pela CC à AA abrangia apenas Portugal e os países africanos de Língua oficial Portuguesa (os "Palops” e 51.º "Sendo que esta restrição de vendas noutros territórios não se aplicaria, de acordo com a letra do contrato, no interior do Espaço Económico Europeu (o 'PEE”)”;

A causa de pedir na acção radica, assim, na forma como vieram a ser executados os contratos firmados entre as partes, não obstante o que dispunham as respectivas cláusulas contratuais.

Como o próprio Tribunal da Relação de Lisboa exara de forma composta, articulada, cristalina e fundamentada na decisão recorrida, duplamente confirmatória para efeitos do art. 671º, n.º 3, do CPC, "No art. 8 da petição inicial na sequência dos anteriores refere que as relações comerciais entre a AA - …, S.A remonta pelo menos a 1985. Nos artigos 25 e segs da petição inicial elencam o que enumeram como "vicissitudes da relação contratual e factual” entre a CC e a AA. Nos artigos 28 a 30 enumera os vários acordos ao abrigo dos quais se desenvolveu a relação comercial. E continuou referindo os acordos seguintes, nomeadamente o GG, vigente a partir de 01.04.2011. Nos artigos seguintes da petição (45 a 108) analisa os vários pedidos e os acordos neles em vigor, durante a vigência da relação contratual entre a CC e a AA. Nos artigos 109 a 111 sob o título - 'Da relação contratual entre BB e a CC, refere os acordos que regularam a mesma desde 1985. Nos artigos 112 e segs até 226 sob o título “Da subordinação económica das autoras" e subtítulo "posição dominante da CC" alega como se desenrolou a colaboração entre as partes. A partir dos artigos 227 da petição sob o título “Dos comportamentos abusivos" e subtítulo "Introdução aos comportamentos abusivos da CC" alega o que entende serem comportamentos abusivos da Ré, fazendo-se referindo sempre um quadro de relação contratual entre as empresas AA. e R,  o que mantém até ao artigo 424. Com base nesses factos formula os pedidos referidos. Como resulta do art 581º, n.º4. 1.ª parte do CPC. a causa de pedir é o facto jurídico concreto de onde emerge a pretensão do autor. A acção tem assim um fundamento contratual. (...)".

Para apurar a distinção jurídico-metodológica e funcional entre os tipos de responsabilidade civil – contratual e extracontratual – permita-se-nos que lancemos mão de um estudo do Professor Carneiro Frada em que, de forma clarividente e esmerilada, procede à distinção dos dois tipos de responsabilidade.

Assevera o preclaro jurisconsulto que (sic): “a obrigação de indemnizar, constituindo um desvio excepção ao casum sentit dominus - segundo o qual o dano tem de ser suportado pela esfera jurídica onde ocorre -, carece de ser justificada. Deste modo, a imputação do dano a uma esfera jurídica diferente daquela em que ele se manifesta só se verifica na medida em que se encontrem preenchidos determinados pressupostos. Considerando as diversas modalidades da responsabilidade civil, podem identificar-se como seus requisitos genéricos uma situação de responsabilidade uma forma de imputação, um dano e um nexo de causalidade. As diversas ordens jurídicas especificam estes pressupostos.

Com base na lei, distingue-se entre nós tradicionalmente entre a responsabilidade civil delitual (também comummente chamada aquiliana ou obrigacional) - que encontra a sua sede principal nos artigos 483.º e seguintes do Código Civil -, e a responsabilidade civil obrigacional, disciplinada nos arts. 798º e seguintes do mesmo diploma. Embora o Código Civil português tenha autonomizado, no plano sistemático, estas duas modalidades responsabilidade civil, sujeitou a obrigação de indemnizar delas resultante a um regime previsto unitariamente nos arts. 562º e seguintes do Código Civil.

Na responsabilidade civil aquiliana, o legislador preocupou-se em determinar minimamente, ex ante, as situações de responsabilidade. Como decorre do art. 483º, nº 1, a imputação delitual resulta essencialmente da violação de direitos subjectivos de outrem ou de disposições legais destinadas à protecção de interesses alheios. Para além destas duas previsões básicas de responsa­bilidade civil delitual, há ainda uma série de previsões delituais específicas (constantes, v.g., dos preceitos subsequentes). Na responsabilidade civil obrigacional, a determinação da situação de responsabilidade depende nor­malmente da vontade das partes, que configurou a obrigação: na verdade, a situação básica de responsabilidade traduz-se na falta de cumprimento de uma obrigação (art. 798º).

Encontra-se sedimentado na doutrina e na jurisprudência o ponto de vista de que a tutela delitual, se se descontar a que decorre da violação de uma disposição legal destinada a proteger especificamente um certo interesse (qualquer que possa ser a sua natureza), tem em princípio por objecto posi­ções ou direitos absolutos. Justifica-se, portanto, saber qual é o estatuto de protecção contra danos que não tenham implicado a violação de uma posição absolutamente protegida, ditos meramente económicos. O problema coloca­-se sobretudo no campo extracontratual. Na responsabilidade contratual com efeito, ele não se coloca na medida em que aí qualquer interesse económico, desde que protegido pelo contrato, é tutelado. Embora dessa tutela beneficie em regra, apenas o credor da prestação e não um terceiro.

Estas diferenças no plano das situações de responsabilidade - susceptíveis de se repercutir, tal qual se disse, no estatuto dos danos patrimoniais puros -, ganham uma nova e mais vasta dimensão tendo em conta as discrepâncias de regime existentes entre as duas modalidades básicas de responsabi­lidade atrás referidas. A frequentemente chamada “presunção de culpa”, por exemplo, existe como regra na responsabilidade civil obrigacional (art. 799º, nº 1), mas não na delitual: ali sobretudo atinge uma grande amplitude, englobando uma presunção de ilicitude. Os prazos de prescrição são também mais curtos na responsabilidade delitual (art. 498º) do que na responsabilidade civil obrigacional, esta sujeita em princípio ao prazo ordinário de prescrição das obrigações. Há ainda um regime de responsabilidade por actos de terceiro muito diferente (arts. 500º e 800º). A regra da solidariedade, estabelecida no art. 497º do Código Civil, para a hipótese de existir uma pluralidade de responsáveis na responsabilidade civil delitual, contrapõe-se igualmente ao princípio conjunção quando existe uma pluralidade de responsáveis na responsabilidade civil obrigacional (art. 513º, a contrario).

Tem-se discutido se serão extensíveis à responsabilidade civil obrigacional determinadas disposições colocadas em sede de responsabilidade civil delitual como a referente à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais (art, 496º). A maioria da doutrina, bem corno a jurisprudência, é favorável à ressarcibi­lidade de danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade civil obri­gacional.

Entre nós, de todo o modo, a responsabilidade civil é, em regra, subjectiva, na medida em que pressupõe a existência de culpa por parte do agente, isto é, um juízo de censura do seu comportamento (arts, 483º, nº 1, e 798º). A respon­sabilidade civil objectiva, que prescinde de um juízo de desvalor do compor­tamento do agente, depende, em princípio, no plano dos deveres genéricos e indiferenciados dos sujeitos uns para com os outros - o campo da responsabili­dade civil aquiliana -, de uma previsão da lei (art. 483º, nº 2, do Código Civil),

A imputação objectiva consente diferenciações. Assim, há que distinguir a responsabilidade pelo risco (contemplada, em especial, nos arts, 499º e seguintes) e a responsabilidade por factos lícitos ou pelo sacrifício, A primeira abarca riscos de veículos, animais ou certas instalações perigosas, mas também situações danosas provocadas por comissários. A segunda tem como função a reparação dos danos sofridos pelo lesado em consequência da prática de uma actividade lícita mas causadora de prejuízos, Encontra-se prevista, entre outros, nos arts. 339º, nº 3, e 1554º. No âmbito contratual podem ver-se, por exemplo, os arts. 629º, nº 2, 1172º e 1229º do Código Civil.

Na doutrina lusa destacou-se durante um largo período de tempo uma corrente que tendeu a desvalorizar as diferenças existentes entre as duas modalidades clássicas de responsabilidade civil, aquiliana e contratual, propugnando um concepção unitária de responsabilidade civil.

Recentemente, porém, tem-se afirmado uma orientação que valoriza acentua essas diferenças, rejeitando a referida concepção unitária ou admitindo-a apenas a um nível elevado de abstracção. No âmbito desta evolução importa sublinhar uma linha de pensamento que, partindo da distinção entre as duas modalidades clássicas de responsabilidade - a obrigacional e a delitual-, defende o espaço de uma via intermédia de responsabilidade civil ligada em particular à violação de deveres especí­ficos decorrentes do dever de boa-fé negocial não chegando a constituir obrigações em sentido técnico se apresentam, contudo, como relativos e com frequência, como um plus relativamente aos deveres genéricos de respeito contrapostos aos direitos absolutos. Esta via intermédia de       responsabilidade civil também correntemente designada de “terceira via" da           responsabilidade civil acolhe um conjunto heterogéneo de espécies como a culpa in contrahendo prevista no art. 227º do Código Civil, a violação positiva do crédito ou o contrato com eficácia de protecção para terceiros.  É maioritariamente identificada com o âmbito da responsabilidade pela confiança embora esta equiparação seja também passível de contestação.” [[67]/[68]/[69]]

Resumindo o que quanto à distinção dos dois tipos de responsabilidade civil foi afirmado, poder-se-iam elencar as linhas salientes e estruturantes dos dois regimes, com as seguintes especificações: i) enquanto que na responsabilidade contratual o inadimplente, ou seja aquele que incumpre o plano contratual, carrega sobre si uma presunção de culpa (artigo 789.º do Código Civil), o mesmo não acontece na responsabilidade aquiliana (artigo 497.º do mesmo livro de leis; ii) os prazos de prescrição na responsabilidade aquiliana são mais curtos (v. g. três ou cinco anos – cfr. artigo 498º do Código Civil) do que na responsabilidade contratual (normalmente o prazo ordinário (20 anos); iii) a responsabilidade por actos de terceiros é diversa (cfr. artigo 500º para a responsabilidade civil aquiliana e artigo 800º para a responsabilidade contratual); iv) por fim em caso de pluralidade de responsáveis, no caso da responsabilidade civil aquiliana a regra é a responsabilização solidária dos autores do resultado danoso (artigo 497º do Código Civil), enquanto que na responsabilidade contratual a solidariedade só ocorre se ela dimanar da relação contratual não cumprida.    

Ancorando-nos no ensinamento que reverbera da citação efectuada, somos de entender que da petição inicial emana e ressalta – malgrado a imputação da conduta da recorrida atinente com a regulamentação concorrencial ou competitiva – uma discrasia comportamental referente ao equilíbrio (ou programa) contratual que fora estabelecido no contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida. De toda a petição inicial – e é esta, itera-se, que pauta e quadra a delimitação jurídico-factual do pressuposto processual concernente com a competência do tribunal – reverbera um sentido e projecção contratual-vinculativa que resulta e decorre do estabelecimento da relação contratual firmada entre os dois sujeitos da relação jurídica.

Na verdade, a relação jurídica que reverbera da petição inicial, deve ser qualificada como uma relação jurídica privada e em que os termos da relação emanam da vontade das partes. Os sujeitos involucrados na relação contratual estabelecida – de forma livre e autónoma – constituíram-se em factores e vectores obrigações, direitos e deveres que percintaram ao círculo ou amplexo de ditames de vontade que quiseram firmar no contrato celebrado.

A relação jurídica que dimana da petição inicial não atina, em nosso juízo, com valorações ou estabelecimento de predefinições ex ante, com acontece nos casos em que a lei preordena os pressupostos da responsabilidade civil – v. g. violação de direitos de outrem ou de normas  e/ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios ou da prática de actos que apesar de lícitos causam prejuízo a outrem (v. g. os casos contidos nos artigos 1322.º, n.º 1 (parte final) do Código Civil [ingerência licita em prédio alheio para captura de abelhas; 1343.º, n.º 3, passagem forçada momentânea; 1367.º, parte final, apanha de fruta]) –, mas, ao invés, de um regime contratuado e reciprocamente vinculativo dimanante da vontade assumida e expressa de cada um dos sujeitos contraentes.

Do que fica dito somos de entender que, ressumando da factualidade expressa na petição inicial – guião a adoptar para definir o pressuposto da competência do tribunal – uma relação contratual – que, eventualmente, terá sido violada pela recorrida – o tribunal competente para conhecer dos desvios contratuais que vierem a ser (ou não) judicialmente reconhecidos deverá ser, nos termos do artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001, atribuído, por atribuição de pacto privativo de competência aos tribunais da República da Irlanda.         

     

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, decide-se:

- Negar a revista.

- Condenar as recorrentes nas custas.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2016

                                                                                                                                

Gabriel Catarino – (Relator)

                                                   

Maria Clara Sottomayor

Sebastião Póvoas                                      

____________________________
[1] “A obrigação de motivar garantida constitucionalmente assume um valor político fundamental: é o instrumento por meio do qual a sociedade está em disposição de conhecer e de verificar das razões pelas quais o poder jurisdicional é exercido em determinados modos nos casos concretos. – Michelle Taruffo, “La motivación de la Sentencia Civil”, Editorial Trotta, Madrid, 2011, pág. 19. (a tradução do castelhano é da nossa responsabilidade).  
[2] Taruffo; Michele, in “Paginas sobre Justicia Civil”, Marcial Pons, Madrid, 2009, pág. 535.
[3] Taruffo; Michele, in “Paginas sobre Justicia Civil”, Marcial Pons, Madrid, 2009, pág. 536.
[4] Taruffo; Michele, in “Paginas sobre Justicia Civil”, Marcial Pons, Madrid, 2009, pág. 537.
[5] Cfr. no mesmo sentido Nieva Fenoll, Jordi, in “La valoración de la Prueba”, Marcial Pons, Madrid, 2010, pág. 196 a 199 ou ainda Taruffo, Michele, in “Simplemente la Verdad. El Juez y la construción de los hachos”, Marcial Pons, Madrid, 2010, 232 a 274, em especial de págs. 266 a 274. 
[6] Cfr. Taruffo, Michele, in “Paginas sobre Justicia Civil”, Processo e Direito, Marcial Pons, Madrid, 2009, pág. 516 e 517. Para este autor a motivação desdobra-se numa dupla função, uma de cariz ou índole endoprocessual e outra de feição extraprocessual. “La función endoprocesaI es aquella gue desarrolla la motivación de la sentencia, entendida como requisito técnico del pronunciamiento jurisdiccionaI, em el interior del proceso. Esta función está conectada directamente com la impugnación de la sentencia y se articula em dos aspectos principales: a) la motivación es útil para las partes que pretenden impugnar la sentencia, dado que el conocimiento de los motivos de la decisión facilita la identificación de los errores cometidos por el juez y em cualquier caso de los aspectos criticables de la decisión misma, y, por tanto, hace más fácil la identificación de los motivos de impugnación. (…), La motivación de la sentencia és también útil para el juez de la impugnación, dado que facilita la tarea de reexaminar la decisión impugnada, tomando em consideración las justificaciones aducidas por el juez inferior”. “La función extraprocesal de la motivación se conecta directamente com la dimensión constitucional y la naturaleza garantista de la correspondiente obIigación, y al mismo tiempo se explica y justifica em la absoluta generalidad y la consecuente imposibilidad de entenderla como derogable ad libitum por el legislador ordinário (y mucho menos como derogable ad libitum por el juez o las partes). Tal función no se plantea, obviamente, como altemativa a la función endoprocesal recién descrita, sino que se añade a ella, ubicandose por lo demás en un nivel diverso y de mayor relevância político-institucional. Consiste funndamentalmente en el hecho de que la motivación se encuentra destinada a hacer posible un control externo (es decir, no limitado al contexto del proceso concreto en el que se pronuncia la sentencia, y no limitado a Ias partes y al juez de la impugnación) sobre las razones que sustentan la decisión judicial. Em este sentido, la obligación de motivación se entiende como una expresión importante (obviamente no la única) de la concepción democrática del poder, y en particular del poder judicial, con base en la cual una condición esencial para el correcto y legítimo ejercicio del poder consiste precisamente en la necesidad de que los órganos que lo ejercen se sometan a un control externo, el cujo sólo puede llevarse a cabo suministrando las razones por las cuales aquel poder se ha ejercido de esse modo.”   
[7] Cfr. Michele Taruffo, op. loc. Cit, pág. 518.
[8] Cfr. Michele Taruffo, op. loc. Cit, pág. 519.
[9] Cfr. Michele Taruffo, op. loc. Cit, pág. 520.
[10] Cfr. Nieva Fenoll, Jordi, in “La valoración de la Prueba – La impugnación de la valoración de la Prueba”, Marcial Pons, Madrid, 2010, págs. 346 a 356. “El tribunal de apelación está en perfectas condiciones de reinterpretar toda la resultancia probatoria, com lo que podrá resolver el litigio, desde luego de manera más justa, practicando incluso pruebas complementarias en los casos em que el ordenamiento le autorice para ello.”   
[11] Cfr. Michelle Taruffo, “La motovación de la Sentencia Civil”, Editorial Trotta, Madrid, 2011, pág. 15.                  
[12] “Se a motivação deve assegurar uma possibilidade de controle externo sobre as razões que justificam a decisão, então é necessário que a motivação inclua argumentos justificativos em relação a todos as aspectos relevantes da decisão” - Michelle Taruffo, “La motovación de la Sentencia Civil”, Editorial Trotta, Madrid, 2011, pág. 22. 
[13] Michelle Taruffo, “La motovación de la Sentencia Civil”, Editorial Trotta, Madrid, 2011, pág. 116. Adentrando-se na estruturação da motivação poder-se-ia perguntar se ela deve designar (el designatum) ou denotar (el denotatum), entendido o primeiro como o “conjunto orgânico dos significados próprios das proposições que compõem o discurso, mediante o qual o juiz expressa os argumentos destinados a justificar, quer dizer, a tornar racionalmente válida, legitima e aceitável a decisão”, e o “denotatum” “como o razoamento justificativo que o juiz planteia como sustentação da decisão.”        

[14] Queda transcrito o sumário do acórdão referido. “Acórdão (TEDH) Ferreira Santos Pardal c. Portugal

"48. No presente processo, o Tribunal observa que o Supremo Tribunal (de Justiça) adoptou uma solução diametralmente oposta a uma jurisprudência interna constante, como havia já feito em decisão de 19 de Junho de 2008. (…) O Tribunal considera que estes dois acórdãos não podem ser considerados reversões de jurisprudência fundados numa nova interpretação da lei, uma vez que o Supremo Tribunal (de Justiça) voltou posteriormente à sua jurisprudência constante (...).

49. (...) estas duas interpretações divergentes quanto à admissibilidade de uma acção de responsabilidade civil do Estado por erro judiciário criaram inevitavelmente, tratando-se de uma instância suprema, uma situação de incerteza jurisprudencial susceptível de atentar contra o princípio da segurança jurídica.

(...)

51. O Tribunal conclui que a incerteza jurisprudencial que conduziu à rejeição da acção proposta pelo interessado, à qual acresce, no presente processo, a ausência de um mecanismo tendente a assegurar a coerência das práticas no seio da mais alta jurisdição interna, teve por efeito de privar o requerente da possibilidade de fazer examinar a sua acção de responsabilidade dirigida contra o Estado, então que outras pessoas em situação similar viram esse direito reconhecido. Houve portanto violação do art. 6. º n.º 1, da Convenção."]

[15] “Acórdão (TJUE) Ferreira da Silva e Brito

"Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1) (...)

2) O artigo 267.º, terceiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial de direito interno é obrigado a submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia um pedido de decisão prejudicial de interpretação do conceito de «transferência de estabelecimento» na acepção do artigo 1.º, nº 1, da Directiva 2001/23, em circunstâncias, como as do processo principal, marcadas simultaneamente por decisões divergentes de instâncias jurisdicionais inferiores quanto à interpretação desse conceito e por dificuldades de interpretação recorrentes desse conceito nos diferentes Estados-Membros.
3) O direito da União e, em especial, os princípios formulados pelo Tribunal de Justiça em matéria de responsabilidade do Estado por danos causados aos particulares em virtude de uma violação do direito da União cometida por um órgão jurisdicional que decide em última instância devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que exige como condição prévia a revogação da decisão danosa proferida por esse órgão jurisdicional, quando essa revogação se encontra, na prática, excluída."
[16] Disponível em www.dgsi.pt.

[17] cfr. Ac. Tribunal dos Conflitos de 22 de Abril de 2015, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, in www.dgsi.pt., onde a propósito se escreveu: “Com efeito, os pressupostos processuais constituem as condições mínimas de que depende o exercício da função jurisdicional e, no caso da competência, visam assegurar a justiça da decisão, a garantia de que a mesma é dimanada do Tribunal mais idóneo (Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, II, 1970, 379 e 380.).

Em consonância com o princípio da existência de um nexo jurídico directo entre a causa e o Tribunal, a competência afere-se pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em antítese com aquilo que, mais tarde, será o “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, o que não depende da legitimidade das partes, nem da procedência da acção, mas antes dos termos em que a mesma é proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos, como acontece com a natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, seja quanto aos seus elementos subjectivos (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 91; STJ, de 21-2-01, Acórdãos Doutrinais do STA, 479º, 1539: STJ, de 9-2-99, BMJ nº 484, 292; STJ, de 9-5-95, CJ (STJ), Ano III, T2, 68.).

Por outro lado, a competência material dos tribunais civis é aferida, por critérios de atribuição positiva, segundo os quais pertencem à competência do tribunal civil todas as causas cujo objecto seja uma situação jurídica regulada pelo direito privado, nomeadamente, civil ou comercial, e por critérios de competência residual, nos termos dos quais se incluem na competência dos tribunais civis todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são, legalmente, atribuídas a nenhum outro tribunal (Miguel Teixeira de Sousa, A Nova Competência dos Tribunais Civis, Lex, 999, 31e 32.).

Por isso, os tribunais comuns ou judiciais são os tribunais com competência material genérica ou residual, a quem pertence o conhecimento das causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, princípio este que se encontra plasmado no texto dos artigos 64º, do Código de Processo Civil (CPC), e 40°, n° 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n° 62/2013, de 26 de Agosto), quando estabelecem, transpondo para a lei ordinária, o disposto pelo artigo 211º, n° 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

[18] No mesmo sentido o Ac. do Tribunal dos Conflitos, de 19 de Junho de 2014, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, in www.dgsi.pt, onde adrede se escreveu, que “É constante a jurisprudência deste Tribunal de Conflitos, bem como do STA e do STJ, no sentido de que “a competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a acção é proposta, concretamente, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como configurada na petição inicial, relevando, designadamente, a identidade das partes, a pretensão e os seus fundamentos” - cfr., por todos, o acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 20-09-2012, proc. 02/12.

Residualmente, os tribunais judiciais têm competência para conhecer das causas que não sejam legalmente atribuídas à competência dos tribunais de outra ordem jurisdicional (n.º 1 do art. 211.º da Constituição (CRP) e artigos 64.º do CPC (artigo 66.º do CPC de 1961) e 18.º, n.º 1 da LOFTJ, aprovada pela Lei 3/99, de 13 de Janeiro).” E ainda os acórdãos do Tribunal de Conflitos, de Acórdão do Tribunal dos Conflitos: de 21/10/04; de 23/5/2013; e de 21/1/2014;
[19] Cf. Anselmo de Castro, Artur, in “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. I, Coimbra, Almedina, 1981, p.201.
[20] Quanto ao conceito jusprocessual de petição inicial veja-se Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, ps. 232 e segs. “A petição inicial é precisamente o acto processual pelo qual o titular do direito violado ou ameaçado, nas acções de condenação, requer do tribunal o meio  de tutela jurisdicional destinado à reparação da violação ou ao afastamento da ameaça. E a sua importância basilar resulta precisamente de não haver acção sem petição, ou seja, de não haver concessão oficiosa da tutela jurisdicional”. Alberto dos Reis, in “Código Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, distinguia entre pretensão e pedido. Para este Insigne Mestre, o pedido definia-se como sendo «a providência jurisdicional solicitada pelo autor deve entender-se, não em termos abstractos, mas nos termos positivos e concretos definidos na petição inicial, com referência portanto ao direito que se pretende fazer valer e à incidência material desse direito», consubstanciando uma relação jurídica processual, dirigida ao tribunal, enquanto que a pretensão é dirigida ao réu, relevando da relação jurídica substancial. – cfr. Código Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Vol. II, 3.ª edição (reimpressão) 1981, 338 e segs. 
[21] Cfr. Anselmo de Castro, in op. loc. cit. p. 203, “Não importará, portanto, à definição do objecto numa acção de indemnização que o autor qualifique a responsabilidade que pretende efectivar como contratual ou extracontratual. A qualificação jurídica pertence ao Juiz, que o fará com plena liberdade, adoptando ou rejeitando a qualificação fornecida pelas partes.”    
[22] Cfr. Maria Victória Ferreira da Rocha, “Competência Internacional e autonomia privada: Pactos privativos e atributivos de jurisdição no direito português e na Convenção de Bruxelas de 27-9-1968”, Revista de Direito e Economia, Ano XIII, 1987, p.176.    
[23] “(…) as normas de competência internacional definem a susceptibilidade de exercício da função jurisdicional pelos tribunais portugueses, tomados no seu conjunto, relativamente a situações jurídicas que apresentam elementos de conexão com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras e que, além de receberem competência do artigo 65.º, os tribunais portugueses recebem-na, também, de convenções internacionais, sucedendo que estas, no seu campo especifico de aplicação, prevalecem sobre as normas portuguesas, nomeadamente as reguladoras da competência internacional constantes do código.” – cfr. Acórdão (de  Uniformização) do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2008, de 228 de Fevereiro de 2008, DR, I.ª Série, n.º 36, de 3 de Abril de 2008, citando Lebre de Freitas, “Código Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 124.            
[24] “Note-se que o pacto de jurisdição não pode ser, simultaneamente, privativo e atributivo. É evidente que um pacto que retira a jurisdição aos tribunais portugueses (sendo, nessa medida, um pacto privativo de jurisdição) a poderá atribuir a tribunais estrangeiros. Mas essa concessão de jurisdição aos tribunais estrangeiros, que não é sequer obrigatória (basta pensar nos casos em que a jurisdição é cometida a um tribunal arbitral), não permite a qualificação desse pacto como atributivo.
Com efeito, a distinção dos pactos de jurisdição em privativos a atributivos é geograficamente situada, porque caberá a cada estado determinar as competências próprias, que sejam legais, quer convencionais, Assim, é perspectiva do Estado português que o pacto se qualifica como privativo quando retira a jurisdição aos tribunais portugueses) ou atributivo (quando atribui jurisdição aos tribunais portugueses.” – Cfr. Paula Costa e Silva, “A longa vacatio legis da Convenção de Bruxelas”; Anotação aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Julho de 1997 e de 5 de Novembro de 1998.                  
[25] Cfr. Teixeira de Sousa, Miguel, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2.ª edição, 2007, pág. 125.
[26] Cfr. Teixeira de Sousa, Miguel, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2.ª edição, 2007, págs. 126 a 128.
[27] A designada Convenção de Bruxelas entrou em vigor em Portugal em 1 de Julho de 1992, conforme Aviso n.º 95/92 do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e publicado no Diário da República, I-A, n.º 157, de 10 de Julho de 1992. 
[28] Cfr. Paula Costa e Silva, “A longa vacatio legis da Convenção de Bruxelas”; Anotação aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Julho de 1997 e de 5 de Novembro de 1998”.
[29] Cfr. Maria Victória Ferreira da Rocha, “Competência Internacional e autonomia privada: Pactos privativos e atributivos de jurisdição no direito português e na Convenção de Bruxelas de 27-9-1968”, Revista de Direito e Economia, Ano XIII, 1987, p. 195.
[30] Cfr. Maria Victória Ferreira da Rocha, op. loc. cit. pág. 195
[31] Cfr. Acs. De 32-01-1968, BMJ 173, p. 263 e de 23-7-1981, BMJ n.º 309, p. 303-308.
[32] Cfr. Maria Victória Ferreira da Rocha, op. loc. cit. p. 195-196

[33] Cfr. Ac. do S.T.J. de 8/10/2009, Cons. Serra Baptista, Proc. n.º 5138/06.8TBSTS.S1, 2.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, e que aqui seguimos de muito perto, “Na verdade, a declaração negocial pode ser expressa ou tácita: sendo tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem. Não impedindo o carácter formal da declaração que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz – art. 217.º, nºs 1 e 2 do CC .

Sendo certo que, para que se considere a existência de uma declaração negocial tácita, ela terá de deduzir-se do facto que, com toda a probabilidade a revele, do chamado facto concludentia. Havendo entre este e a declaração um nexo de presunção lógico dedutivo que permite deles deduzir uma declaração que lhe é logicamente anterior.”

[34] Cfr. De acordo com os Acs. do STJ de 1.7.99 (CJ-Acórdãos do STJ, 1999, 3º, pág. 11) e de 12.6.97 (BMJ 468, pág. 324), a exigência de aceitação formal,  por ambas as partes, pela forma escrita,  seria requisito invadeável para que o pacto de atribuição de jurisdição se cumprisse e viesse a tornar-se actuante no âmbito declarativo da competência. Ao invés nos Acs. do STJ de 17.6.97 (C.J-Acórdãos do STJ, 2º, pág. 128) e de 23.4.96 (BMJ 456, pág. 353), a atribuição do foro de jurisdição teria que constar de documento, sendo desnecessário que as ambas as partes tivessem formalizado a aceitação do pacto de atribuição mediante forma escrita. Bastaria, para esta corrente jurisprudencial, que a atribuição do foro de jurisdição constasse de uma cláusula e que a outra parte tivesse aderido (tacitamente) à cláusula escrita proposta em que fosse determinado foro competente para a dirimição do conflito adveniente de um litígio superveniente.”
[35] O acórdão em questão acaba de ser coonestado, na sua essência proposicional e injuntiva, pelo acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Novembro de 2015, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego.
[36] Lima Pinheiro, “Direito Internacional Privado – Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras”, Vol. III, 2012, 2.ª ed., pág. 192. O pacto de jurisdição, ainda na lição deste autor, constitui um negócio jurídico-processual, visto que produz efeitos essencialmente processuais (pág. 305).
[37] No que tange à problemática da relação entre o Direito comunitário derivado e a CRP tem-se registado forte divergência doutrinal, em Portugal, conforme dão nota Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada”, Tomo I, 2.ª ed., 2010, págs. 172 e segs., “desde aqueles que adoptam uma posição de aceitação sem limites do primado do Direito da União Europeia (Freitas do Amaral, Fausto de Quadros, Ana Maria Guerra Martins, Rui Moura Ramos) àqueles que vêem nesse preceito ainda o reconhecimento do primado da Constituição (Miguel Galvão Telles, Blanco de Morais, João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos) e àqueles que apenas consideram um primado aplicativo daquele preceito (Gomes Canotilho, Vital Moreira, Jónatas Machado, Wladimir Brito)”.
[38] Perante a norma do art. 61.º do CPC revogado, Lebre de Freitas escrevia  in Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1.º, 2ª ed., pág. 130: “Além de receberem competência do art. 65.º, para a qual o preceito anotado remete, os tribunais portugueses recebem-na também de regulamentos comunitários e convenções internacionais que, no seu campo específico de aplicação, prevalecem sobre as normas processuais portuguesas, nomeadamente sobre as normas reguladoras da competência internacional constantes do Código”.
[39] Com a publicação do Regulamento n.º 44/2001 no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (cf. JO L 12 de 16/01/2001) o mesmo passou a ser directamente aplicável nos Estados-Membros, tendo a sua publicação sido entretanto alargada aos Estados que se tornaram mais tarde membros da União Europeia (cf., também, JO L 236, de 23/09/2003).
[40] Segundo Fausto Pocar – Direito Civil – Cooperação Judiciária Europeia, “Consilium”, 2013 – “O Regulamento Bruxelas I apresenta-se, pois, como um momento fundamental para a criação de um verdadeiro espaço judiciário europeu, sem barreiras entre os Estados-Membros. Não é por acaso que a Convenção de Bruxelas já tinha sido definida como um instrumento federativo, definição essa que vale ainda mais para o Regulamento”.
[41] Publicado no JO L 351, de 20/12/2012.
[42] Op. cit., pág. 92.
[43] Como se exarou no Acórdão recorrido, correctamente, o regime interno é apenas aplicável fora da esfera de aplicação do Regulamento ou quando este para aí remeta, isto é, nas matérias civis excluídas do âmbito material de aplicação do Regulamento (estado, capacidade das pessoas singulares, regimes matrimoniais, falências, etc.) e nas matérias incluídas no âmbito material de aplicação do Regulamento, mas que não sejam abrangidas por uma competência exclusiva legal ou convencional, quando o requerido não tiver domicílio no território de um Estado Contratante Membro.
[44] Cf., ainda a este respeito, o Acórdão desta formação e relator, de 14/10/2014, Proc. n.º 147/13.3TVPRT-A.C1.S1, e a doutrina e jurisprudência aí citadas.
[45] É a seguinte a redacção do art. 267.º do TFUE (ex-art. 234.º do TCE):
O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível”.
[46] Ademais, a Convenção de Bruxelas de 1968, a que se seguiu um Protocolo, assinado no Luxemburgo em 03/06/1971, entrado em vigor em 01/09/1975 – cf. JO C 27 de 26/01/1998 (última versão do texto do Protocolo) –, atribuiu ao TJUE competência para interpretar a Convenção a título prejudicial, a pedido dos tribunais nacionais de recurso ou de última instância.
[47] Importa, igualmente, atender ao Considerando 11 do Regulamento n.º 44/2001: “As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular-se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, excepto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. No respeitante às pessoas colectivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar conflitos de jurisdição”.
[48] Cfr. Sofia Henriques, “Os Pactos de Jurisdição no Regulamento (CE) n.º 44/2001”, 2006, págs. 32 e 38.
[49] Cfr. “Competência Judiciária e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) n.º 44/2001, “Scientia Iuridica””, Tomo LI, n.º 293, pág. 369.
[50] Op. cit., pág. 198.
[51] Proc. n.º 24/76, de 14/12/1976, publicado na íntegra em  http://eur-lex.europa.eu.
[52] Novamente, Sofia Henriques, op. cit., págs. 62/63.
[53] Proc. n.º C-269/95, acessível em texto integral em http://curia.europa.eu, em cujo ponto II, da parte decisória, se exarou: “O órgão jurisdicional de um Estado contratante, designado num pacto atributivo de jurisdição validamente celebrado na perspectiva do artigo 17.°, primeiro parágrafo, da Convenção de 27 de Setembro de 1968, também tem competência exclusiva quando a acção visa, nomeadamente, a declaração de nulidade do contrato onde se inscreve a referida cláusula”.
[54] De resto esta posição foi acolhida, de forma expressa, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste STJ, de 28/02/2008 – publicado no DR I Série, n.º 66, de 03/04/2008 –, em se que se exarou, no segmento uniformizador: “A cláusula de atribuição de jurisdição inserida num contrato de agência mantém-se em vigor para todas as questões de natureza cível, mesmo que relativas ao respectivo regime de cessação”.
[55] Op. cit., pág. 199.
[56] Op. cit., pág. 65/66.
[57] Cf. nota de rodapé 35.
[58] Com efeito, o TJUE entendeu, ainda recentemente, que a interpretação por ele efectuada no que respeita às disposições da Convenção de Bruxelas de 1968 é válida, igualmente, para as normas do Regulamento n.º 44/2001, quando as disposições desses instrumentos possam ser qualificadas de equivalentes – cf. Acórdão Folien Fischer AG e Fofitec AG v. Ritrama SpA, de 25/10/2012, Proc. n.º C-133/11, acessível em texto integral em http://curia.europa.eu.
[59] Proc. n.º C-214/89, Colectânea 1992/I-1745, n.ºs 13 e 14.
[60] Proc. n.º C-543/10, acessível em texto integral em http://curia.europa.eu.
[61] Proc. n.º C-159/97, acessível em texto integral em http://curia.europa.eu.
[62] Op. cit., págs. 81/82.
[63] Luís de Lima Pinheiro, in ob. cit., págs. 308/309, refere que nas relações com consumidores justifica-se um limite à validade ou eficácia dos pactos de jurisdição, podendo o tribunal nacional apreciar oficiosamente a questão do carácter abusivo da cláusula atributiva de competência, em face da Directiva 93/13/CEE do Conselho de 5/04/1993 relativa às cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores.
O consumidor é protegido como parte economicamente e contratual mais fraca e negocialmente menos experiente.
[64] A este respeito, cf. Luís Miguel Caldas, Direito à Informação no âmbito do direito do consumo, Revista Julgar n.º 21, 2013, pág. 223.
[65] Neste mesmo sentido, Sofia Henriques, op. cit., pág. 110. A mesma autora sustenta, na pág. 114, que “na óptica seguida pelo Regulamento, não se compreende por que razão o legislador não assimilou a violação do pacto de jurisdição ao artigo 25.º. Efectivamente, a competência resultante do pacto de jurisdição é, em regra, exclusiva, derrogando a competência dos demais tribunais, o que apresenta semelhanças com a competência prevista no artigo 22.º”. 
[66] É por isso incorrecta a fundamentação da decisão da sentença da 1.ª instância, uma vez que na mesma se fez tábua rasa do Direito da União Europeia, tendo-se enquadrado a situação, indevidamente, apenas, à luz dos preceitos do Processo Civil português.
[67] Manuel A. Carneiro da Frada, “Forjar o Direito – Danos Económicos Puros, Ilustração de uma Problemática”;  Almedina; 2015, págs. 158 a 161.
[68] Cfr. do mesmo Professor, “Direito Civil. Responsabilidade Civil, o Método e o Caso”, Almedina, 2006.   
[69] Porém, alguns autores – cfr. Júlio Vieira Gomes, “Ainda sobra a figura da perda de oportunidade ou perda de chance”, in Cadernos de Direito Privado, Número Especial 2/Dezembro de 2012, págs. 17 a 29 – a propósito da obrigação de indemnizar decorrente ou como sucedâneo ou prolongamento da obrigação de prestação referem que: “esta visão que constrói como um dano in re ipsa n violação do contrato esbarra, contudo, no nosso direito com várias objecções: o legislador português, desde logo, não parece ter partido da premissa da irredutível diversidade entre responsabilidade contratual ou negocial, por um lado, e a responsabilidade delitual, por outro, mas antes da premissa oposta, já que construiu um regime em grande medida unitário ad obrigação da indemnização.”