Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
729/19.0T8CHV.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
PRESUNÇÃO JUDICIAL
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DE COGNIÇÃO
UNIÃO DE FACTO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGAR A REVISTA
Sumário :
I - Nos recursos de revista a possibilidade de apresentação de documentos é mais restrita do que no âmbito dos recursos de apelação, estando apenas circunscrita aos documentos supervenientes.

II - Serão qualificáveis como documentos supervenientes aqueles que ainda não existiam (por não terem sido formados/elaborados) à data em que na Relação se abriu a fase do julgamento, ou que, existindo já, a parte apresentante ignorava até então a sua existência ou ainda aqueles que em tendo a parte conhecimento da sua existência, não pôde, todavia, por facto que lhe não é imputável, obtê-los antes de iniciada essa fase de julgamento.

III - É sobre o apresentante que impende o ónus de alegação e prova da ocorrência de uma dessas situações.

IV - Sendo os documentos apresentados qualificáveis como supervenientes, necessário se torna ainda, para que a sua junção possa ser admitida com as alegações da revista, que se esteja perante uma situação que se enquadre no âmbito da previsão da 2.ª parte do n.º 3 do art. 674.º do CPC, e mais concretamente que as instâncias tenham, no caso, dado como provado um facto, para o qual a lei exige prova documental, sustentando-o, em violação do direito probatório material, noutro tipo de prova (vg. testemunhal ou em confissão).

V - Como decorre do preceituado no arts. 674.º, n.º 3, do CPC (em conjugação ainda com o art. 682.º desse mesmo diploma), o STJ, como regra, apenas conhece de matéria de direito, carecendo, por isso, de competência para apreciar a matéria de facto, a não ser que haja ofensa de disposição legal que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

VI - Daí que, em sede revista, o STJ só poderá também sindicar o uso pela Relação de presunções judiciais (que têm a virtualidade de se integrar naquela exceção à regra referida em V) se esse uso ofender norma legal, se padecer de manifesta ilogicidade ou se partir de factos não provados.

VII - Escapa a essa sindicância pelo STJ, o julgamento de facto efetuado pela Relação, para o qual foi convocada, na sequência do recurso de apelação, circunscrito a factos que não estão sujeitos a prova vinculada, dispondo, nesse caso, de autonomia decisória para, através da competente análise crítica da prova sobre eles produzida, formar a sua própria convicção, de modo a, no final, os manter ou alterar.

VIII - A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) A existência de um enriquecimento; b) Que ele careça de causa justificativa; c) Que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) Que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.

IX - O enriquecimento tanto pode traduzir-se num aumento do ativo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como, inclusive, na poupança de despesas.

X - Enriquecimento esse que igualmente tanto poderá ter a sua origem ou provir de um negócio jurídico, como de um ato jurídico não negocial ou mesmo de um simples ato material.

XI - O enriquecimento carecerá de causa justificativa sempre que o direito não o aprove ou consente, dado não existir uma relação ou um facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida, isto é, que legitime o enriquecimento.

XII - É sobre o autor (que se arroga empobrecido) que impende o ónus de alegação e prova dos correspondentes factos que integram cada um daqueles requisitos de que se compõe instituto de enriquecimento sem causa.

XIII - Dado, porém, que a lei não define tal conceito, e dada a natureza diversa da fonte de que pode emergir, tal significa que o enriquecimento injusto terá sempre que ser apreciado e aferido casuisticamente, interpretando e integrando a lei à luz dos factos apurados.

XIV - Tendo a autora vivido em união de facto com outra pessoa, e tendo durante esse período autorizado esse seu companheiro a que utilizasse quantia exclusivamente de sua propriedade que se encontrava depositada numa conta bancária conjunta de ambos, com a finalidade (tal como veio a acontecer) de aquele proceder à liquidação/pagamento do remanescente de uma dívida bancária que o mesmo antes contraíra (por via de um contrato de mútuo) perante uma outra instituição bancária para a aquisição de uma fração urbana - então de sua exclusiva propriedade, e quando ainda não viviam juntos -, e fazendo-o e no pressuposto e com o propósito, por ambos queridos, de continuarem a viverem naquela situação de união de facto e de o referido imóvel vir a tornar-se depois propriedade comum de ambos, o que, porém, não veio a ser possível devido ao óbito daquele entretanto ocorrido, assiste à autora o direito de, através do recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, lhe ser restituída tal importância através das forças/património da herança daquele seu falecido companheiro.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I- Relatório


1. AA instaurou (.../.../2019) contra BB (mais tarde falecida, como adiante se verá), CC e DD, na qualidade de herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE, - sendo a 1ª. R. mãe do mesmo e os restantes RR. seus irmãos -, todos com os de sinais de identificação dos autos, a presente ação declarativa, com forma de processo comum, pedindo que sejam condenados a reconhecer a sua união de facto com o falecido EE, desde fevereiro de 2011 até à sua morte, e a restituírem-lhe a quantia de € 50.000,00.

Para o efeito, e em síntese, alegou:

Que a partir de fevereiro de 2011 e até .../.../2018, data em que faleceu o referido de EE, partilhou cama, mesa e habitação com o falecido, como se de marido e mulher se tratassem, sendo a casa de morada de família a fração sita na Rua ..., em ....

Em outubro de 2013, o falecido EE utilizou a quantia de € 50.000,00, que pertencia exclusivamente à autora, por lhe ter sido doada pelos seus pais, para liquidação do empréstimo que aquele havia antes contraído com a aquisição daquela fração, com o propósito, querido por ambos, de continuarem a manter a vida em comum e tornarem o imóvel propriedade de ambos.

Propósito que deixou de ser possível em razão do óbito daquele seu companheiro EE.

Devido ao acontecido a autora ficou desapossada daquela quantia de € 50.000,00, em benefício da referida herança de que os RR. são os seus únicos legais representantes, sem que haja causa que justifique esse indevido enriquecimento.

Na verdade, o património do falecido EE ficou enriquecido na exata medida do empobrecimento do património da autora, traduzido naquela deslocação patrimonial daquela quantia de € 50.000,00, e que agora pretende lhe seja restituída com base no instituto do enriquecimento sem causa.


2. Nas suas contestações (que apresentarem de forma autónoma) os RR. defenderam-se por impugnação, negando, em síntese, que a autora e o falecido EE vivessem em união de facto e que o dinheiro que o mesmo usou na liquidação final do montante do empréstimo bancário que contraiu para a aquisição da fração que a autora refere pertencesse a esta.


3. Saneados e instruídos os autos, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, a que se seguiu a prolação de sentença (04/07/2020) que, no final, julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo os RR. do pedido formulado pela A. .


4. Inconformada com tal sentença, a A. dela apelou.


5. Na apreciação desse recurso, o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), por acórdão de 11/02/2021, decidiu nos termos do seguinte dispositivo final:

« (…) julgar procedente o presente recurso, revogando a sentença recorrida e, em sua substituição, julgam a acção totalmente procedente, condenando os réus BB, CC e DD, na qualidade de herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE:

a) A reconhecer que a autora e o falecido EE viveram em comunhão de tecto, cama e mesa, isto é, em união de facto, em condições análogas às dos cônjuges, desde Fevereiro de 2011 até á data da morte do referido EE.

b) A, pelas forças da herança, restituírem á autora o montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).»


6. Por entretanto ter falecido, a ré BB, por decisão singular da exma. sra. juíza desembargador relatora de 14/04/2021, veio a ser habilitada por aqueles dois restantes RR., seus filhos, como seus únicos e universais herdeiros, substituindo-a na posição que ocupava nos autos.


7. Inconformados com tal acórdão decisório, os RR. DD e CC dele interpuseram (de forma autónoma) recurso de revista.

7.1 A Ré DD concluiu as alegações desse seu recurso nos seguintes termos (respeitando-se a ortografia nelas adotada):

«1.º 0 conteúdo do item 12 - C dos factos provados, referindo-se à titularidade do dinheiro depositado na Caixa de Crédito Agrícola, foi em nosso entender incorretamente apreciado pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

2.º Bem como, foi incorretamente apreciada a matéria constante nos pontos 4. A e 4 B (matéria assente), que se reporta à alegada união de facto entre a Recorrida e falecido desde fevereiro de 2011 até a data do óbito.

3.º Tratam-se, pois, de questões essenciais e determinantes para a decisão jurídica da causa, que justifica a revista nos termos do artigo 671.º, do Código de Processo Civil, o que se invoca e requer.

4.º Com efeito, a matéria assente no ponto 12 - C, deve ser alterado tendo por base os seguintes depoimentos:

Declarações de parte da Autora, AA, prestadas na sessão de audiência de discussão e julgamento de 6 de fevereiro de 2020, gravado no ficheiro 20200206143819, entre o minuto 0:99 e o minuto 58:06, com relevo para a decisão da causa, o mencionando ao minuto 5:26, ao minuto 18:57, ao minuto 44:14

Depoimento da testemunha FF, depoimento prestado na sessão de julgamento de 12 de fevereiro, gravado o ficheiro 20200212165213, entre o minuto 0:00 e 1.11.21, com relevo para a decisão da causa 19:23; 19:41; 20:10.

Depoimento de GG, depoimento prestado na sessão de julgamento do dia 6 de fevereiro de 2020, gravado no ficheiro 202000206155947, entre o minuto 0:00 e 55:26, com relevo o mencionado a 20:43, 42:00.

Depoimento de HH, depoimento prestado na sessão de julgamento do dia 6 de fevereiro de 2020, gravado no ficheiro 202002121424347, entre o minuto 0:00 e 1.11.12, com relevo para a decisão 1:03:46 e 1:04:23.

Depoimento da testemunha, II, gravado no ficheiro 20200603141445-1370434 -2871893, com relevo o referido entre o minuto 25:43 a 26:19.

5.º Em nosso entender não se pode em face da prova documental e testemunhal, dar como assente que o dinheiro depositado na Caixa de Crédito Agrícola era pertença exclusiva da Autora, tal como bem apreciou o Tribunal de Primeira Instância "Ora de todas estas incoerências não permitem criar a convicção segura que efetivamente o dinheiro utilizado para pagamento do empréstimo fosse da Autora, por ter sido doado pelos seus pais." - pag. 33 da douta sentença.

6.º Para além de toda a prova produzida testemunha e documental, sempre se dirá que, também não se afigura razoável que alguém deposite dinheiro seu para liquidar um empréstimo de um apartamento, de que não é proprietária, sem exigir qualquer comprovativo ou qualquer garantia do seu pagamento, tal como alegadamente o fez a Autora.

7.º Ora, não se provando a titularidade exclusiva do dinheiro depositado na Caixa de Crédito Agrícola a favor da Autora, não se encontram preenchidos os pressupostos do enriquecimento sem causa, uma vez que, não se verificou qualquer enriquecimento do falecido à custa do património da Autora

8.º Consequentemente, entendemos que andou mal o Tribunal da Relação de Guimarães ao concluir pela verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa e inerente condenação da herança ao pagamento da quantia de 50 000,00 € à Autora. 9.2 Bem como, não pode o tribunal da Relação dar, em nosso entender, como provada a alegada união de facto entre Recorrente e Falecido desde fevereiro de 2011 até fevereiro de 2018, tendo por referência a seguinte prova:

Depoimento de GG, depoimento prestado na sessão de julgamento do dia 6 de fevereiro de 2020, gravado no ficheiro 202000206155947, entre o minuto 0:00 e 55:26, com relevância o referido ao minuto 20:43, minuto 42:00,

Depoimento de HH, depoimento prestado na sessão de julgamento do dia 12 de fevereiro de 2020, gravado no ficheiro 20200212142434, entre o minuto 0:00 e 1:11:12, com relevância para a decisão da causa 1:03:46. Depoimento de JJ, depoimento prestado em 2de junho 2020, gravado no ficheiro 20200602145802, entre o minuto 0:00e 32:28 m), com relevância o minuto 15.00.

Depoimento da testemunha, II, gravado no ficheiro 20200603141445-

1370434 -2871893, com relevo o referido entre o minuto 3:36, 5:28, 6:45, 9:58.

I0.º A testemunha, II, ouvida em sede de audiência de discussão e

julgamento, referiu de forma perentória e sem hesitações, que manteve um relacionamento amoroso com o falecido no período entre abril de 2014 a maio de 2015;

11.º a referida testemunha - no ficheiro 20200603141445 - entre o minuto 4:06 a 4:20 - descreveu que conheceu o falecido através do facebook, que começaram a conversar e depois começaram a sair como amigos, tendo iniciado uma relação em abril de 2014, tendo referido que: "ele ficava muitas vezes em minha casa, muitos dias, dormia, comia e eu na dele"

12.º Com base neste depoimento, corroborado com as declarações prestadas pelas demais testemunhas, ter-se-á que dar como não provada a união de facto entre Autora e falecido.

13.º Atento o supra aduzido deverá o Tribunal da Relação de Guimarães, alterar a matéria de facto dada como assente nos pontos 4 A, 4 B e 12.º, dando a mesma como não provada com as inerentes consequências legais o que desde já se requerer.

Termos em que,

Deve ser dado total provimento à Revista, sendo o Douto Acórdão da Relação de Guimarães alterado, dando-se como não provados factos a 4 A, 4 B e 12, e consequentemente o enriquecimento sem causa, absolvendo a Herança do pagamento da quantia de 50 000,00 € a Autora. »


7.2 Por sua vez, o R. CC concluiu as alegações desse seu recurso nos seguintes termos (respeitando-se a ortografia nelas adotada):

« 1) Em regra e conforme o estipulado no artigo 674.º e 682 n.ºs 1 e 2 ambos do Código Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça, tem na sua génese e conhecimento quanto a questões de DIREITO, estando vedado assim ao conhecimento quanto a apreciação e fixação da matéria de facto.

2) No entanto, pode o Supremo Tribunal de Justiça, conhecer da matéria de facto, quando dela resultar uma ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força a determinado meio de prova.

3) Nessa senda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-01-2008 - Recurso n.º 2902/07 - 4.ª Secção, relatado pelo Juiz Conselheiro Sousa Grandão; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.07.2016 - Proc. n.º 487/14.4TTPRT.P1.S1 (Revista – 4.ª Secção), relatado pela Juíza Conselheira Ana Luísa Geraldes “…- Não está, porém, vedado legalmente ao Supremo verificar se o uso de presunções judiciais pelo Tribunal da Relação ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não

provados. Também na jurisdição cível a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem seguido esta, mais recente, orientação.)”

4) O Tribunal da Primeira Instância considerou como provados os

seguintes factos: (Nota nossa: segue-se a descrição dos factos provados e não provados constantes da sentença, e que, por isso, e dada a sua extensão, não dispensamos aqui de fazer)

(…)

4) – nota nossa este número aparece repetido - A autora/apelante recorreu dos provado sob os nºs 4, 17 e 20, e aos não provados das alíneas A) a K), da sentença.

5) De acordo com os meios de prova que indica, pretende, no tocante ao nº 4 dos factos provados, a sua alteração, passando a integrar como provada a matéria da al. a) dos não provados. Relativamente à matéria dos nºs 17 e 20 dos factos provados, que o seja julgado não provado e se altere a redacção do segundo no sentido de que a autora/apelante foi viver para ... em Setembro de 2014. Mais pugna no sentido de se julgar provada toda a matéria das alíneas A) a K) do elenco dos factos não provados da sentença.

6) O Tribunal da Relação no Douto Acórdão que se pede revista considerou que estão provados os factos constante nos ponto 4.A, 4.B, 12.A, 12.B,12.C  e 12 D, 13.A, 13.B e 13 C, , que o entende o aqui recorrido devem ser alterados e considerados por não provados, conforme o já prenunciado pelo tribunal da primeira instancia de acordo com toda a prova produzida em audiência de discussão de julgamento e documentos juntos aos autos.

7) Quanto ao facto 4. A. e 4. B dos considerados provados pelo Tribunal da Relação e 17 do provados na sentença que foi eliminado no douto acórdão, que por sua vez retificaram o facto 20 da sentença, o Tribunal da Relação no douto Acórdão, considerou que o documento junto aos autos de fls. 133 e 134 (declaração junta de uma entidade empregadora), seria o mesmo qualificado como um contrato de trabalho.

8) Valoração essa contrária ao do Tribunal da primeira instância.

9) Ao afirmar perentoriamente que tal documento é um contrato de trabalho, está o Tribunal da Relação a atribuir força probatória plena a um documento, que não tem esse caracter, violando assim no nosso entender os dispostos normativos quanto à prova documental nos termos do artigo 373.º e 376.º do Código Civil.

10) Quanto aos documentos juntos de fls 145 a 147 onde o Tribunal de Relação considera sem por em causa, que tais reservas constituem bilhetes de avião, viagens essas segundo os mesmos realizadas pela autora.

11) Tais documentos, não tem força probatória para indicar se tal deslocação foi ou não realizada, aliás foi exaustivamente verificada pelo julgador do Tribunal da Primeira Instância, que se pronunciou e bem, afirmando que esses documentos são meras reservas e não tem a finalidade de aferir se foi ou não concretizada tal deslocação.

12) A ponderação e juízo efetuado pelos Venerandos do Tribunal da Relação, é desfasada de acordo com as regras da logica e da experiência comum.

13) Como todo o devido respeito, apesar de se afigurar extremamente complexo aferir da credibilidade dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, cabe aos Venerandos analisar os documentos juntos aos autos, que com todo o respeito, no douto acórdão dá a alusão que os mesmos o não foram suficientemente analisados, pois se o fossem nunca poderia ser tal facto motivado da forma como o foi.

14) Do mesmo modo, quanto aos depoimentos prestados pelas testemunhas, que o julgador do Tribunal da primeira instância, ouviu, sentiu e visualizou de forma correta e exaustiva todas as contradições, ponderando de forma correta toda a prova e consequentemente deforma clara e precisa fundamentou a sua sentença.

15) O Tribunal da Relação considerou que o depoimentos prestado pela testemunha II, não foi de todo credível, pois a mesma não passou de um “afair” do falecido , ao contraio de que foi aferido pelo Tribunal da primeira instância, contudo mediante a prova documental, nomeadamente, o contrato de arrendamento (fls., 136v138) com data de março de 2015, faturas de eletricidade do ano de 2016 e apólice de seguro com data de 2016 (fls. 139 e 139 v, 142 a 144) a liquidação de impostos referentes ao ano 2015 (fls. 140 a 141v), que aponta sem dúvida que a autora/apelante emigrou sim no ano 2015 e não em 2014 como alegou.

16) Tal presunção judicial efetuada pela Venerandos do Tribunal da Relação de Guimarães, é uma gritante violação ao princípio da imediação, oralidade e da livre apreciação da prova, nomeadamente no que toca à valoração quanto à prova conjunta (documental declarações das testemunhas e das declarações da autora/apelante), essencial à compreensão do raciocínio-cronológico que indubitavelmente levaria que o facto 17 a ser provado, tal como o foi pelo Tribunal da 1.ª instância.

17) Nesse sentido basta reapreciar a prova que se invoca, para que os factos considerados provados pelos Venerandos do Tribunal da Relação o sejam dados como não provados:

-Contrato de trabalho celebrado pela Recorrida e a F..., Lda, junto aos autos a fls. 129 e 129 v;

-Informação fornecida pela Caixa de Crédito Agrícola, junto aos autos a 289;

-Documento de fls 55, 125 e 125 v; (multa)

-O documento de fls 133 e 134 (declaração da entidade empregadora);

-Documento de fls de folhas 145 a 147 (reserva de viagem);

-Documento de fls 136, 136 a 138 (contrato de arrendamento);

- documentos de fls. 139 e 139 v, 142 a 144) faturas de eletricidade do ano de 2016, apólice de seguro com data de 2016 e a liquidação de impostos referentes ao ano 2015 (fls. 140 a 141v).

- Declarações de parte da autora prestadas em 6/02/2020 com início a 15:36 de duração de 58:06 20200201643819; nomeadamente na passagem de 07:12 a 8:39;

- Depoimento da testemunha II prestado em 03/06/2020 com início a 15:54 de duração de 1:29:16 202006031424446; nomeadamente nas passagens 4:25 a 4:56, 07:39 a 8:40, 1:20:30 a 1:27:07 e 1:25:15 a 1:25:5.

18) O recorrido no presente, obteve conhecimento que a autora/apelante iniciou um processo junto do Instituto da Segurança Social, para obter uma pensão de sobrevivência.

19) Esse conhecimento superveniente, adveio de uma declaração recebida na residência do falecido EE, onde declara que a autora/ recebeu em 2019, 2020 e 2021 determinadas quantias como se a mesma fosse parceira em união de facto.

20) Declaração essa que junta, e que prova que sempre foi a verdadeira intenção da autora/apelante, que é notório da sua leitura atenta, que a mesma se sub-roga parceira em união de facto sem ainda conhecer de uma decisão definitiva dos tribunais.

21) Quanto ao facto b) e c) considerado provado pelo Tribunal da Relação no que toca, a não alteração das moradas por parte da autora/apelante, é incoerente a fundamentação utilizada pelos Venerandos.

22) Toda a prova documental e testemunhal aponta no sentido inverso à apreciação criteriosa efetuada pelo Tribunal da Relação.

23) Nesse ponto, o julgador do Tribunal da primeira instância sentiu que as testemunhas arroladas pela autora/apelante pretenderam a todo custo beneficiar a mesma

24) Nesse sentido e mediante a seguinte prova, não poderia o Tribunal da Relação Concluir de forma diversa, assim em analise dos seguintes documentos:

1) -Contrato de trabalho celebrado pela Recorrida e a F..., Lda, junto aos autos a fls. 129 e 129 v;

2) -Informação fornecida pela Caixa de Crédito Agrícola, junto aos autos a 289;

3) E da prova testemunhal:

4) - Declarações de parte da autora prestadas em 6/02/2020 com início a 15:36 de duração de 58:06 20200201643819; aqui em concreto desde o 05:23 a 6:10 e 19:07, 41:14 a 50:17;

5) - Depoimento da testemunha GG, que prestou na sessão de julgamento no dia 6/02/2020 como início às 16:55 e duração de 55:26 e no ficheiro 202000206155947; concretamente na passagem de 9:30 a 23:00;

6) - Depoimento de HH, depoimento prestado na sessão de julgamento no 6/02/2020, com início às 15:35 e no ficheiro202002121424347; concretamente de 02:24 a 12:24 e 34:18 a 37:01;

7) - Depoimento de KK, prestado na audiência de julgamento de12/02/2020, com inico 16:50 e duração de 1:11:30 no ficheiro 20200212153855, concretamente de 03:19 a 06:57 e 34:20 a 35:52.

25) Mediante a prova produzida, não é razoável que esses factos fossem considerados provados, devendo os mesmos o serem não provados.

26) O Tribunal da Relação não fundamentou devidamente o Douto Acórdão que se pede revista, remete para determinados factos, sem efetuar uma ponderação criteriosa, bem como não motiva e não fundamenta a sua convicção.

27) É notório pelas ilações apostas na página 23 do douto Acórdão, que se diga e com todo respeito, atentatórias ao princípio da imediação.

28) A questão fulcral nos autos, deriva do conhecimento se a liquidação do crédito do imóvel do falecido EE, foi ou não efetuado com valores da propriedade da autora/apelante.

29) A autora invocou que fez depósitos na conta bancaria de ambos em 2013 no valor de 50.000,00 euros, contudo não referiu que quando o fez, afinal não era a mesma titular dessa conta bancária.

0) Invocou de igual modo que esses valores lhe teriam sido doados pelos pais, para ela fazer o que bem entendesse.

31) Contudo não logrou a autora/apelante provar que esses valores eram da sua pertença.

32) Da prova produzida, não resulta claramente que a quantia de 50.000,00 euros teriam sido doados pelos pais.

32) A autora referiu nas suas declarações, que os pais lhe doaram tais quantias, para a mesma fazer o quem bem entendesse, referindo sem dúvida que só em setembro de 2013 é que decidiriam liquidar o empréstimo, utilizando esse dinheiro para o efeito, para colocar o apartamento em nome dos dois.

33) Considerando que, a autora quando fez o deposito em janeiro de 2013 da quantia de 30.000,00 euros na conta bancaria onde configura só como titular o seu namorado, sem prescindir que era titular de uma conta em outra instituição bancaria da sua pertença, quando ainda não se aludia se quer a hipótese de liquidar o dito empréstimo, só se pode concluir, sem dúvida alguma que tais quantias não eram da sua pertença e muito menos o fora doado pelos seus pais.

34) Ora, não se provando a titularidade exclusiva do dinheiro depositado na Caixa de Crédito Agrícola a favor da autora, não se encontram preenchido os pressupostos do enriquecimento sem causa, uma vez que, não se verificou qualquer enriquecimento do falecido à custa do património da autora.

35) Com todo o devido respeito tal presunção efetuada pelo Tribunal da Relação, não tem qualquer coerência razoável e logica, por existir provas que apontam o contrário.

36) Assim, deverá tal facto ser considerado como não provado, conforme bem aludiu o julgador do Tribunal da Primeira Instância.

37) Para tanto invoca-se a seguinte prova:

- Informação fornecida pela Caixa de Crédito Agrícola, junto aos autos a 289;

- Extrato junto a fls 45 na participação crime de fls 46;

- Talões de deposito de fls. 18 e 99

Prova testemunhal:

- Declarações de parte da autora prestadas em 6/02/2020 com início a 15:36 de duração de 58:06 20200201643819; concretamente nas passagens de 03:20 a 3:44, 4:38 a 6:05, 9: 44 a 16:11, 18:57 a 21:00, 24:20 a 32:20 a 41:52, 42:03 a 58:06.

-Depoimento da testemunha GG, que prestou na sessão de julgamento no dia 6/02/2020 como início às 16:55 e duração de 55:26 e no ficheiro 202000206155947, concretamente nas passagens 6:08 a 8:02, 15:41 a 15:48, 23:00 a 52:27.

- Depoimento de HH, depoimento prestado na sessão de julgamento no 6/02/2020, com início às 15:35 e no ficheiro 202002121424347; concretamente nas passagens de 12:58 a 26:49, 48:50 a 59:40;

- Depoimento de KK, prestado na audiência de julgamento de 12/02/2020, com inico 16:50 e duração de 1:11:30 no ficheiro 20200212153855; mais concretamente nas passagens de 13:56 a 16:36, 55:40 a 59:40, 1:04:02 a 1:19:30. -Depoimento da testemunha FF, depoimento prestado na sessão de julgamento de 12/02/2020, gravado o ficheiro 20200212165213, entre o minuto 0:00 e 1.11.21; aqui concretamente nas passagens de 13:00 a 21:57, 21:57 a 26:03, 37:45 a 38:44, 46: a 53:49, 55:45 a 59:00.

- Depoimento da testemunha LL, depoimento prestado na sessão de julgamento do dia 2/06/2020, gravado no ficheiro 202000602153231, entre o minuto 0:00 e 1: 19:13, mais concretamente na passagem de 4:37 a 07:46, 12:07 a 12:55, 18:10 a 20:12 ,24:31 a 39:30, 40:10 a 42:10, 47:04 a 51:03, 1:00:56 a 1:04:00, 1:08 a 1:19:10.

38) A autora/apelante invoca o instituto de enriquecimento sem causa, na tentativa de reaver a suposta doação efetuada pelos seus pais.

39) Refere o artigo 473.ª do Código Civil: “1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

2). A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”

40) São prossupostos fácticos essenciais do instituto do enriquecimento sem causa, que se diga cumulativos e a verificar: a) – a ocorrência de um enriquecimento na esfera patrimonial de alguém à custa de outrem; b) -a falta de causa jurídica justificativa para essa vicissitude.

41) Além disso, o art.º 474.º do CC confere ao enriquecimento sem causa natureza subsidiária ou residual, consagrando assim o chamado princípio da subsidiariedade daquele instituto em relação a outros meios específicos de tutela.

42) Como ensina Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4.ª edição, pág. 401/402, “o enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista.

Umas vezes a vantagem traduzir-se-á num aumento do ativo patrimonial (…), noutras numa diminuição do passivo (…)”

43) O enriquecimento dá-se a favor de uma pessoa quando o seu património se valoriza ou deixa de valorizar, podendo consistir na aquisição de um benefício de carácter patrimonial, revestindo a forma de aumento do ativo, diminuição do passivo, ou na poupança de despesas.

44) O requisito à custa de outrem significa que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem empobreceu, isto é, “a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondentemente suportado pelo outro, ou como refere Inocêncio Galvão Teles, ob. cit., locupletamento à custa alheia.

45) Finalmente a necessidade de ausência de causa justificativa, isto é, a ausência jurídica de causa para esse enriquecimento, “tem ou não causa justificativa consoante segundo os princípios legais, há ou não razão deser para ele”, como realça Inocêncio Galvão Teles, ob. cit., pág., 136/137, ou nas palavras de Almeida Costa, ob. cit., pág. 500, “Quer dizer: reputa-se que o enriquecimento carece de causa, quando o direito não o aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial; sempre que aproveita, em suma, a pessoa diversa daquela a quem, segundo a lei, deveria beneficiar. Mas ele é apenas antijurídico, no sentido de substancialmente ilegítimo ou injusto, e não formalmente antijurídico”

46) Verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa e que condicionam a obrigação de restituir, importa ainda sublinhar que o recurso a esse instituto tem natureza subsidiária.

47) Não se pode lançar mão da ação de enriquecimento sem causa desde que a lei faculte outro meio de restituição, ou quando a lei negue a restituição ou quando a lei atribua outros efeitos ao enriquecimento, como expressamente prescreve o art.º 474.º do C. Civil.

48) Neste preceito legal contemplam-se três situações que impedem o recurso à ação de enriquecimento sem causa, a saber: quando a lei facultar outro meio de ser indemnizado ou restituído (princípio da subsidiariedade); quando a lei negar o direito à restituição; ou quando a lei atribuir outros efeitos ao enriquecimento.

49) In Casu, contrariando a tese da Tribunal da Relação, não logrou a autora/apelante, a quem cabia o ónus da prova, provar que ocorreu uma deslocação do seu património para o património do falecido namorado, ficando a mesma empobrecida no seu património e consequentemente este enriquecido.

50) No entanto, de igual modo entende o Tribunal da Relação, que o facto de se ou não provada a união de facto, sempre a autora poderia lançar mão do instituto do enriquecimento sem causa, mencionado que se tivesse existido uma relação de namoro “à moda antiga”, a mesma poderia sempre exigir a restituição da quantia que alegadamente depositou na conta à ordem do falecido namorado.

51) Não reveste duvida, pois existe prova documental junta aos autos, que foi a autora a fazer esses depósitos, contudo o facto de ter sido a mesma a efetuar os depósitos, não a transforma em proprietária de tais valores.

52) Doação essa, como bem aferiu o julgador do Tribunal da primeira instância, não se logrou provar, pois toda a prova produzida demonstrou o contrário.

53) Sendo um dos prossupostos essenciais para abarcar na senda do enriquecimento sem causa, a propriedade dos valores deslocados, no sentido de provar o seu empobrecimento e consequentemente o enriquecimento de outrem, a autora não fez prova que era proprietária do valor de 50.000,00 euros.

54) Pois, o facto de existir um deposito em seu nome numa conta que a final se veio a provar nem se quer era titular nessa data, não faz da mesma proprietária de tais valores.

55) Assim, não sendo provado que o dinheiro era da propriedade da autora, esta não sofreu qualquer empobrecimento, e nem se quer pode afirmar que o falecido teve um efetivo enriquecimento, caindo por terra um dos pressupostos essenciais para aplicabilidade do enriquecimento sem causa.

56) SEM PRESCINDIR, que da leitura atenta do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, o mesmo extravasa as competências estipuladas no artigo 662.º do Código Processo Civil.

57) Analisando o caso concreto, salvo melhor opinião e com todo o devido respeito o Tribunal da Relação, não efetuaram os Venerandos uma apreciação critica de toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

58) Análise essa que era obrigatória, conforme o efetuado pelo julgador da Tribunal da 1.ª instância.

59) O Tribunal da Relação estranhamente, considerou credíveis depoimentos de testemunhas que o Tribunal da instância afastou quanto à sua credibilidade de acordo com a análise exaustiva e criteriosa que efetuou, e desvalorizou depoimentos que foram completamente atendíveis pelo julgador da 1.ª instância.

60) Como é concebido, cabe ao julgador do Tribunal da primeira instância, de acordo com o princípio da imediação e da oralidade, ouvir, sentir e percecionar todos os aspetos quanto aos depoimentos das testemunhas, sempre agarrado à trave mestre da prova documental.

61) Assim, parece indiscutível que, embora disponham da documentação da prova, os juízes desembargadores não têm a mesma perceção que o juiz do julgamento em primeira instância, por lhes faltar a relação de proximidade comunicante com os intervenientes na audiência derivada dos mencionados princípios, e que lhe permite obter uma perceção própria do material que servirá de base à sua decisão de facto.

62) Com efeito, é sabido que os depoimentos e as declarações não são só palavras, havendo para além delas todo um conjunto de elementos e de informações captados pela perceção visual de quem assiste diretamente à sua prestação e que, obviamente, escapam à mera audição da prova gravada.

63) É o caso de determinadas manifestações comportamentais e reações das testemunhas e de outros intervenientes processuais.

64) Concretamente, referimo-nos a hesitações, ruborizações, troca de olhares e até movimentos corporais indiciadores de nervosismo ou de pouco à vontade, que muitas vezes são decisivos para a formulação de um juízo seguro e fiável sobre o valor do depoimento e que, pela sua natureza, estão vedados ao Tribunal da Relação.

65) Assim, em caso de recurso sobre a matéria de facto, o Tribunal da Relação deverá averiguar se a decisão impugnada se mostra conforme à aplicação dos princípios e das regras de valoração, sendo igualmente à luz deles que decidirá se aquela deve ser alterada.

66) Para tanto, relativamente aos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, em observância dos poderes cognitivos conferidos pelo artigo. 662º Código Processo Civil, o Tribunal da Relação deverá ouvir a gravação dos elementos de prova que lhes serviram de suporte, apreciar o conteúdo das alegações e contra-alegações e a fundamentação da decisão elaborada pelo julgador da primeira instância, assim reapreciando e valorando as provas em que a mesma assentou, substituindo-se verdadeiramente ao tribunal recorrido, em ordem a corrigir o eventual erro de julgamento que possa ter existido.

67) Ainda que haja no processo transcrição dos depoimentos, impõe-se a audição da gravação dos mesmos, de onde sempre resultarão melhores sinais do que as simples palavras escritas.

68) Significa isto que na decisão que vier a tomar sobre a reapreciação da matéria de facto, o juiz “ad quem” deverá fazer refletir a sua própria convicção, formada a partir da aplicação e uso do princípio da livre apreciação da prova, ou seja, nos mesmo moldes em que o deve fazer o juiz “a quo”.

69) Por outro lado, a convicção deste julgador, formada também com a contribuição do princípio da imediação da produção da prova, não deve importar qualquer limitação para a formação da convicção do juiz “ad quem”.

70) O Tribunal da Relação e de acordo com o Douto Acórdão proferido, ao efetuar uma reapreciação da matéria de facto, incide sobre ele o dever de motivar a sua decisão, sem olvidar a exigência constitucional de motivação da decisão, estará a cumprir uma das funções determinantes da ação jurisdicional na legitimação interna e externa do processo.

71) O juiz que reaprecia a prova em via de recurso deverá revisar as declarações e depoimentos prestados pelos vários intervenientes no julgamento da matéria de facto, ouvindo as gravações, de forma a comprovar se efetivamente eram coerentes, estavam corroborados, contextualizados e se não continham detalhes meramente oportunistas, sempre que cada um desses aspetos seja relevante no caso concreto.

72) Bem como deverá valorar conjuntamente toda a prova produzida, de modo a proceder a uma reapreciação completa da decisão sobre a matéria de facto, extraindo, eventualmente, uma versão diferente da afirmada pelo juiz do Tribunal da primeira instância.

73) E só assim se poderá substituir verdadeiramente a este, atuando sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito probatório material.

74) Nesse contexto, o tribunal que profere a reapreciação de facto terá de dar cabal cumprimento às exigências legais que regem, tanto para a motivação da decisão, como para a reapreciação alargada e detalhada da prova produzida em primeira instância.

75) O que efetivamente interessa é averiguar se os pontos de facto impugnados se mostram conformes à aplicação dos princípios e regras de valoração da prova, sendo igualmente à luz deles que o tribunal de recurso terá de ponderar e decidir se o enunciado fáctico deve ser alterado no sentido pretendido pelo recorrente.

76) In casu, no que toca aos pontos que o Tribunal da Relação, nomeadamente quanto 17 dos factos provados pelo Tribunal da primeira instância e que foi eliminado pelos Venerandos, considerou que o documento junto aos autos de fls. 133 e 134 (declaração junta de uma entidade empregadora), seria o messo qualificado como um contrato de trabalho.

77) Efetuou uma valoração referente a tal documento díspar do Tribunal da primeira instância.

78) Trata-se de uma simples declaração, impugnada pelos réus, desconhecendo se é autêntico ou não.

79) Pelo que ao afirmar perentoriamente que tal documento é um contrato de trabalho, está o Tribunal da Relação a atribuir força probatória plena a um documento, que não tem esse caracter, violando assim no nosso entender os dispostos normativos quanto à prova documental nos termos do artigo 373.º e 376.º do Código Civil.

80) Do mesmo modo se diga, quanto aos prints de reservas de viagem, juntos de fls 145 a 147 nos autos, onde o Tribunal de Relação considera sem por em causa, que tais reservas constituem bilhetes de avião, viagens essas segundo os mesmos realizadas pela autora.

81) Tais documentos, não tem força probatória para indicar se tal deslocação foi ou não realizada, aliás foi exaustivamente verificada pelo julgador do Tribunal da Primeira Instância, que se pronunciou e bem, afirmando que esses documentos são meras reservas e não tem a finalidade de aferir se foi ou não concretizada tal deslocação.

82) Deste modo ao referir que a autora teria feito tal deslocação, extravasa completamente o sentido do aposto no referido documento, violando assim o preceito legal do artigo 376.º do Código Civil, quanto à sua força probatória.

83) Por fim chegando ao ponto crucial, o Tribunal da Relação dá como provado, que os depósitos efetuados pela autora, documentos juntos de ls. 18 e 99, atribui à mesma, por ser ela que o fez, juntamente com a prova testemunhal, tal quantia no valor de 50.000,00 euros eram da pertença da mesma.

84) Desde logo o Tribunal da Relação dá como provado um facto sem que tenha sido produzido a prova do mesmo que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência.

85) Pois, como aferiu e bem o julgador do Tribunal da primeira instância, essa prova nunca foi realizada e deixou muitas dúvidas quanto à veracidade do invocado pela autora.

86) No entanto, foi para o Tribunal da Relação facto considerado provado, sem se quer colocar em causa se o mesmo foi ou não provado.

87) Deste modo pelo exposto, estamos perante uma violação ao preceituado no artigo 674.º n. 3 do Código Processo Civil.

88) Sem prescindir que o Tribunal da Relação omitiu o dever de reapreciar criticamente todas as provas produzidas em sede de audiência, restringindo a sua apreciação a prova indicada pela autora, devendo em consequência suprir a apontada omissão.

89) Por tudo o exposto, deverá o Tribunal da Relação de Guimarães alterar a matéria de facto dada como provada nos pontos 4.a, 4.b, 12.a, 12.b, 12.c, 12.d, 13.a, 13.b e13.c, sendo a mesma considerada não provada, por uma violação expressa da lei (dos artigos 373.º e 376.º do Código Civil) bem como a violação do preceituado nos termos do disposto no artigo 674.º n. 3 do Código Processo Civil.

Termos em que, deve ser dado total provimento à Revista, sendo o Douto Acórdão da Relação de Guimarães alterado, dando-se como não provado os factos nos pontos 4.a, 4.b, 12.a,  12.b ,12.c,12.d, 13.a,  13.b e13.c, por uma violação expressa da lei (dos artigo 373.º e 376.º do Código Civil) bem como a violação do preceituado nos termos do disposto no artigo674.º n. 3 do Código Processo Civil e consequentemente o deverá cair o invocado enriquecimento sem causa, absolvendo a herança ilíquida e indivisa aberta pelo óbito de EE ,do pagamento da quantia de 50 000,00 euros à Autora.»

7.2.1 Com essas suas alegações, e como delas ressalta, juntou um documento (fls. fls. 466vº e 467 do processo físico).


8. A autora, em contra-alegações que apresentou, respondeu a ambas aquelas alegações de recurso, pugnando, desde logo, pela inadmissibilidade do documento que o R. CC juntou com as suas alegações, e pela improcedência total de ambos os recursos, com manutenção do julgado pela Relação.


9. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


***

II- Fundamentação



1. Questão prévia/Da (in)admissibilidade do documento junto com as alegações do recurso (de revista) do R. CC.

Como acima deixámos referido (ponto 7.2.1 do Relatório), com suas alegações do presente recurso de revista, o R./ora recorrente CC juntou (cfr. fls. 466vº e 467 do processo físico)

um documento que corporiza uma declaração emitida, em 2021/01/30, pelo Centro Nacional de Pensões, tendo como destinatária a ora A. AA, e no qual, na sua essência, se lhe comunica o montante total das pensões (de sobrevivência) que, como benificiária, lhe foram pagas no ano de 2020, e nos anos anteriores, e ainda o montante da pensão mensal (€ 165,18) que auferirá no ano de 2021.

Junção essa que é justificada do seguinte modo (reproduzindo-se o teor do que, a esse propósito, consta dos nºs. 18) a 20) das suas conclusões do presente recurso):

« (…) O recorrido no presente, obteve conhecimento que a autora/apelante iniciou um processo junto do Instituto da Segurança Social, para obter uma pensão de sobrevivência.

Esse conhecimento superveniente, adveio de uma declaração recebida na residência do falecido EE, onde declara que a autora/ recebeu em 2019, 2020 e 2021 determinadas quantias como se a mesma fosse parceira em união de facto.

Declaração essa que junta, e que prova que sempre foi a verdadeira intenção da autora/apelante, que é notório da sua leitura atenta, que a mesma se sub-roga parceira em união de facto sem ainda conhecer de uma decisão definitiva dos tribunais. »

Contra essa junção se insurge a A./ ora recorrida, por entender não estarem verificados os pressupostos/requisitos legais que permitem/condicionam a sua admissibilidade, nomeadamente no que concerne a sua tempestividade/superveniência.

Assim, a questão prévia que, assim, desde logo, se coloca, consiste em saber se deve ou não admitir-se a junção aos autos de tal documento?

Vejamos.

Como é sabido, e constitui hoje entendimento dominante, os recursos são meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas. Como princípio, os tribunais superiores devem, assim, reapreciar as decisões de que se recorre dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que proferiu a decisão recorrida. Não devendo, assim, alegar-se, como regra, matéria nova (“ius novarum”) nos tribunais superiores (não obstante existirem questões que são de conhecimento oficioso – cfr. artº. 608º, nº. 2 - fine - do CPC), também, em princípio, não devem ser juntos documentos novos (isto é, que não foram juntos aos autos com os respetivos articulados ou, já em si num regime de exceção, até ao encerramento da audiência final do julgamento em 1ª. instância – cfr. artº. 423º e 425º - a contrario - do CPC) na fase de recurso (cfr., a propósito, e para maior desenvolvimento, Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 395 e ss.”; Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, pág. 83” e Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª. ed., pág. 189”).

Porém, tal princípio admite, no que concerne à junção de documentos, algumas exceções.

No que concerne às apelações, e da conjugação do disposto nos artºs. 651º, nº. 1, e 425º do CPC – cujo teor damos aqui por reproduzido -, resulta a possibilidade de as partes poderem juntar documentos com as alegações de recurso só ou mediante a ocorrência de alguma das seguintes situações:

a) Se a sua apresentação não tiver sido possível até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento; ou

b) Se a junção só se tornar necessária devido ao julgamento proferido na 1ª. instância.

No que concerne à 1ª. situação (de exceção), essa impossibilidade tanto pode reportar-se a uma superveniência objetiva – a qual ocorre quando o documento só foi elaborado/produzido depois daquela data -, como a uma superveniência subjetiva – a qual ocorre quando o documento em causa e/ou a situação factual que documenta, embora já antes existentes, todavia, só chegaram (sem que tal lhe possa ser imputável, num quadro normal de diligência) ao conhecimento do apresentante do documento, ou seja, da parte de que dele se pretende valer, depois da referida data.

Ilustrando o preenchimento da aquela 2ª. situação de exceção, e a propósito dela, o prof. A. Varela (in “RLJ, Ano 115, pág. 95”), refere o seguinte:

“A junção de documentos com as alegações ..., afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão da 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª. instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado”. (sublinhado nosso)

Ou então (como escreve o Abrantes Geraldes (in “Recursos em Processo Civil, 6ª. Edição Atualizada, Almedina, pág. 285/286”) quando essa junção se revele “necessária por virtude do julgamento proferido, máxime, quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.” E daí que conclua, a esse respeito, que “a jurisprudência (…) sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.” (sublinhado nosso)

Daí que possamos dizer/concluir, grosso modo, que a referida 2ª. situação de exceção ocorre quando o julgamento da 1ª. instância (relembre-se, como acima deixámos expresso, que estamos somente ainda a analisar a questão no que concerne aos recursos de apelação) tenha introduzido na ação um elemento que enferma de total novidade (em relação aquilo que era expectável) e que, por isso, justifica, tornando-a necessária, a consideração de prova adicional (sobre determinado facto).

Porém, no concerne às revistas, dispõe-se no artº. 680º, nº. 1, do CPC, que “com as alegações podem juntar-se documentos supervenientes, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 674.º e no nº. 2 do artigo 682.º”. (sublinhado e negrito nossos).

Por sua vez, no nº. 3 do ali referido artº. 674º estatui-se que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova para a existências do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”. (sublinhado e negrito nossos).

Refira-se, por último, o também o aludido nº. 2 do citado artigo 682º que (no âmbito do julgamento feito pelo tribunal de revista, ou seja, pelo STJ) reza assim: “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º) (sublinhado e negrito nossos).

Ressalta, assim, de forma clara, do citado artº. 680º do CPC - em conjugação ainda com disposto no n.º 3 do artigo 674.º e no nº. 2 do artigo 682º - que nos recursos de revista (como sucede no caso) a possibilidade de apresentação de documentos é mais restrita do que no âmbito dos recursos de apelação, o que bem se compreende pelo facto de o Supremo ter a sua intervenção privilegiada reportada às questões de direito, pois que só excecionalmente é admitido a pronunciar-se sobre questões de facto.

Na verdade, resulta, desde logo, de tal normativo que no âmbito dos recursos de revista a possibilidade da junção (com as respetivas alegações) de documentos está circunscrita aos documentos supervenientes.

Tendo como pano de fundo o conceito (nas vertentes objetiva e subjetiva) que atrás deixámos expendido (aquando da apreciação do regime vigente para os recursos de apelação), devidamente adaptado às especialidades da revista, serão (apenas) qualificáveis como “documentos supervenientes” aqueles que ainda não existiam (por não terem sido formados/elaborados) à data em que na Relação se abriu a fase do julgamento, ou que, existindo já, a parte apresentante ignorava até então a sua existência ou aqueles ainda que em tendo a parte conhecimento da sua existência, não pôde, todavia, por facto que lhe não é imputável, obtê-los antes de iniciada a fase de julgamento, sendo certo ainda que é sobre o apresentante que impende o ónus de alegação e prova de uma dessas situações.

Depois, como ressalta ainda da conjugação de tais normativos, sendo os documentos apresentados qualificáveis como supervenientes, necessário se torna ainda que estejamos perante uma situação que se enquadre no âmbito da previsão da 2.ª parte do nº. 3 do artº. 674º do CPC, ou seja, em que as instâncias tenham dado, in casu, como provado um facto, para o qual a lei exige prova documental, sustentando-o, em violação do direito probatório material, noutro tipo de prova (vg. com base na prova testemunhal ou em confissão), permitindo, assim, a situação ser regularizada, sem prejudicar o resultado, com a junção de tais documentos.

Apontando no sentido que se deixou exposto, vide, entre outros, Acs. do STJ de 30/06/2020, proc. nº. 909718.5T8PTG.E1.S1, de 14/10/2021, proc. nº. 11570/19.0T8PRT.P1.S1; e de 13/11/2018, proc. nº. 9126/10.1TBCS.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt, e ainda, ao nível da doutrina, Abrantes Geraldes (inOb. cit., pág. 486”), Amâncio Ferreira (in “Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª. ed., pág. 265”), e o prof. Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil, Vol. VI, 3ª. ed./reimp, Coimbra Editora, pág. 70”).

Pois bem, tendo presente as considerações (de cariz teórico-técnico) expostas, e subsumindo-as ao caso sub júdice, vejamos se estão verificados, ou não, os sobreditos ingredientes/requisitos legais para que o sobredito documento, que o R./recorrente CC juntou com as suas alegações do recurso de revista, possa ser admitido?

Como ressalta do confronto das datas que supra se deixaram exaradas, a esse propósito foi emitido/elaborado em 30/01/2021, numa altura em que já havia sido realizado o julgamento na 1ª. instância e proferida a respetiva sentença, e em que os autos já haviam sido remetidos ao Tribunal da Relação para apreciação do recurso de apelação então interposto pela A. daquela sentença, pois resulta dos consulta dos autos que os mesmos foram apresentados nesse tribunal superior em 21/12/2020 (cfr. fls. 385), sendo certo ainda que o despacho que admitiu o recurso de apelação, e ordenou a remessa dos autos aos vistos dos restantes elementos que compunham o coletivo que iria julgar esse recurso, determinando ainda a sua subsequente inscrição para o efeito em tabela, apenas se encontra datado de 01/01/2021 (cfr. fls. 386) – um dia dias da sua elaboração -, vindo esse julgamento a ocorrer em 11/02/2021.

Extrai-se do exposto, que muito embora o documento já existisse quando se abriu a fase do julgamento (embora por escassos dias) na Relação, todavia, pela escassez dos dias que antecederam essa fase não é naturalmente crível, à luz das regras da experiência, que R. já dele tivesse conhecimento ou então que já o mesmo estivesse então na sua posse (embora fosse, sobre ele, como se deixou expresso, que impendesse ónus de demonstrar quer esse desconhecimento, quer a impossibilidade de o utilizar e juntar em tempo útil, sendo certo que nada em concreto referiu a esse respeito).

Porém, mesmo não usando aqui desse rigor e condescendendo (pelas razões aduzidas) na verificação do pressuposto/requisito da superveniência, ainda assim o referido documento não poderá ser admitido, e pelo seguinte:

Como supra vimos, para além desse requisito da superveniência outro requisito ou pressuposto se exige para que tal documento possa agora ser junto (com as alegações do recurso de revista) e que se reconduz a que estejamos perante uma situação que se enquadre no âmbito da previsão da 2.ª parte do nº. 3 do artº. 674º do CPC, ou seja, em que a 2ª. instância tenha dado como provado um facto, para o qual a lei exige prova documental, sustentando-o, em violação do direito probatório material, noutro tipo de prova (vg. com base na prova testemunhal ou em confissão), permitindo, agora, desse modo, que a situação seja regularizada, sem prejudicar o resultado, com a junção de tais documentos.

Ora, nada disso sucede no caso apreço, pois que, por um lado, o recorrente não especifica o facto concreto (como lhe impõe o artº. 640, nº. 1 al. b), do CPC) da decisão de facto proferida pelo tribunal da Relação que pretender impugnar, e, por outro, a situação factual que, em termos genéricos, parece quer inferir ou colocar em crise não está sujeita a prova vinculada e, por fim, ainda porque o caso não se enquadra na finalidade acima referida (de regularização de uma situação factual dada como assente/provada através do recurso a um meio de prova irregular ou improprio para o efeito), à luz da qual se permite, excecionalmente, regularizar essa situação, sem alterar o resultado, com o documento que se pretende juntar para o efeito.

Diga-se ainda, por último, que, dado a teor do aludido documento e o thema decidendum nesta ação, sempre o mesmo, à luz do disposto no artº. 443º, nº. 1, do CPC, não poderia ser admitido dado a sua manifesta desnecessidade/impertinência para a decisão da causa.

Termos, pois, em que, perante o que se deixou exposto, e por ser legalmente inadmissível, não se admite a junção aos autos do sobredito documento – que acompanha as alegações de recurso de revista do R. CC -, o qual, oportunamente, deverá ser desentranhado dos autos e remetido ao recorrente/apresentante.


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2. Do objeto do recurso

Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se afere, fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, 608º, nº. 2, ex vi artº. 679º do CPC).

Por fim, vem, também, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” a que se reporta o citado artº. 608º, e de que o tribunal deve conhecer, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes.

2.1 Ora, calcorreando as conclusões das alegações dos dois sobreditos recursos dos réus DD e CC verifica-se que as questões que aqui se nos impõe apreciar e decidir são as seguintes (e que serão comuns a ambos os recursos, embora como dimensões diferentes, nomeadamente no que concerne à 1ª. questão):

a) Do erro de julgamento (da decisão) de facto - por violação do direito probatório material/formal - pelo tribunal ora a quo (2ª. instância);

b) Da vivência da autora e do falecido EE em união de facto e do direito da primeira a ser restituída/reembolsada, pelos RR., em nome da herança aberta por falecimento daquele, da quantia de € 50.000,00.


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3. Os factos provados (descritos pelo acórdão recorrido, e após a apreciação da impugnação da decisão de facto proferida pela 1ª. instância e da sua alteração à que fora fixada, mantendo-se a ortografia e assinalando-se as alterações):

1. A Autora nasceu a .../.../1987, sendo solteira e filha de FF

FF e de MM.

2. EE nasceu a .../.../1981, é filho de NN e de BB, tendo falecido, em ... no estado de solteiro e sem descendentes, em 02 de Fevereiro de 2018, em ..., ... (...), onde teve a sua última residência.

3. Sucederam, como herdeiros do falecido EE, a sua mãe, BB, e os seus irmãos CC e DD.

4. (alterado) A autora e o falecido EE conheceram-se em 2010 e iniciaram uma relação de namoro no final desse ano.

4.A. (aditado) A partir de Fevereiro de 2011 até 2 de Fevereiro de 2018, data do decesso de EE, a autora e o referido EE, viveram como se de marido e mulher se tratasse, partilhando a mesma mesa, cama e habitação, respeitando-se, comunicando, conversando, assistindo-se mutuamente na doença e na saúde, cooperando e auxiliando- se mutuamente, mantendo um relacionamento íntimo e sexual e confeccionando e realizando em conjunto refeições, na mesma mesa e sob o mesmo tecto.

4.B. (aditado) Neste hiato temporal, a autora e o EE proviam, em conjunto, pelo sustento de ambos, pagando em conjunto todas as despesas necessárias à existência e sobrevivência de ambos, nomeadamente, alimentos, vestuário, despesas de saúde, médicas, água, luz, telefone e todas as demais necessárias à sua existência comum.

5. Por contrato de compra e venda, com mútuo e hipoteca, outorgado na Conservatória do Registo Predial ..., em .../.../2008, o falecido EE e OO, adquiriram em compropriedade, em partes iguais, a fracção autónoma correspondente à letra “O”, T-2 duplex, correspondente ao segundo e terceiro andares centro, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Quinta ..., ..., freguesia ..., concelho ..., inscrita na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...29... e descrita na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o n.º ...26....

6. A referida fracção autónoma foi adquirida por EE e OO, através de um mútuo concedido pela Caixa Geral de Depósitos, no valor de 100.000,00 (cem mil

euros), tendo os referidos EE e OO constituído hipoteca sobre a identificada fracção autónoma, a favor da Caixa Geral de Depósitos, para garantia do capital mutuado, dos juros até à taxa anual de 8,246%, acrescida de uma sobretaxa de 4% ao ano, em caso de mora e a título de cláusula penal, as despesas extrajudiciais emergentes deste contrato fixadas, para o efeito de registo em 4000,00€ perfazendo o montante máximo do capital e acessórios de 140.730,00€.

7. Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 13 de Janeiro de 2011, no Cartório Notarial da Notária, ..., sito na Avenida ..., Edifício ..., o falecido EE comprou a OO, pelo

preço de 34.140,00€, metade indivisa, correspondente à quota-parte de que OO era dona e legítima proprietária, na fracção autónoma correspondente à letra “O”, identificado no ponto 5.

8. Em 13.01.2011, a fracção autónoma referida continuava onerada com a hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A. registada na Conservatória do Registo Predial, pela apresentação sete, de dezoito de Abril de dois mil e oito, encontrando-se ainda por pagar parte do mútuo contraído pelo falecido EE junto da Caixa Geral de Depósitos.

9. A Autora, em 25 de Janeiro de 2013, depositou, na conta bancária n.º ...57, da Caixa de Crédito Agrícola, o montante de €30.000,00.

10. Em 11 de Setembro de 2013, a Autora depositou, na mesma conta bancária n.º ...

...57, da Caixa de Crédito Agrícola, o montante de €20.000,00.

11. A conta bancária n.º ...57, da Caixa de Crédito Agrícola, era titulada pelo falecido EE desde .../.../2013 e também pela Autora a partir de

03.08.2016.

12. Em meados de Outubro de 2013, o falecido EE procedeu ao pagamento e liquidação integral do remanescente em dívida, referente ao mútuo que havia contraído junto da Caixa Geral de Depósitos para aquisição da fracção autónoma descrita no ponto 5, transferindo o montante de €50.0000,00 da conta nº ...57, da Caixa de Crédito Agrícola, para a conta bancária n.º  ...54, da Caixa Geral de Depósitos.

12.A. (aditado) Os depósitos efectuados pela autora na conta bancária nº ...57, da Caixa de Crédito Agrícola, das quantias de €30.000,00 e €20.000,00, foram realizados para pagamento e liquidação do remanescente em dívida do valor do mútuo contraído pelo falecido EE.

12.B. (aditado) O falecido EE procedeu ao pagamento da dívida remanescente, referente ao mútuo por si contraído, junto da Caixa Geral de Depósitos, com o propósito de ambos, autora e falecido, continuarem e manterem a vida de casal e por forma a que o dito imóvel se tornasse propriedade comum da autora e do falecido EE.

12.C. (aditado) O pagamento e liquidação do montante de €50.000,00, correspondente ao remanescente em dívida do valor do mútuo, foi realizado com dinheiro que havia sido doado e entregue à autora, pelos seus pais, sendo sua pertença exclusiva.

12.C. (aditado, há uma repetição da letra C, pelo que deve ler-se 12-D) O falecido EE, por não dispor de meios económico-financeiros suficientes para liquidar o referido mútuo e considerando que ele e a autora viviam em condições análogas às dos cônjuges, pretendendo manter essa vida, pediu à autora e esta autorizou, em face do propósito de ambos de continuação e subsistência dessa vida de casal e com o propósito de tornar o dito imóvel comum à autora e ao falecido EE, a utilização desse dinheiro, pertença exclusiva da autora, para proceder ao pagamento e liquidação integral do remanescente em dívida do valor do mútuo por ele contraído.

12.D. (aditado, face à nota aposta nº. anterior deve ler-se 12-E) A autorização da autora, para o falecido EE utilizar o montante de €50.000,00 para pagamento integral do remanescente em dívida do referido mútuo, foi concedida apenas no pressuposto da continuação e subsistência, querida por ambos, autora e EE, dessa vida de casal e de que o dito imóvel, posteriormente, se tornasse propriedade comum de ambos.

13. O imóvel descrito no ponto 5 não foi tornado propriedade comum do falecido EE

EE e autora.

13.A. (aditado) Autora e EE viveram, como se de marido e mulher se tratasse, no apartamento, sito na Rua ..., ... ..., identificado em 5.

13.B. (aditado) No apartamento referido em d) (na redação da numeração primitiva que consta do acórdão), a autora e o falecido EE, como se de marido e mulher se tratasse, comiam na mesma mesa, dormindo na mesma cama, recebendo amigos e familiares, correspondência, guardando os respectivos pertences e bens e pagando em conjunto todas as despesas referentes ao mesmo.

13.C. (aditado) A autora e o falecido pretendiam manter e continuar a viver como se de marido e mulher se tratasse na fracção referida em d) (na redação da numeração primitiva que consta do acórdão).

14. O EE esteve a trabalhar nos ... e na ....

15. No ano de 2013, constituiu, em Portugal, uma sociedade por quotas com o Sr. PP, denominada “E... Lda.”, com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho ....

16. No início do ano de 2014, EE foi viver para ..., trabalhando na área automóvel, como electricista, e auferindo um salário mensal de 3.161,95€.

17. Eliminado. (da sentença constava como provado o seguinte facto: “Desde Maio de 2014, EE manteve, em ..., um relacionamento com II, tendo vivido juntos na casa de DD, sita na ... ..., relação que terminou em Maio de 2015.”)

18. Pela Ap. ...12, foi registada a alteração da sociedade referida em 15 para Sociedade Unipessoal por Quotas, com a firma E... Unipessoal, Lda., sendo seu único sócio PP e tendo o falecido EE renunciado à gerência.

19. No Verão de 2015, em ..., houve um confronto entre II, o falecido EE e a autora.

20. A autora trabalhou, até 31.07.2014, como terapeuta da fala, para a F..., Lda, prestando serviços na Unidade de Cuidados Continuados Integrados e foi viver e trabalhar para ... em Setembro de 2014.

21. A Autora e o falecido EE adquiriram, no ano de 2016, com recurso a crédito bancário, um apartamento, em ....

22. EE era proprietário de um apartamento, uma garagem, um carro da marca BMW, que se encontravam já pagos na totalidade, dispunha de valores monetários em contas bancárias e tinha anteriormente, adquirido uma mota e outros veículos automóveis.

23. O falecido EE, pouco dias antes da sua morte, falou com o Sr. PP para lhe arranjar trabalho em Portugal, por pretender regressar ao país.

24. No dia do funeral de EE, em 14.02.2018, a autora não falou nem se apresentou como sua namorada ou companheira aos familiares do falecido.

25. Nesse dia, a autora procedeu à transferência da totalidade do dinheiro existente na conta bancária com o número ...57, da Caixa de Crédito Agrícola, para uma outra só sua, no valor de 27.136,02€.

26. O falecido EE não mantinha contactos regulares com a sua família, estando de relações cortadas com o seu irmão e a sua mãe»


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4. Quanto à 1ª. questão.

- Do erro de julgamento (da decisão) de facto pelo tribunal a quo (2ª. instância).

Insurgem-se os RR./recorrentes contra a decisão de facto proferida pelo Tribunal da Relação, que alterou, em parte, a decisão de facto proferida pelo tribunal da 1ª. instância, na sequência apreciação da impugnação que A. lhe deduziu no seu então recurso de apelação.

No que concerne ao recurso da R. DD, essa impugnação reporta-se aos factos insertos nos pontos nºs. 4.A, 4.B e 12.C (embora, por lapso - e ao contrário do que refere/consta das conclusões e do corpo das alegações que a antecedem - no pedido final apareça escrito 12) que o tribunal ora a quo deu como provados, defendendo que sejam dados como não provados.

No que concerne ao recurso do R. CC essa impugnação reporta-se aos factos insertos nos pontos nºs. 4.A, 4.B, 12.A, 12.B, 12.C, 12.D, 13.A, 13-B. e 13.C dados como provados pelo tribunal a quo, pugnando para que sejam dados como não provados. Dada a duplicação dos nºs. 12.C, e feita a correção sequencial da leitura dessa numeração, que se deixou assinalada na descrição acima feita de tais factos, deve entender-se que essa impugnação se deve estender ao ponto 12-E (face ao desdobramento originado pelos dois pontos 12 com a mesma letra C), e por a impugnação do respetivo facto se extrair da peça recursiva.

Factos esses cujo teor consta da descrição que acima se encontra feita (e que, por isso, nos dispensamos de novamente aqui reproduzir, para ela nos remetendo, sempre que doravante a eles nos venhamos a referir).

Importa, desde já, referir, que os aludidos factos, ora impugnados, que foram aditados aos factos provados, constavam dos factos dados como não provados pela 1ª. instância.

Impugnação essa que sustentam nos fundamentos que aduzem nas respetivas conclusões das suas alegações de recurso (que acima se deixaram integralmente transcritas, e cujo teor aqui se dá por reproduzido), e que, em síntese, se reconduzem, por um lado, ao facto de o tribunal a quo ter procedido, quanto aos aludidos factos impugnados, a uma incorreta valoração da prova produzida (vg. testemunhal, documental e declarações), que identificam em concreto e que no seu entender impunha uma resposta diferente, e, por outro, por tal ir contra as regras de lógica e da experiência, violando mesmo normas do direito probatória material.

A A./recorrida, nas suas contra-alegações, pugna, por um lado, pela inadmissibilidade do recurso, nessa parte, por não estarem verificados os pressupostos legais (previstos na 2ª. parte do artº. 674º, nº. 3, do CPC) que permitem excecionalmente o STJ sindicar o julgamento de facto efetuado pelas instâncias, e, por outro, e de qualquer modo, pela manutenção da matéria de facto fixada pelo tribunal a quo.

Apreciando.

Como ressalta do preceituado no artº. 674º, nº. 3, do CPC (em conjugação ainda com o artº. 682º desse mesmo diploma), o STJ, como regra, apenas conhece de matéria de direito, carecendo, por isso, de competência para apreciar a matéria de facto, a não ser que haja ofensa de disposição legal que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, ou seja, quando ocorra violação do direito probatório formal ou material No fundo, pode dizer-se que quando ocorre alguma destas situações de exceção àquela regra se está defronte de erros de direito que se integram, por isso, na esfera de competência do Supremo.

Constitui hoje entendimento consolidado, sobretudo na jurisprudência deste mais alto tribunal, que, em sede revista, o STJ poderá sindicar o uso feito pela Relação de presunções judiciais (que têm a virtualidade de se integrar naquela exceção à regra a que atrás nos referimos), mas só se esse uso ofender norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados. Nessa conformidade, pode ser sindicável por este tribunal, em sede de revista, o uso de presunções judiciais quando a lei não o admita, por violação, por exemplo, do artº. 351º do C. Civil (CC), ou, admitindo-o, quando esse uso ocorra fora do condicionalismo legal fixado no artº. 349º do mesmo diploma, no qual se extrai a exigência da prova de um facto base ou instrumental e a ilação a partir dele de um facto (essencial) presumido. Já no que concerne ao erro sobre o juízo presuntivo formado com apelo às regras da experiência, a sua sindicância pelo STJ só deverá, pois, ocorrer nos casos de manifesta ilogicidade. Nesse sentido vide, entre outros, os Acs. do STJ de 08/11/2022, proc. nº. 5396/18.5T8STB-AE1.S1, de 16/11/2021, proc. n.º 2534/17.9T8SRTR.E2.S1, 14/07/2021, proc. 1333/14.4TBALM.L2:S1, de 14/07/2021, proc. nº. 4961/16.0T8LSB.L1.S1, de 13/04/2021, proc. nº. 3006/15.1T8LRA.C1.S1, de 28/01/2021, proc. nº. 1790/17.7T8VFX.L1.S1, 17/10/2019, proc. nº. 1703/16, de 29/09/2016, proc. nº. 286/10, e de 14/07/2016, proc. nº. 377/09, todos disponíveis em www.dgsi.pt, e ainda Abrantes Geraldes, in “Ob. cit., págs. 462/469”).

Ou seja, enfatizando, e concretizando melhor, em regra, apenas está cometida ao STJ a reapreciação de questões de direito (cfr. artº. 682º, nº. 1, do CPC), carecendo, por isso, de competência para apreciar a matéria de facto, a não ser que haja ofensa de disposição legal que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (cfr. artº. 674º, nº. 3, do CPC).

Por sua vez, “de acordo com a jurisprudência consolidada do STJ, a sindicância, em sede de revista, do uso de presunções judiciais pela Relação apenas pode ser feita se tal uso ofender norma legal, se padecer de ilogicidade manifesta ou se partir de factos não provados” (Ac. do STJ de 28/01/2021, atrás citado).

Nessa conformidade, como se concluiu no também atrás citado Acórdão do STJ de 16/11/2021pode ser sindicável por este tribunal, em sede de revista, o uso de presunções judiciais quando a lei não o admita, por violação, por exemplo, do art. 351.º do CC, ou, admitindo-o, quando esse uso ocorra fora do condicionalismo legal fixado no art. 349.º do mesmo diploma, no qual se extrai a exigência da prova de um facto base ou instrumental e a ilação a partir dele de um facto (essencial) presumido. Já no que concerne ao erro sobre o juízo presuntivo formado com apelo às regras da experiência, a sua sindicância pelo STJ só deverá, pois, ocorrer nos casos de manifesta ilogicidade.”.

Como escreveu, por sua vez, a esse propósito, Abrantes Geraldes (in “Ob. e págs. cits.”)No capítulo da apreciação das provas, aregra contida no nº.3(do art. 674.º), conexa com as funções prioritárias atribuídas ao Supremo, é a de que este órgão não pode interferir na decisão da matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias. Tal regra está em consonância com a tramitação processual do recurso de revista, por comparação com o recurso de apelação que integra, como um dos pilares fundamentais, a intervenção da Relação na reapreciação da decisão da matéria de facto, nos termos dos arts. 640.º e 662.º”, acrescentando depois que Todavia, sem embargo de outras intervenções previstas nos arts. 682.º e 683.º, considerou-se que o Supremo não deveria ficar indiferente a erros de apreciação da prova resultantes da violação de direito probatório material, podendo constituir fundamento de revista a violação de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova ou que fixe a respectiva força probatória. Afinal, em tais situações, defrontamo-nos com verdadeiros erros de direito que, nesta perspectiva, se integram também na esfera de competências do Supremo.

Assim, cabe ao tribunal de revista sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação, quando a lei o não admita ou quando tal uso ocorra fora do condicionalismo legal traçado no artº. 349º do CC. Já “relativamente ao erro sobre a substância do juízo presuntivo formado com apelo às regras da experiência, o mesmo só será sindicável pelo tribunal de revista em casos de manifesta ilogicidade. (…) Mas está vedado ao tribunal de revista a indagação do erro intrínseco à própria apreciação crítica das provas produzidas em regime de prova livre.” (sublinhado nosso)

Teorizando um pouco sobre a figura das presunções, diremos que é conhecida a clássica distinção entre prova direta e prova indireta ou indiciária, incluindo-se aquelas neste último modo de prova, e que permitem, com o auxílio de regras da experiência, extrair uma ilação da qual se infere o facto a provar.

Em bom rigor, as presunções judiciais, também designadas materiais, de facto ou de experiência (artº. 349º do C. Civil), não são verdadeiros meios de prova, mas antes “meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência”, ou, noutra formulação, “operação de elaboração das provas alcançadas por outros meios”, reconduzindo-se, assim, a simples “prova da primeira aparência”, baseada em juízos de probabilidade. Na definição legal, são ilações que o julgador tira de um facto conhecido (facto base da presunção) para afirmar um facto desconhecido (facto presumido), segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas ou da lógica. Nas palavras de Chiovenda (in “Princípios de Direito Processual Civil, 4ª. Ed., pág. 853”) “a presunção equivale, pois, a uma convicção fundada sobre a ordem normal das coisas.”

Tendo presente o que se acabou de deixar exposto, e que visou, em primeira linha, por um lado, o enquadramento jurídico da questão, e por outro, dar resposta à questão (prévia) colocada pela recorrida relativamente à (in)admissibilidade da revista relativamente à impugnação do julgamento de facto efetuado pela Relação, é altura de responder à concreta questão acima elencada no que concerne à referida à impugnação do julgamento de facto suscitada pelos recorrentes (que não se confunde com a sua admissibilidade, dados os fundamentos que foram aduzidos para o efeito), e que se traduz em saber se se justifica ou não à alteração da decisão de facto defendida pelos últimos/revistantes.

A prova produzida nos autos é de natureza documental e testemunhal e de declarações de partes (cuja gravação o tribunal a quo afirmou ter procedido à sua audição, e bem como à analise de toda a prova produzida).

Vejamos, antes de mais, como o tribunal a quo fundamentou/motivou a sua decisão no que concerne aos aludidos factos impugnados.

Quanto aos factos insertos nos pontos 4.A e 4.B (que constavam das als. b) e c) dos factos dados como não provados da sentença), justificou assim:

« (…) Sobre a vida em conjunto da autora com o falecido EE, depuseram as indicadas testemunhas, de forma que se nos afigura credível.

A circunstância de, em 2011, quando a autora celebrou o seu contrato de trabalho com F..., Lda ter fornecido a morada de ... (casa de seus pais) ou ser essa a morada que forneceu para outros fins, nomeadamente no Banco, não basta para afastar toda a demais prova produzida. É consabido que para esses efeitos se fornece a morada constante do cartão de cidadão e pode, como é normal acontecer, não ter procedido à sua alteração.

A testemunha HH, em Fevereiro de 2011, a convite da autora, foi ao apartamento onde esta morava com o EE, sito em ... e, a partir daí, foi muitas mais vezes, em especial quando começou a namorar com um amigo do EE, pois, como residia em ... e não tinha casa em ..., ficava no apartamento deles, que soube descrever em pormenor. Teve assim conhecimento directo da vida que autora e

EE faziam, como um casal (dormiam juntos, partilhavam as refeições e as despesas, iam às compras juntos, etc). É certo que não sabia das contas bancárias da autora, mas de estranhar seria se o soubesse. Continuou a encontrar-se com a autora e o EE, quando estes vinham a Portugal de férias, quer em ..., quer em ....

Convidaram-na a ir a ..., ver a casa que entretanto tinham comprado e visitou-os em ... em Maio de 2017. Sempre, durante este período que vai de 2011 a 2018 (data da morte do EE) os viu e considerou como um casal. Disse que o EE lhe chegou a dizer que a família dele era a AA e os pais da AA. Nunca falava da família dele, não tinha relação com eles, tanto que, quando a testemunha foi dar a notícia da morte do EE à respectiva mãe, esta nem sabia onde o filho estava. Foi a AA que tratou de tudo relativamente ao funeral, embora a família dele se tenha deslocado a ... nessa altura.

A testemunha GG, também amiga da autora e depois de ambos, igualmente asseverou que a autora e o EE viviam como marido e mulher A testemunha KK, tio da autora, referiu que a família passava o Natal junta e, desde 2012 até ao Natal de 2017 (último do EE) a autora e o EE também passavam o Natal com a família da autora. Assim como todos os anos vinham a ..., a casa da testemunha, para a matança do porco e para o merendeiro que a família fazia em Agosto. Sempre se apresentando como um casal (“iam a casa do meu irmão, dormiam juntos”).

A testemunha FF, pai da autora depôs no mesmo sentido. Já conhecia o EE desde data anterior ao namoro, por ser electricista na oficina de um senhor que também se chamava QQ. Foi várias vezes a casa deles em ... (2015, 2016, 2017 e

2018).

Pelo exposto não nos restam dúvidas da veracidade dos factos das alíneas b) e c) que assim se julgam provados. »

Quanto aos factos insertos nos pontos 12.A a 12.D – com a correção acima efetuada, decorrente da duplicação de números - (que constavam das als. g) a k) dos factos dados como não provados da sentença), justificou assim:

« (…) Esta matéria resulta para nós evidente. Basta para tanto atentar nos factos provados sob os nºs 9, 10, 11 e 12.

O pai da autora, testemunha FF, explicou que deu essas quantias, primeiro €30.000 e depois €20.000, à filha, aqui autora, tal como havia dado ao outro filho, quando este casara, para os ajudar no início da vida.

Com o dinheiro a autora podia fazer o que quisesse.

Ela comunicou-lhe como o ia utilizar: – serviria para o EE liquidar o mútuo que contraíra junto da CGD, para aquisição do apartamento de ..., onde ambos viviam e que posteriormente passaria a ser dos dois.

As referidas quantias foram depositadas numa conta da Caixa de Crédito Agrícola em 25 de Janeiro e 11 de Setembro de 2013, conta essa apenas titulada pelo EE (só passa a ser co-titulada pela autora em 2016, altura em que adquirem outra casa em ..., também com recurso a crédito bancário).

Em Outubro de 2013 o EE transfere da sua conta na CCA para a CGD a referida quantia, liquidando integralmente a dívida que tinha para com a CGD, nesse exacto valor, relativa ao mútuo com hipoteca que contraíra para aquisição do apartamento de .... Isto é, logo no mês seguinte a ter na sua conta a quantia de €50.000, que a autora lhe depositara e lhe fora doada pelo pai.

Estes factos, e todo o circunstancialismo já analisado relativo à vida do casal, são suficientes para se poder concluir os restantes.

É verdade que o EE nunca chegou a formalizar a aquisição por parte da autora de metade indivisa do apartamento, mas é preciso ter em conta que tal implicaria a celebração de uma escritura pública e suportar as respectivas despesas, bem como o imposto de selo e despesas com o registo, sendo que nessa altura já tinham suportado a despesa com a liquidação do mútuo e provavelmente com o cancelamento da hipoteca. Estávamos no final de 2013 e sabemos que, por dificuldades económicas, o EE emigra para ... escassos meses depois. É assim normal que, entretanto, com a aquisição de uma outra casa em ..., tenham adiado o que antes projectaram.

Pelo exposto também para nós esta matéria se considera provada. »

Quanto aos factos insertos nos pontos 13.A e 13.B (que constavam das als d) e e) dos factos dados como não provados da sentença), justificou assim:

« (…) Sobre esta matéria já acima nos pronunciamos, nomeadamente quando descrevemos parcialmente, e exemplificativamente, o depoimento da HH, sendo

evidente que, pelas mesmas razões, entendemos que esta factualidade está suficientemente demonstrada e portanto, provada. »

Quanto ao facto inserto no ponto 13.C (que constava da al f) dos factos dados como não provados da sentença), justificou assim:

« (…) A fracção referida em d) é o apartamento do Jorge Eduardo em ..., onde o casal residiu até se mudar para ....

As testemunhas referiram que sempre que vinham a Portugal e faziam-no com regularidade, o casal ia para o apartamento de ..., sem prejuízo de visitar a família da AA, em ..., e lá pernoitar.

Assim, quando em Portugal, era esse o centro de vida do casal.

Apesar de já estar há cerca de 4 anos em ..., o EE não alienou a fracção de que era único proprietário. Nenhuma testemunha referiu que a tencionasse vender, apesar de estar em ... e aí ter adquirido outro apartamento em comum com a autora.

Por isso, pode inferir-se, face à situação de cariz temporário que os levou para ... (dificuldades económicas e falta de emprego) e à manutenção do apartamento de ..., pela prova desta matéria.

Decidindo-se assim julgar provada a matéria desta alínea f) da sentença. »

Posto isto, e considerando, por um lado, a teorização acima exposta sobre as situações de exceção em que este Supremo Tribunal pode sindicar a intervenção das instâncias no julgamento de facto, por outro, a natureza dos factos que foram objeto de impugnação e, por fim, a fundamentação aduzida pelo ora tribunal a quo para alterar a decisão de facto fixada pela 1ª. instância, extrai-se, em termos conclusivos, o seguinte:

Não nos encontramos no domínio de prova vinculada, ou seja, os factos que são objeto de impugnação não estão sujeitos a prova vinculada, isto é, nem a sua prova só pode ser feita por meio (probatório) legalmente estipulado para o efeito, e nem os mesmos se encontram já plenamente provados (vg. por confissão/acordo, ou documento autêntico ou mesmo particular).

Daí que tais factos podem ser objeto de prova legalmente permitida em direito, tal como a prova testemunhal ou documental sujeita a livre a apreciação/convicção do julgadot (cfr. artºs. 396º, 366º, 371º - a contrario – e 376º - a contrario- e 377º - a contrario - do CC), a que o tribunal a quo recorreu.

Por outro lado, as presunções judiciais ou de experiência de que o tribunal a quo se socorreu para dar determinados factos com provados não lhe estava, in casu, vedado por disposição legal, como também, nesse caso, o seu juízo presuntivo que extraiu não enferma de evidente/manifesta ilogicidade, e muito menos partiu de factos não provados para chegar àqueles pontos de facto que deu como provados (cfr. artºs. 351º e 349º do CC).

Sendo assim, não ocorre ou se deteta no caso em apreço qualquer situação de exceção (prevista na 2ª. parte do nº. 3 do citado artº. 674º do CPC) que permita a este Supremo Tribunal sindicar e alterar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, particularmente no que concerne aos factos que foram objeto de impugnação por parte dos recorrentes.

Ou seja, e por outras palavras, tendo presente os poderes legais conferidos ao STJ, não pode este tribunal modificar ou sancionar a decisão fáctica fixada pela Relação quando esteja somente em causa, como está, in casu, a valoração de meios de prova sem valor tabelado, sujeitos à livre apreciação do tribunal a quo.

Na verdade, não estando perante factos sujeitos a prova vinculada, eles ficam dependentes da livre apreciação do julgador, neste caso do tribunal a quo. Ou seja, na apreciação da impugnação da decisão de facto a que foi convocado pelo recurso de apelação, o Tribunal da Relação dispôs de autonomia decisória, no sentido de, através da competente análise crítica da prova produzida, formar a sua própria convicção (à luz do disposto no nº. 5 do artº. 607º ex vi nº. 2 do artº. 663º, do CPC) sobre os controvertidos factos em discussão, de forma a mantê-los ou alterá-los, sem que, nessas condições, este Tribunal Supremo possa interferir nessa decisão, mesmo que porventura tenha havido erro nesse julgamento de facto. (cfr. ainda o nº. 4 do artº. 662º do CPC)

E nessas condições, tendo o Tribunal da Relação alterado a decisão de facto proferida pela 1ª. instância, na sequência da apreciação da impugnação que dela foi feita por uma das partes (neste caso pela A., então apelante), não ocorre também, ao contrário do que defendem os recorrentes, qualquer violação do artº. 662º, nº. 1, do CPC. (Neste sentido, e a propósito, vide, por todos, Acs. do STJ de 08/09/2021, proc. nº. 1721/17.4T8VIS-A.C1.S1, e de 08/11/2022, proc. nº. 5396/18.5T8STB-AE1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).

Concluindo, não se vislumbram razões jurídicas para (através de uma sindicância deste Supremo Tribunal) alterar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, a qual se decide, assim, manter, improcedendo, também nessa parte, o recurso dos RR./recorrentes.


***


5. Quanto à 2ª. questão.

5.1 - Da vivência da autora e do falecido EE em união de facto e do direito da primeira a ser restituída/reembolsada, pelos RR. em nome/representação da herança aberta por óbito daquele, da quantia de € 50.000,00.

Como ressalta do que supra de deixou exarada, a A., pretende, no fundo, com a presente ação reaver/obter a restituição, por parte da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE - através dos seus sobreditos RR. seus únicos e universais herdeiros -, da quantia € 50.000,00, com base no instituto do enriquecimento sem causa, numa situação decorrente de uma união de facto que com aquele viveu.

Quantia essa que, como sua exclusiva proprietária/dona, terá, em determinada altura, e quando se encontrava depositada numa conta bancária titulada por ambos, autorizou que aquele falecido EE, com que então vivia em união de facto, a tivesse utilizado (transferindo-a para outra conta) para liquidar/saldar integralmente uma dívida bancária que o mesmo antes contraíra (por via de um contrato de mútuo) perante uma outra instituição bancária para a aquisição de uma fração urbana, de sua então exclusiva propriedade, e quando ainda não viviam juntos.

A autorização da utilização dessa quantia que teve como pressuposto e propósito, por ambos querido, de ela e o falecido EE continuarem a viverem naquela situação de união de facto e de o referido imóvel vir a tornar-se um bem comum, o que, porém, nem veio a ser possível devido óbito daquele entretanto ocorrido, ficando, desse modo, o património por ele deixado indevidamente enriquecido à custa do património do A., e sem qualquer causa que o justifique.

A improcedência da ação julgada na sentença da 1ª. instância (cuja repristinação os RR./recorrentes propugnam neste seu recurso) assentou, em síntese e com relevância, nos seguintes tópicos: a) Não ter A. logrado demonstrar, um lado, ter vivido como o falecido EE numa situação de união de facto; b) e, por outro, que a referida importância de € 50.000,00 (utilizada por aquele para liquidação de um débito seu) fosse de sua pertença/propriedade, concluindo, consequentemente, não se mostrem preenchidos os requisitos legais do instituto do enriquecimento sem causa, em que, em última análise, fundou aquele seu pedido/pretensão.

Depois de ter alterado a matéria de facto fixada pela 1ª. instância (nos termosque3 se deixaram assinalados), a Relação, no seu acórdão ora recorrido, chegou a conclusão contrária, e que se encontra refletida nos termos da sua parte dispositiva que acima se deixaram exarados, com a procedência da ação (solução essa que a A. defende nas suas contra-alegações aos recursos).

Apreciemos.

5.1.1 Da união de facto.

Dispõe-se no 1º, nº. 2, da Lei nº. 7/2001, de 11/01 (com as sucessivas alterações que lhe foram sendo introduzidas, nomeadamente pela Lei nº. 23/2010, de 30/08), que instituiu o Regime das Uniões de Facto e as medidas de proteção das mesmas, que “a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges mais de dois anos.”

Como decorre da leitura de tal normativo, o conceito/figura de união de facto, decompõe-se, grosso modo, nos seguintes requisitos/pressupostos:

a) Que existam duas pessoas que, independentemente do seu sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges;

b) E que essa vivência ocorra ou se mantenha há mais de dois anos.

Enquanto que o segundo requisito/pressuposto é objetivo/determinado, pois que estabelece um período mínimo da durabilidade da relação, no sentido de dar consistência/estabilidade e seriedade à mesma, e distingui-la das relações fugazes ou furtuitas, como o mero namoro.

Já o segundo é de cariz indeterminado/vago, ao exigir que essas pessoas vivam em condições análogas às dos cônjuges.

Porém, na concretização desse requisito/conceito, constitui desde há muito entendimento pacífico na nossa jurisprudência, quer na nossa doutrina, que ele pressupõe que essas pessoas vivam entre si em comunhão de leito, de mesa e de habitação, com um projeto de vida em comum, como se na realidade se tratassem de marido e mulher. (Vide, por todos, Ac. do STJ de 24/10/2017, proc. nº. 3712715.0T8GDM.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, e os profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “Curso de Direito de Família, Vol. I, 3ª. ed., pág. 110”).

Tendo em consideração o que se acabou de expor (e sem entrarmos grandes desenvolvimentos, que o caso, salvo o devido respeito, não exige, perante a clareza dos factos apurados a esse respeito), da simples leitura conjugada dos factos descritos nos pontos 4, 4.A, 4.B, 13.A, 13.B, 13.C e 21, dos factos dados como provados, facilmente se conclui/extrai que a A. e o referido EE viviam em união de facto quando este faleceu, e mais concretamente desde fevereiro de 2011 até 02 de fevereiro de 2018 (altura em que o  óbito do último ocorreu), pois que durante esse período  partilharam/comungaram do mesmo leito, da mesma mesa e da mesma habitação, com um projeto de vida em comum, comportando-se como se, na realidade, se tratassem de marido e mulher.


5.1.2 Do enriquecimento sem causa

É sabido que o enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e que assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia. Ou seja, na base desse instituto encontram-se situações de enriquecimento sem causa, de enriquecimento injusto ou de locupletamento à custa alheia.

Instituto esse que entre nós encontra a sua consagração legal no artº. 473º do C. Civil, ao dispor-se que “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou” (nº. 1) e que “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou (nº. 2). (sublinhado e negrito nossos).

Como decorre do princípio geral ínsito no citado o citado artº. 473º, nº. 1, do CC, e na esteira do que escrevem os profs. Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., págs. 427/431”), a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à coisa alheia pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes três requisitos:

a) É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento.

Enriquecimento esse que consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista, tanto podendo traduzir-se num aumento do ativo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como, inclusive, na poupança de despesas.

Enriquecimento (injusto) esse que tanto poderá ter a sua origem ou provir de um negócio jurídico, como de um ato jurídico não negocial ou mesmo de um simples ato material.

b) Em segundo lugar, a obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa (quer porque nunca a tenha tido, quer porque, tendo-a inicialmente, a haja entretanto perdido).

É sabido que o conceito de causa do enriquecimento não se encontre definido e que a causa do enriquecimento varia consoante a natureza jurídica do ato que lhe deu origem.

Devendo, todavia, funcionar como diretriz geral, em todos os casos, a ideia de que o enriquecimento carece de causa justificativa quando, segundo a lei, deve pertencer a outra pessoa.

Ou seja, e por outras palavras, o enriquecimento carecerá de causa sempre que o direito não o aprove ou consente, dado não existir uma relação ou um facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida (a favor do enriquecido e à custa do empobrecimento de alguém), isto é, que legitime o enriquecimento.

Numa definição mais formal, e nas palavras do prof. A. Varela (in “Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina Coimbra, 4ª ed., pág. 408”), “o enriquecimento será injusto quando, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, ele deve pertencer a outra pessoa.”

Dado que a lei não define tal conceito, e dada a natureza diversa da fonte de que pode emergir, tal significa que o enriquecimento injusto terá sempre que ser apreciado e aferido casuisticamente, interpretando e integrando a lei à luz dos factos apurados.

c) Por fim, e em terceiro lugar, a obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.

A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, como regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro.

O benefício obtido pelo enriquecido deve, pois, resultar de um prejuízo ou desvantagem do empobrecido.

Daí que se postule a necessidade de existência de um nexo (causal) entre a vantagem patrimonial auferida por um e o sacrifício sofrido por outro.

A propósito deste último requisito, tem gerado controvérsia o saber se se torna ou não ainda necessário que a vantagem económica do enriquecido deva ser obtida imediatamente à custa do empobrecido. Questão essa que resulta do facto de a relação entre o enriquecimento e o seu suporte por outrem poder ser direta ou indireta, dado que a deslocação patrimonial para o enriquecido tanto poder ocorrer ou ser conseguida por via direta ou com via indireta/reflexa.

Vem, contudo, ganhando predominância a corrente doutrinal que amplia o referido requisito no sentido de exigir que, além de uma vantagem obtida à custa de outrem, se torna ainda indispensável, para que haja lugar à obrigação de restituição, que haja uma unidade do processo de enriquecimento, ou seja, uma deslocação patrimonial direta – no sentido de que entre o facto/ato gerador do prejuízo do empobrecido e a vantagem conseguida pela outra parte não deve existir qualquer outro ato jurídico. Ou seja, para que haja a obrigação de restituir torna-se ainda necessário que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga ao direito à restituição, por forma a não dever haver de permeio, entre o ato gerador do prejuízo dele e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro qualquer ato jurídico. A isso designa a doutrina alemã por carácter imediato da deslocação patrimonial.

Porém, dado, por um lado, não resultar direta e forçosamente da lei a imposição de tal solução, e dado, por outro, a complexidade e a variedade de situações ou hipóteses que podem ser abrangidas ou colocadas, vem uma parte dessa doutrina - a que aderimos - defendendo dever ter a jurisprudência os movimentos livres para atender a uma ou outra situação em que tal exigência de deslocação patrimonial direta se venha, em concreto, a mostrar excessiva, conduzindo, por via disso, a soluções que choquem com o comum sentimento de justiça. (Vide, a propósito, desta questão e doutras atrás referidas, e para melhor e maior desenvolvimento, e entre muitos outros, os profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Ob. cit. págs.427/431”, o prof. A. Varela, in “Ob. cit., págs. 390/418”, o prof. Mário Júlio de Almeida Costa, in “Direito das Obrigações, Almedina, 10ª. ed., págs. 489/501”; o prof. Inocêncio Galvão Teles, in “Direito das Obrigações, 4ª. ed., Coimbra Editora, págs. 133/138; o prof. Luís M. T. de Menezes Leitão, in “O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil, págs. 549 e ss”, Júlio Gomes, in “O Conceito de Enriquecimento sem Causa, págs. 433 e ss. e 675 e ss.”; Ac. do STJ de 27/1/1998, in “BMJ nº. 473 – 474”; Ac. do STJ de 15/11/1995, in “BMJ nº. 451 – 387”; Acs. do STJ de 6/10/2009, proc. nº. 2217/07.8TBVCD.S1; de 14/7/2009, proc. nº. 413/09.2YFLSB, e de 16/9/2008, proc. nº. 08B1644, disponíveis em www.dgsi.pt”).

Por sua vez, dispõe o artigo 474º do CC que “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.”

Resulta, pois, de tal normativo que a ação baseada nas regras do instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo a recorrer-se a ela quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reação (o que, no fundo, funcionará como um novo pressuposto ou requisito legal para o recurso à ação de restituição com base no instituto do enriquecimento sem causa)

Como escrevem os profs. Pires de Lima e Antunes Varela (in “Ob. cit., pág. 433”) “a subsidiariedade da acção de enriquecimento tem, no entanto, de ser entendida em termos hábeis. Pode originariamente a lei não permitir o exercício da acção de enriquecimento, em virtude de o interessado dispor de outro direito e, posteriormente, facultar o recurso àquela acção, em consequência da caducidade desse direito”. (sublinhado nosso)

Por fim, dir-se-á que constitui entendimento claramente prevalecente no sentido de que, à luz do artº. 342º, nº. 1, do CC, é sobre o autor (alegadamente empobrecido) que impende o ónus de alegação e prova dos correspondentes factos que integram cada um daqueles requisitos, ou seja, de todos aqueles pressupostos legais que integram o referido instituto. (Vide, por todos, e além dos Mestres atrás citados, Acs. do STJ de 24/03/2017, de 16/9/2008, de 20/9/2007, de 14/7/2009, e de 14/5/1996, respetivamente, nos processos nºs. 1769/12.5TBCTX.E1.S1, 08B1644, 07B2156 e 413/09.2YFLSB, disponíveis em www.dgsi.pt sendo o último na CJ, Acs. do STJ, Ano III, T2 – 172”).


5.1.3 Chegou agora a altura de dar resposta/solução à questão, de fundo ou de mérito da causa, a que se reporta o caso em apreço, luz das considerações teórico-técnicas que se deixaram expendidas e dos factos dados como provados.

E essa resposta, desde já, avançamos vai ao encontro da pretensão da A., pelas razões que passamos a adiantar.

É inolvidável, como vimos e acima concluímos, que a A. e o referido EE, viveram em união de facto no período compreendido entre fevereiro de 2011 e o dia .../.../2018 (altura em que o último faleceu).

Durante esse período a A. autorizou que aquele seu companheiro EE utilizasse a quantia de € 50.000,00, propriedade exclusiva daquela (por lhe ter sido doada pelo seus pais), que se encontrava depositada numa conta bancária conjunta de ambos (CCA), com a finalidade (tal como veio a acontecer), de aquele proceder à liquidação/pagamento do remanescente de uma dívida bancária que o mesmo antes contraíra (por via de um contrato de mútuo) perante uma outra instituição bancária (CGD) para a aquisição de uma fração urbana, de sua então exclusiva propriedade, e quando ainda não viviam juntos.

A autorização dada pela A. da utilização dessa quantia pelo referido EE (que não dispunha então de meios económico-financeiros suficientes para proceder à liquidação do sobredito débito) teve como (único) pressuposto e propósito, por ambos queridos, de a A. e aquele continuarem a viverem naquela situação de união de facto e de o referido imóvel vir a tornar-se depois propriedade comum de ambos, o que, porém, não veio a ser possível devido óbito daquele entretanto ocorrido.

Como é sabido, a morte de um dos seus membros é uma das causas legalmente previstas da dissolução da união de facto (artº. 8º, nº. 1 al. a), da citada Lei nº. 7/2001),

Ora, devido a essa dissolução da união de facto em que viviam a A. e o entretanto falecido EE, não se veio a consumar o pressuposto e o efeito pretendidos/visados pela A. quando autorizou aquele a utilizar então em seu proveito próprio aquela sua quantia de € 50.000,00, que era de sua pertença exclusiva, e que se reconduziam, por um lado, a que no futuro continuassem a viver juntos nessa união ou comunhão de vida, e, por outro, que o imóvel a que essa quantia se destinou a pagar (e mais concretamente o remanescente do débito nascido com a sua aquisição da sua propriedade pelo falecido) viesse a transformar-se também em propriedade sua (propriedade comum).

Daí decorre que o falecido ficou injustificadamente enriquecido com a deslocação daquela quantia monetária do património da A. para o seu, e numa dupla vertente: por um lado, ao permitir-lhe pagamento do referido débito bancário, nascido por causa da aquisição do dito imóvel, conduziu à diminuição do o seu passivo (no caso pondo mesmo termo ao mesmo) e, por outro, passando a ser exclusivamente dono do mesmo (expurgado do ónus da hipoteca que sobe ele incidia), aumentando, assim, o seu ativo patrimonial, o que conseguiu à custa do consequente empobrecimento da A. que, sem que algo o justificasse, nada recebeu em contrapartida, ficando, desse modo, privada daquela quantia (que deixou de fazer parte do seu património).

Não ocorre, assim, causa justificativa para tal enriquecimento, sendo certo ainda que subjacente ao mesmo não existe qualquer relação negocial, obrigacional (e nem sequer por via dos designados “contratos de coabitação” que por vezes são celebrados entre os unidos de facto) ou legal e nem qualquer ato jurídico que justifique a referida deslocação patrimonial, e daí que em tais situações vem constituindo entendimento prevalecente, nomeadamente ao nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal, encontrar-se justificada o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa (previsto no artº. 473º e sgs. do CC) para obstar ao aludido enriquecimento à custa alheia, com o correspondente empobrecimento de outrem, que no caso se situa, à luz do disposto no artº. 479º do CC, nos € 50.000,00 reclamados/peticionados pela A. (Apontando no sentido do que se acabou deixar exposto, vide, entre outros Acs. do STJ de 29/06/2021, proc. nº. 1129/18.4T8PDL.L2.S1, de 29/04/2021, proc. nº. 684/17.0T8ABT.E1.S1, de 27/06/2019, proc. nº. 944/16.8T8VRL.G1.S2, de 24/10/2017, proc. nº. 3712/15.0T8GDM.P1.S1, e de 03/11/2016, proc. nº. 390/09.0TBBAO.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).

E essa restituição incumbe aos RR. através das forças/património da herança do falecido EE, de que são os únicos herdeiros e representantes (artº. 2071º do CC).

Termo, pois, em que perante o que se deixou exposto, nenhuma censura nos mereça o acórdão recorrido, que, assim, se confirma, negando, consequentemente, provimento os sobreditos recursos (de revista).


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III- Decisão



Assim, em face do exposto, acorda-se em:

a) Não admitir o documento que o R. CC juntou as suas alegações do recurso de revista;

b) Julgar improcedente os recursos de revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas de cada um dos recursos pelos respetivos RR./ recorrentes (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que gozem em tal modalidade.


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Sumário

I- Nos recursos de revista a possibilidade de apresentação de documentos é mais restrita do que no âmbito dos recursos de apelação, estando apenas circunscrita aos documentos supervenientes.

II- Serão qualificáveis como documentos supervenientes aqueles que ainda não existiam (por não terem sido formados/elaborados) à data em que na Relação se abriu a fase do julgamento, ou que, existindo já, a parte apresentante ignorava até então a sua existência ou ainda aqueles que em tendo a parte conhecimento da sua existência, não pôde, todavia, por facto que lhe não é imputável, obtê-los antes de iniciada essa fase de julgamento.

III- É sobre o apresentante que impende o ónus de alegação e prova da ocorrência de uma dessas situações.

IV- Sendo os documentos apresentados qualificáveis como supervenientes, necessário se torna ainda, para que a sua junção possa ser admitida comas alegações da revista, que se esteja perante uma situação que se enquadre no âmbito da previsão da 2ª. parte do nº. 3 do artº. 674º do CPC, e mais concretamente que as instâncias tenham, no caso, dado como provado um facto, para o qual a lei exige prova documental, sustentando-o, em violação do direito probatório material, noutro tipo de prova (vg. testemunhal ou em confissão).

V- Como decorre do preceituado no artºs. 674º, nº. 3, CPC (em conjugação ainda com o artº. 682º desse mesmo diploma), o STJ, como regra, apenas conhece de matéria de direito, carecendo, por isso, de competência para apreciar a matéria de facto, a não ser que haja ofensa de disposição legal que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

VI- Daí que, em sede revista, o STJ só poderá também sindicar o uso pela Relação de presunções judiciais (que têm a virtualidade de se integrar naquela exceção à regra referida em V) se esse uso ofender norma legal, se padecer de manifesta ilogicidade ou se partir de factos não provados.

VII- Escapa a essa sindicância pelo STJ, o julgamento de facto efetuado pela Relação, para o qual foi convocada, na sequência do recurso de apelação, circunscrito a factos que não estão sujeitos a prova vinculada, dispondo, nesse caso, de autonomia decisória para, através da competente análise crítica da prova sobre eles produzida, formar a sua própria convicção, de modo a, no final, os manter ou alterar.

VIII- A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) A existência de um enriquecimento; b) Que ele careça de causa justificativa; c) Que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) Que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.

IX- O enriquecimento tanto pode traduzir-se num aumento do ativo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como, inclusive, na poupança de despesas.

X- Enriquecimento esse que igualmente tanto poderá ter a sua origem ou provir de um negócio jurídico, como de um ato jurídico não negocial ou mesmo de um simples ato material.

XI- O enriquecimento carecerá de causa justificativa sempre que o direito não o aprove ou consente, dado não existir uma relação ou um facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida, isto é, que legitime o enriquecimento.

XII- É sobre o autor (que se arroga empobrecido) que impende o ónus de alegação e prova dos correspondentes factos que integram cada um daqueles requisitos de que se compõe instituto de enriquecimento sem causa.

XIII- Dado, porém, que a lei não define tal conceito, e dada a natureza diversa da fonte de que pode emergir, tal significa que o enriquecimento injusto terá sempre que ser apreciado e aferido casuisticamente, interpretando e integrando a lei à luz dos factos apurados.

XIV- Tendo a autora vivido em união de facto com outra pessoa, e tendo durante esse período autorizado esse seu companheiro a que utilizasse quantia exclusivamente de sua propriedade que se encontrava depositada numa conta bancária conjunta de ambos, com a finalidade (tal como veio a acontecer) de aquele proceder à liquidação/pagamento do remanescente de uma dívida bancária que o mesmo antes contraíra (por via de um contrato de mútuo) perante uma outra instituição bancária para a aquisição de uma fração urbana – então de sua exclusiva propriedade, e quando ainda não viviam juntos -, e fazendo-o e no pressuposto e com o propósito, por ambos queridos, de continuarem a viverem naquela situação de união de facto e de o referido imóvel vir a tornar-se depois propriedade comum de ambos, o que, porém, não veio a ser possível devido ao óbito daquele entretanto ocorrido, assiste à autora o direito de, através do recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, lhe ser restituída tal importância através das forças/património da herança daquele seu falecido companheiro.


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Lisboa, 2023/03/28

Relator: cons. Isaías Pádua

Adjuntos:

Cons. Manuel Aguiar Pereira

Cons. Jorge Leal