Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
24974/19.9T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO (UE) 1215/2012
REQUISITOS
DOMICÍLIO
PRINCÍPIO DA COINCIDÊNCIA
PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
DIREITO À IMAGEM
DIREITO AO NOME
DIREITOS DE PERSONALIDADE
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA
Data do Acordão: 06/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I - A competência internacional dos Tribunais Portugueses afere-se pelos termos em que o autor configura a relação jurídica controvertida.

II - Para aplicação do regime previsto no Regulamento (EU) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, é necessário que a ré tenha o seu domicílio num Estado-Membro da União Europeia ou que se verifique algum dos elementos de conexão especiais previstos no Regulamento na sua Secção 2 a 7 (sendo que o domicílio do demandado no território dos Estados-Membros da União Europeia desempenha a função não só de critério geral de competência, mas também de condição para aplicar as regras de competência directa previstas no próprio Regulamento, nos termos do artigo 4.º, nº 1).

III – Os factores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses são os contidos no artº 62º, do Código de Processo Civil:  citério da coincidência (al. a)), critério da causalidade (al. b)) e critério da necessidade (al. c)), bastando se verifique um de tais critérios para ter lugar a competência internacional dos tribunais portugueses.

IV - Invocando o Autor que a sua imagem, nome e características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados pela Ré (sociedade com sede nos EUA), designadamente em Portugal, sem a sua autorização, nos jogos denominados F... (também com as designações F... ou F...), nas edições 2012, 2013, 2016, 2017 e 2018; F... na edição de 2012; F... nas edições de 2012, 2013, 2014, 2016, 2017, 2018 e 2019, todos propriedade da Ré (épocas em que o Autor residiu e actou em território nacional ao serviço de clubes portugueses), os Tribunais Portugueses são internacionalmente competentes para dirimirem o litígio visando o ressarcimento da violação de tais direitos de personalidade.

V. Com efeito, a competência internacional, in casu, decorre, do estatuído em qualquer das alíneas a) e b) daquele normativo: al. b) - princípio da causalidade - , por, pelo menos, alguns dos factos que integram a causa de pedir na acção terem sido praticado em território português (o Autor, como jogador profissional de futebol, jogou em clubes portugueses durante 7 dos 10 anos em que invoca a aludida violação do direito ao seu nome e imagem); al. a) - princípio da coincidência - , por aplicação do n.º 2 do artigo 71º do CPC (responsabilidade civil por facto ilícito).

VI. O que vem sendo reforçado pela jurisprudência do TJUE, ao sugerir a aplicação do critério segundo o qual, em princípio, o impacto da violação dos direitos de personalidade que ocorrem nestas circunstâncias, verifica-se predominantemente no Estado onde a vítima tem o seu centro de interesses, aí se encontrando a maioria das provas dos prejuízos sofridos, pelo que a atribuição de competência aos tribunais desse país para apreciar a integralidade dos prejuízos sofridos, satisfaz o objetivo da boa administração da justiça.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ... SECÇÃO CÍVEL



I – RELATÓRIO



AA instaurou acção contra Electronic Arts Inc, pretendendo a condenação da Ré a pagar-lhe uma compensação pecuniária no montante de € 443.990,58, por danos (patrimoniais e não patrimoniais) alegadamente decorrentes da utilização, sem a sua autorização, da sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais em diversos jogos, sua propriedade, denominados F... e F..., que são produzidos e comercializados pela Ré nos ..., ... e ..., jogos igualmente vendidos a consumidores não residentes nestes países através de empresas subsidiárias, destacando-se na ... a E... que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos ..., ... e ..., e que dessa atuação resultando os danos que computa nos acima quantificados.


Em sede de contestação, defendeu a Ré a incompetência dos tribunais portugueses para o conhecimento da causa.

Alegou, com efeito, a Ré, em suma:

O A. diz ser jogador ... de nacionalidade ... e à data da propositura da acção declara-se residente no ...;

A Ré é uma sociedade norte-americana, com sede no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América;

A Ré dedica-se à exploração, distribuição e venda de jogos, sendo que o A. não alega que o faz em Portugal;

Nenhum dano é alegado pelo A. como tendo ocorrido em Portugal;

Verifica-se assim que dos factos alegados em sede de petição inicial, não é invocada qualquer conexão que permita atribuir a competência aos tribunais portugueses.

Devidamente notificado, respondeu o A. que exerceu no passado e exerce actualmente a sua actividade em Portugal tendo tido e tendo actualmente o seu domicílio em Portugal.

Os jogos comercializados pela Ré são-no a nível mundial e por isso também em Portugal razão pela qual o facto danoso também é praticado e consumado em Portugal.

A propositura da acção nos tribunais estrangeiros constitui para si dificuldade apreciável até porque o A. e bem assim duas das testemunhas arroladas vivem, agora, em Portugal.


Foi proferida decisão julgando procedente a excepção de incompetência internacional, absolvendo a Ré da instância.


*


Desta decisão da 1ª instância recorreu o Autor, tendo a Relação ..., em acórdão, decidido julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.


De novo inconformado com o assim decidido, o Autor vem interpor recurso de revista, ao abrigo do estatuído nos artºs 671º, nº3 1ª parte e 629º, nº2, al. a) do CPC (violação das regras da competência internacional), apresentando alegações que remata com as seguintes


CONCLUSÕES

a) Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido nos autos que julgou o recurso interposto, pelo Autor, improcedente e, em consequência, manteve a decisão recorrida, que julga os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para o conhecimento da acção e, em consequência, absolve a ré da instância.

b) Assim, salvo diferente entendimento, o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação ..., objecto do presente recurso, incorre em manifesta violação das regras de competência internacional, mais concretamente, na violação das disposições firmadas nas alíneas a), b) e c) do artigo 62.º do Código de Processo Civil e padece ainda do vício previsto na alínea c) do artigo 674.º do Código de Processo Civil.

c) A decisão recorrida é, salvo o devido respeito, que aliás é muito, injusta e precipitada, tendo partido de pressupostos errados.

d) Entende o ora Recorrente que as suas legítimas pretensões saem manifestamente prejudicadas pela manutenção da decisão recorrida.

e) No que respeita ao caso concreto e ao uso indevido da imagem do Autor, os jogos da ré, com o conteúdo lesivo, são difundidos por esta, para serem utilizados e guardados em vários instrumentos tecnológicos, de diversas pessoas, a qualquer momento, em qualquer lugar.

f)   É o que sucede, por exemplo, com a colocação dos jogos em linha/ambiente digital, altamente potenciada com a expansão do uso da Internet e da qual a ré beneficia largamente para aumentar a divulgação e exploração comercial dos seus jogos e, bem assim, os avultados lucros daí advenientes.

g) Acresce que, conforme demonstradonos autos, inclusive, através dediversa documentação junta com a petição inicial, os jogos da ré são comercializados em suporte físico em Portugal, nas mais variadas lojas, como por exemplo, nas lojas da especialidade, nas grandes superfícies, na W..., na F..., na M..., entre tantas outras.

h) E imagine-se que, alguém escrevia um livro em sua casa denegrindo ou simplesmente fazendo uso não autorizado da imagem da personalidade “A” ou até que esse alguém pintava um quadro com uma imagem menos abonatória dessa mesma personalidade “A”.

Apenas não poderia ser invocado qualquer dano pela personalidade “A” pela utilização ilícita da sua imagem, se tal livro e tal quadro não saíssem nunca da casa do seu autor.

j)  O mesmo já não se pode afirmar se tal livro e/ou tal quadro fossem promovidos, divulgados e comercializados por todo o mundo, inclusive, no local de residência daquela personalidade “A”, nomeadamente, em estabelecimentos de toda a espécie.

k) É assim, manifesto que os danos ocorreriam em todos os locais onde essa comercialização e divulgação tivesse lugar.

l) Esta lógica é, pois, plenamente aplicável aos jogos da ré, pelo que estando os jogos disponíveis anívelmundial, o danonão é provocado só nos Estados Unidos.

m) Por isso, a tese sufragada no acórdão recorrido, apenas faria sentido, salvo o devido respeito, se os jogos, com a imagem do Autor, apenas fossem produzidos em solo norte-americano e não transpusessem as suas fronteiras, para ser comercializados pela ré por todo o mundo sob todas as formas disponíveis, ou seja, online e em suporte físico.

n) E, é evidente que o tribunal do lugar onde a “vítima” (in casu, o Autor) tem o centro dos seus interesses, pode apreciar melhor o impacto de um conteúdo ilícito colocado em jogos de vídeo físicos e online sobre os direitos de personalidade, pelo que lhe deverá ser atribuída competência segundo o princípio da boa administração da justiça.

o) Para além disso, não pode ser descurado o princípio da previsibilidade das regras de competência, sendo que a ré, enquanto autora da difusão do conteúdo danoso, encontra-se manifestamente, aquando da colocação da imagem, nome e demais características das “vítimas” da sua acção, nos jogos de que é proprietária com vista à sua divulgação mundial, em condições de conhecer os centros de interesses das pessoas afetadas por este.

p) Neste sentido, e no que respeita a situações análogas já analisadas pelo TJUE quanto a esta matéria salientam-se os acórdãos Shevill e eDate Advertising GmbH, cujos textos, para efeitos de argumentação, aqui se dão por reproduzidos e ainda a doutrina já fixada no douto acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2005.

q) É este o contexto que nos encontramos, mas que o Tribunal a quo desconsidera totalmente, desvalorizando, de igual modo a protecção que a pessoa humana e a sua imagem merecem no ciberespaço.

r) O Julgador não pode deixar de estar atento à evolução tecnológica e à expansão dos fenómenos dela resultantes, de forma a evitar decisões totalmente desfasadas da realidade em que vivemos actualmente.

s) O facto constitutivo essencial desta causa reporta-se à produção e divulgação dos jogos utilizando a imagem e o nome do Autor, sem sua autorização, mas – ao contrário do referido no acórdão recorrido - a sua divulgação e exploração comercial não se localiza, exclusivamente, em solo norte-americano.

t) Conforme demonstrado, essa divulgação ocorre em todo o mundo e, também, em Portugal, pelo que há, obviamente, uma repercussão do facto danoso, também, em todo o território nacional.

u) O centro de interesses do Autor é em Portugal, pelo que estão os Tribunais portugueses melhor posicionados para conhecer do mérito da acção.

v) E, estando em causa a violação, pela ré, de direitos de personalidade do Autor, com tratamento e protecção constitucional e infraconstitucional, cfr. artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigos 70.º e 72.º do Código Civil e sendo arguida pelo Autor, aqui Recorrente, a inconstitucionalidade do artigo 38.º n.º 4 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato ... e a Liga Portuguesa ..., por se considerar que o mesmo é ofensivo do conteúdo de um direito fundamental (o já invocado artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) não se concebe como o poderia o julgamento da causa nestes autos ser atribuído a uma jurisdição estrangeira de um outro país.

w) Mais se diga ainda que, eventuais, dificuldades de aplicação do critério da materialização do dano não podem por em causa a gravidade da lesão que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um conteúdo ilícito está disponível em qualquer ponto do globo, como sucede in casu.

x) Não podia, pois, o Tribunal a quo deixar de concluir, in  casu, pela verificação do factor de conexão previsto nas alíneas a), b) e c) do artigo 62.º do Código de Processo Civil: poder a acção ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a integram (à causa de pedir) e constituir, também, para o Autor uma séria e apreciável dificuldade a propositura da presente acção nos Estados Unidos da América, uma vez que não se verificam quaisquer afinidades culturais, linguísticas, nem qualquer ligação do Autor àquele país.

y) Teria, assim, de improceder a deduzida excepção de incompetência internacional do Tribunal a quo, aduzida pela ré, por verificação dos elementos de conexão constante das alíneas a), b) e c) do artigo 62.º do Código de Processo Civil.

z) A obrigação de reparação, in casu, decorre de umuso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial – a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem.

aa) Por último, parece que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre a violação, de  igual modo, pela decisão proferida na Primeira Instância, do disposto na alínea a) do já invocado artigo 62.º do Código de Processo Civil, pelo que o acórdão em crise padece de nulidade, nos termos dos artigos 615.º, n.º 1, alínea d) e 666.º, n.º 1 (parte inicial), do Código de Processo Civil.

bb) Face ao que antecede, o acórdão em crise violou o disposto nos artigos 62.º, alíneas b) e c), e 71.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, o artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e ainda os artigos 70.º, 72.º e 79.º do Código Civil, padecendo ainda de nulidade, a qual se invoca ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.


TERMOS EM QUE, nos mais de direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e revogado o acórdão do Tribunal da Relação ..., substituindo-se o mesmo por outro que declare a competência internacional dos Tribunais Portugueses, assim se fazendo a costumada,


JUSTIÇA!


Contra-alegou a recorrida, pugnando pela improcedência do recurso, devendo manter-se a decisão da Relação.


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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO


Nada obsta à apreciação do mérito da revista.

Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).

Estamos perante situação em que é sempre admissível a revista (cfr. arts. 671º, nº3, 1ª parte do  CPC e artº 629º, nº 2, al. a) do CPC.


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Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a apreciar e decidir são:


· Nulidade por omissão de pronúncia (artº 615º, nº1, al. d) do CPC);

· Saber se os tribunais portugueses são competentes (competência internacional) para conhecer dos termos da acção.


III – FUNDAMENTAÇÃO


III. 1. De acordo com os factos alegados, com relevância para a decisão a proferir, temos que:

1. O Autor é jogador ... ..., que actualmente joga no ....

2. Jogou em Portugal, ao serviço de clubes portugueses desde 2011 a 2018.

3. O Autor tem nacionalidade ... e reside no ....

4. A Ré é uma sociedade com sede na Califórnia, Estados Unidos da América que se dedica ao desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à Internet, dispositivos móveis e computadores pessoais.

5. Entre as suas subsidiárias destaca-se, na ..., A E... com sede na ..., que assume a responsdabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos ..., ... e ....

6. O Autor teve conhecimento que a sua imagem, nome e características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados (designadamente em Portugal) nos jogos denominados F... (também com as designações F... ou F...), nas edições 2012, 2013, 2016, 2017 e 2018; F... na edição de 2012; F... nas edições de 2012, 2013, 2014, 2016, 2017, 2018 e 2019, todos propriedade da Ré.

7. O Autor jamais concedeu autorização expressa, ou sequer tácita, a quem quer que fosse, para ser incluído nos referidos jogos electrónicos, jogos de vídeo e aplicativos, ou seja, F..., F... e F....

8. Nem conferiu poderes aos clubes para que estes negociassem a licença para o uso da sua imagem e do seu nome, para jogos electrónicos, jogos de vídeo, aplicativos ou quaisquer outros jogos online ou offline, em qualquer tipo de plataforma.



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III. 2. APRECIANDO


Analisemos, então, as questões suscitadas na revista-


1. Da Nulidade por omissão de pronúncia (artº 615º, nº1, al. d) do CPC).


Entende a Recorrente que o Ac. recorrido incorreu em tal nulidade, na medida em que “deixou de se pronunciar sobre a violação….do disposto na al. a) do artigo 62º do Código de Processo Civil”.

Sem razão, porém - como, aliás, bem mostra a decisão proferida em conferência, pela Relação.


Reza o citado artigo 615.º, n.º 1, do CPC:

«É nula a sentença quando:

(…)

 d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».


A omissão de pronúncia, geradora de nulidade da decisão, ora sob apreciação, está em correspondência directa com o dever imposto ao juiz no sentido de o mesmo ter de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra questão (artigo 608.º, n.º 2, do CPC).

Tal não significa, porém, que o juiz se tenha de ocupar de todas as considerações feitas pelas partes, havendo que distinguir entre deixar de conhecer de questão de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte.

Por outro lado, a apontada nulidade não ocorre caso a questão que devesse ser apreciada esteja prejudicada pela solução dada a outra (ut artº 608º, nº2, 1ª parte, do CPC).


A Relação fundamentou a inexistência desta nulidade, “na medida em que na alegação do A., a residência em Portugal não se apurou, ou seja, todas as razões de direito e de facto que se colocavam para fundamentar o silogismo judiciário foram analisadas e decididas”.


A al. a) do artº62º do CPC atribui a competência internacional aos tribunais portugueses “quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa”.

Ora, sem embargo de a Relação ter seguido um outro caminho para afastar aquela competência internacional - qual seja, considerando que a acção se centra na responsabilidade civil e que o facto ilícito gerador da responsabilidade ocorreu com a criação do jogo, pelo que o dano (utilização não autorizada e indevida do nome e imagem do A.) ocorre com a própria criação dos jogos, sendo que a produção e divulgação se localizam em solo norte-americano, independentemente de o poderem ser posteriormente para todo o mundo, razão pela qual não se pode afirmar que o dano ocorreu em Portugal, não sendo o local ou um dos locais onde o jogo é vendido ao consumidor final que constitui o elemento relevante para a atribuição da competência internacional - , certo é, também, que (e reportando-nos àquela al. a) do artº62º do CPC), aferindo-se a competência pelos termos em que a acção é proposta, atendendo-se aos factos articulados pelo Autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, temos que o mesmo tem nacionalidade ..., é jogador ... e desenvolve a sua actividade profissional actualmente no ..., onde reside (cfr. arts. 3º e 4º da pi). O que, no ver da Relação (que não no nosso, como se verá), afastaria a competência internacional com sustento na pretendida al. a) do artº 62º e artº 80º, nº 1, ambos do CPC.

Portanto, não pode dizer-se que a Relação tenha omitido aquela al. a), pois se referiu expressamente à referida factualidade alegada que, a seu ver, na subsunção aos apontados normativos da lei adjectiva civil, sempre afastariam a atribuição da competência à luz da mesma alínea. Sem prejuízo, naturalmente (como dito), do caminho diverso seguido no acórdão para solucionar a suscitada questão da competência, a prejudicar a apreciação por outra via, ut artº 608º, nº2, 1ª parte, do CPC.


O Ac. recorrido conheceu expressamente das regras da competência internacional, tendo indicado e ponderado os factos pertinentes para o efeito e concluindo (bem ou mal, logo veremos) não existir qualquer factor de conexão relevante para avocar a competência internacional dos tribunais portugueses.

O que tanto basta para a não verificação da alegada nulidade por omissão de pronúncia.


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2. DA (IN)COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES PARA APRECIAÇÃO DO LITÍGIO


Nesta matéria, dispõem os seguintes normativos do CPC[1] (o artº 63 º - sobre matéria exclusiva dos tribunais portugueses - não tem aqui aplicação):


Artigo 59.º

Competência internacional

Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.


Artigo 62.º

Fatores de atribuição da competência internacional

Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;

c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.


Antes de mais, dir-se-á que a competência do tribunal - que, nas palavras de MANUEL DE ANDRADE, é a medida da jurisdição dos tribunais[2] - afere-se pelos “termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão”[3]. Ou seja, “A competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos, atendendo-se, apenas, aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados”[4].

Já a competência internacional constitui a “fração do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto em face dos tribunais estrangeiros para julgar as ações que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídicas estrangeiras”[5].         


De entre os factos alegados pelo Autor, temos como aqui relevantes os seguintes:

- O autor é um cidadão de nacionalidade ... e ..., nascido no ... (art.º 3.º da petição inicial;

- Tem actualmente sua atividade profissional no ..., representando o Clube ... (art.º 4.º da petição inicial);

-   O autor indicou residir no ... (cfr. intróito da pi e arts. 4º e 9º dessa peça processual);

- A ré é uma sociedade norte-americana, com sede na Califórnia, Estados Unidos da América, que se dedica ao desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à Internet, dispositivos móveis e computadores pessoais.

- Entre as subsidiárias da Ré destaca-se, na ..., A E... com sede na ..., que assume a responsdabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos ..., ... e ....

- O Autor jogou em Portugal, ao serviço de clubes portugueses, desde 2011 a 2018.

- O Autor teve conhecimento que a sua imagem, nome e características pessoais e profissionais foram (designadamente em Portugal) e continuam a ser utilizados nos jogos denominados F... (também com as designações F... ou F...), nas edições 2012, 2013, 2016, 2017 e 2018; F... na edição de 2012; F... nas edições de 2012, 2013, 2014, 2016, 2017, 2018 e 2019, todos propriedade da Ré.

- O Autor jamais concedeu autorização expressa, ou sequer tácita, a quem quer que fosse, para que a sua imagem fosse incluída nos referidos jogos electrónicos, jogos de vídeo e aplicativos, ou seja, F..., F... e F....


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Perante o que reza o citado artº 59º do CPC, logo se vê que a competência internacional dos tribunais portugueses depende, em primeira mão, do que estipulem as convenções internacionais ou os regulamentos europeus[6]. Sendo que, nas palavras de REMÉDIO MARQUES[7], “coexistem na nossa ordem jurídica regras de competência internacional direta impostas por fontes normativas supranacionais, de direito comunitário da União Europeia, os regulamentos comunitários, que determinam a competência internacional direta dos diferentes tribunais dos Estados membros. As regras de competência internacional (direta), que constam desses regulamentos comunitários, valem tanto para os tribunais do foro (isto é, para os tribunais de um Estado membro onde, em concreto, a ação foi proposta), como para os tribunais de qualquer outro Estado membro”.

 

Impõem-se, assim, antes de mais, aferir se existem “regulamentos europeus” ou “outros instrumentos internacionais” a reger a competência internacional dos tribunais portugueses - ou seja, tratados, convenções, regulamentos comunitários ou leis especiais ratificadas ou aprovadas, que vinculem internacionalmente os tribunais portugueses, caso em que prevalecem sobre os restantes critérios, ou seja, sobre os factores de conexão ínsitos nos arts. 62º e 63º do CPC (cfr. artigo 8.º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, ao prescrever que as regras internacionais se integram no ordenamento jurídico do Estado).

Ou seja, para a determinação da competência internacional, só se aplicam os critérios de conexão a que se refere o artigo 59º do Código de Processo Civil se não existirem tratados, convenções, regulamentos comunitários ou leis especiais ratificadas ou aprovadas, que vinculem internacionalmente os tribunais portugueses, porque estes prevalecem sobre os restantes critérios.


Neste domínio, temos o Regulamento Bruxelas I bis (Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012), que revogou o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22/12/2000, relativo à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial.

No que tange ao seu âmbito de incidência objectiva, este Regulamento aplica-se em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição[8].

Já relativamente ao seu âmbito subjectivo, estabelece o artº 4º, como critério geral de competência, o do domicílio do Réu: como regra, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas nos tribunais desse Estado-Membro, independentemente da sua nacionalidade.

Temos, assim, que o domicílio do demandado no território dos Estados-Membros da União Europeia desempenha a função não só de critério geral de competência, mas também de condição para aplicar as regras de competência directa previstas no próprio Regulamento, nos termos do artigo 4.º, nº 1.


Por outro lado, há que anotar que as “competências especiais” previstas na secção 2ª do Regulamento (UE) 1215/2012, entre as quais as relativas a matéria contratual e extracontratual, previstas no artigo 7º do Regulamento, são apenas critérios alternativos ao do domicílio do réu, não o substituindo.

Com efeito, dispõe esse artigo 7º do Regulamento que “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro”, nas situações ali previstas[9].

Ou seja, o demandante “pode” escolher o foro contratual ali especificado, assim não se afastando o critério geral previsto no artigo 4º, apenas se prevendo uma opção ao demandante[10].

O mesmo é dizer que mesmo que o recurso aos critérios previstos no seu artigo 7º aponte para os tribunais de outro país (outro Estado-Membro), mantém-se a competência do tribunal do Estado-Membro onde (à data da instauração da acção) está domiciliado o demandado, nos termos do artigo 4.º, nº 1 do Regulamento - e se é certo que o ao critério do domicílio como factor de atribuição da competência internacional tem excepções (no campo do direito de consumo, trabalho, nos casos em que os Estados-Membros da União Europeia tenham competência exclusiva (artigo 24º) ou tenha sido celebrado pacto de jurisdição), as mesmas não ocorrem no caso sub judice.


Assim, portanto, atento o que rege o Regulamento (UE) 1215/2012, de 12 de Dezembro, é claro que não será com sustento no mesmo que se poderá concluir pela competência internacional dos tribunais portugueses para o julgamento da presente demanda. Pois que a ré/demandada é uma sociedade (constituída de acordo com as leis norte-americanas) sediada nos E.U.A. - para além de que o A. (um cidadão de nacionalidade ... e ...), tal como alegado na p.i., reside no ... (foi, de facto, ali que indicou o seu domicílio).

Aliás, opondo o litígio duas partes com domicílio fora da União Europeia (... e EUA), nunca seria aplicável o Direito da União Europeia, em particular o aludido regulamento (EU) 1215/2012. É nesse pressuposto que o artº 6º do Regulamento sob referência dispõe que “…a competência dos tribunais de cada Estado-Membro é (…) regida pela lei desse estado-Membro”.


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Dito isto, como não existe nenhum instrumento internacional que vincule o Estado Português em matéria de competência judiciária aplicável à presente acção, será à luz do disposto nos artigos 62.º e 63.º do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I, bis, que deve ser determinada a competência dos tribunais portugueses para a decidir.

Ou seja, inexistindo qualquer instrumento internacional que regule o foro aplicável, na presente situação (não se verifica dos critérios (geral e especial) atributivos de competência internacional nos termos do Regulamento, não sendo aplicável o Regulamento (EU) n.º 1215/2012)[11], resta (por remissão do artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I, bis) quedar-nos pelo nosso regime interno, a fim de aferir da existência de algum dos elementos de conexão plasmados no artº 62º do CPC (ex vi do artº 59º CPC) - isto é, a fim de verificar os limites do exercício do poder jurisdicional do Estado Português e, nessa medida, definir se, relativamente a esta acção, os nossos tribunais deverão exercer a função jurisdicional.

Note-se, desde já, que basta a ocorrência de um dos factores ali previstos para que o tribunal português seja competente para a apreciação do litígio.

Vejamos.



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DOS FACTORES DE CONEXÃO ÍNSITOS NO ARTº 62º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL


Ø DO FACTOR DE CONEXÃO PREVISTO NA AL C) DO ARTº 62º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL[12]


Não cremos que com sustento neste factor de conexão se possa concluir pela competência dos tribunais portugueses para apreciar do litígio sub judice.


Temos aqui plasmado o princípio (ou critério) da necessidade (quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real).


Nesta alínea c) temos uma cláusula de salvaguarda tendente a evitar que o direito em causa fique desprovido de garantia judiciária, de tutela efetiva, visando-se prevenir conflitos negativos de jurisdição e evitar situações de denegação de justiça, quer as decorrentes de impossibilidade prática ou jurídica, ou de dificuldade em tornar efectivo o direito por meio de acção instaurada em tribunal estrangeiro. Estão em causa as hipóteses em que nenhuma das jurisdições com as quais o caso se encontra conexo se considera competente para o conhecimento da acção ou quando a jurisdição estrangeira não reconhece, em abstracto, o direito carecido de tutela, mas também as situações de guerra ou outras calamidades ou de ausência de relações diplomáticas. Com efeito, nestes casos o legislador tem em vista hipóteses como a de se encontrar em guerra o Estado cujos tribunais se consideram competentes, ou de o demandante, seu nacional, se ter exilado por razões políticas, correndo graves riscos se a ela retornasse.


Ora, o Autor nada alegou que pudesse justificar a necessidade de instaurar a demanda em Portugal por ocorrência de impossibilidade ou “dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro”, ou seja, que só instaurando a acção em Portugal seria possível tornar efectivo o invocado direito.


Acresce que, além de não estar provado que existam limitações linguísticas e/ou económicas, mesmo que existissem, não preenchiam a impossibilidade jurídica ou a impossibilidade prática que fundamentam a competência internacional resultante do chamado critério da necessidade[13].


Neste sentido, também, ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS PIRES DE SOUSA[14]: “A al. c) contém uma cláusula de salvaguarda tendente a evitar que, atenta a impossibilidade de ordem prática ou jurídica (v.g. recusa de competência) ou a grave dificuldade na instauração da acção num tribunal de outro Estado, o direito em causa pudesse ficar sem tutela efectiva (v.g. casos de guerra ou outras calamidades).

Concretiza o princípio da necessidade, mas a atribuição da competência aos tribunais, exige uma forte conexão com a ordem jurídica portuguesa, seja de ordem pessoal (v.g. nacionalidade ou residência das partes), seja de natureza real (v.g. o facto de se situar em território nacional o bem que é objecto imediato ou mediato da acção).”[15].


Assim também no Ac. do STJ de 15/1/2019[16]: « (…) A necessidade de efectiva tutela jurídica ao abrigo do princípio da necessidade contido no art. 62º al. c) do Código de Processo Civil, também se cumpre se as circunstâncias do caso, além de revelarem forte conexão real ou pessoal com a ordem jurídica portuguesa, evidenciarem que o direito exercendo, a não se admitir que seja actuado perante os Tribunais portugueses, está ameaçado na sua praticabilidade e exercício: o princípio da necessidade vale como salvaguarda para tais situações funcionando como alargamento ou extensão excepcional da competência internacional dos Tribunais portugueses[17]

Ora, não se vislumbra a verificação, na situação dos autos, de tal ameaça no exercício e praticabilidade do direito.


Para além disso, o alargamento excepcional da competência internacional dos tribunais portugueses ínsito na al. c) do artº 62º do CPC, depende sempre, como visto, da verificação de uma forte conexão com a ordem jurídica portuguesa, seja de ordem pessoal (caso da nacionalidade ou da residência) ou real (o facto do bem que é objecto imediato ou mediato da acção se situar em território nacional), pois de outra forma “o critério da necessidade converter-se-ia numa tola ou pretensiosa lição de altruísmo judiciário que ninguém pediu à legislação portuguesa. E que esta realmente não pretende dar, como não gostaria de receber”[18].


Assim, portanto, não será por força do critério ínsito na al. c) do artº 62º do CPC que dará razão ao Autor na pretensão formulada de que o presente litígio seja dirimido pelos tribunais portugueses.


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Ø DOS FACTORES DE CONEXÃO PREVISTOS NAS AL.S A[19]) E B[20]) DO ARTº 62º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL


Temos, já porém, por seguro que com sustento em qualquer destes dois factores de conexão se pode concluir pela competência internacional dos tribunais portugueses para dirimir o presente litígio.

Vejamos.


Na al. b), estamos perante o designado princípio da causalidade: ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção ou algum dos factos que a integram. Significa este critério da causalidade que “os tribunais portugueses têm competência internacional sempre que o facto que serve de causa de pedir na ação tenha sido praticado em território nacional ou, tratando-se de causa de pedir complexa (isto é, constituída por vários elementos), algum deles tenha ocorrido em Portugal”[21].


Já na al. a), estamos perante um critério que radica no princípio da coincidência, segundo o qual a competência internacional dos tribunais portugueses resulta da circunstância de a acção dever ser proposta em Portugal, segundo as regras da competência interna territorial da lei portuguesa, que constam dos arts. 70.º a 84º do Código de Processo Civil.


No domínio da competência territorial, a regra geral vem plasmada no artº 80º, nº1, do CPC: “em todos os casos não previstos nos artigos anteriores ou em disposições especiais é competente para a acção o tribunal do domicílio do réu”.

Porém, para o caso sub judice temos uma regra especial: a contida no artº 71º, nº2 do CPC - caso em que pela acção o Autor pretenda efectivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, ali se dispondo que “o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu”.

Com efeito, pela presente acção, pretende o Autor fazer valer a responsabilidade civil da Ré por alegada prática de facto ilícito. E havendo regra especial, afastada fica a regra geral do artº 80º CPC (lex specialis derogat legi generali).

Ou seja, a competência não pode decorrer do preceituado neste artigo 80º do CPC, pois a regra prevista neste preceito tem natureza supletiva: a lei, ao prever neste preceito que é competente para a acção o tribunal do domicilio do réu, e que se este tiver domicilio e residência em pais estrangeiro e não se encontrar em território português é demandado no do domicilio do autor, está a consagrar uma regra que apenas se aplica aos casos que não venham regulados nos artigos 70º a 79º, ou em disposições especiais. E no caso sob apreciação, como visto, é aplicável o n.º 2 do artigo 71º do CPC (pois o Autor formulou um pedido de indemnização por danos decorrentes da utilização indevida pela ré da sua imagem e do seu nome, consistindo, como tal, a causa de pedir na responsabilidade civil por facto ilícito).


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Pergunta-se, então: considerando os factos alegados pelo Autor na petição inicial (a causa petendi), poderemos, com sustento nos aludidos factores de conexão, concluir pela competência internacional dos tribunais para apreciar e decidir esta demanda?

Cremos que a resposta se impõe afirmativa - seja recorrendo ao princípio da coincidência (al. a), seja ao princípio da causalidade (al. b), pois que por qualquer deles se chegaria ao mesmo resultado (quiçá, porém, com algum acrescido “esforço interpretativo” no que tange ao princípio da coincidência).

Vejamos.


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Sobre a temática aflorada nestes autos, precisamente numa situação de todo idêntica, com factos muito semelhantes (apenas sendo outro o autor a demandar a mesma Ré), este Supremo Tribunal de Justiça proferiu, em 24.05.2022, Acórdão na Revista n.º 3853/20.2T8BRG.G1, no qual intervieram o aqui relator e um dos ora adjuntos (assinando o aresto).

Seguir-se-á de muito de perto (dado o seu acerto) a fundamentação e decisão que ali foi vertida.


Escreveu-se naquele aresto do Supremo:

« Segundo o critério da coincidência, que recorre a uma técnica legislativa de remissão intrasistemática [22], os tribunais portugueses são competentes sempre que a ação possa ser proposta em Portugal, segundo as regras específicas da competência territorial, estabelecidas na lei portuguesa (artigo 70.º e seguintes do Código de Processo Civil), atribuindo-se, assim, a estas regras a funcionalidade suplementar de determinarem a competência internacional dos tribunais portugueses, para além de definirem a competência territorial interna. A ideia que inspira a adoção deste critério é a de que os elementos de conexão utilizados para estabelecer a competência territorial interna traduzem um elo suficientemente forte entre a causa e o Estado português para fundamentar a competência internacional dos seus tribunais.

No presente caso, estamos perante uma ação em que se pretende efetivar a responsabilidade civil extracontratual, pela violação, por ato ilícito, de direitos de personalidade, dispondo o artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que se a ação se destinar a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu.

ALBERTO DOS REIS [23] justificou a opção por este critério instrumental, no Código de Processo Civil de 1939, por ser no lugar onde o facto foi praticado que devem encontrar-se as melhores provas da ocorrência e dos danos por ele produzidos. É a proximidade do tribunal com as provas dos factos que integram os diferentes elementos da causa de pedir de uma ação de responsabilidade extracontratual que é determinante da escolha do forum delicti comissi.

No entanto, a aplicação deste critério para aferir a competência territorial interna revela algumas dificuldades e divergências quando a ação ofensiva decorre em local diferente onde se produzem os danos, uma vez que, nesse caso, as provas dos factos que integram a causa de pedir se encontrarão espacialmente dispersas, registando-se opiniões no sentido de que, em caso de dissociação entre o lugar do facto causal e o lugar onde o dano se produziu, o lesado pode propor a ação respetiva em qualquer um destes lugares [24], à semelhança do que ocorre quando a ação se desenvolve plurilocalizadamente, em contraponto com posições menos flexíveis que sustentam que, nessas situações, releva apenas o local onde ocorreu o comportamento do agente violador de direitos do lesado  [25].

Cremos, no entanto, que essas dificuldades não se colocam quando o artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, funciona como norma ad quam, das regras definidoras da competência internacional, uma vez que, segundo o critério da causalidade (artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil), os tribunais portugueses têm competência para decidir os litígios em que algum dos factos que integram a sua causa de pedir ocorra em território português [26]. Sendo o dano um dos elementos essenciais da causa de pedir nas ações de responsabilidade extracontratual, não se pode deixar de admitir que o local onde este se verificou possa conferir competência aos tribunais portugueses para decidirem as ações em que o dano aconteceu em Portugal, uma vez que as provas desse importante elemento da causa de pedir se localizarão em território português, sem prejuízo dessa competência também poder ser determinada pela localização de outros elementos relevantes da causa de pedir [27].

No entanto, nestas situações, deve exigir-se, de modo a evitar que a competência determinada por este critério possa ser considerada exorbitante, que esses elementos da causa de pedir traduzam uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado Português, justificativa da intervenção dos seus tribunais, designadamente que um significativo acervo das provas a produzir presumivelmente se situe em Portugal, numa aplicação da teoria do forum non conveniens [28].

É essa, aliás, a leitura que também tem sido feita pelo Tribunal de Justiça da União Europeia das normas gémeas do artigo 7.º, 2), do Regulamento Bruxelas I bis, e dos artigos 5.º, n.º 3, dos anteriores instrumentos legais europeus que tiveram por objeto o estabelecimento de regras comuns de competência judiciária em matéria cível e comercial, a Convenção de Bruxelas, de 27.09.1968, a Convenção de Lugano de 16.09.1988, a Convenção de Lugano II, de 30.10.2007, e o Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, tendo, nesses casos, o Tribunal aplicado, com temperança, a regra da ubiquidade [29] [30][31].

É também isso mesmo que aqui ocorre: a competência internacional dos tribunais portugueses para decidir o presente litígio ressalta, desde logo, do facto de haver factualidade provada substancialmente relevante, e que integra a causa petendi, ocorrida em território português (cit. critério da causalidade - artigo 62.º, b), do CPC). E é, nada mais nada menos, o facto de o Autor, na qualidade de jogador profissional de futebol, ter jogado em clubes portugueses durante 7 dos 10 anos em que invoca a violação do direito ao seu nome e imagem. O que, por si só, já revela um elo bastante forte entre a causa e o Estado português para fundamentar a competência internacional dos seus tribunais.

Factor este de conexão reforçado, como dito, por ser no lugar onde o facto foi praticado que, geralmente, se encontrarão as (pelo menos melhores) provas determinantes ou demonstrativas do facto e do dano, como elementos ou pressupostos estruturantes da responsabilidade civil por factos ilícitos. E, como naquele aresto, que subscrevemos, se refere, “é a proximidade do tribunal com as provas dos factos que integram os diferentes elementos da causa de pedir de uma ação de responsabilidade extracontratual que é determinante da escolha do forum delicti comissi”.

Em reforço do referido, traz o acórdão do STJ que vimos seguindo (percute-se, subscrito/assinado pelo aqui relator e um dos seus adjuntos) referências jurisprudenciais do Tribunal de Justiça da União Europeia, as quais, pela sua pertinência (e dada a similitude dos factos destes autos à dos verificados naquele outro processo), aqui nos limitamos a transcrever.

Deixou-se ali dito:

«3. A jurisprudência do TJUE

Mas, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem também uma importante jurisprudência em matéria de competência internacional, relativa a ações de responsabilidade civil extracontratual por violações de direitos de personalidade, como os direitos ao nome, à imagem e à honra, através de meios de exposição globais, aplicando o artigo 7.º do Regulamento Bruxelas I bis e as normas que lhe antecederem contidas nos artigos 5.º, n.º 3, da Convenção de Bruxelas, de 27.09.1968, da Convenção de Lugano de 16.09.1988, da Convenção de Lugano II, de 30.10.2007, e do Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000 [32].

O artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I bis, nas situações em que o demandado não tenha domicílio num Estado-Membro, como ocorre no presente caso, ao determinar uma remissão para as regras do direito processual civil do Estado Membro cujo tribunal é chamado a pronunciar-se, em matéria de competência internacional, sendo estas as normas aplicáveis nessas situações, denuncia que essas regras internas também fazem parte de um mesmo sistema de regras de conflito de competências instituído pelo Regulamento, que se pretende global e coerente [33]. Não deixamos, pois, de estar também aqui perante uma remissão intrasistemática, apesar da sua aparência extrasistemática [34]. Este convívio, por efeito desta remissão, no nosso ordenamento jurídico das regras de direito europeu sobre a competência internacional dos tribunais dos Estados Membros da União Europeia, incluindo os tribunais portugueses (neste caso, o Regulamento Bruxelas I bis), e as regras do direito processual civil português sobre a mesma matéria, embora com um âmbito de aplicação distinto,  exige a preservação da coerência sistémica do nosso ordenamento jurídico. Não só o conteúdo das normas internas sobre competência internacional não devem conduzir a soluções díspares com os princípios que regem o direito europeu nessa matéria, o que tem sido objeto de preocupação do legislador nacional, como a sua interpretação deve ter em consideração a leitura que o Tribunal de Justiça da União Europeia tem efetuado das normas europeias que estabeleçam critérios idênticos às normas de direito interno. A harmonia do ordenamento jurídico pede que critérios idênticos na definição da competência internacional dos tribunais, apesar de provirem de fontes distintas, tenham uma aplicação coincidente, sendo certo que a jurisprudência do TJUE tem um papel fundamental na interpretação do direito europeu.

O TJUE, no Acórdão de 7.03.1995, Fiona Shevill, Ixora Trading Inc, Chequepoint SARL e Chequepoint Internacional Ltd contra Presse Alliance, S.A. [35], relativamente à propositura de uma ação em que se pedia o pagamento de uma indemnização por difamação cometida através de um artigo publicado no jornal France Soir, à venda em vários países europeus, incluindo Inglaterra, onde a vítima residia, começou por sustentar que a expressão “lugar onde ocorreu o facto danoso”, utilizada no artigo 5.º, n.º 3, da Convenção de Bruxelas de 27.09.1968, deveria ser interpretada no sentido de que a vítima pode intentar uma ação de indemnização contra o editor da publicação difamatória quer nos órgãos jurisdicionais do Estado onde se situa o estabelecimento da editora, quer nos órgãos jurisdicionais de cada Estado em que a publicação foi divulgada e onde a vítima alega ter sofrido um atentado à sua reputação, os quais seriam competentes para conhecer apenas dos danos causados no Estado do tribunal onde a ação foi proposta.

Neste aresto, o Tribunal considerou (...) 21. (...) que o lugar do evento causal, do ponto de vista da competência jurisdicional, pode constituir um critério de vinculação não menos significativo do que o critério do lugar onde o dano se materializou, podendo cada um deles, segundo as circunstâncias, revelar-se especialmente útil do ponto de vista da prova e da organização do processo.

(...)

23. Estas considerações, feitas a propósito de danos materiais, devem ser válidas também, pelas mesmas razões, no caso de prejuízos não patrimoniais, nomeadamente os causados à reputação e à consideração de uma pessoa singular ou coletiva por uma publicação difamatória.

(...)

28. O lugar de materialização do prejuízo é o local em que o facto gerador, implicando a responsabilidade extracontratual do seu autor, produziu efeitos danosos em relação à vítima.

29. No caso de uma difamação internacional através da imprensa, o atentado feito por uma publicação difamatória à honra, à reputação e à consideração de uma pessoa singular ou coletiva manifesta-se nos lugares onde a publicação é divulgada, quando a vítima é aí conhecida.

30. Daqui resulta que os órgãos jurisdicionais de cada Estado contratante onde a publicação difamatória foi divulgada e onde a vítima invoca ter sofrido um atentado à sua reputação são competentes para conhecer dos danos causados nesse Estado à reputação da vítima.

31. Com efeito, de acordo com o imperativo de uma boa administração da justiça, fundamento da regra de competência especial do artigo 5. , n. 3, o tribunal de cada Estado contratante em que a publicação difamatória foi divulgada e onde a vítima invoca ter sofrido um atentado à sua reputação é territorialmente o mais qualificado para apreciar a difamação cometida nesse Estado e determinar o alcance do prejuízo correspondente.

(...)

No entanto, uns anos volvidos, no importante Acórdão de 25.10.2011, e-Date Advertising GmbH contra X e Olivier Martinez contra MGN Limited [36], relativamente à propositura de ações de responsabilidade civil pela publicação em portais noticiosos na Internet de referências à condenação de X pelo homicídio de um conhecido ator e aos encontros amorosos de Kyllie Minogue e Oliver Martinez, já se entendeu que o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, deveria ser interpretado no sentido de que, em caso de alegada violação dos direitos de personalidade através de conteúdos colocados em linha num sítio na Internet, a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma ação fundada em responsabilidade extracontratual pela totalidade dos danos causados, quer nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro do lugar onde se situa o estabelecimento da pessoa que emitiu esses conteúdos, quer nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro onde se encontra o centro dos interesses do lesado.

Neste aresto, após se transcreverem múltiplas passagens do anterior acórdão Fiona Shevill, Ixora Trading Inc, Chequepoint SARL e Chequepoint Internacional Ltd contra Presse Alliance, S.A., acima mencionado, discorre-se nos seguintes termos:

(...)

45. Todavia, como alegaram tanto os órgãos jurisdicionais de reenvio como a maioria das partes e dos interessados que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, a colocação em linha de conteúdos num sítio na Internet distingue‑se da difusão, circunscrita a um território, de um meio de comunicação impresso, na medida em que visa, em princípio, a ubiquidade dos referidos conteúdos. Estes podem ser consultados instantaneamente por um número indefinido de internautas em todo o mundo, independentemente de qualquer intenção da pessoa que os emitiu, relativa à sua consulta para além do seu Estado‑Membro de estabelecimento e fora do seu controlo.

46. Afigura‑se, portanto, que a Internet reduz a utilidade do critério relativo à difusão, na medida em que o âmbito da difusão de conteúdos colocados em linha é, em princípio, universal. Além disso, nem sempre é possível, no plano técnico, quantificar essa difusão com certeza e fiabilidade relativamente a um Estado‑Membro em particular, nem, por conseguinte, avaliar o dano exclusivamente causado nesse Estado‑Membro.

47. As dificuldades de aplicação, no contexto da Internet, do referido critério da materialização do dano decorrente do acórdão Shevill, já referido, contrastam, como o advogado‑geral salientou no n.° 56 das suas conclusões, com a gravidade da lesão que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um conteúdo que viola o referido direito está disponível em qualquer ponto do globo.

48. Há, portanto, que adaptar os critérios de conexão recordados no n.° 42 do presente acórdão no sentido de que a vítima de uma violação de um direito de personalidade através da Internet pode intentar, em função do lugar da materialização do dano causado na União Europeia pela referida violação, uma ação num foro a respeito da integralidade desse dano. Tendo em conta que o impacto de um conteúdo colocado em linha sobre os direitos de personalidade de uma pessoa pode ser mais bem apreciado pelo órgão jurisdicional do lugar onde a pretensa vítima tem o centro dos seus interesses, a atribuição de competência a esse órgão jurisdicional corresponde ao objetivo de boa administração da justiça recordado no n.° 40 do presente acórdão.

49. O lugar onde uma pessoa tem o centro dos seus interesses corresponde em geral à sua residência habitual. Todavia, uma pessoa pode ter o centro dos seus interesses igualmente num Estado‑Membro onde não reside habitualmente, na medida em que outros indícios, como o exercício de uma actividade profissional, podem estabelecer a existência de um nexo particularmente estreito com esse Estado.

50. A competência do órgão jurisdicional do lugar onde a pretensa vítima tem o centro dos seus interesses é conforme ao objetivo de previsibilidade das regras de competência (v. acórdão de 12 de Maio de 2011, BVG, C‑144/10, ainda não publicado na Coletânea, n.° 33), igualmente a respeito do demandado, dado que a pessoa que emite o conteúdo danoso está, no momento da colocação em linha desse conteúdo, em condições de conhecer os centros de interesses das pessoas que são objeto deste. Deve, portanto, considerar‑se que o critério do centro de interesses permite simultaneamente ao demandante identificar facilmente o órgão jurisdicional a que se pode dirigir e ao demandado prever razoavelmente o órgão jurisdicional no qual pode ser demandado (v. acórdão de 23 de Abril de 2009, Falco Privatstiftung e Rabitsch, C‑533/07, Colect., p. I‑3327, n.° 22 e jurisprudência referida).

51. Por outro lado, em vez de uma ação fundada na responsabilidade pela totalidade do dano, o critério da materialidade do dano decorrente do acórdão Shevill, já referido, confere competência aos órgãos jurisdicionais de casa Estado-Membro em cujo território um conteúdo colocado em linha esteja ou tenha estado acessível. Estes são competentes para conhecer apenas do dano causado no território do Estado-Membro do órgão jurisdicional em que a ação foi intentada.

(...)

Mais tarde, no Acórdão de 17.10.2017, Bolagsupplysningen OU e Ingrid Ilsjan contra Svensk Handel AB [37], relativamente à propositura de uma ação de responsabilidade civil pela publicação numa página da Internet de dados incorretos e comentários difamatórios sobre uma sociedade comercial estónia, entendeu-se que o artigo 7.º ponto 2, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, deveria ser interpretado no sentido de que uma pessoa coletiva que alega que os seus direitos de personalidade foram violados pela publicação de dados incorretos a seu respeito na Internet e pela não supressão de comentários a ela relativos pode intentar uma ação destinada a obter a retificação desses dados, a supressão desses comentários e a reparação da totalidade do dano sofrido nos tribunais do Estado-Membro no qual se situa o seu centro de interesses.

Neste aresto, após se transcreverem múltiplas passagens do acórdão antes mencionado, acrescenta-se:

(...)

32. No contexto específico da Internet, o Tribunal de Justiça declarou, contudo, num processo relativo a uma pessoa singular, que, em caso de alegada violação dos direitos de personalidade através de conteúdos colocados em linha num sítio Internet, a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma ação fundada em responsabilidade pela totalidade dos danos causados nos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro onde se encontra o centro dos seus interesses (acórdão de 25 de outubro de 2011, eDate Advertising, C‑509/09 e C‑161/10, EU:C:2011:685, n.º 52).

33. Quanto a esses conteúdos, a alegada violação é, com efeito, geralmente sentida mais intensamente no centro de interesses da pessoa visada, tendo em conta a reputação de que goza nesse local. Assim, o critério do «centro de interesses da vítima» traduz o local onde, em princípio, o dano causado por um conteúdo em linha se materializa, na aceção do artigo 7.º, ponto 2, do Regulamento n.º 1215/2012, de modo mais significativo.

(...)

 Finalmente, no recente Acórdão de 21-12-2021, Gtflix Tv contra DR [38],  relativamente à propositura de uma ação de responsabilidade civil pela publicação em sítios e fóruns Internet de afirmações depreciativas da sociedade Gtflix Tv que se dedica à produção e difusão de conteúdos audiovisuais para adultos, voltou a ser reafirmada a jurisprudência dos acórdãos anteriormente mencionados, com transcrição das suas passagens mais relevantes, pronunciando-se no sentido que a ação indemnizatória poderá sempre ser proposta nos órgãos jurisdicionais de cada Estado-Membro onde aquelas afirmações depreciativas tenham estado acessíveis ao público, mesmo que esses órgãos não sejam competentes para conhecer dos pedidos de retificação e supressão desses conteúdos.»[39].

E continua o mesmo aresto:

«(…)

4. A aplicação ao caso concreto

Na resolução da questão que é colocada neste recurso, designadamente na aplicação do critério da causalidade constante do artigo 62º, b), do Código de Processo Civil,  iremos seguir de perto a linha definida por esta jurisprudência, não só porque a isso aconselha a preservação da coerência e harmonia do nosso ordenamento jurídico, mas também porque reconhecemos nessa linha um equilíbrio ponderado da valorização dos critérios a adotar na determinação do(s) tribunal(ais) que se encontra(m) em melhores condições para administrar a justiça, numa situação de violação de direitos de personalidade através de meios de divulgação global. Note-se que a valorização do local onde se situa o centro de interesses do lesado, como um dos elementos de conexão que poderá determinar a competência internacional dos tribunais desse país, não significa que se despreze o denominado centro de gravidade do conflito, uma vez que a aplicação daquele critério poderá ser afastada sempre que se verifique que a dimensão dos danos localizados no país do foro é diminuta, não sendo aí que previsivelmente se encontra um número significativo das provas dos factos que fundamentam a pretendida responsabilização. 

O facto daquela jurisprudência se debruçar, na maioria das situações, sobre violações de direitos de personalidade, através da Internet, não desaconselha a sua transposição para o presente caso, em que o instrumento da ofensa a esses direitos são videojogos mundialmente comercializados, em larga escala, uma vez que também a exposição dos seus conteúdos se carateriza pela ubiquidade, não tendo uma divulgação circunscrita a um território. Eles são visionados e operados por um número indefinido de jogadores, espalhados por todo o mundo, fora de qualquer controle do seu produtor, pelo que as ponderações efetuadas pelo TJUE, tendo em consideração a divulgação mundial de conteúdos ofensivos dos direitos de personalidade pela Internet, são aplicáveis a este caso.

Relembre-se que, na presente ação, o Autor fundamenta o pedido indemnizatório, por responsabilidade extracontratual, na violação dos seus direitos de personalidade ao nome e à imagem, no facto de um “seu avatar” ser um dos muitos protagonistas dos videojogos mundialmente comercializados F... e F..., 2011, 2012, 2013 e 2014» - no caso sub judice, alega o Autor que “a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados nos jogos denominados F... (também com as designações F... ou F...), pelo menos nas edições 2012,2013,2016, 2017 e 2018; F..., pelo menos na edição de 2012; e F..., pelo menos nas edições 2012, 2013,2014,2016,2017, 2018 e 2019, todos propriedade da Ré” - , produzidos pela Ré, sem que tenha dado autorização para que o seu nome e imagem fossem utilizados, invocando como danos a ressarcir a exposição pública não autorizada do seu nome e imagem sem qualquer contrapartida, (…). Na versão apresentada na petição inicial, esses videojogos foram produzidos nos ... (no ...) e foram e são comercializados e difundidos por todo o mundo por empresas “subsidiárias” da Ré, (destacando-se na ... a E... que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos ..., ... e ...), tendo o Autor domicílio em Portugal e jogado profissionalmente desde 2003-2004 até aos dias de hoje em clubes portugueses, com exceção das épocas de 2013/2014 e 2014/2015 , em que jogou no ..., na ....» (no caso sub judice, o Autor, tendo, embora, actualmente, é certo, domicílio no ..., como acima já foi referido, em dez anos como jogador profissional de futebol, jogou 7 em Portugal - 2011 a 2018).

(…).

Conforme já acima tínhamos concluído, dado estarmos perante uma ação com uma causa de pedir complexa, do ponto de vista da competência jurisdicional, nos termos do artigo 62º, al. b), do Código de Processo Civil, podem constituir critérios de vinculação quer o lugar do evento causal, quer o lugar onde o dano se materializou, podendo cada um deles, segundo as circunstâncias, revelar-se especialmente útil, do ponto de vista da prova e da organização do processo, para se determinar qual é o tribunal ou tribunais que se encontram em melhores condições para proferir uma decisão de mérito informada.

Relativamente ao lugar onde ocorreu a ação causal do dano, há que ter em consideração, que a ação violadora do direito ao nome e à imagem, através de um conteúdo divulgado de forma difusa por todo o mundo, compreende não só a produção dos videojogos em causa, processo em que se inclui o nome e se representa a imagem num determinado suporte físico ou digital, mas também a sua exposição pública através da comercialização mundial generalizada desses suportes [40]. Apesar de na petição inicial se dizer que essa comercialização era efetuada por empresas “subsidiárias” da Ré, designadamente por E..., que assumia a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos ..., ... e ..., não deixa o Autor de imputar a divulgação pública apenas à Ré, responsabilizando-a por todos os danos resultantes desses atos. Não devendo, neste momento, efetuar-se qualquer juízo sobre a imputabilidade da ação ilícita alegada pelo Autor para dele retirar a competência do tribunal, há que apenas relevar a perspetiva do Autor, apresentada na petição inicial, de que a Ré é a responsável pela produção, lançamento no mercado e divulgação por todo o mundo dos videojogos F... e F....

Assim, a ação causal imputada à Ré, pelo Autor, nesta ação, ocorre inicialmente nos ... (a produção dos videojogos) e desenvolve-se, posteriormente, em todo o mundo (a comercialização dos videojogos), uma vez que a lesão deste tipo de bens de personalidade ocorre com a divulgação pública não autorizada do nome e da imagem do lesado [41].

Coisa diferente da lesão destes direitos de personalidade, são os danos que dela terão resultado na versão apresentada pelo Autor. Se a ação lesiva dos direitos do Autor se inicia, mas não se completa com a produção dos videojogos contendo o nome e a imagem do Autor sem o seu consentimento, já, os danos, ou seja as consequência negativas para o lesado que resultaram dessa ação causal poderão ou não ocorrer no mesmo lugar em que essa ação teve lugar [42]. É sobretudo neste ponto que nos afastamos da tese do acórdão recorrido e dos demais acórdãos da Relação acima referenciados na nota 1. Os danos na ofensa aos direitos de personalidade ao nome à imagem são realidades distintas do ato lesivo e claramente diferenciadas quando este é apenas resumido à atividade criadora do suporte que contém o conteúdo lesivo, não se considerando a atividade de divulgação púbica generalizada.

Quanto ao lugar onde os danos invocados pelo Autor se verificaram, revelando-se uma tarefa impossível avaliar com certeza e fiabilidade os danos causados em cada um dos países onde o conteúdo que utilizava o seu nome e imagem foi exposto, deve seguir-se o critério apontado pela jurisprudência do TJUE, segundo o qual, em princípio, o impacto da violação dos direitos de personalidade que ocorrem nestas circunstâncias, verifica-se predominantemente no Estado onde a vítima tem o seu centro de interesses, aí se encontrando a maioria das provas dos prejuízos sofridos, pelo que a atribuição de competência aos tribunais desse país para apreciar a integralidade dos prejuízos sofridos, satisfaz o objetivo da boa administração da justiça.

Nos casos em que os danos se prolongam no tempo e o cento de interesses do lesado vai variando ao longo desse tempo, localizando-se em diferentes estados, a ação em que se reclame o pagamento de uma indemnização desses danos poderá ser intentada em qualquer uma das jurisdições desses Estados, desde que se verifique um elo suficientemente forte entre a causa e o foro escolhido, para fundamentar a competência internacional dos seus tribunais, evitando-se, assim, os invonvenientes do denominando forum shopping.

Na presente ação, durante os anos em que o Autor situa a violação do direito ao seu nome e imagem (desde finais de 2009, pelo F... e finais de 2018, pelo F...), com exceção das épocas desportivas de 2013/2014 e 2014/2015, que o Autor jogou numa equipa ..., o seu centro de interesses localizava-se em Portugal, uma vez que foi aí que o Autor praticou, profissionalmente, a sua atividade desportiva.

Esta localização presumida dos danos pelos quais o Autor responsabiliza a Ré é confirmada pelo tipo de danos diretos e não meramente reflexos que foram alegados na petição inicial. Foi em Portugal que a utilização do seu nome e imagem poderá ter influído na comercialização dos referidos videojogos, uma vez que foi, predominantemente, nas competições desportivas portuguesas que o Autor interveio como jogador profissional; (…); …  foi em Portugal que o Autor poderá ter experienciado a alegada perturbação, desgosto, tristeza e revolta que a utilização do seu nome e imagem não autorizada lhe terão provocado, pois foi aí que o Autor, com exceção das épocas de 2013/2014 e 2014/2015, se encontrava.

Estando o centro de interesses do Autor predominantemente localizado em Portugal desde o momento em que este situa o início da violação dos seus direitos de personalidade ao nome e à imagem (…), tendo sido aí que terão ocorrido os danos invocados pelo Autor, não há razões para que, a coberto do critério da causalidade admitido pelo artigo 62º, b), do Código de Processo Civil, não se considerem os tribunais portugueses competentes para julgar esta ação, uma vez que, estando nós, perante uma causa de pedir complexa, os danos alegados terão ocorrido predominantemente em Portugal, pelo que será no nosso país que se encontrará um significativo acervo das provas a produzir com vista à realização da justiça.».

E remata-se no aresto:

«Esta conclusão não constitui de forma alguma o reconhecimento de uma competência exorbitante, uma vez que releva uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado Português, justificativa da intervenção dos seus tribunais, assim como não fere qualquer interesse legítimo da empresa demandada, uma vez que, atenta a comercialização global dos videojogos por si produzidos, é expetável que possam ocorrer litígios com eles relacionados em qualquer parte do globo, em que sejam chamados a intervir os órgãos jurisdicionais locais, além de que a sua estrutura organizacional, atenta a sua dimensão, sempre lhe permitirá, sem excessivas dificuldades, produzir as provas que entenda necessárias em Portugal.»[43].


***

Concordando-se in integrum com o acórdão do STJ que vimos seguindo (percute-se, subscrito pelo ora relator e um dos adjuntos), tendo em consideração, para além do mais supra explanado, o preenchimento, in casu, dos aludidos critérios da coincidência e da causalidade - qualquer deles, como dito, bastante para justificar a competência dos tribunais portugueses para julgar o presente litígio -  e com reforço dos ensinamentos da jurisprudência do Tribunal de Justiça (maxime no que respeita ao apontado critério da predominância do centro de interesses do Autor/demandante  - o qual, reitera-se, se focalizou em Portugal nos 7 anos em que aqui praticou, profissionalmente, a sua atividade desportiva e em que alega ter sido violado o  direito ao seu nome e imagem, nos sobreditos termos, e que aqui pretende ser ressarcido) e, outrossim, sem olvidar que será, de facto, no nosso país que se encontrará um significativo acervo das provas a produzir com vista à realização da justiça, cremos que a competência dos tribunais portugueses se justifica de todo para apreciar do litígio aqui em causa.

Como tal, procedem as conclusões da revista.


 **

IV. DECISÃO

 

Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e, consequentemente, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido, julgando-se improcedente a excepção da incompetência internacional do Juízo Central Cível ... e determinando-se o prosseguimento dos autos.


Custas (de ambos os recursos) a cargo da Ré.


Lisboa, 07-06-2022


Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro - Relator)

Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro - 1º adjunto)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira - 2º Adjunto)


________

[1] Para aqui chamados ex vi do artigo 37.º, n.º 2, da Lei Orgânica do Sistema Judiciário, que remete para a lei de processo a incumbência de fixar os factores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais.
[2] Noções Elementares de Processo Civil, p. 88
[3] MANUEL A. DOMINGOS DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, com a colaboração de ANTUNES VARELA, nova edição revista e actualizada por HERCULANO ESTEVES, página 91.
[4] Ac. do STJ de 09.12.2013, proc. 204/11.0TTVRL.P1.S1.
Assim, também, o Ac. do STJ de 08/06/2021, Processo n.º 20526/18.9T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[5] ANTUNES VARELA/MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2ª Edição Revista e Atualizada, p. 198.
[6] Ver ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE SOUSA, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 91.
[7] Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, p. 173.
[8] Não abrangendo, porém, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, nem a responsabilidade do Estado por actos ou omissões no exercício da autoridade do Estado («acta jure imperii»), como decorre do seu artigo 1º.
[9]1) a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

— no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

— no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a)”.
[10] O que igualmente emerge do Considerando 16 dos do Regulamento 1215/2012: “O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para ele.”.
[11] Com efeito, como visto, é condição para aplicação do regime previsto no Regulamento que a ré tenha o seu domicílio num Estado-Membro da União Europeia ou que se verifique algum dos elementos de conexão especiais previstos no Regulamento na sua Secção 2 a 7.
[12] c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
[13] Com efeito, como se refere no citado ac. do STJ de 15.5.2014 (Salazar Casanova): “Não se deve, porém, reconduzir à " dificuldade apreciável" o facto de a acção ter de ser proposta no estrangeiro, em país distante, mas situado na Europa e de a língua desse país, no caso a Roménia, ser pouco falada em Portugal, como se decidiu no Ac. da Relação de Guimarães de 18-12-2006, rel. João Proença e Costa, C.J.,5, pág. 294.”.
[14] No “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, pág. 94.
[15] Destaques nossos.
[16] Proc. 27881/15.0T8LSB-A.L1.A.S1.
[17] Destaque nosso.
[18] ANTUNES VARELA/MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, ob. cit. p. 200.
[19] a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa.
[20] b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram - o destaque é nosso.
[21] PAULO PIMENTA, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 88.
O destaque é nosso.
[22] DÁRIO MOURA VICENTE, A Competência Internacional no Código de Processo Civil Revisto, em “Aspectos do Novo Código de Processo Civil”, LEX, 1997, pág. 84, e LUÍS LIMA PINHEIRO, Direito Internacional Privado, vol. III, tomo 1, 3.ª ed., 2019, Almedina, pág. 337, nota 1334.
   Sustentando a inutilidade deste critério, face à dupla funcionalidade das normas de competência territorial, num alinhamento com o sistema alemão, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A Competência e a Incompetência nos Tribunais Comuns, 3.ª ed., AAFDL, 1990, pág. 54, Apreciação de Alguns Aspectos da Revisão do Processo Civil – Projecto, na Revista da Ordem dos Advogados 55 (1995), pág. 367 e seg., e em Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., LEX, 1997, pág. 99-100,
[23] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1º, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1960, pág. 195.
[24] Vg. REMÉDIO MARQUES, A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2011, pág. 336.
[25] V.g. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2018, vol. I, pág. 102.
[26] O aditamento da parte final da redação deste artigo, conferindo competência aos tribunais portugueses quando apenas alguns dos factos que integram a causa de pedir ocorram em território português, foi efetuado pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, que reviu o Código de Processo Civil de 1961, consagrando a orientação jurisprudencial e doutrinal que vinha sendo seguida nesse sentido (v.g. ALBERTO DOS REIS, ob. cit., pág. 136-137, BAPTISTA MACHADO, La Competence Internationale em Droit Portugais, no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. 41 (1965), pág. 101, ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declarativo, vol. II, Almedina, 1982, pág. 26-29, e o Assento do S.T.J nº 6/94, de 17.02.1994, pub. No D.R. de 30.03.1994), tendo este critério sido reposto pelo Código de Processo Civil de 2013, apos a Lei nº 52/2008, de 28 de agosto, ao ter suprimido o artigo 65º do Código de Processo Civil de 1961, com fundadas críticas da doutrina (v.g., LEBRE DE FREITAS, Competência ou Incompetência dos Tribunais Portugueses?,  na Revista da Ordem dos Advogados Ano 69, vol. I/II.
[27] LUÍS LIMA PINHEIRO, ob. cit., pág. 348-349, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, cit., pág. 119, RITA LOBO XAVIER, Elementos de Direito Processual Civil. Teoria Geral. Princípios. Pressupostos, 2.ª ed., Universidade Católica Editora, pág. 215, nota 31, e LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Almedina, 2018, pág. 155-156.
 Sobre as vantagens da aplicação do critério da causalidade nas causa de pedir complexas, como sucede nas ações de responsabilidade civil extracontratual, com exemplos elucidativos, LEBRE DE FREITAS, est. cit.
[28] Sobre esta modelação restritiva do princípio da causalidade, FERRER CORREIA, Lições de Direito Internacional Privado, Almedina, 2018, pág. 444-445,  RUI MOURA RAMOS, A Reforma do Direito Processual Civil Internacional, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 130, n.º 3879, pág. 167-168, LUÍS LIMA PINHEIRO, ob. cit., pág. 348-349,  RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 204, Almedina, 2018, e JOÃO DE CASTRO MENDES e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Manual de Processo Civil, AAFDDL, 2022, vol. I, pág. 279.
[29] Sobre essa jurisprudência, RUI MOURA RAMOS, Le Droit International Privé Communautaire des Obligations Extracontractuelles, em “Estudos de Direito Internacional Privado e de Direito Processual Civil Internacional”, vol. II, Coimbra Editora, 2007, pág. 80 e seg., LUÍS LIMA PINHEIRO, ob. cit., pág. 131, JOÃO DE CASTRO MENDES e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ob. cit., pág. 191-193, ISABEL ALEXANDRE, Direito Processual Civil Internacional I, AAFDL, 2021, pág. 203-204, e JOANA COVELO DE ABREU, Tribunais Nacionais e Tutela Jurisdicional Efetiva. Da Cooperação à Integração Judiciária no Contencioso da União Europeia, Almedina, 2019, pág. 143-144.
[30] Sobre a “rule of ubiquity”, na aplicação do artigo 7.º do Regulamento Bruxelas I bis, THOMAS KADNER GRAZIANO, The Law Applicable to Cross-Border Damage to the Environment, Yearbook of Private Law, 2008, vol. 2007, pág. 74-76.
[31] Destaque nosso.
[32] Sobre esta jurisprudência, LUÍS LIMA PINHEIRO, ob. cit., pág. 132-133, ALEXANDRE DIAS PEREIRA, O Tribunal Competente em Casos da Internet Segundo o Acórdão «edate advertising» do Tribunal de Justiça da União Europeia, Revista Jurídica Portucalense, n.º 16, 2014, pág. 3-10, e JOÃO CASTRO MENDES, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ob. cit., pág. 191-193.
    Efetuando uma leitura crítica desta Jurisprudência, ELSA OLIVEIRA DIAS, Do Tribunal Competente Para Apreciar Litígios Relativos a Responsabilidade Extracontratual Decorrente da Violação de Direitos de Personalidade, Revista do CEJ, 1.º semestre 2016, n.º 1, que, aderindo à posição do Advogado Geral no processo eDate/Martinez, defende a relevância do local onde se localize o centro de gravidade do conflito entre os bens e os interesses em jogo, convocando a globalidade da situação para determinar a competência do Tribunal.
[33] Neste sentido o Parecer 1/03 do TJUE, de 07.02.2006, § 148.
[34] Sobre estes dois tipos de remissão, BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 2021 (reimpressão), pág. 105-108.
[35] Processo C-68/93, EU:C:1995:61
[36] Processos apensos C-509/09 e C161/10, EU:C:2011:685.
[37] Processo C-194/16, EU:C:2017:766.
[38] Processo C-251/2020, EU:C:2021:1036.
[39] Destaques nossos.
[40] Neste sentido, ELSA DIAS OLIVEIRA, Da Responsabilidade Civil Extracontratual por Violação de Direitos de Personalidade em Direito Internacional Privado, Almedina, 2011, pág. 400-409.
[41] ELSA DIAS OLIVEIRA, ob. cit, pág. 405-407.
[42] ELSA DIAS OLIVEIRA, ob. e loc. cit., pág. 407-410 sobre a distinção entre o lugar da lesão e o lugar do danos destes direitos de personalidade.
[43] Os destaques são agora acrescentados.