Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2701/11.9T3SNT.L1-A.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
RECURSO DE DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA
CUMULAÇÃO
INCOMPATIBILIDADE
ACORDÃO FUNDAMENTO
PRESSUPOSTOS
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 10/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: REJEITADO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 412.º, N.º 3, ALÍNEA B), 417.º, N.º 3, 437.º, N.ºS 2, 3 E 4, 438.º, N.º 2, 445.º, N.º 3 E 446.º, N.ºS 1 E 2
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 763.º.
LEI N.º 74/98, DE 11 DE NOVEMBRO, DIÁRIO DA REPÚBLICA, I-A SÉRIE, N.º 261/98, DE 11-11.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 5/2006, DE 20-04-2006, IN DR, I SÉRIE - A, DE 06-06-2006;
- ASSENTO DE 16 DE DEZEMBRO DE 1927, IN DIÁRIO DO GOVERNO, II SÉRIE, DE JANEIRO DE 1928;
- DE 13-01-2005, PROCESSO N.º 2809/04;
- DE 28-09-2005, PROCESSO N.º 642/05, IN CJSTJ, 2005, TOMO III, P. 178;
- DE 18-01-2006, PROCESSO N.º 4120/05-3;
- DE 07-05-2009, PROCESSO N.º 12/03.2IDACBB.C1-A.S1;
- DE 26-06-2013, PROCESSO N.º 83/04.4IDCBR.C1-A.S1;
- DE 26-09-2013, PROCESSO N.º 454/06.1PASTB.P1-B.S1;
- DE 21-01-2016, PROCESSO N.º 1460/11.0GBLLE.E1-A.S1;
- DE 11-02-2016, PROCESSO N.º 324/14.0TELSB-C.L1.-A.S1;
- DE 20-04-2016, PROCESSO N.º 22/13.0TELSB.L1.S1;
- DE 21-09-2016, PROCESSO N.º 2487/10.4TASXL.L1-A.S1;
- DE 11-04-2018, PROCESSO N.º 45/14.3T9FLG.P1-A.S1;
- DE 12-12-2018, PROCESSO N.º 1001/16.2T8OLH-E1.-A.S1.
Sumário :
I – O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência constitui uma espécie de recurso classificado como «recurso normativo», por contraposição com o denominado «recurso hierárquico»; no recurso normativo, o objecto é constituído pela determinação do sentido de uma «norma», com força quase obrigatória e, de qualquer modo, geral e abstracta, a benefício directo dos valores da certeza e da segurança jurídica, unificando a interpretação e o sentido de uma norma ou dimensão normativa que os tribunais de recurso consideravam de modo divergente.

II – O recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excepcional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objectivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.

III – Do carácter excepcional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respectiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários.

IV – No requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência o recorrente ao pedir a resolução do conflito não tem de indicar o sentido em que deve fixar-se jurisprudência. - Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 5/2006, de 20 de Abril de 2006, Diário da República, I Série - A, de 6 de Junho de 2006.

V – No que respeita aos requisitos legais (decisões opostas proferidas sobre a mesma questão de direito e identidade de lei reguladora - requisitos resultantes directamente da lei), a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de forma uniforme e pacífica, aditou, de há muito e face ao disposto então no artigo 763.º do Código de Processo Civil, a incontornável necessidade de identidade dos factos contemplados nas duas decisões e de decisão expressa, não se restringindo à oposição entre as soluções ou razões de direito.

VI – A exigência de soluções antagónicas pressupõe identidade de situações de facto, pois não sendo elas idênticas, as soluções de direito não podem ser as mesmas.

VII – A oposição tem de ser expressa, e não meramente tácita, e incidir sobre a decisão, e não apenas sobre os seus fundamentos, e pressupõe igualmente uma identidade essencial da situação de facto de ambos os acórdãos em confronto.

VIII – A expressão “soluções opostas” pressupõe que em ambas as decisões seja idêntica a situação de facto, com expressa resolução da questão de direito e que a oposição respeite às decisões e não aos fundamentos”.

IX – O presente caso tem a especificidade de o recorrente interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência ao abrigo do disposto nos artigos 437.º, n.ºs 2 a 4 e 438.º, do CPP, mas depois, intromete um outro recurso extraordinário, nos termos do artigo 446.º do CPP (Recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça), o que é visível do texto das conclusões N) e O), nesta referindo expressamente a violação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2012, sendo que já antes na conclusão G), mencionara estar o acórdão recorrido “em nítida contradição com a jurisprudência já firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em sede uniformizadora, e, também com outras decisões de Relações distintas”, ou seja, o recorrente coloca “em pé de igualdade” um acórdão uniformizador com decisões de Relações.

X – A convocação dos dois recursos extraordinários é feita em jeito subsidiário, como resulta da expressão “Caso assim não se entenda”, colocada entre as conclusões O) e P), mas no final, pedindo o recorrente apenas a admissão do “Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 437º e 438º, do Código de Processo Penal”.

XI – Cremos ser inconciliável a cumulação dos dois recursos extraordinários, pois que os recursos em causa, partindo de pressupostos diversos, servem objectivos diferentes.

XII – Havendo dois acórdãos em contradição, verificando-se oposição de julgados sobre a mesma questão de direito, procura-se a solução do conflito, optando-se, a final, pela afirmação da tese defendida no acórdão recorrido ou pela adoptada no acórdão fundamento.

XIII – Como elucidou o acórdão de 7 de Maio de 2009, proferido no processo n.º 12/03.2IDACBB.C1-A.S1, da 3.ª Secção: “Entre uma decisão de um tribunal superior proferida em recurso ordinário e um acórdão de fixação de jurisprudência jamais poderá ocorrer oposição, dado o especial valor vinculativo deste último, nos termos do n.º 3 do artigo 445.º do CPP.

Poderá é haver contradição entre aquele e este, “conflito” que será dirimido segundo o disposto no n.º 2 do artigo 446.º do CPP: verificando-se tal contradição, deverá ser interposto recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada, nos termos do artigo 446.º, n.º 1, do CPP”.

XIV – Como referiu o acórdão de 26-06-2013, proferido no processo n.º 83/04.4IDCBR.C1-A.S1, da 5.ª Secção: “O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do art. 437.º do CPP destina-se a solucionar um conflito jurisprudencial sobre determinada questão de direito entre dois acórdãos de tribunal superior, não podendo qualquer deles ser de fixação de jurisprudência. Se um acórdão do Tribunal da Relação ou do STJ está em oposição com um AFJ, que é sempre deste último tribunal, essa situação é tratada à luz do art. 446.º do CPP, dando lugar a outro recurso extraordinário, o de decisão proferida contra jurisprudência fixada”. (Sublinhado nosso).

XV – No acórdão de 26-09-2013, proferido no processo n.º 454/06.1PASTB.P1-B.S1-5.ª Secção, pode ler-se: “Como pressuposto deste recurso extraordinário, que agora pode ser interposto directamente para o STJ, enquanto que, na vigência da redacção anterior, se entendia (jurisprudencialmente) que era necessário esgotar primeiro os recursos ordinários, a lei exige que a decisão recorrida tenha decidido em sentido divergente ao do acórdão uniformizador de jurisprudência, por não acatamento da sua doutrina. Falta este pressuposto quando o acórdão recorrido foi proferido em data anterior ao AFJ. Como tal, o acórdão recorrido não podia ter decidido em sentido divergente àquele aresto, que ainda não existia, não acatando a sua doutrina.

Não é admissível ao recorrente socorrer-se do recurso previsto no art. 446.º do CPP e, para a hipótese de insucesso, lançar mão, enquanto pedido subsidiário, do recurso para fixação de jurisprudência a que alude o art. 437.º do mesmo Código”.

XVI – No acórdão de 11-04-2018, proferido no processo n.º 45/14.3T9FLG.P1-A.S1, desta 3.ª Secção, foi abordada a questão nestes termos: “O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, previsto no art. 437.º, do CPP, é inequivocamente incompatível com o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, previsto no art. 446.º, não se podendo pretender que o STJ fixe jurisprudência, com fundamento na oposição de acórdãos, sobre questão de direito sobre a qual já proferiu decisão de fixação. Interpondo o recorrente um recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, considerando que inexiste jurisprudência fixada, está-lhe vedado, lógica e necessariamente, interpor em simultâneo, por via de pedido subsidiário, recurso de decisão contra jurisprudência fixada, obstando tal circunstância, a que este STJ se pronuncie sobre o recurso subsidiário. Existindo jurisprudência fixada no AUJ 9/2013, de 14-03, sobre a questão objecto do presente recurso para fixação de jurisprudência é evidente que o mesmo terá de ser rejeitado.      

XVII – Face a um Acórdão de Fixação de Jurisprudência com a eficácia jurídica que lhe é emprestada pela publicação no Diário da República (Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, Diário da República, I-A Série, n.º 261/98, de 11-11), e com a força vinculativa traçada nos termos do artigo 445.º, n.º 3, do CPP, a questão que se coloca não é de conflito ou de oposição; o acórdão de fixação de jurisprudência não pode funcionar como acórdão fundamento; não sendo observada a interpretação fixada pelo Pleno, o que há é violação da jurisprudência fixada e então com o recurso previsto no artigo 446.º do CPP procura-se a afirmação de que houve violação (decisão proferida contra) por parte do acórdão recorrido da doutrina assente, e assim sendo, verificada a violação, deverá ser revogado o acórdão recorrido, sendo a decisão substituída por outra, que se mostre conforme a jurisprudência uniformizada.

XVIII – o recorrente indica como acórdãos fundamentos um acórdão do STJ, incluindo os cinco ali aludidos, um do Tribunal da Relação de Évora e o AFJ n.º 3/2012. – Este Supremo Tribunal tem entendido, no quadro da já assinalada excepcionalidade deste recurso extraordinário, a necessidade de indicar-se um único acórdão fundamento,  

XIX – É jurisprudência pacífica neste Supremo Tribunal que há que dar cabal cumprimento ao requisito formal deste recurso extraordinário consistente na indicação de apenas um acórdão fundamento e que a menção de mais de um acórdão fundamento conduz à rejeição do recurso.

XX – “Desde o primeiro Assento proferido por este Supremo Tribunal (Assento de 16 de Dezembro de 1927, no Diário do Governo, II série, de Janeiro de 1928), tem sido uniforme o entendimento de que, para formulação de um Assento, quer de natureza civil, quer de natureza penal, nos termos do Código do Processo Penal de 1929 e da legislação anterior que o antecedeu e o preparou, e relativamente ao concreto ponto de direito que se diz ter sido decidido em sentidos opostos, é indispensável que se indiquem o acórdão recorrido e um só acórdão que com ele esteja em oposição, uma vez que, se assim não for feito, se não poderá considerar como válida e processualmente relevante, a indicação de vários acórdãos fundamento sobre o mesmo ponto de direito, e, em consequência, não poderá ter adequado andamento o recurso para fixação de jurisprudência”.

XXI – No caso sujeito a apreciação o recorrente indica sobre a mesma matéria de direito os apontados acórdãos fundamento, sendo de rejeitar o recurso, por inadmissibilidade, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do CPP.

XXII – Nestes casos, como tem decidido igualmente de forma uniforme o Supremo Tribunal, não é de formular convite à eventual correcção da petição, porque como se diz de forma clara no acórdão de 18-01-2006, processo n.º 4120/05-3.ª Secção, a lei não contempla a hipótese, de resto, numa atitude de rigor, típica dos interesses específicos do processo penal, associada à ideia reinante no nosso ordenamento jurídico-processual de rejeição de tudo quanto seja contemporizar com as atitudes das partes que se traduzam numa subtracção ao compromisso do esforço que lhes é pedido, com as quais se não condescende - cfr. os acórdãos de 13-01-2005, processo n.º 2809/04-5.ª Secção, o já citado acórdão de 28-09-2005, processo n.º 642/05-3.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 178, onde se refere que a indicação de um (único) acórdão fundamento, transitado em julgado, constitui um pressuposto fundamental do recurso extraordinário, que devendo constar do requerimento de interposição (art. 438.º, n.º 2, do CPP), não poderá ser corrigido.

XXIII – Não é de formular convite à eventual correcção da petição, porque sendo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, deve entender-se que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso, deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) por essa excepcionalidade.

XXIV – No sentido de que não há lugar a convite de aperfeiçoamento, podem ver-se os acórdãos de 21-01-2016, processo n.º 1460/11.0GBLLE.E1-A.S1-3.ª Secção, de 11-02-2016, processo n.º 324/14.0TELSB-C.L1.-A.S1-5.ª Secção, de 20-04-2016, por nós relatado no processo n.º 22/13.0TELSB.L1.S1; de 21-09-2016, por nós relatado no processo n.º 2487/10.4TASXL.L1-A.S1 e de 12 -12-2018, por nós relatado no processo n.º 1001/16.2T8OLH-E1.-A.S1.

XXV – Tal posição é de manter, pois persistem as razões da especificidade deste recurso e dos especiais cuidados e níveis de exigência a ter com a sua dedução, reportando-se o artigo 417.º, n.º 3, do CPP ao aperfeiçoamento de conclusões, que se apresentem deficientes, apenas respeitando a recursos ordinários.

XXVI – O recurso é, pois, de rejeitar.

XXVII – No entanto, mesmo que fosse admissível a convocação de vários acórdãos fundamento e não tendo a recorrente optado por ou preferido um dos invocados, sempre se estaria perante caso de inadmissibilidade de recurso, pois o acórdão recorrido seguiu jurisprudência fixada.

XVIII – Com esta tomada de posição não foi afrontada a solução ditada no acórdão n.º 3/2012, não sendo idênticas as situações processuais num e noutro caso, sendo certo que do que o artigo 412.°, n.° 3, alínea b), do Código de Processo Penal, fala é da indicação pelo recorrente da provas que imponham uma decisão diversa da recorrida, não de provas que eventualmente também permitam outra decisão de facto, não se justificando no caso convite, porque não pode ter lugar modificação essencial como seria o caso. Concluindo. O recurso sempre seria de rejeitar, igualmente por esta via.

Decisão Texto Integral: AA, arguido no processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 2701/11.9T3SNT, do Juízo Central Criminal de … – Comarca de Lisboa Oeste, notificado do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Março de 2019, veio interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, constante de fls. 3 a 39. 

O recorrente invoca oposição entre a solução deste acórdão e a preconizada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-10-2004, proferido no processo n.º 3286/2004, incluindo os aí mencionados (acórdãos de 26-09-2001, processo n.º 2263/01, de 18-10-2001, processo n.º 2374/01, de 10-04-2002, processo n.º 153/00 e de 5-06-2002, processo n.º 1255/02, de 7-11-2002, processo n.º 3158/02-5 e de 15-05-2003, processo n.º 985/03-5.ª Secção), bem como pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 9-01-2018, proferido no processo n.º 31/14.3GBFTR.E1 e ainda pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2012 (publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 77, de 18-04-2012), indicados como acórdãos-fundamento.

Alega o recorrente existir uma manifesta oposição de julgados quanto à questão de direito essencial que constitui o objeto do presente recurso – apreciação de impugnação de matéria de facto efectuada ao abrigo do disposto no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, com formulação de convite para correcção das conclusões –, nos termos que constam da motivação, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição integral, incluindo realces):

A. Nos presentes autos, foi o ora Recorrente acusado pelo Ministério Público da prática dos crimes de burla qualificada, nos termos do art. 218º, nº 2, al. a), do CP, abuso de confiança, nos termos do art. 205º nº 1, do CP e falsificação de documento, nos termos do art. 256º, nº 1, al. d), do CP;

B. O Recorrente apresentou a sua devida defesa, em sede instrutória e apresentando a sua contestação, pugnando pela sua inocência e consequente absolvição, em resultado da ausência prova nos autos tendentes à sua condenação, e da apresentação de prova contraditória;

C. Em sede do julgamento em primeira instância, foi o Recorrente condenado na prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança agravado, por alteração da qualificação jurídica, p. e p. pelo art. 205º nºs 1 e 4, al. b), do CP, e 202º, al. b), do CP, e um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256º nº 1, al. d), do CP;

D. O Recorrente recorreu para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando o seu recurso, no incumprimento do prazo de inquérito, na falta de prova documental e testemunhal produzida em sede da investigação e no próprio julgamento, e, alternativamente, na contradição entre a factualidade dada como provada e não provada, bem como entre a prova produzida e a fundamentação do acórdão e na violação do princípio constitucional da presunção de inocência, na sua vertente "in dúbio pro reo"

E. O Tribunal da Relação de Lisboa, por Douto Acórdão datado de 20.03.2019, proferido pela 3ª Secção, acordou em julgar parcialmente procedente o recurso interposto, suspendendo a execução da pena pelo período de 4 anos e 6 meses, mantendo inalterada a decisão recorrida no restante;

F. O Douto Acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, é irrecorrível, nos termos do art. 400º, nº 1, al. e), do C.P.P., porquanto se insere na previsão dos "acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos."

G. O Recorrente entende que o Douto Acórdão ora recorrido não efectuou a correcta e adequada aplicação do direito ao caso concreto, estando o mesmo em nítida contradição com a jurisprudência já firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em sede uniformizadora, e, também, com outras decisões de Relações distintas, já transitadas em julgado;

H. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa sustenta a manutenção do restante da decisão recorrida, no que respeita à impugnação da matéria de facto e da violação do princípio in dubio pro reo, à mera interpretação do art. 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal;

I. Sem prejuízo de, primeiramente, elencar os factos, provados e não provados, que o Recorrente refere como não estando correctamente julgados, infere aquele Tribunal que o Arguido não indicou especificamente quais as provas que no seu entender impunham uma decisão diversa para cada um dos factos provados;

J. Razão pela qual improcedeu a impugnação de facto nos termos do art. 412º do C.P.P e consequentemente a alteração da matéria de facto só seria possível, caso ocorresse algum dos vícios do art. 410º do C.P.P, o que também se constatou não se verificar;

K. Em sede do recurso por si apresentado para o Tribunal da Relação de Lisboa, o Recorrente alega, como o reconhece o Acórdão ora em crise, quais os factos, provados e não provados, que considera incorrectamente julgados, transcrevendo-os primeira e especificadamente;

L. O Recorrente refere cabalmente qual a prova documental e onde a mesma consta do processo;

M. O Recorrente refere cabalmente qual a prova testemunhal relevante para o recurso, indicando a data e hora das respectivas gravações dos depoimentos prestados em sede de julgamento;

N. Em sede de uniformização de jurisprudência, no Acórdão do STJ nº 3/2012, publicado no Diário da República nº 77/2012, Série I de 2012-04-18, veio este Colendo Supremo Tribunal determinar que: "Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta para efeitos do disposto no artigo 412.º, nº 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passaqens/excertos das declarações que. no entendimento do recorrente. imponham decisão diversa da assumida desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”.

O. Pelo que o Douto Acórdão ora em crise está em nítida e directa contradição com o supra referido Acórdão Uniformizador, violando o disposto no art. 413º nºs 3 e 4 do Código Penal;

Caso assim não se entenda,

P. O Douto Acórdão do Tribunal da Relação ora em crise, é contraditório com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 07-10-2004, no Processo nº 3286/2004, in www.verbojuridico.net/jurisp_stj/integral/2004/stj04_3286.html, bem como todos os restantes Acórdãos ali mencionados, que determina que: “Entendendo a Relação que o recorrente não forneceu os elementos legais necessários para reapreciar a decisão de facto nos pontos que questiona, a solução não é "a improcedência", por imodificabilidade da decisão de facto, mas o convite para a correcção das conclusões.”

Q. Sendo que a ausência do referido convite ao aperfeiçoamento e subsequente ausência de pronúncia sobre matéria que devia conhecer consubstancia uma nulidade e inconstitucionalidade do referido Acórdão em crise;

R. O que, nos presentes autos, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não fez;

Em última instância, e por mero dever de patrocínio,

S. O Acórdão em crise é contraditório com o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 09-01-2018, no Proc. nº 31/14.3GBFTR.E1, in http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/-/883412CF33BD1EDF8025821E005A0473, que determina que: "do incumprimento das especificações, pelo recorrente, não resulta que a Relação fique desobrigada de sindicar a sentença ou acórdão na parte relativa à decisão da matéria de facto, devendo fazê-lo através da análise do seu texto, perscrutando se enfermará de um eventual erro notório na apreciação da prova (ou de outro vício) que possa ter condicionado a demonstração dos factos que se encontram impugnados no recurso”.

T. Mais decidindo que: “Os recursos da matéria de facto deficientemente interpostos são aproveitáveis como arguição de vício de sentença, mesmo que o recorrente não os refira expressamente, pois estes, a existirem, sempre seriam de conhecimento oficioso.”

U. No Douto Acórdão ora posto em crise, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa absteve-se de, mesmo considerando o incumprimento das formalidades impostas pelo art. 412º nº 3, do CPP, conhecer qualquer erro na apreciação da prova produzida que pudesse condicionar a demonstração dos factos que se encontravam impugnados em sede do recurso interposto;

V. O Acórdão ora em crise limita-se a sindicar a questão a “um certo poder discricionário do Juiz”, sem ter em linha de conta que o processo penal tem uma estrutura acusatória, assente na prova produzida em sede de inquérito e de julgamento, que o Recorrente demonstrou ser omissa quanto à sua responsabilidade, nomeadamente quanto à prova carreada pelo próprio Ministério Público, imiscuindo-se de se pronunciar quanto ao teor da prova documental referida pelo mesmo em sede de julgamento — o relatório do Núcleo de Assessoria Técnica, que em momento algum influi, com a certeza devida que se impõe nos processos-crime, na responsabilidade do Arguido pelos factos;

W. Não reapreciando a prova, fez assentar a justificação da inexistência da violação do princípio “in dubio pro reo”;

X. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não fez uma correcta interpretação e aplicação das normas legais ao caso em concreto, originando, em última linha, a nulidade do Acórdão proferido, bem como a sua inconstitucionalidade, sendo que, sobre esta mesma questão fundamental — a aplicação do art. 412º do CPP e a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, em situações absolutamente idênticas à dos presentes Autos já se pronunciou, por diversas vezes, o Supremo Tribunal de Justiça, em sentido contrário ao sustentado por este Tribunal a quo;

Y. Mesmo que assim não se entenda, o Douto Acórdão ora em crise está em contradição com jurisprudência já transitada em julgado, proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, que, mesmo subsumindo o incumprimento das formalidades impostas pelo referido art. 412º do CPP, impor-se-á, sempre, a obrigação da Relação em sindicar a sentença na parte relativa à decisão da matéria de facto, no sentido de perscrutar se a mesma enfermará de erro na apreciação da prova. 

Termos em que, com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser admitido o presente Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 437º e 438º, do Código de Processo Penal.

Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!


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A fls. 41, em 15-05-2019, foi proferido despacho a ordenar o cumprimento do disposto no artigo 439.º do CPP.  

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Mostra-se junta certidão de fls. 45 a 149 verso, contendo acórdão da 1.ª instância, Juízo Central Criminal de …, de 1-06-2018, de fls. 46 a 71, o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, de fls. 72 a 96, e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de Março de 2019, de fls. 97 a 149 verso.

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Notificada nos termos do artigo 439.º, n.º 1, do CPP, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa apresentou a resposta de fls. 152 a 156, onde após referir o disposto no artigo 437.º do CPP, afirma daí resultar que apenas é admitida a indicação de um só acórdão fundamento e a indicação de mais de um deverá determinar a rejeição do recurso, como tem sido entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no acórdão de 12-07-2007, processo 07P2423.

Quanto à verificação de oposição de julgados, refere que “o recorrente não identifica uma específica e concreta questão de direito, antes elenca diversas questões relativas ao recurso sobre a decisão de facto em processo penal, indicando várias decisões dos tribunais superiores supostamente em contradição com o decidido no acórdão recorrido”.

Acrescenta: “Por outro lado, entre esses acórdãos indica mesmo o do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência com o n.º 3/2012, pelo que a verificar-se a oposição entre o acórdão [e não recurso] recorrido e a jurisprudência uniformizada por aquele aresto o recurso extraordinário a interpor seria o previsto no artigo 446, do CPP.º e não o presente”.

Em conclusão considera que o recurso deve ser rejeitado por violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 437.º do CPP, uma vez que indica não 1 acórdão fundamento mas vários arestos do Supremo Tribunal de Justiça e de Tribunais da Relação supostamente em contradição com o acórdão recorrido; e também porque não individualiza uma questão de direito supostamente em oposição, antes elenca genericamente várias questões relativas à impugnação da decisão de facto.


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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça na vista a que alude o artigo 440.º, n.º 1, do CPP, emitiu douto parecer de fls. 163 a 170, pronunciando-se quanto aos dois recursos nos termos seguintes (Realces do texto):

«O arguido AA vem interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, invocando o disposto no art. 437º nº2 a 4 e 438º, do CPP, em 06.05.2019, do acórdão proferido no Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 20.03.2019, transitado em julgado, no processo supra identificado.

O recorrente alega “não ter sido efetuada correta e adequada aplicação do direito ao caso concreto, estando o mesmo em nítida contradição com a jurisprudência firmada no acórdão de fixação de jurisprudência nº 3/2012 (publicado no DR 77/2012, Série I de 18.04.2012), e também com outras decisões de relações distintas, já transitadas em julgado”.

Alega ainda que o “acórdão recorrido está em nítida e direta contradição com o referido acórdão uniformizador, violando o disposto no art. 413º nº3 e 4 do CPP.”

E alega que, “caso assim se não entenda, o acórdão recorrido é contraditório com o acórdão do STJ de 07.10.20104 proferido no processo nº 3286/2004; e é ainda contraditório com o acórdão do TRE de 09.01.2018, proferido no processo 31/14.3GBFTR.E1”.

2. Tempestividade do recurso:

Conforme se certifica a fls. 45 da presente certidão, o acórdão do TRL foi notificado ao arguido/recorrente, através do seu mandatário, por postal de 20.03.2019, e ao MºPº, por termo nos autos, no dia 21.03.2019.

Considerando-se o arguido legalmente notificado em 25.03.2019, e não admitindo o acórdão recurso ordinário, o mesmo considera-se transitado em julgado em 04.04.2019.

Nos termos do art. 438º nº1 do CPP, o recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. 

Tendo o recurso sido interposto em 06.05.2019, verifica-se ter sido o mesmo atempadamente interposto, e por quem tem legitimidade, pelo que os pressupostos formais para admissão do recurso se encontram preenchidos, nos termos do art. 438º do CPP.

3.Pedido do recurso para uniformização de jurisprudência

No que tange à verificação dos pressupostos de natureza substancial, previstos no art. 437º do CPP, como é jurisprudência uniforme do STJ “São pressupostos de natureza substancial do recurso para fixação de jurisprudência: a oposição de acórdãos, identidade da legislação à luz da qual as respectivas decisões antagónicas foram proferidas e uma conjugação factual idêntica em ambos os acórdãos.

A oposição tem de ser expressa, e não meramente tácita, e incidir sobre a decisão, e não apenas sobre os seus fundamentos, e pressupõe igualmente uma identidade essencial da situação de facto de ambos os acórdãos em confronto.”

Como se fundamenta na Resposta do Mº Pº junto do TRL, de fls. 153 a 156, a qual aqui se dá por reproduzida, considera-se igualmente que o recurso deverá ser rejeitado por violação do disposto no art. 437º e 438º nº2, do CPP, desde logo pela circunstância de o recorrente, ao invés de identificar apenas um acórdão fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição, indica vários acórdãos do STJ e de Tribunais da Relação, alegadamente em oposição com o acórdão recorrido.

Acresce não especificar o recorrente uma específica e concreta questão de direito supostamente em oposição, antes elencando genericamente várias questões alusivas à impugnação de matéria de facto.

Na verdade, o recorrente invocou dois acórdãos que, segundo ele, estão em contradição com o acórdão recorrido: o acórdão do STJ de 07.10.2004, processo nº 3286/2004, e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09.01.2018, processo 31/14.3 GBFTR.E1.

Da leitura dos artigos 437º nºs 1, 2 e 4 e 438º nº 2 do CPP, resulta inequivocamente que a indicação de um único acórdão fundamento, transitado em julgado, configura um dos pressupostos do recurso extraordinário.

A exigência da invocação de um só acórdão fundamento visa “delimitar com toda a minúcia, o âmbito da questão jurídica a dirimir, o que, em princípio, só se alcançará quando colocados defronte, apenas, de 2 pontos de vista exactos, cada um deles expresso no respectivo aresto, sempre suposta uma mesma situação de facto e identidade de legislação”- cfr. Acórdão do STJ de 08.04.2010, (Proc. 311/09.0 YFLSB, disponível em Sumários de Acórdãos do STJ, www.stj.pt.

Neste mesmo sentido, sustenta-se no acórdão do STJ, de 08.03.2007, proc. 325/07-5ª, que, citamos, “a exigência de confrontar apenas dois acórdãos – o recorrido e o fundamento – assenta numa lógica de delimitação precisa da questão ou questões a decidir, o que nem sempre constituindo tarefa linear quando são apenas dois os arestos em confronto, decerto aportaria complicações expandidas quando fossem vários os arestos em presença (arts. 437º nº 1 e 4 e 438º nº 2 do CPP) – cf. Ac. do STJ de 20.01-2005, proc. nº 3659/04-5ª”.

A necessidade de delimitação precisa das questões a decidir tem levado a jurisprudência maioritária do STJ a entender que a indicação de um único acórdão fundamento, transitado em julgado, constitui um pressuposto fundamental do recurso extraordinário e que a consequência da sua não verificação seja a rejeição do recurso.[1])

4. Relativamente ao requerimento para recurso contra jurisprudência fixada

O recorrente alega ainda que o acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Lisboa, está em contradição com o acórdão de uniformização de jurisprudência nº 3/2012 (conclusão N e O).

E requer que, se assim não se entender, se uniformize jurisprudência já que a decisão recorrida é contraditória com outros acórdãos do STJ.

O artº 445º nº 3 do CPP estabelece que «a decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão.»

Assim, resulta da leitura conjugada dos artigos 445º nº 3 e 446º nº 1 do CPP, que é das decisões que «divirjam da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça que se admite o recurso previsto no artº 446º, ou seja, das decisões que não aceitem essa jurisprudência, contestando-a. Não das decisões que, sem afrontarem a referida jurisprudência, deixem de aplicá-la, por desconhecimento ou por dela fazerem uma errada leitura. (…). Só nesses casos se justifica que seja sempre admitido recurso para o Supremo, que será directo se estiver em causa uma decisão de 1ª instância, na medida em que, sendo questionada a validade da jurisprudência por si fixada, se pode equacionar a necessidade de a reexaminar, de acordo com o nº 3 do mesmo artº 446º.» [2]).

Daí que se sustente que «nos casos em que a decisão não afirma qualquer divergência em relação à jurisprudência fixada, isto é, não nega a sua validade, mas a não aplica, por desconhecimento ou mau entendimento, o que pode haver é uma errada aplicação do direito, que, como todas as erradas aplicações do direito, pode ser impugnada na medida em que as vias normais o permitam. Não há, na verdade, qualquer justificação para que uma decisão que não põe em causa a validade da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça admita mais meios de impugnação do que uma decisão que aplica incorrectamente o direito.

(…) Já assim não é no caso de divergência assumida.

(…) Aí, porque é posta em causa a validade da jurisprudência fixada, há necessidade de decidir se ela continua válida. E isso só pode ser feito por meio do recurso extraordinário, visto que se pode colocar a questão do reexame dessa jurisprudência, para o qual só tem competência o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça. Só uma decisão desse tipo justifica o desencadeamento do mecanismo processual destinado a verificar se a jurisprudência fixada continua válida (…).»

Ora, no caso dos presentes autos, o tribunal recorrido não afirmou efectivamente qualquer oposição à jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão nº 3/2012. Diga-se, aliás, que o acórdão do TRL nem fez qualquer referência à jurisprudência fixada no mencionado acórdão.

Não se está, portanto, perante uma decisão com o alcance do artº 446º nº 1 do CPP.

No entanto, ainda que fosse outra a interpretação do artº 446º, sempre se concluiria que a solução a que se chegou no acórdão recorrido não contraria a jurisprudência fixada no referido acórdão uniformizador.

O que acontece é que as situações tratadas num e noutro acórdão são diferentes.

Vejamos.

Do acórdão recorrido, no que respeita ao artº 412º nº 3 do CPP, resulta o seguinte:

«(…) o recorrente «quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do artº 412º do CPP, tem de especificar os concretos pontos de factos que considera incorrectamente julgados, bem como indicar as provas que, no seu entendimento, impunham decisão diversa da recorrida e aquelas que devem ser renovadas».

E entendeu que, no caso concreto, «(…) ao longo da motivação, o recorrente embora manifeste no sentido de pretender formular um pedido de impugnação da matéria de facto e venha indicar de forma genérica quais os factos que considera mal julgados, a verdade é que não indicou de forma descriminada e especificada, quais as provas que em seu entender justificam decisão diversa, embora defenda que a prova documental  (…) assim como as declarações das testemunhas ouvidas em juízo (…) deveriam ter sido valoradas de outra forma, conforme resulta dos pontos 26 a 32 da sua motivação de recurso – limitando-se contudo a reproduzir algumas passagens da motivação do acórdão onde constam referências ao depoimento das mencionadas testemunhas e a fazer considerações genéricas sobre os mesmos e sobre as regras de apreciação e valoração da prova (…).

E sendo assim, embora tenha feito referência genérica à matéria de facto provada descrita na sentença recorrida que considerou incorrectamente julgada (…) não indicou especificadamente quais as provas que no seu entender impunham decisão diversa para cada um dos factos provados que impugnou e também não indicou expressamente e de forma especificada quais as provas que pretende ver renovadas.

Limitou-se a requerer de forma abrangente e generalizada a renovação de toda a prova produzida no que respeita à situação analisada pelo Tribunal a quo que directamente lhe diz respeito, o que no fundo equivale a requerer um segundo julgamento.

(…) Assim sendo, improcede a impugnação de facto nos termos do artº 412º do CPP (…).»

Por sua vez, do acórdão 3/2012 resulta o seguinte:

«(…) o recorrente especificou os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados e indicou as provas concretas que impunham decisão diversa, não os referenciando, contudo, aos respectivos suportes técnicos, nem de uma forma genérica em relação a cada uma das provas, nem pela concretização, indicação das voltas onde começavam e acabavam os depoimentos gravados, nem localizou com precisão, nos respectivos suportes, os excertos das provas com que foi ilustrando os seus pontos de vista, donde não se pode ter por cumprido, substancialmente o ónus de impugnação que a lei lhe impõe.

Em suma, em causa a falta de indicação do ponto onde começam e onde acabam os depoimentos e do local e momento concreto dos excertos, dos segmentos dos depoimentos ou declarações que têm a virtualidade pretendida, a falta de indicação dos minutos e dos segundos das expressões em causa.

No caso do acórdão recorrido, dúvidas não há de que os recorrentes transcreveram excertos e segmentos dos depoimentos e das declarações das concretas provas que em seu entender impunham decisão diversa. A deficiência apontada é apenas no sentido de não terem sido situadas na gravação, o local desses excertos e segmentos.»

Utilizando as palavras do acórdão 3/2012, neste caso, estava «em causa, pois, a interpretação da forma como abordar o tema do grau de exigência a colocar no cumprimento do ónus de especificação do artº 412º nº 3 alínea b) e nº 4 (…)».

E, em face de tal questão, fixou-se jurisprudência no sentido de que “visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412º nº 3, alínea b) do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”.

Ora, o acórdão recorrido não faz qualquer afirmação em sentido contrário à jurisprudência fixada pois, ali, o que está em causa não é o grau de exigência no cumprimento do ónus. É a ausência de cumprimento de tal ónus.

Ou seja, no caso apreciado no acórdão de fixação de jurisprudência, trata-se de uma situação em que o recorrente especificou os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados e indicou as provas concretas que impunham decisão diversa - o que não indicou, foi o ponto concreto da gravação onde começavam e acabavam os depoimentos que tinham a virtualidade pretendida tendo, porém, transcrito os excertos e segmentos dos depoimentos e das declarações das concretas provas que, em seu entender, impunham decisão diversa.

No caso tratado no acórdão recorrido, o recorrente indica apenas de forma genérica e não concreta quais os factos que considera mal julgados e, para além disso, também não indica de forma descriminada e especificada quais as provas que em seu entender justificam decisão diversa. O mesmo será dizer que o fundamento para que o seu recurso em matéria de facto não fosse apreciado não foi o facto de o recorrente ter transcrito os excertos dos depoimentos com a virtualidade pretendida sem os situar, na gravação, ao minuto e ao segundo.

Por isso, a posição assumida no acórdão recorrido não colide com a jurisprudência fixada no AUJ nº3/2012.

5. Parecer

Assim, quanto ao pedido para uniformização de jurisprudência, pronunciamo-nos pela não verificação de um dos seus pressupostos formais do recurso para uniformização de jurisprudência – indicação de, apenas, um acórdão como fundamento da oposição (artigos 437º nºs 1, 2 e 4 e 438º nº 2 do CPP) motivo pelo qual o recurso extraordinário interposto deve ser rejeitado -artigos 440.º, n.ºs 3 e 4 e 441.°, n.° 1, do C.P.P.

E por não estarem reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário contra jurisprudência fixada, previstos no artº 446º nº 1 do CPP, deve o recurso ser liminarmente rejeitado, nos termos dos artigos 420º nº 1 alínea a), 441º nº 1 e 448º do CPP».


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Questão central é a de saber se em sede de impugnação de matéria de facto ao abrigo do disposto no artigo 412.º, n.º 3, do CPP, face a conclusões insuficientes, deve ser formulado convite para a correcção.

      


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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


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Questão prévia – Cumulação de Recurso extraordinário de fixação de jurisprudência e de Recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

O presente caso tem a especificidade de o recorrente interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência ao abrigo do disposto nos artigos 437.º, n.ºs 2 a 4 e 438.º, do CPP, mas depois, intromete um outro recurso extraordinário, nos termos do artigo 446.º do CPP (Recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça), o que é visível do texto das conclusões N) e O), nesta referindo expressamente a violação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2012, sendo que já antes na conclusão G), mencionara estar o acórdão recorrido “em nítida contradição com a jurisprudência já firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em sede uniformizadora, e, também com outras decisões de Relações distintas”, ou seja, o recorrente coloca “em pé de igualdade” um acórdão uniformizador com decisões de Relações.

A convocação dos dois recursos extraordinários é feita em jeito subsidiário, como resulta da expressão “Caso assim não se entenda”, colocada entre as conclusões O) e P), mas no final, pedindo o recorrente apenas a admissão do “Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 437º e 438º, do Código de Processo Penal”.

Da anomalia dá nota a Exma. Procuradora-Geral Adjunta na Relação de Lisboa, na alínea b) – rectius, segunda alínea b) de fls. 155, uma vez que há duas alíneas b) – afirmando que a verificar-se oposição entre o acórdão recorrido e a jurisprudência uniformizada no Acórdão n.º 3/2012, o recurso extraordinário a interpor seria o previsto no artigo 446.º e não o presente.

No parecer emitido a Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal reporta o pedido do recurso para uniformização de jurisprudência no ponto 3, a fls. 164/5 e no ponto 4 relativamente ao requerimento para recurso contra jurisprudência fixada, a fls. 165 a 169.

Cremos ser inconciliável a cumulação dos dois recursos extraordinários, pois que os recursos em causa, partindo de pressupostos diversos, servem objectivos diferentes.

Havendo dois acórdãos em contradição, verificando-se oposição de julgados sobre a mesma questão de direito, procura-se a solução do conflito, optando-se, a final, pela afirmação da tese defendida no acórdão recorrido ou pela adoptada no acórdão fundamento.

Como elucidou o acórdão de 7 de Maio de 2009, proferido no processo n.º 12/03.2IDACBB.C1-A.S1, da 3.ª Secção: “Entre uma decisão de um tribunal superior proferida em recurso ordinário e um acórdão de fixação de jurisprudência jamais poderá ocorrer oposição, dado o especial valor vinculativo deste último, nos termos do n.º 3 do artigo 445.º do CPP.

Poderá é haver contradição entre aquele e este, “conflito” que será dirimido segundo o disposto no n.º 2 do artigo 446.º do CPP: verificando-se tal contradição, deverá ser interposto recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada, nos termos do artigo 446.º, n.º 1, do CPP”.

Como referiu o acórdão de 26-06-2013, proferido no processo n.º 83/04.4IDCBR.C1-A.S1, da 5.ª Secção: “O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do art. 437.º do CPP destina-se a solucionar um conflito jurisprudencial sobre determinada questão de direito entre dois acórdãos de tribunal superior, não podendo qualquer deles ser de fixação de jurisprudência. Se um acórdão do Tribunal da Relação ou do STJ está em oposição com um AFJ, que é sempre deste último tribunal, essa situação é tratada à luz do art. 446.º do CPP, dando lugar a outro recurso extraordinário, o de decisão proferida contra jurisprudência fixada”. (Sublinhado nosso).

No acórdão de 26-09-2013, proferido no processo n.º 454/06.1PASTB.P1-B.S1-5.ª Secção, pode ler-se: “Como pressuposto deste recurso extraordinário, que agora pode ser interposto directamente para o STJ, enquanto que, na vigência da redacção anterior, se entendia (jurisprudencialmente) que era necessário esgotar primeiro os recursos ordinários, a lei exige que a decisão recorrida tenha decidido em sentido divergente ao do acórdão uniformizador de jurisprudência, por não acatamento da sua doutrina. Falta este pressuposto quando o acórdão recorrido foi proferido em data anterior ao AFJ. Como tal, o acórdão recorrido não podia ter decidido em sentido divergente àquele aresto, que ainda não existia, não acatando a sua doutrina.

Não é admissível ao recorrente socorrer-se do recurso previsto no art. 446.º do CPP e, para a hipótese de insucesso, lançar mão, enquanto pedido subsidiário, do recurso para fixação de jurisprudência a que alude o art. 437.º do mesmo Código”.

No acórdão de 11-04-2018, proferido no processo n.º 45/14.3T9FLG.P1-A.S1, desta 3.ª Secção, foi abordada a questão nestes termos: “O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, previsto no art. 437.º, do CPP, é inequivocamente incompatível com o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, previsto no art. 446.º, não se podendo pretender que o STJ fixe jurisprudência, com fundamento na oposição de acórdãos, sobre questão de direito sobre a qual já proferiu decisão de fixação.

Interpondo o recorrente um recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, considerando que inexiste jurisprudência fixada, está-lhe vedado, lógica e necessariamente, interpor em simultâneo, por via de pedido subsidiário, recurso de decisão contra jurisprudência fixada, obstando tal circunstância, a que este STJ se pronuncie sobre o recurso subsidiário. Existindo jurisprudência fixada no AUJ 9/2013, de 14-03, sobre a questão objecto do presente recurso para fixação de jurisprudência é evidente que o mesmo terá de ser rejeitado. (sublinhados nossos).      

Face a um Acórdão de Fixação de Jurisprudência com a eficácia jurídica que lhe é emprestada pela publicação no Diário da República (Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, Diário da República, I-A Série, n.º 261/98, de 11-11), e com a força vinculativa traçada nos termos do artigo 445.º, n.º 3, do CPP, a questão que se coloca não é de conflito ou de oposição; o acórdão de fixação de jurisprudência não pode funcionar como acórdão fundamento; não sendo observada a interpretação fixada pelo Pleno, o que há é violação da jurisprudência fixada e então com o recurso previsto no artigo 446.º do CPP procura-se a afirmação de que houve violação (decisão proferida contra) por parte do acórdão recorrido da doutrina assente, e assim sendo, verificada a violação, deverá ser revogado o acórdão recorrido, sendo a decisão substituída por outra, que se mostre conforme a jurisprudência uniformizada.

Apreciando.

Começando pelo recurso de fixação de jurisprudência.

 

Extrai-se do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 5 de Dezembro de 2012, no processo n.º 105/11.2TBRMZ.E1-A.S1, desta 3.ª Secção:

“O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência constitui uma espécie de recurso classificado como «recurso normativo», por contraposição com o denominado «recurso hierárquico»; no recurso normativo, o objecto é constituído pela determinação do sentido de uma «norma», com força quase obrigatória e, de qualquer modo, geral e abstracta, a benefício directo dos valores da certeza e da segurança jurídica, unificando a interpretação e o sentido de uma norma ou dimensão normativa que os tribunais de recurso consideravam de modo divergente”. (Referindo igualmente o presente recurso como recurso categorialmente designado como “normativo”, que não tem por objecto a decisão de uma questão ou de uma causa, mas apenas a definição do sentido de uma norma – no rigor, a construção jurisprudencial de uma norma ou quase-norma perante divergências de interpretação – veja-se o acórdão de 21-03-2013, proferido no processo n.º 456/07.0TALSD.S1, desta 3.ª Secção).

Nesta perspectiva tinha-se já pronunciado o acórdão de 14-09-2011, proferido no processo n.º 1421/10.6PBSTB.S1 - 3.ª Secção, nestes termos: “Ao atribuir uma determinada interpretação à norma, e essa interpretação reveste uma natureza geral e abstracta, o acórdão de uniformização de jurisprudência assume uma leitura normativa como adequada. Essa interpretação tem por objecto uma norma, sendo certo que, como de modo constante e uniforme tem entendido o TC, para tal efeito há-de operar-se com um conceito funcional de norma, um conceito funcionalmente adequado àquele sistema fiscalizador e consonante com a sua justificação e sentido. O que ali se tem em vista «é o controle dos actos do poder normativo do Estado (lato sensu) –, e em especial do poder legislativo – ou seja, daqueles actos que contêm uma “regra de conduta” ou um “critério de decisão” para os particulares, para a Administração e para os tribunais.
A uniformização de jurisprudência fixa uma das várias interpretações possíveis da lei, cria a norma correspondente, para depois fazer aplicação dela ao caso concreto. Assim, a uniformização traduz a existência de uma norma jurídica elegendo uma determinada interpretação que, em princípio, se impõe genericamente, o que implica, quanto a ela, seja possível o accionamento do processo de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade. No caso, a invocação de uma pretensa inconstitucionalidade deveria ter-se concretizado através do meio processual adequado, que não é o presente recurso”.

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O recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excepcional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objectivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.

Do carácter excepcional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respectiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários.

Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Setembro de 1996, proferido no processo n.º 47.750, publicado na CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 143, face à natureza excepcional do recurso, a interpretação das normas que o regulam deve fazer-se apertis verbis, ou seja, com o rigor bastante para o conter no seu carácter extraordinário e não o transformar em mais um recurso ordinário na prática.

Ou, como se refere no acórdão deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Janeiro de 2003, proferido no processo n.º 1775/02, da 5.ª Secção, que citámos no acórdão de 12 de Março de 2008, no processo n.º 407/08-3.ª Secção, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 253 (5) e no acórdão de 19 de Março de 2009, processo n.º 306/09-3.ª Secção, sendo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, deve entender-se que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras deste recurso deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) por essa excepcionalidade. 

Como referia o acórdão de 8 de Março de 2007, proferido no processo n.º 325/07, da 5.ª Secção “Quando se entra no domínio dos recursos extraordinários todos estarão cientes de que o trilho é excepcional, não apenas quanto à sua emergência e tramitação, como no rigor das suas exigências formais para com todos os sujeitos processuais”.

No mesmo sentido pronunciaram-se os acórdãos de 26-04-2007, proferido no processo n.º 604/07-5.ª Secção; de 05-09-2007, por nós relatado no processo n.º 2566/07-3.ª Secção; de 14-11-2007, processo n.º 3854/07-3.ª Secção; de 23-01-2008, processo n.º 4722/07-3.ª Secção; de 12-03-2008, por nós relatado no processo n.º 407/08-3.ª Secção, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 253; de 26-03-2008, processo n.º 804/08-3.ª Secção; de 19-03-2009, por nós relatado no processo n.º 306/09; de 15-09-2010, por nós relatado no processo n.º 279/06.4GGOAZ.P1-A.S1-3.ª Secção; de 11-05-2011, processo n.º 89/09.7GCGMR-A.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto (Sendo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, é entendimento deste STJ que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes por essa excepcionalidade); de 20-10-2011, processo n.º 1455/09.3TABRR.L1-A.S1, em que interviemos como adjunto (Sendo o recurso em causa um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, é entendimento comum do STJ que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso se deve fazer com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) a essa excepcionalidade); de 30-01-2013, por nós relatado no processo n.º 1935/09.0TAVIS.C1-A.S1-3.ª Secção; de 21-10-2015, por nós relatado no processo n.º 1/12.6GBALQ.L1-A.S1-3.ª Secção; de 20-04-2016, processo n.º 22/03.0TELSB.L1-A.S1-3.ª Secção; de 21-09-2016, processo n.º 2487/10.4TASXL.L1-A.S1-3.ª Secção; de 9-11-2016, processo n.º 196/14.4JELSB-G-L1.S1; de 19-04-2017, por nós relatado no processo n.º 175/14.1GTBRG.G1-A.S1; de 27-04-2017, por nós relatado no processo n.º 559/14.5TABRG.G1-A.S1; de 15-11-2017, por nós relatado no processo n.º 3737/09.5TDLSB.L2.E1-B.S1; de 11-04-2018, por nós relatado no processo n.º 324/14.0TELSB-V.L1-A.S1; de 13-09-2018, por nós relatado no processo n.º 833/03.6TAVFR.P4.S1-B, da 3.ª Secção; de 12-12-2018, por nós relatado no processo n.º 1001/16.2T8OLH-E1-A.S1; de 2-10-2019, por nós relatado no processo n.º 3773/12.4TBPTM.E1-A.S1.

E de igual modo no recurso de decisão contra jurisprudência fixada, como se pode ver no acórdão de 5 de Janeiro de 2011, proferido no processo n.º 86/08.0TAMFR.L1-A.S1-3.ª, na confluência deste recurso com o previsto no artigo 446.º do CPP, por estar em causa o trânsito em julgado do AUJ e a respectiva eficácia externa emprestada pela publicação no Diário da República, com voto de vencido, afirma-se: “A lei estabeleceu certos e determinados requisitos para a interposição do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência. Pelo carácter excepcional deste recurso, que impugna decisões transitadas em julgado, estes requisitos são insusceptíveis de «adaptação», que poderia por em causa interesses protegidos pelo caso julgado, fora das situações expressamente previstas na lei, pelo que se não lhe aplica o vertido no art. 265.º-A, do CPC”). Mais recentemente, no mesmo sentido, o acórdão de 6-04-2016, por nós relatado no processo n.º 521/11.0TASCR.L1-A.S1 e o acórdão de 1-02-2017, por nós relatado no processo n.º 446/07.3ECLSB.L1.S1.

Aliás, idêntico grau de exigência se coloca nos recursos extraordinários de revisão de sentença, como assinalámos nos acórdãos de 8 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 1594/01.9TALRS.GF.S1, de 12-10-2016, processo n.º 1265/10.5JAPRT-J.S1, de 17-05-2017, processo n.º 53/14.4PTVIS-A.S1, de 7 de Junho de 2017, processo n.º 40/11.4GTPTG-B.S1, de 30-05-2018, processo n.º 442/12.9PAENT-E.S1, de 20-06-2018, processo n.º 1014/11.0PHMTS-B.P1.S1, de 27-06-2018, processo n.º 1108/12.5PCSNT-A.S1, de 28-11-2018, processo n.º 100/15.2GECUB-B.S1, e de 16-05-2019, processo n.º 350/13.4TASTB-C.S1.


***

Os pressupostos de prosseguimento do recurso decorrem, no essencial, do disposto nos artigos 437.º e 438.º do CPP.

Estabelece o artigo 437.º do Código de Processo Penal, na redacção dada pela 15.ª alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, (Diário da República, I Série, n.º 166, de 29-08, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, Suplemento n.º 207, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República, n.º 216, de 09 de Novembro), entrada em vigor em 15-09-2007, e intocado nas subsequentes alterações:

1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5. O recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.


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Nos termos do n.º 1 do artigo 438.º do mesmo Código, o recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

O n.º 2 do mesmo preceito contempla a necessidade de observância de determinados requisitos, como o recorrente identificar o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação, devendo justificar a oposição que origina o conflito de jurisprudência.

O “Assento” n.º 9/2000, de 30 de Março de 2000, publicado no Diário da República, I Série - A, de 27 de Maio de 2000, fixou jurisprudência no sentido de que, no requerimento de interposição de recurso deveria constar, sob pena de rejeição, para além dos requisitos exigidos no n.º 2 do artigo 438.º, o sentido em que deveria fixar-se a jurisprudência cuja fixação era pretendida.

O acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 5/2006, de 20 de Abril de 2006, publicado no Diário da República, I Série - A, de 6 de Junho de 2006, que reputou ultrapassada a jurisprudência assim fixada, procedeu ao seu reexame, e fixou-a no sentido de que no requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência o recorrente ao pedir a resolução do conflito não tem de indicar o sentido em que deve fixar-se jurisprudência.

 

Sendo basicamente necessário o confronto de dois acórdãos que relativamente à mesma questão de direito assentem em soluções opostas, o artigo 437.º do Código de Processo Penal faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência da existência de determinados pressupostos e o artigo 438.º identifica o tempo, o modo e o efeito da interposição do recurso.


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Da legitimidade

Verifica-se no caso em apreciação, nos termos do n.º 5 do artigo 437.º do Código de Processo Penal, a legitimidade do recorrente condenado pela prática de um crime de abuso de confiança agravado, na pena de 4 anos de prisão e de um crime de falsificação de documentos, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo.

Da tempestividade

Vejamos se é tempestivo o recurso.

      

O acórdão proferido em 1-06-2018, em função do recurso interposto pelo arguido para o Tribunal Relação de Lisboa, que proferiu acórdão em 20-03-2019, transitou em julgado em 04-04-2019.

O requerimento de interposição do presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência foi enviado para a Relação de Lisboa, em 6 de Maio de 2019, conforme certidão de fls. 45.

Tendo transitado em 4 de Abril de 2019, os 30 dias para interposição do recurso perfizeram-se no dia 4 de Maio, que foi sábado, pelo que se transfere o termo do prazo, de acordo com o artigo 138.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 104.º, n.º 1, do CPP, para o 1.º dia útil seguinte, no caso o dia 6 de Maio, dia da apresentação do requerimento do presente recurso.

Sendo fundamento do prosseguimento dos autos a interposição nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado do acórdão recorrido, tal requisito mostra-se preenchido, pois o recurso deu entrada com observância daquele período temporal.

Há que concluir, portanto, que o recurso é tempestivo.

Oposição de julgados

Para além dos requisitos de ordem formal, como o trânsito em julgado de ambas as decisões, a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido, a invocação de acórdão anterior ao recorrido que sirva de fundamento ao recurso e a identificação do acórdão - fundamento, com o qual o recorrido se encontra em oposição, indicando-se o lugar da sua publicação, se estiver publicado, é necessária a verificação de outros pressupostos de natureza substancial, como a justificação da oposição entre os acórdãos, que motiva o conflito de jurisprudência e a verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões.

    

Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 1989, in AJ, n.º 2, «É indispensável para se verificar a oposição de julgados:

a) – que as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes (e não apenas contraposição de fundamentos ou de afirmações) para a mesma questão fundamental de direito;

b) – que as decisões em oposição sejam expressas (e não implícitas);

c) – que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos.  

A expressão “soluções opostas” pressupõe que nos dois acórdãos é idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos».

Segundo o acórdão de 25 de Setembro de 1997, proferido no processo n.º 684/97-3.ª Secção, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Gabinete de Assessoria, n.º 13, pág. 142, são pressupostos da admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência na oposição de acórdãos da mesma Relação:

- existência de soluções opostas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento;

- relativamente à mesma questão de direito;

- no domínio da mesma legislação;

- identidade das situações de facto contempladas nas decisões em confronto; e

- julgados explícitos ou expressos sobre idênticas situações de facto.

No que respeita aos requisitos legais (decisões opostas proferidas sobre a mesma questão de direito e identidade de lei reguladora - requisitos resultantes directamente da lei), a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de forma uniforme e pacífica, aditou, de há muito e face ao disposto então no artigo 763.º do Código de Processo Civil, a incontornável necessidade de identidade dos factos contemplados nas duas decisões e de decisão expressa, não se restringindo à oposição entre as soluções ou razões de direito.

Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Novembro de 1966, proferido no processo n.º 61.536, publicado no BMJ n.º 161, pág. 354, não há oposição que legitime o recurso para o Tribunal Pleno quando o acórdão invocado em oposição só implicitamente se pronunciou sobre a questão controvertida.

Como se extrai do acórdão de 23 de Maio de 1967, proferido no processo n.º 61.873, in BMJ n.º 167, pág. 454, de entre os requisitos de seguimento de um recurso para o Tribunal Pleno, era “indispensável, ainda, segundo a orientação deste Supremo Tribunal, que sejam idênticos os factos contemplados nos dois acórdãos e que em ambos sejam expressas as decisões”.

Neste sentido, podem ver-se ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 1963, BMJ n.º 124, pág. 633; de 25 de Maio de 1965, BMJ n.º 147, pág. 250; de 08 de Fevereiro de 1966, BMJ n.º 154, pág. 263 e de 21 de Fevereiro de 1969, BMJ n.º 184, pág. 249.

Como se diz no acórdão deste Supremo Tribunal de 13-01-2000, proferido no processo n.º 1129/99, “Para haver oposição de acórdãos, é indispensável que sejam idênticos os factos neles contemplados e que em ambos a decisão seja expressa, isto é, a questão fundamental de direito resolvida pelos arestos em sentido contrário deve ter sido por eles directamente examinada e decidida, não sendo suficiente que num acórdão possa ver-se aceitação tácita de doutrina contrária à enunciada no outro”.   

Como se extrai do acórdão de 10-10-2001, proferido no processo n.º 1070/01- 3.ª Secção, as expressões normativas soluções opostas relativas à mesma questão de direito constantes do artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, exigem que essa mesma questão integre o objecto concreto e directo das duas decisões, objecto naturalmente fundado em circunstancialismo fáctico essencialmente idêntico do ponto de vista dos seus efeitos jurídicos.

Segundo o acórdão de 13 de Fevereiro de 2008, proferido no processo n.º 4368/07-5.ª Secção, a exigência de soluções antagónicas pressupõe identidade de situações de facto, pois não sendo elas idênticas, as soluções de direito não podem ser as mesmas. 

 

A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem sido constante neste sentido ao longo do tempo - cfr. acórdãos de 11-07-1991, processo n.º 42.043; de 26-02-1997, processo n.º 1173, SASTJ, n.º 8, pág. 102; de 06-03-2003, processo n.º 4501/02-3.ª Secção, in CJSTJ 2003, tomo 1, pág. 228; de 28-09-2005, processo n.º 642/05-3.ª, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 178; de 18-10-2006, processo n.º 3503/06-3.ª; de 23-11-2006, processo n.º 3032/06-5.ª; de 10-01-2007, processo n.º 4042/06-3.ª; de 06-02-2008, processo n.º 4195/07-3.ª; de 27-02-2008, processo n.º 436/08-3.ª; de 27-03-2008, processo n.º 670/08-5.ª Secção; de 03-04-2008, processo n.º 4272/07-5.ª, in CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 194; de 16-09-2008, processo n.º 2187/08-3.ª; de 02-10-2008, processo n.º 2484/08-5.ª; de 08-10-2008, processo n.º 2807/08-5.ª; de 12-11-2008, processo n.º 3541/08-3.ª, CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 221; de 12-02-2009, processo n.º 3542/08-5.ª; de 15-04-2009, processo n.º 3263/08-3.ª; de 01-10-2009, processo n.º 107/07.3GASPS-B.C1-A.S1-3.ª; de 10-02-2010, processo n.º 583/02.0TALRS.L1-A.S1-3.ª, de 18-02-2010, processo n.º 12.323/03.2TDLSB.L1-A.S1-5.ª; de 03-03-2010, processo n.º 6965/07.4TDLSB.L1-A.S1-3.ª; de 24-10-2013, processo n.º 1/03.7PILSB.CS1-5.ª; de 13-02-2014, processo n.º 1527/08.1GBABF.E1-A.S1-5.ª (Necessário que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos. Sempre que as decisões, recorrida e fundamento, partam de diferentes realidades de facto não têm como efeito fixar soluções diferentes para a mesma questão de direito) e n.º 1006/09.PAESP.P1.-B.S1-5.ª Secção (Não se pode defender que a mesma factualidade tenha de corresponder a uma identidade absoluta).

Explicitam os citados acórdãos de 03-04-2008, de 02-10-2008, de 08-10-2008 e de 12-02-2009, todos do mesmo Relator, que a expressão “soluções opostas” «pressupõe que nos dois acórdãos seja idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos; se nas decisões em confronto se consideraram idênticos factores, mas é diferente a situação de facto de cada caso, não se pode afirmar a existência de oposição de acórdãos para os efeitos do n.º 1 do art. 437.º do CPP».

Segundo o acórdão de 13 de Fevereiro de 2008, proferido no processo n.º 4368/07-5.ª Secção, a exigência de soluções antagónicas pressupõe identidade de situações de facto, pois não sendo elas idênticas, as soluções de direito não podem ser as mesmas. 

E de acordo com o acórdão de 10 de Julho de 2008, processo n.º 669/08 e de 25 de Março de 2009, processo n.º 477/09, ambos da 5.ª Secção, o recurso para fixação de jurisprudência tem de assentar em julgados explícitos ou expressos sobre situações de facto idênticas, sendo necessário, como requisito prévio, que tenha havido decisões jurídicas fundamentadas e expressas sobre o mesmo ponto de direito, por dois tribunais superiores e em sentido oposto, sendo necessário, na explicitação do acórdão de 3 de Julho de 2008, processo n.º 1955/08-5.ª, que ambos se debrucem especificamente sobre a questão jurídica que esteve na base da decisão diferente.

Podem ver-se ainda os acórdãos de 12-03-2009, processo n.º 576/09-5.ª Secção (perfilada uma questão de direito, importa que se enunciem “soluções” para ela, que se venham a revelar opostas; os dois acórdãos têm que assentar em soluções opostas. A oposição deve ser expressa e não tácita; tem que haver uma tomada de posição explícita divergente quanto à mesma questão de direito; interessa pois que a situação fáctica tenha os mesmos contornos, no que releva para desencadear a aplicação das mesmas normas); de 15-04-2009, processo n.º 3263/08-3.ª Secção; de 10-09-2009, processo n.º 458/08.0GAVGS.C1-A.S1-5.ª (interessa que a situação fáctica se apresente com contornos equivalentes, para o que releva no desencadeamento da aplicação das mesmas normas) e de 10-09-2009, processo n.º 183/07.9GTGRD.C1.S1-3.ª, onde se refere: «Situação de facto idêntica para efeitos de recurso de fixação de jurisprudência é apenas a que consta dos acórdãos legitimados à fixação, no caso a matéria de facto fixada respectivamente em cada acórdão da Relação. (…).

Se a matéria de facto provada nos acórdãos da Relação é diferente, implicando consequência jurídica também diferente, é óbvio que não pode dizer-se que houve soluções divergentes que conduziram a soluções opostas relativamente a mesma questão jurídica. (…) Somente após a fixação da matéria de facto provada se pode definir e decidir o direito, pois que é sobre a matéria de facto, definitivamente estabelecida, que incide depois o direito constante da lei aplicável.

É a matéria de facto que gera a questão de direito e convoca à aplicação da lei e não o contrário.

E somente depois de fixada a questão de facto é que surge a questão de direito.

Por isso se compreende que somente perante situações jurídicas decididas de forma oposta perante matéria de facto idêntica é que pode configurar-se recurso de fixação de jurisprudência, verificados os demais pressupostos».

No mesmo sentido ainda os acórdãos de 28-10-2009, processo n.º 326/05.7IDVCT-B e processo n.º 536/09.8YFLSB-A.S1, e de 05-05-2010, processo n.º 61/10.4YFLSB, todos da 3.ª Secção.

Ainda de acordo com o acórdão de 13-01-2010, processo n.º 611/09.9YFLSB.S1-3.ª Secção, a oposição tem de ser expressa, e não meramente tácita, e incidir sobre a decisão, e não apenas sobre os seus fundamentos, e pressupõe igualmente uma identidade essencial da situação de facto de ambos os acórdãos em confronto.

Para o acórdão de 14-03-2013, proferido no processo n.º 4201/08.5TDLSB.L1-A.S1, da 5.ª Secção, “não basta, para o efeito da determinação relevante da oposição de julgados, referida no art. 437.º do CPP, que uma das decisões seja equivalente, na prática, à que resultaria da questão jurídica, dita em oposição, ter sido decidida num determinado sentido, pois torna-se necessário que expressamente a decida, num sentido ou noutro, de preferência, de forma fundamentada.

Na verdade, o recurso para uniformização de jurisprudência não é um recurso ordinário, de que o sujeito processual lance a mão para retificar um determinado erro de julgamento. Daí que tenha requisitos muito limitativos e um deles é que as questões de direito em oposição tenham sido abordadas e decididas de forma expressa e não de forma meramente implícita”.

Para o acórdão de 19-06-2013, processo n.º 11197/10.1TDLSB.L1-A.S1-3.ª Secção “A expressão “soluções opostas” pressupõe que em ambas as decisões seja idêntica a situação de facto, com expressa resolução da questão de direito e que a oposição respeite às decisões e não aos fundamentos”.

Extrai-se do acórdão de 10-04-2014, processo n.º 201/11.6GTSTB.L1-A.S1 - 3.ª Secção: Segundo a doutrina do STJ, os requisitos substanciais ocorrem quando os acórdãos tenham consagrado soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito, quando as decisões em oposição sejam expressas e quando as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as decisões.

Quando são diferentes as situações de facto não existe um paralelismo na consumação do silogismo judiciário cuja diferenciação de conclusões origina o conflito jurisprudencial.

Uma situação é a de, em termos de convicção, o tribunal fundar-se em prova indiciária, cuja admissibilidade radica no art. 125.º do CPP, outra, completamente distinta, é a afirmação inscrita no acórdão-fundamento de que tem de se provar no processo crime a existência da vantagem patrimonial, fazendo-se a destrinça relativamente aos valores encontrados pela Administração Fiscal com recursos a métodos indiciários.
Para o acórdão de 30-04-2014, processo n.º 14/09.5TARGR.L1-A.S1 - 3.ª Secção:
São requisitos de ordem substancial:

- a existência de oposição entre dois acórdãos do STJ, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão de uma Relação e um do STJ;
- a oposição referir-se a matéria de direito, e no domínio da mesma legislação;
- as decisões em oposição serem expressas, e não meramente implícitas;
- a oposição referir-se à própria decisão, e não aos seus fundamentos;
- a identidade fundamental da matéria de facto.

No caso, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento têm exatamente o mesmo entendimento sobre a interpretação da norma do art. 374.º, n.º 2, do CPP, nomeadamente quanto à exigência de, para além da indicação das provas, a sentença ter de fazer um exame crítico das mesmas e explicitar as razões da convicção formada quanto à fixação dos factos.

Apesar da coincidência quanto à questão de direito, o tribunal decidiu-se, num caso, pelo cumprimento do preceito em causa, e consequentemente pela inexistência da nulidade, e no outro, em sentido contrário. Contudo, essa divergência resultou da aplicação concreta a cada caso, da singularidade da fundamentação de cada uma das sentenças analisadas, com os seus específicos contornos, resultantes da diversa factualidade analisada por cada uma e não de uma qualquer discordância quanto ao sentido da norma.

Não havendo, pois, oposição dos acórdãos recorrido e fundamento quanto à questão de direito assinalada – interpretação do art. 374.º, n.º 2, do CPP – não existe oposição de julgados, não podendo o recurso prosseguir por carência deste requisito.
Segundo o acórdão de 30-04-2014, processo n.º 1721/09.8JAPRT.P1.S2-A-5.ª Secção

 “Se duas diferentes situações de facto justificam soluções de direito distintas, não existe oposição de julgados entre acórdãos em conflito, relevante para efeitos de recurso para fixação de jurisprudência”.

Para o acórdão de 24-09-2014, processo n.º 625/11.9TATNV.C2-A.S1-3.ª Secção “Atenta a natureza extraordinária do recurso para fixação de jurisprudência o legislador subtrai a sua disciplina substantiva e adjectiva à estruturação dos recursos ordinários, concentrando os requisitos materiais na norma excepcional do art. 438.º, n.º 2, do CPP. A estes requisitos legais, o STJ, de forma pacífica, aditou a necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito, ou seja, esse pressuposto não abdica de uma identidade factual emérita de julgados de direito opostos. Não se justifica a intervenção de uniformização do STJ quando questões distintas no plano factual receberam diversas soluções de direito”.

Podem ver-se ainda, i. a., os acórdãos de 23-04-2014, processo n.º 828/11.6IDLSB-A.S1-3.ª Secção; de 30-04-2014, processo n.º 14/09.5TARGR.L1-A.S1-3.ª Secção; de 11-12-2014, processo n.º 356/11.0IDBRG.G1-A.S1-5.ª Secção (só perante a identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que quanto à mesma questão de direito existem soluções opostas); de 28-01-2015, processo n.º 118/08.1PALRS.L1-A.S1-3.ª; de 24-06-2015, processo n.º 536/14.6SLSB.L1-A.S1-3.ª; de 1-07-2015, processo n.º 735/09.2TAOAZ.P1-A.S1-3.ª; de 27-01-2016, processo n.º 1433/06.4SILSB.L1-A.S1-3.ª; de 21-09-2016, por nós relatado no processo n.º 2487/10.4TASXL.L1-A.S1-3.ª; de 19-04-2017, processo n.º 175/14.1GTBRG.G1-A.S1-3.ª; de 15-11-2017, processo n.º 3737/09.5TDLSB.L2.E1.-B.S1. - 3.ª; de 11-04-2018, por nós relatado no processo n.º 324/14.0TELSB.-V.L1-A.S1- 3.ª Secção.

Do acórdão fundamento único

O recorrente funda o presente recurso na oposição entre o acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Março de 2019, tendo indicado vários acórdãos fundamento, como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7-10-2004, proferido no processo n.º 3286/2004, incluindo os aí mencionados (acórdãos de 26-09-2001, processo n.º 2263/01, de 18-10-2001, processo n.º 2374/01, de 10-04-2002, processo n.º 153/00, de 5-06-2002, processo n.º 1255/02, de 7-11-2002, processo n.º 3158/02-5.ª Secção e de 15-5-2003, processo n.º 985/03-5.ª Secção) e acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 9-01-2018, proferido no processo n.º 31/14.3GBFTR.E1, referenciando ainda neste plano o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2012.

  

Este Supremo Tribunal tem entendido, no quadro da já assinalada excepcionalidade deste recurso extraordinário, a necessidade de indicar-se um único acórdão fundamento, como já defendemos nos acórdãos por nós relatados de 5 de Setembro de 2007, processo n.º 2566/07, de 12 de Março de 2008, processo n.º 407/08, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 254, de 20 de Abril de 2016, processo n.º 22/13.0TELSB.L1-A.S1, de 21 de Setembro de 2016, processo n.º 2487/10.4TASXL.L1-A.S1 e de 12 de Dezembro de 2018, processo n.º 1001/16.2T8OLH-E1-A.S1, cujos textos ora se seguirão.

Como se refere nos acórdãos de 20-01-2005, processo n.º 3659/04-5.ª Secção, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 175 (convocando acórdão de 10-10-2002, relatado pelo mesmo Relator no processo n.º 2354/02) e de 08-03-2007, processo n.º 325/07-5.ª Secção, “a exigência de confrontar apenas dois acórdãos - o recorrido e o fundamento - assenta numa lógica de delimitação precisa da questão ou questões a decidir, o que nem sempre constituindo tarefa linear quando são apenas dois os arestos em confronto, decerto aportaria complicações expandidas quando fossem vários os arestos em presença”.

É jurisprudência pacífica neste Supremo Tribunal que há que dar cabal cumprimento ao requisito formal deste recurso extraordinário consistente na indicação de apenas um acórdão fundamento e que a menção de mais de um acórdão fundamento conduz à rejeição do recurso – acórdãos de 17-11-1994, proferido no processo n.º 41.783, in CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 254; de 16-10-1996, processo n.º 47.957-3.ª Secção, em Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Gabinete de Assessoria, n.º 4, Outubro de 1996, pág. 81/2 (O facto de o recorrente haver indicado dois acórdãos contendo soluções opostas sobre a mesma questão de direito em confronto com o acórdão recorrido, impede que possa considerar-se como verificada qualquer oposição de acórdãos, em virtude de não se saber qual dos indicados acórdão deverá ser escolhido para servir de fundamento, já que não compete a este Supremo Tribunal a sua escolha. Ocorrendo esta hipótese, o recurso terá de ser rejeitado, em obediência ao disposto no art. 441.º, n.º 1, do CPP); de 12-03-2003, processo 4623/02-3.ª Secção; de 27-11-2003, processo 465/02-5.ª Secção; de 03-12-2003, processo 3161/03-3.ª; de 27-04-2005, processo n.º 3657/04-3.ª; de 05-05-2005, processo n.º 1552/05-5.ª; de 28-09-2005, processo n.º 642/05-3.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 178; de 14-12-2005, processo n.º 3602/05-3.ª; de 04-01-2006, processo n.º 3786/05-3.ª; de 18-01-2006, processo n.º 4120/05-3.ª; de 30-11-2006, processo n.º 4334/06-5.ª Secção e de 14-11-2007, processo n.º 3854/07-3.ª Secção.

Tal doutrina sempre foi uniforme, como dá conta o referido acórdão de 17 de Novembro de 1994, proferido no processo n.º 41.783, publicado na CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 254, de que se passa a citar o seguinte trecho:

“… desde o primeiro Assento proferido por este Supremo Tribunal (Assento de 16 de Dezembro de 1927, no Diário do Governo, II série, de Janeiro de 1928), tem sido uniforme o entendimento de que, para formulação de um Assento, quer de natureza civil, quer de natureza penal, nos termos do Código do Processo Penal de 1929 e da legislação anterior que o antecedeu e o preparou, e relativamente ao concreto ponto de direito que se diz ter sido decidido em sentidos opostos, é indispensável que se indiquem o acórdão recorrido e um só acórdão que com ele esteja em oposição, uma vez que, se assim não for feito, se não poderá considerar como válida e processualmente relevante, a indicação de vários acórdãos fundamento sobre o mesmo ponto de direito, e, em consequência, não poderá ter adequado andamento o recurso para fixação de jurisprudência”.

Pereira Madeira, no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, 2.ª edição revista, págs. 1439-1440, comentando o artigo 437.º, aduz: “Não sendo cumpridas as exigências previstas no artigo, não há lugar a «convite» aos recorrentes, para suprir a falha. Por um lado, porque o processo penal não alberga, muito menos em termos genéricos, um qualquer princípio geral de «convite» à correcção ou aperfeiçoamento das peças processuais defeituosas. Tal como se expressam Simas Santos e Leal – Henriques (Recursos em Processo Penal, 5.ª ed., págs. 180), o requerimento de interposição do recurso extraordinário de que se fala há-de satisfazer imperativamente as exigências formais referidas, nomeadamente do artigo 438.º, n.º 2, citado. Sem hipóteses de emenda por via de convite. «(…) O que leva a concluir que a ideia do convite para colmatar omissões não flua claro do diploma, como sucede em processo civil. Muito pelo contrário: há até neste novo ordenamento processual penal uma linha de rejeição de tudo quanto seja contemporizar com atitudes das partes que se traduzam numa subtracção ao compromisso de esforço que lhes é pedido. Ora, o requerimento tem como único escopo o estabelecimento da oposição relevante dos dois acórdãos (fundamento e recorrido), pelo que o incumprimento das regras da sua elaboração não se traduz numa falha menor, mas na sua falência total».   

Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, Abril 2011, pág. 1193, indica que não pode ser invocado mais do que um acórdão fundamento, citando o referido acórdão de 17 de Novembro de 1994 e o acórdão por nós relatado em 12-03-2008 no processo n.º 407/08, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 254.

 

No caso sujeito a apreciação o recorrente indica sobre a mesma matéria de direito os apontados acórdãos fundamento, sendo de rejeitar o recurso, por inadmissibilidade, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do CPP.

Nestes casos, como tem decidido igualmente de forma uniforme o Supremo Tribunal, não é de formular convite à eventual correcção da petição, porque como se diz de forma clara no acórdão de 18-01-2006, processo n.º 4120/05-3.ª Secção, já referido, a lei não contempla a hipótese, de resto, numa atitude de rigor, típica dos interesses específicos do processo penal, associada à ideia reinante no nosso ordenamento jurídico-processual de rejeição de tudo quanto seja contemporizar com as atitudes das partes que se traduzam numa subtracção ao compromisso do esforço que lhes é pedido, com as quais se não condescende - cfr. os acórdãos supra referidos e ainda de 13-01-2005, processo n.º 2809/04-5.ª Secção, o já citado acórdão de 28-09-2005, processo n.º 642/05-3.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 178, onde se refere que a indicação de um (único) acórdão fundamento, transitado em julgado, constitui um pressuposto fundamental do recurso extraordinário, que devendo constar do requerimento de interposição (art. 438.º, n.º 2, do CPP), não poderá ser corrigido. No caso, o requerente não indicara qualquer acórdão que estivesse em divergência com o acórdão recorrido (acórdão fundamento), não podendo valer como indicação a simples remissão para o texto e para as indicações jurisprudenciais constantes do acórdão recorrido. Foi ponderado: “A possibilidade de completar as conclusões, quando contenham deficiências, não abrange a superação de deficiências ou omissões do próprio requerimento ou da motivação”, pelo que, a referida deficiência, insusceptível de correcção por afectar o requerimento (e a motivação) e não só as conclusões, determina a rejeição do recurso, nos termos dos arts. 411.º, n.º 3, 412.º, n.º 1, 414.º, n.º 2, 437.º, 438.º e 448.º, todos do CPP, aqui convocando o acórdão do STJ de 27 de Abril de 2005, processo n.º 3657/04; de 26-04-2007, processo n.º 604/07-5.ª Secção, de 05-09-2007, por nós relatado no processo n.º 2566/07-3.ª, e já no domínio da nova redacção de 2007, o acórdão de 14-11-2007, processo 3854/07-3.ª Secção e de 23-01-2008, processo n.º 4722/07-3.ª Secção.

Como se referiu no acórdão de 12-03-2008, por nós relatado no processo n.º 407/08, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 254, não é de formular convite à eventual correcção da petição, porque sendo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, deve entender-se que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso, deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) por essa excepcionalidade – assim, acórdão de 23-01-2003, processo n.º 1775/02-5.ª Secção.

Extrai-se do acórdão de 15-06-2011, proferido no processo n.º 344/04.2GTSTR.S1.A-3.ª Secção, com um voto de vencido: A norma do artigo 440.º do CPP, que estrutura este recurso extraordinário, não prevê o recurso à correcção consentido no art. 417.º, n.º 3, do mesmo diploma (ainda que com a limitação do n.º 4 que restringe a possibilidade de correcção ao texto da própria motivação do recurso).

Ao não indicar um acórdão que se encontre em oposição com o recorrido, mas nove, o recorrente não observa os requisitos a que está sujeito o requerimento de interposição do recurso para fixação de jurisprudência, o que determina a sua rejeição liminar.

Essa rejeição liminar, sempre que é excedida a unidade de acórdão-fundamento, tem plena conformidade constitucional, não violando o princípio de acesso ao Direito e à Justiça plasmado no art. 20.º da CRP (cf. Ac. do TC n.º 502/96, de 20-03-96, in DR II Série, de 27-02-1997).

Segundo o acórdão de 29-06-2011, proferido no processo n.º 372/07.6TAALB.C1.A.S1, da 3.ª Secção:

“Sempre que o recorrente indica, não um, mas três acórdãos, como fundamento de oposição viola o disposto no art. 437.º, n.º 1, do CPP, inviabiliza a análise, em concreto, da oposição de julgados, que terá de fazer-se a partir da apreciação da matéria de facto, da sua motivação de direito e do próprio teor de cada decisão.

Sendo ónus do recorrente indicar o acórdão fundamento, não cabe ao STJ «escolher» um dos indicados, nem «convidar» o recorrente a corrigir ou aperfeiçoar a sua petição de recurso. Com efeito, a lei prevê apenas a possibilidade de tal «convite» no caso de a petição de recurso não conter conclusões ou não fazer as indicações referidas nos n.ºs 2 a 5 do art. 412.º do CPP, conforme dispõe o art. 417.º, n.º 3, do mesmo diploma.

A omissão pura e simples ou a indicação de várias decisões não identificam o acórdão escolhido para sustentar a oposição. Trata-se, pois, de falta de um requisito de admissibilidade do recurso e, como tal, insusceptível de suprimento através de «convite» endereçado pelo Tribunal, que, a efectivar-se, redundaria numa frontal violação do princípio da imparcialidade.

Nesta conformidade, a não verificação de um requisito de admissibilidade do recurso (identificação do acórdão-fundamento), determina a sua rejeição liminar”.

Neste sentido, pode ver-se o acórdão de 6-07-2011, proferido no processo n.º 127/08.0ECLSB.L1-A.S1, da 5.ª Secção.

Refere o acórdão de 13-02-2013, proferido no processo n.º 561/08.6PCOER-A.L1.S1-3.ª Secção: “Constitui infracção dos pressupostos legais deste recurso a invocação pelo recorrente de não apenas um acórdão, mas de dois acórdãos do STJ, pois não cabe a este Supremo Tribunal seleccionar qual o acórdão-fundamento que melhor serve os interesses do recorrente na demonstração da oposição de julgados.

Extrai-se do acórdão de 21-03-2013, proferido no processo n.º 456/07.0TALSD-3.ª Secção - Dos requisitos exigidos pelos artigos 437.º e 438.º do CPP resulta inequivocamente não ser possível invocar-se mais do que um acórdão fundamento e, muito menos, conhecer-se e decidir-se sobre questões plúrimas e diversas.

Como acentua o acórdão de 12-06-2013, proferido no processo n.º 4629/07.8TDLSB.L1-B.S1-5.ª Secção, só pode ser indicado um acórdão - fundamento.

Ponderou o acórdão de 19-06-2013, proferido no processo n.º 11197/10.1TDLSB.L1-A.S1-3.ª Secção, “Como resulta expressamente do art. 438.º, n.º 2, do CPP, a verificação da oposição de julgados só pode ter por objecto duas decisões precisas e concretas – o acórdão recorrido e o acórdão fundamento – que permitam a comparação dos pressupostos de facto através da identificação da mesma situação que constitua a base da decisão da mesma questão de direito. Por isso, a indicação tem de ser (apenas) de um acórdão fundamento e não de uma pluralidade”.

Segundo os acórdãos de 10-04-2014, processo n.º 201/11.6GTSTB.L1-A.S1-3.ª Secção, e de 26-11-2014, processo n.º 742/11.5TACTX-B.S1, seguindo de perto os acórdãos de 19-06-2013 e de 27-11-2013, proferidos pelo mesmo Relator no processo n.º 140/08.8TAGVA.L1-A.S1 e no processo n.º 432/06.0JDLSB-P.S1, o recurso de fixação de jurisprudência exige a indicação de um só acórdão fundamento. “A norma do art. 438.º, n.º 2, do CPP, é mais precisa do que a norma do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sendo norma excepcional que impõe, define e delimita os termos da motivação, que consta de requerimento de interposição de recurso, ao estabelecer que neste o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência. Diferentemente do disposto no artigo 417.º, n.º 3 e 4, o artigo 440.º do CPP, que se refere ao exame preliminar, não prevê o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso – apenas prevê que o relator possa determinar que o recorrente junte certidão do acórdão com o qual o recorrido se encontra em oposição –, nem consente tal aperfeiçoamento.
Extrai-se do acórdão de 10-04-2014, processo n.º 1917/11.2TBVRL-B.S1 - 5.ª Secção:
A indicação pelo recorrente (a quem cabe o ónus exclusivo de indicar o acórdão fundamento), não de um mas, de dois acórdãos fundamento, constitui deficiência que, atingindo, não apenas as conclusões mas também o próprio requerimento e até a motivação, tem feito determinada jurisprudência do STJ entender não ser susceptível de correcção ou aperfeiçoamento, através de convite, dirigido, com esse fim, ao recorrente e, como assim, constituir motivo de rejeição, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 441.º, n.º 1, e 437.º, n.ºs 1 e 2, do CPP.
Acresce que a expressão “soluções opostas” (requisito indispensável do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência – art. 437.º do CPP) pressupõe, não apenas que nos dois acórdãos, o recorrido e o fundamento, as situações de facto sejam idênticas mas, ainda que, em ambos, haja expressa resolução de direito, o que vale por dizer que os julgados antagónicos sejam, não meramente implícitos mas, expressos ou explícitos.
Não se verificando aquele requisito no caso dos autos, temos ainda que as situações de facto desenhadas no acórdão recorrido e nos acórdãos fundamento não só não são idênticas como até resultam substancialmente diferentes.
Do que decorre que, sendo distintas as situações de facto que estão na base das decisões prolatadas no acórdão recorrido e nos acórdãos indicados como fundamento, em igual perspectiva não foi, nestes, apreciada e resolvida, de forma expressa e explícita, a questão jurídica que, colocando-se directamente naqueloutro, a recorrente pretendia submeter a fixação de jurisprudência, o que vale por dizer a questão que, relativa ao exacto campo de aplicação da norma do art. 39.º da Lei 50/06, de 29-08, se prende com a suspensão da execução de coimas, das quais uma grave e outra muito grave, da responsabilidade de uma pessoa colectiva.
Ora, a ser assim, inexistindo oposição de julgados, o recurso não pode prosseguir (art. 441.º, n.º 1, por referência aos arts. 437.º, n.ºs 1 e 2, e 438.º, n.º 2, todos do CPP).

Consta do acórdão de 23-04-2014, processo n.º 828/11.6IDLSB.I1-A.S1 - 3.ª Secção, proferido pelo Relator do acórdão de 10-04-2014, no processo n.º 201/11.6GTSTB.L1-A.S1:

“É jurisprudência uniforme do STJ e do TC que o texto da motivação constitui um limite intransponível ao convite à correcção: sujeita como está a apresentação da motivação a um prazo peremptório, apresentada a mesma, esta não pode ser aditada, ser substituída por outra (mesmo parcialmente), através da correcção das conclusões, de matéria que o seu texto não contenha. Tal equivale a dizer que, se o texto da motivação de recurso não contém os elementos, tidos em falta ou deficientemente expostos nas conclusões, não há lugar ao convite para correcção, por não poderem nesse caso, ser aditados.
A norma do art. 438.º, n.º 2, do CPP, é mais precisa do que a norma do art. 412.º, n.º 1, do CPP. Enquanto que o art. 412.º, n.º 1, do CPP, determina que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, o n.º 2 do art. 438.º é uma norma excepcional que impõe, define e delimita os termos da motivação, que consta de requerimento de interposição do recurso, ao estabelecer que: no requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.
Nesta sequência e, diferentemente do disposto no art. 417.º, n.ºs 3 e 4, o art. 440.º do CPP, que se refere ao exame preliminar, não prevê o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso – apenas prevê que o relator possa determinar que o recorrente junte certidão do acórdão com o qual o recorrido se encontra em oposição –, nem consente tal aperfeiçoamento.
No caso vertente, o requerimento de interposição do recurso de fixação de jurisprudência, não se encontra motivado de harmonia com as exigências expressas da lei o que, desde logo, resulta do facto de deduzir pretensão de que seja fixada jurisprudência em relação a duas questões de direito autónomas, o que não é admissível processualmente. De tal patologia deriva a circunstância de o recorrente se referir a dois acórdãos fundamento sendo certo que o recurso de fixação de jurisprudência exige a indicação de um só acórdão fundamento.
A indicação de mais do que um acórdão fundamento, convergentemente com a duplicação do pedido de uniformização, implica a rejeição do recurso por inadmissibilidade do mesmo, não sendo caso de convite ao aperfeiçoamento.”.

Diz o acórdão de 16-10-2014, proferido no processo n.º 113/07.8IDMGR.C1-B.S1da 5.ª Secção: “O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência assenta numa divergência de acórdãos relativamente a uma mesma questão de direito, tendo cada um deles decidido, de forma expressa, contraditoriamente, essa questão, com base em situações de facto idênticas e tendo aplicado as mesmas (inalteradas) disposições legais, ou seja, tendo as decisões sido proferidas no âmbito da mesma legislação.

O recorrente formulou duas questões para as quais indicou dois acórdãos-fundamento de diferentes tribunais. É manifesto, com base na lei e segundo a jurisprudência do STJ, que o recurso para fixação de jurisprudência só pode enunciar uma questão e não várias (de modo unitário e não múltiplo ou complexo), delimitando com rigor essa questão e indicando um único acórdão-fundamento, que tenha decidido essa questão de forma divergente do acórdão recorrido.

O recorrente estava obrigado a justificar a oposição originadora do conflito de jurisprudência, como decorre do n.º 2 do art. 438.º do CPP. O recorrente indicou a sua posição, mas não mencionou como é que os acórdãos decidiram a mesma ou as mesmas questões, em que é que divergiram em concreto nas soluções que deram às referidas questões, que deviam ter sido identificadas com a delineação dos casos que estiveram na sua base. O recorrente motiva o recurso como se estivesse a impugnar a decisão recorrida, em vez de circunscrever a exacta questão de direito, tal como decorre dos acórdãos pretensamente em oposição e não como ele as vê, e as situações de facto subjacentes em cada um deles. Assim falham os pressupostos em que deve assentar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

Não é exigível o convite para reformulação de conclusões, que aliás, não foram formuladas, e muito menos da motivação do recurso, como tem sido jurisprudência do STJ e do TC. O convite ao aperfeiçoamento nunca poderia ser para a modificação essencial da motivação de recurso, como sucederia no caso da identificação de uma única questão controvertida e da justificação da oposição de acórdãos” (Sublinhados nossos).

No sentido de que não há lugar a convite de aperfeiçoamento, podem ver-se os acórdãos de 21-01-2016, processo n.º 1460/11.0GBLLE.E1-A.S1-3.ª Secção, de 11-02-2016, processo n.º 324/14.0TELSB-C.L1.-A.S1-5.ª Secção, de 20-04-2016, por nós relatado no processo n.º 22/13.0TELSB.L1.S1; de 21-09-2016, por nós relatado no processo n.º 2487/10.4TASXL.L1-A.S1 e de 12 -12-2018, por nós relatado no processo n.º 1001/16.2T8OLH-E1.-A.S1.

Tal posição é de manter, pois persistem as razões da especificidade deste recurso e dos especiais cuidados e níveis de exigência a ter com a sua dedução, reportando-se o artigo 417.º, n.º 3, do CPP ao aperfeiçoamento de conclusões, que se apresentem deficientes, apenas respeitando a recursos ordinários.

Recentemente, em dois arestos da 5.ª Secção, foi assumida a possibilidade de formular convite ao aperfeiçoamento, o que aconteceu nos acórdãos de 30-05-2018, processo n.º 319/16.9GBPNF.P1-A.S1 e de 4-07-2018, processo n.º 467/0TAFLG.P1.S1.

Concluindo.

No caso presente não são as conclusões que estão em causa, mas a opção tomada pelo recorrente ao arrepio da constante – e julgamos, conhecida – jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça neste particular (desde 1927!), e até porque de acordo com o n.º 4 do artigo 417.º do CPP, o aperfeiçoamento previsto n.º 3 não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação.

O recurso é, pois, de rejeitar.


***

No entanto, mesmo que fosse admissível a convocação de vários acórdãos fundamento e não tendo a recorrente optado por ou preferido um dos invocados, sempre se estaria perante caso de inadmissibilidade de recurso, pois o acórdão recorrido seguiu jurisprudência fixada.

Em causa o acórdão uniformizador de jurisprudência, de 8 de Março de 2012, proferido no processo n.º 147/06.0GASJP.P1-A.S1, desta Secção, por nós relatado, publicado como Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2012, no Diário da República, 1.ª série, n.º 77, de 18-04-2012, págs. 2068 a 2099.

Em tal acórdão fixou-se jurisprudência no sentido de que “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”.

Pelo acórdão do Pleno das Secções Criminais de 20 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 224/02.6RASRT.C1-D.S1, da 5.ª Secção, acordou-se em mandar aplicar a jurisprudência fixada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2012, de 8-03-2012.

Ao abordar a fixação de jurisprudência levada a cabo no Acórdão n.º 3/2012, há que ter em conta a específica e peculiar situação processual, tanto do acórdão recorrido, como do acórdão fundamento, no que toca ao teor das actas de audiência de julgamento em que foi produzida prova, com total ausência de elementos que deveriam constar daquelas, em obediência aos comandos legais.

Acorrendo a uma situação singular o acórdão deve ser visto nessa perspectiva, não permitindo extrapolações para outros diversos quadros factuais.    

Na verdade, em ambos os casos – acórdão recorrido e acórdão fundamento – as actas eram omissas em relação a tempo do início e fim das gravações de cada depoente.

Assim, no acórdão recorrido o registo era nada esclarecedor, constando apenas que as declarações e os depoimentos prestados foram “gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal”, enquanto no caso do acórdão fundamento, consignara-se que foram prestados depoimentos, mas sem qualquer referência sequer a registo de prova.

A questão era saber qual o modo de execução, qual o grau de exigência no seu cumprimento, até onde deveria ir a obrigação de localização das provas.

A diferença entre acórdão recorrido e acórdão fundamento estava no grau de exigência no cumprimento da formalidade imposta pelo n.º 4 do artigo 412.º do CPP, na amplitude da oneração, da observância do ónus de especificação das concretas provas gravadas, que impõem decisão diversa da recorrida, por referência ao que consta da acta, com indicação concretizada das passagens em que se funda a impugnação.

Na verdade, enquanto o acórdão recorrido fez uma interpretação mais exigente e considerou ser de chegar ao derradeiro argumento, à última exigência, para ver cumprida a formalidade, concluindo que “Para os recorrentes poderem beneficiar do prazo de 30 dias não basta alegar, identificar e transcrever na motivação os elementos de prova que exigem decisão diversa da recorrida”, sendo necessário que indiquem concretamente as passagens em que se funda a impugnação, por referência ao consignado na acta (que contém o início e o termo do depoimento), que situem no suporte da gravação o local e o momento em que constam as afirmações em causa, por seu turno, o acórdão fundamento, após referir que as actuais gravações em CD identificam o início e o fim do depoimento, não deixando de focar as imposições legais, considera que “a exigência legal não pode ser tão implacável ou inflexível que redunde numa preterição do direito ao recurso, entendendo que caso o recorrente junte com a motivação do recurso ou efectue nesta as transcrições dos depoimentos que sustentam a impugnação da matéria de facto, identificando o respectivo depoente, não carece de referenciar as especificações constantes na acta de julgamento, tendo por cumprido o ónus de especificação imposto pelo artigo 412.º, n.º 4, do CPP e sem necessidade inclusive de apelar ao artigo 417.º, n.º 3, do CPP”.

Para melhor compreensão, transcrevem-se as seguintes passagens do acórdão uniformizador.

«Em causa, pois, a interpretação da forma como abordar o tema do grau de exigência a colocar no cumprimento do ónus de especificação do artigo 412.º, n.º 3, alínea b) e n.º 4 e consequente permissão ou não do alongamento de prazo previsto no n.º 4 do artigo 411.º do CPP».

«A questão central em debate num e noutro dos processos em confronto gira em torno da questão de saber se é de exigir a referência concretizada às passagens que justificam o reexame, referenciando o recorrente necessariamente o que foi consignado na acta, ou se tendo prescindido dessa indicação – suposto que a acta contenha os elementos necessários – será suficiente a transcrição dessas mesmas passagens».

«Por outras palavras: transcrever depoimentos (passagens de depoimentos) que imponham solução diversa da adoptada pela decisão impugnada, mas sem o fazer referenciando o consignado na acta, é ainda fazer uma indicação concreta, satisfazendo-se a imposição legal do n.º 4 do artigo 412.º do CPP?»

No caso então em apreciação, face às concretas actas e aos concretos modos de actuação dos tribunais a nível de registo, que não observaram as injunções legais (artigo 364.º do CPP), foi entendido não haver lugar a convite a aperfeiçoamento, por inútil.      

Concluindo, foi afirmado:

«Por tudo o que ficou exposto, afigura-se-nos que, em casos como o presente, a norma do n.° 4 do artigo 412.° do CPP deve ser interpretada no sentido de as especificações constantes das alíneas b) e c) do n.º 3 se mostrarem cumpridas, caso o recorrente transcreva as concretas passagens em que funda a impugnação da matéria de facto».

Face à impugnação da matéria de facto feita pelo recorrente, que para além de invocar na conclusão N) contradição insanável entre os factos dados por provados e os factos não provados, bem como entre a prova produzida e a fundamentação do acórdão, pretendia que os factos constantes dos pontos 10 a 14, 29 a 42, 49, 50, 72, 74 e 79 a 88 deveriam ser dados por não provados (assim na conclusão K), ao passo que no respeitante ao terceiro ponto dos factos não provados, o mesmo deveria ser dado como provado (assim na conclusão L), pronunciou-se o acórdão recorrido, dizendo que “(…) ao longo da motivação, o recorrente embora manifeste no sentido de pretender formular um pedido de impugnação da matéria de facto e venha indicar de forma genérica quais os factos que considera mal julgados, a verdade é que não indicou de forma descriminada e especificada, quais as provas que em seu entender justificam decisão diversa, embora defenda que a prova documental  (…) assim como as declarações das testemunhas ouvidas em juízo (…) deveriam ter sido valoradas de outra forma, conforme resulta dos pontos 26 a 32 da sua motivação de recurso – limitando-se contudo a reproduzir algumas passagens da motivação do acórdão onde constam referências ao depoimento das mencionadas testemunhas e a fazer considerações genéricas sobre os mesmos e sobre as regras de apreciação e valoração da prova (…).

E sendo assim, embora tenha feito referência genérica à matéria de facto provada descrita na sentença recorrida que considerou incorrectamente julgada (…) não indicou especificadamente quais as provas que no seu entender impunham decisão diversa para cada um dos factos provados que impugnou e também não indicou expressamente e de forma especificada quais as provas que pretende ver renovadas.

Limitou-se a requerer de forma abrangente e generalizada a renovação de toda a prova produzida no que respeita à situação analisada pelo Tribunal a quo que directamente lhe diz respeito, o que no fundo equivale a requerer um segundo julgamento”.

Com esta tomada de posição não foi afrontada a solução ditada no acórdão n.º 3/2012, não sendo idênticas as situações processuais num e noutro caso, sendo certo que do que o artigo 412.°, n.° 3, alínea b), do Código de Processo Penal, fala é da indicação pelo recorrente da provas que imponham uma decisão diversa da recorrida, não de provas que eventualmente também permitam outra decisão de facto, não se justificando no caso convite, porque não pode ter lugar modificação essencial como seria o caso.

Concluindo. O recurso sempre seria de rejeitar, igualmente por esta via.

Decisão

Pelo exposto, acordam nesta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em rejeitar o recurso interposto pelo recorrente AA, por inadmissibilidade.

Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 513.º, n.º s 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26 de Fevereiro, (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, in Diário da República, 1.ª série, n.º 81 e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 165, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado 2009 (Diário da República, 1.ª série, n.º 252, Suplemento), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril – Orçamento do Estado para 2010, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, Diário da República, 1.ª série, n.º 73, de 13-04-2011, pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 31, de 13 de Fevereiro, que procedeu à sexta alteração e republicação do RCP, rectificada com a Declaração de Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, in Diário da República, 1.ª série, n.º 61, de 26-03-2012, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 167, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 156, de 14 de Agosto e pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, in Diário da República, 1.ª série, n.º 62, de 28 de Março), o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal).

Mantém-se em vigor o valor da UC (Unidade de conta) vigente em 2018, conforme estabelece o artigo 182.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2019), publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 251, de 31-12-2018. Tal valor é de 102,00 €, que se tem mantido inalterado desde 20 de Abril de 2009.   

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 30 de Outubro de 2019

Raul Borges (Relator)

Manuel Augusto Matos

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[1] Neste sentido vd ainda acórdão do STJ de 07.12.2016, proc. 329/14.0TABGC.G1-A; de 21.09.2016, proc. 2487/10.4TASXL.L1-A.S1, de 12.03.2008, proc. 407/2008; STJ de 07.04.2011, proc. 11/09.0PKLSB.L1, 5ª S, sumário constante do CPP Comentado em anotação ao art. 437 do CPP
[2] Vd Ac  STJ de 23.04.2015, proc. 523/08.3TAVIS.C1.S1, em dgsi.pt