Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
31/14.3GBFTR.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: SEQUESTRO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 01/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - A impugnação da decisão da matéria de facto pode processar-se por uma de duas vias: através da arguição de vício de texto previsto no art. 410.º nº 2 do CPP, dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado de revista alargada, ou através do recurso amplo ou efectivo em matéria de facto, previsto no art. 412.º, nºs 3, 4 e 6 do CPP.

II - No primeiro caso, a discordância traduz-se na invocação de um vício da sentença ou acórdão e este recurso é considerado como sendo ainda em matéria de direito; no segundo, o recorrente terá de socorrer-se de provas examinadas em audiência, que deverá então especificar, cumprindo os ónus de impugnação previstos no art. 412.º, nº 3 do CPP.

III - O incumprimento das formalidades impostas pelo art. 412.º, nºs 3 e 4, por omissão ou por deficiência, impossibilita e inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto pela via ampla, deteriorando a exequibilidade da sindicância da decisão de facto ao nível mais alargado.

IV - Porém, do incumprimento das especificações, pelo recorrente, não resulta que a Relação fique desobrigada de sindicar a sentença ou acórdão na parte relativa à decisão da matéria de facto, devendo fazê-lo através da análise do seu texto, perscrutando se enfermará de um eventual erro notório na apreciação da prova (ou de outro vício) que possa ter condicionado a demonstração dos factos que se encontram impugnados no recurso.

V - Os recursos da matéria de facto deficientemente interpostos são aproveitáveis como arguição de vício de sentença, mesmo que o recorrente não os refira expressamente, pois estes, a existirem, sempre seriam de conhecimento oficioso.

Sumariado pela relatora
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal:

1. No Processo n.º 31/14.3GBFTR, do Juízo Central Criminal de Setúbal, Juiz 1, foi proferido acórdão em que se decidiu, na parte que interessa ao recurso, condenar o arguido A, como co-autor de um crime de sequestro do artigo 158.º, n.º 1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido A, concluindo:

“I- O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito do acórdão proferido nos presentes autos, o qual condenou o recorrente como co-autor de um crime de sequestro, p. e p. pelo art.158º do Código Penal.

II- O tribunal a quo considerou provado que: “O arguido A. desferiu um murro que atingiu DM na cabeça, deixando-o sem possibilidade de sair do veículo e regressar a casa. Assim, contra a sua vontade, DM, foi conduzido pelos arguidos no já descrito veículo até à localidade do Pinhal Novo”.

III- Na formação da sua convicção, o tribunal teve em consideração as declarações do ofendido, os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência e o acervo documental junto aos autos.

IV- Sendo certo que dentro do veículo apenas se encontrava o ofendido e os arguidos A. e B., o tribunal a quo teve em consideração somente as declarações do ofendido.

V- A versão dos factos apresentada pelo ora recorrente é consubstanciada pelo depoimento do arguido B., diferindo do depoimento do ofendido apenas “ no que tange ao caráter forçado com que DM a dada altura (antes do Pinhal Novo, cerca de 30 minutos antes de terem parado nas bombas da BP) prosseguiu viagem”

VI- Tendo o tribunal a quo entendido que o depoimento do ofendido se adequa às regras da experiência comum, sendo mais razoável que os factos tenham ocorrido da forma como este relatou do que da forma apresentada pelos arguidos.

VII- Entendeu assim que o depoimento do ofendido era mais credível do que o depoimento dos dois arguidos, e suficiente para fundamentar a condenação dos mesmos pela prática de um crime de sequestro.

VIII- Por conseguinte, a condenação do recorrente assenta, no fundo, apenas nas declarações do ofendido.

IX- O tribunal a quo ao dar como provados, designadamente, os factos nº 5 e 6 do acórdão ora objeto de recurso, os quais não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.127º do Código de Processo Penal.

X- Assim, o tribunal a quo devia ter julgado como não provado os factos nº 5 e 6, constantes no acórdão ora objeto de recurso, o qual, para efeitos da alínea a) do nº3 do art.412º do Código de Processo Penal, foram incorretamente julgados.

XI- Tal como já foi referido, após uma análise rigorosa à prova produzida constata-se que apenas o ofendido sustenta que foi sequestrado.

XII- Por conseguinte, a condenação do recorrente assenta, no fundo, apenas nas declarações do ofendido.

XIII- O tribunal a quo ao dar como provados, designadamente, os factos nº 5 e 6 do acórdão ora objeto de recurso, os quais não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.127º do Código de Processo Penal.

XIV- Por outro lado, a prova produzida criou, na melhor das hipóteses, apenas dúvidas sobre a veracidade dos factos provados nº 5 e 6º.

XV- Pelo que, é evidente a insuficiência probatória para a decisão da matéria de facto provada.

XVI- Pelo exposto, o tribunal a quo, condenando o recorrente, violou, ainda, o princípio do “in dúbio pro reo”, consagrado no nº2 do art.32º da Constituição da República Portuguesa, o qual devia ter sido interpretado e aplicado no sentido da sua absolvição.

XVII- O crime de sequestro, p. e p. no art.158º do Código Penal, estipula que “quem detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa, ou de qualquer forma a privar da liberdade é punido com pena de prisão (…)”.

XVIII- Com efeito, um dos elementos objetivos consiste na privação absoluta da liberdade de movimentação.

XIX- Assim, na nossa perspetiva, o preenchimento do tipo só se verifica, quando existe uma restrição absoluta da liberdade de deslocação para qualquer local.

XX- Entendemos que tal não se verificou.

XXI- Para além do depoimento do ofendido não foi alegado nenhum facto que demonstrasse que aquele se encontrava numa situação de sequestro.

XXII- Muito pelo contrário, todo o comportamento do ofendido, designadamente o relevado nas declarações prestadas na audiência de julgamento, demonstra que estamos perante uma pessoa capaz de reagir perante qualquer contrariedade.

XXIII- Termos em que concluímos que os elementos do tipo legal de crime de sequestro não se encontram todos preenchidos, pelo que o tribunal a quo fez uma subsunção errada dos factos ao crime previsto no art.158º do Código Penal, o qual devia ter sido interpretado e aplicado no sentido da absolvição do ora recorrente.”

O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo:

“1- O arguido A., foi condenado nos autos à margem referenciados, pela prática de 1 (um) crime de sequestro, na forma consumada p. e p. pelo artº 158º, nº1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

2 - Inconformado com o teor do acórdão, dele veio o arguido recorrer, invocando, em síntese, pretender a reapreciação de facto e de direito, sendo que o tribunal deu como provados, indevidamente, os factos nºs 5 e 6, apenas com base nas declarações do ofendido, violando, dessa forma, o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do preceituado no artº 127º do CPP; Existir violação do “in dúbio pro reo”

3 – Entende o Mº Pº que ao recorrente não assiste razão.

4 - O acórdão em recurso, na sua bem elaborada e pormenorizada fundamentação de facto – em consonância com o princípio da livre apreciação da prova, enunciado no artº 127º do C.P.P. – e de direito analisou todos os pressupostos que permitiram tipificar a matéria fáctica dada como provada.

5 - Os depoimentos, quer dos arguidos (incluindo do arguido A.), bem como do ofendido DM, Z, funcionária da BP e PC, cabo da GNR foram devidamente concatenados com os demais elementos juntos aos autos e devidamente elencados na motivação pelo Exmº Colectivo.

6 - A discordância dos recorrentes limita-se a questionar a valoração da prova pelo Tribunal, já que tomou por bom o depoimento do ofendido, em detrimento das declarações prestadas pelo arguido e co-arguido.

7 - Ora, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assenter apenas no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção.

8 - Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.

9 - No caso em apreço, o recorrente apela ainda ao princípio in dubio pro reo essencialmente como corolário da sua apreciação da prova, sendo que, em momento algum, resulta do acórdão recorrido que, relativamente aos factos provados e objecto dos autos, o tribunal se defrontou com dúvidas que resolveu contra o recorrente ou demonstrou qualquer dúvida na formação da convicção e, ademais, se impunha que a devesse ter tido.

10 – A pena aplica mostra-se justa e adequada.

11- Não se verifica, “in casu” quaisquer violações de nomas jurídicas.”

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto disse acompanhar a resposta ao recurso, nada acrescentando. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

2. No acórdão, consideraram-se os seguintes factos provados:

“1º No dia 12 de Setembro de 2014, a hora não apurada da manhã, os arguidos A. e B. deslocaram-se até Fronteira com o intuito de contactar com DM, para que este os acompanhasse, fazendo-o crer que alguém daquela localidade pretendia adquirir-lhe umas telas.

2º DM aceitou, crendo que iria celebrar um negócio, ser transportado pelos arguidos, no veículo com a matrícula ---NT.

3º Os arguidos seguiram para Vendas Novas.

4º A dada altura, DM, suspeitando estar a ser engando, solicitou que voltassem para Fronteira, o que lhe foi negado.

5º O arguido A. desferiu um murro que atingiu DM na cabeça, deixando-o sem possibilidade de sair do veículo e regressar a casa.

6º Assim, contra a sua vontade, DM, foi conduzido pelos arguidos no já descrito veículo até à localidade do Pinhal Novo.

7º Pelas 13 horas e 50 minutos, do referido dia, os arguidos pararam a viatura nas bombas de gasolina da BP, no Pinhal Novo, altura em que DM saiu do veículo e correu até ao interior da Loja ali existente, refugiando-se atrás do balcão.

8º Não obstante ter conseguido refugiar-se naquele local, cerca de seis indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, entraram na loja e arrastaram DM pelos cabelos até ao exterior do estabelecimento.

9º Já no exterior esses cerca de seis indivíduos, aproveitando a superioridade numérica, desferiram-lhe vários murros e pontapés que o atingiram por todo o corpo, designadamente na cabeça, no tronco e nas costas.

10º Após os arguidos abandonaram o local, tendo os arguidos A. e C. levado consigo:

- duas telas com três metros de altura e três metros e meio de comprimento, pintadas à mão, com tinta plástica com desenhos referentes aos quatro elementos fogo, água, terra e ar;

- uma licra de cor rosa com cinco metros de comprimento e dois de altura;

- uma licra de cor amarela com cinco metros de comprimento e dois de altura;

- três telas pintadas com desenhos espirais.

11º DM foi assistido, no local e transportado pelos Bombeiros Voluntários do Pinhal Novo, para o Hospital de São Bernardo, em Setúbal.

12º Em consequência da descrita conduta, DM sofreu traumatismo facial com epistaxis, fratura da prótese dentária, equimoses infraorbitárias, traumatismo torácico.

13º Os arguidos A. e B. actuaram da forma descrita na concretização de um plano previamente elaborado entre o primeiro e B, dividindo esforços.

14º Os arguidos com a conduta descrita quiseram, transportar o ofendido DM da localidade de Fronteira até ao Pinhal Novo, tendo-o feito os arguidos A. e B. contra a sua vontade, bem sabendo que ao actuar da forma descrita o limitava na sua liberdade de locomoção e autodeterminação.

15º As cerca de 6 pessoas, com a conduta descrita, bem sabendo que estavam, em superioridade numérica, o que determinava que o ofendido fosse incapaz de resistir ou defender-se, ainda assim não se inibiram de o agredir atingindo o seu corpo e a sua saúde, causando-lhe lesões.

16º Os arguidos agiram sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a conduta como a descrita é punível por lei.

Mais se provou:
a) - Que o destino transmitido a DM (parágrafo 1º da acusação) foi o Vimieiro.

b) - Que foi o arguido A. quem fez crer DM no que lhe foi transmitido (artº 1º dos factos provados), na sequência de um acordo havido entre o próprio e o arguido C, segundo o qual o primeiro se comprometeu a levar as telas e o DM à presença de C, ao qual o arguido B. aderiu.

c) - Que DM apenas suspeitou estar a ser enganado, solicitando que voltassem para trás, já a caminho do Pinhal Novo, cerca de meia hora antes de terem parado nas bombas da BP (artº 4º dos factos provados)

d) - Que na sequência dos factos referidos no artº 5º dos factos provados, o arguido A. disse a DM “daqui já não sais!”, tendo o último ficado atemorizado.

e) - Que quando a viatura em que seguiam os arguidos A, B. e DM, parou nas bombas da BP do Pinhal Novo, o arguido C. encontrava-se no exterior das ditas, aguardando por eles.

f) - Que as cerca de 6 pessoas que praticaram os factos descritos nos artºs 8º e 9º, fizeram-no a solicitação do arguido C, nesse sentido.

g) - Que o arguido C. não se inibiu de solicitar a essas pessoas que actuassem do modo descrito, bem sabendo que as mesmas estavam em superioridade numérica, o que determinava que DM fosse incapaz de resistir ou defender-se, sabendo que essas pessoas o agrediam, atingindo-o no seu corpo e na sua saúde, causando-lhe lesões.

h) - Que foram os arguidos A. e C., que levaram as telas e demais objectos referidos no artº 10º dos factos provados.

i) - Que na origem do plano que C. Gizou com A. e da solicitação feita pelo primeiro às cerca de 6 pessoas, para que actuassem pelo modo descrito, se encontravam conflitos de contornos não concretamente apurados, existentes entre aquele e DM.

j) – Que A. sabia da existência desses conflitos.

l) – Que C. se ofereceu para entregar a A., uma vantagem patrimonial, de montante não concretamente apurado, caso este lhe trouxesse umas telas, que estariam na posse de DM e este, à sua presença.

m) – Que A. contactou B., porque este tinha carro, tendo-lhe dito que lhe pagava a gasolina e que lhe daria € 70,00, caso fosse com ele.

n) – Que foi C. quem deu a B. uma quantia em concreto não apurada (cerca de € 20,00), já depois dos factos descritos terem acontecido.

A demandante civil despendeu a quantia de € 265,79, a título de prestação de cuidados de saúde a DM, em razão das agressões sofridas por este.

(…) Do relatório social de A., junto aos autos a fls. 268 e ss., cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, para todos os legais efeitos, consta designadamente;

“(…)cresceu em Vila do Cano, junto dos pais e da irmã, dez anos mais nova, em contexto familiar estruturado. Os pais trabalhavam na agricultura, assegurando ao agregado um nível de vida sem privações dignas de registo.

Nos primeiros meses de vida foi-lhe detectada epilepsia, o que exigiu acompanhamento de neurologia até aos oito anos de idade.

Em idade própria, concluiu o 1ºCiclo na localidade do Cano. No 2ºCiclo, em Sousel, o seu comportamento alterou-se, reprovou três anos consecutivos no 5ºano de escolaridade, começou a faltar às aulas e a evidenciar perturbação, passou a ter alguma incontinência urinária, tornou-se violento e agressivo.

Aos treze/catorze anos deixou a escola para trabalhar com o pai. Aos quinze anos, os pais aperceberam-se que ele consumia estupefacientes e bebidas alcoólicas, sendo os seus episódios de fúria, difíceis de suportar.

(…) situação que exigiu o seu internamento no Serviço de Psiquiatria do Hospital de Portalegre, de 16-2-2007 a 23-2-2007, onde lhe foi diagnosticada doença psicótica.

Seguidamente foi internado numa Comunidade Terapêutica durante três meses, em Vila Real de Trás-os-Montes e, em Janeiro de 2009, foi encaminhado para o Centro de Respostas Integradas/ex-CAT, em Portalegre, sem que tivesse aderido à terapêutica.

De uma breve união de facto, estabelecida aos 29 anos, teve um filho, actualmente com seis anos de idade, que tem sido criado pela mãe, com a ajuda dos avós, maternos e paternos.

Apesar de ter competências laborais, a instabilidade que apresentava não lhe permitiu desenvolver hábitos de trabalho.(…)

À data da instauração do presente processo judicial, o arguido vivia junto dos seus pais e na sua dependência, evidenciando consumos de álcool e de cocaína diários que deterioravam o relacionamento intra-familiar e que desorganizavam emocionalmente os vários elementos do agregado.

(…) agredia sobretudo a irmã e partia tudo o que tinha à sua volta nos episódios de fúria.

Alheio a quaisquer obrigações parentais, filiais e fraternas permanecia sem trabalhar, com comportamentos que reforçavam a sua estigmatização no meio de residência.

(…) demonstra tranquilidade face ao presente processo, desvalorizando a sua participação nos mesmos.

Igual atitude revela perante o seu percurso criminal, sem ponderar o facto de ser reincidente.

Por ora, parece ter pouca capacidade de descentração, de auto-crítica, e limitações na avaliação dos danos causados.

A família apoia-o, mas pensa ser imprescindível que ele se trate e que abandone os consumos aditivos (álcool e cocaína).

[Em conclusão]
A. , solteiro, com o 4ºano de escolaridade e 37 anos de idade, cresceu numa família estruturada que lhe transmitiu um modelo de conduta compatível com os padrões de vida socialmente aceites, no entanto, o seu percurso de vida veio a evidenciar dificuldades na adequação do comportamento, associadas ao problema neurológico de que padece desde a primeira infância, epilepsia, e aos consumos de bebidas alcoólicas, bem como de estupefacientes.

Embora esteja a colaborar, em regime de internamento, nos espaços terapêuticos na Comunidade de Terapêutica, Horta Nova, aparenta ter pouca consciência crítica relativamente aos seus envolvimentos criminais e à sua adição, desvalorizando-os, atitude contemplativa que nos parece indicar, por ora, a sua resistência à mudança (…)”.

(…) Do CRC do arguido A. s, que faz folhas 239 e ss., cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, para todos os legais efeitos, mostram-se averbadas as seguintes condenações:

Em 80 dias de multa, pela prática, a 14.2.98, de um crime de furto de uso de veículo (decisão transitada a 23.11.99);

Em 2 anos de prisão, suspensa por 3 anos, pela prática a 20.11.97, de um crime de furto qualificado (decisão transitada a 11.2.2000);

Em 50 dias de multa, pela prática, a 14.9.2007, de um crime de condução sem habilitação legal (decisão transitada a 16.8.2008);

Em 140 dias de multa, pela prática, a 1.3.2012, de um crime de ofensa à integridade física simples (decisão transitada a 27.11.2012);

Em 200 dias de multa, pela prática a 5.7.2011, de um crime de ofensa à integridade física simples (decisão transitada a 11.2.2013);

Em 5 meses de prisão, suspensa por um ano, pela prática, a 22.5.2014, de um crime de condução sem habilitação legal (decisão transitada em 23.6.2014);

Na pena única de 18 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, pela prática a 21.3.2014, de um crime de ameaça agravada e de um crime de coacção (decisão transitada a 23.9.2015). (…)”

Consignaram-se como factos não provados os seguintes:

“Que no contacto com DM, tivesse sido mencionada a Casa Branca (parágrafo 1º da acusação)

Que se tenham dirigido a Casa Branca e os arguidos tenham simulado que o interessado em comprar as telas se encontrava em Vendas Novas (3º parágrafo da acusação)

Que tenha sido quando chegaram a Vendas Novas, que DM, suspeitou estar a ser engando, solicitando que voltassem para Fronteira (parágrafo 4º da acusação).

Que o soco desferido por A. a DM tenha sido na zona da nuca, e que este tenha afirmado “agora vamos ter com o teu amigo Manel!” (parágrafo 5º da acusação).

Que os arguidos A. e C tenham acompanhado as cerca de 6 pessoas que agrediram DM, no interior das bombas de gasolina (parágrafo 8º da acusação)

Que os arguidos A. e C. tenham acompanhado essas cerca de 6 pessoas, no exterior da bomba de gasolina, nem que as agressões infligidas por aquelas pessoas tenham ocorrido enquanto DM jazia no solo (parágrafo 9º da acusação)

Que o arguido B. tenha levado consigo, no interior do veículo automóvel as telas e demais objectos referidos no parágrafo 10º da acusação.

Que as lesões sofridas por DM, mencionadas no artº 12º, tenham sido consequência de qualquer actuação do arguido A. , ou de execução imediata do arguido C.

Que os arguidos tenham actuado, conformando-se com o resultado das condutas assumidas por cada um e que na execução desse plano, tenham sido “atribuídas tarefas” (parágrafo 13º) – prova-se apenas a existência de um plano gizado entre A.e C., ao qual aderiu B., nos moldes referidos na alínea b) dos demais factos que se provaram (em “Mais se provou).

Que o arguido C. soubesse que, na concretização do plano gizado com o arguido A., este e o arguido B. actuassem de forma a limitar DM na sua liberdade de locomoção e auto determinação (parágrafo 14º)

Que os arguidos soubessem que as telas que transportavam eram propriedade do ofendido, sabendo agir sem e contra a vontade do seu proprietário (parágrafo 16º da acusação). ”

A motivação da matéria de facto foi a seguinte:

“Em sede de julgamento, todos os arguidos prestaram declarações, tendo-o feito do seguinte modo:

O arguido A. disse conhecer o DM, de Fronteira, de quem era amigo, até ter assistido a um episódio havido entre este e o co-arguido C, em que o primeiro terá batido no segundo, tendo-lhe ficado com umas telas.

Na sequência desse episódio, fez-se amigo do segundo na rede social facebook, a quem disse saber que o DM as pretendia vender, tendo combinado com o C, cerca de 3 dias antes dos factos, ir buscar o DM e as telas e levá-los ao seu encontro, tendo-lhe o C. dito “faz isso, que não ficas mal”, declaração que o arguido A. interpretou como uma promessa de entrega de algum dinheiro.

Assim, na sequência do plano gizado entre ambos, pediu ao co-arguido B. para o conduzir na sua viatura até Fronteira, onde reside DM, o que foi feito, no dia dos factos mencionado na acusação.

Foi buscar o DM pela manhã, a casa deste e carregaram as telas (telas em pano, não encaixilhadas, que dava para serem embrulhadas), a quem tinha dito ter comprador para as mesmas em Vimieira, escondendo-lhe o plano que havia gizado com C (que contou ao B).

DM aceitou essa proposta, tendo entrado no veículo conduzido pelo arguido B, onde seguiu com o A.

Conduziram até Vendas Novas, onde pararam, tendo prosseguido depois viagem até às bombas da BP, em Pinhal Novo, local em que o arguido C tinha combinado com o arguido A, aguardar.

Quando aí chegaram e pararam a viatura, o DM ao ver o C. no exterior dessas bombas, saiu do carro, dirigindo-se-lhe, apontando-lhe uma faca que retirou do interior de uma mochila que levava consigo.

Nessa altura, várias pessoas (4, 5 ou 6), supostamente amigas do C “caíram” em cima do DM, dando-lhe murros, pontapés pelo corpo todo, onde calhava, tendo-o puxado pelos cabelos e desviado da entrada do espaço onde se encontram as caixas registadoras dessas bombas, continuando a bater-lhe (o arguido ainda lhes disse para pararem, não tendo o próprio nem o B, participado nesses factos).

O arguido entregou as telas ao C, tendo-as ido buscar ao carro do B, onde estas se encontravam, e no entretanto fugiram do local, ao qual chegou a polícia.

Quanto ao arguido C., nas declarações prestadas, confirma o plano gizado com o arguido A, que o contactou nos moldes por este referidos, dizendo-lhe que podia ajudá-lo a encontrar as telas e outros objectos que lhe teriam sido subtraídos, tendo-lhe dito que tinha sido o DM e um primo deste os responsáveis pela subtracção e que esse material estava a ser vendido pelo primeiro, comprometendo-se o C a “dar-lhe alguma coisa”, caso lhe recuperasse as telas.

Nesse contexto, no dia dos factos, o A. foi buscar o DM e as telas, tendo-lhe a dada altura ligado e, estando o C nas Bombas da BP, em Pinhal Novo, disse-lhe para ir lá ter, o que foi feito.

Estando o arguido no exterior dessas bombas, vê o carro onde vinham A e DM, conduzido pelo B (que nunca tinha visto antes e com o qual nunca tinha contactado) parar, tendo o DM saído do seu interior de “faca em punho” (mais tarde referiu-se a uma “catana”), a correr na sua direcção, ficando a um metro um do outro.

Nessa altura, ele e dois amigos seus dirigiram-se ao DM (enfrentam-no), que fugiu para dentro das bombas de gasolina, onde se escondeu por debaixo de um balcão, tendo-o ele e os amigos ido buscar lá dentro (disse ao DM para ir lá para fora) e os amigos “tiraram-no cá para fora” (instado, afinal não se recorda de como tal foi feito, apesar de declaradamente lá estar). Mais tarde inflecte, dizendo que quem enfrentou o DM foram os seus dois amigos e que “não viu mais nada”, porque no entretanto o A lhe entregou as telas e se foi embora.

Mais declarou que teria decorado uma festa, cerca de 12 dias antes, onde o DM e várias pessoas lhe bateram com violência (passou uma enorme vergonha, à frente de cerca de 500 pessoas), levando-lhe a decoração que fazia parte da festa, nela incluídas as telas.

Instado sobre as razões pelas quais não apresentou queixa, sobre esses factos, não conseguiu responder, para além de afirmações genéricas como “sim, devia tê-lo feito, foi um erro”.

Instado ainda sobre as razões pelas quais, tendo sabido através do A. ter sido o DM quem lhe tinha ficado com as telas, não se dirigiu então às autoridades competentes, para fazer a respectiva queixa, antes tendo optado por gizar o referido plano com o A., também não soube responder.

Por seu turno, o arguido B. declarou ter sido contactado pelo A. para ir ao Pinhal Novo levar umas telas (porque tinha carro), sendo a contrapartida desse serviço, o pagamento da gasolina e de 70 euros (à data o arguido era toxicodependente).

Aceitou fazê-lo, tendo-se dirigido no seu carro com o A. a Fronteira, no dia mencionado na acusação, onde foram apanhar o DM (que conhecia de festas e como consumidor de drogas), não sabendo que as telas eram “roubadas”, se eram ou não do C (que nunca tinha visto antes).

O A. seguiu no banco do “pendura” e o DM na parte de trás.

Dirigiu-se ao Pinhal Novo, pela EN (tendo parado antes em Vendas Novas), e quando pára nas bombas da BP, por indicação do A. e saído do carro, com o A. e o DM, tendo este último pegado numa navalha. Quando se apercebe, o C, que estava no exterior das bombas assobia e aparecem, vindos do lado esquerdo e do lado direito do local em que este se encontrava várias pessoas (de 6 a 8, não conseguiu precisar), altura em que o DM entra na bomba de gasolina.

A seguir, vê-o novamente no exterior e essas pessoas a baterem-lhe, dando-lhe socos e pontapés onde o apanhassem e o DM agarrado a um poste (não estava no chão), enquanto “levava”. Não deu para perceber, no meio da agitação, se o C lhe bateu, ou não.

No entretanto, chega a polícia e o arguido entra no carro e foge. Todavia, como não tinha dinheiro para a gasolina, telefonou ao A, e regressou às bombas, tendo o A, o C e os amigos deste, ido buscar as telas ao carro.

De seguida, o A. foi para casa do C. e, indicando-lhe a direcção, disse-lhe para ela ir lá ter, o que o arguido fez, tendo sido o C. quem lhe deu o dinheiro, segundo se recorda, 20 euros.

Inquirido DM (ofendido nos autos), disse conhecer o A. de uma aldeia de Fronteira (via-o lá de vez em quando), o C. há anos, como promotor de eventos, numa herdade perto da casa dos pais e o B, conheceu-o no terreno dos pais, numa outra festa.

Quanto aos factos, não recorda o dia (lembra-se de ter sido há cerca de 2, 3 anos atrás, quando apresentou queixa – o auto de denúncia, de fls. 3 a 5, data de 12.9.2014), referiu que o A. lhe ligou, propondo-lhe um negócio, mais concretamente a venda de panos de decoração que tinham deixado pendurados nuns terrenos do pai, juntamente com umas lâmpadas, depois de uma festa organizada pelo C. (sendo que alguns desses panos eram deles, outros do C, mas como os tinham “deixado lá pendurados” não lhe pareceu relevante a propriedade dos ditos), a um senhor do Vimieiro, que lhos queria comprar (4 panos dele e 2 dos que tinham lá deixado “pendurados”), por 400,00 euros, acabando após por sublinhar que, afinal, os que levou consigo no dia dos factos (panos com os quatro elementos, ar, água fogo e terra – são os referidos na acusação como telas) eram deles (não levava nem licras, nem telas pintadas com desenhos espirais – ao contrário do afirmado na acusação – não tendo visto “nada disso”).

Na sequência desse acordo que lhe foi proposto pelo A., no dia em causa pela manhã, o A. e o B. (com o qual não tinha combinado nada, nem falado no assunto) foram busca-lo a sua casa, em Fronteira, no carro do último.

A testemunha foi com os arguidos, tendo parado todos na estação de Vendas Novas, onde estiveram a tomar o pequeno-almoço, sendo que até ao momento “estava tudo bem”.

Depois de terem arrancado de Vendas Novas, apercebeu-se que não estavam a seguir o caminho para o Vimieiro, estranhou, tendo perguntado “então, como é?”. “Afinal temos que ir a outro sítio, falar com o rapaz”, disse-lhe o B (que conduzia o veículo, indo o A. no lugar do pendura e a testemunha no banco de trás). Prosseguiram, indo os arguidos dizendo que tinham que ir ter com o comprador, a outro local.

A dada altura, quando já estavam perto do Pinhal Novo, a testemunha pediu para sair, tendo-lhe o A. dito “ daqui não sais”. Por 3 vezes a testemunha pediu para sair, tendo-se o A. numa dessas vezes virado para trás “espetando-lhe um selo na cabeça”.

Isto terá ocorrido cerca de 30 minutos antes de terem chegado às bombas.

Nunca lhe falaram no C.

Quando chegam às bombas de gasolina da BP e param (cerca das 15h, aproximadamente), vê o C. no exterior, que chama uns amigos, altura em que a testemunha foge para o interior da bomba de gasolina e se refugia atrás de um balcão, tendo cerca de 8 pessoas foram ter com ele ao interior da bomba onde se encontrava (não tinha faca nenhuma) e começaram a bater-lhe, com murros e pontapés, partindo-lhe os dentes e arrastando-o para o exterior pelos cabelos, onde continuaram a dar-lhe murros e pontapés por onde o apanhavam, numa altura em que a testemunha já se encontrava agarrada a um poste.

Refere num primeiro momento que nenhum dos 3 arguidos lhe bateu, tendo ficado junto ao carro mas depois, acaba por dizer que o C. lhe deu um murro no pescoço e outro no olho.

A dada altura perdeu a noção do que se passava, lembrando-se já de estar numa ambulância dos bombeiros e ir para o hospital, onde esteve internado cerca de 24 horas, talvez mais, mas tendo permanecido doente ainda por uns dias.

Instado, refere que não tinha nenhum conflito com o C, não conseguindo explicar num primeiro momento a razão pela qual, ao ver o C, correu imediatamente para o interior da bomba de gasolina, para ali se refugiar, para depois dizer que logo à entrada percebeu que ia ser “assaltado”, não se descortinando o que está na origem da percepção declarada, do assalto iminente.

Mais tarde, acaba por referir que o C. uns tempos antes, o havia contactado através do facebook, perguntando-lhe pelos seus panos, que tinha deixado na festa, tendo-lhe a testemunha respondido que (em manifesta contradição com o que no início do seu depoimento, havia dito ao tribunal), “olha, os únicos panos que tenho são os dos 4 elementos e são meus”, não conseguindo explicar a razão pela qual se queixou da subtracção das licras e das telas com os desenhos em espirais, que segundo o próprio, “nunca viu”.

Inquirida Z (funcionária das bombas da BP, que não conhece os arguidos) referiu que no dia mencionado na acusação, se encontrava no interior das bombas em causa, quendo vê entrar um indivíduo a fugir de um “bando de pessoas” (6 ou 7) que vinham atrás dele (segundo a percepção da testemunha, essas pessoas vinham de um dos lados (direito ou esquerdo) da porta da loja, tendo-se este refugiado atrás do balcão, agarrado à testemunha, que ainda lhe serviu um pouco de “escudo”, porque essas pessoas estavam a bater nesse indivíduo (em momento algum viu alguma faca, achando – pese embora não se recordar com clareza - que esse senhor talvez trouxesse uma pequena mochila).

A dada altura, esse “bando” puxou-o lá para fora a testemunha trancou a porta automática, nada tendo visto do que se passou lá fora, onde foi mais tarde, já com a polícia e os bombeiros no local, onde viu o senhor “encolhido” e a queixar-se.

Quanto à testemunha PC, Cabo de Infantaria da GNR, em funções no Montijo (em 2014, desempenhava-as no Posto do Pinhal Novo), o seu depoimento pouco contribuiu para o apuramento dos factos, porquanto, estando a testemunha, no dia em causa de serviço, se limitou a ouvir no posto uma comunicação que dava nota de uma agressão a decorrer nas bombas da BP, onde se dirigiu com outros camaradas, sendo que quando lá chegou, já não presenciou quaisquer desacatos e, tendo embora visto a vítima, não teve contacto com ela, não se apercebendo por isso de marcas de agressões que pudesse ter, sabendo embora que chamaram a ambulância para a assistir.

Na exposição do processo de formação da nossa convicção, com vista à sua melhor explicitação, faremos uma subdivisão em dois momentos temporais, relacionado o primeiro, com os factos que se reportam ao crime de sequestro (analisando os que decorrem desde o momento em que os arguidos A. e B. vão buscar o ofendido DM a casa deste último, em Fronteira, até ao momento em que param nas bombas de gasolina da BP, em Pinhal Novo) e o segundo, relacionado com os que decorrem nas bombas da BP (respeitantes ao crime de ofensa à integridade física).

Sendo que, no que tange a ambos os momentos acabados de referir, o tribunal percepcionou que tanto arguidos como ofendido se apresentaram em julgamento, contando, da totalidade dos factos, “metade da história”.

E com esta nota, que se deixa consignada, temos, quanto ao primeiro momento:

Que os arguidos A, B e ofendido DM, são consonantes na descrição da forma como os primeiros foram buscar o último a Fronteira, na viatura em que seguiram (e lugares que nela tomaram) e no percurso que empreenderam, desde aquela localidade, até às bombas da BP, no Pinhal Novo.

Diferem as versões apenas, no que tange ao carácter forçado, com que DM a dada altura (antes do Pinhal Novo, cerca de 30 minutos antes de terem parado nas bombas da BP) prosseguiu viagem, porquanto, sendo certo que até esse momento, todos declaram que essa viagem foi feita voluntariamente pelo ofendido (através do engano em que o A. o colocou, ao dizer-lhe falsamente que o iria levar ao Vimieiro, a fim de que este vendesse as telas a um comprador nelas interessado), a partir desse momento DM refere ter-se apercebido, pelo caminho que tomaram, que não iam na direcção do Vimieiro, tendo pedido aos arguidos por 3 vezes, que o deixassem sair, não o tendo estes consentido e pelo contrário, tendo-lhe dito o A. que já não saía dali, para além de se ter voltado para trás, dando-lhe um soco na cabeça.

Já os arguidos A. e B. sustentam não o terem feito, afirmando que o arguido prosseguiu viagem até às bombas da BP, de livre vontade.

Neste segmento, o tribunal tomou como bom (em detrimento das declarações prestadas pelos arguidos A. e B), o depoimento prestado por DM.

Com efeito, é razoável supor que alguém, tendo entrado na viatura em causa, à “falsa fé” (mediante informação errónea, de uma perspectiva de negócio), com a indicação de que a localidade de destino é uma (Vimieiro, como todos confirmam), depois de ter parado para tomar o pequeno-almoço em Vendas Novas, se inquiete, ao perceber que o caminho percorrido a partir daí não seja no sentido do destino acordado e sim, num sentido distinto, cujo destino se desconhece.

Aliás, é muito mais cabida a inquietude de quem é confrontado com situação assim, do que a versão dos factos declarada pelos arguidos A. e B. (que os favoreceria, do ponto de vista da imputação pela prática do crime de sequestro - fazendo-o “cair”) segundo a qual, não obstante haver acordo quanto à finalidade e destino da viagem (o Vimieiro) e sem embargo de, após a pausa para o pequeno-almoço em Vendas Novas, o condutor ter seguido por caminho que não era o do destino acordado, o ofendido prosseguisse serena e tranquilamente viagem, sem interpelação, nem manifestação de vontade, relativamente ao roteiro assim alterado (mais a mais, para destino desconhecido pelo mesmo).

Esta versão dos factos, trazida a julgamento por estes dois arguidos, é que não encaixa, de todo, nas regras da experiência comum (a menos que o acordado fosse um “passeio” sem destino, nem finalidade, a fazer pelos três – e não foi isso que sucedeu).

Sendo cabido supor que, ao aperceber-se da alteração da rota empreendida, o ofendido tenha percepcionado, em face dessa inflexão, que “algo não batia certo”, questionando-se sobre o propósito da mesma.

E que nesse contexto, tenha interpelado aqueles dois arguidos, pedindo para sair, não o tendo consentido os primeiros, porque a finalidade (acordada e confessada pelos arguidos A e C) que estava na origem daquela viagem e de toda a logística a ela inerente, era a de levar o ofendido com as telas, à presença do arguido C, sendo que a partir desse momento, a prossecução da viagem, até então feita pelo ofendido de livre vontade, passou a sê-lo de forma contrariada, em privação de liberdade (como por apurado se teve).

E nem se diga que após esse momento, na eventualidade da viatura ter abrandado, ou parado em algum momento (circunstância que não se prova), o ofendido poderia ter saído da viatura em que seguia, porquanto nas circunstâncias havidas, em que este segue no banco de trás, sem domínio da condução, caso tivesse havido essa possibilidade, o tempo que lhe demandaria abrir a porta e sair, sempre possibilitaria ao condutor “arrancar” ou imprimir maior velocidade à viatura, impossibilitando-lhe a fuga, ou causando-lhe ferimentos na tentativa - o que dela seria dissuasor.

Quanto ao segundo momento (factos que decorrem nas bombas da BP - respeitantes ao crime de ofensa à integridade física).

Os 3 arguidos e o ofendido são consentâneos no relato, quanto à circunstância de, chegados às bombas da BP em Pinhal Novo, se encontrar no exterior das mesmas o arguido C, do DM ter saído da viatura, se ter escondido num balcão, no interior das bombas de gasolina, onde várias pessoas (entre 6 a 8 – só o C. alude a dois amigos seus, percebendo-se bem porquê, em face do tipo de qualificativa do crime de ofensa à integridade física, cuja prática se imputa, não merecendo qualquer credibilidade essa sua indicação, porque contrariada pelos demais e, também, pelo teor do depoimento prestado pela testemunha Z, funcionária das bombas em causa, onde se encontrava, a qual, não conhecendo nenhum dos intervenientes, nem tendo qualquer interesse directo na causa, foi peremptória ao afirmar que o ofendido fugiu para o interior dessas bombas, sendo perseguido “por um bando de pessoas”, 6 ou 7”) lhe bateram, desferindo-lhe socos e pontapés por “onde calhava”, tendo-o arrastado para o exterior, onde continuaram a bater-lhe, do mesmo modo.

Arguidos e ofendido foram ainda unânimes, ao atribuir essa execução a “amigos” ou “conhecidos” do C (o próprio no-lo disse, ainda que com a – indemonstrada - “nuance”, de que seriam apenas dois), a seu chamamento, bem como à circunstância de nenhum dos 3 arguidos ter batido no ofendido (o próprio no-lo refere, apesar de no final do seu depoimento inflectir, de uma forma que também não foi convincente – quer pela contraditoriedade do relato nesta parte, quer pela falta de credibilidade intrínseca, por se saber ser extremamente difícil para quem está a ser espancado por um grupo de pessoas, atentar na identificação de alguma - dizendo que afinal, o C. também lhe deu um murro no pescoço e outro no olho).

Neste particular, o arguido A. referiu ainda ter dito às pessoas que batiam no ofendido, para o deixarem (não nos merecendo reservas esta sua declaração).

Efectivamente, o relato dos arguidos e do ofendido diferem apenas num aspecto, atinente ao momento de saída do último, do interior da viatura, já que os primeiros referem que este o fez, empunhando uma faca na direcção do C (o arguido C. fala mesmo numa “catana”), ao invés de DM que afirma não ter nenhuma faca na sua posse e que se refugiou de imediato no interior das bombas de gasolina quando viu o C., porque logo ali percebeu que ia ser “assaltado”.

O tribunal credibilizou a versão do ofendido neste segmento por dois motivos:

Primeiro, porque escassamente se entenderia que a pessoa armada (no caso, com uma faca que alegadamente empunharia contra o arguido C) fosse a que foge para o interior das bombas de gasolina, procurando refúgio atrás de um balcão (a realidade da vida, leva-nos a concluir que a sua normalidade vai no sentido das pessoas armadas não fugirem, quando se deparam com outra que não o está).

Segundo, porque a já referida testemunha Z que se encontrava no interior das bombas de gasolina, para onde o ofendido fugiu imediatamente, junto ao qual esteve (atrás do balcão onde se aquele se escondeu, tendo a testemunha servido “de escudo”, numa altura em que lhe batiam), não recorda de faca alguma.

Terceiro, porque se o ofendido a tivesse, poderia ter colocado fim à situação de privação da sua liberdade, que ocorreu no decurso da viagem havida até àquele local, mais concretamente, desde cerca de 30 minutos antes, como se referiu na exposição da nossa convicção respeitante ao momento 1.

Quanto às lesões sofridas pelo ofendido, em consequência das agressões de que foi alvo, o tribunal alicerçou a sua convicção no teor da documentação clínica, que faz fls. 69 a 74.
Quanto aos motivos subjacentes às condutas empreendidas:

A nossa convicção fundou-se nas declarações prestadas pelos arguidos C. e A. e também, do ofendido DM (que, pese embora ter dito não ter nenhum conflito com o C, denunciá-lo na globalidade do depoimento prestado, mormente na circunstância de, quando chegado às bombas da BP, ter fugido imediatamente para o seu interior, assim que viu aquele arguido – a sua declarada percepção, fundada em razões que não conseguiu explicitar, segundo a qual “viu logo que ia ser assaltado” não colhe, antes espelhando essa conduta, o receio que demonstrou sentir por aquele arguido; e os receios são fundados em razões concretas e não na ausências delas, como tentou convencer-nos – para além de a final, após várias instâncias que expuseram incoerências no relato, ter dito “espontaneamente” que afinal uns tempos antes, o C lhe tinha perguntado por uns panos, que tinha deixado na casa do ofendido, tendo-lhe este respondido que os únicos panos que tinha eram os dos “4 elementos” e eram seus – não obstante ter dito no início do seu depoimento que na sequência de uma festa, o arguido C. tinha deixado uns panos de decoração no terreno do pai do ofendido – o que é assunto de “espontaneidade” difícil de entender, para quem alega não ter qualquer conflito com aquele arguido).

Que os conflitos existentes, se relacionem com as telas, ou com outros assuntos, isso é que o tribunal não logrou alcançar, em razão do que acima se referiu (ou seja, que arguidos e ofendido relataram dos factos, “meia verdade” apenas, não nos permitindo validar os termos concretos dos mesmos).

Quanto à situação pessoal e condição económica dos arguidos, o tribunal fundou a sua convicção na análise dos respectivos relatórios sociais, juntos aos autos e identificados nas folhas respectivas, e “supra” parcialmente transcritos.

Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos: a nossa convicção alicerçou-se na análise dos seus CRC`s, juntos aos autos e identificados nas folhas respectivas.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP (AFJ de 19.10.95), as questões a apreciar respeitam à impugnação da matéria de facto e ao erro de subsunção.

Da impugnação da matéria de facto
O recorrente insurge-se contra a decisão em matéria de facto alegando que os factos provados sob os nºs 5 e 6 do acórdão foram incorretamente julgados, pois “não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento”, uma vez que os arguidos negaram estes factos e apenas o ofendido os confirmou. Mostrar-se-ia assim violado o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.127º do CPP, tendo a condenação do recorrente “assentado apenas nas declarações do ofendido”.

A impugnação da decisão da matéria de facto pode processar-se por uma de duas vias: através da arguição de vício de texto previsto no art. 410º nº 2 do CPP, dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado de revista alargada, ou por via do recurso amplo ou recurso efectivo da matéria de facto, previsto no art. 412º, nºs 3, 4 e 6 do CPP (é esta última norma que o recorrente invoca na sua impugnação).

O sujeito processual que discorda da “decisão de facto” do acórdão pode, assim, optar pela invocação de um erro notório na apreciação da prova, que será o erro evidente e visível, patente no próprio texto da decisão recorrida (os vícios da sentença poderão ser sempre conhecidos oficiosamente e mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito, conforme acórdão uniformizador do STJ, de 19.10.95) ou de um erro não notório que a sentença, por si só, não demonstre.

No primeiro caso, a discordância traduz-se na invocação de um vício da sentença ou acórdão e este recurso é considerado como sendo ainda em matéria de direito; no segundo, o recorrente terá de socorrer-se de provas examinadas em audiência, que deverá então especificar.

Na verdade, impõe o art. 412º, nº3 do CPP que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto por via do recurso amplo o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da tomada na sentença e/ou as que deviam ser renovadas. Esta especificação deve fazer-se por referência ao consignado na acta, indicando-se concretamente as passagens em que se funda a impugnação (art. 412º, nº4 do CPP). Na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente,” de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.03.2012 (AFJ nº 3/2012).

O incumprimento das formalidades impostas pelo art. 412º, nºs 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla. Mais do que uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma real impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso.

No caso, o recorrente, indicando-a embora, não procedeu à mínima especificação da concreta prova em que funda a sua impugnação, pois não transcreveu as concretas passagens, nem as indicou por referência ao consignado na acta. A omissão é, aqui, absoluta.

E como a omissão detectada atravessa toda a peça processual, não se encontrando nesta as indicações ou transcrições dos depoimentos indicados, não poderá o recurso ser aperfeiçoado já que de uma omissão total se trata.

Este incumprimento das especificações prejudica o conhecimento do recurso em matéria de facto, deteriora a exequibilidade da sindicância da decisão de facto a um nível mais alargado, como se disse, pois o ónus de impugnação “concretos factos, concretas provas” visa viabilizar o próprio recurso de facto.

Daqui não resulta, porém, que a Relação fique desobrigada de sindicar o acórdão na parte relativa à decisão da matéria de facto, devendo fazê-lo através da análise do seu texto, perscrutando se enfermará, então, de um erro notório na apreciação da prova que possa ter condicionado a demonstração dos factos impugnados no recurso.

Na verdade, o presente recurso é aproveitável como arguição de vício de sentença (embora o recorrente não o refira expressamente) e este, a existir, sempre seria de conhecimento oficioso.

Refere, então, o recorrente que os pontos 5. e 6. da matéria de facto dada como provada no acórdão resultaram exclusivamente das declarações do ofendido e que tais declarações, alegadamente desacompanhadas de outra prova e contraditadas até pelas declarações de dois arguidos, seriam insuficientes para justificar o juízo de provado formulado quanto aos dois pontos de facto em crise.

Os factos impugnados são os seguintes: “5º O arguido A. desferiu um murro que atingiu DM na cabeça, deixando-o sem possibilidade de sair do veículo e regressar a casa” e “6º Assim, contra a sua vontade, DM, foi conduzido pelos arguidos no já descrito veículo até à localidade do Pinhal Novo”.

Tratando-se da prospecção de um eventual vício de texto, há que sindicar o acórdão, verificando se se explicou suficientemente a demonstração da matéria impugnada.

A existir erro notório, como o recorrente propala, ele teria de ser evidente, detectável espontaneamente no texto da decisão, e resultar deste, ou do encontro deste com as regras da experiência comum. Pois o erro notório traduz-se em considerar provado algo notoriamente errado, que não poderia ter acontecido, algo de ilógico, arbitrário ou notoriamente violador das regras da experiência comum. Seria uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si (…) Há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se respeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis(Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 74).

A leitura do acórdão permite concluir, sem a mínima dificuldade, que os dois pontos de facto impugnados (à semelhança, aliás, de todas as conclusões que se retiraram ali ao nível da factualidade provada) se encontram devidamente justificados, no exame crítico das provas, já transcrito em 2.

Senão, atente-se agora nos dois excertos mais relevantes dessa explicação:

“Com efeito, é razoável supor que alguém, tendo entrado na viatura em causa, à “falsa fé” (mediante informação errónea, de uma perspectiva de negócio), com a indicação de que a localidade de destino é uma (Vimieiro, como todos confirmam), depois de ter parado para tomar o pequeno-almoço em Vendas Novas, se inquiete, ao perceber que o caminho percorrido a partir daí não seja no sentido do destino acordado e sim, num sentido distinto, cujo destino se desconhece.

Aliás, é muito mais cabida a inquietude de quem é confrontado com situação assim, do que a versão dos factos declarada pelos arguidos A e B (que os favoreceria, do ponto de vista da imputação pela prática do crime de sequestro - fazendo-o “cair”) segundo a qual, não obstante haver acordo quanto à finalidade e destino da viagem (o Vimieiro) e sem embargo de, após a pausa para o pequeno-almoço em Vendas Novas, o condutor ter seguido por caminho que não era o do destino acordado, o ofendido prosseguisse serena e tranquilamente viagem, sem interpelação, nem manifestação de vontade, relativamente ao roteiro assim alterado (mais a mais, para destino desconhecido pelo mesmo).

Esta versão dos factos, trazida a julgamento por estes dois arguidos, é que não encaixa, de todo, nas regras da experiência comum (a menos que o acordado fosse um “passeio” sem destino, nem finalidade, a fazer pelos três – e não foi isso que sucedeu).

Sendo cabido supor que, ao aperceber-se da alteração da rota empreendida, o ofendido tenha percepcionado, em face dessa inflexão, que “algo não batia certo”, questionando-se sobre o propósito da mesma.

E que nesse contexto, tenha interpelado aqueles dois arguidos, pedindo para sair, não o tendo consentido os primeiros, porque a finalidade (acordada e confessada pelos arguidos A e C) que estava na origem daquela viagem e de toda a logística a ela inerente, era a de levar o ofendido com as telas, à presença do arguido C, sendo que a partir desse momento, a prossecução da viagem, até então feita pelo ofendido de livre vontade, passou a sê-lo de forma contrariada, em privação de liberdade (como por apurado se teve).

E nem se diga que após esse momento, na eventualidade da viatura ter abrandado, ou parado em algum momento (circunstância que não se prova), o ofendido poderia ter saído da viatura em que seguia, porquanto nas circunstâncias havidas, em que este segue no banco de trás, sem domínio da condução, caso tivesse havido essa possibilidade, o tempo que lhe demandaria abrir a porta e sair, sempre possibilitaria ao condutor “arrancar” ou imprimir maior velocidade à viatura, impossibilitando-lhe a fuga, ou causando-lhe ferimentos na tentativa - o que dela seria dissuasor.”

Como se vê, o tribunal apercebeu-se da existência de duas versões de sinal contrário no que respeita aos dois pontos agora impugnados e justificou adequadamente por que razão as declarações do ofendido (e não as dos arguidos) convenceram aqui. E a argumentação desenvolvida pelo colectivo de juízes é racional e lógica, em nada contrariando as regras do normal acontecer.

No acórdão explica-se devidamente, não só a credibilidade que (desde logo pela sua verosimilhança) mereceram as declarações do ofendido, como se justifica a inverosimilhança da versão apresentada pelos arguidos. E note-se que a prova não pode ser avaliada de modo secto e descontextualizado, fazendo ainda sentido, os factos provados, no contexto de toda a prova produzida e no episódio de vida descrito nos factos do acórdão.

De tudo resulta que a argumentação desenvolvida em recurso não permite concluir que tenha ocorrido uma incorrecta apreciação das provas, e do exame crítico do acórdão emerge a justificação da sobrevalorização do depoimento da testemunha ofendido em detrimento das declarações dos arguidos e do convencimento do tribunal na demonstração dos factos da acusação.

Assim, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o colectivo de juízes formou a sua convicção valorando os diferentes meios de prova sem obediência a critérios legais pré-fixados, mas sempre de acordo com as regras da experiência. A convicção formou-se na prova livremente apreciada de acordo com as regras da experiência, da lógica, da razão e dos conhecimentos científicos e técnicos necessários ao caso.

Em suma, o exame crítico da prova cumpriu as suas finalidades, maxime no que respeita aos pontos de facto impugnados, explicando-os suficientemente. Não é detectável qualquer vício do art. 410º, nº 2, do CPP, no acórdão, improcedendo nesta parte o recurso.

Do erro de subsunção

Em matéria de direito, o recorrente argumenta que o crime de sequestro, do art.158º, do CP, estipula que “quem detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa, ou de qualquer forma a privar da liberdade é punido”, que “um dos elementos objetivos consiste na privação absoluta da liberdade de movimentação” e que “o preenchimento do tipo só se verifica, quando existe uma restrição absoluta da liberdade de deslocação para qualquer local”, o que não teria ocorrido no caso.

Como se vê, o erro de subsunção encontra-se formulado na decorrência da impugnação da matéria de facto e, não, como arguição de um puro erro na aplicação do direito.

Na verdade, o recorrente não discute se os factos provados do acórdão realizam o crime de sequestro; discute, sim, se ocorreu a efectiva e absoluta privação de liberdade de locomoção.

Tendo soçobrado esta sua pretensão inicial, e fazendo parte da factualidade (provada) do acórdão designadamente que “DM, suspeitando estar a ser engando, solicitou que voltassem para Fronteira, o que lhe foi negado”, que “o arguido A. desferiu um murro que atingiu DM na cabeça, deixando-o sem possibilidade de sair do veículo e regressar a casa”, que “contra a sua vontade, DM foi conduzido pelos arguidos no já descrito veículo até à localidade do Pinhal Novo”, que o ofendido “solicitou que voltassem para trás (…) cerca de meia hora antes de terem parado nas bombas da BP” (altura em que o ofendido aproveitou para tentar fugir e procurar ajuda junto de terceiros) e que “o arguido A. disse a DM “daqui já não sais!”, tendo o último ficado atemorizado”, falece toda a argumentação “de facto” em que assentava a pretensão do recorrente (demonstrados que ficaram também os factos respeitantes ao tipo subjectivo).

Aceita-se genericamente como correcta a fundamentação da incriminação explanada no acórdão, onde se pode ler:

“Os arguidos vêm acusados da prática, em co-autoria material de um crime de sequestro, p. e p. pelo artº 158º/1 do C. Penal, que reza no seguinte teor: “Que detiver, manter presa ou detida outra pessoa ou de qualquer forma a privar da liberdade (…)”.

Ora nos autos demonstra-se, que na sequência de um acordo havido entre o A. e C., segundo o qual o primeiro se comprometeu a levar as telas e DM à presença de C (ao qual o arguido B. aderiu), A. e B. foram buscá-lo a Fronteira, nos moldes apurados, na viatura conduzida pelo último, na qual entrou e seguiu DM, num primeiro momento (a falso pretexto invocado por A) de livre vontade, sendo que a dado momento (próximo da zona do Pinhal Novo, cerca de 30 minutos antes da viatura ter parado nas bombas da BP), apercebendo-se DM que algo “não batia certo”, em face do pretexto que lhe fora transmitido, pede para sair, não o tendo deixado os arguidos que seguiam consigo (dizendo-lhe o A “daqui já não sais” e dando-lhe um soco).

Pelo que, a partir desse momento, DM prossegue viagem no interior da viatura (em cuja condução não tem domínio) onde seguiam esses dois arguidos, privado na sua liberdade e contrariado na sua vontade.

Mais se tendo provado que os arguidos A. e B. actuaram da forma descrita na concretização de um plano previamente elaborado entre o primeiro e C., ao qual aderiu o segundo, dividindo esforços;

Que quiseram transportar o ofendido DM da localidade de Fronteira até ao Pinhal Novo, tendo-o feito os arguidos A. s e B. contra a sua vontade, durante cerca de meia hora, até terem chegado ao destino, bem sabendo que ao actuar da forma descrita o limitava na sua liberdade de locomoção e auto-determinação e, finalmente;

Que agiram sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a conduta como a descrita é punível por lei.

E tais circunstâncias bastam, para que se considere que com a conduta empreendida, os arguidos A e B, preencheram os tipos objectivo e subjectivo do crime, por cuja prática - em co-autoria - vinham acusados.”

Cumpre, no entanto, frisar que não repugnaria considerar até que, no caso presente, o sequestro se teria juridicamente iniciado em momento anterior ao considerado no acórdão. Assim se poderia concluir, já que a entrada “voluntária” do ofendido no veículo (de onde veio depois a ser impedido de sair) ocorreu em circunstâncias falseadas pelo próprio agente do crime.

Houve assim uma “voluntariedade” meramente aparente, uma voluntariedade que materialmente não existiu, pois assentou em pressupostos que não se verificavam. E “podem constituir meios de sequestro a astúcia, a fraude e o engano” (Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense ao Código Penal, org. Figueiredo Dias, Tomo I, 2ª ed., p. 158). E esse engano foi fabricado pelos autores do crime, precisamente porque, não fora a história falsa que criaram, o ofendido nunca teria aceitado ser conduzido ao local onde veio a ser agredido fisicamente.

Atento, porém, o sentido do recurso, não é viável proceder agora a este agravamento da responsabilidade do arguido, pois foi ele o único recorrente. Consignou-se a precisão acabada de enunciar apenas para acentuar o infundado da pretensão (de absolvição) do recorrente, e nada mais.

Para concluir, é de aditar que a sua argumentação, para além de carecer de base factual (como se viu), carece igualmente de base legal por uma última razão.

O tipo de crime em apreciação, contrariamente ao que o arguido propala, não exige uma absoluta impossibilidade de a pessoa atingida se libertar.

Na verdade, “a impossibilidade de a pessoa se libertar não precisa de ser absoluta, não precisa de ser invencível”, bastando “que o meio utilizado constitua um impedimento sério, isto é, adequado” (Taipa de Carvalho, loc. cit. pp. 648/9). E esta “relação de adequação entre o meio utilizado e o efeito de sequestro tem, naturalmente, de ter em conta as circunstâncias concretas da situação, nomeadamente as próprias características pessoais do sujeito passivo” (idem).

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão.

Custas pelo recorrente que se fixam em 5UC (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/9 e Tab. III RCP).

Évora, 09.01.2018

(Ana Maria Barata de Brito)
(Maria Leonor Vasconcelos Esteves)