Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5329/19.1T8STB-A.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
AÇÃO EXECUTIVA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 04/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Em contratos de mútuo, em que se “compartimenta” a obrigação de restituição do capital em quotas de amortização, o vencimento antecipado de todas as prestações, em consequência do art. 781.º do Código Civil, não prejudica a aplicação do prazo do art. 310.º do Código Civil.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


 1. Caixa Geral de Depósitos, SA, propôs acção de execução para pagamento de quantia certa contra AA e BB, apresentando, como título executivo, um contrato de mútuo com hipoteca e fiança outorgado por escritura pública.


 2. AA deduziu oposição à execução, através de embargos do executado, invocando:

I. — a título principal, a prescrição da obrigação exequenda;

II. — a título subsidiário, designadamente, o pagamento parcial e a prescrição dos juros reportados a período superior a cinco anos.


 3. A Embarganda Caixa Geral de Depósitos, SA, contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.


 4. O Tribunal de 1.ª instância julgou improcedente a oposição à execução.


 5. Inconformado, o Embargante AA interpôs recurso de apelação.


6. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

I - A decisão sob recurso, omite pronúncia sobre factos alegados e provados documentalmente pelo embargante.

II – Assim, viola art. 615.º, n.º 1, al. d), 1,ª parte, do CPC, por violação do art. 608.,º, n.º 2, do CPC.

III – A jurisprudência tem vindo a considerar que a omissão de factos na matéria julgada provada cabe no art. 662.º, n.º 2, al. c) parte final, do CPC., e não no art. 640.º do CPC,

Assim,

IV - Após o art. 7 dos factos provados, e na sua sequência lógica, faltam os seguintes factos provados, decorrentes de alegação do embargante, e com respaldo probatório na certidão junta como Doc. 4 à petição de embargos, bem como no próprio processo n.º 8163/03…, cuja junção integral está requerida:

- Facto provado 7 A : ““No processo executivo referido em 7, dos 14.149,53 euros em falta, o Solicitar de Execução CC (em nome e no interesse da Caixa Geral de Depósitos), recebeu, das entidades patronais dos executados, a quantia total de 9.588,42 euros, resultante da soma das penhoras efectuadas no vencimento dos executados”. (Alegado em 20.º e 21.º da petição de embargos, e fundamentado com: fls. 220 e 223 do processo de execução n.º 8163/03……, constantes da certidão judicial junta pelo embargante como Doc. n,º 4).

- Facto provado 7 B: “A Caixa Geral de Depósitos sabe que a quantia de 9.588,42 euros, penhorada aos executados, na antecedente execução, foi depositado na conta BCP do solicitador de execução CC, designado para essa função pela Caixa Geral de Depósitos e a Caixa Geral de Depósitos declarou naquele processo não prescindir de receber o montante devido.” , e

- Facto provado 7 C: ““Na presente execução, a Caixa Geral de Depósitos peticiona a totalidade do montante que diz ser a diferença entre a adjudicação do imóvel e a dívida, mas sem reduzir a quantia que já foi penhorada aos executados noutro processo com o mesmo título e com a mesma dívida. (Fundamentando-se a resposta provada destes dois novos factos nos documentos do processo antecedente supra identificado (88163/03…..), fls. 227, 240, 241, 246, 247, 251 na parte final na certidão judicial junta pelo embargante como Doc. 4., e decorrentes do alegado em 23.º e 24.º da petição) V – Esses factos são essenciais para a justa composição da causa, porque são a verdade material, contribuindo para o fim último do processo, que é a realização da justiça. E essa essencialidade reside (caso não logre o embargante o vencimento em qualquer das excepções de prescrição alegadas), na enorme redução das suas responsabilidades: da diferença entre 14.149,53 da liquidação anterior (Cfr. facto provado 7) e os 9.588,42 euros penhorados anteriormente, isto é, a dívida seria de 4.561,11 euros, acrescidos de juros apenas dos últimos 5 anos, porque os restantes estão prescritos conforme alegado.

VI – E são, também, essenciais, esses factos, tal como resulta de todo o processo anterior que a CGD “olvidou” ao intentar esta execução, para concluir pela litigância de má-fé da exequente, quer ao tentar esconder que este era a 2.ª via do anterior, quer que disse naqueloutro que não prescindia nem de um cêntimo mesmo que tivesse de agir contra o Estado, a Câmara de Solicitadores, etc.

VII – O tribunal fez errada interpretação dos documentos do processo executivo anterior (8163/03……) e deteve-se, para julgar provado o facto 9, da forma como o fez, sem cuidar de fazer uma apreciação completa do processo de execução e verificar que o novo agente de execução, DD, extinguiu a execução, formalmente, quando entendeu, mas que, logo após o prazo da sua nomeação (6-10-2009, como bem refere a própria CGD na sua coonestação – art. 35.º), a CGD nada pagou a esse solicitador, o que, à data (processo anterior ao CPC 2013), significava uma deserção em 3 anos (arts. 287.º e 291.º do CPC antigo, violados na decisão).

Pelo que,

VIII – A verdade material obriga a pedir a rectificação do facto 9, no seguinte sentido: “9. Essa acção executiva foi declarada extinta por deserção da instância por decisão do Sr. Agente de Execução datada de 10.02.2016 e notificada à exequente e aos executados, mas, por inércia do exequente, que não procedeu ao pagamento do preparo devido ao agente de execução deve considerar-se extinta em 6-10-2012, isto é, 3 anos após aquela nomeação.”, com fundamento na documentação constante do processo (8163/03……), em que o agente de execução declara nunca ter recebido qualquer preparo da CGD, bem como na confissão ínsita em 35º da contestação da embargada CGD que confessa a data de nomeação do novo AE.

IX – Cumulativamente, o Mmo juiz a quo incorreu em omissão de pronúncia, violando o art. 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, o que, nos termos do art. 615.º, n.º 1. al. d) é gerador de nulidade, pois não se pronunciou sobre os factos alegados pelo embargante, como supra descrito.

X – Omissão de pronúncia que repetiu ao não apreciar a totalidade das excepções de prescrição deduzidas (e eram 3, do mais para o menos), nem a prescrição de juros, bem com a redução do capital em dívida.

XI – Ao não julgar prescrito o direito a que se arroga o exequente, a decisão violou os seguintes preceitos do Código Civil: ARTIGOS 298.º, N.º1, 304.º, N.º1, 309.º, 310.º, ALÍNEA E).

XII – Se nenhuma das excepções principais vier a ser decidida a seu favor, os executados têm, pelo menos, direito a ver reduzida a quantia exequenda por imputação directa ao capital 14.149,53 da liquidação anterior (Cfr. facto provado 7) e os 9.588,42 euros penhorados anteriormente, isto é, a dívida seria de 4.561,11 euros, acrescidos de juros apenas dos últimos 5 anos, porque os restantes estão prescritos.

XIII – Nem interessa ao executado se a CGD fez os esforços que tinha de ter feito para receber essa quantia penhorada a dois dos executados, pois, só a CGD tem legitimidade para reclamar essa quantia das entidades gestoras do anormalíssimo sistema de execuções que o Prof. Lebre de Freitas engendrou… (Ah! Insigne Professor Alberto dos Reis, já não há quem.)

XIV – De facto, o executado só poderia reclamar o que lhe foi ilicitamente ou em excesso penhorado, o que não é o caso das quantias de que cuidamos. Por isso, o risco não corre, neste caso, pelo devedor, como vimos escrito há pouco tempo, o risco é do exequente, que escolhe o agente de execução de sua confiança e que é o único com legitimidade para intentar acções contra a hoje OSAE, a seguradora de responsabilidade civil e o agente de execução, porque o dinheiro já é seu.

XV - Decidir, nesta questão, contra o executado, obrigando-o a pagar em dobro, em triplo, 100 vezes mais como é o caso, é violar grosseiramente o princípio constitucional da proporcionalidade, ínsito no art. 18,º da CRP, nomeadamente o sub-princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos, comando que se não dirige só ao Estado-Administração, mas também ao Estado-Juiz, obrigando a uma interpretação cuidada e equilibrada), bem como a violação do direito a um processo equitativo, nos termos do art. 20.º, n.º 4 da CRP.

XVI – Por fim dizer que o embargante continua a considerar que a CGD agiu de má-fé ao não trazer à luz toda a história da execução anterior, e que de 4.000 quer 40.000, razão para não entender a razão de ter o Mmo juiz a quo violado o art. 542.º do CPC, pois o embargante considera que se encontram preenchidas todas as alíneas do n.º 2.


 7. A Embarganda Caixa Geral de Depósitos, SA, contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


 8. O Tribunal da Relação …. julgou procedente a excepção peremptória de prescrição e, em consequência, julgou procedente o recurso.


9. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, em consequência do que se decide declarar procedente a oposição à execução e determinar a extinção da ação executiva que constitui o processo principal, revogando a decisão recorrida.


 10. Inconformada, a Embarganda Caixa Geral de Depósitos, SA, interpôs recurso de revista.


11. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A) O Douto Ac. Recorrido é nulo nos termos do art. 615º, nº 1, al d) , ex vi art. 666º, todos do CPC, pois deixou de se pronunciar sobre questões que devia ter apreciado.

B) A norma aplicável à contagem do prazo prescricional não constitui um fundamento de ação ou defesa. O fundamento é, sim, a prescrição, que foi julgada improcedente em primeira instância, pelo que, tratando-se da mera aplicação do direito, não havia necessidade de ampliação do objeto do recurso.

C) Deveria o douto Tribunal a quo  ter conhecido da posição da exequente/embargada quanto à aplicação do prazo de prescrição ordinário de 20 anos, tal como alegado pela aqui recorrente nas suas contra-alegações de recurso.

D) Determina o artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”

E) Por sua vez, o artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil estabelece que “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo”.

F) No que respeita à duração da interrupção, o artigo 327.º do Código Civil estipula, no seu n.º 1, que “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”; e, no seu n.º 2, que “Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.”.

G) Uma vez que a primeira ação foi extinta por deserção, conforme decisão proferida em 10.02.2016, verifica-se que o novo prazo de prescrição começou a ocorrer a partir do acto interruptivo, ou seja, a citação, em 16.11.2003.

H) As quotas de amortização do capital constituem um plano de reembolso gradual estabelecido por acordo entre as partes.

I) Ocorrendo o vencimento imediato de todas as outras prestações (como ocorreu aquando da propositura da primeira acção), tal significa que os valores em dívida assumem a natureza de capital e de juros, encontrando-se, por isso, o capital sujeito ao prazo de prescrição de 20 anos (art. 309º C. Civil).

J) A partir do momento em que o empréstimo é vencido antecipadamente, já não há quotas de amortização, nem sequer direito à cobrança de juros remuneratórios, conforme douto Ac. Uniformizador de Jurisprudência 7/2009, onde se lê que: a obrigação de capital constitui nos contratos de mútuo oneroso, comercial ou bancário, liquidável em prestações, uma obrigação de prestação fraccionada ou repartida, efectuando-se o seu cumprimento por drawingObject3147partes, em momentos temporais diferentes, mas sem deixar de ter por objecto uma só prestação inicialmente estipulada, a realizar em fracções

K) Os juros remuneratórios enquanto rendimento de uma obrigação de capital, proporcional ao valor desse mesmo capital e ao tempo pelo qual o mutuante dele está privado, cumpre a sua função na medida em que exista e enquanto exista a obrigação de capital.

L) A obrigação de juros remuneratórios só se vai vencendo à medida em que o tempo a faz nascer pela disponibilidade do capital.

M) Não se pode considerar, de um lado, que já não há direito ao recebimento de juros remuneratórios, o que pressupõe a inexistência de quotas de amortização de capital, mas sim de uma única dívida de capital – a “prestação inicial única” a que se refere o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ e, de outro, que, afinal ainda há quotas de amortização de capital, embora sem juros remuneratórios.

N) Uma realidade pressupõe a outra: só há juros remuneratórios se houver quotas de amortização de capital.

O) Não havendo quotas de amortização, tão pouco se pode integrar o capital que resulta do vencimento antecipado no prazo previsto para essas quotas.

P) Decidindo como decidiu, foram violados pelo Tribunal a quo as seguintes disposições: arts. 615º, nº 1, al d) , ex vi art. 666º, todos do CPC e 309º e 310º do C. Civil.

Assim, face ao sucintamente exposto, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem declarar o douto Ac, Recorrido nulo e em consequência, proferir uma nova decisão que julgue improcedente a prescrição dos valores peticionados pela exequente, bem como o prosseguimento da execução.

Nestes termos,

e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Excelentíssimos Senhores Conselheiros, deve o presente recurso de revista ser julgado procedente, por provado, revogando o doutamente decidido no douto Acórdão recorrido, pois só se assim se fará a costumada e sã JUSTIÇA!


 12. O Embargante AA contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


13. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

I - A decisão sob recurso, está de acordo com a justiça, com a equidade, com o direito, com o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, e da segurança jurídica, pelo que deve ser mantida.

II – Na verdade, a única questão que ressalta das conclusões do recurso da exequente CGD é o finca-pé na prescrição ordinária, mesmo invocando uma inexistente nulidade por pretensa omissão de pronúncia.

III – Diz, esse Supremo Tribunal que “se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra” não existe omissão de pronúncia.

IV – E, também dizem as Relações e Esse Alto Tribunal que o prazo de prescrição do remanescente da dívida mutuada, após o incumprimento, se mantém nos 5 anos do art. 310.º e) do C Civil (por todos, STJ, 7ª SECÇÃO, 18/10/2018, Relator: OLINDO GERALDES, Processo: 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 e Relação do Porto, 5ª SECÇÃO, 21-10-2019, Relatora: FERNANDA ALMEIDA, Processo: 1324/18.6T8OAZ-A.P1,   ambos    em          www.dgsi.pt),      tal          como doutamente decidiu o acórdão recorrido, decisão que entendemos deverá ser mantida.

Mas, acautelando eventual decisão desfavorável ao recorrido,

B) DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO (ART. 636.º DO CPC):

V – A jurisprudência tem vindo a considerar que a omissão de factos na matéria julgada provada cabe no art. 662.º, n.º 2, al. c) parte final, do CPC., e não no art. 640.º do CPC,

Assim,

VI - Após o art. 7 dos factos provados, e na sua sequência lógica, faltam os seguintes factos provados, decorrentes de alegação do embargante, e com respaldo probatório na certidão junta como Doc. 4 à petição de embargos, bem como no próprio processo n.º 8163/03…., cuja junção integral está requerida:

- Facto provado 7 A : ““No processo executivo referido em 7, dos 14.149,53 euros em falta, o Solicitar de Execução CC (em nome e no interesse da Caixa Geral de Depósitos), recebeu, das entidades patronais dos executados, a quantia total de 9.588,42 euros, resultante da soma das penhoras efectuadas no vencimento dos executados”. (Alegado em 20.º e 21.º da petição de embargos, e fundamentado com: fls. 220 e 223 do processo de execução n.º 8163/03……, constantes da certidão judicial junta pelo embargante como Doc. n,º 4).

- Facto provado 7 B: “A Caixa Geral de Depósitos sabe que a quantia de 9.588,42 euros, penhorada aos executados, na antecedente execução, foi depositado na conta BCP do solicitador de execução CC, designado para essa função pela Caixa Geral de Depósitos e a Caixa Geral de Depósitos declarou naquele processo não prescindir de receber o montante devido.”, e

- Facto provado 7 C: ““Na presente execução, a Caixa Geral de Depósitos peticiona a totalidade do montante que diz ser a diferença entre a adjudicação do imóvel e a dívida, mas sem reduzir a quantia que já foi penhorada aos executados noutro processo com o mesmo título e com a mesma dívida. (Fundamentando-se a resposta provada destes dois novos factos nos documentos do processo antecedente supra identificado (88163/03……), fls. 227, 240, 241, 246, 247, 251 na parte final na certidão judicial junta pelo embargante como Doc. 4., e decorrentes do alegado em 23.º e 24.º da petição)

VII – Esses factos são essenciais para a justa composição da causa, porque são a verdade material, contribuindo para o fim último do processo, que é a realização da justiça. E essa essencialidade reside (caso não logre o embargante o vencimento em qualquer das excepções de prescrição alegadas), na enorme redução das suas responsabilidades: da diferença entre 14.149,53 da liquidação anterior (Cfr. facto provado 7) e os 9.588,42 euros penhorados anteriormente, isto é, a dívida seria de 4.561,11 euros, acrescidos de juros apenas dos últimos 5 anos, porque os restantes estão prescritos conforme alegado.

VII – E são, também, essenciais, esses factos, tal como resulta de todo o processo anterior que a CGD “olvidou” ao intentar esta execução, para concluir pela litigância de má-fé da exequente, quer ao tentar esconder que este era a 2.ª via do anterior, quer que disse naqueloutro que não prescindia nem de um cêntimo mesmo que tivesse de agir contra o Estado, a Câmara de Solicitadores, etc.

IX – O tribunal fez errada interpretação dos documentos do processo executivo anterior (8163/03….) e deteve-se, para julgar provado o facto 9, da forma como o fez, sem cuidar de fazer uma apreciação completa do processo de execução e verificar que o novo agente de execução, DD, extinguiu a execução, formalmente, quando entendeu, mas que, logo após o prazo da sua nomeação (6-10-2009, como bem refere a própria CGD na sua coonestação – art. 35.º), a CGD nada pagou a esse solicitador, o que, à data (processo anterior ao CPC 2013), significava uma deserção em 3 anos (arts. 287.º e 291.º do CPC antigo, violados na decisão). Pelo que,

X – A verdade material obriga a pedir a rectificação do facto 9, no seguinte sentido: “9. Essa acção executiva foi declarada extinta por deserção da instância por decisão do Sr. Agente de Execução datada de 10.02.2016 e notificada à exequente e aos executados, mas, por inércia do exequente, que não procedeu ao pagamento do preparo devido ao agente de execução deve considerar-se extinta em 6-10-2012, isto é, 3 anos após aquela nomeação.”, com fundamento na documentação constante do processo (8163/03…), em que o agente de execução declara nunca ter recebido qualquer preparo da CGD, bem como na confissão ínsita em 35º da contestação da embargada CGD que confessa a data de nomeação do novo AE.

XI – Se nenhuma das excepções principais vier a ser decidida a seu favor, os executados têm, pelo menos, direito a ver reduzida a quantia exequenda por imputação directa ao capital 14.149,53 da liquidação anterior (Cfr. facto provado 7) e os 9.588,42 euros penhorados anteriormente, isto é, a dívida seria de 4.561,11 euros, acrescidos de juros apenas dos últimos 5 anos, porque os restantes estão prescritos.

XII – Nem interessa ao executado se a CGD fez os esforços que tinha de ter feito para receber essa quantia penhorada a dois dos executados, pois, só a CGD tem legitimidade para reclamar essa quantia das entidades gestoras do anormalíssimo sistema de execuções que o Prof. Lebre de Freitas engendrou… (Ah! Insigne Professor Alberto dos Reis, já não há quem.)

XIII – De facto, o executado só poderia reclamar o que lhe foi ilicitamente ou em excesso penhorado, o que não é o caso das quantias de que cuidamos.

Por isso, o risco não corre, neste caso, pelo devedor, como vimos escrito há pouco tempo, o risco é do exequente, que escolhe o agente de execução de sua confiança e que é o único com legitimidade para intentar acções contra a hoje OSAE, a seguradora de responsabilidade civil e o agente de execução, porque o dinheiro já é seu.

XIV - Decidir, nesta questão, contra o executado, obrigando-o a pagar em dobro, em triplo, 100 vezes mais como é o caso, é violar grosseiramente o drawingObject245princípio constitucional da proporcionalidade, ínsito no art. 18,º da CRP, nomeadamente o sub-princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos, comando que se não dirige só ao Estado-Administração, mas também ao Estado-Juiz, obrigando a uma interpretação cuidada e equilibrada), bem como a violação do direito a um processo equitativo, nos termos do art. 20.º, n.º 4 da CRP.

XV – Por fim dizer que o embargante continua a considerar que a CGD agiu de má-fé ao não trazer à luz toda a história da execução anterior, e que de 4.000 quer 40.000, razão para não entender a razão de ter o Mmo juiz a quo violado o art. 542.º do CPC, pois o embargante considera que se encontram preenchidas todas as alíneas do n.º 2.

Decidindo no sentido da manutenção da extinção da execução conforme decisão recorrida, ou da requerida alteração da matéria de facto (a realizar na Relação, bem entendido), a redução substancial da quantia exequenda com a prescrição de juros, mas também condenando a exequente CGD como litigante de má-fé, V. Exs., farão JUSTIÇA!


 14. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

 I. — se o acórdão recorrido é nulo, por não se ter pronunciado sobre se a norma aplicável ao caso era o art. 310.º do Código Civil;

 II. — se a dívida prescreveu, por se aplicar ao caso do art. 310.º do Código Civil


II. — FUNDAMENTAÇÃO

   OS FACTOS


 15. O Tribunal de 1.ª instância deu como provados os factos seguintes:

1. Da escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança, dada à execução, celebrada no dia 24.09.1998 e documento complementar cujo teor aqui dou por inteiramente reproduzido, consta, além do mais, que a exequente concedeu aos executados um empréstimo de esc. 10.000.000$00 (€ 49.879,80 euros).

2. Tal empréstimo seria reembolsado no prazo de 25 anos em 300 prestações mensais, a primeira com vencimento a 24.10.1998, sendo a taxa de juro contratual de 9,544% ao ano, acrescida em caso de mora de uma sobretaxa de 4% ao ano.

3. Para garantia do empréstimo, respectivos juros e despesas, foi constituída hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “S” do prédio urbano sito na Rua ...., na freguesia de ….., concelho de …., descrito na ….ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …. e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….

4. As prestações acordadas deixaram de ser pagas a partir de 24.09.2003.

5. Em 11.11.2003 a exequente intentou, contra os executados a acção executiva que correu termos sob o nº 8163/03…… inicialmente na extinta Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca de …. e depois neste Juízo de Execução J…. para cobrança da quantia de € 50 736,96 euros.

6. No âmbito dessa execução, o imóvel penhorado em 07.05.2004 objecto da hipoteca, foi adjudicado ao exequente em 21.01.2005 pelo valor de € 44 100,00 euros.

7. No âmbito dos autos nº 8163/03….. referidos em 5. dos factos assentes foi efectuada liquidação do julgado, tendo sido apurada a quantia de € 14.149,53 euros em dívida a favor da exequente.

8. Por requerimento apresentado em 31.05.2006 nesses mesmos autos, a exequente requereu o seu prosseguimento para pagamento do remanescente da quantia ainda em dívida, pedindo a penhora do vencimento da executada BB.

9. Essa acção executiva foi declarada extinta por deserção da instância por decisão do Sr. Agente de Execução datada de 10.02.2016 e notificada à exequente e aos executados.

10. Em 06.08.2019, a exequente intentou contra os executados a presente acção executiva que tem o n.º 5329/19.......

11. O opoente/executado foi pessoalmente citado para a presente execução em 26.09.2019.


   O DIREITO

16. A primeira questão consiste em determinar se o acórdão recorrido é nulo, por não se ter pronunciado sobre se a norma aplicável ao caso era o art. 310.º do Código Civil.


17. A Recorrente Caixa Geral de Depósitos, SA, alega que

A) O Douto Ac. Recorrido é nulo nos termos do art. 615º, nº 1, al d) , ex vi art. 666º, todos do CPC, pois deixou de se pronunciar sobre questões que devia ter apreciado.

B) A norma aplicável à contagem do prazo prescricional não constitui um fundamento de ação ou defesa. O fundamento é, sim, a prescrição, que foi julgada improcedente em primeira instância, pelo que, tratando-se da mera aplicação do direito, não havia necessidade de ampliação do objeto do recurso.

C) Deveria o douto Tribunal a quo  ter conhecido da posição da exequente/embargada quanto à aplicação do prazo de prescrição ordinário de 20 anos, tal como alegado pela aqui recorrente nas suas contra-alegações de recurso.


 18. Ora, as conclusões A), B) e C) das alegações de recurso contradizem-se entre si.

 Ou bem que a questão da prescrição é uma questão única, indivisível, ou bem que a questão da prescrição é divisível em duas — a determinação da norma aplicável e a aplicação da norma determinada ao caso concreto. Caso a questão da prescrição seja uma questão única, indivisível, não haverá nulidade do acórdão recorrido porque se pronunciou sobre todas as questões de que devia conhecer; caso a questão da prescrição seja divisível, não haverá nulidade do acórdão recorrido porque se pronunciou sobre a única questão de que devia conhecer — a aplicação da norma determinada ao caso concreto.


  19. Em resposta à primeira questão, dir-se-á em qualquer um dos casos que não há nulidade do acórdão recorrido.


  20.  A segunda questão consiste em determinar se a dívida prescreveu, por se aplicar ao caso do art. 310.º do Código Civil.


 21. Os arts. 323.º. 326.º e 327.º do Código Civil são do seguinte teor:

Artigo 323.º — Interrupção [da prescrição] promovida pelo titular

1. — A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

2. — Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. […]

Artigo 326.º — Efeitos da interrupção

 1. — A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo seguinte.

2. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º.

Artigo 327.º — Duração da interrupção

2. — Quando… se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo. 


22. O facto dado como provado sob o n.º 5 é do seguinte teor:

Em 11.11.2003 a exequente intentou, contra os executados a acção executiva que correu termos sob o nº 8163/03…… inicialmente na extinta Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca de ….. e depois neste Juízo de Execução J….. para cobrança da quantia de € 50 736,96 euros.


 23. Em consequência do art. 323.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o facto interruptivo da prescrição tem-se por verificado decorridos cinco dias sobre a data da propositura da acção.


24. O facto dado como provado sob o n.º 9 é do seguinte teor:

Essa acção executiva [scl., a acção executiva que correu termos sob o nº 8163/03…..] foi declarada extinta por deserção da instância por decisão do Sr. Agente de Execução datada de 10.02.2016 e notificada à exequente e aos executados.


 25. Em consequência dos arts. 326.º, n.º 1, e 327.º, n.º 2, o novo prazo de prescrição começou a correr logo após o facto interruptivo — logo, no dia 16 de Novembro de 2003.


 26. A Recorrente concorda com o acórdão recorrido em que o prazo de prescrição começou a correr em 16 de Novembro de 2003 — cf. conclusões D), E) , F) e G) das alegações de recurso de revista — e discorda, tão-só, de que o prazo de prescrição seja de cinco anos — cf. conclusões H), I), J), K), L), M) N) e O).


 27. Alega que, a partir do vencimento imediato de todas as prestações, de deve aplicar o prazo ordinário de prescrição de 20 anos — art. 309.º— e não o prazo de cinco anos — art. 310.º do Código Civil.


 28. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerando, constantemente, que, “— apesar de a obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, — a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição[1].


 29. O vencimento antecipado de todas as prestações, em consequência de “patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato”[2], não altera o prazo de prescrição[3] — e, em particular, não faz com que o prazo de prescrição deixe de ser de cinco anos e passe a ser de 20 anos.

  30. Como se diz, por último, no acórdãos do STJ de 26 de Janeiro de 2021 — processo n.º 20767/16.3T8PRT-A.S2 —, II. — […] o incumprimento de uma das prestações em que a obrigação de reembolso é dividida ou repartida preenche a facti-species do art. 781.º, ainda que o incumprimento se reporte a uma prestação com função simultaneamente amortizadora e remuneratória do capital.

III. — De modo a evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para tutelar o devedor contra a acumulação da sua dívida, deve aplicar-se o prazo de prescrição do art. 310.º, als. d) e e) do CC - de cinco anos a contar do respetivo vencimento.

IV. — O facto de o incumprimento de uma prestação implicar o vencimento antecipado das restantes prestações em ‘nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida’.

 31. Ou seja: Contrariamente àquilo que alega a Recorrente, não obstante vencimento imediato de todas as prestações, deve continuar a aplicar-se o prazo de prescrição de cinco anos.

 32. Em resposta à segunda questão, dir-se-á que a dívida prescreveu, por se aplicar ao caso do art. 310.º do Código Civil.


 III. — DECISÃO 

   Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

    Custas pela Recorrente Caixa Geral de Depósitos, SA.


Lisboa, 8 de Abril de 2021


Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

  Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos Exmos. Senhores Conselheiros José Maria Ferreira Lopes e Manuel Pires Capelo.

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[1] Cf. acórdão do STJ de 29 de Setembro de 2016 — processo n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1.

[2] Expressão do acórdão do STJ de 12 de Novembro de 2020 — processo n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1.

[3] Cf. acórdãos do STJ de 25 de Maio de 2017 — processo n.º 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2 —, de 18 de Outubro de 2018 — processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 —, de 23 de Janeiro de 2020 — processo n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1 —, de 10 de Setembro de 2020 — processo n.º 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1 —, de 3 de Novembro de 2020 — processo n.º 8563/15.0T8STB-A.E1.S1 —, de 12 de Novembro de 2020 — processo n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 —, de 14 de Janeiro de 2021 — processo n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1 — ou de 26 de Janeiro de 2021 — processo n.º 20767/16.3T8PRT-A.S2.