Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
147/13.3TBVPA.G1.S2
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: UNIÃO DE FACTO
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
SUBSÍDIO POR MORTE
BANCO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
SEGURANÇA SOCIAL
REGIMES PRIVADOS DE SEGURANÇA SOCIAL
REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA
Data do Acordão: 09/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / REVISTA EXCEPCIONAL.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGOCIO JURÍDICO / OBJECTO NEGOCIAL – DIREITO DAS COISAS / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / LIBERDADE CONTRATUAL / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / PENHOR / PENHOR DE COISAS / FRUTOS DA COISA EMPENHADA.
Doutrina:
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, I, 4ª ed. 561.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 672.º, N.º 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 280.º, 405.º E 672.º, N.º 1, ALÍNEA C).
LEI N.° 7/2001, DE 11-05.
DE MAIO, APÓS AS ALTERAÇÕES NELA INTRODUZIDAS PELA
LEI N.º 23/2010, DE 30-08.
DECRETO-LEI N.° 322/90, DE 18-10.
ESTATUTO DAS PENSÕES DE SOBREVIVÊNCIA, APROVADO PELO DL N.° 142/73, DE 31-03.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 7/2017, DE 06-07-2017, IN DR, Iª SÉRIE, N.º 129;
- DE 23-10-2002, PROCESSO N.° 03A927, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-01-2013, PROCESSO N.° 2363/09.5TBPRD.P1.S1-A, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 02-10-2014, PROCESSO N.° 268/03.0TBVPA.P2.S1-A, IN WWW.DGSI.PT,
- DE 11-11-2014, PROCESSO N.° 542/14.0YLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 26-10-2006, IN WWW.DQSI.PT.
Sumário :
I - Tendo o AUJ n.º 7/2017 fixado jurisprudência no sentido de que: “o membro sobrevivo da união de facto tem direito a pensão de sobrevivência, por morte do companheiro, beneficiário do sector bancário, mesmo que o regime especial de segurança social aplicável, constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, para que remete a Lei n.º 7/2001, não preveja a atribuição desse direito”, ficaram aplanadas as dificuldades e removidos os escolhos interpretativos a respeito da questão de saber se o membro sobrevivo de uma união de facto tem direito ao pagamento de uma pensão de sobrevivência apesar de ser aplicável um regime especial de segurança social que não prevê esse direito.

II - Como tal, tendo resultado provado que: i) a autora viveu em condições análogas às dos cônjuges com o seu companheiro desde 2002; ii) contraíram casamento civil entre si em 16-07-2011; iii) o cônjuge marido faleceu em 23-03-2012; iv) era reformado do sector bancário, e v) o regime especial de segurança social no qual se incluía não previa o direito à pensão de sobrevivência nessas circunstâncias, atenta a doutrina do AUJ referido em I e o que decorre da Lei 23/2010, de 30-08, tem a autora direito à pensão de sobrevivência.

III - Da mesma forma, e uma vez que de acordo com o referido diploma legal, o reconhecimento do estatuto de unido de facto impõe a atribuição de tal prestação social, independentemente das condições económicas e do estado de necessidade do sobrevivo, tem igualmente a autora direito ao subsídio por morte.

Decisão Texto Integral:
Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:




         Relatório


    AA intentou contra Banco BB, S.A., ambos com os sinais dos autos, a presente acção declarativa com processo ordinário, peticionando que, pela sua procedência, se declare que:

      À data da morte de CC, ocorrida no dia 23 de Março de 2012, a Autora vivia com o mesmo há mais de dez anos em condições análogas às dos cônjuges, tendo o dito CC sido admitido como trabalhador do Banco DD – incorporado por fusão no Banco réu – em 03/09/1967 e à data do óbito encontrava-se na situação de reformado desde 01/12/1998.

     Que a Autora tem direito a alimentos da herança do falecido, nos termos do art° 2020° do C.C., em virtude de lhe não ser possível obtê-los nos termos das alíneas a) a d) do art° 2009° do mesmo diploma legal;

       Que a herança aberta por óbito de CC não possui bens ou rendimentos suficientes que permitam pagar alimentos à Autora, pelo que deve o Banco EE ser condenado a pagar à demandante as prestações por morte em causa, concretamente o subsídio por morte e a pensão de sobrevivência.

        

      Alegou para tanto e em suma, que desde o ano de 2002 e até 15/6/2011 viveu em condições análogas às dos cônjuges com o dito CC, tendo vindo a contrair matrimónio com aquele em 16/6/2011.

      Alega ainda que o casamento foi dissolvido, pelo falecimento do marido, a 23/3/2012.

       Por outro lado, sustenta que sempre dependeu economicamente dos rendimentos do falecido marido e que actualmente não aufere qualquer tipo de rendimento.

       Defende ainda que não pode obter alimentos, em virtude de não ter côn­juge ou ex-cônjuge e que os seus restantes familiares, ascendentes, descendente e irmã, não têm meios económicos suficientes para lhe prestar alimentos. Quanto à herança aberta por óbito de CC defende que esta apesar de ter património não dispõe de meios suficientes para lhe prestar alimentos.

     Pretende, portanto, que seja o réu a garantir à autora quer uma pensão de sobrevivência, quer o subsídio por morte de CC.


      Regularmente citado, o Banco réu contestou sustentando, em suma, que a Autora não tem direito ao pagamento da pensão de sobrevivência ou do subsídio por morte, pois que não reúne os pressupostos necessários para a sua atribuição, de acordo com o Acordo Colectivo de Trabalho aplicável e respectivo regime de segurança social nele inserto.

       Em concreto, defende que à data do óbito de CC, este e a Autora estavam casados há menos de um ano, pelo que não estão reunidos os pressupostos previstos no Acordo Colectivo de Trabalho publicado originalmente no BTE n.° 48, 29.12.2001, e igualmente no BTE, n.° 4 de 29/01/2005, BTE n.° 33, de 08/09/2006, e BTE n.° 3 de 22/01/2009, e que foi alvo de Acordo de Revisão, publicado no BTE n.° 39, de 22.10.2011 e que prevê a atribuição daquelas prestações sociais apenas aos cônjuges casados há mais de um ano.

      Por outro lado, o referido Acordo Colectivo de Trabalho não prevê a atribuição de qualquer prestação social aos unidos de facto.

      Finalmente, defende ainda que as prestações sociais requeridas não poderão ser atribuídas no quadro do Regime Geral da Segurança Social na medida em que CC foi trabalhador bancário da Ré, tendo sido admitido ao serviço do antigo Banco DD em 03.09.1967 (que foi incorporado por fusão no ora Réu), e passou à situação de reformado em 01.12.1998, tendo recebido a correspondente pensão de reforma até ao seu falecimento, não estando, por isso, abrangido pelo regime substitutivo da Segurança Social.

      Observada a legal tramitação e efectuado o julgamento da causa, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, decidiu:


        Declarar que à data da morte de CC, ocorrida no dia 23 de Março de 2012 a Autora vivia com o mesmo desde o ano de 2002 em condições análogas às dos cônjuges;


         Em consequência,


   Condenar-se o réu, Banco BB, S.A.., a pagar à autora AA o subsídio por morte e a pensão de sobrevivência peticionados, calculados ambos nos termos do disposto na cláusula 123° do Contrato Colectivo de Trabalho revisto e republicado no Boletim do Trabalho e da Empresa, n° 39 de 22 de Outubro de 2011.


      Inconformado, o Banco Réu interpôs recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por unanimidade, julgou o recurso improcedente e confirmou integralmente a sentença recorrida.


      Novamente irresignado, o Réu veio interpor recurso de Revista Excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes:


         CONCLUSÕES


1 - Vem o presente Recurso de Revista Excepcional interposto do douto Acórdão de fls._, proferido pelo Venerando Tribunal a quo, que decidiu confirmar a douta sentença de fls._, na qual, entre o mais, se condena o Recorrente a pagar à Recorrida um subsídio por morte bem como uma pensão de sobrevivência, prestações previdenciais peticionadas em sede de p.i, calculadas ambas nos termos do disposto na cl. 123ª do ACT do Banco Comercial Português, decisão com a qual não pode a Recorrente conformar- se.


2 - O ora Recorrente interpõe o presente recurso de revista excepcional, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 672º nº 1, als. a), b) e c) do CPC, por entender que está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, bem como por estarem em causa interesses de particular relevância social, assim como por o acórdão recorrido se encontrar em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não tendo sido, tanto quanto é do conhecimento da Recorrente, sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.


3 - Efectivamente, nos presentes autos, encontra-se nomeadamente em discussão se, analisando o disposto na clª 123 do ACT do Banco BB, bem como considerando igualmente o disposto no artº 3, al. e) da Lei nº 7/2001 de 11 de Maio (com a redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 23/2010 de 30.08), deverá ou não, ser atribuído à Autora um subsídio por morte bem como uma pensão de sobrevivência, atento por um lado a mesma ter vivido em união de facto com ex-trabalhador da Recorrente, e por outro lado, à data da morte deste, se encontrarem na situação de casados há menos de 1 ano.


4 - No entendimento do Recorrente, estamos perante uma questão, acima melhor identificada (envolvendo os institutos do casamento e da união de facto), cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, tratando-se de uma questão complexa e suscitadora de divergências jurisprudenciais, tendo aliás sido alvo já de diversas decisões judiciais contraditórias entre si, pretendendo-se com o presente recurso obter um exercício de interpretação por parte do Supremo Tribunal de Justiça quanto a tal questão, exercício esse que acima de tudo, possa servir de orientação para as instâncias inferiores, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito, evitando-se, ou pelo menos minorando-se, contradições patentes e recentes na jurisprudência.


5 - De facto, veja-se que na douta decisão recorrida, é fundamentado que o regime jurídico relevante para apreciação da questão em crise seria o vigente à data do óbito do trabalhador bancário, in casu o casamento, mas no entanto, apesar de a Autora e o falecido se encontrarem na situação de casados há menos de 1 ano, e apesar do disposto na referida cl. 123ª do ACT BB, na douta decisão recorrida entende-se que a Autora tem direito a atribuição de uma pensão de sobrevivência,


6 - Entendimento jurídico que, a título de exemplo, já no decorrer do ano de 2016, foi alvo de entendimento divergente pelo Tribunal da Relação do Porto, por douto Acórdão datado de 29.02.2016 (doc. 1 que se junta), o qual em situação idêntica, entendeu que em caso de falecimento de trabalhador bancário, apenas o cônjuge sobrevivo casado há mais de 1 ano teria direito a receber uma pensão de sobrevivência por análise ao disposto na cl 123ª do ACT BB, não se prevendo na referida clª tal atribuição aos unidos de facto (ressalvando ainda este último douto arresto, e bem, que em 2013, no ACT em causa foi acrescentada a clª 124-A que pela primeira vez define o direito à pensão de sobrevivência para os casos de unidos de facto, cujo teor não era no entanto aplicável ao caso na medida em que o falecimento do Autor ocorreu em data anterior a tal alteração).


7 - Como segundo ponto de divergência (relacionado com a "primeira" divergência já supra explanada), veja-se que o douto Acórdão recorrido, não obstante contraditoriamente invocar que o regime jurídico relevante para apreciação da questão seria o vigente à data do óbito do trabalhador bancário (o casamento), decidiu contudo pelo direito da Autora a atribuição de uma pensão de sobrevivência, entendendo que não se podia ignorar que a Autora tinha vivido em união de facto com o falecido, pelo que decidiu no sentido de que, não obstante do regime especial de segurança social aplicável à data não resultar a atribuição de uma pensão de sobrevivência ao "unido de facto", a Lei nºs 7/2001 de 11 de Maio, com a redacção que lhe foi dada em 2010, confere ao membro sobrevivo o direito à protecção social, pelo que a prestação é devida pelo Recorrente (invocando para o efeito o douto Acórdão proferido pelo TRG, de 23.10.2012, revogado pelo STJ por douto Acórdão datado de 05.03.2013).


8 - Tal entendimento é igualmente divergente do tomado no já supra referenciado douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, datado de 29.02.2016 (o qual decidiu no sentido de que, não consagrando o ACT vigente à data do falecimento do trabalhador a concessão de uma pensão de sobrevivência a favor do unido de facto, teria de improceder a pretensão deste), sendo que igual entendimento se encontra vertido no douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 05.03.2013 [que revogou o douto Acórdão fundamentador da decisão ora recorrida (datado de 23.10.2012 e não de 23.10.2013), que igualmente havia sido proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães], decidindo no sentido de que, sendo inaplicável o regime geral da segurança social em virtude da existência de um regime especial de segurança social substitutivo, e não consagrando este último a concessão de uma pensão de sobrevivência a favor do sobrevivente unido de facto, resta insubsistente a pretensão deste último. Também em igual sentido, vide douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 24.10.2013 disponível in www.dgsi.pt.


9 - Por outro lado, e sem prejuízo do acima exposto, é igualmente entendimento do Recorrente de que estão em causa interesses de particular relevância social, atento que se encontra em apreciação, quanto aos institutos jurídicos do casamento e da união de facto, institutos diferentes em si, a apreciação sobre uma possível concessão (ou não) de uma pensão de sobrevivência, atento nomeadamente o disposto em determinada clª do Acordo Colectivo de Trabalho e na Lei n.º 7/2001 de 11 de Maio, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 23/2010 de 30 de Agosto, pelo que a interpretação e orientação do Supremo Tribunal de Justiça terá igualmente o fim de que, pessoas que possam ter interesse jurídico idêntico ao da Autora tomem conhecimento da provável interpretação que poderão contar se recorrerem à via judicial para obtenção de tal invocado direito, o que não deixará de credibilizar o direito no que concerne a futuras aplicações casuísticas, sendo que se estimou em 2014 serem abrangidos por este Instrumento 8584 trabalhadores - Cfr. declaração aposta na assinatura das alterações publicadas no BTE nº 12, de 29/03/2014.


10 - Por outro lado ainda, o douto Acórdão recorrido, no entendimento do Recorrente, encontra-se em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, datado de 05.03.2013, processo n.º 2159/10.0TB.FAF.G1.SI (junto ao autos como doc. 8 com a contestação, e que se juntará cópia com menção de transito em julgado como doc. 2).


11 - Efectivamente, o Tribunal a quo, considerando o disposto na Clª 123 do ACT BB (anteriormente numerada como clª 120) e na Lei n.9 7/2001 de 11 de Maio com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 23/2010 de 30 de Agosto, considerou que, apesar de a Autora não estar casada há mais de um ano com o falecido, não se podia ignorar a anterior união de facto, e assim sendo, invocando tal instituto, decidiu que não obstante o regime especial de segurança social aplicável à data não resultar a atribuição de uma pensão de sobrevivência ao "unido de facto", a Lei nº 7/2001 de 11 de Maio, com a redacção que lhe foi dada em 2010, confere ao membro sobrevivo o direito à protecção social, pelo que a prestação é devida pelo Recorrente (invocando para o efeito douto Acórdão proferido pelo TRG, de 23.10.2012, revogado pelo STJ por douto Acórdão datado de 05.03.2013).

        

12 - Contudo, decidiu-se no douto Acórdão fundamento, datado de 05.03.2013 que, o regime especial da Segurança Social aplicável não consagrava o direito à prestação de sobrevivência para o unido de facto, restringindo-a à situação em que o cônjuge sobrevivo beneficiário fosse casado com o trabalhador falecido, há mais de um ano, à data da sua morte. Deste modo não se consagrou, explicitamente, a hipótese da autora, sendo que, tratando-se de um regime privativo de segurança social, haveria que aplicá-lo em bloco, até porque mais favorável, na globalidade, do que o regime geral, não fazendo sentido complementá-lo, onde, porventura, seja, pontualmente mais desfavorável, com as regras próprias deste último. Termina referindo que, o direito à protecção social consistente numa pensão de sobrevivência, por morte do beneficiário de regime especial da segurança social, a que aludem os artigos lº, nºs l e 2, 3º nº l, e) e 6º, nº 1, da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, com a redacção da Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, reporta-se ao membro sobrevivo da união de facto, tornando-se efectivo, por força da aplicação do regime geral ou do regime especial da segurança social ou da mencionada lei, sendo certo que a lei geral da união de facto não confere a virtualidade de, por si só, contra o actual réu, viabilizar o direito reclamado pela autora.


13 - Salvo o devido respeito, que é muito, não pode o Recorrente concordar com o itinere expendido no douto Acórdão recorrido, nem consequentemente com a decisão proferida, tendo nomeadamente sido violada Lei substantiva.


14 - A Lei nº 7/2001 de 11 de Maio, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 23/2010 de 30 de Agosto, consagrou de forma expressa - e bem -, que os "unidos de facto" tivessem direito a protecção social, através do regime geral de segurança social ou através de regimes especiais de segurança social.


15 - Só que o direito à referida protecção social, in casu pagamento de uma pensão de sobrevivência (quer por via do regime geral ou do regime especial), apenas se efectivará caso o unido de facto sobrevivo reúna os pressupostos para a atribuição de determinado subsídio/pensão, pressupostos esses plasmados nos referidos regimes aplicáveis.


16 - É aplicável ao presente caso um regime especial de segurança social, in casu o ACT celebrado entre o Banco BB. S.A.. e o Sindicato dos Bancários do Norte e Outros, publicado originalmente no BTE Nº 48, 29.12.2001, e igualmente no BTE, N.° 4 de 29/01/2005, BTE n.° 33, de 08/09/2006, BTE nº 3 de 22/01/2009, e BTE nº 39, de 22.10.2011.


17 - O "regime" especial aplicável (Acordo Colectivo de Trabalho) ao caso não previa a concessão de uma pensão mensal de sobrevivência para o caso de "união de facto", e no caso dos cônjuges apenas são os mesmos beneficiários se estiverem casados há mais de 1 ano, o que não sucedeu no presente caso, e por isso, o Recorrente não é o titular da obrigação em causa, ou seja, o pagamento de uma pensão de sobrevivência à Autora.


18 - O Acordo Coletivo de Trabalho em questão, que tem génese e natureza contratual, é um todo incindível. havendo que aplicá-lo em bloco, sendo que, o facto de determinado regime especial de segurança social ser pontualmente mais desfavorável do que o regime geral, nem por isso faz com que faça sentido complementá-lo com o escopo de normas que não constam do regime especial, mas do regime geral, ou que exista uma discriminação arbitrária entre os casados e os unidos de facto, e entre os beneficiários do Regime Geral e os beneficiários do regime privativo, tema esse já aliás alvo de decisão pelo Supremo Tribunal de Justiça.


19 - A Recorrida e o falecido CC contraíram casamento civil no dia 16.07.2011 (facto provado A), sendo que CC faleceu no dia 23.03.2012, ou seja, cerca de 8 meses após ter contraído matrimónio, no estado de casado com a Autora (facto provado B), e assim, ambos detinham assim, à data do óbito, o estado civil de casados, (facto provado B).


20 - A Cláusula 123ª do supra referido Acordo Colectivo de Trabalho, sob a epígrafe "Subsídio e Pensão de Sobrevivência em caso de morte no sector bancário", faz depender a atribuição da pensão de sobrevivência, dos seguintes termos: ao cônjuge sobrevivo, no caso de o casamento durar há mais de um ano, à data do falecimento, aos filhos, incluindo os nascituros e adoptados plenamente, até perfazerem 18 anos, ou 21 e 24 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino médio ou superior e, sem limite de idade, os que sofrerem de incapacidade permanente e total para o trabalho.


21 - No caso dos autos, manifestamente não sucedeu, nem um caso, nem o outro, conforme resulta claro da matéria assente, não tendo a Recorrida direito a uma pensão de sobrevivência por aplicação do Regime Especial de Segurança Social aplicável (Acordo Colectivo de Trabalho), sendo que a Autora, à data do falecimento, era casada com o falecido há menos de 1 ano (mais concretamente cerca de 8 meses), como decorre aliás dos factos provados.


22 - Sendo que, mesmo tendo sido efectuada prova da união de facto, o ACT aplicável não previa a concessão da pensão de sobrevivência em tais casos, pelo que terá de improceder a pretensão da Autora, sendo que, o regime jurídico relevante para apreciação da questão em crise seria o vigente à data do óbito do trabalhador bancário, in casu o casamento.


23 - De referir ainda que ao presente caso não se pode sequer invocar, como pretende fazer crer o Tribunal a quo, o designado "efeito negativo do casamento".


24 - Efectivamente, e atento o teor do ACT aplicável ao caso, em vigor à data do falecimento do marido da Recorrida, não estamos perante um caso em que, se a autora estivesse em situação de união de facto com o Falecido à data do óbito daquele, teria direito a uma pensão de sobrevivência, e tendo ambos decidido contrair casamento já não teria esse direito, pois que o ACT, na versão aplicável, não previa o direito a uma pensão de sobrevivência no caso de "união de facto", pelo que no presente caso, não se pode falar do referido "efeito negativo do casamento".


25 - Em sede de douto Acórdão recorrido, é entendimento do Tribunal a quo de que, no presente caso, ao não se conceder à Autora uma pensão de sobrevivência, estaríamos perante uma situação de discriminação dentro do regime da segurança social, sendo que a Lei nº 7/2001 de 11 de Maio, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.9 23/2010 de 30 de Agosto, confere ao membro sobrevivo de "união de facto" direito a protecção social na eventualidade de morte de beneficiário nomeadamente por aplicação de regime especial de segurança social, pelo que, mesmo não constando do ACT aplicável a atribuição de uma pensão de sobrevivência ao unido de facto, o Recorrente deveria ser responsável pelo seu pagamento.


26 - Não obstante, e mesmo considerando o regime de unido de facto como sendo o regime a atender, o direito à referida protecção social, só pode, só deve efetivar-se, caso o membro sobrevivo reúna os pressupostos para a atribuição de determinado subsídio / pensão, pressupostos esses plasmados nos referidos regimes aplicáveis, sendo que o facto de determinado regime especial ser pontualmente mais desfavorável do que o regime geral, nem por isso tal se traduz numa invalidade, e por isso ter de se complementar com o escopo de normas que não constam do regime especial, mas do regime geral.


27 - E tendo em consideração os elementos constantes dos autos, não é aplicável ao presente caso o regime geral da Segurança Social, sendo que o regime especial aplicável (Acordo Colectivo de Trabalho acima melhor identificado) não previa a concessão de uma pensão mensal de sobrevivência para o caso de uniões de facto, mas apenas para o caso da Recorrida ser casada com o falecido há mais de um ano, o que igualmente não sucedia, não sendo assim devido o pagamento de uma pensão mensal de sobrevivência à Recorrida por parte do Recorrente.


28 - O regime de previdência social dos bancários é um regime incindível e hermético, e dessa incindibilidade e hermeticidade não resulta qualquer violação da Constituição se, num caso em concreto, o regime geral de segurança social for mais favorável do que o previsto num determinado regime especial previsto e regulado num Acordo Coletivo de Trabalho.


29 - Tal regime especial de segurança social aplicável, um regime privativo, expressamente salvaguardado por Lei, deve ser aplicado em bloco, não fazendo sentido completá-lo ou integrá-lo, com outras regras oriundas do regime geral de segurança social, desde logo porque o mesmo tem génese e natureza contratual, emergindo da vontade das partes, não existindo violação dos princípios constitucionais constantes dos artigos 139 e 632 da CRP.


30 - Invoca o douto Acórdão recorrido a existência de uma alegada "omissão" no ACT aplicável, alegadamente "colmatada" com a introdução da clª 124ª-A, conforme alteração constante do BTE nº 27, de 22.07.2013, o que considera o Tribunal a quo ser o "reconhecimento" de que o anterior ACT não estava de acordo nomeadamente com a legislação geral em vigor.


31 - Salvo o devido respeito, nenhuma razão assiste a tal fundamentação, não existindo qualquer "omissão", ou sequer qualquer "reconhecimento" de uma ou de ambas as partes subscritoras, sendo tal apenas uma consideração do Tribunal a quo, que se respeita, mas que se rejeita.


32 - O elenco de beneficiários de pensão de sobrevivência resulta do princípio da liberdade negocial existente entre os Sindicatos e Entidades Patronais, todas subscritoras do referido Acordo, sendo tais os beneficiários que em cada momento as Partes entenderam abranger, sendo que, se até à data da alteração ao referido ACT BB, constante do BTE nº 27, de 22.07.2013, as Partes Outorgantes do ACT não abrangeram os unidos de factos como beneficiários, foi por que não o quiseram, não estando obrigados a fazê-lo, sob pena de violação do princípio da liberdade contratual.


33 - O ACT aplicável, vigente à data do falecimento do trabalhador/reformado bancário, previa a concessão de uma pensão de sobrevivência aos cônjuges apenas caso o casamento perdure mais de 1 ano, não prevendo do elenco de beneficiários os unidos de facto, sendo que a Recorrida se encontrava casada com o falecido, à data da morte deste, há cerca de 8 meses, não se podendo contudo in casu, invocar um caso de "efeito negativo do casamento".


34 - Não é aplicável ao presente caso o Regime Geral da Segurança Social, sendo que o regime especial aplicável (Acordo Colectivo de Trabalho acima melhor identificado) não prevê a concessão de uma pensão mensal de sobrevivência para o caso de uniões de facto, havendo que aplicar unitariamente e em bloco o referido regime especial de segurança social, plasmado no citado Acordo Colectivo de Trabalho, não fazendo sentido complementá-lo, onde, pontualmente, o mesmo é mais desfavorável, nomeadamente com regras do regime geral da segurança social.


35 - Sendo que, conforme aliás tem sido jurisprudência pacífica e recente, o direito à referida protecção social, in casu o pagamento de uma pensão de sobrevivência (quer por via do regime geral ou do regime especial), apenas se efectivará caso o unido de facto sobrevivo reúna os pressupostos para a atribuição de determinado subsídio/pensão, pressupostos esses plasmados nos referidos regimes aplicáveis, não existindo discriminação arbitrária nem violação do princípio da igualdade pelo facto de, num caso em concreto, o regime geral de segurança social ser mais favorável do que o previsto num determinado regime especial previsto e regulado num Acordo Coletivo de Trabalho.


36 - Quanto à atribuição de um subsídio por morte, entendeu o Tribunal a quo que, por aplicação do disposto na supra referida clª 123ª do ACT indicado, conjugado com o disposto nos artigos 82 e 92 do DL 322/90 de 18 de Outubro, que deverá o Recorrente ser igualmente condenado no pagamento de um subsídio por morte à ora Recorrida.


37 - Da análise dos factos considerados provados, resulta que a) não existem filhos do casamento celebrado entre a autora e o falecido CC, b) a autora não estava casada com o falecido há pelo menos 1 ano; c) não foi provado que a morte de CC resultou de acidente ou de doença contraída ou manifestada depois do casamento.


38 - Não assiste à Autora o direito ao reconhecimento da atribuição de uma pensão de sobrevivência, nem o direito ao reconhecimento da atribuição de um subsídio por morte.


39 - Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão de fls._, designadamente, o disposto na clª123ª do ACT celebrado entre o Banco BB, S.A.., e o Sindicato dos Bancários do Norte e Outros, publicado inicialmente no BTE nº 48 de 29.12.2001, e ainda no BTE, nº 4 de 29/01/2005, BTE nº 33, de 08/09/2006, BTE nº 3 de 22/01/2009 e BTE nº 39, de 22.10.2011, bem como o disposto no artigo 3º, nº l, alínea e) da Lei nº 7/2001, na redacção conferida pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, e ainda o disposto nos artigos 13º e 63º da Constituição da República Portuguesa, e o disposto nos artigos 8º e 9º do Decreto-Lei n.2 322/90, de 18 de Outubro.


      Não foram apresentadas contra-alegações no presente recurso.

 


Dada a interposição de recurso de Revista Excepcional, os autos foram presentes à douta Formação a que alude o artº 672º, nº 3 do Código de Processo Civil, face à dupla conformidade das decisões de ambas as Instâncias, por unanimidade e com fundamentação não essencialmente diferente, tendo a referida Formação proferido douto acórdão em que, no essencial, reconheceu que «dúvidas não ocorrem de que se verifica a dupla conforme, uma vez que à conformidade das decisões corresponde uma fundamentação não divergente», acrescentando ainda o seguinte:


        «Dispõe o n.° 2 do artigo 67.° que “o requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição:

       As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

        As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social;

         Os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.

        Ora, tem entendido esta Formação que fica preenchido o pressuposto de admissibilidade da alínea a) do n.° 1 do artigo 672.° referido quando a relevância jurídica de uma questão se revele pelo elevado grau de complexidade que apresenta, pela controvérsia que gera na doutrina e/ou na jurisprudência ou ainda quando, não se revelando de natureza simples, se revista de ineditismo ou novidade que aconselhem a respectiva apreciação pelo Supremo, com vista à obtenção de decisão susceptível de contribuir para a formação de uma orientação jurisprudencial, tendo em vista, tanto quanto possível, a consecução da sua tarefa uniformizadora. Para efeitos da melhor aplicação do direito e sua clara necessidade, a relevância jurídica será de considerar quando a solução da questão postule análise profunda da doutrina e da jurisprudência, em busca da obtenção de "um resultado que sirva de guia orientador a quem tenha interesse jurídico ou profissional na sua resolução", havendo a necessidade de a apreciação "ser aferida pela repercussão do problema jurídico em causa e respectiva solução na sociedade em geral, para além daquela que sempre terá, em maior ou menor grau, nos interesses das partes no processo".


      Por sua vez, relativamente ao requisito relevância social, vem sendo jurisprudência constante da Formação, considerar preenchido o conceito indeterminado quando a questão suscitada tenha repercussão fora dos limites da causa, por estar "relacionada com valores sócio-económicos importantes e exista o risco, por isso, de fazer perigar a eficácia do direito ou de se duvidar da capacidade das instâncias jurisdicionais para garantir a sua afirmação", em suma, quando estejam em causa interesses que assumam importância na estrutura e relacionamento social, podendo interferir, designadamente, com a tranquilidade e segurança relacionadas com o crédito das instituições e a apli­cação do direito, ou ainda quando se trate de questão susceptível de afectar um grande número de pessoas, designadamente consumidores, quanto à segurança jurídica do seu relacionamento com as instituições, havendo um interesse que ultrapasse significativamente os limites do caso concreto.

           

       Quanto ao conceito de contradição tem vindo a ser aceite pela jurisprudência e acolhido por esta Formação o entendimento de que a mesma não radica na simples divergência ou falta de sintonia entre os arestos em confronto.


            Exige-se antes que tenha lugar:

        Identidade da questão de direito sobre que incidiram os acórdãos em confronto, a qual tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto;

    Oposição emergente de decisões expressas e não apenas implícitas.

    Oposição com reflexos no sentido da decisão tomada.

    Com variantes terminológicas de pouco ou nenhum relevo, podem ver­se neste sentido, em www.dasi.pt. e muito exemplificativamente, os Acórdãos deste Tribunal de 10.1.2013, processo n.°2363/09.5TBPRD.P1.S1-A, 2.10.2014, processo n.° 268/03.0TBVPA.P2.S1-A e de 11.11.2014, processo n.° 542/14.0YLSB.L1.S1.


    É patente que o recorrente cumpriu o respectivo ónus e a manifesta contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento invocado configura o pressuposto da alínea c) do n.° 1 do artigo 672.° do CC, dispensando- nos de averiguar dos restantes fundamentos.

        Face ao exposto, acorda-se em:


- Admitir com os fundamentos expostos, o recurso de revista excepcional»


Cumpre apreciar e decidir, nada obstando ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 635º do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal.

                                                                                                 

FUNDAMENTOS


     Das instâncias, vem dada como definitivamente provada a seguinte factualidade:


A) CC e AA contraíram casamento civil, sob o regime imperativo da separação de bens, em 16/07/2011.


B) CC faleceu em 23/03/2012, no estado de casado com AA.


C) CC foi admitido no Banco DD - incorporado por fusão no banco réu- em 03/09/1967.


D) À data do óbito encontrava-se na situação de reformado desde 01/12/1998.


E) Do casamento entre a autora e CC não houve filhos.


F) À data do óbito CC recebia uma mensalidade base de reforma de 1.196,38 €.


G) CC não deixou qualquer disposição de última vontade.


H) Desde 2002 até ao momento em que aquele faleceu, a autora e CC viveram em condições análogas às dos cônjuges, como se de verdadeiros marido e mulher se tratassem.


I) Em comunhão de leito, mesa e habitação, fazendo vida de casados.


J) Durante o período compreendido entre 2002 e 2011, a autora e CC viveram na casa daquele, aí recebendo amigos, familiares, fazendo a sua economia doméstica, ou seja, cozinhando, vendo televisão, convivendo e aprofundando a sua relação, bem como estreitando os laços afetivos com a família de ambos.


K) A união entre a autora e CC teve por base os sentimentos de amor e carinho nutriam entre si.


L) A relação de ambos era pública, aparecendo juntos em festas, convívios e cerimónias familiares de ambos, apresentando-se como marido e mulher,


M) Nos anos de 2003 a 2011 elaboraram e apresentaram declarações de rendimentos em comum.


N) A autora sempre dependeu economicamente dos rendimentos do falecido.


O) De Dezembro de 2011 até ao seu falecimento, o estado de saúde de CC, já bastante debilitado, exigia a presença constante da autora, nos cuidados e tratamentos do mesmo, não lhe dando quaisquer possibilidade de poder conciliar os mesmos, com qualquer sorte de trabalho.


P) A autora não aufere qualquer tipo de rendimento e não dispõe dos meios económicos indispensáveis e suficientes para a satisfação das respetivas necessidades básicas.


Q) A autora é filha de FF e GG.


R) A autora recorre à ajuda dos seus pais para poder colmatar as suas necessidades mais prementes, designadamente, alimentares.


S) Os pais da autora encontram-se aposentados, sendo que o pai da autora é bancário aposentado, auferindo a quantia mensal de €1.351.


T) A autora tem um filho, que é casado com HH e declararam estes que no ano de 2012 auferiram como rendimentos do trabalho a quantia de €5.483,21 e como rendimento de exploração económica as quantias de €9.278,43 e €7.298,21 a esposa.


U) A autora tem uma irmã que é casada com II e que declarou no ano de 2013 como rendimento do trabalho a quantia de €19.813,31.


V) Quando a autora contraiu matrimónio com CC, o mesmo era viúvo de JJ, a qual deixou como herdeiros:

KK;

LL;

MM, falecida tendo-lhe sucedido como herdeiros: O cônjuge NN; e os filhos OO e PP,


W) Da herança de JJ foi declarado fazerem parte os seguintes bens:


– Fração autónoma destinada a habitação no 1º andar direito, sito no Largo …, inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de … sob o art.° 3240 - D, com o valor patrimonial de € 70.110,00;


– Fração autónoma destinada a habitação no 2º andar direito, sito na Praceta dos … n.° 2 em …, inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de … sob o art.° 2362 - E, com o valor patrimonial de € 61.366,42;

E de passivo:

           

  – € 11.886,89 à Caixa QQ, referente a um empréstimo bancário para aquisição da fração identificada supra sita em …;

           

  – € 31.860,00 a LL, referente a amortização de capital, pagamento de juros, encargos, impostos, despesas e comissões do referido empréstimo.

        

Tal como no recurso de Apelação, a única questão decidenda no presente recurso de Revista Excepcional consiste em saber se a Autora tem direito à pensão de sobrevivência peticionada e ao subsídio por morte do seu marido e ex-trabalhador do ora Réu, Banco BB, S.A..


Ambas as Instâncias decidiram no sentido afirmativo, com lauta e convincente argumentação, tendo «o Réu sido condenado a pagar à Autora o subsídio por morte e a pensão de sobrevivência peticionados, calculados ambos nos termos do disposto na cláusula 123ª do Acordo Colectivo de Trabalho, revisto e republicado no Boletim do Trabalho e da Empresa (BTE) nº39, de 22 de Outubro de 2011» como reza a parte dispositiva da sentença da 1ª Instância, integralmente confirmada por unanimidade pela Relação.


Em sede de Apelação interposta pelo Banco, ora Réu, o Tribunal da 2ª Instância assim decidiu na parte que ora especialmente releva:


 «Como resulta da matéria de facto provada, a autora e CC contraíram casamento civil em 16/07/2011, tendo este vindo a falecer em 23/03/2012. Está ainda provado que previamente ao casamento, a autora viveu com CC em condições análogas às dos cônjuges desde 2002.

   Quanto ao período temporal do casamento entende-se que efectivamente o prazo de um ano, tem em vista obstar a situações oportunistas, que dada a situação fática apurada nos autos não se verificam, pois a recorrida viveu com o falecido CC como marido e mulher desde o ano de 2002 factos sob as alíneas H) a N).

      Por outro lado, os direitos da recorrida no que respeita à pensão de sobrevivência efectivaram-se com a morte do seu marido, ocorrida em 23/3/2012.

     E nessa medida poder-se-á considerar irrelevante a situação de união de facto quando à data do óbito tal situação, importando apenas considerar o regime jurídico vigente na data do óbito do trabalhador bancário, que no caso da recorrida, será o regime de casamento.

           

       No que respeita a esta questão, citamos o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-10-2006, disponível em www.dqsi.pt. e citado na sentença onde se defendeu ser nula a norma do actual artigo 123° do acordo colectivo de trabalho pelas seguintes razões:

           

   ‘‘Porque estabelece uma restrição à produção imediata dos efeitos do casamento sem suporte em regra normativa que a admita, contrariando, assim, o princípio de que do casamento derivam imediata e directamente os direitos e deveres consagrados na lei; e da lei, tanto do Decreto-Lei n° 322/90, de 18 de Outubro, como do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (Decreto-Lei n° 142/73, de 31 de Março) resulta que se reconhece aos cônjuges a titularidade dos direitos às prestações sociais, não resultando de nenhum destes diplomas qualquer restrição fundada exclusivamente no decurso do tempo (artigos 280° e 405° do Código Civil).

     E porque consagra um regime discriminatório, prejudicando o interessado casado face ao interessado que viveu em união de facto, na medida em que, a partir do reconhecimento jurídico das duas situações complexas - matrimónio e união de facto - impõe ao interessado casado um período de um ano para que lhe seja atribuída pensão de sobrevivência ao passo que não condiciona, relativamente ao companheiro sobrevivo, a atribuição de pensão de sobrevivência ao decurso de qualquer período de tempo’’.

           

    E não podemos sem mais ignorar que a recorrida vivia em situação análoga à dos cônjuges com o CC, desde 2002.

           

   Seria discriminatório não considerar que o cônjuge sobrevivo casado, após uma vida em comum como marido e mulher com o trabalhador falecido durante mais de 9 anos, não tem direito a uma pensão de sobrevivência porque o casamento não pode produzir esses efeitos jurídicos, quando hoje é reconhecido ao unido de facto o direito a essa pensão, porque ainda não decorreu o tempo necessário para perfazer um ano de casamento, quando actualmente aos unidos de facto nas condições referidas na Lei 7/2001 é reconhecido esse direito.

           

  Por outro lado, não deixa de ser discriminatória uma vez que dentro do regime de segurança social, em que se insere, está a violar o princípio basilar da segurança social que se traduz “no tratamento igual de situações iguais e no tratamento desigual de situações desiguais”.


Como se refere no Ac. desta Relação de 23/10/13 “é que a Lei n.° 7/2001, de 11 de Maio, após as alterações nela introduzidas pela Lei 23/2010, de 30-08, passou a reconhecer de uma forma expressa ao membro sobrevivo de união de facto e independentemente da necessidade deste último de alimentos, o direito à protecção social por morte do beneficiário, por aplicação do regime especial de segurança social.


   É que, existindo uma “união de facto”, ou seja, vivendo duas pessoas em condições análogas às dos cônjuges há mais de nove anos, na eventualidade de morte de uma delas e desde que “beneficiário”, ainda que por aplicação de regime especial de segurança social, ao membro sobrevivo confere a Lei (n.° 7/2001, de 11 de Maio) o direito à protecção social.


  Há ainda a referir que o Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário sofreu alterações, tendo sido acrescentada a cláusula 124a-A -BTE n°27 de 22.07.2013 - onde, pela primeira vez, é definido o direito à pensão de sobrevivência em caso de união de facto.

           

   Nessa cláusula consta o seguinte: «1. Os direitos do cônjuge sobrevivo, previstos nas cláusulas 123ª e 124ª, serão reconhecidos a pessoa que à data da morte do trabalhador ou reformado vivia com este em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos desde que a situação de união de facto não esteja ferida por alguma das seguintes circunstâncias» (...).

           

  É certo que no caso o teor da referida cláusula não é aplicável, na medida em que o falecimento do marido da autora ocorreu em data anterior à referida alteração.

  E o Acordo Colectivo de Trabalho aplicável ao caso não previa – como já atrás referimos  – a situação de união de facto, omissão que acabou por ser colmatada com as alterações atrás referidas

  E por isso, não podemos deixar de trazer à colação tal facto, que consideramos como um reconhecimento de que o anterior Acordo não estava em conformidade com a legislação (geral) em vigor e não atendia à evolução da sociedade em geral, e que comportava situações de discriminação.

  Por outro lado, e conforme consta da respectiva cláusula, a situação da recorrida não está ferida por nenhuma das situações que excluiriam a aplicação do regime que equipara os direitos do unido de facto aos direitos do cônjuge sobrevivo».


   É certo, ainda, como bem põe em relevo o Recorrente Banco, que a nossa jurisprudência se defrontou com escolhos hermenêuticos e algumas perplexidades ao deparar-se com a bifurcação da solução jurídica em que havia, como no caso vertente, a possibilidade de trilhar duas vias alternativas, cabendo necessariamente que optar por uma delas, especialmente nos casos em que o membro sobrevivo do casamento havia vivido parte da vida em comum, em união de facto com a mesma pessoa, antes de ambos se casarem um com o outro e o tempo de casados não ter chegado a atingir o limite mínimo exigido pelas convenções colectivas de trabalho para benefício das prestações sociais previstas.

        

    As dificuldades subiam de tom quando o próprio Instrumento de Regulamentação Colectiva de Trabalho não previa a concessão de tal pensão aos membros da união de facto, como acontece no caso sub judicio, isto é, mesmo quando a vida more uxorio, vale dizer, a vivência dos unidos em condições análogas às dos cônjuges, tivesse durado considerável tempo, em pouco ou nada se diferenciando do convívio dos membros de uma normal sociedade conjugal.

  Certo que, como bem salientou a Autora, «embora os trabalhadores do sector bancário gozem de um regime próprio de segurança social, a Lei 23/2010 de 30 de Agosto veio alargar aos unidos de facto os direitos consagrados para protecção social em caso de morte do beneficiário, sejam estes do regime geral, sejam dos regines especiais de segurança social e os acordos colectivos de trabalho não poderão contrariar, restringir ou ignorar tal normativo de carácter imperativo» (cfr. sentença da 1ª Instância onde se expõe a posição da demandante), mas a verdade é que a omissão de tal protecção social ao unido de facto beneficiário do regime especial de segurança social dos trabalhadores bancários, seria causa de grandes dúvidas e hesitações sobre a orientação jurisprudencial a seguir.

   Para as decisões que perfilhavam a solução adoptada pelo Acórdão deste Supremo Tribunal, que o Recorrente juntou como estando em contradição com o ora recorrido, seria inaplicável o regime geral da Segurança Social sempre que existisse um regime especial de segurança social substitutivo daquele, de forma que, nos casos em que o falado regime especial não consagrasse a concessão de uma pensão de sobrevivência, a favor do sobrevivente da união de facto a pretensão deste a tal pensão restaria insubsistente.

   Relativamente aos unidos de facto que entretanto se viessem a casar, tal casamento teria que ter a duração do tempo assinalado no complexo normativo que regula a atribuição de tal pensão em regime especial.

        

    Outras decisões judiciais seguiram o rumo pelo qual enveredou o Acórdão ora Recorrido, e cuja fundamentação essencial se pode ver no trecho que supra transcrito se encontra.

        

   Sucede, porém, que em 6 de Julho de 2017 foi publicado no Diário da República, Iª Série, nº 129, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2017 proferido pelo Pleno das Secções Cíveis deste Supremo Tribunal de Justiça, que fixou jurisprudência nos seguintes termos:

           

   «O membro sobrevivo da união de facto tem direito a pensão de sobrevivência, por morte do companheiro, beneficiário do sector bancário, mesmo que o regime especial de segurança social aplicável, constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, para que remete a Lei n. ° 7/2001, não preveja a atribuição desse direito».


   Desta sorte, ficaram praticamente aplanadas as dificuldades e removidos os escolhos interpretativos, maxime a nível jurisprudencial, com a fixação de tal jurisprudência uniformizada.

   Lê-se, com efeito, no referido aresto tirado pelo Pleno das Secções Cíveis deste Supremo Tribunal e destinado à Uniformização de Jurisprudência:

     

  «A questão que se discute neste recurso, como se referiu, consiste em saber se o membro sobrevivo de uma união de facto tem direito ao pagamento de uma pensão de so­brevivência, apesar de ser aplicável um regime especial de segurança social que não prevê a atribuição desse direito (ao unido de facto).

    Está, pois, em causa o direito à protecção social do unido de facto, na eventualidade de morte do beneficiário, com quem convivia. Justifica-se, assim, que, para apreciação desta questão, se proceda, antes do mais, a breve caracterização dessas duas realidades: quer do direito à segurança social, quer da figura da união de facto e dos termos em que a esta tem sido estendido e reconhecido esse direito.

1 — O direito à segurança social tem consagração constitucional autónoma como direito fundamental: constitui um direito social, de natureza positiva, com carácter universal — os direitos sociais são direitos de todos a certas prestações que incumbe ao Estado satisfazer ou criar condições para satisfazer.

Com efeito, segundo o art. 63.° da CRP:

1 — Todos têm direito à segurança social.

2 — Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários.

3 — O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.

[...]

Incumbe assim ao Estado organizar e manter um sistema de segurança social de natureza pública e obrigatória.

De entre os requisitos constitucionais a que deve obedecer o sistema público de segurança social merecem aqui destaque:

— A universalidade (subjectiva): consiste no acesso de todas as pessoas à protecção assegurada pelo sistema (art. 6.° da Lei n.° 4/2007, de 16/1); o sistema deve, pois, abranger todos os cidadãos, independentemente da sua situação profissional, “o que afasta a sua natureza exclu­sivamente laborística” (3). Não garante evidentemente as prestações a todas as pessoas, mas apenas àquelas que precisam; porém, “a universalidade não se compadece com um sistema que deixe arbitrariamente de fora alguns trabalhadores ou parte da população” (4) (n.° 1 do art. 63.°);

— A generalidade ou integralidade (objectiva): o sistema deve proteger os particulares em todas as eventualidades relevantes, que envolvam situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho (n.° 3 do art. 63.°);

A natureza unificada, que implica a integração de todos os mecanismos de protecção no mesmo sistema (cf. art. 16.° da Lei n.° 4/2007).


   O Estado deve, pois, organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com carácter universal e integral, que assegure a todos os cidadãos que necessitem todas as prestações capazes de cobrir as várias situações de desprotecção.

           

  “Um Estado, baseado na dignidade da pessoa humana concreta, historicamente situada, não pode tolerar situações em que, por falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho, os particulares não disponham de condições dignas de existência”.

           

   A efectivação desse direito à segurança social não está, por isso, na disponibilidade dos particulares, tendo a legislação que o concretiza natureza pública e imperativa (5).

Nessa concretização, o legislador está ainda vinculado evidentemente por outras normas e princípios constitucionais, como o princípio da igualdade, da proporcionalidade e da protecção da confiança.


  As bases gerais do sistema de segurança social estão actualmente definidas na Lei n.° 4/2007, de 16/1, que, logo no art. 2.°, consagra a universalidade do direito à segurança social (n.° 1) e estabelece que esse direito é efectivado pelo sistema e exercido nos termos estabelecidos na Constitui­ção [...] (n.° 2).


     Em breve síntese, pode dizer-se que este sistema abrange vários sistemas — protecção social de cidadania, previdencial e complementar (art. 23.°) — que, por sua vez, englobam vários subsistemas (art. 28.°) ou regimes (artºs. 53.° e 81.°).

   O sistema da protecção social de cidadania tem por objectivos garantir direitos básicos dos cidadãos e a igualdade de oportunidades (art. 26.°); abrange os subsistemas de acção social, de solidariedade e de protecção familiar. E universal e não contributivo.

  O sistema previdencial visa garantir as prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho perdido em consequência da verificação das eventualidades legalmente definidas (art. 50.°); estas eventualidades são as indicadas nas várias alíneas do art. 52.° (6).

  Abrange o regime geral de segurança social aplicável à generalidade dos trabalhadores e os regimes especiais (art. 53.°). É contributivo (art. 54.° e Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.° 110/2009, de 16/9).

   Como decorre do disposto no art. 63.°, n.° 3, da CRP (e art. 52.°, n.° 1, al. g), da Lei n.° 4/2007) no direito à segurança social está incluído o direito à pensão de sobrevivência, constituída por prestações pecuniárias que têm por objectivo compensar os familiares do beneficiário da perda de rendimentos de trabalho determinada por morte deste (art. 4.°, n.° 1, do DL 322/90, de 18/10).


  A pensão de sobrevivência corresponde, no sistema português, “a uma forma de tutela previdencial destinada acautelar as implicações económicas do falecimento beneficiário, isto é, as consequências geradas por um facto natural do natural do qual «a lei presume a decorrência de uma situação de necessidade para os ‘familiares sobreviventes”».


  Note-se que “a pensão de sobrevivência não existe para que o companheiro possa «sobreviver», não visa proporcionar o mínimo necessário para uma existência condigna, por exemplo”. O qualificativo está antes ligado ao facto desse companheiro sobreviver ao beneficiário com quem convivia.

   No que concerne à união de facto pode dizer-se, reflectindo uma realidade evidente, que ela se constitui quando duas pessoas se “juntam” e passam a viver em comunhão de leito, mesa e habitação.

  A sua crescente relevância social motivou a intervenção do legislador, que estabeleceu requisitos para o seu reconhecimento jurídico e passou a regulamentar os seus efeitos em vários domínios, posteriormente absorvidos pela Lei n.° 135/99, de 28/8 e, depois, pela Lei n.° 7/2001, le 11/5.


     Esta Lei, na redacção introduzida pela Lei n.° 23/2010, de 30/8, ao art. 1.°, n.° 2, dá-nos agora uma noção de união de facto: é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”.


   Discute-se se a união de facto constitui ou não uma relação jurídica familiar, mas esta questão, apesar de muito debatida, não deve ser enfatizada, uma vez que a união de facto será sempre, pelo menos, fonte de relações familiares e por ser de considerar que, como tem sido reconhecido, para além de uma noção restrita de família (assente no disposto no art. 1576.° do CC), o direito português recorre, para determinados efeitos, a outras noções “mais amplas | e menos técnicas” de família.


   De todo o modo, é inegável que a união de facto passou a ser uma opção de vida de muitos casais, em detrimento do casamento; pela própria função, como comunhão de vida, de mesa, leito e habitação, a união de facto permite, tal como o casamento, a realização pessoal de cada um dos seus membros.

           


     Mais adiante, acrescenta ainda o aludido Acórdão Uniformizador:

           

    «O direito tem apreendido e vem-se ajustando a uma clara evolução social neste domínio, consolidando o reconhecimento da união de facto e alargando os seus efeitos. Por isso, e face à sua crescente expressão, propende-se para uma resposta positiva à aludida questão (").

   Aliás, constitucionalmente, é dispensada protecção à família e esta não é, necessariamente, apenas a que se funda no casamento, correspondendo a uma realidade mais ampla; como decorre da norma do art. 36.°, n.° 1, da CRP: todos têm direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade».


    O que é insofismável é que, como bem enfatizaram as Instâncias, «não podemos sem mais ignorar que a Recorrida vivia em situação análoga à dos cônjuges com o CC, desde 2002».

  Todo este período temporal de união de facto (more uxorio) precedeu a união conjugal que, assim, lhe sucedeu imediatamente sem que tivesse sobrevindo qualquer hiato ou solução de continuidade, num todo continuum de convivência em comunhão de casa, mesa e habitação e com o desenvolvimento das relações pessoais e patrimoniais em tudo semelhantes (análogas) às da generalidade dos casados.


Não se pode, destarte, deixar de encarar esta notória e incontestável realidade sociológica e psicológica tão vincadamente focada pelo Tribunal da Relação quando assim se pronuncia sobre esta situação, como supra se deixou transcrito e ora se repete:

           

  «Seria discriminatório não considerar que o cônjuge sobrevivo casado após uma vida em comum como marido e mulher, com o trabalhador falecido, durante mais de 9 anos não tem direito a uma pensão de sobrevivência porque o casamento não pode produzir esses efeitos jurídicos, quando hoje é reconhecido ao unido de facto o direito a essa pensão, porque ainda não decorreu o tempo necessário para perfazer um ano de casamento, quando actualmente aos unidos de facto nas condições referidas na Lei 7/2001 é reconhecido esse direito.

Por outro lado, não deixa de ser discriminatória uma vez que dentro do regime de segurança social, em que se insere, está a violar o princípio basilar da segurança social que se traduz “no tratamento igual de situações iguais e no tratamento desigual de situações desiguais”».



   O referido Acórdão Uniformizador veio resolver tão anómala e iníqua situação ao assim sentenciar quanto ao que se refere à pensão de sobrevivência:


    Decorre do que acima se expôs que a norma do art. 3º, n° 1, al. e), da Lei 7/2001, na sua redacção actual, consagra o direito do unido de facto à protecção social na eventualidade de morte do beneficiário e estende, alargando, essa protecção a todos os "viúvos de facto" de beneficiários, quer do regime geral, quer de regimes especiais de segurança social.

  Todavia, neste caso, em contrário do que é pressuposto e imposto pela referida norma, o regime especial aplicável não prevê a atribuição da pensão de sobrevivência ao membro sobrevivo da união de facto; essa pensão é aí atribuída apenas ao cônjuge e filhos do beneficiário – clª 120ª do ACT.

            Esta situação configura, assim, um caso omisso.

           

   As circunstâncias e o tempo em que surgiu esta convenção colectiva - antes do alargamento da protecção e dos correspondentes efeitos atribuídos à união de facto - e o teor da aludida cláusula não permitem o recurso à interpretação extensiva.

   Trata-se de uma lacuna da lei, teleológica, tendo em atenção o contexto e a "teleologia imanente" de todo o complexo normativo aplicável, aqui evidenciados pela norma de remissão (e da intenção reguladora a ela subjacente). Na perspectiva desse contexto, é também uma lacuna patente.

   Conforme dispõe o art. 10° do CC, os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos (n° 1); há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (n° 2).

   O recurso à analogia justifica-se por razões de "coerência normativa" e de "justiça relativa", sendo imposta pelo princípio da igualdade ("casos semelhantes ou conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante")!.

    Como se referiu, a Lei 7/2001 reconhece o direito do unido de facto à protecção social, na eventualidade de morte do beneficiário e pressupõe que esse direito seja concretizado por aplicação, quer do regime geral, quer de regimes especiais de segurança social.

   Todavia, o regime especial aqui em causa, constante do aludido ACT, não acompanhou essa imposição legal, apenas prevendo a atribuição da pensão de sobrevivência ao cônjuge e filhos do beneficiário.

    Por outro lado, como se sublinhou, a união de facto, pela sua crescente expressão e pelo alargamento dos seus efeitos legais, pode ser considerada como uma relação familiar, sendo-lhe devido um adequado e correspondente relevo e protecção. Não podendo equiparar-se a união de facto ao casamento, é notória a aproximação entre as duas situações quanto aos efeitos em vários domínios, nomeadamente no direito de segurança social.

   É o caso do direito à pensão de sobrevivência, já há muito reconhecido também ao unido de facto no regime geral de segurança social (art. 8º do DL 322/90).

           

   Neste contexto, reconhecido o direito do unido de facto à pensão de sobrevivência e havendo apenas que definir o regime por que há-de ser concretizada a atribuição desse direito, ele deve ser procurado, em primeira linha, no âmbito do instrumento de regulamentação colectiva aplicável, para onde é feita a remissão legal.

    Aí, pelos motivos acabados de referir e por, no caso do unido de facto, procederem também as razões que justificam esse regime, deve recorrer-se, por analogia, às regras que disciplinam os termos em que é concretizado o correspondente direito do cônjuge sobrevivo do beneficiário (clª 120ª). No fundo, estendendo-se essas regras ao membro sobrevivo da união de facto, que, assim, tem direito ao pagamento da aludida pensão

Foi esta, aliás, a solução que veio a ser acolhida nas alterações introduzidas, em 2013, no aludido instrumento de regulamentação colectiva de trabalho».


Subscrevemos inteiramente as judiciosas e doutas palavras utilizadas pelo Acórdão Uniformizador referido, não se vislumbrando a mínima razão para se decidir diferentemente, tanto mais que esse mesmo entendimento já vinha sendo perfilhado por parte considerável da jurisprudência pátria, antes mesmo do advento da uniformização proferida pelo Pleno das Secções Cíveis deste Alto Tribunal, como se colhe, aliás, das decisões prolatadas nos presentes autos por ambas as Instâncias e da jurisprudência nelas referida.

    Este é, a nosso ver, o entendimento que melhor se compagina com os parâmetros da nossa Lei Fundamental, maxime dos constantes dos artºs 36º, nº 1 e 63º da CRP, valendo aqui realçar pelo seu realismo e oportunidade, uma vez mais, as palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira – aliás citadas também no AUJ em referência –  quando defendem que «o conceito constitucional de família não abrange, portanto, apenas a «família matrimonializada», havendo assim abertura constitucional para conferir o devido relevo jurídico às uniões familiares «de facto». Constitucionalmente, o casal nascido da união de facto juridicamente protegida também é família» (G. Canotilho e V. Moreira, Constituição da República Portuguesa, I, 4ª ed. 561).

   Desta sorte, tal como bem decidiram as Instâncias, é de confirmar que à Autora cabe o direito à pensão de sobrevivência que reclama.

                                                    


***

    No que concerne ao subsídio de morte e na linha do entendimento que vimos de exprimir, é o direito ao mesmo igualmente de confirmar, nos termos e com a fundamentação tecida pela 1ª Instância e confirmada pela Relação e que aqui se deixam transcritos, apenas na parte essencial, para que não subsistam dúvidas:

       

   A análise do direito às prestações sociais de que a autora beneficia não poderá, portanto, cingir-se apenas e exclusivamente ao período de tempo em que esteve casada mas à situação global daquela que foi a sua vivência com CC.

    Saliente-se que não se trata aqui se "somar" o período de tempo que a autora viveu em união de facto ao período em que esteve casada, mas sim de conferir à situação de facto em análise uma interpretação sistemática e coerente.

    E, assim sendo, é certo para este Tribunal que à autora deve ser atribuído o subsídio por morte que peticiona nos termos do disposto na cláusula 123° do Acordo Coletivo de Trabalho suprarreferido e do disposto no artigo 8º, n° 1 do Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, na redação que lhe foi dada pela Lei ei 23/2010 de 30 de Agosto.

    Em idêntico sentido e sobre o "efeito negativo do casamento" citado, veja-se o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-10-2002, proferido no processo n° 03A927 e consultado em www.dgsi.pt, cuja doutrina aí firmada, neste particular, se acompanha.


*


    Por outro lado, tendo em conta as alterações instituídas pela Lei 23/2010 de 30 de Agosto ao preceito em análise, a atribuição do subsídio por morte deixou de estar dependente da prova da carência económica ou da indisponibilidade de prestação de alimentos por outrem, como mais à frente se analisará melhor.

   De facto, nos termos do disposto no artigo 8º, n° 1 do referido diploma legal, o reconhecimento do estatuto de unido de facto impõe a atribuição de tal prestação social, independentemente das condições económicas ou do estado de necessidade do sobrevivo.

Assim sendo, deverá o réu ser condenado a pagar à autora o subsídio por morte, calculado nos termos da Cláusula 123°, n° 1, al. a) do Acordo Coletivo de Trabalho outorgado entre o réu e a FEB ASE, publicado no BTE n° 39 de 22/10/2011»


Após o quanto lautamente exposto ficou, não subsistem dúvidas de que a questão decidenda no presente recurso merece resposta afirmativa, em plena consonância com as decisões das Instâncias.


Improcedem, desta sorte, ou ficam prejudicadas pela solução dada a outras, as conclusões da douta minuta recursória do Recorrente, o que irrefragavelmente conduz à improcedência do presente recurso.



DECISÃO 


São estes os termos em que, face a tudo quanto exposto se deixa, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em negar a Revista, confirmando a decisão recorrida.


Custas pelo Banco Recorrente.


Processado e revisto pelo Relator.


Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Setembro de 2017


Álvaro Rodrigues (Relator)

João Bernardo

Oliveira Vasconcelos