Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3165/18.1T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
BENFEITORIAS
BENFEITORIAS NECESSÁRIAS
RECURSO SUBORDINADO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
EXCLUSÃO DE CLÁUSULA
DEVER DE COMUNICAÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Verifica-se que coincidiram a sentença e o acórdão recorrido no juízo de improcedência de todos os pedidos formulados pelos autores, com excepção do pedido referente ao direito a indemnização por benfeitorias realizadas no imóvel objecto do contrato de locação financeira sobre o qual incide o recurso principal. Assim, e independentemente da orientação fixada pelo AUJ n.º 1/2020 (que conduziria ao mesmo resultado), o recurso subordinado não é admissível porque incide sobre segmentos decisórios do acórdão recorrido, respeitantes a objectos processuais materialmente autónomos ou cindíveis, relativamente aos quais se formou dupla conforme.

II. No que se refere ao cumprimento do dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais do contrato de locação financeira dos autos (art. 5.º do DL n.º 446/85, de 25.10), dever que, por sua vez, se sub-divide no dever de comunicação integral das cláusulas (art. 5.º, n.º 1) e no dever de comunicação de modo adequado e com a antecedência necessária (art. 5.º, n.º 2), sabendo-se que as ditas cláusulas constam de documento composto por duas dezenas de páginas, entregue aos autores aquando da celebração do contrato, considera-se cumprido o primeiro dever (de comunicação integral) e não cumprido o segundo (no caso, de comunicação com a antecedência necessária).

III. Com efeito, tal como ajuizou o tribunal a quo, entende-se que a apreensão do conteúdo de um documento contratual com tal extensão, e alguma complexidade, é incompatível com uma simples leitura realizada aquando da outorga do contrato.

IV. No caso dos autos, o inadimplemento do dever de informação (art. 6.º do DL n.º 446/85) não passa pela falta de clarificação do conteúdo e alcance da cláusula contratual em causa (art. 6.º, n.º 1), mas antes por – em consequência do não cumprimento do dever de comunicação com a antecedência necessária (art. 5.º, n.º 2) – ter a predisponente inviabilizado a formulação pelos aderentes de eventual pedido de esclarecimento (art. 6.º, n.º 2) acerca dessas cláusulas. Por outras palavras, tanto falta ao dever de informação (ou esclarecimento) a predisponente que não presta os esclarecimentos pedidos como aquela que, pela forma e tempo de comunicação das cláusulas contratuais, inviabiliza a realização de quaisquer pedidos de esclarecimento. 

V. Perante a redacção do art. 9.º, n.º 2, al. c) do DL n.º 149/95, de 24.06, referindo-se a “peças ou outros elementos acessórios incorporados no bem” pelo locatário que justificariam que o locador do contrato de locação financeira os fizesse seus sem compensação para aquele, não merece censura a conclusão a que chegou o acórdão recorrido de reconhecer o direito dos autores a serem indemnizados pelas obras com carácter essencial e que não poderiam ser levantadas ou desincorporadas do imóvel sem o desvalorizar.

VI. Com efeito, em relação às obras e melhoramentos introduzidos no imóvel pelos locatários, que não sejam “peças” ou “elementos acessórios” nele incorporados, vale a remissão do corpo do n.º 2 do art. 9.º do DL n.º 149/85 para os «direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma», a qual, na presente matéria, constitui uma remissão para o regime dos arts. 1046.º, n.º 1, e 1273.º, n.º 1 do CC.

VII. Acolhendo um conceito funcional de benfeitorias necessárias da jurisprudência do STJ, segundo o qual são benfeitorias necessárias «os melhoramentos indispensáveis à manutenção (conservação) e funcionamento da coisa enquanto unidade económica, apta a desempenhar a função ou actividade para a qual foi destinada ou que nela tem vindo a ser exercida», não merece censura o juízo do acórdão recorrido segundo o qual a locadora deveria ser condenada a pagar aos locatários «pelos gastos que tiveram de suportar com as obras que executaram, sem as quais não podia o referido imóvel ser utilizado para o fim a que se destinava – estabelecimento de restauração e bebidas».

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA e mulher, BB, intentaram contra Caixa Económica Montepio Geral, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da R.:

a) A reconhecer, relativamente à fracção A, melhor descrita no artigo 11.º da p.i., que o contrato celebrado com os AA. foi um contrato de mútuo, garantido por hipoteca, e não um contrato de locação financeira, em consequência de vício na formação da vontade por parte dos AA.;

b) A considerar o mútuo integralmente pago, atento que os AA. disponibilizaram os seus imóveis, um deles livre de qualquer ónus, para assegurar o pagamento das prestações daquele contrato;

c) A não se entender assim, deve ser considerado que os AA. cumpriram o contrato de locação imobiliária.

d) Por cautela, caso se considere que o indicado contrato de locação foi resolvido, deve a R. ser condenada a pagar aos AA. a quantia de € 820.000,00 (oitocentos e vinte mil euros), correspondente ao excesso de preço pago por estes à vendedora dessa fracção (€ 220.000,00) e ainda ao valor das benfeitorias realizadas pelos AA. na indicada fracção (€ 600.000,00).

e) De todo o modo, ainda que assim não se entenda, sempre teriam os AA. direito a ser ressarcidos das indicadas quantias a título de enriquecimento sem causa, porquanto a R. ficaria enriquecida com aquelas quantias, sem qualquer causa que o justifique, à custa dos AA.;

f) Para além disso, deve a R. ser condenada, no que respeita aos prédios identificados no artigo 3.º da p.i., a pagar aos AA. a quantia de € 500.000,00, a título de indemnização pela alienação dos mesmos, em violação do contrato de mútuo e da respectiva hipoteca;

g) Deve ainda a R. ser condenada a cumprir o contrato de mútuo que celebrou com os AA. para a construção da habitação destes, sendo obrigada a entregar aos AA. a quantia necessária para terminar a respectiva obra, até ao limite contratado com estes;

h) Finalmente, deve a R. ser condenada a pagar aos AA. a quantia de € 300.000,00 a título de danos morais.

Alegam essencialmente que a R. se comprometeu com os AA. a aumentar o valor da conta-corrente caucionada destes em € 110.000,00, quantia que serviria para estes pagarem as prestações contratuais que estivessem em atraso e as que, eventualmente, se vencessem. Todavia, a R. não procedeu à efectiva entrega dessa quantia, antes aproveitou para se locupletar com os imóveis que os AA. deram como garantia.

Mais alegam que a R. incumpriu os vários contratos celebrados, o último dos quais relativo ao reforço da conta-caucionada. Cumpriram os AA. as obrigações derivadas do contratado com a R.; esta, porém, tendo acordado com os AA. um alargamento do crédito em € 110.000,00, não respeitou tal compromisso, antes se fez cobrar, sem consentimento dos AA., por parte dessa quantia, sem qualquer fundamento.

Por outro lado, tendo em conta o erro sobre a formação da vontade dos AA., aquando da celebração do contrato de locação financeira, uma vez que pensavam estar a celebrar um contrato de mútuo com hipoteca, deve o contrato em causa ser convertido num contrato de mútuo, com hipoteca sobre o imóvel. E deve ser considerado que as obrigações dos mutuários se encontram integralmente liquidadas, posto que os AA. disponibilizaram os seus imóveis, um deles livre de qualquer ónus, para assegurar o pagamento das prestações daquele contrato.

A não se entender assim, então deve considerar-se que os AA. cumpriram o contrato de locação imobiliária, na medida em que disponibilizaram os seus imóveis, um deles livre de quaisquer ónus, para assegurar o pagamento das prestações do contrato, tendo sido a R. que, por sua culpa exclusiva, não utilizou esse valor para tal fim.

A considerar-se que o referido contrato de locação financeira foi resolvido, então deve a R. ser condenada a pagar aos AA. o excesso de preço que estes pagaram ao vendedor da fracção (€ 220.000,00) e ainda o valor das benfeitorias que aí realizaram (€ 600.000,00).

Sustentam também que sempre teriam direito a ser ressarcidos das indicadas quantias a título de enriquecimento sem causa, porquanto a R. ficará enriquecida com aquelas quantias, sem qualquer causa que o justifique, à custa dos AA..

No que respeita aos indicados “terrenos …”, alegam que a R deve indemnizá-los pelo prejuízo que sofreram com o incumprimento do contratado, o que, em conjunto, ascende ao valor de € 500.000,00.

Por fim, deve ainda a R. ser condenada a cumprir o contrato de mútuo que celebrou com os AA. para a construção da habitação destes, determinando-se a entrega da quantia necessária para terminarem a respectiva obra, até ao limite contratado.

A R. contestou, impugnando a versão dos factos apresentada pelos AA., concluindo pela improcedência total da acção, e pediu a condenação destes como litigantes de má-fé, em pagamento de multa e indemnização de valor não inferior a € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

Em 5 de Março de 2020 foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a R. dos pedidos formulados. E, embora considerando a conduta dos AA. “temerária”, entendeu que a mesma não assume gravidade subsumível ao conceito de litigância de má-fé, absolvendo-os do correspondente pedido.

Inconformados, os AA. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, pedindo a modificação da decisão relativa à decisão de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 28 de Janeiro de 2021, foi alterada a matéria de facto e, consequentemente, foi proferida a seguinte decisão:

«Considerando quanto vem de ser exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, e, julgando parcialmente procedente o pedido que os Apelantes formulam sob a alínea d), condenam a Apelada a pagar-lhes a importância de € 86.399,18 (oitenta e seis mil trezentos e noventa e nove euros e dezoito cêntimos) ressarcindo-os das benfeitorias que realizaram na fracção autónoma objecto do contrato de locação financeira.

Quanto a todo o demais confirmam e mantêm a decisão impugnada»


2. Interpôs a R. recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

«I – Vem a recorrente interpor recurso de revista, do acórdão do Tribunal da Relação que decide [concede] parcialmente a apelação deduzida condenando-a ao pagamento do montante de € 86.399,18, para pagamento das benfeitorias realizadas pelos recorridos/autores, por considerar excluída a cláusula 6º, nº 9 inserta no contrato referente a benfeitorias;

II – Considera o Venerando Tribunal que as cláusulas gerais insertas no contrato, são cláusulas contratuais gerais, não tendo o conteúdo daquela cláusula sido explicado aos recorridos, violando assim o disposto no art. 5º e 6º do DL 446/95 (RGCCG);

III – O contrato teve uma fase de pré negociação onde foram clarificadas todas as questões, tendo os recorridos perfeito conhecimento das condições, caraterísticas e consequências, ademais pela sua instrução (autor marido, comerciante de automóveis e autora mulher frequência do 3º ano de direito) e pela pouca complexidade da cláusula em questão e do contrato no geral.

IV – Os recorridos assinaram o contrato que quiseram, conhecedores do seu clausulado, de forma livre e espontânea.

V – As condições do contrato, quer gerais quer particulares foram atempadamente dadas a conhecer aos recorridos, não tendo as mesmas levantado qualquer dúvida, pelo que não houve nenhuma violação por parte do recorrente do DL 446/95.

VI – Mesmo que, tal cláusula se considerasse não escrita, sempre decorreria do regime jurídico aplicado ao contrato de locação financeira – DL 149/95 que o locador financeiro podia fazer suas as benfeitorias, diferentemente do que é imposto pelo art. 1044.º do CC;

VII – Neste regime jurídico, o locatário financeiro tem direito a fazer suas, sem compensações, as peças ou outros elementos acessórios incorporados no bem pelo locatário.

VII – O regime de locação financeira é diverso do regime de locação, previsto no art. 1046º do C.C, porque tal como refere Gravato Morais a este propósito, esta pretensão do locador está dependente da não aquisição pelo locatário, no termo do contrato, do bem em causa, não se distinguindo – ao inverso do art. 1046º, nº 1 do C.C – se o locatário é equiparado ao locatário de boa ou má fé, como tampouco se enumeram que tipo de benfeitorias estão em causa.

IX – E, se colocarmos a tónica no desequilíbrio de interesses das partes, fácil será de compreender qual a intenção que certamente teve o legislador nesta especificidade, porque o contrato de locação financeira implica para o locador financeiro um elevado volume de capital aplicado e de riscos assumidos, daí que importe dissuadir o locador do incumprimento.

X – In casu, a recorrente adquiriu o imóvel, que deu em locação financeira aos recorridos, para determinado fim, que seria a de um estabelecimento para venda de bebidas, tendo os locatários/recorridos, apenas pago 14 das 180 rendas, entrado em incumprimento.

XI – Por decisão do Venerando Tribunal da Relação, agora em recurso, não obstante a resolução por incumprimento, a recorrente ainda terá de receber o imóvel com as alterações introduzidas pelos recorrentes condicionadas a um restaurante, e pagar benfeitorias no valor de € 86.399,18.

XII – E terá ainda o custo de as remover para poder relocá-lo a terceiro.  

XIII – Para evitar este desequilíbrio de interesses entre o locador e o locatário, em claro prejuízo do locador, o regime jurídico da locação financeira estipula expressamente no art. 9º, nº 2 al. c) que, existindo resolução por incumprimento, o locador fará suas sem compensações as peças ou outros bens incorporados no imóvel, não distinguindo entre benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias.

XIV – Neste sentido poderá ler-se o acórdão da Relação de Lisboa de 15/02/2016, acórdão da Relação de Lisboa de 20/02/2014 e acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 27/04/2017.

XV – Nenhum fundamento legal existe para que a recorrente esteja obrigada ao pagamento de qualquer montante a título de benfeitorias, porquanto, mesmo que se considere a cláusula 6º do contrato por não escrita, o que não se aceita, sempre seria aplicado aos autos o DL 145/94 que regulamenta a locação financeira, atribuindo ao locador a faculdade de fazer suas todas as suas benfeitorias sem compensações.

XVI – Entende a recorrente o douto acórdão violou as normas previstas no art. 9º, al. c) do DL 149/95 e 5º e 6º do DL 446/95, devendo ser revogado, e em consequência considerar totalmente mantida na íntegra decisão proferida em primeira instância.»

Os Recorridos contra-alegaram, concluindo nos termos seguintes:

«A) É patente que não é verdade, nem resultou da discussão destes autos, o que consta nas conclusões III, IV e V das alegações de recurso do Recorrente.

B) Resultou isso sim como provado que a cláusula 6ª do contrato, na parte em que refere que as benfeitorias passam a integrar o imóvel não foi previamente transmitida aos Apelantes/Autores nem lhes foi explicado o respectivo conteúdo e alcance.

C) A decisão recorrida fez a mais correcta subsunção das normas à factualidade dada como provada e devem, assim, ser mantida na parte em apreço neste recurso.»

Interpuseram os AA. recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões:

«A) As cláusulas do contrato de locação financeira não foram explicadas aos recorrentes, que são pessoas com pouca instrução financeira e jurídica.

B) Aos recorrentes não foi explicado o conceito, o alcance e as implicações desse contrato, mormente no que respeita à propriedade da fracção pertencer ao recorrido e à circunstância de os recorrentes não terem direito a indemnização pelas benfeitorias que aí aplicassem.

C) Pretendendo as partes celebrar um contrato de compra e venda garantido por mútuo, deve o contrato de locação financeira ser convolado nesse contrato»

Terminam pedindo a revogação do acórdão recorrido, julgando-se a acção procedente, e condenando-se a R. nos pedidos formulados.

A Recorrida contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

«1 - A Ré cumpriu a imposição legal imposta pelo DL 446/85, tendo procedido à explicação das cláusulas contratais gerais do insertas no contrato de locação financeira.

2 - Os Autores sempre quiseram assinar um contrato de locação financeira e não qualquer outro, e fizeram-no conscientes, de livre e espontânea vontade, tendo sido essa a intenção durante toda a fase pré contratual, altura em que tiveram conhecimento das condições do contrato.

3 - O contrato de locação financeira em apreço é um contrato claro, legível, de fácil apreensão.

4 - Os intervenientes são pessoas instruídas, com plena capacidade de apreensão do teor das cláusulas do contrato, o Autor marido comerciante de automóveis, a autora mulher com frequência do terceiro ano do curso de direito;

5 - O contrato de locação financeira não tem qualquer requisito de um contrato de mútuo;

6 - A assinatura do contrato de locação financeira correspondeu à vontade real das partes.

7 - Não existindo qualquer fundamento quer fáctico quer jurídico para a conversão do contrato de locação financeiro em contrato de mútuo com hipoteca.

8 - Nenhum fundamento tem o presente recurso, pelo que deverá manter-se o acórdão recorrido».


3. Ao abrigo do art. 633.º, n.os 1 e 2, do CPC, interpuseram os AA. recurso de revista subordinado, tendo em vista a reapreciação do pedido formulado na alínea a) da p.i., no sentido de que o contrato de locação financeira fosse convolado num contrato de mútuo.

Suscitaram-se dúvidas acerca da admissibilidade de tal recurso por se afigurar ocorrer dupla conforme quanto à decisão daquele pedido, materialmente autónomo em relação ao pedido de compensação por benfeitorias formulado na segunda parte da alínea d) da p.i., sobre cuja decisão incide o recurso principal.

Após notificação, vieram os Recorrentes pronunciar-se nos seguintes termos:

«1.º O Tribunal da Relação de Guimarães, no douto Acórdão recorrido, procedeu à alteração da matéria de facto considerada provada pelo Tribunal Judicial de ....

2.º Ainda que esse Tribunal tenha mantido a decisão então recorrida, é certo que fê-lo apreciando factos que não foram tidos em consideração pela primeira instância.

3.º Por força dessa alteração dos factos, também a fundamentação jurídica do douto Acórdão recorrido é substancialmente diferente.

4.º Verifica-se assim que estamos perante fundamentação essencialmente diferente na decisão recorrida, comparativamente com a fundamentação da decisão anterior.

Termos em que deve ser admitido o recurso oportunamente interposto.»

A R. Recorrida manifestou-se no sentido da inadmissibilidade do recurso subordinado.

Vejamos.

Do confronto entre as decisões das instâncias, verifica-se que coincidiram a sentença e o acórdão recorrido no juízo de improcedência de todos os pedidos formulados pelos AA., com excepção do pedido referente ao direito a indemnização por benfeitorias realizadas no imóvel objecto do contrato de locação financeira.

Na verdade, e sem prejuízo da modificação da matéria de facto operada pela Relação, que apenas relevou quanto ao pedido de indemnização por benfeitorias, foram as instâncias unânimes em considerar, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, que as restantes pretensões formuladas pelos AA. são improcedentes.

Ora, conforme afirma Lopes do Rego:

«[N]o seu sentido natural ou normal, a dupla conformidade significará fundamentalmente que quatro juízes – o de 1.ª instância, na sentença proferida – e os três desembargadores que apreciaram a apelação, por unanimidade (isto é, sem voto de vencido) – dirimiram o litígio nos mesmos termos, segundo entendimento jurídico coincidente no que se refere ao segmento decisório que integra a sentença e o acórdão proferidos» (Cadernos do STJ - Secções Cíveis do STJA Dupla Conforme, pág. 19).

Tendo o acórdão da Relação sido proferido sem voto de vencido, e não se verificando que esses outros segmentos decisórios, respeitantes a objectos processuais materialmente autónomos ou cindíveis (na expressiva formulação do Conselheiro Lopes do Rego, ob. cit., pág. 24, utilizada, por exemplo, nos acórdãos do STJ de 10-10-2012, proc. 29/09.3TBCPV.P1.S1, e de 29-10-2015, proc. 258/09.0TBSCR.L1.S1, in www.dgsi.pt), assentem em fundamentação essencialmente diferente da fundamentação da sentença da 1.ª instância, ocorre uma situação de dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista subordinada.

Assinale-se que ao mesmo resultado conduziria a aplicação da orientação fixada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2020 (publicado no Diário da República, I.ª Série, de 30-01-2020) no qual se determinou que:

 «O recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do art.º 671.º do Código de Processo Civil, a isso não obstando o n.º 5 do art.º 633.º do mesmo Código».

Com efeito, constatando-se que, no caso sub judice, a sentença da 1.ª instância julgou a acção improcedente, absolvendo a R. de todos os pedidos, e que a Relação, alterando a matéria de facto, revogou parcialmente a decisão recorrida, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a R. a pagar aos AA. a quantia de € 86.399,18, verifica-se ser esta última decisão mais favorável aos AA. do que a decisão da 1.ª instância.

Ora, a jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal evoluiu no sentido de equiparar às situações de plena coincidência entre as decisões das instâncias aquelas outras situações em que o recorrente obteve na Relação uma decisão quantitativamente mais favorável do que a decisão da 1.ª instância. Tal alargamento do âmbito da dupla conforme implicou necessariamente que, perante a mesma decisão da Relação, se considerasse que, neste tipo de situações, se verifica dupla conforme para uma das partes e não para a outra (concepção de dupla conforme subjectiva), tendo-se suscitado a dúvida de saber se, interposto recurso de revista pela parte em relação à qual não ocorre dupla conforme, seria admissível o recurso subordinado interposto pela contraparte em relação à qual se entende existir dupla conforme. O AUJ n.º 1/2020 veio resolver tal questão no sentido da não admissibilidade do recurso de revista subordinado.

Em qualquer caso, i.e., independentemente da orientação fixada pelo AUJ n.º 1/2020, o recurso subordinado dos AA. não é admissível, uma vez que, como se explicou supra, incide sobre segmentos decisórios do acórdão recorrido, respeitantes a objectos processuais materialmente autónomos ou cindíveis, relativamente aos quais se formou dupla conforme (aqui na acepção de dupla conforme objectiva).

Conclui-se, assim, pela inadmissibilidade do recurso subordinado.


4. Cumpre apreciar e decidir o recurso principal interposto pela R., o qual, de acordo com o teor das respectivas conclusões (cfr. art. 635.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), tem como objecto as seguintes questões:

- Erro de direito do acórdão recorrido ao considerar a cláusula 6.ª, n.º 9 das “Condições Gerais” do contrato de locação financeira, referente às benfeitorias realizadas no imóvel, como uma cláusula contratual geral não escrita por violação dos deveres de informação e de comunicação (conclusões I a V);

- Erro de direito do acórdão recorrido ao considerar que, face à exclusão dessa cláusula, têm os AA. direito às benfeitorias realizadas, uma vez que o regime jurídico supletivamente aplicável, em particular o art. 9.º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho é distinto do regime geral da locação e deve ser interpretado como excluindo o direito a uma indemnização pelas benfeitorias, atentos os interesses em confronto e os riscos assumidos (conclusões VI a XVI).


5. Vem provado o seguinte (mantêm-se a numeração e a redacção do acórdão recorrido):

1 - No ano de 2004 o Autor marido, então solteiro, para adquirir dois prédios na freguesia ..., concelho..., contratou com a Ré o empréstimo de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros), empréstimo que pagou integralmente até finais de 2008.

2 - Os prédios em causa eram os seguintes:

a) Prédio Urbano, edifício de rés do chão, para posto de recepção de leite, com logradouro, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito no Registo Predial sob o n.º …00, então da freguesia ..., agora da UNIÃO DAS FREGUESIAS ..., ... E ..., e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …30;

b) Prédio Rústico, denominado ..., no lugar de ..., freguesia de ..., concelho da ..., descrito no Registo Predial sob o n.º …01, então da freguesia de ..., agora da UNIÃO DAS FREGUESIAS DE ..., ... E ..., e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …16 – cf. docs. nºs 1 a 4 juntos com a p.i.- fls. 21 a 24

3 - Após a aquisição destes bens, o Autor marido instalou aí um stand de automóveis, tendo transformado o terreno num parque para aparcamento de automóveis, com cerca de 400 m2 de piso com lajetas, bem como construiu muros, grades e instalou um pré-fabricado em vidro para stand de vendas de automóveis e escritório.

4 - Os Autores casaram um com o outro em Maio de 2005.

5 - Em 2006, os Autores adquiriram um terreno na freguesia ..., para construção da sua casa de habitação.

6 - Em 2009, contrataram os Autores junto da Ré um empréstimo, no valor de € 300.000,00, para financiar a respectiva construção.

7 - Ainda em 2009 os Autores iniciaram a negociação tendente à aquisição da fracção A, correspondente à cave esquerda, destinada a estabelecimento de restauração e bebidas, com uma garagem para aparcamento automóvel e um arrumo, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito em ..., ..., Praça ..., n.º ..., ..., …, ... e ... e Avenida …, …, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ….35 e na matriz predial urbana no artigo ….42

8 - Pretendendo os Autores aí instalar um restaurante.

9 - Fracção que se encontrava em bruto, sem saneamento, sem piso e sem acabamentos nas paredes e tecto, com um valor de mercado no ano de 2010 no montante de € 252.000,00.

10 - Os Autores pagaram € 10.000,00 em dinheiro e € 140.000,00 em cheques sacados sobre uma conta caucionada dos Autores na Ré.

11 - Conta caucionada que os Autores mantinham para o exercício da actividade de compra e venda exercida pelo Autor marido.

12 - Em 15 de Janeiro de 2010 é agendada pela Ré a escritura para a aquisição da fracção descrita em 1.7. – cfr. doc. de fls. 25 vº a 27 dos autos.

13 – Aquando da escritura, e no mesmo dia em que foi celebrada, a Ré pagou à sociedade vendedora, a “Festa & Festa, S.A.”, o montante de € 170.000,00.

14 - Os Autores foram pagando as rendas que eram devidas relativas à dita fracção, havendo pago 14 rendas das 180 devidas, cumprindo com o contrato até Março de 2011.

15 - E desde então não liquidam as rendas a que estavam obrigadas.

16 – De modo a aí instalarem um restaurante, os Autores, entre 2010 e 2012, executaram e aplicaram na fracção em causa as obras, materiais e objectos, melhor descritos no anexo I do relatório pericial de fls. 165 e sgs. (mais especificamente de fls. 174 a 176, rectificado a fls. 193 e 194) no valor global de € 143.377,18.

17 - Em 30 de Julho de 2013, o Autor marido, com consentimento da Autora esposa, constituiu uma segunda hipoteca voluntária sobre os dois prédios descritos em 1.2. a favor da Ré, hipoteca essa para garantia, até ao valor de cento e dez mil euros, de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir pelos Autores, nomeadamente no que respeita aos saldos devedores ou a descobertos em contas bancárias - cfr. doc. de fls. 44 v.º a 47 dos autos que, por brevidade, se dá aqui por reproduzido.

18 - Do extracto da conta da titularidade do Autor marido na Ré constam os seguintes movimentos: no dia 30-07-2013 correspondente ao débito da quantia de € 40.202,56 (quarenta mil e duzentos e dois euros e cinquenta e seis cêntimos); no dia 31-07-2013 correspondente ao crédito de € 43.000,00 (quarenta e três mil euros); no dia 1/8/2013 correspondente ao crédito de € 500,00 – cfr. documento de fls. 39 v.º e 40 que, por brevidade, se dá aqui por reproduzido.

19 - O processo instaurado pela sociedade FRIMACIEL correu termos com o n.º 33173/11… na Instância Local, J…, deste Tribunal ....

20 - E o outro processo, em que era Ré reconvinte e posteriormente exequente a D. CC, correu termos sob o n.º 123/08…., na Instância Local Cível, J…, deste Tribunal......

21 - No âmbito do processo n.º 123/08… foram penhorados pela exequente os prédios descritos em 1.2., e de seguida objecto de venda judicial nesses mesmos autos, sendo que a única proposta apresentada foi pela ora Ré, na qualidade de credora reclamante, que, desse modo, adquiriu os prédios por € 100.000,00 - conforme doc. de fls. 41 e 42 dos autos que, por brevidade, se dá aqui por reproduzido.

22 - Por outro lado, no processo da FRIMACIEL, os Autores e os pais do Autor marido, que tiveram intervenção como fiadores, chegaram a um acordo judicial, para evitar a venda judicial da casa, ficando todos obrigados a pagar em prestações o valor de € 71.769,28 – cfr. doc. de fls. 48 a 51 que, por brevidade, se dá aqui por reproduzido.

23 - Os Autores abriram o restaurante em Novembro de 2012 e encerraram-no cerca do Verão de 2013.

24 - Em Junho de 2015, os Autores foram notificados de um procedimento cautelar intentado pela Ré contra eles, no qual esta referia ter resolvido o contrato de leasing relativo à indicada Fracção A.

25 - Os Autores defenderam-se com êxito nesse procedimento cautelar, negando a recepção das alegadas cartas de resolução contratual.

26 - Da descrição predial relativa à aludida Fracção A consta que a Ré, em 18 de Agosto de 2017, apresentou requerimento de registo da decisão da reposição no activo da locação financeira, registada naquela descrição predial sob a apresentação n.º 5030 de 2010/01/15 - cfr. doc. de fls. 52 v.º e 53, que se dá aqui por reproduzido.

27 - Pela Ap. 1495 de 2017/10/10 foi inscrito o cancelamento da locação financeira referida - cfr. doc. de fls. 52 v.º e 53, supramencionado.

28 - Em 2016, o conjunto predial formado pelos prédios descritos em 1.2. tinha um valor de mercado de € 246.000,00.

29 - O Autor, desde 2008, é titular de um crédito em conta corrente para apoio à tesouraria, da sua actividade de comércio de veículos automóveis, que desenvolve desde 2005.

30 - Esse financiamento sob a forma de abertura de crédito em conta corrente – Montepio Gestão activa, com o nº 047….-…, tinha como limite o montante de € 60.000 (sessenta mil euros) – cfr. doc. de fls. 69 v.º a 72, que aqui se dá por reproduzido.

31 - Tal financiamento estava garantido por uma hipoteca voluntária unilateral com cláusula abrangente, celebrada por escritura pública de 30/11/2004, conforme clausula 7.ª daquele contrato – cfr. doc. de fls. 72v.º a 76v.º, que aqui se dá por reproduzido.

32 - Tal garantia era constituída por três imóveis: a) Fracção autonóma designada pela letra N, descrita na conservatória de registo predial ... sob o nº …72; b) Prédio urbano, situado no Lugar ..., freguesia ..., descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº …00; c) Prédio rústico denominado “...” situado no Lugar ..., descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº …01.

33 - Em 15 de Setembro de 2009 foi celebrado um “Adicional” ao “contrato de abertura de crédito em conta”, acima referido, pelo qual foi acordado um aumento do crédito no valor de € 80.000 (oitenta mil euros), passando o limite máximo global para € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros) – cfr. doc. de fls. 77v.º a 79v.º, que, por brevidade, se dá aqui por reproduzido.

34 - Ainda em Dezembro de 2009, os Autores AA e BB solicitaram um crédito à habitação, no montante de € 300.000,00, destinado à construção da sua habitação própria e permanente, crédito que lhes foi concecido, tendo sido celebrado um contrato de mútuo com hipoteca por escritura lavrada no dia 3 de Dezembro de 2015, complementada por documento assinado na mesma data, no Cartório Notarial da notária DD – cfr. doc. de fls. 81v.º a 83 e 84 a 88, respectivamente, que se dão aqui por reproduzidos.

35 - Por se tratar de um financiamento à construção, o montante financiado é disponibilizado de acordo com o estado de desenvolvimento da construção, nos termos do nº 3 da Clausula 1ª do contrato de mútuo.

36 - Tendo ficado estipulado que nessa data, os Autores receberiam € 170.000,00, o que sucedeu – cfr. doc. acima referido, a fls. 82v.º, e o extracto de conta de fls. 89v.º a 98 que, por brevidade, se dá aqui por reproduzido.

37 - As restantes utilizações parcelares do empréstimo ocorreram em:

- 07/07/2010 …. € 25.000

- 23/07/2010 …. € 5.000

- 03/08/2010 …. € 5.000

- 30/08/2010 …. € 18.900

- 24/11/2010 …. € 21.000

- 14/06/2011 …. € 12.750 - cfr. o extracto de conta acima referido.

38 – A não libertação do restante montante do empréstimo ficou a dever-se ao facto de a obra ter estagnado.

39 - No referido ano de 2009, pretendendo os Apelantes/Autores adquirir um estabelecimento comercial para restauração, solicitaram apoio financeiro da Apelada/Ré, tendo sido acordada a celebração de um contrato de leasing.

40 – No dia 15 de Janeiro de 2010 foi outorgado o “Contrato de Locação Financeira Imobiliária Nº 047…..-…”, que foi precedido de um contrato de compra e venda, celebrado por escritura pública outorgada no cartório notarial da notária DD, na qual a sociedade comercial “Festa & Festa, S.A.” declara vender à “Caixa Económica Montepio Geral”, que lha declara comprar, pelo preço de € 170.000, a “fracção autónoma designada pela letra A, destinada a estabelecimento de restauração e bebidas” a mesma que é objecto do contrato de locação financeira, acima referido – cfr., respectivamente, docs. de fls. 27v.º a 38 e 25v.º a 27, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

41 – Nessa mesma data, foram reconhecidas pela Notária acima referida, as assinaturas apostas pelos Apelantes/Autores no contrato de locação financeira supramencionado - cfr. fls. 38v.º e 39 que, por brevidade, se dão aqui por reproduzidas.

42 - Na data em que foi assinado o contrato de locação financeira foram liquidadas as despesas referentes ao reconhecimento das assinaturas e às cópias dele e do contrato de compra e venda.

43 - Em carta enviada pelo Apelante/Autor à Apelada/Ré, com data de 23/7/2014 aquele solicita a esta: “a autorização para arrendamento do espaço comercial referente ao contrato de leasing 047….”, acrescentando “Informo que o valor da renda mensal será de quatro mil euros sendo que o valor será entregue directamente no montepio para fazer face às minhas responsabilidades até à concretização da venda do mesmo de forma a liquidar a totalidade do leasing” – conforme documento de fls. 98 v.º, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

44 - Na fase das negociações a Apelada/Ré foi acordando com o Apelante/Autor os termos do contrato de leasing, designadamente no que respeita ao prazo, taxa de juro, valor residual a pagar pela aquisição, amortizações, e despesas englobadas no valor investido, que ficaram a constar, respectivamente, das cláusulas terceira, quinta, sexta e sétima das “Condições Particulares” do contrato, constantes de fls. 36 e 37 dos autos, que se dão aqui por reproduzidas.

45 - Os Apelantes/Autores leram o contrato de leasing antes de o assinarem.

46 - Os Apelantes/Autores declararam no documento que corporiza o contrato, “conhecer as condições gerais e particulares do presente contrato de locação financeira imobiliária, às quais dão a sua inteira e expressa concordância”, nos termos que constam do último parágrafo de fls. 38 que, por brevidade, se dá aqui por reproduzido.

47 - Foi só no momento referido em 44 [cfr. esclarecimento no final da matéria de facto] que os Apelantes/Autores se inteiraram das chamadas “Condições Gerais” do contrato, constantes de fls. 27v.º a 36 dos autos que se dão aqui por reproduzidas, cláusulas que foram previamente fixadas pela Apelada/Ré sem a possibilidade dos Apelantes/ Autores as negociarem ou alterarem.

48 – Com o intuito de regularizar as responsabilidades vencidas, foi acordado com a Apelada/Ré um aumento do crédito em conta corrente, no âmbito da conta “MONTEPIO GESTÃO ACTIVA”, no valor de € 43.500,00.

49 – No âmbito deste acordo, os Apelantes/Autores, por escritura pública celebrada em 30 de Julho de 2013 no cartório notarial da notária DD, constituíram uma hipoteca para garantia “até ao limite global máximo de capital de cento e dez mil euros, de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir” por eles – cfr. doc. de fls. 44v.º a 47 que se dá aqui por reproduzido.

50 – Na mesma data o Apelante/Autor assinou o “Adicional a Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente” pelo qual foi elevado “o limite de crédito aberto em conta corrente” naquela importância de € 43.500,00, o que elevou “o montante máximo contratado” para o valor de “€ 183.500,00 (cento e oitenta e três mil e quinhentos euros)” – cfr. doc. (designadamente) de fls. 123 e 124, que aqui se dá por reproduzido.

51 – A importância de € 43.500,00 acima referida foi de imediato utilizada para regularização das responsabilidades vencidas, por débito na conta à ordem – cfr. doc. de fls. 129 que aqui se dá por reproduzido.

52 - Os imóveis sobre os quais foi constituída hipoteca referida em 48 são rigorosamente os mesmos que já estavam hipotecados desde 2004, para garantia da “conta corrente – Montepio Gestão Activa” outorgada em 2008 - cfr. doc. acima referido, de fls. 44v.º a 47 dos autos.

53 - No n.º 1 da cláusula primeira das “Condições Gerais” do contrato de “Locação Financeira Imobiliária” acima referido em 39, ficou a constar que “O presente contrato tem por objecto a locação financeira do imóvel descrito na cláusula primeira das Condições Particulares, reconhecendo o LOCATÁRIO que o referido imóvel possui todas as características adequadas à utilização para os fins a que se destina.”.

54 - No n.º 8 da cláusula sexta das referidas “Condições Gerais” consta que “Todas as obras que não se enquadrem no conteúdo do número anterior – designadamente as obras de conservação e manutenção que o LOCATÁRIO entender convenientes e ainda as resultantes de benfeitorias úteis e voluptuárias, carecem de prévio acordo expresso, por escrito, da LOCADORA…”.

55 – No n.º 9, da mesma cláusula sexta ficou a constar que “Todas e quaisquer obras, instalações e construções efetuadas pelo LOCATÁRIO, ao abrigo do presente contrato, tornar-se-ão parte integrante do imóvel, sem que possa o LOCATÁRIO exigir qualquer indemnização ou compensação ou exercer o direito de retenção. As benfeitorias, equipamentos e materiais amovíveis poderão ser retirados pelo LOCATÁRIO que, no entanto, deverá sempre manter o imóvel em bom estado de conservação e em condições de poder ser imediatamente utilizado.”.

56 - Esta cláusula, na parte em que refere que as benfeitorias passam a integrar o imóvel, não foi previamente transmitida aos Apelantes/Autores nem lhes foi explicado o respectivo conteúdo e alcance.

57 - Na providência cautelar intentada para entrega do imóvel, acima referida em 24, foi proferida sentença a considerar ineficaz a resolução do contrato por não estarem preenchidos os requisitos da resolução – cfr. doc. de fls. 104 a 109, que se dá aqui por reproduzido.

58 - Nessa sentença decidiu-se que “… a resolução extrajudicial do contrato, operada pela requerente, não obedeceu aos requisitos aplicáveis, devendo consequentemente, considerar-se ineficaz relativamente aos requeridos (não foi antecedida de interpelação). Não existindo interpelação não é possível considerar que houve incumprimento definitivo e consequentemente, não se operou a resolução do contrato.” - cfr. folha 109v.º.

59 - Face a tal decisão judicial, a Apelada/Ré procedeu junto da Conservatória à repristinação do registo de locação financeira imobiliária.

60 - Posteriormente à repristinação do referido registo, a Apelada/Ré enviou cartas registadas com A/R aos Apelantes/Autores interpelando-os para cumprirem com o pagamento das rendas em atraso e juros vencidos e notificando-os que “considera resolvido o contrato”, resolução que foi registada na Conservatória do Registo Predial em 10/10/2017, conforme consta, respectivamente, de fls. 110 a 117, e da certidão de fls. 52v.º e 53, que, por brevidade, se dão aqui por reproduzidas.

61 - A Apelada/Ré mandou avaliar o imóvel suprarreferido em 39 (objecto do contrato de leasing), o qual foi avaliado por um valor entre os trezentos e os trezentos e cinquenta mil euros.

62 - O Apelante/Autor é comerciante de automóveis e a Apelante/Autora frequentou o curso de Direito até ao 3.º ano, que não concluiu.

Em relação ao teor do ponto 47 dos factos provados, constante da pág. 45 do acórdão da Relação [47 - Foi só no momento referido em 44 que os Apelantes/Autores se inteiraram das chamadas “Condições Gerais” do contrato, constantes de fls. 27v.º a 36 dos autos que se dão aqui por reproduzidas, cláusulas que foram previamente fixadas pela Apelada/Ré sem a possibilidade dos Apelantes/ Autores as negociarem ou alterarem], suscitou dúvidas a expressão “Foi só no momento referido em 44, na medida em que, na lista dos factos alterados (cfr. pág. 36 do acórdão), a expressão utilizada é antes “Foi só no momento referido em 1.45. Ora, a partir da motivação da apreciação da decisão de facto, que em seguida se transcreve, foi possível apurar, sem margem para dúvidas, que a remissão constante da expressão do ponto 47 dos factos provados respeita ao momento da outorga do contrato e não à fase das negociações preparatórias:

«Vai ser conjunta a reapreciação dos demais pontos de facto acima mencionados assim como os que infra se vão mencionar, relacionados com o último daqueles:

- “1.39. Tendo para o efeito sido acordado a celebração de um contrato de locação financeira, do conhecimento e concordância dos Autores”.

- “1.42. Tendo nessa data sido liquidados todos os montantes referentes ao reconhecimento das assinaturas, cópias quer do contrato de compra e venda quer do de locação financeira”.

- “1.44. Na fase pré-negocial, a Ré informou os Autores do conteúdo negocial, de modo que no momento de decidir pela conclusão do contrato, dispusessem de todos os elementos necessários para tomar uma decisão”.

- “1.45. Tendo os Autores, no momento da outorga do contrato, tomado conhecimento de todas as condições, no que respeita a prazo, taxa de juro, valor residual, amortizações, despesas, como aliás decorre de forma clara e explícita do mesmo”.

- “1.47. Os AA tiverem conhecimento das cláusulas do mesmo, estando na posse de todos os elementos que os levaram a assinar de forma livre, consciente e voluntária o contrato em questão e não qualquer outro”.

Relacionam-se com estes últimos os pontos de facto:

- “2.7. As cláusulas do contrato de locação financeira foram previamente fixadas pela Ré, sem a possibilidade dos Autores as negociar ou alterar.

- “2.45. As cláusulas do contrato em causa que refere que “as benfeitorias passam a integrar o bem”, não foram transmitidas aos Autores, nem lhes foi explicado o respectivo conteúdo e alcance”.

Nas declarações de parte, o ora Apelante AA, produziu um depoimento de molde a confirmar quanto ficou alegado na petição inicial, mas, por nervosismo (que por vezes parece ter resvalado para a comoção), caíu em contradições e produziu afirmações totalmente incongruentes com os conhecimentos e saberes de uma pessoa que, aquando da celebração dos contratos, há pelo menos 5 anos se vinha dedicando ao comércio de compra e venda de veículos automóveis, o que, tudo, lhe retirou capacidade de convencimento.

Não foi, pois, credível quando afirmou «chegamos à escritura sou surpreendido com o leasing, e eu digo: “olhe, mas eu pedi um crédito não foi um leasing”», e que assinou o contrato por ter confiado no representante do Banco, ou no gerente da agência que «aquilo era tudo provisório para resolver o problema», assim como se não acreditou que, com a sua idade e a sua experiência comercial, não soubesse o significado e não conhecesse as implicações decorrentes da celebração de um contrato de leasing.

Afirmou, contudo, já numa fase que se ouviu mais calma, ter detectado que «ia fazer um leasing antes da escritura» e que leu o contrato antes de o assinar.

Mais afirmou espontaneamente que «a Notária leu tudo». Porém, quando o seu Mandatário o exorta a pensar melhor no que diz, e insiste na pergunta se “a Notária leu a escritura e o contrato de leasing”, refugiou-se na expressão «Oh, Dr. isto foi em 2010. Não me lembro». O que se retém é, pois, a primeira afirmação, pela sua espontaneidade.

A Apelante BB (que tem o 3.º ano de Direito incompleto) disse que se limitou a assinar deixando «à mão» do seu marido os assuntos relacionados com o Banco e a celebração dos contratos.

Sobre esta matéria as testemunhas EE e FF nada de relevante disseram.

A testemunha DD, a Notária em cujo Cartório foi celebrada a escritura, não teve dúvidas em afirmar que, pela sua experiência «as pessoas sabem o que é um leasing», concluindo que «conhecem as condições do leasing» do facto de nunca ter ocorrido no seu Cartório Notarial qualquer incidente ou pedido de esclarecimentos e informações aquando do acto de reconhecimento das assinaturas, o que também se não verificou, neste caso, com os Apelantes/Autores, que, no concernente ao Apelante, conhece por ele ter ido «três vezes ao Cartório, para tratar de assuntos com o Montepio».

A testemunha GG, trabalhador do Montepio há 23 anos, afirmou ter sido através de si que o Apelante Autor negociou com a Ré/ Apelada os três contratos de concessão de crédito.

Relativamente ao contrato de leasing, confirmou o que é do conhecimento comum, que «é um contrato que é negociado antes», acrescentando que as negociações decorrem «antes e durante a aprovação e após a aprovação, do momento da escritura», tudo sendo «falado com os clientes».

Mais afirmou que «foi tudo explicado» ao Apelante, ao qual entregou «uma carta de aprovação e foram-lhe dadas as condições».

Na contra-instância respondeu afirmativamente à pergunta se “leu a carta de aprovação e explicou as cláusulas do leasing” ao Apelante, acrescentando «mas foi prévio à escritura. As condições são apresentadas previamente à escritura. É explicado ao cliente tudo. Fui eu que expliquei», ajuntando que só depois de as condições serem aceites pelo cliente é que «é marcada a escritura».

Sem embargo, se estas afirmações, porque quem as produziu se revelou credível, constituem base de prova suficiente quanto às “Condições Particulares” do contrato, porque é aí que vem identificado o imóvel objecto da negociação, os fins a que se destina, o prazo contratual, a periodicidade do pagamento e o montante de cada uma das rendas, fixando-se ainda os critérios de actualização, o valor residual do preço a pagar pela transmissão da propriedade, e a garantia especial traduzida na entrega de uma livrança em branco, assuntos, todos eles, a deverem ser acertados e negociados caso a caso, sendo, por isso, de acreditar que constem da “carta de aprovação” que a testemunha diz ter sido entregue ao Apelante, já o mesmo não é possível presumir quanto às “Condições Gerais”, que se destinam a regular a generalidade dos contratos celebrados pela Apelada/Ré, e o certo é que, directamente questionado “se as entregou ou não ao Apelante”, a testemunha mostrou-se insegura e titubeante, daqui se inferindo não o ter feito.

Destarte, quanto a estas cláusulas impõe-se julgar provado não terem elas sido comunicadas aos Apelantes nem, consequentemente, lhes ter sido explicado o seu conteúdo». [negrito nosso]


6. Em causa está uma acção na qual os AA., com base na relação bancária mantida entre as partes durante vários anos, deduziram oito pedidos de diferente natureza, apenas relevando, nesta fase de revista, o pedido de que, caso viesse a ser reconhecida, como foi, a validade da resolução do contrato de locação financeira, seja a R. condenada a pagar aos AA. as benfeitorias realizadas no imóvel no valor de € 600.000,00 (segunda parte da alínea d) do pedido).

Por sentença da 1.ª instância, e após realização de perícias tendo em vista determinar o valor das obras realizadas na fracção objecto do contrato de locação financeira, destinada a restaurante, foi a acção julgada inteiramente improcedente.

Interposto recurso pelos AA., foi proferido acórdão pela Relação a julgar parcialmente procedente a apelação, condenando a R. a pagar aos AA. a quantia de € 86.399,18, a título de indemnização pelas benfeitorias que realizaram na fracção autónoma objecto do contrato de locação financeira. No mais, manteve-se a sentença recorrida.

Entendeu a Relação, em síntese, e após ter procedido à modificação da matéria de facto, dever ser excluída a cláusula do contrato de locação financeira em causa nos autos (cláusula 6.ª, n.º 9), que previa que quaisquer obras realizadas se tornariam parte integrante do imóvel sem qualquer direito a indemnização ou compensação, por a predisponente não ter cumprido os deveres de comunicação e de informação previstos no regime das cláusulas contratuais gerais, sendo ainda tal cláusula nula.

Considerou, assim, que, por aplicação do regime geral da locação financeira, previsto no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, o direito a benfeitorias não estava excluído, com a consequente obrigação, por parte da R., de indemnizar os AA. pelas obras realizadas, na parte referente a obras não removíveis sem descaracterização do locado, indicadas no relatório pericial, no valor de € 86.399,18.

Tal como supra enunciado (ponto 4. do presente acórdão), em sede de recurso de revista, veio a R. suscitar as seguintes questões:

- Padece o acórdão recorrido de erro de direito ao considerar a cláusula 6.ª, n.º 9 das “Condições Gerais” do contrato de locação financeira, referente às benfeitorias realizadas no imóvel, como uma cláusula contratual geral não escrita por violação dos deveres de informação e de comunicação da predisponente (conclusões I a V);

- Padece o acórdão recorrido de erro de direito ao considerar que, face à exclusão de tal cláusula, têm os AA. direito às benfeitorias realizadas, uma vez que, alegam, o regime jurídico supletivamente aplicável, em particular o art. 9.º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, é distinto do regime geral da locação e deve ser interpretado como excluindo o direito a uma indemnização por benfeitorias, atentos os interesses em confronto e os riscos assumidos (conclusões VI a XVI).


7. Comecemos por apreciar a questão da exclusão da cláusula contratual relativa a benfeitorias, por efeito da aplicação do regime legal das Cláusulas Contratuais Gerais.

Consideremos o teor da fundamentação do acórdão da Relação, na parte relevante:

«No contrato em mérito a questão das benfeitorias vem regulada no n.º 9 da cláusula sexta das “Condições Gerais”, nestes termos: Todas e quaisquer obras, instalações e construções efetuadas pelo LOCATÁRIO, ao abrigo do presente contrato, tornar-se-ão parte integrante do imóvel, sem que possa o LOCATÁRIO exigir qualquer indemnização ou compensação ou exercer o direito de retenção. As benfeitorias, equipamentos e materiais amovíveis poderão ser retirados pelo LOCATÁRIO que, no entanto, deverá sempre manter o imóvel em bom estado de conservação e em condições de poder ser imediatamente utilizado.”.

Esta é, porém, uma cláusula claramente lesiva dos interesses dos Apelantes que, como ficou provado, não foram previamente informados nem esclarecidos sobre ela, por suposto só tendo tomado conhecimento dos seus dizeres quando procederam à leitura do contrato, antes de o assinarem.

E o desequilíbrio do risco surge mais evidente tendo presente que a proponente da referida cláusula – a Apelada/Ré – deu em locação financeira uma fracção autónoma que se destinava a “estabelecimento de restauração e bebidas”, a qual, quando foi celebrado o contrato, se encontrava “em bruto, sem saneamento, sem piso e sem acabamentos nas paredes e no tecto”, pelo que a “criação” do estabelecimento de restauração e bebidas nunca poderia ali funcionar sem a realização de obras de vulto.

A inelutável necessidade de realização dessas obras, impunha que a Apelada/Ré esclarecesse os Apelantes se considerava ou não tais obras incluídas na regulamentação da cláusula acima transcrita, tanto mais que o regime jurídico do contrato de locação financeira prevê a modalidade de contrato de locação para a construção, e não foi por esta que se optou.

Ganha, assim, consistência a alegação de desconhecimento e/ou engano aduzida pelos Apelantes, sobre a referida cláusula.

A referida norma contratual deve, pois, ter-se por excluída do contrato, nos termos do disposto no art.º 8.º, por terem sido inobservados os deveres impostos pelos art.os 5.º e 6.º do RJCCG.

Acresce que, tomando como referência o valor total do investimento - € 182.410,00 (correspondendo € 170.000,00 ao valor da aquisição; € 11.050,00 ao IMT; € 1.360,00 do Imposto do Selo de Aquisição – cfr. cáusula 7.ª das Condições Particulares) – e os custos das obras necessárias realizar, a inclusão de tais obras na mencionada cláusula, que permite à Apelada/Ré receber um estabelecimento materialmente formado, preenche o conceito de excessiva onerosidade da garantia, a que alude a alínea m) do n.º 1 do art.º 22.º do supramencionado RJCCG, tendo presente que, como refere ANA PRATA “o termo garantias não se encontra aqui utilizado no seu sentido técnico-jurídico estrito” (in “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, Almedina, 2010, pág. 560).» [negritos nossos]

Convém esclarecer que a apreciação do cumprimento dos deveres de comunicação e de informação à luz dos arts. 5.º e 6.º do regime das Cláusulas Contratuais Gerais (Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro) antecede e prevalece sobre a apreciação da validade das cláusulas em função do regime dos arts. 12.º e segs. do mesmo diploma legal, no sentido de que, concluindo-se pela violação daqueles deveres, com a consequente exclusão da cláusula ou cláusulas afectadas, não haverá já lugar à apreciação da eventual invalidade de tais cláusulas.

Comecemos, pois, por apreciar do cumprimento dos deveres de comunicação e de informação.

Sustenta a Recorrente que o acórdão recorrido errou ao considerar que as “Condições Gerais” do contrato de locação financeira não foram devidamente comunicadas aos AA., uma vez que, alega, teve lugar uma fase de pré-negociação durante a qual foram clarificadas todos os aspectos relevantes do contrato de locação financeira. Assim, os AA. tomaram perfeito conhecimento das condições e consequências do contratado, também em razão do seu nível de experiência e instrução (o A. marido era comerciante de automóveis e a A. mulher frequentara o 3.º ano do curso de Direito) e da reduzida complexidade da cláusula em questão, bem como do contrato em geral.

Em sede de contra-alegações, vierem os Recorridos responder que o que ficou, efectivamente, provado foi que a cláusula 6.ª, n.º 9 das “Condições Gerais” do contrato não lhes foi previamente transmitida nem explicado o respectivo conteúdo e alcance, pelo que o acórdão recorrido decidiu correctamente ao concluir pela exclusão de tal cláusula.

Quid iuris?

Relevam os seguintes factos provados:

7 - Ainda em 2009 os Autores iniciaram a negociação tendente à aquisição da fracção A, correspondente à cave esquerda, destinada a estabelecimento de restauração e bebidas, com uma garagem para aparcamento automóvel e um arrumo, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito em ..., ..., Praça ..., n.º ..., ..., …, ... e ... e Avenida ...., …, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …35 e na matriz predial urbana no artigo ….42

8 - Pretendendo os Autores aí instalar um restaurante.

9 - Fracção que se encontrava em bruto, sem saneamento, sem piso e sem acabamentos nas paredes e tecto, com um valor de mercado no ano de 2010 no montante de € 252.000,00.

12 - Em 15 de Janeiro de 2010 é agendada pela Ré a escritura para a aquisição da fracção descrita em 7. – cfr. doc. de fls. 25 vº a 27 dos autos.

13 - Aquando da escritura, e no mesmo dia em que foi celebrada, a Ré pagou à sociedade vendedora, a “Festa & Festa, S.A.”, o montante de € 170.000,00.

16 - De modo a aí instalarem um restaurante, os Autores, entre 2010 e 2012, executaram e aplicaram na fracção em causa as obras, materiais e objectos melhor descritos no anexo I do relatório pericial de fls. 165 e sgs. (mais especificamente de fls. 174 a 176, rectificado a fls. 193 e 194) no valor global de € 143.377,18.

39 - No referido ano de 2009, pretendendo os Apelantes/Autores adquirir um estabelecimento comercial para restauração, solicitaram apoio financeiro da Apelada/Ré, tendo sido acordada a celebração de um contrato de leasing. 

40 – No dia 15 de Janeiro de 2010 foi outorgado o “Contrato de Locação Financeira Imobiliária Nº 047…-…”, que foi precedido de um contrato de compra e venda, celebrado por escritura pública outorgada no cartório notarial da notária DD, na qual a sociedade comercial “Festa & Festa, S.A.” declara vender à “Caixa Económica Montepio Geral”, que lha declara comprar, pelo preço de  € 170.000, a “fracção autónoma designada pela letra A, destinada a estabelecimento de restauração e bebidas” a mesma que é objecto do contrato de locação financeira, acima referido – cfr., respectivamente, docs. de fls. 27v.º a 38 e 25v.º a 27, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

43 - Em carta enviada pelo Apelante/Autor à Apelada/Ré, com data de 23/7/2014 aquele solicita a esta: “a autorização para arrendamento do espaço comercial referente ao contrato de leasing 047....”, acrescentando “Informo que o valor da renda mensal será de quatro mil euros sendo que o valor será entregue directamente no montepio para fazer face às minhas responsabilidades até à concretização da venda do mesmo de forma a liquidar a totalidade do leasing” – conforme documento de fls. 98 v.º, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

44 - Na fase das negociações a Apelada/Ré foi acordando com o Apelante/Autor os termos do contrato de leasing, designadamente no que respeita ao prazo, taxa de juro, valor residual a pagar pela aquisição, amortizações, e despesas englobadas no valor investido, que ficaram a constar, respectivamente, das cláusulas terceira, quinta, sexta e sétima das “Condições Particulares” do contrato, constantes de fls. 36 e 37 dos autos, que se dão aqui por reproduzidas.

45 - Os Apelantes/Autores leram o contrato de leasing antes de o assinarem.

46 - Os Apelantes/Autores declararam no documento que corporiza o contrato, “conhecer as condições gerais e particulares do presente contrato de locação financeira imobiliária, às quais dão a sua inteira e expressa concordância”, nos termos que constam do último parágrafo de fls. 38 que, por brevidade, se dá aqui por reproduzido.

47 - Foi só no momento [da outorga do contrato – ver esclarecimento supra, ponto 5. do presente acórdão] que os Apelantes/Autores se inteiraram das chamadas “Condições Gerais” do contrato, constantes de fls. 27v.º a 36 dos autos que se dão aqui por reproduzidas, cláusulas que foram previamente fixadas pela Apelada/Ré sem a possibilidade dos Apelantes/ Autores as negociarem ou alterarem. [dado como provado pela Relação]

53 - No n.º 1 da cláusula primeira das “Condições Gerais” do contrato de “Locação Financeira Imobiliária” acima referido em 39, ficou a constar que “O presente contrato tem por objecto a locação financeira do imóvel descrito na cláusula primeira das Condições Particulares, reconhecendo o LOCATÁRIO que o referido imóvel possui todas as características adequadas à utilização para os fins a que se destina.”.

54 - No n.º 8 da cláusula sexta das referidas “Condições Gerais” consta que “Todas as obras que não se enquadrem no conteúdo do número anterior – designadamente as obras de conservação e manutenção que o LOCATÁRIO entender convenientes e ainda as resultantes de benfeitorias úteis e voluptuárias, carecem de prévio acordo expresso, por escrito, da LOCADORA…”.

55 - No n.º 9, da mesma cláusula sexta ficou a constar que “Todas e quaisquer obras, instalações e construções efetuadas pelo LOCATÁRIO, ao abrigo do presente contrato, tornar-se-ão parte integrante do imóvel, sem que possa o LOCATÁRIO exigir qualquer indemnização ou compensação ou exercer o direito de retenção. As benfeitorias, equipamentos e materiais amovíveis poderão ser retirados pelo LOCATÁRIO que, no entanto, deverá sempre manter o imóvel em bom estado de conservação e em condições de poder ser imediatamente utilizado.”

56 - Esta cláusula, na parte em que refere que as benfeitorias passam a integrar o imóvel não foi previamente transmitida aos Apelantes/Autores nem lhes foi explicado o respectivo conteúdo e alcance. [dado como provado pela Relação]

62 - O Apelante/Autor é comerciante de automóveis e a Apelante/Autora frequentou o curso de Direito até ao 3.º ano, que não concluiu.

Temos assim que, pelas razões que constam da respectiva fundamentação, entendeu a Relação modificar a matéria de facto, dando como provado que os AA. apenas se “inteiraram” das “Condições Gerais” do contrato de locação financeira, previamente elaboradas pela R. (facto 47), e nas quais se incluía a cláusula respeitante às benfeitorias (facto 56), no momento da outorga do contrato. Assim, e diversamente do alegado pela Recorrente, a fase pré-negocial versou, apenas e tão-só, sobre as cláusulas das “Condições Particulares” do mesmo contrato (facto 44).

Deste modo, é inquestionável que, no que se refere às ditas “Condições Gerais” do contrato e, em particular, à cláusula 6.ª, n.º 9, respeitante a benfeitorias, estão em causa cláusulas contratuais gerais, fixadas pela R., sem prévia negociação com os AA.. Dúvidas não subsistem, portanto, de que tais cláusulas se encontram submetidas ao regime do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (cfr. o respectivo art. 1.º, n.o 1).

Importa, assim, ter presente as prescrições normativas deste diploma, que regulam o dever de comunicação e o dever de informação (ou esclarecimento):

Artigo 5.º

«Comunicação

1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.

2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais».

Artigo 6.º

«Dever de informação

1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.

2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados».

No que se refere ao cumprimento do dever de comunicação das cláusulas, dever que, por sua vez, se sub-divide no dever de comunicação integral das cláusulas (art. 5.º, n.º 1) e no dever de comunicação de modo adequado e com a antecedência necessária (art. 5.º, n.º 2), sabendo-se que as ditas cláusulas constam de documento composto por duas dezenas de páginas (fls. 27verso a 36 dos presentes autos – cfr. facto 44), entregue aos AA. aquando da celebração do contrato, considera-se cumprido o primeiro dever (de comunicação integral) e não cumprido o segundo (no caso, de comunicação com a antecedência necessária). Com efeito, tal como ajuizou o tribunal a quo, entende-se que a apreensão do conteúdo de um documento contratual com tal extensão, e alguma complexidade, é incompatível com uma simples leitura realizada aquando da outorga do contrato (cfr. facto 45). Deste modo, tem-se como certo que a comunicação do conteúdo das “Condições Gerais” não respeitou as exigências do n.º 2 do art. 5.º, uma vez que – fazendo uso dos critérios da própria lei – a extensão do clausulado não permitia o seu conhecimento completo e efectivo mesmo por quem usasse de comum diligência.

Será, porém, que a prova de que «Os Apelantes/Autores declararam no documento que corporiza o contrato, “conhecer as condições gerais e particulares do presente contrato de locação financeira imobiliária, às quais dão a sua inteira e expressa concordância”» (facto 46) nos deve levar a concluir de forma distinta?

A validade e as consequências probatórias da inclusão deste tipo de cláusulas ou declarações de conhecimento tem suscitado controvérsia na doutrina e na jurisprudência. Se, por um lado, é habitualmente desconsiderado o respectivo valor ou eficácia por se tratar de fórmulas genéricas que não afastam a obrigatoriedade do predisponente demonstrar o cumprimento dos seus deveres de comunicação e de informação, por outro lado, e em determinadas circunstâncias, tais declarações podem ser encaradas como tendo valor confessório, nos termos do art. 376.º, n.os 1 e 2, do Código Civil, com reflexos na demonstração do cumprimento ou da necessidade de cumprimento destes deveres; ou, mesmo não se lhes atribuindo valor confessório, poderá considerar-se que, dos parâmetros da boa fé negocial, deriva para os aderentes um princípio de auto-responsabilização por declarações de tal natureza.

Não se ignorando a relevância teórica e prática da referida controvérsia – cuja cabal elucidação envolve ainda a ponderação de outras dificuldades, tais como a da compatibilização desse tipo de cláusulas ou declarações com a regra da distribuição do ónus da prova prevista no art. 5.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 446/85 e/ou com o regime estabelecido nas alíneas e) e g) do art. 21.º do mesmo diploma legal – entende-se que a resolução da questão que ora nos ocupa, em situação com os contornos do caso sub judice, não implica uma tomada de posição sobre tal controvérsia.

Com efeito, se, nas hipóteses em que as cláusulas contratuais se encontrem consubstanciadas em documentos de reduzida extensão, se pode configurar a possibilidade de uma simples leitura, imediatamente antes da subscrição pelo aderente, permitir apreender o conteúdo de tais cláusulas, já a extensão das “Condições Gerais” do contrato de locação financeira dos autos – cerca de duas dezenas de páginas – é incompatível com um juízo dessa natureza.  A efectiva apreensão do conteúdo de um documento de tal extensão, redigido em linguagem técnico-jurídica, não é susceptível de ser alcançada com uma simples leitura no próprio acto de outorga do contrato, não sendo, por isso, de atribuir qualquer relevância – probatória ou outra – à enunciada declaração genérica de conhecimento subscrita pelos AA. (cfr. facto 46).

Quanto ao cumprimento do dever de informação (e esclarecimento) previsto no n.º 1 do supra transcrito art. 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, não temos como certo que, em regra (i.e., independentemente do tipo contratual em causa), de tal norma decorra para a predisponente um dever de aconselhamento do aderente a que o acórdão recorrido faz referência, nem tampouco acompanhamos o entendimento de que o alcance do n.º 9 da clausula 6.ª (“Todas e quaisquer obras, instalações e construções efetuadas pelo LOCATÁRIO, ao abrigo do presente contrato, tornar-se-ão parte integrante do imóvel, sem que possa o LOCATÁRIO exigir qualquer indemnização ou compensação ou exercer o direito de retenção. As benfeitorias, equipamentos e materiais amovíveis poderão ser retirados pelo LOCATÁRIO que, no entanto, deverá sempre manter o imóvel em bom estado de conservação e em condições de poder ser imediatamente utilizado.”) tivesse de ser (mais) explicitado a aderentes com as características dos AA. (o A. era empresário do ramo automóvel e a A. tinha a frequência do 3.º ano do curso de Direito). Posto era que se tivesse demonstrado que, nas circunstâncias concretas em que as “Condições Gerais” foram apresentadas aos AA., tiveram estes a possibilidade, efectiva e real, de apreender o seu conteúdo, assim como de, conforme previsto no n.º 2 do art. 6.º, solicitar os esclarecimentos que, porventura, entendessem necessários.

Quer isto dizer que, no caso dos autos, o inadimplemento do dever de informação não passa pela falta de clarificação do conteúdo e alcance da dita cláusula 6.ª, n.º 9 (cfr. art. 6.º, n.º 1 do diploma legal), mas antes por – em consequência do não cumprimento do dever de comunicação com a antecedência necessária (cfr. art. 5.º, n.º 2 do mesmo diploma) – ter a predisponente inviabilizado a formulação pelos aderentes, aqui AA., de eventual pedido de esclarecimento (cfr. art. 6.º, n.º 2) acerca dessas cláusula e da sua conjugação com as cláusulas contidas nas “Condições Particulares” do contrato.

Por outras palavras, tanto falta ao dever de informação (ou esclarecimento) regulado no n.º 2 do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85 a predisponente que não presta os esclarecimentos pedidos como a predisponente que, pela forma e tempo de comunicação das cláusulas contratuais, inviabiliza a realização de quaisquer pedidos de esclarecimento.

Com estas precisões, conclui-se pela confirmação do juízo de exclusão da cláusula 6.ª, n.º 9, do contrato de locação financeira celebrado entre as partes.


8. Relativamente à questão do invocado erro de direito na interpretação e aplicação do regime subsidiário da locação financeira, defende a Recorrente que, mesmo que se mantenha a exclusão da cláusula em questão (cláusula 6.ª, n.º 9) das “Condições Gerais” do contrato, por aplicação supletiva do regime da locação financeira (nos termos do art. 9.º, n.º 1, do diploma das Cláusulas Contratuais Gerais) se teria de concluir não terem os AA. direito a qualquer indemnização por obras (“benfeitorias”) realizadas no imóvel.

Sustenta para tanto que, nos termos do art. 9.º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, e atenta a natureza específica da locação financeira em relação à locação em geral, o locador financeiro tem direito a fazer suas, sem compensações, as benfeitorias incorporados no imóvel pelo locatário, sendo essa a única forma de assegurar o equilíbrio de interesses das partes e garantir a repartição dos riscos, nomeadamente, quando, como sucede no caso dos autos, os locatários apenas liquidaram uma reduzida parte das prestações do contrato.

Os Recorridos contrapõem que o acórdão fez a correcta subsunção das normas à factualidade dada como provada e que deve, assim, ser mantido na parte em apreço.

Quid iuris?

A decisão da questão em análise passa, essencialmente, pela compreensão da natureza e fins do contrato de locação financeira e pela interpretação do seu regime legalmente regulado pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, em particular no que respeita à titularidade das alterações (“benfeitorias”) realizadas no bem objecto de locação e ao eventual direito do locatário a ser compensado ou indemnizado pela sua realização.

A norma a que se refere a Recorrente consta do art. 9.º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 149/95, que dispõe o seguinte:

«2 - Para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma, assistem ao locador financeiro, em especial e para além do estabelecido no número anterior, os seguintes direitos:

(…)

c) Fazer suas, sem compensações, as peças ou outros elementos acessórios incorporados no bem pelo locatário»

Consideremos os termos em que o acórdão recorrido se pronunciou, interpretando e aplicando este regime legal:

«ii) Subsidiariamente pedem os Apelantes que lhes seja reconhecido o direito a serem indemnizados pelas benfeitorias que fizeram na fracção alegando que a receberam em bruto, sem saneamento, sem piso e sem acabamentos nas paredes e no tecto, e para instalarem nela o restaurante, como estava previsto, tiveram de proceder a essas obras.

Um dos direitos legalmente reconhecidos ao locador é o de fazer suas, sem compensações, “as peças ou outros elementos acessórios incorporados no bem pelo locatário” – cfr. alínea b) do n.º 2 do art.º 9.º do Dec.-Lei n.º 149/95 (Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira – RJCLF).

O art.º 14.º do mesmo Diploma Legal consagra uma norma supletiva quanto às “despesas de transporte e respectivo seguro, montagem, instalação e reparação do bem locado” e as “despesas necessárias” para a devolução do locado ao locador, “incluindo as relativas aos seguros, se indispensáveis”, as quais ficam todas a cargo do locatário.

[...]

A natureza, volume, e essencialidade das obras em causa, para que o estabelecimento possa ser tido como existente, excluem-nas dos conceitos de “peças” e “elementos acessórios” referidos na alínea c) do n.º 2 do art.º 9.º do 56 RJCLF, assim como da previsibilidade da norma supletiva constante do art.º 14.º.

Pelo exposto, impõe-se reconhecer aos Apelantes o direito a serem reembolsados do custo das obras a que procederam no imóvel locado.

iii) Uma vez que o contrato foi resolvido, os Apelantes, locatários, estão obrigados a restituir à Apelada/Ré, locadora, o imóvel, no qual, como ficou provado, aqueles fizeram as obras necessárias e instalaram um restaurante que funcionou, tendo estado aberto ao público desde Novembro de 2012 até “cerca do verão de 2013”.

Pretendem os Apelantes serem ressarcidos “das benfeitorias que introduziram na fracção”, defendendo que o valor a receber há-de ser igual ao que gastaram “nessas obras”, que se julgou provado ser do montante de € 143.377,18.

De acordo com o disposto no art.º 216.º do C.C., consideram-se benfeitorias as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.

Na linguagem corrente, assim como na linguagem jurídica, as benfeitorias são as alterações ou intervenções na coisa, sendo o custo destas que origina a despesa.

As benfeitorias são: necessárias, como tais se devendo entender as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis, que são as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, aumentam o seu valor económico, ou as potencialidades da coisa; e voluptuárias que estão legalmente definidas como as que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.

Como decidiu o Acórdão do S.T.J. de 19/05/2011, integram o conceito de benfeitorias necessárias “os melhoramentos indispensáveis à manutenção (conservação) e funcionamento da coisa enquanto unidade económica, apta a desempenhar a função ou actividade para a qual foi destinada ou que nela tem vindo a ser exercida”, e justifica dizendo que importa “ter em atenção que a terminologia legal respeita a conceitos normativos, vale dizer, axiológico-valorativos, pois o Direito é uma ciência normativa que não se restringe aos conceitos ôntico-naturalísticos ou fenomenológicos. Desta sorte, importa ter presente que o conceito de perda ou de deterioração, não pode ser encarado somente no sentido naturalístico de desaparecimento físico (como acontece com as coisas consumíveis), mas, porque se trata de conceitos normativos (Normativerbegriffe) eles terão uma abrangência que inclui o normal aproveitamento das suas potencialidades ou funcionamento, o que não se confunde com a frutificação.” (ut Proc.º 892/05.7TBSTC.E1.S1, in www.dgsi.pt).

Na situação sub judicio, se considerarmos que a Apelada/Ré locou aos Apelantes um imóvel sem os acabamentos, só fica preservado o princípio do equilíbrio contratual ou a justiça da relação, se aquela indemnizar estes pelos gastos que tiveram de suportar com as obras que executaram, sem as quais não podia o referido imóvel ser utilizado para o fim a que se destinava – estabelecimento de restauração e bebidas.

Tais obras são as que vêm descritas sob os n.os 1 a 12 do Anexo ao relatório pericial – cfr. fls. 193 dos autos: execução do pavimento (1 a 3); alvenarias; rebocos; colocação de pladur (6.a a 6.f); obras de electricista e de pichelaria e de carpintaria (7 a 9); obra de pintor e lacagem (10); louças sanitárias, ferragens e torneiras (11); e revestimento de paredes (12).

As demais obras aí descritas, que incluem a esplanada no exterior já não têm o carácter de essencialidade e, consequentemente, não poderão ser consideradas.

Os “Equipamentos e Mobiliário Instalados”, são bens a se, que podem ser removidos sem que o espaço fique descaracterizado como estabelecimento de restaurante.

O valor da indemnização é, pois, apenas, o valor das obras acima referidas, que perfazem o montante total de € 86.399,18 (oitenta e seis mil trezentos e noventa e nove euros e dezoito cêntimos).» [negritos nossos]

Segundo decorre do acórdão recorrido, as obras ou “benfeitorias” pelas quais a Relação reconheceu aos locatários direito a serem indemnizados correspondem apenas às obras dadas como provadas, e objecto da perícia realizada no decurso dos autos, qualificadas como indispensáveis para o fim a que o imóvel se destinava, não se estendendo esse direito a todas as obras, intervenções ou melhoramentos introduzidos pelos AA. no imóvel com vista ao exercício da actividade de restauração.

Resulta, assim, não ter a Relação reconhecido aos AA. um direito geral ou integral a serem indemnizados por todas as obras realizadas, mas tão-somente por aquelas obras com carácter essencial e que não poderiam ser levantadas ou desincorporadas do imóvel sem o desvalorizar. Perante a redacção do preceito, ou seja, perante a referência, no art. 9.º, n.º 2, alínea c) do Decreto-Lei n.º 149/95, a “peças ou outros elementos acessórios incorporados no bem” que justificariam que o locador as/os fizesse suas/seus sem lugar a pagar compensação ao locatário, não merece censura a conclusão a que chegou o aresto.

Com efeito, uma interpretação do preceito à luz das regras do art. 9.º do Código Civil, não permite extrair da norma um sentido que consagre um direito geral do locador de fazer suas todas as obras realizadas no bem pelo locatário, para além daquelas que possam ser qualificadas como “peças” ou “elementos acessórios” nele incorporados, porquanto uma interpretação que vá para além destes elementos integrados no imóvel não terá suficiente correspondência com a letra do preceito.

Posto por outras palavras, diversamente do alegado pela Recorrente – e ainda que não se ignore haver quem aponte em sentido diverso (ver, por todos, Fernando de Gravato Morais, Manual de Locação Financeira, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2011, pág. 104) – entende-se que a norma do art. 9.º, n.º 2, alínea c) do Decreto-Lei n.º 149/95 não permite concluir que, findo o contrato, o locador tem direito a fazer suas, sem pagamento de compensação, todas as “benfeitorias” que o locatário tenha realizado no imóvel locado.

Na jurisprudência deste Supremo Tribunal, no que se refere à interpretação da norma em causa, apenas foi possível identificar a decisão do acórdão de 24-05-2018 (proc. n.º 1242/14.7TBCLD.C1.S1, votado na presente secção, cujo sumário está disponível em www.stj.pt) que, ainda que, em tese geral, pareça inclinar-se no sentido propugnado pela Recorrente, não chega a aplicar essa norma, uma vez que, no caso concreto, existia cláusula contratual válida e eficaz que atribuía expressamente ao locador o direito de fazer suas “quaisquer obras, instalações e construções” realizada pelo locatário no imóvel com dispensa de compensação ou indemnização ao locatário.

No caso dos autos, e em relação às obras e melhoramentos introduzidos no imóvel pelos locatários, aqui AA., que não sejam “peças” ou “elementos acessórios” nele incorporados, entende que vale a remissão do corpo do n.º 2 do art. 9.º para os «direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma», a qual, na matéria que ora nos ocupa, constitui uma remissão para o regime do n.º 1 do art. 1046.º do Código Civil, que, sob a epígrafe «Indemnização de despesas e levantamento de benfeitorias», prescreve:

«Fora dos casos previstos no artigo 1036.º, e salvo estipulação em contrário, o locatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada

Sendo que o n.º 1 do art. 1273.º do CC dispõe:

«Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.»

Acolhendo um conceito funcional de benfeitorias necessárias (seguido no citado acórdão deste Supremo Tribunal de 19 de Maio de 2011, proc.  892/05.7TBSTC.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt), segundo o qual são benfeitorias necessárias “os melhoramentos indispensáveis à manutenção (conservação) e funcionamento da coisa enquanto unidade económica, apta a desempenhar a função ou actividade para a qual foi destinada ou que nela tem vindo a ser exercida» – conceito funcional este adoptado também no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19-12-2018[1] (proc. n.º 214/14.6T8BJA.E1.S2, consultável em www.dgsi.pt) – não merece censura o juízo do acórdão recorrido segundo o qual a R. locadora deveria ser condenada a pagar aos AA. locatários:

«[P]elos gastos que tiveram de suportar com as obras que executaram, sem as quais não podia o referido imóvel ser utilizado para o fim a que se destinava – estabelecimento de restauração e bebidas.

Tais obras são as que vêm descritas sob os n.os 1 a 12 do Anexo ao relatório pericial – cfr. fls. 193 dos autos: execução do pavimento (1 a 3); alvenarias; rebocos; colocação de pladur (6.a a 6.f); obras de electricista e de pichelaria e de carpintaria (7 a 9); obra de pintor e lacagem (10); louças sanitárias, ferragens e torneiras (11); e revestimento de paredes (12).

As demais obras aí descritas, que incluem a esplanada no exterior já não têm o carácter de essencialidade e, consequentemente, não poderão ser consideradas.»

Conclui-se, assim, pela não verificação do invocado erro de direito na interpretação e aplicação do regime subsidiário da locação financeira.


9. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso principal da R., mantendo-se a decisão do acórdão recorrido.


Custas em ambos os recursos pelos respectivos Recorrentes.


Lisboa, 23 de Setembro de 2021

Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade das Exmas. Senhoras Conselheiras Maria Rosa Tching e Catarina Serra que compõem este colectivo.


Maria da Graça Trigo (relatora)

_________

[1] Relatado pelo Cons. Tomé Gomes e votado pela relatora do presente acórdão como 1.ª adjunta.