Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8741/08.8TDPRT.P1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTOS ILÍCITOS
DANO
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
Data do Acordão: 06/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão:
NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA / NULIDADE DA SENTENÇA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4.ª edição, p. 424;
- Ana Mafalda Miranda Barbosa, Responsabilidade Civil Extracontratual – Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade, Princípia Editora, Cascais, 2014, p. 196;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, p. 495;
- Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil, Almedina, 1995, p. 53 a 57;
- Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo I, Bosch, Barcelona, 2008, p. 415;
- Vaz Serra, BMJ n.º 84, p. 284 ; n.º 100, p. 127;
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 379.º, N.º 1, ALÍNEA C).
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 799.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 11-01-2006, PROCESSO N.º 2249/05;
- DE 28-02-2007, PROCESSO N.º 3382/06;
- DE 15-05-2013, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 03-10-2013, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 21-01-2016, PROCESSO N.º 2/14.0GAAMT.S1.
Sumário :
I - Incorre em nulidade por omissão de pronúncia o acórdão da Relação que não se pronúncia relativamente à impugnação da demandante/assistente da parte da sentença da 1.ª instância que absolveu os demandados/arguidos do pedido cível que havia formulado – n.º 1, al. c) do art. 379.º, ex vi do n.º 2 do art. 374.º, ambos do CPP.
II - Na sequência do asserido, e declarando a nulidade do acórdão recorrido por ter deixado de apreciar uma questão que tinha sido objecto de impugnação por banda da recorrente, o STJ, com amparo da argumentação que se deixou expandida, irá substituir-se ao tribunal recorrido e tomar conhecimento da questão que foi declarada prejudicada, a saber a questão concernente ao pedido de indemnização civil que a recorrente impulsou, contra os arguidos, com base na facticidade de "imputação criminal" que foi considerada adquirida pelo tribunal da Relação.
III - Para que se pudesse imputar a responsabilidade de qualquer dos arguidos/demandados pelo pagamento de um quantitativo indemnizatório à assistente/demandada impunha-se a verificação de um estado de culpabilidade - penal e/ou civil - pela situação denunciada e que originou o julgamento dos imputados.
IV - Não resultando provado que a actividade desenvolvida pelos arguidos tivesse desencadeado um prejuízo (causal) na esfera patrimonial da assistente/demandante e considerando que à demandante estava consignado o ónus de provar que a actividade contrária à lei (antijurídica) e ilícita imputada aos arguidos/demandados lhe tinha ocasionado um dano, forçoso é considerar que não se verifica tal pressuposto da responsabilidade civil por factos ilícitos.
V - Só comprovando a antijuridicidade, ilicitude e natureza culposa da conduta a demandante lograria ver preenchidos os pressupostos basilares da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade civil com base em factos ilícitos.
VI - A actividade de que a assistente/demandante faz derivar a responsabilidade de indemnização dos demandados (desempenho de funções de mediação de seguros pelos arguidos em substituição do seu progenitor falecido) não representa uma fonte de risco (acrescido) que deva ser socialmente assumido pelo beneficiário da actividade desenvolvida. Eventualmente poderá ocorrer uma responsabilidade contratual - aferida segundo os padrões e os pressupostos da responsabilidade civil (art. 799.º, n.º 2 do CC) - por incumprimento de acordos ou pactos de realização ou prestação recíprocas, mas que não entram no tipo de responsabilidade que foi imputada aos arguidos/demandados.
VII - Porque não se verificam os pressupostos de que a demandante poderia impetrar o pagamento de quaisquer quantias aos demandados, soçobra o pedido de indemnização com base neste tipo de responsabilidade, tanto com base em factos ilícitos como com base na responsabilidade objectiva.
Decisão Texto Integral:

I. – RELATÓRIO.

- Nos autos nº 8741/08.8TDPRT.P1 que correu os seus termos no 1º Juízo, 1ª Secção do Juízos Criminais do Porto, foi proferida sentença que decidiu: “Absolver AA, BB e CC da prática, em co-autoria material, de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p., pelo art. 205°, n.º 1 e n.º 4, al. a), do CP; • Absolver CC da prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º, n.º 1, als. b), d) e e), do CP; • Condenar a assistente DD no pagamento das custas crime, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.; • Julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil formulado por DD e em consequência absolver os demandados AA, BB e CC do pedido.”

- Recorrida a decisão foi, em decorrência do acórdão datada de 29 de Abril de 2015 – cfr. fls. 1860 a 1918 –, o recurso julgado improcedente e, consequentemente, mantida a decisão indicada no item antecedente;

- Aclarado o acórdão – cfr. fls. 1970 a 1978 – a assistente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional “da sentença de 1ª instância proferida a 24 de Janeiro de 2014 e do douto acórdão do Tribunal da Relação proferida a 29 de Abril de 2015” (sic)– cfr. fls. 2010 a 2046 (original a fls. 2107 a 2144);; 

- A fls. 2079 (original) a assistente, por não se conformar com o despacho datado de 22 de Junho de 2016 – de facto pretende-se aludir ao acórdão proferido a 22 de Junho de 2016 que indeferiu a arguição de nulidades e o pedido de aclaração – pretende (sic) “reclamar ada resposta à aclaração e arguição de nulidades para o Digníssimo Supremo Tribunal de Justiça” (sic) - (fls. 2080 a 2103) (Não admitido por despacho datado de 21.12.2016 - fls. 2479);

- A fls. 2152 a 2264 (com original de fls. 2268 a 2378), a assistente movimenta recurso para o Supremo Tribunal de Justiça;

- O recurso interposto não logrou admissão pelas razões constantes do despacho de fls. 2386-2387;

- Do despacho mencionado no item antecedente interpôs a assistente/recorrente recurso para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 2395 a 2431, com original de fls. 2437 a 2474);

- Convertido em reclamação veio o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça – fls. 2152 – por decisão do Exmo. Senhor Vice-Presidente, de 20 de Janeiro de 2017, restrito à matéria cível “Indefere-se a reclamação quanto à matéria penal, mas defere-se a mesma no respeitante à indemnização civil, devendo o despacho reclamado ser substituído por outro que admita o recurso nessa parte”); 

- Por despacho datado de 27 de Fevereiro de 2019, foi o recurso para este Supremo Tribunal de Justiça admitido.

(No ínterim a assistente, “não se conformando com a sentença do Tribunal de Primeira Instância

Criminal do Porto, de 24 de Janeiro de 2014, nem com o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29 de Abril de 2015, nem com a resposta ao Pedido de Aclaração com Arguição de Nulidades Processuais, datado de 22 de Junho de 2016, assim como com o despacho datado de 20 de Outubro de 2016, do Tribunal da Relação do Porto que indeferiu o recurso penal e civil, bem como do despacho datado de 20 de Janeiro de 2017, proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação de não admissibilidade do recurso relativamente à matéria penal, vem requerer a declaração de várias nulidades ex offcio, nos termos dos artigos 14, nº 2, 32º, nº 1, 33º e 119º, todos do Código de Processo Penal (…)” – cfr. fls. 2566 a 2584, com original a fls. 2600 a 1618)      

A arguição de nulidades a que se alude o requerimento antecedente foi indeferido, por acórdão datado de 27 de Fevereiro de 2019 – fls. 2738 a 2744)

O acórdão a que alude no parágrafo antecedente foi objecto de recurso – cfr. fls. 2768 a 2810 -, que por haver sido ordenada a formação de traslado com o despacho de fls. 2747, foi mandado instruir no traslado). [][1]

I.a) – QUADRO CONCLUSIVO.

DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL [[2]]

308. O acórdão do Tribunal de Primeira Instância Criminal do Porto julgou improcedente o pedido de indemnização cível deduzido, por não resultar provado que os arguidos tenham cometido os crimes pelos quais vinham pronunciados (vide fls. 48-49 da sentença), violando o artigo 483° do Código Civil.

309. Ora, o pedido civil tem de se fundar «na prática de um crime», porém a absolvição (do crime) não obsta à condenação do arguido no pedido civil se pedida a indemnização, pois os pressupostos da responsabilidade aquiliana ou extracontratual são diferentes da responsabilidade criminal.

310. Como tal, ao contrário do que sustenta a Sentença do Tribunal de Primeira Instância Criminal do Porto, verificam-se os pressupostos previstos no artigo 483° do Código Civil.

311. Daí, haver um erro grosseiro de julgamento no Acórdão do tribunal da Primeira Instância Criminal do Porto, que deve ser sanado por Vossas Excelências.

312. Por sua vez, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto comete uma omissão grave de pronúncia nos termos do artigo 379°, n°1, alínea c), do Código de Processo Penal, ao não se pronunciar sobre o pedido de indemnização cível, como determina a lei.

313. Cometendo uma nulidade processual nos termos do mesmo artigo.

314. Face ao exposto, deve o pedido civil formulado ser julgado procedente e, por via disso:

315. Deverão os arguidos CC, BB e AA, indemnizar a recorrente/demandante na quantia de €795.985,68 (Setecentos e noventa e cinco mil novecentos e oitenta e cinco e sessenta e oito cêntimos) por danos patrimoniais;

316. Deverão os arguidos CC e BB indemnizar a recorrente na quantia de €13.020,19 por danos patrimoniais (desde o dia 17 de Agosto de 2007 até ao dia 17 de Março de 2008);

317. A estes montantes deverá ser acrescido a soma de € 40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora â taxa legal, desde a data da ocorrência dos factos, ou seja, desde Agosto de 2007, até ao efectivo e integral pagamento do mesmo.

318. Importa ressalvar que independentemente de haver condenação criminal ou não, deverão V. Exas. também revogar a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue procedente o pedido de indemnização cível deduzido pela recorrente contra os três arguidos, porque os pressupostos do direito penal são independentes e diferentes dos pressupostos da responsabilidade civil, como já foi referido na presente motivação, havendo assim uma errada interpretação do artigo 71º do Código de Processo penal, por parte do Tribunal a quo.

319. Em suma, devem ser dados como provados todos os factos constantes no pedido de indemnização cível (fls. 1165-1180), devendo os arguidos indemnizar a recorrente por danos materiais e morais no valor total de € 829.005,87, acrescidos de juro de mora à taxa legal desde a data de ocorrência dos factos, isto é, desde Agosto de 20073 até ao efectivo pagamento integral do mesmo, nos termos dos artigos 562°, 805°, n°2, aliena b) e 806° n°1 do Código Civil.

320. Remédio Marques mostra como o Supremo Tribunal de Justiça passou a exigir que a Relação formasse a sua própria convicção do sucedido face à audição das gravações dos depoimentos produzidos em primeira instância.

321. Estas razões integram o "dever de especificação", tacitamente previsto no artigo 412.º, n.º 3, b) do Código de Processo Penal.

322. Com efeito, o Tribunal da Relação tem o dever de formar a sua própria convicção sobre o sucedido face à audição das gravações dos depoimentos produzidos em primeira instância, convicção que pode ser diferente da formulada na Primeira Instância.

323. O n.° 1 do art. 662.° passa a estabelecer a imposição de que a Relação deve alterar a decisão sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Abandona-se, por isso, a formulação atual do "pode", em favor da consagração de um dever funcional, de forma a eliminar dúvidas quanto ao caráter vinculado de modificação das respostas do tribunal de 1.a instância à matéria de facto.

324. O n.º 2 impõe o dever à Relação de, mesmo oficiosamente, ordenar a renovação da prova "quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento" (alínea a); ou então "para ordenar (...) a produção de novos meios de prova"  (alínea  b),  em  caso de dúvida fundada sobre a  prova realizada.

Deve, deste modo considerar-se provado que:

a) Que a Recorrente era a legítima titular de uma carteira de seguros, sendo certo que era o seu pai, Sr. EE, quem de facto geria a sua carteira de seguros.

b) Depois do falecimento do seu pai, e até ao falecimento da sua mãe, a Recorrente confiou a gestão temporária da carteira de seguros ao seu irmão, o arguido CC.

c) Depois do falecimento da mãe, a Recorrente passou a exercer de facto as funções de mediadora de seguros, fazendo uso do seu legítimo direito.

d) O arguido CC e a arguida BB passaram a agir como donos da carteira de seguros, invertendo o título jurídico que legitimava a gestão da carteira de seguros, praticando actos como se fossem os legítimos titulares da carteira de seguros, através da alteração da morada de destino da correspondência referente à carteira de seguros da recorrente, solicitando a emissão de segundas vias de recibos de prémio ao arguido AA para eles efectuarem a respectiva cobrança, quando os seus originais estavam na posse da Recorrente (fls. 1095 e 1096 dos autos).

e) Quer o arguido CC quer a arguida BB levantaram ilicitamente as comissões da carteira de seguros da Recorrente com a permissão do arguido AA, contra as ordens da Recorrente, violando o seu direito à propriedade privada nos termos do artigo 62° da Constituição e cometendo um crime de abuso de confiança qualificado nos termos do artigo 205°, n°1 e n°4, aliena b) do Código Penal.

f) O arguido CC tinha a intenção de se apropriar da carteira de seguros, dirigindo-se mesmo ao gerente do centro de mediadores, o arguido AA, como legítimo proprietário da carteira de seguros (8).

g) O arguido AA colaborou com o arguido CC e esposa de forma a permitir que estes lograssem apropriar-se da carteira de seguros, quer permitindo a emissão da segunda via dos recibos de prémio por cobrar, quando estavam expressamente proibidos pela Recorrente, quer incentivando o arguido CC a contactar os tomadores de seguros que constavam da carteira de

Conforme deposto pelo arguido AA: "...o Sr. CC me disse que a carteira não é da minha irmã é minha...", seguros da Recorrente, de forma a estes demonstrarem a sua preferência pelo trabalho do arguido CC, imposto ainda aos tomadores de seguros a escolha entre a Recorrente e o seu irmão CC (vide fls. 14 e 15 do recurso para o Tribunal da Relação do Porto).

h) Convém frisar que o arguido CC praticou dois crime de falsificação de documentos em duas companhias de seguros diferentes: na FF e na GG.

i) O arguido CC alterou, sem autorização e conscientemente, por duas vezes a morada de correspondência da Recorrente via ..., nos dia 23 de Janeiro de 2008 e no dia 7 de Fevereiro de 2008 na FF, com o intuito de prejudicar os interesses da mesma (vide fls 1095 e 1096).

j) O arguido CC alterou, sem autorização e conscientemente, a morada de correspondência referente ao seguro de vida ... efectuado na GG em que a Recorrente era beneficiária, com o intuito de prejudicar os interesses da mesma (vide fls. 164-169 I volume dos autos e fls. 258-265 anexo I, dos mesmos autos);
(…) deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a douta decisão recorrida, substituindo-se por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas ou em alternativa seja ordenada a repetição do julgamento, no caso dos doutos acórdãos serem anulados, nos termos dos artigos 379º, nº 1, alínea a) (com referência ao artigo 374º, nº 2e alínea c), 380º, nº 1, alínea b), 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) e nº 3, todos do Código de Processo Penal.”   

O assistente reponta a pretensão recursiva, no atinente à não condenação dos demandados/arguidos, no pedido cível formulado pela demandante/assistente, assentando no epítome conclusivo que a seguir se deixa transcrito.

1. O recorrido entende que a douta sentença de 1ª instância, e sobretudo o douto Acórdão recorrido (para os quais se remete), encontram-se cuidadamente bem fundamentados e circunstanciados (ainda que por remissão), analisam as provas produzidas, sustentam os factos dados como provados e não provados, e aplicam o direito a estes de forma exemplar, de tudo resultando uma decisão justa, e portanto, não merecedora dos reparos de que é objeto.

2. Limitando-se o presente recurso à matéria do pedido cível, importa constatar que os autos se encontram estabilizados no que diz respeito aos factos provados e não provados, sendo a estes que nos devemos ater, os quais aqui se dão por reproduzidos, não sendo lícito convocar factos diferentes (como se verifica que a recorrente faz, pelo menos nos pontos 93. a 119. das suas alegações).

3. O artº 71º do CPP plasma o Princípio da Adesão, segundo o qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no correspondente processo penal; esse pedido cível deve ser fundamentado na prática do crime, devendo ter na sua base uma conduta criminosa, que determina o funcionamento do princípio da adesão (a causa de pedir é constituída pelos factos constitutivos da prática de um crime, que são também geradores da responsabilidade civil, sendo, portanto, necessariamente coincidentes).

4. Verificando-se a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual.

5. Contudo, não é qualquer responsabilidade, mas só a que se funda no facto ilícito imputado na acusação, e que resulta dos factos efetivamente provados no processo, bem como, da verificação in casu dos respetivos pressupostos: existência de um facto voluntário do agente; que esse facto seja ilícito; que haja um nexo de imputação do facto ao agente; que da violação sobrevenha um dano; e que se verifique um nexo de causalidade entre o facto do agente e o dano sofrido pela demandante.

6. Ora, a demandante cível alega como fundamento do pedido um conjunto de factos supostamente ilícitos, os quais não saíram provados no processo, pelo que, bem andou o tribunal de 1ª instância em absolver os demandados do pedido, e consequentemente, conduziu o tribunal da Relação do Porto a considerar prejudicado o conhecimento dessa questão.

7. E tendo os arguidos sido acusados pelo Ministério Público pelos crimes de abuso de confiança e de falsificação de documento não pode a demandante, em sede de pedido de indemnização cível, invocar factos que não derivem dos imputados aos arguidos, e sobretudo, invocar factos que não tenham saído provados após julgamento.

8. A verdade é que, no caso concreto, cotejando os factos provados, não se verificam minimamente preenchidos quaisquer dos pressupostos da obrigação de indemnizar com este fundamento: não se provou facto ilícito; não se provou a existência de danos, e consequentemente, qualquer causalidade.

9. E para este efeito, como já se avançou, não é processualmente lícito contraditar este entendimento (baseado nos factos provados no processo) com factos que não estão provados no processo, e raciocinar como se estes existissem, como o faz a demandante sob os pontos 93. a 119. das suas alegações.

10. Aliás, diga-se em abono da verdade, que a demandante já intentou uma outra ação de indemnização, desta feita dirigida contra a seguradora (Proc. nº 11103/17.2T8PRT, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível do Porto – Juiz 5), a qual vem decalcada sobre o pedido cível dos presentes autos, exigindo à seguradora a mesma quantia, pelos mesmos factos e danos, fundamentando-a num responsabilidade contratual… ou seja, a demandante não se basta com a tentativa de retirar mais de um milhão de Euros aos arguidos… intentou outra ação na qual pede uma indemnização de outro milhão de Euros… vamos portanto em dois milhões de Euros!

11. Enfim, percebe-se que bem andou o Colendo Tribunal da Relação do Porto ao considerar prejudicado o conhecimento da questão cível, porquanto, todas as questões tratadas previamente importaram em prejuízo irremediável no conhecimento da questão cível, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.

12. Ainda que assim não fosse, e se encetasse uma análise à subsistência/insubsistência do pedido cível deduzido pela demandante, diz-se que, pelas razões que constam da douta decisão de 1ª instância (aquando da apreciação do pedido cível, que se mantiveram nos seus precisos termos), e pelos argumentos acabados de expender na presente Resposta, sempre o pedido deduzido seria de declarar totalmente improcedente.

(…) deverão negar provimento ao recurso interposto pela Demandante/Assistente, e em consequência, manter integralmente a douta decisão recorrida.”

I.b). – QUESTÕES A SER OBJECTO DE APRECIAÇÃO.

A síntese conclusiva extractada permite agregar as sequentes questões essenciais para a solução do recurso.

(a) – Nulidade do acórdão por completa omissão de pronúncia relativamente à impugnação da demandante/assistente da parte da sentença em que absolveu os demandados/arguidos do pedido cível que havia sido formulado – nº 1, alínea c) do artigo 379º, ex vi do nº 2 do artigo 374º, ambos do Código de Processo Penal;

(b) – Conhecimento, em suprimento da nulidade verificada, do pedido de alteração da decisão de 1ª instância.

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

O tribunal recorrido, em pós a apreciação de eventuais erros na decisão de facto, concluiu pela inverificação de desvios de razoamento decorrentes da prova produzida e da matéria de facto (convencida) pelo tribunal de primeira (1ª), pelo que se deve ter por consolidada e definitivamente adquirida a factualidade que a seguir quedará extractada.   
1. DD, CC e HH, são irmãos e filhos de EE e de DD.

2. O pai daqueles, falecido subitamente a 17 de Agosto de 2007, não obstante em vida se ter reformado da actividade de profissional de seguros, prosseguiu tal actividade, como mediador de seguros.

3. O arguido CC e a arguida BB são casados um com o outro.

4. O arguido CC, após a conclusão do 12° ano de escolaridade, aparentemente num contexto de alguma desmotivação e desinteresse, acabou por abandonar a frequência escolar, passando a dedicar-se à actividade de mediador de seguros, coadjuvando o progenitor nesta profissão, num contexto favorável à aquisição de conhecimentos/competências a nível de angariação de clientes/prestação de serviços com várias seguradoras.

5. Por força do casamento, o arguido CC decidiu alterar a sua actividade profissional principal, passando a exercer as funções de funcionário bancário, profissão que entendeu ser mais segura e vantajosa em termos económicos. Em regime de part-time, pós-laboral, CC continuou a apoiar o progenitor na actividade de mediador de seguros.

6. EE, por motivos ao certo não concretamente apurados, colocou em nome de cada um dos filhos, figurando estes como mediadores de seguros, uma carteira de seguros.

7. Assim, o contrato de mediação de seguros em regime de exclusividade de fls. 16-17, celebrado a 16 de Maio de 2007 com a Companhia de Seguros FF, foi subscrito pela assistente.

8. No entanto, foi com o pai da assistente e com o arguido CC que foi negociado o aludido contrato de fls. 16-17, o que passou pela negociação dos objectivos, sendo que o arguido CC se disponibilizou a trazer novos clientes para constituírem/engrossarem a respectiva carteira de seguros, o que, de facto, veio a acontecer.

9. Nestes termos aquela carteira de seguros ficou formalmente em nome da assistente.

10. A assistente não exercia qualquer actividade profissional e não obstante se encontrar certificada como mediadora de seguros nunca exerceu tal profissão, nem nunca recebeu efectivamente os rendimentos provenientes daquela carteira, não obstante a respectiva declaração de rendimentos ser emitida em seu nome. Com efeito, era EE, pai da assistente e com quem a mesma vivia, quem, de facto, integrava no seu património tais rendimentos.

11. Tal carteira de seguros era composta por centenas de tomadores de seguros dos diversos ramos.

12. Após a morte de EE, não obstante todos os seus filhos se encontraram devidamente certificados para o exercício da actividade de mediador de seguros, apenas o arguido CC tinha os conhecimentos necessários para gerir/manter as carteiras de seguros, pois que para além de conhecer tais carteiras tinha ainda os conhecimentos práticos atinentes à actividade de mediador de seguros.

13. Assim, quer a mãe do arguido CC, quer a sua irmã, aqui assistente, concordaram em que aquele deveria passar a gerir a carteira de seguros subjacente ao contrato de fls. 16-17, pelo que o arguido CC assim passou a fazê-lo, sendo, em tal actividade auxiliado pela arguida BB, auxilio esse traduzido na prática de actos em concreto que se revelaram inapuráveis.

14. Para desenvolver cabalmente tal actividade foi entregue ao arguido CC o telemóvel que o pai utilizava nos contactos com os tomadores de seguros, um aparelho de fax que era de EE, bem como as pastas respeitantes aos tomadores de seguros que constituíam aquela carteira.

15. A senha, pessoal e intransmissível, de acesso à “...” – plataforma informática destinada aos mediadores de seguros - atribuída pela companhia de seguros à assistente, por esta no contrato celebrado constar, formalmente, como mediadora, era utilizada em vida de EE por este e pelo arguido CC.

16. Após a morte de EE, e por forma a desenvolver cabalmente as funções de mediador de seguros daquela carteira, o arguido CC foi autorizado, aliás como até então estava, a utilizar aquela senha de acesso.

17. A mãe da assistente e do arguido CC morreu em 21 de Janeiro de 2008, sendo que então o arguido CC não devolveu à assistente as pastas atinentes aos tomadores de seguros e que faziam parte da aludida carteira que, formalmente, estava em nome daquela.

18. O arguido AA, gerente do Centro de Mediadores..., da Companhia de Seguros FF, sito nesta cidade, só conheceu verdadeiramente a assistente quando a mesma, em data não concretamente apurada do mês de Janeiro de 2008, mas sempre posterior ao dia 21.01.2008, apareceu no referido Centro de Mediadores, apresentando-se como sendo a mediadora daquela carteira de seguros, verbalizando um rol de acusações contra o irmão CC.

19. Perante a impossibilidade de conciliar os irmãos e resolver o problema, visando acautelar os interesses da sua entidade patronal e a manutenção dos clientes, AA decidiu que caberia aos tomadores de seguros escolher o mediador, já que era um direito que lhes assistia, o que implicava uma declaração escrita por parte daqueles.

20. Por isso, os tomadores de seguros vieram a subscrever, de forma livre, voluntária e consciente, uma declaração escrita assim procedendo á escolha do mediador, motivo pelo qual, o arguido CC continuou a exercer, relativamente àqueles, as funções de mediador.

21. Aquando a morte da mãe da assistente, esta procedeu à mudança da fechadura da casa dos pais, impedindo os seus irmãos de aí entrarem, pelo que, sendo a correspondente morada a que constava na “...” como destino da correspondência, o arguido CC viu-se impossibilidade de aceder à correspondência referente àquela carteira de seguros.

22. Nestas circunstâncias, o arguido CC por si ou por interposta pessoa solicitou a alteração, em termos informáticos, da morada que constava na “...” como destino da correspondência referente aos recibos de cobrança, indicando a sua morada, bem como uma outra.

23. O arguido CC figura como mediador do seguro "..., ...", realizado com a “GG”, por EE como tomador e onde figura a assistente como beneficiária.

24. Na sequência da auditoria interna levada a cabo pela “FF”, na sequência das queixas apresentadas pela assistente, e no âmbito da qual não foram ouvidos os aqui arguidos CC e BB e que se baseia numa mistura de factos, conclusões e presunções, foi emitido por aquela companhia a favor da assistente um cheque titulando o valor de € 7 516,81.

25. Nada consta no certificado de registo criminal de cada um dos arguidos.

26. Damos por integralmente reproduzido o teor do relatório social referente ao arguido CC, no que concerne ao seu percurso de vida e actuais condições sócio – económicas e familiares, sublinhando-se que: o processo de crescimento/desenvolvimento do arguido decorreu inserido em parâmetros normativos até à entrada na vida adulta, em consonância com as expectativas do meio sócio- familiar; efectuou aquisições satisfatórias ao nível do sistema de ensino que abandonou após conclusão do 12° ano de escolaridade, com inserção na vida activa através do desenvolvimento de funções relacionadas com a mediação de seguros/bancário, num enquadramento laboral promotor da criação de condições de vida familiares favoráveis à inactividade laboral da cônjuge coincidente com o desenvolvimento das suas funções maternais com a única descendente nascida na constância do matrimónio; o arguido verbaliza um nível de expectativas de realização pessoal satisfatório, e manifesta-se gratificado com os sucessivos papéis que progressivamente foi desempenhando, quer em termos profissionais como familiares; no presente momento, o arguido evidencia, por força do seu actual contacto com o sistema de administração da justiça, uma grande apreensão e perplexidade.

27. Damos por integralmente reproduzido o teor do relatório social referente à arguida BB, no que concerne ao seu percurso de vida e actuais condições sócio – económicas e familiares, sublinhando-se que: o processo de crescimento/desenvolvimento da arguida decorreu inserido em parâmetros normativos até à entrada na vida adulta, em consonância com as expectativas do meio sócio- familiar; efectuou aquisições satisfatórias ao nível do sistema de ensino que abandonou após conclusão do ensino secundário, com inserção na vida activa através do desenvolvimento de funções diversas em termos profissionais, sem carácter vinculativo, num enquadramento laboral que cessou, com a existência de condições de vida familiares favoráveis e coincidentes com o desenvolvimento das suas funções maternais, com a única descendente nascida na constância do matrimónio; a arguida apresenta um nível de expectativas de realização pessoal satisfatório; a arguida desde meados do ano 2007 que coadjuva o cônjuge no investimento de actividades de mediação de seguros, não só para contribuir com os rendimentos auferidos para a economia doméstica, mas também, para ocupar o seu quotidiano duma forma mais estruturada; a arguida actualmente evidencia uma certa vulnerabilidade emocional, resultante do seu contacto com o sistema de administração da Justiça, aguardando com grande apreensão e expectativa a decisão judicial. 

28. Damos por integralmente reproduzido o teor do relatório social referente ao arguido AA, no que concerne ao seu percurso de vida e actuais condições sócio – económicas e familiares, sublinhando-se que: o percurso de vida do arguido foi caracterizado por uma adequada inserção sócio -familiar e escolar; o arguido apresenta hábitos de trabalho regulares e estruturados, tendo evoluído ao longo da sua carreira profissional num percurso, bem sucedido e empreendedor; o arguido encontra-se divorciado; actualmente, vive só, embora beneficie de um relacionamento próximo aos filhos e família de origem, dispondo também de uma rede de suporte social sólida; dispõe de uma situação económica estável, mas restritiva, mantendo uma rotina estruturada, designadamente em torno do seu desempenho laboral; o arguido sempre foi considerado um funcionário exemplar, de elevada competência ao que associa características pessoais reveladoras de um significativo humanismo.

Factos não provados.

Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados nos autos ou em audiência, nem outros, não escritos, contrários ou incompatíveis com os provados, nomeadamente que:

a) A assistente tivesse, de facto, exercido as funções de mediadora de seguros para as Companhias GG, II, JJ, LL, MM, NN e OO e PP.

b) O arguido CC, na sequência da morte do seu pai, foi alimentando a expectativa de que a assistente DD lhe passaria a sua parte da carteira de seguros, a fim de, então, passar a exercer a actividade de profissional de seguros a par da actividade bancária.

c) Após a morte do pai, e por força do referido em 13), o arguido CC, passou a encetar contactos com os tomadores de seguros para se apropriar da carteira de seguros e dos consequentes proventos.

d) A assistente estivesse, de facto, impedida de assumir a gestão da carteira de seguros em causa, por então, a sua mãe, por força do seu estado de saúde, carecer de cuidados a tempo inteiro e de forma permanente de uma terceira pessoa.

e) Este circunstancialismo foi aproveitado por CC para se inteirar da identificação dos tomadores de seguros que compunham a aludida carteira e para encetar contactos com os mesmos, em ordem a se apropriar daquela carteira e consequentes proventos gerados pela sua gestão.

f) Entre Agosto de 2007 e Dezembro 2007, o arguido CC paulatinamente apoderou-se do telemóvel, do aparelho de fax, da password da "..." e de todas as pastas referentes aos tomadores de seguros atinentes à carteira em causa, e referidos em 14) e 15).

g) Em Dezembro de 2007, a mãe de ambos (arguido e assistente) e a assistente pediram ao arguido CC, para prestar contas, designadamente valor das comissões da assistente, documentação, password e demais bens, tendo o arguido recusado, afirmando que os proventos lhe eram devidos.

h) Assim, entre Agosto de 2007 e Janeiro de 2008, o arguido CC apoderou-se das comissões provenientes da carteira pertencente à assistente no ramo vida e não vida no valor global de € 10.150,92 euros (dez mil cento e cinquenta euros e noventa e dois cêntimos).

i) Já após a morte da mãe, o arguido CC, recusou devolver à herança, o fax e o telemóvel, nem sobre tais bens chegaram os herdeiros a um qualquer acordo, não tendo pois sido aqueles partilhados.

j) Ao agir nos termos descritos em 17), o arguido CC continuou a comportar-se como se fosse o único dono da carteira de seguros em nome da assistente.

k) A assistente não tenha beneficiado, por qualquer forma, dos proventos da aludida carteira.

l) Aliás, quando o arguido CC se apercebeu que a sua irmã, não iria abrir mão da carteira de seguros, passou a aliciar pessoalmente cada um dos tomadores de seguros “dos quais ainda não havia conseguido alterar o mediador”.

m) Para o efeito, o arguido CC deslocava-se pessoalmente ou fazia-se representar pela arguida BB, junto de cada um dos tomadores de seguros a quem entregava uma carta mencionando que passaria a ser o próprio o mediador de seguros e que, por isso, necessitaria de uma recolha de assinatura para transferir a mediação para seu nome.

n) O arguido CC agiu nos termos descritos em 22) com a conivência da Agência ..., da Companhia de Seguros.

o) “Aliás o arguido AA, mesmo após verificar que os arguidos CC e BB continuavam a gerir parte da "carteira de clientes" que pertenciam a DD, e que estes haviam alterado a morada da mediadora lesada, de terem cancelado a ... à sua revelia, não expôs tal conduta ao conselho de administração”, como devia ter feito, por a tanto estar obrigado.

p) Em meados de Fevereiro de 2008, o arguido CC passou a aliciar directamente os tomadores de seguros que integravam aquela carteira, entregando-lhes uma carta e estabelecendo contactos pessoais em ordem a que eles transferissem a mediação para seu nome.

q) Durante o ano de 2008, em data não concretamente apurada, o arguido CC, apropriou-se de um estorno referente à anulação do seguro do veículo automóvel dos falecidos pais, no valor de € 217,24 euros (duzentos e dezassete euros e vinte e quatro cêntimos), pois não devolveu tal valor à herança, nem sobre o mesmo chegaram os herdeiros a um qualquer acordo, não tendo pois sido aquele partilhado.

r) Foi o arguido AA quem, em 17 de Março de 2008, nomeou o arguido CC, mediador de seguros da Companhia FF.

s) O arguido CC, enquanto mediador do seguro referido em 23) tem impedido que a assistente passe a ser a tomadora do seguro por pretender tomar partido de benefício resultante do resgate do plano por morte do pai, vindo a impedir aquela, e por isso, de receber a correspondência relativa ao referido seguro.

t) Neste seu propósito apropriativo, o arguido CC, nos horários em que se encontra na instituição bancária onde presta serviço, é auxiliado pela arguida BB que praticamente todos os dias se desloca às seguradoras, contacta com os clientes e as seguradoras, fornece variada informação às companhias seguradoras, tratando de diversos aspectos ligados aos seguros, nomeadamente sinistros, fazendo prestações de contas e apropriando-se dos respectivos proventos da gestão da carteira de seguros, bem como das comissões.

u) Sabiam os arguidos CC e BB que o aparelho de fax, o telemóvel, a password da "...", bem como as pastas com a "carteira de clientes" e a referida carteira, não lhes pertenciam, não obstante os arguidos agiram com o propósito concretizado de os fazer seus e locupletando-se assim contra a vontade do seu legítimo proprietário, agindo e encetando contactos com os clientes tomadores de seguros como se tais contratos de mediação lhes pertencessem, tudo em ordem a se apropriarem daqueles objectos e valores e consequentes proventos gerados pela sua gestão da aludida carteira de seguros.

v) O arguido AA ao agir nos termos descritos em o), fê-lo em conjugação de esforços com os demais arguidos, por forma a que o arguido CC ficasse com a mediação dos referidos contratos de seguro, e consequentemente por forma a que os arguidos CC e BB ficassem com os proventos gerados pela gestão da carteira em causa.

w) Sabia ainda o arguido CC que a quantia de € 217, 24 referente ao estorno alusivo à anulação do seguro do veículo automóvel dos falecidos pais, não lhe pertencia na totalidade e não obstante o arguido agiu com o propósito concretizado de fazer sua a quantia locupletando-se assim contra a vontade do seu legítimo proprietário.

x) Agiram os arguidos CC, BB e AA em conjugação de esforços e mediante um plano previamente acordado e com o propósito concretizado de fazerem suas as quantias provenientes da gestão da carteiras de clientes, locupletando-se assim contra a vontade do seu legítimo proprietário.

y) Agiram os arguidos CC e BB em conjugação de esforços e mediante um plano previamente acordado e com o propósito concretizado de fazerem seus os objectos e as quantias descritas, locupletando-se assim contra a vontade do seu legítimo proprietário.

z) O arguido CC “ao alterar a morada do mediador de seguro bem como do destino da correspondência, agiu com o propósito de fazer constar um facto que sabia não ser verdadeiro, e de levar a que, desse modo, a pessoa a que se dirigiu se convencesse que o mediador dos seguros havia substituído, com esta conduta pretendia o arguido fazer suas as quantias provenientes da gestão da "carteira de clientes", causando prejuízos à ofendida”.

aa) Agiram os arguidos de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as condutas que protagonizavam são proibidas e punidas por lei.

bb) Em consequência directa e necessária da conduta dos arguidos, a assistente viu-se e vê-se até aos dias de hoje privada do rendimento por si efectivamente auferido, que no ido ano de 2007, ascendeu os € 33 166,07 (trinta e três mil euros cento e sessenta e seis euros e sete cêntimos).

cc) Se não fosse a conduta dos arguidos, a assistente manter-se-ia com a carteira de seguros, pelo menos, como estava à data, no ano de 2007.

dd) Uma carteira de seguros uma vez desfalcada, nunca mais se consegue recuperar.

ee) Se não fosse a conduta dos arguidos, a assistente tinha, pelo menos, mantido a sua carteira de seguros, o que computava num rendimento calculado até ao final do ano de 2012 um valor de € 165 830,35 (cento e sessenta e cinco mil oitocentos e trinta euros e trinta e cinco cêntimos).

ff) A este valor, acresce ainda o valor recebido pelos arguidos CC e BB, entre 17 Agosto de 2007 e 17 de Março de 2008, das comissões do ramo vida e não vida que ascende a €13 020,19 (treze mil e vinte euros e dezanove cêntimos), valor este pertencente em exclusivo à aqui assistente.

gg) E partindo de um valor de referência, o decorrente do rendimento da assistente no ano de 2007, contando o mesmo até à idade de reforma (65 anos), esta receberia o valor total e mínimo de € 630 155,33 (seiscentos e trinta mil cento e cinquenta e cinco euros e trinta e três cêntimos).

hh) Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos, a assistente sofreu uma profunda tristeza e angústia, “criando na mesma uma forte perturbação do equilíbrio sócio psíquico e emocional”.

ii) Tendo sido o mesmo agravado pela certeza de nunca mais recuperar a sua carteira de seguros/clientes, facto e realidade que lhe causou e causa muito receio e inquietação, perturbando determinantemente o seu descanso e condicionando fortemente o seu modo de vida.

Motivação.       

O tribunal baseou a sua convicção, na análise critica e comparativa da prova documental junta aos autos, da prova testemunhal e por declarações do arguido AA, produzida em audiência da julgamento, conjugada com as regras da experiência comum, a saber:

Desde logo valoraram-se os seguintes documentos:

• Habilitação de herdeiros de fls. 10 a 13;

• Contrato de mediação de seguros, formalmente celebrado entre a Companhia de Seguros FF SA e a assistente DD e datado de 16.05.2007, de fls. 16-17;

• Carta e declaração emitidas na sequência do supra celebrado contrato e constantes de fls. 14 e 15;

• Listagem da Carteira da Conta Mediador de fls. 18 a 33;

• Documento emitido pela Companhia de Seguros FF referente à declaração de rendimentos da assistente do ano de 2007, e que tem por base aquele contrato de mediação de seguros, pelo que independentemente de, de facto, a assistente desenvolver ou não aquela actividade de mediadora de seguros e ter ou não auferido o rendimento declarado, sempre teria de ser emitido em seu nome;

• Documentos de fls. 36 a 47;

• Documento de fls. 48, datado de 12.03.2008, de onde resulta que a cliente/tomadora do seguro ... escolheu para seu mediador de seguros o aqui arguido CC;

• Avisos para pagamento de prémios de fls. 50 a 53, 57 a 64, sendo que em todos consta o nome da assistente, mas não a sua morada;

• Cartas dirigidas pela Companhia de Seguros FF à assistente informando-a que, por solicitação dos respectivos tomadores de seguros, iria ocorrer uma mudança de mediação, de fls. 67 a 80, 82 a 99;

• Documentos de fls. 110 a 155;

• Documentos de fls. 158 a 161;

• Documentos de fls. 164 a 169 e de fls. 172 a 175;

• Documentos de fls. 212 a 216;

• Documentos de fls. 237 a 244;

• Documentos de fls. 440 a 466 e de fls. 472 a 474;

• Documentos de fls. 476 a 488 e de fls. 544 a 550;

• Documentos de fls. 620;

• Documentos de fls. 630 a 726 – respeitantes ao estado de saúde da mãe da assistente; cumprindo salientar ter sido cautelosamente ponderado o teor do documento de fls. 726, face ao afirmado pela testemunha HH, irmão da assistente; 

• Documento de fls. 744, consistente na carta que acompanhou o cheque de fls. 1196-1197, bem como este.

• Informação de fls. 1091-1092 e documentos de fls. 1093 a 1099;

• Relatório de auditoria interna de fls. 1527 a 1534, sendo certo que, no âmbito da auditoria levada a cabo, não foram ouvidos os arguidos CC e BB. O relatório em causa mistura factos, conclusões e presunções, tendo sido com base no mesmo que a favor da assistente foi emitido o cheque de fls. 1196-1197.

• Documentos constantes do Anexo I;

• Documentos constantes do Anexo II, resultando de tais documentos que o aqui arguido CC requereu inventário judicial por morte de seus pais, tendo a assistente desempenhados as funções de cabeça de casal. A cabeça de casal juntou aos autos relação de bens, tendo relacionado o fax, o telemóvel/cartão de telemóvel e o estorno do prémio referente à cessação do contrato de seguro do veículo automóvel dos “de cujus”, objectos e valor em causa também nestes autos.

• O aqui arguido CC, no âmbito do referido processo reclamou da relação de bens, acusando a falta de bens, afirmando dever a herança ao reclamante €621,15 por pagamentos efectuados conforme resulta de fls. 18-19 do referido Anexo II; mais requereu, para o que agora nos interessa, a exclusão da relação de bens apresentada do cartão de telemóvel, por ter o mesmo sido oferecido em vida ao reclamante, sem qualquer oposição da interessada e cabeça de casal.

• Por seu turno, HH, também filho dos “de cujos”, reclamou da relação de bens apresentada, sendo que, como resulta de fls. 31 a 35 do Anexo II, acusou a falta do montante levantado relativo à carteira de seguros que o inventariado seu pai, EE, possuía e geria em nome da cabeça de casal – carteira de seguros em causa nestes autos -, bem como dos restantes interessados, por entender que tais bens eram, de facto, da titularidade do “de cujos”.

• Às reclamações apresentadas respondeu a cabeça de casal, aqui assistente, sendo que, entre o demais, admitiu não terem sido relacionados valores levantados atinentes a produtos financeiros (fls. 43 e ss do Anexo II), justificando tal falta por a cabeça de casal e seus irmãos terem contas a acertar, ao que acresce que o reclamante CC tinha em seu poder outras verbas pertença da herança e que se equivaleriam, tendo os herdeiros ficado de acertar contas entre si, o que até então ainda não havia acontecido; Mais pugnou pela sem razão quanto à exclusão dos bens invocados por CC, nomeadamente quanto ao telemóvel. Quanto à reclamação apresentada por HH, alegou a cabeça de casal que o “de cujos”, EE, geria algumas carteiras de seguros, sendo umas da cabeça de casal e sua pertença e outras de seus irmãos (fls. 52 e ss do Anexo II), não fazendo pois parte do acervo hereditário.

• Claramente resulta de todo o processo de inventário que os herdeiros entraram em desacordo quer quanto à titularidade dos bens, discutindo se os mesmos eram do acervo hereditário ou ao invés eram bens próprios dos herdeiros/interessados, quer quanto ao passivo da herança. Do teor de fls. 60 a 66 (do Anexo II) resulta, para nós, que quer antes da instauração do processo de inventário, quer no seu decurso, ambos os irmãos da assistente tentaram resolver, de alguma sorte, junto daquela o problema surgido, visando um entendimento com a assistente, partilhando os bens que constituíam o acervo hereditário e fazendo as respectivas contas.

• Em carta dirigida à assistente e pela mesma recepcionada, o aqui arguido CC, referindo-se ao fax e telemóvel em causa nestes autos, referiu ter sido DD, sua mãe e mãe da assistente, quem, em vida, autorizou que o mesmo entrasse na posse de tais objectos para trabalho. Mais referiu estarem tais objectos à disposição dos herdeiros. E, claramente, insatisfeito com toda a situação, referindo-se às pastas de seguros, afirmou que as mesmas eram produto do seu próprio trabalho exercido ao longo de 24 anos de mediador, pois que a aqui assistente não fazia ideia do que essas pastas continham, nem de quem as criou, nem quem nelas trabalhou (fls. 65-66 do Anexo II).

• Por despacho de fls. 72 do Anexo II foi determinado que a aqui assistente, naqueles autos cabeça de casal, apresentasse nova relação de bens unitária.

• As partes no processo de inventário em causa continuaram a esgrimir as suas posições de forma persistente. Apresentada nova relação de bens pela cabeça de casal, a qual já não inclui o fax, o telemóvel e o estorno do prémio referente à cessação do contrato de seguro do veículo automóvel dos “de cujus”, e em causa nestes autos, novas reclamações foram apresentadas.

• Foi apresentada nova relação de bens, procedeu-se à conferência de interessados e foi elaborado mapa informativo (art. 1376º do CPC), tendo deste reclamado a cabeça de casal, bem como os demais interessados.

• Não mais foram relacionados o fax, o telemóvel e o estorno do prémio referente à cessação do contrato de seguro do veículo automóvel dos “de cujus”, e em causa nestes autos.

• Os três herdeiros acabaram por proceder à partilha extrajudicial e houve pagamentos a título de tornas, pelo que por despacho judicial de fls. 184 do Anexo II, foi julgada a instância extinta, por inutilidade superveniente da lide.

• De tudo o que se vem expondo e que transparece do processo de inventário, afigura-se-nos que nada nos permite concluir que o arguido CC, independentemente da forma como entrou na posse dos bens em causa (que terá sido sempre legitima, até porque tal foi afirmado pela própria assistente, nomeadamente quanto ao telemóvel, que esclareceu ter sido tal objecto pertença de seu pai, e ter sido o mesmo entregue ao arguido por si e pela sua mãe para viabilizar o trabalho daquele – neste caso a título não translativo da propriedade -; ou ao invés, como alegado pelo arguido na carta que enviou à assistente e junta ao processo de inventário, dados/doados pela mãe para trabalhar; quanto ao estorno, fazendo este parte do acervo hereditário, a sua posse por um dos herdeiros, por si só, não comporta uma qualquer ilicitude, aliás também a assistente estava na posse de dinheiro que fazia parte da herança), tenha, alguma vez, passado a agir sobre tais bens como se seus fossem.

• Resulta do processo em causa que o próprio arguido até se disponibilizou para proceder à entrega do dito fax e telemóvel (não obstante ter entendido que a sua mãe lhos havia dado), objectos esses que deixaram de estar incluídos, desde logo, nas várias relações de bens apresentadas pela própria assistente; mais resulta que os herdeiros acabaram, depois de muito esgrimirem as suas posições, por proceder à partilha extrajudicial tendo havido acerto de contas, tanto que houve pagamento de tornas.

• Temos pois para nós que o problema relativo aos bens ora em apreço prendeu-se apenas com questões do foro cível, questões essas que foram, a seu tempo resolvidas. 

• Sendo certo que qualquer herdeiro tem o direito á defesa do seu quinhão, da sua quota-parte na herança, não constituindo isso, em nosso entender, um qualquer acto passível de, objectivamente, ser entendido como uma inversão do título de posse.

• Mais se valorou o certificado de registo criminal de cada um dos arguidos, bem como os respectivos relatórios sociais.

Vejamos agora.

Os arguidos CC e BB Almeida exerceram o direito ao silêncio.

Vítor Silva, que em 2007 exercia as funções de gerente no Centro de Mediadores ..., da Companhia de Seguros FF, referiu ter conhecido o pai do arguido CC e da assistente, EE, em 1992, tendo com o mesmo mantido relações profissionais até 1995. A partir do ano 2000 voltou a reencontrar EE, igualmente, por razões profissionais.

Como gerente no Centro de Mediadores ..., manteve relações profissionais com EE, bem como com o arguido CC, já que este acompanhava o pai. Não conhecia a assistente, sendo que a primeira vez que a viu foi no funeral de EE.

Foi com o pai da assistente e com o arguido CC que foi negociado o contrato de exclusividade de fls. 16-17, o que passou pela negociação dos objectivos, sendo que o arguido CC se disponibilizou a trazer novos clientes para constituírem/engrossarem a carteira de clientes que ficou em nome da assistente, o que, de facto, veio a acontecer.

Como se tratava de uma carteira de clientes muito rentável, o contrato de exclusividade foi algo desejado.

Esclareceu que, desta forma, a carteira em causa era constituída quer por apólices conseguidas por EE, quer por apólices conseguidas por CC, sendo que este trabalhava em tal carteira, em tudo auxiliando o seu pai.

Assim, após a morte de EE não estranhou ser o arguido CC a prosseguir com o trabalho que já vinha fazendo.

A arguida BB foi-lhe apresentada como sendo a pessoa que auxiliaria na gestão dos clientes.

Até Janeiro de 2008 tudo decorreu bem, até que, nesse mês, apareceu a assistente no Centro de Mediadores ..., apresentando-se como sendo a mediadora daquela carteira, sendo que em termos contratuais, de facto, o era e encontrava-se devidamente certificada para o exercício da actividade, verbalizando um rol de acusações contra o irmão CC.

Apercebeu-se que a assistente nada percebia da actividade de seguros, por nenhuma prática ter, sendo que a mesma desconhecia o que era um recibo ou uma participação de sinistro, tendo-se disponibilizado a orientá-la e a ensiná-la.

Inicialmente foi o técnico comercial QQ quem iria orientar a assistente, sendo que esta afirmava que só tinha disponibilidade para o efeito a partir das 16h00 (hora de fecho do Centro de Mediadores), pelo que chegava ao Centro pelas 15h55, por forma a poder entrar. No entanto a assistente também se veio a incompatibilizar com o referido QQ, pelo que passou a ser o próprio arguido a ensinar e orientar a assistente.

Propôs aos irmãos que tentassem um entendimento, mas sem êxito, já que a assistente em nada sedia por ser formalmente a mediadora dos contratos em causa, enquanto o arguido CC afirmava que era ele quem sempre tinha acompanhado o pai, quem estava por dentro da actividade (sendo certo que parte dos clientes referentes à dita carteira tinham sido angariados pelos arguido CC).

Entendeu que, como gerente, responsável por uma equipa de trabalho e a quem competia acompanhar todos os problemas relacionados com a actividade de seguros, impunha-se salvaguardar os interesses dos clientes da mencionada companhia de seguros, bem como os desta, pelo que sugeriu que fossem os clientes/tomadores de seguros a escolher quem queriam como mediador, já que são livres para tanto.

Com efeito, a transferência de carteiras entre mediadores é possível a pedido dos tomadores de seguros.

Como o arguido CC não estava como mediador de seguros da companhia de seguros em causa, sendo que se encontrava certificado para o exercício de tal actividade, QQ propôs a sua nomeação como tal, pedido esse que foi submetido à hierarquia e aceite.

Foram os clientes que, subscrevendo declarações escritas, pediram a transferência de mediador, optando pelo arguido CC. Todos os prazos legais para o efeito foram observados.

Explicou que a “...” é um sistema informático operativo disponibilizado aos mediadores para que possam exercer a sua actividade, sendo de acesso reservado, pelo que cada mediador só tem acesso às suas apólices e recibos.

A senha de acesso a tal sistema é pessoal e intransmissível, sendo que o arguido CC já utilizava tal senha em vida de seu pai.

A assistente reclamou junto de si pelo conhecimento de tal senha, facto que desconhecia, tendo, no entanto, explicado à mesma a forma de bloquear o acesso a tal sistema – bastaria errar por três vezes a senha.

O acesso á “...” veio a ser bloqueado, a pedido da assistente, tendo posteriormente a mesma solicitado a reactivação da senha.

Só teve conhecimento da alteração, no sistema, da morada do mediador por intermédio da assistente, sendo que ocorreram, de facto, duas alterações em momento anterior ao cancelamento do acesso ao sistema.

Explicou que toda a correspondência (nomeadamente recibos de cobrança) era enviada para a morada que no sistema constasse.

Tentou manter-se afastado do litígio que separava os dois irmãos, litigio esse ao qual era alheio, tudo tendo feito para que, em termos profissionais, as coisas corressem com normalidade.

Quis inclusive certificar-se sobre a vontade dos clientes na escolha do mediador, antes de os mesmos a expressarem por escrito, o que fez pessoalmente, tendo visitado entre 10 a 20 tomadores de seguros dos mais representativos atento o volume de prémios pagos.

O arguido CC apresentou-lhe uma resma A4 de pedidos de transferência de mediador que veio a ser remetida para Lisboa (sede), tendo ficado com cópias na sua posse.

Do que apurou o arguido CC passou a exercer a actividade de mediação apenas junto dos clientes que manifestaram o desejo de ser ele o seu mediador.

Quanto à emissão de segundas vias de recibos, referiu que tal emissão não era da sua competência e que nunca sentiu necessidade de dar ordens aos seus colaboradores quanto à sua emissão ou não. Com efeito, a assistente não fazia qualquer esforço de cobrança dos recibos.

Os recibos estavam em casa da assistente, sendo que esta não os facultava ao arguido CC, por entender que assim não facilitava o contacto do irmão com os tomadores de seguros. No entanto, também não cobrava os recibos, sendo que era necessário dar continuidade aos contratos, pois caso contrário seriam anulados por falta de pagamento, saindo prejudicada a sua entidade patronal.

Falhou ao não ter retirado os poderes de cobrança que, formalmente, foram concedidos à assistente.

O arguido CC aparecia com o pagamento dos prémios e pedia o respectivo comprovativo, motivo pelo qual eram emitidas segundas vias dos recibos.

DD, assistente nestes autos, referiu que subscreveu o contrato de fls. 16-17. Explicou que, em vida de seu pai, EE, era o mesmo quem exercia as funções de mediador.

O arguido CC, seu irmão, relativamente a tal carteira de seguros apenas prestava auxílio ao pai em termos informáticos e sempre após as 17h00.

Nunca exerceu as funções de mediadora, o que só veio a acontecer em finais de Janeiro de 2008/princípios de Fevereiro de 2008.

No seu entender, o contrato em causa ficou em seu nome por o seu pai querer acautelar o seu futuro.

Na sequência do falecimento do seu pai, foi o seu irmão CC quem ficou a gerir de, forma temporária (limitação temporal esta que não concretizou), tal carteira de seguros, já que se encontrava impedida de o fazer por se encontrar ocupada com o mestrado que estava a tirar.

Mais referiu que então não tinha um qualquer rendimento.

O arguido CC só a partir do falecimento de seu pai, e logo só quando passou a gerir de forma temporária tal carteira de seguros, é que teve contacto pessoal com a maioria dos tomadores de seguros que faziam parte de tal carteira.

Referiu que o telemóvel em causa era de seu pai, sendo que o seu irmão CC entrou na posse autorizada do mesmo quando passou a gerir a referida carteira, já que aquele continha todos os contactos dos tomadores de seguros.

O fax encontrava-se no escritório de casa de seu pai, sendo que, no seu entender, o arguido CC levou tal objecto sem para tanto ter sido autorizado. Mais referiu que o arguido CC não precisava para nada de tal objecto.

Ora, afigura-se-nos, desde logo, que ambos os objectos em causa, atentas as suas características eram essenciais a que o arguido CC pudesse exercer cabalmente as funções de mediador relativamente à carteira em causa.

Mais referiu a assistente ter combinado com o arguido CC que no final do ano de 2007 faziam contas.

Em Dezembro de 2007 pediu contas ao arguido CC, o que o mesmo recusou, alegando ser tudo seu.

Esta última afirmação da assistente mostra-se, para nós, e pelo menos em parte, contrariada pelo que resulta do próprio processo de inventário e já supra referido.

Disse ainda que o arguido CC começou então a “aliciar” os tomadores de seguros, fazendo-os assinar uma carta em que escolhiam o referido arguido como mediador em detrimento da sua pessoa (no entanto nada precisou quanto a um qualquer ardil utilizado pelo referido arguido por forma a levar, ou mesmo obrigar, terceiros a elegerem-no como mediador).

Neste ponto temos que nenhuma prova cabal foi feita quanto ao aliciamento invocado, sendo que o arguido AA referiu ter inclusive visitado os tomadores de seguros mais significativos da carteira em causa, por forma a se certificar que a escolha do mediador era pelos mesmos feita de livre e espontânea vontade.

Acresce que tais missivas dos tomadores de seguros afastam, em nosso entender, um comportamento por parte do arguido CC passível de ser enquadrado como um qualquer acto objectivo a demonstra a inversão do título de posse.

O comportamento de quem age como se dono de tal carteira de seguros fosse não se compagina com a necessidade da intervenção de terceiros/tomadores de seguros a atribuir-lhe, por assim o quererem, a função de mediador de seguros em relação às respectivas apólices.

Disse a assistente que, o arguido CC tinha a senha de acesso ao sistema “...”, o que já acontecia em vida de seu pai e que estava autorizado a usá-la desde sempre.

O arguido CC passou a entregar aos tomadores de seguros segundas vias dos recibos, quando era ela própria que se encontrava na posse das primeiras vias.

Explicou que inicialmente, os recibos iam para sua casa, sendo que depois os entregava ao arguido CC.

No entanto, o arguido CC que se encontrava na posse da senha de acesso ao sistema “...” alterou a morada que aí constava como sendo a do mediador, mudando assim a morada de destino da correspondência, por forma a que os recibos de cobrança fossem para sua casa e não para casa da assistente.

Ora, afigura-se-nos que a assistente esqueceu-se de referir que, após a morte de sua mãe, mudou a fechadura da casa que era de seus pais (facto que admitiu mais tarde, alegando que os seus irmãos queriam invadir a casa), impedindo os seus irmãos de aí acederem, tendo claramente ocorrido um corte de relações entre os irmãos. A morada que constava como sendo a do mediador naquele sistema “...” era precisamente a morada da casa dos pais da assistente, pelo que, por força do próprio comportamento da assistente, o arguido CC ficou impossibilitado de aceder às primeiras vias de recibos, bem como a qualquer outra correspondência atinente àquela carteira de seguros que geria, surgindo, para nós, como natural, a necessidade de aquele ter procedido a tal alteração, única forma de cabalmente poder exercer as funções de mediador e nomeadamente de proceder às cobranças devidas.

Tanto mais que aquela alteração de morada mostra-se contemporânea à mudança da fechadura da casa que era de seus pais da assistente e levada a cabo pela mesma (facto que veio a ser reconhecido pela própria assistente).

Referiu a assistente ter conhecido o arguido AA em finais de Janeiro de 2008, sendo o mesmo o gerente do Centro de Mediadores ....

Afirmou que, o arguido AA, ao tomar conhecimento do litígio entre os irmãos, propôs que cada tomador de seguros dissesse quem queria para seu mediador, o que não aceitou.

Disse que o estorno referente à anulação do seguro do veículo automóvel que havia sido dos pais foi levantado pelo arguido CC em 22.01.2008.

Ora, neste particular aspecto, e como já supra referido, afigura-se-nos que o processo de inventário fala por si, sendo que os herdeiros acabaram por fazer partilhas e acertar contas.

Mais disse DD que o seu irmão CC ameaçou o arguido AA no sentido que levaria consigo todos os tomadores de seguros, facto este que foi negado pelo próprio arguido AA.

Solicitou conforme missiva de fls. 65/66 o bloqueamento do acesso ao sistema “...”.

Relativamente ao seguro “...”, referiu que era o arguido CC o mediador de tal seguro, tendo o mesmo, em Abril de 2008, procedido a uma alteração de morada, impedindo-a, assim, de receber correspondência. Mais disse que a questão surgida por força desde seguro foi decidida pelo Tribunal.

Quanto à arguida BB, mulher do arguido CC, disse a assistente que a mesma ia à “agência” ... levantar comissões, sendo que inicialmente se encontrava autorizada a tanto.

Nada mais referiu sobre a arguida BB, sendo que afirmou desconhecer que conhecimento tinha efectivamente a mesma sobre toda a situação.

Contrariando o por si inicialmente afirmado, veio a assistente a dizer que o arguido CC não só auxiliava o seu pai em termos informáticos, como ainda tinha auxiliado o mesmo a organizar as pastas de seguros, trabalho que foi, por aqueles, realizado em conjunto.

Mais referiu que o seu irmão era remunerado pelo seu pai, sendo que este entregava €250,00/mês àquele pelo trabalho que desenvolvia no âmbito da carteira de seguros em causa.

O arguido CC esteve por si autorizado a gerir a carteira em causa até ao falecimento de sua mãe, sendo que só posteriormente comunicou ao irmão a retirada de tal autorização.

Ora, esta declaração da assistente e o comportamento por si afirmado não se compagina com o anteriormente declarado pela mesma quanto à recusa em fazer contas, em Dezembro de 2007, por parte do arguido CC, pois que, se assim fosse, natural seria que a partir do momento em que CC afirmou à assistente que tudo era seu (como afirmado pela própria), esta retirasse àquele e de forma imediata a gestão de tal carteira.

Referiu desconhecer se o arguido CC levou ou não tomadores de seguros para fazerem parte da sua carteira de seguros, engrossando esta, por desconhecer o que se passou nas negociações levadas a cabo para a celebração do contrato de fls. 16-17, pois nas mesmas não participou.

Acabou a assistente por referir que, em vida de seu pai, declarava (e não que os auferia) para efeitos de IRS cerca de €33 000,00 por ano, sendo que nunca teve de proceder ao pagamento de IRS face ás despesas que apresentava.

Mais referiu que o seu pai era quem recebia as comissões de todas as carteiras de apólices que se encontravam em nome dos filhos, não fazendo contas com estes.

Somos pois a concluir que nunca a assistente recebeu um qualquer provento derivado da carteira de seguros que em seu nome se encontrava.

Por fim, referiu que a reforma de seu pai rondava os €1500,00/mês.

..., empregada doméstica em casa dos pais da assistente e que actualmente trabalha para a assistente, disse nunca se ter apercebido que a assistente trabalhasse; o arguido CC ajudava o pai a trabalhar nos seguros; viu a mãe da assistente muito chorosa porque o filho tinha levado tudo.

Nada mais precisou com um qualquer relevo para a decisão da causa, sendo que o declarado, quanto à alegada reacção da mãe da assistente, mostra-se para nós incompreensível, pois que o arguido CC foi autorizado após a morte do pai a levar as ditas pastas, única forma de poder trabalhar na carteira de seguros em causa (facto este que veio aliás a ser reconhecido pela assistente).

..., esclareceu não conhecer os arguidos e nenhum conhecimento directo ter sobre os factos em causa nestes autos, pois tudo o que sabe lhe foi relatado pela assistente.

..., prima da assistente e dos arguidos CC e BB, esclareceu nada saber sobre os factos em causa nos autos, por nenhum conhecimento directo ter sobre os mesmos.

..., referiu que o pai da assistente, EE, era seu mediador de seguros, sendo que em Junho de 2007 havia falado com EE por causa de um seguro.

Quando a 28.02.2008 ligou para o telemóvel que era de EE ninguém atendeu, o que estranhou, pelo que acabou por ligar para casa do mesmo. Foi então atendida pela assistente que a informou que o seu pai, bem como a sua mãe já haviam falecido.

Teve conhecimento que a assistente seria a mediadora de seguros por ter sido a mesma a entregar-lhe a carta verde.

Em Abril de 2008 recebeu uma segunda via da carta verde com as referências de CC.

Através do telemóvel que era de EE nunca conseguiu falar com ninguém.

Sabia que a assistente era quem figurava, formalmente, como mediadora, mas quem, de facto, exercia as inerentes funções era o pai da assistente.

Confrontada com os documentos de fls. 212 a 216 confirmou-os; mais referiu não saber precisar se quando a assistente lhe fez a entrega da carta verde, procedeu ou não á entrega/cobrança do recibo.

..., amiga da assistente, referiu que o seu pai tinha como mediador de seguros o pai da assistente. Referiu que o pai da assistente dizia que CC o auxiliava no seu trabalho.

Depois da morte de EE, a mãe da assistente ficou doente, necessitando de cuidados de uma terceira pessoa.

Mais referiu que, do que lhe foi dado saber, nomeadamente por intermédio da assistente, o arguido CC ficou, após a morte do pai, a gerir a carteira de seguros, o que seria temporário e até Janeiro de 2008 (limitação temporal esta não cabalmente explicada pela testemunha).

Depois de afirmar que só após a morte da mãe da assistente é que as pastas referentes à carteira em causa foram levadas, bem como um telemóvel e um fax, acabou por reconhecer nada saber precisar quanto ao momento em que tais objectos saíram da casa habitada pela assistente. Quanto às circunstâncias e motivos de tal retirada nada esclareceu.

Mais referiu que por ter carta de condução, bem como carro, se disponibilizou a levar a assistente junto dos tomadores de seguros, o que fez durante um ano, três a quatro dias por semana, visitando cerca de 10 clientes por dia (o que feitas as contas, afigura-se-nos, ultrapassar o número de segurados da carteira).

Disse que nessas visitas, a assistente se apresentou como sendo a mediadora de seguros, tendo os segurados retorquido que já haviam sido contactados pelo arguido CC, sendo que este dizia ser agora o mediador.

Acabou por reconhecer que, a final, os tomadores de seguros apenas afirmaram à assistente que o mediador era agora o arguido CC (facto que surge para nós bem diverso do anteriormente declarado pela própria testemunha, porquanto no primeiro caso haveria uma imposição por parte do arguido CC, enquanto que, no segundo caso, o afirmado pelos segurados mostra-se compatível com uma escolha livre e espontânea dos próprios).

Igualmente disse que os segurados ficaram furiosos.

Pedido à testemunha que esclarecesse os motivos de tal fúria, ou seja, como, de facto, se manifestaram as pessoas, nada concretizou, para vir depois a dizer que, a final, as pessoas demonstraram foi o seu desagrado ao se aperceberem do conflito entre os irmãos.

O depoimento em causa, apresentou-se inicialmente como previamente construído, tendo-se desmoronado perante as várias questões colocadas à testemunha.

..., marceneiro, pessoa que realizou vários trabalhos para o pai da assistente, sendo que era este, por sua vez, que lhe tratava dos seguros, referiu que os recibos que recebia vinham sempre com o nome da assistente.

Referiu a testemunha que, por força dos problemas que teve na sua vida, acabou por ir trabalhar para Espanha.

A dada altura recebeu um telefonema da assistente a informá-lo que o pai havia falecido, pelo que foi visitar aquela a casa.

Em Dezembro/Janeiro do ano de regresso de Espanha, que situa há cerca de quatro anos, solicitou à assistente que o auxiliasse, ao que a mesma lhe respondeu que não o poderia fazer por não estar na posse da documentação necessária a tanto.

Nessa altura, a assistente não o informou que era o seu irmão quem estava a tratar dos seguros.

Acabou por optar por outro mediador de nome ....

..., enfermeiro, que prestou, durante três/quatro dias, cuidados de saúde, no dizer da testemunha de reabilitação, à mãe da assistente (mesmo antes do seu falecimento), referiu que a aquela lhe confidenciou que tinha um problema, por ter uma filha solteira e desamparada e que o pai havia deixado uma carteira de seguros à filha, o que a iria ajudar.

Era a assistente quem se encontrava em casa com a mãe e quem tratava da mesma.

..., que conheceu a mãe da assistente por ambas terem estados internadas no mesmo hospital e enfermaria (por ocasião do falecimento daquela), desde que entrou na sala de audiências bradou inusitadamente “não poder com injustiças”, mostrando-se incapaz de ouvir as mais elementares perguntas e logo de responder com seriedade e serenidade.

O comportamento da testemunha desde que entrou na sala de audiências revelou-se de tal forma anómalo que o MP prescindiu da mesma, a qual apenas foi inquirida pela assistente.

Ora a testemunha em causa, desde logo, pela forma como se comportou não mereceu qualquer credibilidade, pelo que nos abstemos, por inútil, de referir o que a mesma afirmou.

..., que conhece os arguidos CC e BB por ter sido vizinho dos mesmos entre 1999 e 2009, relatou como entregou os seus seguros ao arguido CC, tendo sido o próprio a solicitar ao arguido que fosse seu mediador.

Na documentação referente aos seus seguros vinha o nome da assistente como mediadora de seguros, tendo aceitado a explicação que era um negócio de família, sendo que para si tal facto era irrelevante pois quem de tudo tratava era, de facto, o arguido CC.

Conheceu o pai do arguido CC em casa deste, mas nunca tratou com o mesmo de um qualquer assunto relacionado com seguros, igualmente, nunca foi contactado pela assistente.

Sabia que o arguido CC trabalhava com o pai em horário pós laboral.

HH, irmão da assistente e do arguido CC e cunhado da arguida BB, referiu que mantém boas relações com o seu irmão, mas que se encontra de relações cortada com a assistente desde 2008.

Referiu que o seu pai era mediador de seguros, sendo que a dada altura se reformou.

Tal como os seus irmãos tirou o curso de mediadores de seguros.

O seu pai colocou em nome de cada um dos filhos uma carteira de seguros, pois para efeitos de IRS tal era mais vantajoso para EE.

Não obstante, quem de facto exercia as funções de mediador de seguros era o seu pai e o seu irmão CC, sendo que este recebia daquele cerca de €250,00 pelo auxílio prestado.

O pai chegou-lhe a reportar que o arguido CC tinha uma boa carteira de clientes.

A sua irmã DD nunca exerceu a actividade de mediadora, nem nunca na vida trabalhou (sempre tendo sido sustentada pelos pais), o que o levou a interpelar o pai sobre os motivos subjacentes ao facto de aquela não exercer uma qualquer profissão.

Em termos de relacionamento pessoal a assistente sempre foi uma pessoa difícil, sendo que teve processos disciplinares na faculdade, bem como num estágio remunerado que fez, durante dois anos (único período em que trabalhou).

O pai para além da sua reforma, auferia ainda as comissões atinentes às carteiras de seguros colocadas em nome dos filhos, sendo que tais proventos não eram, assim, declarados no IRS do pai. Para além disso, a assistente ainda beneficiava do facto de estar inscrita na Segurança Social e proceder aos respectivos descontos.

No seu entender, de facto, as carteiras de seguros eram do seu pai, motivo pelo qual deveriam ter sido consideradas como um bem do acervo hereditário, logo, relacionadas no âmbito do processo de inventário.

No seu entender, com a morte do seu pai, o que se mostrava “moralmente” correcto era considerar que tais carteiras eram dos três herdeiros, no entanto a assistente logo verbalizou que era tudo dela, mas que queria que o irmão CC assumisse a sua gestão.

Foi a sua mãe quem entregou ao seu irmão CC o telemóvel em causa nos autos para o mesmo poder contactar com os tomadores de seguros.

Mais ouviu a sua mãe a dizer, ao telefone, a um tomador de seguros que seria o aqui arguido CC quem passaria a tratar dos seguros.

Aliás era a única forma de não se perderem “clientes”, pois que a assistente nem sequer conhecia um único dossier.

O irmão para se organizar em termos laborais levou as pastas atinentes aos seguros e que se encontravam em casa dos pais, tendo para tanto sido autorizado, facto que lhe foi relatado pela sua mãe.

O fax era igualmente um objecto essencial ao trabalho do arguido CC, sendo que quer o seu pai, quer o seu irmão tinham acesso à “...”, sendo certo que EE não tinha jeito para a informática.

Para si nunca foi colocada a questão da restituição ou não, por parte do arguido CC, do dito telemóvel e fax.

A assistente chegou a pedir ao arguido CC que procedesse ao pagamento de contas – telemóvel, luz, água -, o que este fez (o que se nos afigura impedir a conclusão de que a assistente não retirou vantagens, nomeadamente patrimoniais, da gestão daquela carteira feita pelo arguido CC. Com efeito, o arguido CC, como irmão da assistente, nenhuma obrigação tinha de proceder ao pagamento de despesas feitas por aquela. E aproveitando este parêntesis, somos a sublinhar que muito se estranha que a assistente, no pressuposto que, de facto, a dita carteira lhe pertencia, não tivesse tido a preocupação de, desde o inicio, acordar com o irmão Rui uma retribuição pelo trabalho que o mesmo iria ter na gestão da carteira em causa, e, por seu turno, qual seria o seu rendimento).

Quando a sua mãe faleceu as coisas pioraram.

Sempre teve a chave de casa dos seus pais.

No entanto, quando a sua mãe morreu, a assistente disse que tudo era dela e mudou a fechadura da casa, invocando para tanto que o irmão entrava na casa quando queria, o que não podia acontecer.

A assistente não queria fazer partilhas.

A dada altura houve uma discussão entre a assistente e o arguido Rui por causa dos seguros.

Chegou a enviar uma carta registada à assistente tentando sensibilizá-la a resolverem o problema a bem.

No entanto, a assistente mostrou-se sempre muito desconfiada, nada querendo resolver.

A carteira de apólices em causa nestes autos continhas tomadores de seguros que o seu irmão CC havia angariado, sendo que tal aconteceu por uma questão de conveniência.

A sua mãe tinha um problema de vertigens, sendo que a assistente argumentava que não podia trabalhar porque tinha de “ter cabeça para o mestrado”.

Em finais de Dezembro de 2007 a sua mãe caiu, necessitou de cuidados de enfermagem – mudança de penso -, entrou no hospital em Janeiro de 2008 e faleceu. A sua mãe nunca precisou de fazer uma qualquer reabilitação motora.

A assistente nem sequer avisou os irmãos que a mãe havia dado entrada no hospital.

Quanto á declaração médica atestando que a mãe necessitava de cuidados de uma terceira pessoa e junta aos autos, referiu que tal foi apenas um “argumento para ter um subsídio”.

A mãe era auto-suficiente e encontrava-se lúcida (do que lhe foi dado a ver), mesmo depois da queda.

Quanto ao estorno em causa nestes autos, referiu que o veículo que era de seu pai foi vendido, pelo que procederam á anulação do respectivo seguro, sendo que foi o seu irmão quem fez o referido estorno.

Mais relatou como, ainda em vida da mãe, as relações com a assistente já eram complicadas principalmente quando tocava a dinheiros.

Nunca o futuro da carteira de seguros foi devidamente discutido.

Um dos seus seguros tinha como mediadora a assistente, pelo que chegou a questionar a mesma se não lhe conseguiria um seguro mais barato, sendo que esta nem sequer lhe respondeu, pelo que optou pelo seu irmão Rui como mediador de seguros.

Só depois da mãe morrer é que a assistente pediu contas ao arguido CC.

Por fim, esclareceu que a sua mãe era uma pessoa extrovertida, mas não era pessoa de dar espectáculo e com estranhos não falava da sua vida privada.

Quando falava dos filhos era sempre pela positiva.

..., director comercial da Companhia de FF, superior hierárquico do arguido AA, para além de ter abonado o comportamento deste, referiu como conheceu a assistente e como tomou conhecimento das reclamações que a mesma apresentava, sendo que a aconselhou a apresentar uma reclamação por escrito e a recolher os documentos que se mostrassem necessários.

A assistente veio a apresentar a dita reclamação escrita, mas dirigiu-a ao Conselho de Administração, pelo que não mais teve intervenção directa no conflito.

Houve uma auditoria, sendo que nessa sequência foi emitido a favor da assistente o cheque de fls. 1196.

Explicou em que consiste a “...” e referiu que, de facto, os tomadores de seguros são livres de escolher o respectivo mediador. E quanto á respectiva senha de acesso aquele sistema afirmou que o arguido AA nada tinha a fazer, tanto mais que a dita senha é pessoal e intransmissível.

Quanto á carteira de seguros em causa referiu que o seu valor, pela prática do mercado á data, era de duas vezes e meia as comissões, sendo que estas variavam por ano e por produto.

Hoje as coisas já não são bem assim por força da volatilidade do mercado.

A resolução do problema entre os irmãos passou pelo crivo dos tomadores de seguros que escolheram o seu mediador.

Referiu que os mediadores de seguros têm de ser cada vez mais activos no exercício das suas funções, pois as respectivas carteiras não são vitalícias e têm constantemente de ser trabalhadas.

..., industrial, referiu conhecer o arguido CC, bem como os seus irmãos, por o seu estabelecimento comercial se situar próximo da casa dos pais daqueles.

Mais referiu que EE era o seu mediador de seguros, sendo que o mesmo se fazia acompanhar do arguido CC.

Após a morte de EE, a viúva foi falar consigo tendo-lhe transmitido que quem passaria a tratar dos seguros era o arguido CC.

Passados uns dias da morte da mãe da assistente, esta entrou no seu estabelecimento a dizer que era ela agora a mediadora de seguros.

Perante tal afirmação respondeu à assistente que “não a reconhecia como mediadora de seguros”, recusando-se a aceitá-la, pois não era possível aceitar uma pessoa que nem sequer cumprimenta os outros.

Com efeito, não obstante ser vizinho da casa dos pais da assistente, conhecer bem aqueles e os filhos, a verdade é que a assistente, ao contrário dos demais membros da família, nunca na vida o cumprimento, sendo que só o fez no funeral dos pais.

Aliás, desde pequena, a assistente não cumprimentava ninguém.

 A assistente também se dirigiu ao seu sócio afirmando que era agora a mediadora de seguros, o que foi por aquele peremptoriamente recusado.

Mais relatou que foi abordado pela mãe da assistente e pela assistente para a aquisição de um veículo automóvel, sendo que pelo mesmo pediam €5000,00. Ofereceu € 4.500,00 a pagar em cheque, oferta esta recusada por causa da forma de pagamento que teria de ser em dinheiro.

Veio a saber que o veículo foi vendido por €4.000,00 pagos em dinheiro.

Por fim, referiu nunca ter tido conhecimento que a assistente exercesse uma qualquer profissão; o pai da assistente era uma pessoa muito reservada; a mãe da assistente demonstrava preocupação relativamente à filha por força do seu temperamento.

..., comerciante, referiu que durante 30 anos teve como mediador de seguros o pai da assistente.

Cerca de 15 dias após o falecimento de EE, a mulher deste telefonou-lhe a comunicar-lhe que seria o arguido CC quem passaria a tratar dos seguros e que podia confiar inteiramente nele.

Antes não tinha tido contactos com o arguido CC, mas sabia que o mesmo auxiliava o pai.

Foi contactada várias vezes pela assistente, mesmo ainda em vida da mãe daquela, a perguntar como as coisas estavam e a denegrir a imagem do irmão CC. Afirmava que os seguros eram dela e que o irmão a queria roubar.

A assistente queria ser a sua mediadora, sendo que o arguido CC nunca abordou consigo tal tema.

Por isso, e perante a insistência da assistente (que foi muita, sendo que quando quis cortar com a assistente, esta passou a telefonar ao seu marido com vista a saber o que é que o irmão andava a fazer), interpelou o arguido CC. Após ter ouvido as duas versões dos factos escolheu ficar com o arguido CC. 

A assistente nada percebia de seguros, pelo que não lhe reconhecia competência para ser mediadora.

Comunicou ao arguido CC a sua opção que passava por o mesmo ficar como seu mediador. Disse ainda àquele que caso não fosse o próprio a desempenhar as funções de mediador, então escolheria uma terceira pessoa para o efeito.

Por tudo isto, acabou por subscrever uma declaração atestando a sua vontade quanto á escolha do mediador.

Quanto ao veículo que era dos pais da assistente, disse que foi o seu marido quem arranjou comprador, sendo que todos os irmãos estavam presentes aquando do negócio.

Antes de tudo isto e em vida de EE, pensava que o nome que constava como sendo o da mediadora na documentação que lhe era entregue, se reportava à mãe da assistente que também se chamava Isabel.

..., médica anestesista, declarou não conhecer qualquer um dos intervenientes processuais e nada saber sobre os factos em causa nestes autos.

Assim da análise dialéctica dos dados objectivos fornecidos pelos documentos, pelas declarações do arguido AA que se nos afiguraram sérias e da assistente (sendo que esta, em nosso entender não relatou a assunção de um qualquer comportamento, por parte de qualquer um dos arguidos, demonstrativo de ter ocorrido uma inversão do titulo de posse quanto à carteira de seguros em causa, tendo inclusive admitido que foram os tomadores de seguros a escolher como mediador o arguido CC. Escolha essa que, no entender da assistente, não foi livre, no entanto sem que tenha sido apresentado um qualquer cabal suporte probatório apto a se extrair tal conclusão, antes, e ao invés, a demais prova produzida infirma um tal entendimento, pois que terá sido uma decisão tomada de forma livre, voluntária e consciente pelos tomadores de seguros) e dos depoimentos conjugados das testemunhas atentas as considerações supra vertidas, em função das razões de ciência de cada uma, das certezas e incertezas detectadas, temos que, chamando á colação as regras da experiência comum, com segurança, só pode o Tribunal concluir, pelas razões supra expostas, pela veracidade dos factos levados à factualidade provada.

Com efeito, por força das partilhas realizadas entre os herdeiros e respectivos pagamentos, quanto a bens e valores que fizessem parte do acervo hereditário, jamais se poderia falar de uma qualquer “apropriação” indevida por parte do arguido CC.

Por outro lado e quanto à carteira de seguros que se mostrava formalmente em nome da assistente, resulta que esta nunca mediou, nem angariou clientes que a integrassem, trabalho esse feito em conjunto por EE e pelo arguido CC.

Após a morte de EE a gestão da referida carteira coube exclusivamente a CC, até porque este era o único filho daquele com competências para tanto, ao que acresce ter cabido única e exclusivamente aos tomadores de seguros a escolha do mediador em razão das incompatibilidades surgidas entre os irmãos, arguido e assistente, sendo que tal escolha, atenta a prova produzida foi feita de forma livre, voluntária e consciente.

Temos pois, para nós, que nenhuma prova foi produzida da qual se possa extrair que qualquer um dos arguidos tenha praticado actos objectivos demonstrativos da inversão do título de posse.
Quanto aos factos alegados atinentes ao crime de falsificação de documento (qualificação jurídica esta que nos suscita muitas dúvidas, porquanto a alteração de morada ocorreu num sistema informático), temos que, a alteração de morada surge para nós natural, pois que realizada em momento em que o arguido CC se encontrava impedido de aceder à casa que era de seu pais e para onde era enviada toda a correspondência, facto este que impediria levar a cabo o seu trabalho, não se descortinando ter sido produzida prova que permita, por si só e/ou conjugada com as regras da experiência comum, a conclusão de que o mesmo agiu com intenção de causar prejuízo a outra pessoa – quer este terceiro seja a assistente ou os tomadores de seguros, ou mesmo a própria companhia de seguros –, ou com a intenção a intenção de obter para si um beneficio ilegítimo.

Nenhuma outra prova foi produzida.”

II.B. – DE DIREITO.

II.B.1) – Nulidade do acórdão por completa omissão de pronúncia relativamente à impugnação da demandante/assistente da parte da sentença em que absolveu os demandados/arguidos do pedido cível que havia sido formulado – nº 1, alínea c) do artigo 379º, ex vi do nº 2 do artigo 374º, ambos do Código de Processo Penal.

O acórdão sob impugnação enunciou como temas a debater/conhecer no recurso: “a) Errada apreciação da matéria de facto; b) Preenchimento da tipicidade dos crimes de abuso de confiança e de falsificação de documentos; c) Absolvição dos demandados cíveis quanto ao pedido formulado.”

Após ter discorrido sobre as duas primevas questões, o tribunal rematou a parte fundamentadora do acórdão com a sequente proposição (sic): “Ora, não sendo provido o recurso da assistente quanto às questões abordadas, fica prejudicado o conhecimento da última questão.” Equivale a dizer que o tribunal de recurso se auto-excluiu de conhecer um tema que havia formado o amplexo fundamentador do recurso e que ele havia elegido como tema/questão a dever ser apreciada no recurso, pela decorrente razão de que os dois temas anteriores não haviam logrado sucesso.

É avonde a jurisprudência que peticionada, em processo penal, por via de acção civil agregada, indemnização, por perdas e danos, ocasionadas pela prática de um facto ilícito que desencadeou o procedimento criminal, o tribunal ainda que absolva os demandados/arguidos do pedido de condenação penal, deve conhecer dos fundamentos do pedido de indemnização cível.

A razão de ser deste encargo jurídico-processual advém de circunstâncias ôntico-jurídicas e de concentração processual. No concernente à primeira das razões apontadas a justificação colhe-se desde logo na natureza da culpa civil e penal. Enquanto que a primeira – culpa civil – se afere em abstracto, segundo o padrão de um bom pai de família, a segunda só deve ser valorada e apurada quando subjectivamente agregada a um sujeito concreto e à sua especifica e determinada vontade de realização/resolução de uma conduta juridicamente proibida e tipificada na lei.

A segunda razão – concentração processual – reveste uma feição utilitarista do processo penal, porquanto sendo processo penal mais abrangente na indagação da factualidade material subjacente ao ilícito penal típico, o amplexo probatório permite uma maior compreensibilidade das circunstâncias e envolventes que determinaram a realização de um determinado facto (quiçá ilícito). A possibilidade de o tribunal penal ter acesso a um material probatório mais alargado, desde logo pela não sujeição estrita e vinculada a determinados tipos e meios de prova e a ónus probatório cingido à alegabilidade factual concernente com a posição processual de cada um dos sujeitos, concita uma probabilidade de aquisição factual que o processo civil não facilita.

Daí que rendo sido deduzido pedido civil agregado ao processo penal o tribunal deve conhecer, especificamente do pedido cível, ainda que tenha concluído pela inexistência de responsabilidade penal dos demandados civis.

Poder-se-á objectar que o asserido vale tão só para os casos em que a responsabilidade civil conexa ou agregada à responsabilidade penal deriva ou emerge de uma responsabilidade que pode assumir uma responsabilidade com base no risco ou objectiva.

Não se entende dever restringir o conhecimento do pedido cível deduzido ou enxertado em processo penal aos casos em que a responsabilidade pode assumir uma feição objectiva, ou seja em que não ocorre uma responsabilidade culposa e/ou dolosa, isto porque como já se disse a aferição dos comportamentos causantes do acto ilícito, vale dizer a culpa, assume, como atrás se disse configuração ôntico-jurídica distinta quando apreciada para efeitos penais e/ou civis.

Tendo ocorrido um facto gerador, em concreto, da obrigação de indemnizar, como será o caso de ocorrência de uma apropriação ilícita e/ou de falsificação de documentos, tendo sido pedido indemnização com base em perdas que esse comportamento induziu na esfera patrimonial do lesado, o tribunal, mesmo depois de descartar ou arredar a responsabilização penal, por inverificação dos pressupostos que poderiam conlevar à imposição de uma sanção penal, não deve deixar de apreciar, se segundo o padrão da culpa civil (bonus pater familiae), os responsáveis da acção praticada podem ser responsabilizados civilmente pelos danos e perdas que hajam ocasionado na esfera patrimonial do lesado.

Do que fica planteado dever-se-á concluir que o tribunal de recurso não podia deixar de conhecer – ou correlatamente estimar que a questão se tornava prejudicada – uma questão que havia sido posta em tela de juízo como fundamento de um recurso de uma decisão de um tribunal inferior e que ele próprio havia reconhecido como cognoscível, sob pena de nesse entendimento estar a omitir pronúncia sobre uma questão que estava obrigado a conhecer. Só com a apreciação dessa questão a cognoscibilidade objectiva do recurso ficava satisfeita e a decisão adquiria completude jurisdicional. Com o conhecimento da questão divergente oposta pelo recorrente ao sentido decisório da sentença proferida no tribunal de primeira (1ª) instância o tribunal de recurso satisfazia subjectivamente o interesse processual-material de um dos interessados numa solução plena do pleito.

A lei crisma e taxa como nulidade da sentença a omissão de pronúncia sobre uma questão que seja colocada, para resolução/solução, ao tribunal e ele se abstenha, ou faça caso omisso, do seu conhecimento.
Os actos judiciais cumprem no processo uma função pré-estabelecida e estão preordenados à consecução de um determinado resultado, maxime à prolação de uma decisão com força e autoridade jurisdicional que defina um direito litigioso. A decisão proferida deve conter-se dentro dos limites do direito rogado e em congruência com os factos alegados e as provas aportadas pelas partes. [[3]]

A congruência – princípio adoptado de forma expressa no ordenamento jurídico processual espanhol (cfr. artigo 218.º da Lei de Enjuiciamento Civil) – enquanto princípio referente ao desenvolvimento do processo, expressa os limites do juízo jurisdicional, isto é, o âmbito que se deve alcançar e que a sentença não deve ultrapassar, fundamentalmente no aspecto do pronunciamento do veredicto, mas também no intelectual e lógico (fundamentos da decisão). O mencionado principio, que no ordenamento jurídico processual civil indígena colhe assento nos artigos 5.º e 609.º, nº 2 do Código Processo Civil, desdobra-se em três vertentes ou assume-se como polarizador de três proposições paradigmáticas, a saber: adequação da sentença às pretensões das partes, de maneira que aquela dê arrimada resposta a todas estas; correlação entre as petições de tutela e os pronunciamentos da decisão; harmonia entre o solicitado e o decidido.

A congruência de uma sentença atina com uma qualidade que se refere, não à relação entre si das distintas partes e elementos da sentença, mas sim à relação da sentença com a pretensão dos litigantes. Uma sentença é congruente na medida em que decide na coerência interna do processo e é incongruente, ainda que revelando coerência na sua argumentação lógico-racional, se se afasta da estrutura performativa que resulta ou decorre da composição de interesses postos em tela de juízo na causa.

Podem ocorrer incongruências quando na sentença deixam de se fazer declarações que as pretensões exigem ou omitem declarações ou decisões sobre pontos litigiosos. A doutrina alemã e austríaca falam, neste caso, no chamado “instituto do procedimento da integração”. Neste caso, se ocorre omissão de pronúncia não existe violação do princípio da congruência ou seja que a sentença não deve taxar-se de incongruente. Do que se trata é de uma sentença incompleta e o que haverá é que completá-la, mediante petição da parte. Segundo uma corrente chamar-se-ia a este vício “incongruência omissiva”, em violação do que se chama princípio da exaustividade.       

A regra ou princípio da incongruência ou incoerência, que, itera-se, deve cumprir-se entre as alegações de facto, não se aplica relativamente às alegações de direito da acção ou da contestação, já que pode ocorrer divergência e desconformidade entre estas alegações e a decisão, por o tribunal não estar sujeito e vinculado às alegações jurídicas ou indicações normativas que as partes forneçam. Na verdade o tribunal está vinculado ao fundamento, não pela fundamentação, e a fundamentação inclui não só a forma de apresentar os argumentos, mas também os concretos elementos jurídicos aduzidos: os preceitos legais e os princípios jurídicos citados e o entendimento que deles as partes fazem. Consubstancia-se neste procedimento a regra “iura novit curia” – o tribunal conhece do direito e isto porque o direito não tem que ser provado; o tribunal pode e deve aplicar o direito que conhece como estime mais acertado, desde que se atenha á causa de pedir, que dizer, ao genuíno fundamento – não à fundamentação – da pretensão. O pressuposto da correcta aplicação da regra “iura novit curia” é dupla: 1.º que o tribunal respeite, na sua essência a causa petendi da pretensão do litigante; 2.º que os demais litigantes tenham podido, do mesmo passo que o tribunal, conhecer e afrontar esse genuíno fundamento da pretensão, o que equivale à observância dos princípios da igualdade das partes e da audiência ou do contraditório.      
Como já ficou aflorado supra, a omissão de pronúncia constitui uma incompletude da decisão que pode ser sanada pela integração, no acto decisório, da apreciação, pelo tribunal que a proferiu, da questão que a sentença omitiu.
A nulidade da sentença – ou do acórdão, como ora sucede, por omissão da pronúncia quanto a qualquer das questões que a parte alegou e quis submeter á decisão do tribunal conecta-se, de forma inderrogável, com o preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do código Processo Civil quando estatui que “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” [[4]]
Pela injunção determinativa contida no artigo 608.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal, ao juiz está cominada a imposição legal de tomar conhecimento de todas as questões que tenham sido trazidas e debatidas pelas partes no processo. As questões controvertidas que tenham sido objecto de alegação por parte dos sujeitos processuais involucrados na acção e que estando contidas na causa de pedir e no pedido devem ser conhecidas pelo tribunal sob pena de não fazendo o tribunal se eximir à sua função de julgamento pleno e total. [[5]]
O pedido de solução de uma determinada questão, de facto ou de direito, solicitada a um órgão jurisdicional contém, de ordinário, um núcleo de factos cuja verificação probatória pode, ou não, vir a ser subsumível a um suposto normativo que encerra uma afirmação preceptiva e da qual o ordenamento jurídico faz derivar uma consequência jurídica. É este núcleo referencial e típico que se constitui como questão a eleger pelo tribunal para solução do litígio que opõe dois ou mais sujeitos. Na sustentação dos factos que suportam as questões de direito que um litígio encerra soem as partes aduzir razoamentos integradores e justificantes do sentido da acção que os factos pretendem traduzir, explicações das próprias acções no contexto em que foram realizadas e enquadramentos de concatenação com o sentido normativo que estimam assistir-lhe e estar subjacente à justeza das acções realizadas.
As primeiras constituem-se como lídimas e próprias questões que as partes pretendem que o tribunal venha a conhecer, enquanto que as segundas devem ser assumidas como elementos adjuvantes de compreensão, de interpretação e integração que as partes trazem a tribunal numa visão individual que pretende justificar a sua própria acepção da realidade factual e jurídica de que julgam possuir razão. Torna-se este núcleo argumentativo num património particular do sujeito que o produz e impulsiona sem outro efeito que não seja fornecer ao tribunal uma visão privada e sectária dos factos essenciais que devem constituir o primeiro núcleo de questões indicado. Este núcleo ou veio de argumentação deve, porque tributário de uma visão particular e interessada dos factos que constituem a questão essencial de direito, quedar arredado da pronúncia que, na decisão, o juiz venha a efectuar para solução do litígio, ainda que possam servir como método argumentativo, de afirmação ou refutação, do iter lógico-indutivo que há-de cevar a fundamentação de direito da decisão. [[6]]  
Deve, pois, na decisão ocorrer uma congruência entre as questões que o sujeito trouxe a juízo para obter uma resolução jurisdicional e aquelas que efectivamente devem ser resolvidas pelo tribunal. Esta congruência ou necessidade de coincidência significativa entre o que é pedido e o que é solucionado traduz-se numa concordância de decisão jusprocessual que torna o veredicto assumido conforme às exigências que devem vertidas numa sentença. [[7]] Ou dizendo de outra maneira para que a decisão adquira pregnância e do mesmo passo validade formal torna-se necessário que se confira uma identidade entre o que é pedido e o que é julgado, entre o que o tribunal elegeu e definiu, na interpretação que fez do conjunto de factos indispensáveis a uma solução do caso submetido a julgamento, com o que a final veio a tomar conhecimento e a dar pronúncia. Na eleição das questões de direito o juiz não pode ir além do que está contido nos factos aportados pelos sujeitos, mas não está limitado pela enunciação que delas façam as partes.     
A falta de conhecimento, em sede de recurso, de uma questão que o recorrente haja eleito como objecto de impugnação, ou discordância, da decisão que pretende ver revista – alterada, corrigida, ou revogada – constitui-se, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 379º do Código Processo Penal, como um vício invalidante da decisão, pelos apontados motivos. (“A falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submente à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidas pela parte em defesa da sua pretensão”). [[8]]

Na ordenação processual viger desde 1961 (Código Processo Civil) vigorava a regra de que “quando a Relação tivesse deixado de conhecer de certas questões, por considerá-las prejudicadas pela solução dada o litígio, se o STJ dispusesse de todos os elementos, deveria substituir-se à Relação e proferir a decisão sobre o mérito do recurso em toda a sua extensão (a solução não era uniforme, sendo contrariada, designadamente, pelos Ac.s do STJ de 3-10-2013 e 15-05-2013, in www.dgsi.pt).” [[9]]                

Actualmente, o artigo 679º do Código de Processo Civil, exclui uma aplicação remissiva de todo o preceituado no artigo 665º. Na opinião do Autor citado, após a reforma de 2013, o Supremo Tribunal de Justiça, não tem o poder de se substituir de imediato, “devendo agir do seguinte modo: a) Detectada alguma nulidade decisória que afecte o acórdão recorrido, o Supremo, de acordo com o prescrito pelo art. 684º, nuns casos (als.c) e e) e 2ª parte da al. d) do art.615º), decidirá em regime de substituição, noutros casos, máxime quando a nulidade corresponder a omissão de pronúncia, limitar-se-á a cassar a decisão, remetendo os autos para a Relação;

b) Quando o acórdão da Relação não estiver afectado por nulidade, mas não tenha apreciado determinada questão por considerá-la prejudicada pela solução então encontrada, se ral acórdão for revogado, impõe-se a remessa dos autos à Relação para que nesta sejam apreciados em primeira mão as questões omitidas.”                 

Na anotação que formula ao artigo 679º do Código de Processo Civil, o Autor que vimos seguindo refere a posição discordante do Professor Teixeira de Sousa, “para quem não faz sentido uma duplicidade de regimes consoante a situação se verifique no âmbito do recurso de apelação ou de revista. Refere que “a garantia do duplo grau de jurisdição destina-se a assegurar que é possível recorrer para um Tribunal Superior, não a impedir a um Tribunal Supremo de se pronunciar sobre uma questão”, Por isso afirma que, malgrado o teor do art. 679º excluir a aplicabilidade do nº 2 do art. 665º, a imediata substituição do Supremo em situações em que a Relação não tenha respondido a determinada questão por considerá-la prejudicada pela solução dada a outra questão é decorrência directa do disposto no art. 682º, nº 3. Conclui que “a remessa para a Relaçõ só se justifica quando o STJ entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão da questão prejudicada, isto é, quando o STJ não disponha de matéria de facto suficiente para conhecer dessa questão. Sendo assim, havendo no processo todos os elementos suficientes, nada impede que o STJ se possa pronunciar sobre a questão prejudicada: é isso que resulta do estabelecido no nº 1 do art. 682.” [[10]]  

No domínio do direito processual penal, escreveu-se a propósito da regra de substituição do Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que ocorra uma falta de pronúncia na decisão recorrida, (sic) “A este respeito, vinha o STJ a entender, de forma maioritária [Neste sentido, entre outros, os Acórdãos, de 11.01.2006, Proc. 2249/05-3ª Sec., de 28.02.2007, Proc. 3382/06-3ª Sec. e de 21.01.2016, Proc. 2/14.0GAAMT.S1.], que, tratando-se de omissão de pronúncia, o tribunal de revista não podia substituir-se ao tribunal recorrido e suprir a nulidade, devendo, por isso, mandar baixar o processo a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, pelos mesmos juízes quando possível, nos termos do disposto no art. 731º, n2º do CPP, pois de outra forma subtrair-se-ia o único grau de recurso ao dispor do arguido, violando-se a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição (art. 32º da CRP).   

Julgamos, porém, tal como escreve o Conselheiro Oliveira Mendes, na anotação 4 ao artigo 379º do CPP, que « por efeito da alteração introduzida ao texto do nº2 pela lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, passou a constituir um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida ( é o que decorre da actual letra da lei «as nulidades da sentença devem  ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las…») , razão pela qual sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos, obviamente, que a nulidade só seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido».

Na verdade, basta comparar a redação atual do nº2 do citado art. 379º dada pela Lei nº 20/2013, de 21 de fevereiro, com  a redação originária dada  ao mesmo número pela Lei nº 59/98, de 25 de agosto, para facilmente se constatar que, enquanto esta  refere «sendo lícito ao tribunal supri-las», a atual redação refere « devendo o tribunal supri-las» (sublinhado nosso), o que, atento até o disposto no art. 9º, nº3 do C. Civil[8], significa que o legislador de 2013,  não só teve a intenção clara de afastar a natureza não vinculada do poder/dever contido na redacção primitiva do referido nº2, como quis tornar esse poder/dever vinculado, impondo, deste modo, ao  tribunal de recurso a obrigação de suprir tais nulidades, com exceção dos casos em que as  mesmas só sejam passíveis de ser supridas pelo tribunal recorrido.  

De realçar ser esta a solução mais adequada ao nosso sistema processual penal de recurso que, como é consabido, segue, essencialmente, o modelo de substituição ( e não de cassação), embora com limitações.

Deste modo, com exceção dos casos em que isso não for possível, designadamente por insuficiência de matéria factual, o tribunal de recurso, se o acolher, substitui a decisão por aquela que considere ser a legal.” [[11]]

Em nosso juízo, e com o respeito que nos merece a posição negativa supra expressa, para a solução processual civil, afigura-se-nos que a regra da substituição deve reger nas situações em que, como é o caso, o tribunal de recurso, por uma questão de inércia e displicência cognoscente, entendeu que com a solução dada à questão criminal resultaria inútil conhecer de uma questão do recurso – pedido de indemnização civil gerada pela causalidade e facticidade de raiz e configuração criminal – que se prefigurava prejudicada pela solução dada à impugnação da matéria de facto e à tipificação que dela resultava, consonante com a recortada na decisão de primeira instância.

Contendo a decisão recorrida a decisão definitiva relativamente à matéria de facto – o tribunal de recurso (Relação) desatendeu a impugnação impulsionada pela recorrente, mantendo, inalterada, a decisão da primeira (1ª) instância – nada impede que, segundo o princípio da economia processual, por via da regra da substituição, o Supremo Tribunal de Justiça, conheça da questão que foi considerada prejudicada, dado que (i) o Supremo Tribunal de Direito é um tribunal que “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410º (…) visa exclusivamente o reexame da matéria de direito” – artigo 434º do Código de Processo Penal; (ii) não ocorre, no caso, tal como já foi decidido pela Relação qualquer vício invalidante da decisão recorrida, nomeadamente, “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”; “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”; ou “erro notório na apreciação da prova”; (iii) a decisão recorrida contém todos elementos de facto bastantes e decisivos para o conhecimento da questão de direito que deixou – por prejudicialidade – de ser conhecida pelo tribunal da Relação; (iv) tratando-se de uma questão de direito, para a qual o Supremo Tribunal dispõe de todos os elementos de facto para decidir, deve operar a regra da substituição; (v) na aplicação da regra enunciada, o Supremo Tribunal tem o dever de suprir a omissão de pronúncia verificada e declarada na decisão recorrida.

Na sequência do asserido, e declarando a nulidade do acórdão recorrido por ter deixado de apreciar uma questão que tinha sido objecto de impugnação por banda da recorrente, o Supremo Tribunal de Justiça, com amparo da argumentação que se deixou expandida, irá substituir-se ao tribunal recorrido e tomar conhecimento da questão que foi declarada prejudicada, a saber a questão concernente ao pedido de indemnização civil que a recorrente impulsou, contra os arguidos, com base na facticidade de “imputação criminal” que foi considerada adquirida pelo tribunal da Relação.    

II.B.2. – Conhecimento, em suprimento da nulidade verificada, do pedido de alteração da decisão de 1ª instância quanto ao pedido cível.

Para o conhecimento, em suprimento/substituição, da omissão de pronúncia, por prejudicialidade, verificada no acórdão recorrido, ponderar-se-á, quanto aos pressupostos da obrigação de indemnizar com base em factos de feição e raiz ilícita – cfr. artigo 483º do Código Civil, aplicável ex vi 129º do Código Penal – que a obrigação de indemnizar constitui-se como um modo de reparação de prejuízos ou danos que uma acção externa, à esfera individual de um sujeito, provoca no ambiente existente no momento em que a acção foi desencadeada.

Na génese da obrigação de indemnizar induzida, ou fundada, na produção de um evento que altere/modifique ou transforme a realidade existente na esfera (patrimonial ou imaterial) de uma pessoa [[12]] está a ideia de procurar restabelecer o bem jurídico violado no estado em que se encontrava antes da consumação do evento danoso, e, caso o restabelecimento não seja possível in natura, deverá a reparação ser realizada economicamente, na medida da diferença entre o estado anterior aquele em que o bem jurídico violado ou lesado se encontrava se não tivesse ocorrido a produção do resultado danoso – teoria da diferença (artigo 562.º e 566.º do Código Civil).

A vulneração de um direito ou de uma disposição legal protectora de interesses alheios, exige um conjunto de pressupostos de que a lei faz depender a obrigação de indemnizar - cfr. Artigo 483.º do Código Civil.

A doutrina, como dá nota o Professor Pessoa Jorge [[13]], não se mostra unânime quanto à elencagem dos pressupostos de que a lei faz depender a ocorrência ou a verificação da responsabilidade civil por factos ou actos ilícitos. Pensamos, no entanto, colher melhor sufrágio a solução adoptada por Antunes Varela [[14]], de que para que se mostrem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil se torna necessário: a) a ocorrência de um facto; b) que esse facto deve ser considerado ilícito; c) que o facto ilícito possa ser imputado a um determinado sujeito; d) que por virtude desse facto ilícito praticado por uma pessoa ocorra um dano, patrimonial ou não patrimonial, na esfera jurídica de outrem; e) e que exista um nexo de causalidade entre o facto e o dano. [[15]]
Em visualização expandida e explicitada poder-se-ia dizer que os pressupostos da responsabilidade aquiliana, se reconduzem nos sequentes elementos lógico-materiais e de verificação ou produção natural e físico-psicológicos: i) – o facto voluntário, consubstanciado numa conduta comissiva ou omissiva de um agente traduzido, naturalisticamente, numa alteração ou modificação da realidade existente ante; ii) – a ilicitude, traduzida na violação de normas legais ou de direitos (absolutos) consolidados na esfera individual ou colectiva e infractores dessas normas ou direitos; iii) – a culpa, como nexo de imputação ético-jurídico, de feição e natureza censurável ou reprovável, à luz dos valores eticamente prevalentes numa sociedade historicamente situada; iv) – o dano, lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros; v) – e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Supõe e importa, portanto, a responsabilidade civil, a imposição de medidas reparadoras destinadas a compensar um dano, moral ou patrimonial, ocasionados pela prática por parte de alguém de um uma conduta, ilícita e culposa, susceptível de violar direitos alheios ou disposição legal destinada a proteger interesses de terceiros. A perfeição da instituto da responsabilidade pressupõe a prática de um facto humano e material – comissão por via de acção ou omissão -; que esse facto se revele e planteie como contrário à ordem jurídica; que se exponha como reprovável e censurável, no plano imputação subjectiva a um determinado sujeito; que esse facto seja imputável ao um sujeito determinado; que o resultado produzido por esse facto produza uma modificação, material-objectiva ou moral-subjectiva, na esfera jurídica do sujeito que sofre os efeitos da acção ou da omissão, e que seja possível imputar o facto ao resultado danoso ocasionado. Para que se configure o dever de indemnizar, com base na responsabilidade civil, deverá, portanto, ser possível conexionar a conduta do agente ao dano provocado por essa conduta, ou seja, deve existir um nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a conduta do agente.

Em regra a responsabilidade civil e a obrigação de reparar o dano surge da conduta ilícita do agente que lhe deu causa, ou seja de uma conduta violadora de normas gerais e de direitos de outrem. [[16]]

O primeiro dos pressupostos de que a lei faz derivar a obrigação de indemnizar, com base na responsabilidade civil, é a realização de um facto - acção ou conduta humana, que se traduz na modificação de um estado de coisas existente antes da acção – por alguém que está adstrito, por imposição legal ou convencional, a observar determinadas regras de comportamento, e a fazê-lo utilizando cuidados e regras técnicas e de perícia correspondentes á tarefa a realizar. Trata-se, assim, de um acto humano, comissivo ou omissivo - a comissão vem a ser a prática de um acto que se deveria efectivar, e a omissão, a não-observância de um dever de agir ou da prática de certo acto que deveria realizar-se -, de natureza voluntária e que deve, ou pode ser, objectivamente imputável, a uma determinada pessoa. Esse facto, pela sua feição ilícita, ou lícita [[17]], deve ter actuado e agido por forma a causar na esfera do lesado um prejuízo. Esta lesão de um direito de outrem ou de um interesse particular protegido por disposição legal, quando resultante da acção de um agente lesante, desencadeia a obrigação de indemnizar, a cargo do autor da lesão. 

O facto do agente, consubstanciado num comportamento ou numa conduta humana, deve assumir um carácter voluntário e poder ser dominável e controlável pela vontade. Revestindo o facto do agente uma atitude positiva denomina-se acção, sendo que revestindo uma atitude negativa se constitui numa omissão. Neste caso, a não prática do facto ou acto que o agente, por imposição de um dever jurídico, estava compelido a praticar, desencadeia a obrigação e indemnizar com base na responsabilidade civil.

A culpa pode revestir as modalidades de dolo, ou mera culpa, ou negligência, que são, nas situações de responsabilidade civil, as mais frequentes. A par da negligência, consubstanciada na omissão de um dever de cuidado, que uma atenta consideração da situação poderia e deveria ter prevenido, ocorrem a imprudência ou imperícia, sendo que a primeira ocorrerá quando o agente age por precipitação, por falta de previdência, de atenção no cumprimento de determinado acto, e a imperícia quando o agente acredita estar apto e possuir conhecimentos suficientes pratica acto para o qual não está preparado por falta de conhecimento aptidão capacidade e competência. [[18]]

A culpa (subjectiva, também designada “culpa penal”) revela-se e traduz-se numa imputação psicológica feita a uma pessoa e conleva um juízo de censura ético-jurídica dirigida a uma conduta humana portadora, ou a que se agrega, uma vontade livremente determinada e liberta de condicionalismos perturbadores da assumpção de um sentido querido e orientado da vontade individual.    

O juízo de culpabilidade geradora de responsabilidade civil assume uma feição objectiva, por referida a um padrão normativo eleito pela ordem jurídica, como mediador ou referência de imputação valorativa ético-normativa. A censura opera-se, para este fim, pela referência prudencial ou avisada que todo o individuo deve assumir, na gestão da sua vivência societária, onde o feixe de riscos e de situações passiveis de gerar perigos é constrangedor da assumpção de uma atitude de cautela, ponderação e razoabilidade. A previsão ou prognose de situações potenciadoras de um risco ou de factores exógenos que se perfilam como geradores de perigo devem ser cautelarmente avaliados e prefigurados, intelectivamente, de modo a que o agente assuma perante essa situação concreta um comportamento conducente a evitar a violação de direitos pessoais ou patrimoniais ou regras legais impostas para evitar a consumação de danos na esfera de outrem. [[19]]

À míngua de o juiz poder, numa reconstrução/avaliação a posteriori dos actos submetidos à sua decisão, colocar-se na representação das coisas que sucederam durante o desenvolvimento do próprio comportamento “enjuiciado” na posição do agente, deverá, na avaliação do comportamento, eventualmente culposo ou violador de uma norma legal utilizar um critério comparativo abstracto, qual seja o comportamento de um “homem recto e seguro dos seus actos”, do “homem razoável e prudente”, em definitivo do “bom pai de família” (“sem que isso impeça a atenção às circunstâncias de cada caso enjuizado, que em muito casos incidem poderosamente na valoração da conduta”). [[20]]   

Na avaliação de um comportamento violador de regras ou comandos legais deverá ter-se como padrão aferidor um nível de diligência, prudência ou cautela que um indivíduo razoável, ponderado e prevenido colocado numa situação similar assumiria. [[21]]

Para além da culpa, torna-se necessário que o facto possa/deva ser imputável ao agente e que possa/deva ser estabelecido um nexo causal, ou a relação de causalidade (adequada), entre o facto e o dano ocorrido. A relação de causalidade constitui-se, assim, como o elo de ligação entre o acto lesivo do agente e o dano ou prejuízo sofrido pela vítima. O conceito de nexo causal, ou relação de causalidade decorre de leis naturais. Apura-se pela conexão objectiva e subjectiva que é possível estabelecer entre a conduta do agente e o dano.
O nexo de causalidade é um pressuposto da responsabilidade civil que consiste na interacção causa/efeito, de ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele, a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a lesão (art. 563º do Código Civil).
De acordo com o preceituado no art. 563º do Código Civil a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, com que se consagra a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, proposta por Ennecerus-Lehman, segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que ela seja de todo indiferente para a produção do mesmo, e só se tenha tornado condição dele em virtude de outras circunstâncias, sendo pois inadequada à sua produção.
À luz desta teoria, não serão ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto causador do resultado danoso, mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado, ou seja, aqueles cuja ocorrência com ele esteja numa relação de adequação causal.
Por outras palavras, dir-se-á que o juízo de adequação causal tem que assentar numa relação intrínseca entre o facto e o dano, de modo que este decorra como consequência normal e típica daquele, ou seja, que corresponda a uma decorrência adequada do mesmo.
Preceitua o art. 563.º do Código Civil que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
A formulação normativa prefigura algum grau de equivocidade, na medida em que parece fazer ressaltar, uma assumpção da teoria da equivalência das condições, ou teoria da conditio sine qua non, segundo a qual seriam indemnizáveis todos os prejuízos que não se teriam verificado se não fosse o acto ilícito – a indemnização existiria em relação a todos os danos causalmente provocados pelo facto gerador da obrigação de indemnizar –, ainda que inculcando a ideia, ou impressivamente se conduza no sentido, de que só serão indemnizáveis aqueles danos que, numa relação de probabilidade entre o facto ilícito e o resultado danoso, não teriam ocorrido se o facto lesivo não tivesse ocorrido. A interpretação histórica, v. g. os trabalhos preparatórios do Código Civil, inculcam, ou asseveram a convicção lógico-racional, de o legislador quis e adoptou a teoria da causalidade adequada. [[22]]
Neste eito interpretativo e teleológico, tanto a doutrina, como a jurisprudência, tem vindo entender que este art. 563.º pretendeu consagrar a teoria da causalidade adequada. [[23]]
Com este perfil teleológico e lógico-dedutivo, um condicionalismo abstracto, desarreigado e despegado da realidade e substrato material actuante, não poderá tornar-se ou devir causa de um resultado danoso, quando, «segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano». [[24]]
À luz desta assumpção da teoria do facto ou acção causante, o nexo de causalidade entre o facto e o dano pode assumir uma feição indirecta, isto é, tornar possível a subsistência de um nexo de causalidade quando o facto ilícito não produz ele mesmo o dano, mas é causa adequada de outro facto que o produz, na medida em que este facto posterior tiver sido especialmente favorecido por aquele primeiro facto ou seja provável segundo o curso normal dos acontecimentos. [[25]]

A verificação da existência de nexo de causalidade é matéria que escapa à sindicância deste Supremo Tribunal de Justiça, [[26]/[27]] se perspectivada na sua feição naturalística. [[28]/[29]] Na verdade, se abordada no plano meramente naturalístico, o nexo de causalidade inclui matéria de direito probatório cuja sindicância escapa a este Supremo Tribunal, na afirmação do que vem disposto nos artigos 774.º e 682.º, n.º 2, ambos do Código Processo Civil. A ausência de prova quanto a este pressuposto e não a indagação de se “(…) o facto concreto apurado seja, em abstracto e em geral, apropriado para provar o dano”, como se  escreveu no douto acórdão de 01-07-2003, não cabe dentro dos poderes de reapreciação deste Supremo Tribunal, pelo ao repristiná-lo neste sede importa o seu desmerecimento.   

Numa inovadora e aliciante perspectiva da categoria jurídica do nexo de causalidade – crismado de nexo de imputação ou nexo de ilicitude – Ana Mafalda Castanheira Neves, refere que o lesado tem de provar “a existência de uma tessitura que, uma vez desenhada, justifique a assimilação do seu âmbito de relevância pelo âmbito de relevância do sistema. Isto é, tem de provar a edificação de uma esfera de risco e a existência de um evento lesivo. O juízo acerca da pertença deste aquela esfera traduzir-se-á numa dimensão normativa da realização judicativo-decisória do direito que convocará o sentido último da pessoalidade e um ideia de risco lido à luz daquela. Pelo que, em última instância, ficamos libertos das dificuldades que tradicionalmente agrilhoam o decidente e o levam a procurar soluções que vão desde as presunções de causalidade, o alívio do ónus da prova dos caos de dolo e situações especialmente perigosas, as presunções prima facie, a regra id quo plerumque accidit, a regra res ipsa loquitur, o alívio das exigências em termos de probabilidades, o recurso a categorias como a perda de chance.” [[30]]           

Seja numa perspectiva de assimilação/assumpção do nexo de causalidade como imputação objectiva [[31]], defendida pela autora citada, seja numa perspectiva de nexo de causalidade assumida como dimensão normativa-positival, de causalidade adequada, [[32]/[33]] o estabelecimento do nexo de causalidade fundamentadora da responsabilidade, por banda do responsável de uma conduta que, por ser ético-axiologicamente censurável e reprovável, radica na imputação, objectiva e subjectiva, da acção viária do sujeito obrigado ao pagamento de uma indemnização. Vale dizer, que, neste caso, o nexo que tem de ser averiguado, determinado e estabelecido é entre uma conduta que está legalmente vedada ao sujeito que assume a responsabilidade de conduzir um veículo na via pública e a concreta produção de um evento lesivo, que não fora a desatenção e o sentido violador das normas de cuidado, prudência e sentido de diligência, não teria acaecido. [[34]]

Numa perspectiva jurídico-processual, como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Fevereiro de 2009, relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino, “(…) tem sido entendido pela jurisprudência que o estabelecimento do nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o dano consubstancia matéria de facto da competência das instâncias e, portanto, insindicável pelo STJ. Como se decidiu em recente acórdão deste Tribunal, “o nexo de causalidade apenas pode ser apreciado pelo Supremo na sua vertente jurídica – a questão da adequação, ou normalidade, desse nexo –”, logo se acrescentando que “o nexo material de causalidade, como questão respeitante aos factos que ainda é, escapa à sindicância do STJ. Por isso, afirmando as instâncias a falta de prova do nexo material, nada poderá este STJ fazer para modificar tal asserção” - Ac. de 15.11.2007, desta 2.ª Secção, no Proc. 07B2998, disponível em www.dgsi.pt. Cfr. ainda os Acs. de 23.01.2007, no Proc. 06A4417, também disponível em www.dgsi.pt, e de 20.06.2000, na revista n.º 1703/00, da 6ª Secção.

(…) Na verdade, não estando provado, numa perspectiva naturalística ou fáctica, o nexo de causalidade, não há sequer suporte factual para avançar para a apreciação no plano jurídico, isto é, para a apreciação da adequação causal (entre o facto e o dano). Dizendo de outro modo: não estando provada, no plano fáctico, a existência do nexo de causalidade, não pode obviamente afirmar-se, no plano jurídico, que o facto é causa adequada do dano.
“Em sentido amplo, é a causalidade que justifica a responsabilidade de outrem por um dano ocorrido na esfera jurídica de alguém.” [[35]]    

Não basta que ocorra um dano, é preciso que esta lesão passe a existir a partir do acto ou acção de um agente que tenha tido a intenção de lesar um direito ou interesse, pessoal ou real/patrimonial de outrem, para que surja o dever de reparação. É imprescindível o estabelecimento da entre o acto omissivo ou comissivo do agente e o dano de tal forma que o acto do agente seja considerado como causa do dano.

Para que alguém fique constituído na obrigação de indemnizar é, pois, mister que tenha preenchido o condicionalismo, objectivo e subjectivo, que se deixou apontado.

A jurisprudência dominante vai no sentido de que a imputação de um facto a um agente deve conter-se num plano de objectividade e, em nosso juízo, é a que deve ser assumida e acatada, por ser a que melhor se adequa, em nosso juízo, à doutrina da imputação (objectiva) [[36]/[37]] de uma conduta a um agente. [[38]]

Para os casos em que a causa de um evento danoso se apresente como único, “o problema causal consistirá, fundamentalmente, em dilucidar se a conduta ou actividade do sujeito, eventualmente, responsável teve a suficiente entidade (idoneidade) para que o resultado danoso tivesse sido provocado, assim como decidir se todos os danos que foram consequência desse facto poderiam ser-lhe imputados. (…) Quer dizer, se de um determinado facto causal se seguem consequências lesivas, que por circunstâncias extraordinárias alcançam uma intensidade desproporcionada em relação com as que normalmente derivariam de factos idênticos ou análogos.” [[39]

Para aferição do direito à indemnização pelos danos não patrimoniais convocar-se-á o que vem estatuído no artigo 496º do Código Civil, onde se preceitua que: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

(…) 4. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.”

Constitui jurisprudência firme e doutrina inconcussa [[40]] que apenas são passiveis de ressarcimento ou compensação os aleijões morais ou espirituais-sentimentais que pela sua relevância, pertinência e repercussão na vida do lesado se tornem, espelhem e projectem num estado de ânimo depreciativo de um viver salutar e conforme a um padrão de vida ausente de compressão e angústia intelectual.        
(“Os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc..
A avaliação da sua gravidade tem de aferir-se segundo um padrão objectivo, e não á luz de factores subjectivos (A. VARELA, “Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 628), sendo, nessa linha, orientação consolidada na jurisprudência, “com algum apoio na lei”, que as simples contrariedades ou incómodos apresentam “um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do n.º 1 do art. 496º” (ac. STJ, 11/5/98, Proc. 98A1262 ITIJ).
Assim sendo, o passo seguinte consistirá em proceder á valoração dos factos provados, como consequências da conduta do lesante, servindo como linha de fronteira a separação entre aquelas que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios e as que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para reclamar compensação.
Depois, como se tem entendido, dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação” – ac. de 5/6/79, CJ IV-3-892.” [[41]]
O dano não patrimonial reporta-se à depreciação e abatimento das condições psicológicas e subjectivas da pessoa humana, por virtude de factores externos susceptíveis de afectar um estado subjectivo liberto de constrangimentos, preocupações e alterações das condições de vida que normalmente o afectado conduz. Representa, assim, uma ofensa objectiva de bens que repercutem uma mazela no conspecto subjectivo da pessoa afectada, traduzindo-se em estados de sofrimentos, de natureza espiritual e/ou física. Esta incidência negativa e malsã na vivência e estabilidade psíquica e/ou física do ser humano, não sendo mensurável no plano patrimonial, deve, na medida em que afecta a personalidade do individuo, na sua dimensão espiritual e/ou física, ser passível de indemnização pecuniária. Não para reparar uma dano quantificável, mas compensar ou satisfazer em bens materiais males infligidos pela acção imputável ao lesante. Esta satisfação, não possui, pois, a dimensão de uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, ou seja, um montante que deva ser quantificado, por equivalente aquele que haja sido o prejuízo (quantificado) pelo lesado. Vale por dizer, pelo equivalente a um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão. Pretende-se, outrossim, como já se deixou dito supra, atribuir ao lesado uma compensação pelas alterações da estabilidade emocional, psicológica e espiritual do lesado.

Constitui jurisprudência firme e doutrina inconcussa [[42]] que apenas são passiveis de ressarcimento ou compensação os aleijões morais ou espirituais-sentimentais que pela sua relevância, pertinência e repercussão na vida do lesado se tornem, espelhem e projectem num estado de ânimo depreciativo de um viver salutar e conforme a um padrão de vida ausente de compressão e angústia intelectual.        

Como escreveu Vaz Serra, “a satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação do dano, que não é susceptível de equivalente.

É, assim, razoável, que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselhe sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante” [[43]].

Debuxados os pressupostos da obrigação de indemnizar decorrente de responsabilidade por factos ilícitos, estamos em condições de apurar se, em face da factualidade adquirida para o processo – e só essa deve ser tomada em consideração em face da decisão que mandou admitir o recurso – é possível descortinar uma responsabilidade de algum dos arguidos que o compila na obrigação de indemnizar a assistente/demandante. 

A matéria de facto adquirida – e na análise a que se procede não poderá deixar de se ter em consideração a factualidade que tendo sido alegada, em amparo da existência de uma responsabilidade, tanto de natureza criminal como civil, não logrou a obtenção de dado de facto provado pelas instâncias (cfr. artigo 342º, nº 1 do Código Civil, relativo ao ónus da prova) – não consente um juízo de reprovabilidade e censurabilidade na conduta dos arguidos.

Para que se pudesse imputar a responsabilidade de qualquer dos arguidos/demandados pelo pagamento de um quantitativo indemnizatório à assistente/demandada impunha-se a verificação de um estado de culpabilidade – penal e/ou civil – pela situação denunciada e que originou o julgamento dos imputados.

Os arguidos não só viram a sua culpa penal exinanida como os actos que lhes eram imputados e que poderiam fazer emergir uma culpa cível não forma dados como provados pelas instâncias. Na verdade, não resulta provado que a actividade desenvolvida pelos arguidos tivesse desencadeado um prejuízo (causal) na esfera patrimonial da assistente/demandante – cfr. alíneas bb) a ii) da factualidade não provada.

À demandante estava consignado o ónus de provar que a actividade contrária à lei (antijurídica) e ilícita imputada aos arguidos/demandados lhe tinha ocasionado um dano. Só comprovando a antijuridicidade, ilicitude e natureza culposa da conduta a demandante lograria ver preenchidos os pressupostos basilares da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade civil com base em factos ilícitos.

Afastada a indemnização com base neste tipo de responsabilidade – por factos ilícitos – ainda restaria a possibilidade de a obrigação de indemnização poder vir a ser assacada com base na responsabilidade objectiva, ou pelo risco – cfr. artigos 499º e seguintes do Código Civil.

A responsabilidade pelo risco pressupõe, ou embasa, na existência de uma actividade social e ou industrial que alguém explora em proveito pessoal e que pela sua potencial capacidade geradora de um acréscimo de risco para a pessoa que com ela tem de se relacionar, pelo seu trabalho, ou, em geral para seu benefício, deve suportar os custos (sobressalientes) que dela decorrem. “Neste sentido, a obrigação de indemnização recai sobre quem, de uma maneira geral, controla e beneficia dessa fonte de riscos e já não sobre aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios. Contrariamente à responsabilidade por factos ilícitos, a responsabilidade fundada no risco não pressupõe uma atuação dolosa ou negligente do agente; pressupõe unicamente que alguém beneficie de certa coisa ou atividade que resulte numa fonte potencial de prejuízos para terceiros.

Desta feita, a obrigação de indemnização assenta numa ideia de reconstituição de um equilíbrio de interesses que foi perturbado, compensando o sujeito do interesse sacrificado em proveito de terceiro ou da colectividade.” [[44]]
A actividade de que a assistente/demandante faz derivar a responsabilidade de indemnização dos demandados não representa uma fonte de risco (acrescido) que deva ser socialmente assumido pelo beneficiário da actividade desenvolvida. Eventualmente poderá ocorrer uma responsabilidade contratual – aferida segundo os padrões e os pressupostos da responsabilidade civil (art. 799º, nº 2 do Código Civil) – por incumprimento de acordos ou pactos de realização ou prestação recíprocas, mas que não entram no tipo de responsabilidade que foi imputada aos arguidos/demandados.

Porque não se verificam os pressupostos de que a demandante poderia impetrar o pagamento de quaisquer quantias aos demandados, soçobra o pedido de indemnização com base neste tipo de responsabilidade, tanto com base em factos ilícitos como com base na responsabilidade objectiva.   

III. – DECISÃO.

Na defluência do que ficou argumentado, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ªa secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

a) - Declarar a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia – artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código Processo Penal;

b) - Suprir a nulidade declarada, e consequentemente negar provimento ao recurso interposto pela demandante cível da absolvição, do pedido cível, decretada pela decisão de primeira (1ª) instância;

c) – Condenar a recorrente nas custas do recurso.

 Lisboa, 5 de de Junho de 2019                                                              

                                                                                     (Gabriel Gabriel Martim Catarino)

                                                                                                                                                           (Mário Belo Mário Belo Morgado)

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[1] Para uma completa diacronia do movimento processual operado após a prolação do acórdão recorrido, transcreve a sinopse elaborada pelo Senhor Relator e constante de fls. 2680 a 2684.
Compulsados os autos, podemos verificar que, desde que foi proferido acórdão neste Tribunal, acórdão que conheceu do recurso interposto pela assistente, veio a registar-se, por iniciativa da assistente, um profuso processamento de oposição ao decidido que se impõe apreciar detalhadamente.
Assim, em 29 de Abril de 2015 foi proferido acórdão que julgou improcedente o recurso interposto pela assistente.
No dia 19 de Maio de 2015, veio a assistente apresentar requerimento onde pedia a sua aclaração e igualmente arguia nulidades desse mesmo acórdão.
Foi, então proferido acórdão que conheceu o teor do requerido, tendo sido decidido que não se verificavam as nulidades apontadas pela assistente, mantendo-se assim na íntegra o acórdão proferido em 29 de Abril de 2015.
Em 11 de Julho de 2016, deu entrada requerimento, onde o Ilustre Advogado da assistente, Dr. Carlos Duarte informava que havia apresentado pedido de escusa junto da Ordem dos Advogados.
Em 28 de Julho de 2016 foi remetido aos autos informação da Ordem do Advogados, contendo as razões do pedido de escusa - insistência da assistente em recorrer e desacordo do Ilustre Advogado - tendo tal pedido sido indeferido, pelo que se manteria em funções o Sr. Dr. Carlos Duarte.
Aberta conclusão no dia 1 de Setembro de 2016, foi proferido despacho a ordenar a remessa dos autos à primeira instância após transito em julgado.
No dia 2 de Setembro de 2016, deu entrada nos autos requerimento subscrito pela assistente a conferir poderes ao Ilustre Advogado Dr. Pedro Vaz Tomé
Em 9 de Setembro de 2016, foi proferido despacho a aceitar a procuração forense e a ordenar a remessa dos autos à primeira instância, o que se deveu a lapso, pois o prazo do trânsito do acórdão proferido em 22 de Junho de 2016, apenas foi notificado ao Ilustre Advogado em 27 de Junho de 2016, ainda não decorrera.
Em 14 de Setembro de 2016 deu entrada requerimento de interposição de recurso para o Venerando Tribunal Constitucional.
Em 16 de Setembro de 2016 deu entrada requerimento a reclamar da resposta à aclaração e à arguição de nulidades para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça.
Em 7 de Outubro de 2016 deu entrada requerimento a interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso esse, quer do acórdão proferido por este Tribunal em 29 de Abril de 2015, quer do acórdão de 22 de Junho de 2016.
 Em 20 de Outubro de 2016 foi proferido despacho que decidiu:
 a) Indeferir a reclamação apresentada pela assistente em 16 de Setembro de 2016 para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça;
b) Não admitir o recurso interposto para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça;
c) Admitir o recurso interposto para o Venerando Tribunal Constitucional.
Em 14 de Novembro de 2016, foram apensados a estes autos os autos de reclamação -artigo 405º do CPP - em que é reclamante a assistente, referente ao indeferimento do recurso para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, acima referido na alínea b), e que mereceram o nº 8741/08.8TDPRT.P1-A, e que à data em que se profere este despacho ainda não se encontram juntos aos autos.
Em 2 de Dezembro de 2016 deu entrada requerimento onde a assistente pretendia recorrer para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça da decisão de indeferimento da reclamação apresentada em 16 de Setembro de 2016 e que foi apreciada pelo despacho do dia 20 de Outubro.
No dia 21 de Dezembro de 2016 foi proferido despacho nos autos a não admitir tal recurso.
Em 22 de Fevereiro de 2017 foi proferido despacho nos autos a mandar os mesmos aguardar a decisão do Supremo Tribunal de Justiça quanto à não admissão do recurso interposto pela assistente em 7 de Outubro de 2016 e pendentes nos autos 8741/08. STDPRT.P1-A.
Em 6 de Junho de 2017 foram desapensados destes autos os autos de reclamação - artigo 405º do CPP - e que merecerem o número 8741/08.8TDPRT.P1-B remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça e referentes à não admissão do recurso interposto em 2 de Dezembro de 2016.
Em 8 de Junho de 2017 deu entrada de requerimento da assistente onde esta pretende recorrer para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça dos despachos que identificou como sendo os proferidos a 26 de Abril de 2017 e de 22 de Fevereiro de 2017.
Em 21 de Junho de 2017 foi proferido despacho onde se convidou a assistente a esclarecer o pretendido pois o despacho a que alude tendo sido proferido em 26 de Abril de 2017 não o foi nestes autos, e o despacho a que alude de 22 de Fevereiro de 2017 limitou-se a mandar aguardar os autos pela decisão do Supremo Tribunal de Justiça, sendo inadmissível recurso relativamente a um despacho de expediente.
Em 7 de Julho de Julho de 2017 foi recebido nestes autos, expediente proveniente da lã Instância onde a assistente se dirigiu, arguido a incompetência do Tribunal de 1§ instância, alegando para tanto o que consta do requerimento de fls. 2566 e seguintes dos autos, (original a fls. 2600).
Em 4 de Setembro de 2017 veio a assistente, em resposta ao convite efectuado em 21 de Junho de 2017 esclarecer que o recurso apenas incide sob o despacho proferido em 26 de Abril de 2017 no apenso de reclamação nº 8741/08.8TDPRT.P1-B.
Em 5 de Setembro de 2017 veio a assistente reclamar para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça do indeferimento do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que consta do despacho de 21 de Junho de 2017.
Em 26 de Outubro de 2017 foram apensados a este os autos de reclamação nº 8741/08.8TDPRT.P1-B, onde foi decidido pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça não conhecer da mesma.”
[2] Transcreve-se o tramo da síntese conclusiva concernente à impugnação da decisão relativa ao pedido cível.
[3] Cfr. para maiores desenvolvimentos, de la  Oliva Santos, Andrés e Diez-Picazo Giménez, Ignacio, in “Derecho Procesal Civil - El proceso de declaración”, Editorial Universitária Ramón Areces, 3.ª edición. 2008, págs. 445-466
[4] Cfr. Alberto dos Reis, in “Código Processo Civil Anotado”, Vol. V, págs. 52-58 e 142-143; Jacinto, Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código Processo Civil”, Vol. III, Lisboa, 1972, pág. 247 e 228.
[5] Jacinto, Rodrigues Bastos, in op. loc. cit., pág. 228.

[6] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Novembro de 2016, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes, de cujo sumário se extracta os seguintes itens. “A omissão de pronúncia constitui um vício da decisão que se consubstancia na violação por parte do tribunal ou do decisor dos seus poderes/deveres de cognição, verificando-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão que a lei impõe o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso, e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar, havendo que excepcionar as questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra ou outras. VI - A existência de vício da decisão incide sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expedidos pela parte em defesa da sua pretensão. Apenas a total falta de pronúncia sobre as questões levantadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia e, mesmo assim, desde que a decisão de tais questões não esteja prejudicada pela solução dada a outra ou outras.”
[7] No sentido que se advoga vejam-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/01/05, 5/05/05, e 31/05/05, respectivamente, Proc. 04B4251, 05B839 e 05B1730, e disponíveis in www.dgsi.pt . Ainda em recente Acórdão desta secção em que o aqui relator interveio como 2.º adjunto se escreveu a propósito da difusa percepção em que estas duas realidades conceptuais, se assim se podem qualificar, “[E]sta nulidade é uma constante nos recursos, originada na confusão que se estabelece entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. São, na verdade, coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que deva conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento, ou razão produzida pela parte.
Com efeito, quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão pois a expressão “questões” referida nos arts 660º, nº 2 e 668º, nº 1, al. d), do CPC não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes.
Sendo o espaço de censura da recorrente o acima mencionado, o problema que ela aqui coloca nada tem que ver com uma pretensa omissão de pronúncia, geradora de nulidade da sentença nos termos do artigo 668.º, n.º 1, do CPC acima caracterizada.” - Acórdão deste Supremo de 21-06-2011, relatado pelo Conselheiro Gregório de Jesus. 
[8] Oliveira Mendes, em anotação do Código de Processo Penal Comentado, Almedina 2016, 2.ª edição, págs. 1132-3.
[9] Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4ª edição, pág. 424. 
[10] Cfr. Abrantes Geraldes, op. loc. cit., pág. 425. “Neste sentido cfr. a fundamentação do AcUJ nº 11/15, de 2-07-2015, onde se refere, embora sem efeitos uniformizadores, que, face ao estatuído na parte final do art. 679º do CPC, não é aplicável no recurso de revista a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista, para a apelação, no art. 665º, não podendo, deste modo, o STJ apreciar, por as terem por prejudicadas pela solução dada ao litigio, Cfr. também Acs. do STJ de 14-7-16; de 2-6-16; de 2-5-15, de 10-4-14; de 2-10-14; de 17-6-14; e de 13-5-14 (www.dgs.pt) – nota 598.  
Para consulta do afirmado pelo Professor Teixeira de Sousa, blogippc.blogspot.pt, em nota intitulada “Recurso de revista : cassação ou substituição”. (nota 599)      

[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 2016, in www.dgsi.pt
[12] “La sanción jurídica de la conduta lesiva responde a una elemental exigência ética y constituye una verdadera constante histórica: el autor del daño responde de él, esto es, se halla sujeto a responsabilidad. Este vocábulo sugiere, incluso antes de cualquier reflexión jurídica, la idea de que la persona está sometida a la necesidad de soportar las consequências de sus actos. Y la expressión más cabal de esa «necesidad» es la obligación de indemnizar o reparar los perjuicios causados a la vitima.” – Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo 1, Bosch, 2ª edición, 2008, 14.      
[13] Cfr. Pessoa Jorge, Fernando, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil, Almedina, 1995, pág. 53 a 57. Para este autor os pressupostos da responsabilidade civil reduzem-se a dois: acto ilícito e prejuízo reparável. 
[14] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 495.
[15] “Estos pressupuestos son: em primer lugar, una conduta, bien sea positiva (acción), bien sea de inactividad (omissión). En segundo término, esa conduta, según el criterio de imputación de responsabilidad del Código Civil (distinto es el de alguno de los «regímenes especiales», debe ser subjetivamente atribuible o reprochabale al agente, esto es, ha de ser una actuación caracterizada por la culpabilidad. En tercer lugar, el comportamiento en cuestión tiene que revestir caracteres de antijuridicidad o ilicitud o, dicho de otro modo, injusticia. Además ha de existir un resultado lesivo, esto es, un daño debe mediar una relación de causalidad bastante para que ese daño pueda ser atribuible al autor de la conduta sobre cuya responsabilidad se trata.” - Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo 1, Bosch, 2ª edición, 2008, 219-220.        
[16] Sinde Monteiro, Jorge, in “Responsabilidade Civil”, Revista de Direito e Economia, Ano IV, n.º 2, Julho/Dezembro, 1978, doutrina que “[estamos] em presença de responsabilidade civil por factos ilícitos quando a ordem jurídica coloca como pressuposto da obrigação de reparar um dano causado a outrem a exigência da verificação de um facto ilícito e a possibilidade de afirmação de um nexo de imputação subjectivo do facto ao agente, i. é, que tenha procedido com culpa. Fundamento da responsabilidade é aqui a culpa, ou, se preferirmos, o juízo de reprovação que a conduta do agente suscita, verificando-se uma aproximação entre os juízos de censura moral e do direito”. - pág. 317.      
[17] Para o autor citado na nota anterior, a responsabilidade por factos lícitos, ocorre “[nas]hipóteses em que a lei, atendendo ao interesse preponderante de um particular ou da colectividade, permite uma intervenção na esfera jurídica alheia em detrimento de um direito que em principio goza de uma protecção absoluta (impondo correspondentemente ao titular deste um dever de tolerar essa intervenção negando-lhe o direito de defesa que de outro modo lhe é concedido) estabelecendo, todavia, a cargo do titular do direito ou do interesse supra-ordenado a obrigação de reparar os danos sofridos pelo «sacrificado» (exemplo: art. 339.º).”       
[18] Para um esclarecedor e detalhado desenvolvimento sobre os aspectos jurídico-ontológicos que a culpa pode assumir no conspecto da responsabilidade civil: – colpa civile e colpa penale; la colpa per violazione di norme giuridiche; la colpa per violazione di norme di comune prudenza; la diligenza come parametro di determinazione della condotta dovuta e come criterio di responsabiltà.I contenuti della diligenza; la prevedibilità; la colpa comissiva e colpa omissiva; la colpa lieve e la colpa grave – veja-se Laura Mancini, “Responsabilità Civile. La Colpa nella Responsabilità Civile”, Giuffrè Editore, 2015, ps. 25 a 55.  
[19] “Para determinar se a acção ou omissão não dolosa, mas realizada com infracção de um dever objectivo de cuidado, que possa ser reprovado ao sujeito, a título de culpa ou negligência, como exige o artigo 1.902, o decisivo não é a previsão objectiva do juiz, mas sim, unicamente, o juízo prévio de que o agente, no uso das suas faculdades, se tivesse podido formar à vista das circunstâncias que configuravam concretamente o caso, de ter observado o cuidado pessoalmente possível para ele …” – Cfr. Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, in Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo I, Bosch, 2008, Barcelona, p. 222.        
[20] Cfr. Ignacio de la Cuesta, op. loc. cit., p. 223. 
[21] “(…) de manera que el canon de diligencia debe venir representado por la que guarda el hombre médio, sin deber ser exgible una diligencia extraordinária. En el âmbito de la actividad empresarial o profissional esto se traduciria en la aplicación de un principio de rpoporcionalidad, según el qual el deber de diligencia tiene su limite allí doonde exista uuna desproporción apreciable entre el coste de adopción de determinadas medidas de prevención y probabilidad de que se produzca un daño de alcance relevante. Sin embargo, lo cierto es que en este âmbito, la jurisprudencia  sólo reconoce el canon clásico de la «diligencia exactíssima». - cfr. Reglero Campos, Fernando, “Tratado de Responsabilidad Civil, Aranzadi, Thomson, 2002,
[22] Cfr. Vaz Serra, em Boletim do Ministério da Justiça n.º 84, página 284, e n.º 100, página 127.
[23] Cfr. – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, páginas 870-871; Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3.ª edição, página 369; Rui Alarcão, Direito das Obrigações, 1983, página 281; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.ª edição, páginas 521-522; e Jorge Ribeiro Faria, Direito das Obrigações, volume I, página 505.
[24] Cfr. – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, páginas 861, nota 2.
[25] cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de28-11-94, proferido no recurso n.º 87187, publicado na Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, tomo III, página 74, e no Boletim do Ministério da Justiça n.º 450, página 403.
A doutrina nacional também se tem pronunciado neste sentido, como pode ver-se em – Vaz Serra, em Boletim do Ministério da Justiça n.º 84, página 41; – Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, páginas 352, 353 e 357; – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 503; – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, página 868; – Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.ª edição, página 520; – Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, 1983, página 286; e Jorge Ribeiro Faria, Direito das Obrigações, volume I, página 507.

[26] cfr. a este propósito o douto acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11-01-2011, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, em que se escreveu: “O juízo de causalidade numa perspectiva meramente naturalística de apuramento da relação causa-efeito, insere-se no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 729.º, n.º 1 e 722.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. 10) Assente esse nexo naturalístico, pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade, que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil. 11) O artigo 563.º do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. 12) De acordo com essa doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis.
[27] Cf. a este propósito o aresto deste Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Janeiro de 2016, relatado ela Conselheira Maria da Graça Trigo, em que se escreveu: “O juízo de causalidade é tanto um juízo de facto como de direito. Não cabe a este Supremo Tribunal sindicar o juízo de facto feito pela Relação, mas apenas pronunciar-se acerca do respeito pelo critério normativo da causalidade (cfr., a respeito da responsabilidade por actos médicos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 2013, proc. 6297/06.5TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt; em geral, ver, por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2010, proc. nº 2164/06.OTVPRT.P1, de 6 de Maio de 2010, proc. nº 11/2002.P1.S1, e de 15 de Novembro de 2007, proc. nº 07B2998, todos em www.dgsi.pt).
(…) Reafirme-se que o juízo positivo de relação causal no plano fáctico não pode ser reapreciado pelo Supremo. Dá-se como assente que, durante a cirurgia, foi causada a lesão na medula da A., ainda que não esteja dado como provado qual foi a conduta concreta que a causou e, portanto, quem foi o autor da mesma lesão. Mas, por definição, sabe-se que foi um ou mais dos agentes que intervieram na cirurgia.
No plano do juízo normativo de causalidade, que compete a este Supremo Tribunal, há que ter em conta que os RR. alegam não ter sido feita prova do nexo causal entre a cirurgia e os danos sofridos pela A., designadamente por não bastar, para o efeito, utilizar o critério da causalidade adequada na sua formulação negativa.
Recorrendo-se à teoria da causalidade adequada, aceite pela jurisprudência deste Tribunal (cfr., por exemplo, os acórdãos de 25 de Novembro de 2010, proc. nº 896/06.2TBPVR.P1.S1, de 15 de Novembro de 2007, cit., e de 1 de Julho de 2010, cit., todos em www.dgsi.pt) na interpretação do art. 563º do CC, “É necessário, portanto, não só que o facto tenha sido, em concreto, condição ‘sina qua non’ do dano, mas também que constitua, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção” (Almeida Costa. Direito das Obrigações. 2009, pág. 763).
[28] Cfr. a este propósito o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 01-07-2003, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos. “(…)“Nexo de causalidade: A teoria da causalidade adequada, recebida no art. 563.º do C.C., comporta dois momentos. Num primeiro momento, um nexo naturalístico, consistente na existência de um facto condicionante de um dano, para que haja reparação desse dano sofrido. Ultrapassado aquele primeiro momento, pela positiva, impõe-se um segundo momento, um nexo de adequação, isto é, que o facto concreto apurado seja, em abstracto e em geral, apropriado para provar o dano. Enquanto o nexo naturalístico constitui matéria de facto, cujo apuramento incumbe às instâncias, já o nexo de adequação envolve matéria de direito, de que é lícito ao Supremo conhecer.”
[29] No mesmo sentido da jurisprudência portuguesa segue a jurisprudência do mais alto Tribunal espanhol, como o atesta a sentença do Tribunal Supremo, de 24 de Maio de 2004, citada por Fernando Reglero Campos, pág 727-728, onde se faz a destrinça entre o aspecto puramente fáctico e a dimensão jurídica que engolfa a questão do nexo de causalidade. Refere esta sentença que: “o juízo de causalidade “jurídica” se visualiza em duas sequências, a primeira das quais faz referência à causalidade material ou física, que se apresenta no processo como um problema eminentemente fáctico, e, por ende, como thema probandi, alheia aos preceitos substantivos como os artigos 1902 y 1903 do CC que servem de fundamento de cassação “casacional” motivado, pelo que somente mediante denúncia de erro na valoração probatória na forma adequada cabe uma verificação deste recurso. A segunda sequência – esta sim controlável em sede de cassação – faz referência ao juízo sobre a adequação ou eficiência da causa física ou material para gerar o nexo com o resultado danoso, cuja indemnização se pretende na demanda.” Para mais desenvolvimentos sobre as diversas teorias que informam esta problemática veja-se o Autor citado, na obra que vimos citando, a páginas           
[30] Cfr. Miranda Barbosa, Ana Mafalda, in “Responsabilidade Civil Extracontratual – Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade” Princípia Editora, Cascais, 2014, pgs. 196.
[31] Cfr. Miranda Barbosa, Ana Mafalda, in op. loc. cit., pgs. 33 e sgs.
[32] Constitui jurisprudência e doutrina assente que a lei – cfr. artigo 563.º do Código Civil – consagrou a teoria da causalidade adequada, segundo a qual, “para que um dano possa ser imputado, causalmente ao agente, o único que se exige é que o nexo causal não haja sido interrompido pela interferência de outra serie causal alheia à anterior.” – cfr. Fernando Reglero Campos, in op. loc. cit. pág. 733. 
[33] Na formulação de Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, in “Tratado de Responsabilidad Civil”, Tomo I, Bosch, Barcelona, 2008, pag. 415, “(…) nem todos os acontecimentos que precedem um dano (sendo, por assim dizer, as causas da sua produção) têm a mesma relevância. O dano tem de se associar aquele antecedente que, segundo o curso normal dos acontecimentos, tenha sido a sua causa directa e imediata. Todos os demais são periféricos e, portanto, irrelevantes para efeitos de atribuição da responsabilidade. Por isso, uma pessoa responde pelo dano produzido só no caso de que a sua conduta culposa tenha tido esse carácter de causa adequada ou causa normalmente geradora do resultado.” Segundo este tratadista ocorre uma tendência doutrinal de matizar esta doutrina, privilegiando uma imputação subjectiva ou uma imputação objectiva. De acordo com esta última doutrina, constituem-se critérios excludentes da imputação objectiva: 1.º - o risco geral da vida; 2.º - a proibição de regresso (segundo o qual não deve imputar-se objectivamente a quem pôs em marcha um curso normal que conduz a um resultado danoso, quando neste intervém, supervenientemente, a conduta dolosa ou gravemente imprudente de um terceiro; 3.º - o critério da provocação; 4.º - o fim da protecção da norma (não podem ser objectivamente imputados à conduta do autor aqueles resultados danosos que caiam fora do âmbito da finalidade da protecção da norma sobre a qual pretenda fundamentar-se a responsabilidade do demandado; 5.º - o critério denominado do incremento do risco ou da conduta alternativa (não pode imputar-se uma determinada conduta um concreto evento danoso, se, suprimida idealmente aquela conduta, o evento danoso na sua configuração totalmente concreta se tivesse produzido também, com segurança ou probabilidade razoável em certeza, e se a conduta não incrementou o risco de que se haja produzido o evento danoso); 6.º - as supostas competências da vitima (se na configuração concreta de um contacto social, o controle da situação corresponde à vitima, é a ela a quem devam imputar-se as consequências lesivas e não ao comportamento do autor imediato).          
[34] “Assim, no nexo de causalidade entre o facto e o dano, a ligação é feita, em último termo, mediante um nexo de adequação do resultado danoso à conduta, nexo de que este Supremo pode conhecer, por ser questão de direito. (Ac. S.T.J. de 11-5-2000, Bol. 497-350; Ac. S.T.J. de 30-11-2000, Col. Ac. S.T.J., VIII, 3º, 150; Ac. S.T.J. de 21-6-2001, Col. Ac. S.T.J., IX, 2º, 127; Ac. S.T.J. de 15-1-2002, Col. Ac. S.T.J., X, 1º, 36)” – Cfr. Ac. do STJ de 01-07-2003, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos.
Escreveu-se, a propósito da formulação negativa da teoria da causalidade adequada, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 15-03-2012, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, que: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado, provavelmente, não teria sofrido se não fosse a lesão, de acordo com a doutrina da causalidade adequada, na sua vertente negativa, consagrada pelo artigo 563º, do CC, segundo a qual um facto é causal de um dano quando é um de entre as várias condições sem as quais aquele se não teria produzido.
É que nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito estão incluídos na responsabilidade do agente, mas apenas os que resultam do facto constitutivo da responsabilidade, na medida em que se exige entre o facto e o dano indemnizável um nexo mais apertado do que a simples sucessão cronológica - cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 429 e 641.
Para que possa reclamar-se o ressarcimento de certo dano, é necessário, mas não suficiente, que o acto seja condição dele, porquanto se exige, igualmente, que o mesmo, provavelmente, não teria acontecido se não fosse a lesão, o que reconduz a questão da causalidade a uma questão de probabilidade, sendo, então, causa adequada aquela que, agravando o risco de produção do prejuízo, o torna mais provável – cfr. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, 1997, 409 -, e não aquela que, de acordo com a natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para o produzir, mas que só aconteceu devido a uma circunstância extraordinária – cfr. Vaz Serra, Obrigação de Indemnização, BMJ nº 84, nº 5, 29.     
[35] Cfr. Manuel Carneiro Frada, Direito Civil. Responsabilidade Civil. O Método do Caso. Almedina, 2010, (Reimpressão), p. 100.
[36] cfr. Miranda Barbosa, Ana Mafalda, in “Responsabilidade Civil Extracontratual – Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade” Princípia Editora, Cascais, 2014, pgs. 23 a 26.    
[37] Quanto à necessidade de distinção entre imputação objectiva e relação causal (numa perspectiva jurídico-penal), veja-se Fernando Reglero Campos, in “Tratado de Responsabilidad Civil”, Tomo I, Parte General, Thomson-Arandazi, 2008, Cizur Menor (Navarra), pags. 730 e 731.
[38] Numa perspectiva mais actualista, Fernando Reglero Santos, in op. loc. cit. pags. 721 a 780, refere que para que uma conduta se possa imputar, ou ser causal de um evento danoso, “é suficiente que o prejuízo se haja produzido dentro de um determinado âmbito, o da aplicação da norma especial, para que seja imputável ao sujeito por ela designado, ou ainda que o tenha sido no seio de uma determinada actividade para que a imputação possa ser dirigida contra quem resulte ser o seu titular.” “A determinação de se uma conduta ou actividade se integra na etiologia do facto danoso não constitui tanto um fenómeno que possa ser ubicado dentro de certos critérios axiomáticos ou jurídico-dogmáticos, enquanto uma questão de direito que deva ser resolvida pelo juiz atendendo mais do que a elementos empíricos a critérios puramente subjectivos dirigidos, no caso concreto, à consecução de um resultado justo e equitativo.” (tradução nossa).     
[39] cfr. Fernando Reglero Santos, op. loc. cit. pág. 726.
[40] Cfr. por todos Antunes Varela, Das obrigações em Geral, Coimbra, 1989, Vol. I, ps. 572-578. “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em conta as circunstâncias do caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.” (p. 576)   
[41] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Maio de 2007, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, no Processo nº 07ª1187. Vejam-se ainda a título meramente exemplificativo os acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 04-03-2004, relatado pelo Conselheiro Moitinho de Almeida e de 9-10-2004, relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira, no Processo 2897/2004. 
[42] Cfr. por todos Antunes Varela, Das obrigações em Geral, Coimbra, 1989, Vol. I, ps. 572-578. “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em conta as circunstâncias do caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.” (p. 576)   
[43] Na RLJ, Ano 113º, pág. 104.
[44] Marta Inês Soares de Almeida, Culpa versus Risco: Reflexões Concernentes à Dualidade de Fundamentos na  Responsabilidade Civil por Acidentes de Viação: o Caso Particular da Concorrência da Culpa do Lesado com o Risco do Veículo, pág. 53-54.