Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
617/14.6YIPRT.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
CONFISSÃO
Data do Acordão: 10/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / DECISÕES QUE COMPORTAM REVISTA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., p. 366, 371 a 374;
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume III, p. 60;
- Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3.ª ed., p. 572-573;
- Teixeira de Sousa, Dupla Conforme: critério e âmbito de conformidade, Cadernos de Direito Privado, n.º 21, p. 24.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 30-10-2012, PROCESSO N.º 258101/08.0Y1PRT.L1.S1;
- DE 02-06-2015, PROCESSO N.º 6040/11.7TBOER.L1.S1;
- DE 08-09-2016, PROCESSO N.º 7335/10.2TBSTR.E1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I – Sendo inequívoca a existência de dupla conformidade quando o recorrente nenhum benefício alcança com a decisão da Relação por esta se haver limitado a confirmar a decisão da 1ª instância, iria contra o espírito da lei – que é o de restringir o acesso ao STJ quando as instâncias decidiram no mesmo sentido e sem fundamentação essencialmente diferente – e até das regras da lógica que a parte descontente, vendo a sua situação melhorada, pudesse, exatamente por isso, aceder ao terceiro grau de jurisdição.

II – Sustentando o recorrente que a Relação se absteve indevidamente de apreciar os elementos probatórios por ele invocados na apelação como fundamento do erro de julgamento que aí atribuiu à decisão de 1ª instância, está a imputar-lhe a violação de normas processuais relacionadas com a apreciação dessa impugnação, pelo que neste âmbito, não tendo a matéria em causa sido apreciada na 1ª instância, não tem cabimento falar em dupla conformidade.

III – É regra basilar do ónus de impugnação a de que o réu, ao contestar, “deve tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor”.

IV – Não satisfaz esta exigência o réu quando afirma que desconhece os factos alegados, justificando com o tempo transcorrido a afirmada falta de lembrança do exato teor do(s) orçamento(s) que a autora lhe propôs e ela aceitou.

V – Trata-se de facto que tem de considerar-se como pessoal do réu, não podendo este, em virtude dessa natureza, deixar de conhecê-lo, pelo que tem de ser tido como confessado.

VI – Assim sendo, não se justifica que o Tribunal da Relação reaprecie a prova produzida quanto aos factos em discussão, pois que os mesmos se mostram já plenamente assentes.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


I - AA, Lda., deduziu injunção que, entretanto, passou a ação declarativa comum, contra BB, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe € 75.693,95, dos quais € 48.209,02 a título de capital, € 26.440,10 a título de juros de mora, € 891,75 a título de honorários do mandatário, e € 153,00 a título de taxa de justiça já paga.

Alegou, em síntese, ter fornecido à ré equipamento diverso cujo preço esta não pagou, apesar de, por diversas vezes, ter sido interpelada para o efeito.

 A ré contestou, pedindo a improcedência da ação, para o que invocou, em síntese, a prescrição dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos e o cumprimento defeituoso, por parte da autora, do contrato de fornecimento e instalação de equipamento de ar condicionado celebrado pelas partes.

E, em sede de reconvenção, pediu a condenação da autora a pagar-lhe € 334.051,69, deduzida da quantia de que eventualmente seja devedora à autora pelos serviços prestados, correspondendo aquela quantia de € 334.051,69 aos gastos que se viu obrigada a fazer com a instalação do equipamento não completada pela autora.

Ou, para o caso de assim se não entender, pediu que o valor da empreitada fosse reduzido ao montante, já pago, de € 51.368,86, tendo em consideração o atraso no envio do projeto e na instalação do AVAC e o facto de a obra continuar inacabada.

Houve resposta da autora onde, além do mais, invocou a caducidade do direito de reclamação, por parte da autora, da falta de conclusão de instalação do AVAC.

Distribuídos os autos, mercê de convite que lhe foi feito, a autora aperfeiçoou a petição inicial a que a ré respondeu.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença onde se decidiu:

«1. Julgar a ação parcialmente procedente, e em conformidade condenar a R. BB, Lda., a pagar à A. AA, Lda.:

a) € 48.209,02, a título de preço;

b) Juros de mora vencidos sobre aquela quantia, à taxa de 9,50% desde 17.01.2009 até 30.06.2009, 8% desde 01.07.2009 até 30.06.2011, 8,25% desde 01.07.2011 até 31.12.2011, 8% desde 01.01.2012 a 31.12.2012, 7,75% desde 01.01.2013 até 30.06.2013, 7,50% desde 01.07.2013 até 31.12.2013, 7,25% desde 01.01.2014 até 30.06.2014, 7,15% desde 01.07.2014 a 31.12.2014, 7,05% desde 01.01.2015 até 30.06.2016, 7% desde 01.07.2016 até à presente data, e à taxa legal desde a presente data até efetivo e integral pagamento;

c) Absolver, no mais, a R. do pedido;

2. Julgar a reconvenção improcedente.

Custas pelas partes, na proporção do respetivo vencimento.»

A ré interpôs recurso contra ela, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão cujo segmento decisório tem o seguinte teor:

“Termos em que acordam em julgar parcialmente procedente o presente recurso, alterando-se, a decisão recorrida no que respeita à condenação da Ré no pagamento de juros de mora, consignando-se que esses juros apenas são devidos a partir de 03-12-2013.

Confirmando-se, no mais o decidido.”

Ainda inconformada a ré trouxe ao STJ a presente revista, tendo apresentado alegações onde, pedindo a sua revogação, formula as conclusões que, de seguida, se transcrevem:

I. O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa na parte em que não deu provimento ao recurso interposto pela ora recorrente da decisão proferida pelo Tribunal da Primeira Instância.

II. Entende a Recorrente que o Acórdão, na parte em que confirmou a decisão da 1.° Instância, é nulo nos termos do artigo 615.° alínea b), c) e d) aplicável ex vido artigo 666.°

III. Sendo tais nulidades fundamento de recurso de revisão - cfr artigo 675.° n.° 1 CPC.

IV. Sendo ainda fundamento de recurso o erro na aplicação da lei do processo (art 674. ° n.° 1 alínea b) do CPC) , o que também se verifica.

DA CONFISSÃO E ACORDO QUANTO AOS ORÇAMENTOS ADJUDICADOS PELA RECORRENTE - ERRO NA APLICAÇÃO DO ART.° 574.° n.° 2 e N.° 3 DO CPC e DA CONSEQUENTE OMISSÃO DE PRONUNCIA (PARTE II do Acórdão, folhas 6 ali reportando-se às páginas 3 a 19 das Alegações de Recurso)

V. A recorrente alegou junto do Tribunal da Relação que a decisão da Primeira Instância, mais concretamente os factos 2, 3, 4, 5, 6 e 7 (Petição Aperfeiçoada), não podiam ter sido dado como provados uma vez que a Autora não demonstrou que tivessem sido os orçamentos P802/06/JF/PV e P118B/06/JF/PV que foram os aceites pela Ré.

VI. Contudo o Tribunal da Relação, abstendo-se de analisar a prova produzida, manteve a decisão por considerar que a Recorrente aceitou por acordo e por confissão, os orçamentos juntos porque, em síntese, (sublinhado nosso)

VII. Ao ter alegado na sua contestação que contratou a Autora para o fornecimento e instalação do sistema de AVAC e que aceitou um orçamento no valor de 106.134,00€ mais IVA, estaria a admitir por acordo que foram os orçamentos juntos aos autos aqueles que aceitou.

VIII. E porque, por ser inverosímil que a Recorrente não se recorde do teor dos orçamentos ou que os tenha sequer guardado, logo estaria ainda a confessar que os aceitou, não relevando a impugnação dos documentos.

IX. Ora, o Tribunal de Recurso aplicou erradamente os institutos do acordo e da confissão à situação em apreço, reconduzindo ou interpretando de forma ligeira a impugnação e alegação da Recorrente em sede de contestação ao disposto no art-° 574.° n.° 2 e 3 do CPC.

X. Nos termos do art.° 574.° do CPC, consideram-se admitidos por acordo os factos que não foram impugnados e por confissão aqueles que o Ré declarar que não sabe se ocorreram, sendo um facto pessoal de que deva ter conhecimento.

XI. Em sede de contestação, a Recorrente apenas reconheceu que aceitou um orçamento de um determinado valor, mas impugnou especificamente os orçamentos juntos aos autos, recusando terem sido aqueles o orçamento aceite, justificando a impugnação (falta da assinatura, data e a primeira pagina em cada uma daqueles orçamentos; que os orçamentos aceites não tinham rasuras ao contrário dos orçamentos juntos autos), não tendo, por seu turno, a Recorrida logrado provar quais foram os orçamentos efectivamente aceites.

XII. Por outro lado, passados sete anos é perfeitamente natural que, atento o lapso de tempo e a confusão de orçamentos existentes (confusão notória numa análise cuidada das peças processuais), a Ré não os tenha guardado ou sequer se recordo dos pormenores de uma orçamento técnico de Instalação de equipamento, pelo que não pode tal facto considerar-se pessoal e do qual devesse ter total conhecimento.

XIII. Assim o Tribunal da Relação aplicou erradamente o disposto no artigo 574.° do CPC, fazendo reconduzir o alegado pela Recorrente na sua contestação ao instituto do acordo e da confissão, sem sustentação legal na letra da lei, violando a referida disposição legal.

Como consequência,

XIV. O Tribunal da Relação omitiu o conhecimento das questões suscitadas na primeira parte do recurso (artigos 12.° a 71.° das alegações do recurso) a propósito da impossibilidade e incoerência da decisão da l.ª Instância ao ter considerado que os orçamentos juntos aos autos foram aqueles que a Recorrida aceitou adjudicar.

XV. Tal omissão consubstancia uma nulidade nos termos do artigo 615.° n.° 1 do CPC.

DOS ORÇAMENTOS ADJUDICADOS PELA RECORRENTE e CONSEQUÊNCIAS 00 FACTO NÃO PROVADO N,° 4 DA SENTENÇA - DA OMISSÃO DE PRONUNCIA QUANTO À QUESTÃO SUSCITADA NOS ART. 14 A 17 E 90 A 96 DO RECURSO RELACIONADA COM A DECISÃO EM OPOSIÇÃO COM OS FUNDAMENTOS.

XVI. Sem prejuízo do alegado na I)parte do presente Recurso, caso o mesmo não seja procedente, sempre se diria que o Tribunal da Relação de Lisboa não se pronunciou sobre outras questões suscitadas, porquanto;

XVII. Foi julgado provado que nos orçamentos constam vários itens relacionados com a instalação de caleiras.

XVIII. E o Tribunal de Primeira Instancia deu como não provada a aceitação das propostas de instalação das caleiras.

XIX. O que se traduz que tal serviço não foi adjudicado.

XX. Pelo que, a manter-se o entendimento de que a Recorrente adjudicou os orçamentos constantes nos autos, o valor da instalação das caleiras, isto é 20.629,00 €, teria que ser deduzido ao valor do orçamento.

XXI. Por outro lado, a recorrente alega que existem nos orçamentos diversos itens rasurados, que por lógica não teriam sido adjudicados e que o respectivo valor deveria ser descontado de igual modo do valor global.

XXII. Tal como é o caso das protecções de parede no valor de 2.883,00 €.

XXIII. E foi isso mesmo que suscitou no seu recurso no artigos 14 a 17 e 90 a 96.

XXIV. Sendo que o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre tal matéria, sendo por isso nulo, nos termos do artigo 615.° n.° 1 do CPC.

III.

DA CONTRATAÇÃO DE TERCEIROS PARA INSTALAÇÃO DO AVAC – DA OMISSÃO (DE PRONUNCIA QUANTO ÀS CONSEQUÊNCIAS DE CONSIDERAR PROVADO QUE A RÉ FOI COMPLETAMENTE ESTRANHA À CONTRATAÇÃO DA EMPRESA INSTALADORA DO AVAC: OBSCURIDADE DA SENTENÇA QUANTO À CONCLUSÃO DA IRRELEVÂNCIA DESSE FACTO e OMISSÃO DO FUNDAMENTO DE FACTO E DE DIREITO QUE SUSTENTOU A DECISÃO ( art.° 134.° e ss das alegações de recurso)

XXV. Finalmente, o Tribunal da Relação, atendeu ao recurso da Recorrente ao dar como provado, ao contrário do alegado pela Recorrida, que foi a Autora quem subcontratou a empresa Montagens ..........para instalar em obra o AVAC.

XXVI. Contudo o Tribunal da Relação contradiz-se a dizer que tal facto (a contratação da Fenólica pela Autora) é irrelevante porquanto a Ré aceitou que fosse tal empresa a realizar a instalação.

XXVII. Porém, não fundamenta nem de facto nem de direito em que consiste essa aceitação e qual o fundamento jurídico que sustenta a ideia segundo a qual a "aceitação" por parte da Recorrente do subcontratado exonera a responsabilidade da contratante/Recorrida no pagamento do serviço.

XXVIII. Ora, entendendo-se que foi a Recorrida a subcontratar a empresa Fenólica (que efectivamente realizou o serviço) teria que ser esta a suportar o pagamento do serviço e não a Recorrente.

XXIX. Ao reconhecer a subcontratação, o Tribunal da Relação deveria ter retirado as consequências inerentes ao instituto da subcontratação, nomeadamente deduzir o valor pago pela Recorrente à empresa instaladora (11.350,56€) que deveria ter sido pago pela Autora.

XXX. Por outro lado, tendo sido provado a relação de subempreitada, bem como que os atrasos em obra foram causados pela necessidade de adaptar a obra ao sistema de AVAC, então todos os prejuízos e atrasos são igualmente responsabilidade da autora (o que foi objeto de recurso a fls 40º e seguintes das alegações).

XXXI. Assim estamos perante a omissão de conhecimento de uma questão relevante, sendo que o acórdão, como se encontra redigido na fundamentação, enferma de obscuridade, sendo nessa parte ininteligível, e como tal nulo nos termos do artigo 615º, nº 1 alíneas b), c) e d) do CPC.

Ao contra-alegar, a parte contrária formulou as seguintes conclusões:

1.a No entender da ora Recorrida, o recurso de revista normal em apreço é inadmissível por violação da regra da "dupla conforme", prevista no artigo 671.°, n.° 3, do Código de Processo Civil.

2.ª A Recorrente limitou-se praticamente a, com fundamento no disposto nos artigos 615.°, alíneas b), c) e d), 666.° e 674.°, n.° 1, alínea a) do Código de Processo Civil, a invocar putativas nulidades do Acórdão recorrido, cujos fundamentos mais não passam de juízos de mero desacordo sobre a fundamentação da decisão do Tribunal a quo sobre a parte da apelação relativa à impugnação da decisão de facto constante da sentença apelada.

3.a A arguição de nulidades da decisão final ao abrigo dos artigos 615.°, n.° 1, alíneas b) a e), e 666.°, n.° 1, do CPC só é dedutível por via recursória quando aquela decisão admita recurso ordinário, nos termos conjugados dos artigos 615.°, n.° 4, 2.a parte, e 674.°, n.° 1, alínea c), do mesmo Código - cfr., neste sentido, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de novembro de 2016 (Processo n.° 470/15.2T8MNC.G1-A.S).

4.a No entender da ora Recorrida, a decisão em apreço não admite recurso ordinário, dado que se verificam ambos os pressupostos previstos no artigo 671.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, isto é, a existência de decisão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.a Instância.

5.a Para tanto, é irrelevante o facto de o recurso de apelação ter sido julgado parcialmente procedente no que concerne tão somente à data a considerar para o cálculo dos juros moratórios.

6.a In casu, verifica-se a dupla conforme relativamente a toda a parte da decisão recorrida que manteve a procedência do pedido formulado pela Recorrida e a improcedência do pedido reconvencional formulado pela Recorrente, fazendo uso e reforçando a mesma fundamentação utilizada na decisão da 1.a Instância.

7.a Pretendendo arguir nulidades do douto Acórdão recorrido, a Recorrente só podia tê-lo feito mediante reclamação perante o próprio Tribunal a quo que proferiu tal decisão, nos termos dos artigos 615.°, n.° 4,1 .* parte, e 617.°, n.° 6, do Código de Processo Civil.

8.a A revista interposta apenas com fundamento em supostas nulidades do Acórdão recorrido não é, portanto, admissível, por conjugação do disposto no artigo 615.°, n.° 4 com o artigo 671.°, n.° 3 do Código de Processo Civil.

9.a Sem conceder, sempre se dirá que todas as nulidades invocadas pela Recorrente são manifestamente improcedentes e mais não passam de juízos de pura discordância sobre a fundamentação utilizada pelo Tribunal recorrido.

10.a A Recorrente pretende que o Venerando Supremo Tribunal de Justiça reaprecie o juízo feito pelo Tribunal da Relação sobre a matéria de facto, pretensão que carece de qualquer cabimento ou mérito.

11.ª Ao contrário do que aduz a Recorrente, são evidentes os factos que foram aceites por acordo e confessados pela Ré acerca da celebração do contrato com a Autora e aos valores ajustados.

12.a Pelo que bem andou o Tribunal recorrido ao considerar que a impugnação deduzida à alegação da Autora foi ineficaz.

13.a E isto quando é evidente que a própria Recorrente, nas contas que apresentou na sua contestação inicial, inclusivamente confessou não ter pago à Recorrida a parcela correspondente a 60% do preço que confessou ter sido convencionado.

14.a Como muito bem se sustenta na douta decisão recorrida e decorre da análise conjunta da prova produzida, embora não tenha existido uma declaração escrita de aceitação dos dois orçamentos por parte da Ré, esta não colocou em causa, desde logo, na sua contestação, que encomendou os trabalhos executados e cobrados pela Autora (pelo contrário, até veio alegar que não foram executados na sua totalidade, sem especificar quais).

15.a É, assim, irrelevante/ineficaz perante a sua conduta processual, a alegação de que teria impugnado os orçamentos e a fatura (que nunca devolveu à Recorrida).

16.a Relembre-se que a Recorrente não nega ter recebido os bens e fornecimentos em causa/ sendo que, tal como ficou provado, a fatura reclamada foi aceite (e nunca devolvida) pela Ré e a instalação concluída em 2007, como ficou provado {sem que tal facto tivesse sido impugnado pela Recorrente).

17.a Bem andou, assim, a decisão recorrida ao, tal como a decisão apelada, considerar adjudicada a proposta relativa aos demais equipamentos fornecidos, designadamente as caleiras e proteção de paredes, tratando-se de facto que podia ser provado por qualquer meio e não apenas por documento.

18.a Foi, assim, devidamente aplicado pelo Tribunal recorrido o disposto no artigo 574.°, n.° 4, do Código de Processo Civil, inexistindo qualquer suposto erro na aplicação da lei processual, quanto ao julgamento dos pontos de facto constantes da fundamentação da decisão apelada.

19.a A decisão recorrida não padece igualmente de qualquer incoerência ou omissão de pronúncia.

20.a Na verdade, a Recorrente só não concorda com o juízo doutamente feito pelo Tribunal recorrido sobre as questões que suscita, o que não consubstancia qualquer vício daquela natureza.

21.a Bem andou, assim, o Tribunal recorrido ao fixar a matéria de facto provada e não provada, inexistindo qualquer vício de violação de lei processual, obscuridade, contradição ou omissão de pronúncia.

22.a Deve, assim, entender da Recorrida, ser o douto Acórdão recorrido integralmente mantido, nos seus precisos termos e com todos os seus efeitos.

A revista foi recebida pelo Exmo. Relator no Tribunal da Relação de Lisboa, nos seguintes termos:

O presente recurso de revista assenta na impugnação dos termos em que o acórdão recorrido apreciou, ou não, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deduzida no recurso de apelação.

Não havendo dupla conforme. (…)

Foi proferido acórdão onde se não reconheceu a existência das nulidades atribuídas ao acórdão recorrido.

Foram colhidos os vistos.

Da admissibilidade da revista:

 O acórdão da Relação, julgando recurso de apelação interposto pela ré, por unanimidade, deu-lhe parcial procedência, com fundamentação em tudo idêntica à que na sentença se usara.

E tendo isso em consideração, a recorrida defende a existência de dupla conforme que, nos termos do nº 3 do art. 671º do CPC[1], impede o acesso ao STJ.

Tendo favorecido a ré recorrente, a decisão emitida, embora não sendo idêntica em termos absolutos à da 1ª instância, deve considerar-se conforme com ela.

Com efeito, sendo inequívoca a existência dessa conformidade quando o recorrente nenhum benefício alcança com a decisão da Relação por esta se haver limitado a confirmar a decisão da 1ª instância, iria contra o espírito da lei – que é o de restringir o acesso ao STJ quando as instâncias decidiram no mesmo sentido e sem fundamentação essencialmente diferente – e até das regras da lógica que a parte descontente, vendo a sua situação melhorada, pudesse, exatamente por isso, aceder ao terceiro grau de jurisdição.

Não se compreenderia, na verdade, que a ré recorrente estivesse impedida de aceder ao terceiro grau de jurisdição no caso de a sua apelação ter sido julgada improcedente, mas visse esse acesso viabilizado na hipótese de a decisão de 2ª instância a beneficiar.

Como refere Abrantes Geraldes[2], depois de numa fase inicial se ter exigido, neste STJ[3], para efeitos de admissibilidade da revista excecional, uma confirmação unânime e irrestrita da sentença pelo acórdão da Relação, vem sendo adotado em vários e muito recentes acórdãos deste Tribunal[4], o entendimento proposto por Teixeira de Sousa[5],[6], segundo o qual “sempre que o apelante obtenha uma procedência parcial do recurso na Relação, isto é, sempre que a Relação pronuncie uma decisão que é mais favorável – tanto no aspecto quantitativo, como no aspecto qualitativo – para esse recorrente do que a decisão proferida pela 1ª instância, está-se perante duas decisões «conformes» que impedem que essa parte possa interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça”.

E a atribuição de nulidades ao acórdão também não é, por si só, suscetível de excluir a existência de dupla conformidade.[7]

Ainda assim, no presente caso, tem de reconhecer-se - na linha do entendimento adotado pelo Exmo. Desembargador Relator no seu despacho de admissibilidade da revista – que não existe dupla conformidade mas tão só no tocante à decisão da Relação que, conhecendo da impugnação deduzida contra a decisão de 1ª instância, manteve, sem apreciar a prova produzida, o julgamento aí emitido no sentido de considerar provada a aceitação pela ré dos orçamentos invocados pela autora – factos nºs 2 e 3 (e também nº 4, enquanto concretização dos factos nºs 2 e 3)[8] -, por considerar que os respetivos factos se mostram assentes por confissão e acordo das partes.

E isto porque a recorrente, ao sustentar que o tribunal recorrido se absteve indevidamente de apreciar os elementos probatórios por ela invocados na apelação como fundamento do erro de julgamento que aí atribuiu à decisão de 1ª instância, está a imputar-lhe – ao menos implicitamente - a violação de normas processuais relacionadas com a apreciação dessa impugnação.

 Nesta parte está em causa a correção de decisão relativamente à qual não tem cabimento falar em dupla conformidade, pela simples razão de que foi proferida apenas pela Relação, não tendo a matéria que dela foi objeto sido apreciada pelo tribunal recorrido.

Versando esta questão, escreve Abrantes Geraldes[9]:

Todavia, tal conclusão[10] não parece a mais ajustada, já que, relativamente à questão adjetiva relacionada com o ónus de alegação ou com o dever de reapreciação dos meios de prova, a interposição do recurso de revista constitui a única possibilidade de fazer reverter a situação a favor do recorrente nos caos em que o acórdão da Relação esteja eivado de erro de aplicação de lei processual a respeito da decisão de facto.

Nestas situações e noutras similares em que seja apontado à Relação erro de aplicação ou de interpretação da lei processual, ainda que seja confirmada a sentença recorrida no segmento referente à apreciação de mérito da apelação, não se verifica, relativamente àqueles aspetos, uma efetiva situação de dupla conforme, já que as questões emergiram apenas do acórdão da Relação proferido no âmbito do recurso de apelação, sem que tenham sido objeto de apreciação na 1ª instância.

(…)

Por isso, em tal eventualidade, a impugnação do acórdão recorrido, na parte respeitante à decisão da matéria de facto, deve fazer-se através do recurso de revista nos termos normais, sem embargo da interposição de revista excecional no que concerne à matéria de direito, acautelando uma eventual improcedência da primeira.”

Tem sido esta a posição adotada na matéria por este Supremo, como flui dos vários arestos mencionados na obra que vimos citando.[11]

Conclui-se, assim, pela admissibilidade da revista mas apenas quanto à dita problemática; tudo o mais, estando abrangido pela dupla conforme, é insuscetível de revista normal nos termos do citado nº 3 do art. 671º e, não tendo sido interposta revista excecional que haja sido admitida, tal matéria não será objeto do conhecimento e apreciação deste tribunal, devendo o recurso ser julgado findo nessa parte, por inadmissibilidade, o que adiante se fará.

 Deste modo, a única questão a decidir consiste em saber se a Relação violou, ou não, o dever de reapreciação dos meios de prova invocados pela apelante e as consequências daí advenientes.

 II – Vêm descritos como provados e como não provados os seguintes factos:

A) Factos Provados

Petição inicial aperfeiçoada

1. A A. é uma empresa que se dedica ao comércio e indústria de equipamentos industriais para hotelaria e afins, ao fornecimento de obras públicas e execução de empreitadas públicas e particulares, entre outras atividades.

2. No âmbito da sua atividade, a A. apresentou à R., que à mesma adjudicou, duas propostas, a P.802/06/JF/PV e a P118B/06/JF/PV, para fornecimento de equipamento para o estabelecimento da R., que a própria denominou de BB, tendo a P118B/06/JF/PV sido apresentada em 06.07.2006 (docs. 2 e 3 – fls. 96 a 106 e 76).

3. As mencionadas propostas consistiam no fornecimento de caleiras, separador, proteção de paredes e equipamento de climatização.

4. Tendo sido aceite pela R., em 08.11.2006, a proposta de AVAC e ar condicionado, no valor de € 78.573,00, da qual consta designadamente o seguinte:

“(…) CONDIÇÕES DE PAGAMENTO:

  40% com a adjudicação,

60% com entrega dos equipamentos

  ou

40% com a adjudicação

50% com entrega dos equipamentos em obra

10% com a montagem dos equipamentos

ou ainda com outras a combinar com V. Ex.ªs (…)

MONTAGEM: Compreende a ligação dos aparelhos às redes gerais de alimentação partindo do princípio que as mesmas se encontram nos devidos locais, a menos de um metro de distância dos mesmos e que para tal forneceremos desenhos de pormenores de ligações, bem como pormenores de construção e acompanhamento da obra. (…)

EXCLUSÕES: (…)

- “Quaisquer trabalhos de construção civil.

- Protecções eléctricas ao equipamento.

- Redes de alimentação de águas e esgotos.

- Redes de energia eléctrica e de gás.” (docs. 2 e 3 – fls. 96 a 106 e 76).

5. A A. emitiu, em 17.09.2007, a fatura nº 272, com vencimento a 17.09.2007, no valor de € 74.237,61, tendo nesta sido abatida a nota de crédito nº 39, emitida em 18.09.2007, no montante de € 6.028,59 (“Valor liquidado ao Sr. CC”), e acrescida a nota de débito nº 23, emitida em 18.09.2007, no montante de € 780,00 (“Estadia do Sr. CC”), bem como deduzido o adiantamento de € 42.453,60, perfazendo o valor final de € 48.209,02 (docs. 4, 5 e 6 – fls. 77 a 81).

6. A fatura indicada, em cujo descritivo se contemplam caleiras, ralos de pavimento, ventilo-convectores, sistemas de extração de fumos, sistemas de extração de ar, sistema de desenfumagem, sistema de insuflação e proteções de parede foi recebida e aceite pela R. (docs. 4, 5 e 6 – fls. 77 a 81).

7. Apesar de interpelada para o efeito, através de carta registada datada de 26.11.2013, e rececionada a 03.12.2013, a R. não efetuou qualquer pagamento por conta da fatura acima indicada (doc. 7 – fls. 82 a 84).

Oposição e resposta à petição inicial aperfeiçoada

8. A R. contratou a construção do edifício BB, sito na Rua .........., nº ...., na Horta.

9. Para os serviços de AVAC, mais concretamente o fornecimento e instalação de equipamento de ar condicionado e ventilação, a R. contratou diretamente com a A., que já tinha efetuado outros serviços àquela.

10. A A. apresentou vários orçamentos.

12. Conforme acordado, após o pagamento de 40%, a A. teria de enviar os equipamentos para serem iniciados os trabalhos.

13. A A., logo após a aceitação do orçamento e o referido pagamento dos 40%, iniciou o envio do equipamento de AVAC para a R..

14. Pese embora a insistência da R., a A. não se disponibilizava a iniciar os trabalhos de instalação do AVAC; o projeto de instalação não foi enviado.

15. Após meses de insistência, apresentou-se junto da R. um funcionário da firma Montagens ......., Lda., dizendo que tinha sido contratado pela A. para fazer a instalação do AVAC.

18. No decurso da execução da instalação do AVAC pela empresa Montagens ..........na, Lda., esta foi solicitando à R. vários pagamentos, para o serviço que estava a ser efetuado.

19. A R., tendo a obra atrasada, viu-se obrigada a pagar à empresa Montagens ..........na, Lda., a quantia de € 11.350,56 (docs. 1, 2 e 3 – fls. 17 a 19).

22. Em virtude das obras de construção do edifício não poderem estar dependentes do atraso por falta de projeto de AVAC e na execução dos trabalhos de instalação do AVAC, as mesmas tiveram de prosseguir.

27. Por esse motivo, tiveram de ser adaptadas posteriormente, o que implicou um acréscimo de despesas por parte da R., as quais não estavam previstas, e se cifraram em quantia não concretamente apurada, respeitante a trabalhos de:

a) alvenaria/paredes;

b) revestimento de tetos;

c) instalações elétricas;

d) outros trabalhos de instalação de AVAC, como reforço da laje para a passagem de condutas de AVAC;

e) electricidade.

30. Em 16.12.2007, pelas 16:08 horas, a A. enviou uma mensagem de telecópia à R., que esta recebeu, com o seguinte teor:

Conforme solicitado telefonicamente, remetemos em anexo extractos de conta corrente em nome de DD e BB desde o início da relação comercial” (fls. 124 a 126).

31. Consta do anexo à mensagem referida uma conta corrente, mencionando que, com respeito ao período de 01.01.2002 a 31.12.2002, se mostrava em débito a fatura nº 727, de 30.09.2002, no valor de € 46.624,89 (fls. 124 a 126).

32. Mais consta do referido anexo que no período de 01.01.2003 a 31.12.2003 foram efetuados dois pagamentos pela R., nos valores de € 7.444,31 e € 39.180,58, pelo que o saldo ficou a 0,00 (fls. 124 a 126).

Articulado de resposta à oposição

34. A instalação foi efetuada em 2007.

Mais se provou que:

35. A empresa Montagens ..........na remeteu à A., a 26.03.2007, uma proposta para “montagem e instalação de AVAC com materiais e equipamentos do vosso fornecimento”, da qual constam, entre outros, os seguintes trabalhos: redes de condutas, isolamentos, grelhas, ventiladores, tubos, cabos (fls. 422 a 424), proposta que foi aceite pela A..

36. Consta daquela proposta que não é da responsabilidade das Montagens ..........na a execução de trabalhos de construção civil (fls. 422 a 424).

37. Mais consta daquela proposta que é da responsabilidade da A., designadamente, três viagens de ida e volta, considerando que a instalação terá duração de 30 dias; transporte das máquinas e ferramentas pessoais; estadia; fornecimento de mão-de-obra indiferenciada; andaimes, escadas e escadotes (fls. 422 a 424).

38. Por fim, foi consignado na mesma proposta que os valores orçamentados foram calculados na base das medições feitas na planta da obra fornecida pela A. (fls. 422 a 424).

B) Factos Não Provados

Petição inicial aperfeiçoada

2. As propostas foram apresentadas em 08.11.2006.

4. Foi aceite a proposta de caleiras.

5. A fatura nº 272 tem o valor de € 54.237,61.

Oposição e resposta à petição inicial aperfeiçoada

8. Em meados de 2005; com a empresa ....., S.A..

9. (eliminado/julgado provado)

10. O orçamento final tinha o valor de € 106.134,00, acrescido de IVA.

11. O orçamento final foi aceite, tendo a R. pago € 51.368,86, correspondente a 40% do orçamento (IVA incluído).

12. A A. teria de enviar o projeto de instalação.

14. A R. insistiu pelo envio do projeto de instalação.

16. Tal não foi acordado nem autorizado pela R..

17. Porém, atendendo aos prejuízos que a falta de instalação do AVAC estava a provocar na obra, a R. aceitou que a referida entidade, que lhe era totalmente estranha, procedesse à instalação do AVAC.

18. Foram solicitados pagamentos para a aquisição do material que estava em falta, porque a A. não o enviou.

20. Na altura da instalação a empresa Montagens ..........na, Lda., verificou que o material estava incompleto, pelo que alguns dos equipamentos não foram instalados na totalidade.

21. Dois equipamentos de ar condicionado e três máquinas de insuflação não foram ligados, pelo que nunca foram instalados completamente.

23. A certificação do equipamento, condição para que os equipamentos possam ser licenciados, não foi realizada, o que cabia à A..

24. Algumas das salas do edifício destinavam-se a salas de não fumadores, o que não foi possível, por não haver certificação no sistema de AVAC.

25. A R., através da sua gerência, tentou contatar várias vezes a A., sem sucesso.

26. A obra não foi entregue, nem aceite.

27. As despesas montaram a:

a) € 16.745,40 para alvenaria/paredes;

b) € 40.000,00 para revestimento de tetos;

c) € 196.957,42 para instalações elétricas;

d) € 79.728,14 para outros trabalhos de instalação de AVAC, como reforço da laje para a passagem de condutas de AVAC;

e) € 620,73 para eletricidade.

28. Poucos dias antes da empresa Montagens .........., Lda., ter entendido terminada a sua parte na obra é que o projeto de instalação foi enviado à R..

29. O atraso no envio do projeto e na instalação do AVAC e o facto da obra continuar inacabada reduzem o valor da empreitada para € 51.368,86.

Articulado de resposta à oposição

33. Em conjunto com os orçamentos foi entregue o projeto de instalação.

34. A R. deu uso aos equipamentos instalados no estabelecimento.

III – Abordemos, então, a questão de que nos cabe conhecer.

Está em causa saber, relembremos, se o Tribunal da Relação, ao manter inalterada a decisão proferida sobre os factos acima descritos sob os nºs 2 e 3 (e também nº 4 por ser concretização dos anteriores) – aqueles onde se afirma que ré aceitou os orçamentos invocados pela autora – sem reapreciar a prova produzida, por haver considerado que os mesmos se encontram assentes por acordo das partes, violou regra adjetiva que lhe impusesse a reapreciação omitida.

Uma vez que a reapreciação pelo Tribunal da Relação da prova sujeita à livre apreciação do julgador só se justificaria se os factos em discussão se não mostrassem já plenamente provados por reconhecimento tácito ou ficto do réu, tudo está em saber se os mesmos devem, ou não, considerar-se demonstrados por meio de prova com força vinculada como o são o acordo das partes e a confissão, instituídos, respetivamente, nos nºs 2 e 3 do art. 574º.

 

 No acórdão recorrido - que conheceu de longa impugnação deduzida pela ora recorrente contra a decisão de facto – pode ler-se, a propósito da matéria em discussão, a seguinte fundamentação e decisão:

 “Nos termos já referidos, a Recorrente começa por impugnar os seguintes pontos da decisão de facto:

2. No âmbito da sua atividade, a A. apresentou à R., que à mesma adjudicou, duas propostas, a P.802/06/JF/PV e a P118B/06/JF/PV, para fornecimento de equipamento para o estabelecimento da R., que a própria denominou deBB, tendo a P118B/06/JF/PV sido apresentada em 06.07.2006 (docs. 2 e 3 – fls. 96 a 106 e 76).

3. As mencionadas propostas consistiam no fornecimento de caleiras, separador, proteção de paredes e equipamento de climatização.

4. Tendo sido aceite pela R., em 08.11.2006, a proposta de AVAC e ar condicionado, no valor de € 78.573,00, da qual consta designadamente o seguinte:

“(…) CONDIÇÕES DE PAGAMENTO:

   40% com a adjudicação,

  60% com entrega dos equipamentos

  ou

  40% com a adjudicação

50% com entrega dos equipamentos em obra

10% com a montagem dos equipamentos

ou ainda com outras a combinar com V. Ex.ªs (…)

MONTAGEM: Compreende a ligação dos aparelhos às redes gerais de alimentação partindo do princípio que as mesmas se encontram nos devidos locais, a menos de um metro de distância dos mesmos e que para tal forneceremos desenhos de pormenores de ligações, bem como pormenores de construção e acompanhamento da obra. (…)

EXCLUSÕES: (…)

- “Quaisquer trabalhos de construção civil.

- Protecções eléctricas ao equipamento.

- Redes de alimentação de águas e esgotos.

- Redes de energia eléctrica e de gás.” (docs. 2 e 3 – fls. 96 a 106 e 76).

5. A A. emitiu, em 17.09.2007, a fatura nº 272, com vencimento a 17.09.2007, no valor de € 74.237,61, tendo nesta sido abatida a nota de crédito nº 39, emitida em 18.09.2007, no montante de € 6.028,59 (“Valor liquidado ao Sr. CC”), e acrescida a nota de débito nº 23, emitida em 18.09.2007, no montante de € 780,00 (“Estadia do Sr. CC”), bem como deduzido o adiantamento de € 42.453,60, perfazendo o valor final de € 48.209,02 (docs. 4, 5 e 6 – fls. 77 a 81).

6. A fatura indicada, em cujo descritivo se contemplam caleiras, ralos de pavimento, ventilo-convectores, sistemas de extração de fumos, sistemas de extração de ar, sistema de desenfumagem, sistema de insuflação e proteções de parede foi recebida e aceite pela R. (docs. 4, 5 e 6 – fls. 77 a 81).

7. Apesar de interpelada para o efeito, através de carta registada datada de 26.11.2013, e rececionada a 03.12.2013, a R. não efetuou qualquer pagamento por conta da fatura acima indicada (doc. 7 – fls. 82 a 84).

Ou seja, está fundamentalmente em causa saber quais foram os trabalhos que a ora Recorrente adjudicou à ora Recorrida, a forma como os mesmos foram faturados, e o que já foi pago.

Ora, a este respeito, importa antes de mais, considerar o que, a este respeito, resulta admitido por acordo das partes nos articulados.

E que, por isso, deve ser considerado assente.

Em relação aos trabalhos que foram adjudicados, a Autora alegou, na petição inicial corrigida:

No âmbito da sua atividade sua atividade de comércio e indústria de equipamentos industriais para hotelaria e afins, a A. apresentou à R., que à mesma adjudicou, em 08-11-2006, as duas propostas que identifica, para fornecimento de equipamento - caleiras, separador, proteção de paredes e equipamento de climatização - para o estabelecimento da R..

Essas duas propostas, juntas com a petição inicial aperfeiçoada, perfaziam os montantes de, respetivamente, € 31.717,00 e € 78.573,00, mais IVA.

Na fatura cujo pagamento vem reclamado, a A. incluiu todos os equipamentos previstos nas duas propostas, pelos valores ali indicados, com exceção dos identificados na proposta n.º 802/06 como “tratamento de águas residuais” e “capas de muretes”, que somavam € 6.483,00.

Ficando os fornecimentos da referida proposta reduzidos a € 31.717,00 - € 6.483,00 = € 25. 234,00.

Somando a totalidade dos fornecimentos, que a Autora alega ter realizado no âmbito do contrato, o montante de € 103.807,00.

A que acrescia IVA.

Por seu turno, a Ré alegou ter contratado com a ora Autora o fornecimento de equipamento de ar condicionado e ventilação, e a sua instalação no edifício que tinha em construção, pelo preço de € 106.134,00 mais IVA.

Estando assim admitido por acordo que a Ré adjudicou à Autora o fornecimento de equipamento de ar condicionado e de ventilação, para o edifício que tinha em construção, pelo preço de, pelo menos, € 103.807,00 mais IVA.

O que, assim, pode ser julgado provado, sem necessidade de escalpelizar se essa adjudicação corresponde à aceitação das duas propostas juntas aos autos pela Autora.

Ainda assim, julga-se que, por não ter sido eficazmente impugnado, também deve ser considerado assente que foram aquelas as propostas adjudicadas pela Ré à Autora, ressalvando-se apenas que a proposta n.º 802/06 foi reduzida dos trabalhos de “tratamento de águas residuais” e de “capas de muretes”.

Esse facto foi alegado no art. 2.º petição inicial aperfeiçoada, nos precisos termos em que foi julgado provado. E a Ré, para além de reconhecer que tinha adjudicado à Autora trabalhos pelo preço de € 106.134,00 mais IVA, de que apenas tinha pago o correspondente a 40%, alegou, nos termos já referidos:

Impugna o art. 2.º a 13.º da petição aperfeiçoada e os documentos 1 a 7, por desconhecer os factos, sendo alguns falsos, e os documentos, porquanto,

Volvidos sete anos, não se recorda de ter recebido a carta junta como doc. n.º 1, nem do teor exato do orçamento.

Impugna os orçamentos juntos, por falta de data e de assinaturas, e da primeira página de cada um deles.

E o orçamento que foi aprovado não tinha rasuras, nem anotações.

Ou seja, a Ré reconhece que aprovou um orçamento, que não continha rasuras nem anotações, e que totalizaria o montante de € 106.134,00 mais IVA.

E alega não se recordar do teor exato do orçamento, questionando os apresentados pela Autora por lhes faltar uma página, por conterem rasuras e anotações, e por não terem data nem assinaturas.

Mas o alegado desconhecimento começa por ser inverosímil. Está em causa um contrato de valor global superior a cem mil euros que, todos estão de acordo, ainda não se mostra cumprido.

Pelo que não é verosímil que a Ré não tenha conservado os documentos que formalizam, e provam, a existência do contrato e delimitam o seu conteúdo obrigacional. Pelo menos era-lhe exigível que, em termos de diligência normal, guardasse as propostas que adjudicou, até o contrato ser considerado integralmente cumprido.

E nada foi alegado para justificar a indisponibilidade desses documentos pela Ré.

Ora, nos termos do art. 574.º n.º 3 do CPC, se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento, e equivale a impugnação no caso contrário.

E, nos termos acabados de referir, a Ré não podia deixar de ter conhecimento do teor exato das propostas que adjudicou.

Pelo que a impugnação que deduziu à alegação da Autora, de que as propostas adjudicadas são as que aquela apresentou, deve ser considerada ineficaz.

Considerando-se aquele facto confessado.

Não havendo fundamento para alterar os pontos 2 e 3 do elenco da matéria de facto provada.”

Adianta-se, desde já, que se acompanha esta bem fundamentada posição.

Aceitando o risco de não irmos além do que já consta no acórdão sob recurso, salientaremos o que passamos a expor.

 Os factos provados, descritos sob os nºs 2, 3 e 4, correspondem na sua essência – com ligeira diferença de redação – àquilo que a autora alegou nos arts. 2º, 3º e 4º da sua petição inicial aperfeiçoada[12], complementado pelo conteúdo dos documentos por ela designados como nºs 1, 2 e 3, para os quais remete e que se acham a fls. 75, 96-106 e 76, respetivamente.

A tal alegação a ré contrapôs na sua contestação, para além do que já opusera à petição objeto de aperfeiçoamento, o seguinte:

Impugna o art. 2º a 13º da P.I. e os documentos 1 a 7, por desconhecer os factos, sendo alguns falsos, e os documentos, porquanto,

A Ré não se recorda de ter recebido a carta junta como doc. 1 atendendo ao tempo decorrido.

Por outro lado, volvidos sete anos, o Ré já não se recorda do teor exacto do orçamento, porem, sempre se dirá que, (sublinhado nosso)

Os orçamentos juntos sob o doc. 2 não estão datados nem assinados, quer pela autora, quer pela A., quer pelo R,

O orçamento que foi aprovado não tinha as rasuras nem as anotações daquele que foi junto aos autos,

Referindo ainda que certamente falta parte do orçamento uma vez que ambos se iniciam na página 2,

Pelo que vão expressamente impugnados os orçamentos juntos.”

Afronta, assim, o alegado nos ditos arts. 2º, 3º e 4º da petição aperfeiçoada, não pela afirmação da sua inveracidade, mas pela invocação do seu desconhecimento.

Nenhuma relevância pode ser atribuída à expressão “sendo alguns falsos”, pois que, inserida no contexto em que foi proferida e desacompanhada de qualquer esforço de concretização, fica sem se saber a que factualidade estará a ré a referir-se.

Aliás, como bem se nota no acórdão recorrido, aceitando a ré na contestação inicialmente apresentada e depois reiterada que adjudicou à autora o fornecimento de equipamento de ar condicionado e de ventilação para o edifício que tinha em construção por um preço global superior ao que a autora diz ter sido ajustado pelas partes, mal se entenderia que negasse de modo frontal e concludente o fornecimento de material dessa natureza que a autora alega ter-lhe feito.

Fica-se, antes, pela cómoda afirmação de que desconhece os factos alegados, justificando com o tempo transcorrido a afirmada falta de lembrança do exato teor do(s) orçamento(s) que a autora lhe propôs e ela aceitou; e acrescenta, de qualquer modo, que os orçamentos juntos como documento nº 2 – fls. 96 a 106 dos autos - não se mostram assinados, cada um deles começa na folha 2 e contêm rasuras e anotações que não constavam naquele que foi proposto e aceite.

Ora, é regra basilar do ónus de impugnação, a de que o réu, ao contestar, “deve tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor” – nº 1 do art. 574º -, a significar que não vale como tal a assunção de uma postura dúbia sobre os factos; e a indefinição que o sistema não consente, tanto pode traduzir-se na pura e simples falta de tomada de posição sobre os factos (ressalvada a hipótese destes não admitirem confissão ou só poderem ser provados por documento escrito) – nº 2 da mesma norma -, como na declaração de que desconhece se os mesmos são reais quando estejam em causa factos pessoais do réu ou de que este deva ter conhecimento - nº 3 do preceito.

Na primeira das aludidas hipóteses considera a lei que há admissão por acordo, na segunda tem os factos por confessados.

A este propósito discorrem, esclarecidamente e nos seguintes termos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[13]:

Direta ou indireta, a impugnação repousa normalmente numa certeza. O réu afirma que o facto alegado pelo autor não se verificou ou que se verificou outro facto com ele incompatível. A afirmação e negação constituem declarações de ciência, que são informações sobre a realidade, baseadas no conhecimento do declarante: trata-se de manifestações da esfera cognoscitiva sobre fragmentos da realidade que é objeto do conhecimento. Mas pode acontecer que o réu esteja em dúvida sobre a realidade de determinado facto e, neste caso, a expressão dessa dúvida é suficiente para constituir impugnação se não se tratar de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento, valendo como admissão no caso contrário (nº 3). Constitui facto pessoal ou de que o réu deve ter conhecimento, não só o ato praticado por ele ou com a sua intervenção, mas também o ato de terceiro perante ele praticado (…), ou o mero facto ocorrido na sua presença, e ainda o conhecimento do facto ocorrido na sua ausência (…)

Na mesma linha, já Alberto dos Reis[14] afirmava, a propósito do art. 494º do CPC então vigente[15]:

Como exigir que o réu impugne o facto, sob pena de o aceitar como verdadeiro, se não tem conhecimento dele, se nada sabe a respeito da ocorrência material narrada pelo autor?

O § 1º do artigo resolve a dificuldade. Admite a declaração, por parte do réu, de que não sabe se o facto é exacto; e atribui à declaração valor diverso, conforme se trata de facto pessoal ou de facto de que o réu deva ter conhecimento, ou se trata de facto que não esteja nestas condições: no 1º caso a declaração vale como confissão, no 2º vale como impugnação.

(…)

Quanto aos equívocos e lapsos de memória, note-se que o texto se refere a factos pessoais ou de que o réu deva ter conhecimento. Esta restrição parece que é garantia bastante contra quaisquer perigos. Trata-se de factos que, pela sua própria natureza, não podem deixar de estar presentes ao espírito da pessoa

Ora, a formulação de propostas de orçamentos e a sua aceitação pela ré é facto alegado pela autora e no qual, a ter ocorrido, ambas intervieram, a primeira dirigindo certas propostas à segunda e esta aceitando-as.

Trata-se, pois, de facto que tem de considerar-se como pessoal da ré, não podendo esta, em virtude dessa natureza, deixar de conhecê-lo.

Daí que o seu alegado desconhecimento dos factos e a afirmação segundo a qual “volvidos sete anos, o Ré já não se recorda do teor exacto do orçamento” – aqui exprimindo também o seu desconhecimento sobre a verdade ou mentira das propostas de orçamento que a autora alega terem sido por si aceites - equivalham, por força do nº 3 do art. 574º, a confissão dos factos alegados nos artigos 2º, 3º e 4º da petição aperfeiçoada, depois julgados provados e feitos constar sob os nºs 2, 3 e 4 do elenco factual tido como demonstrado.

E esta falta de eficaz impugnação, que leva à prova plena dos factos, em nada é beliscada pelas considerações laterais que a ré tece acerca do documento que, em cópia, retrata o conteúdo dos orçamentos aceites pela ré.

Não se exigindo para a proposta e correspondente aceitação do invocado negócio jurídico a existência de documento subscrito pelas partes, a falta de assinatura das partes naquele documento nenhuma relevância tem, tal como é irrelevante que a cópia trazida aos autos pela autora contenha rasuras e anotações que eventualmente não constassem no original.

É também inócua, nomeadamente em termos de impugnação eficaz, a constatação de que cada um dos orçamentos juntos pela autora começam na página 2, outro tanto se passando com a alegação de que “vão expressamente impugnados os orçamentos juntos.”, pois se trata, por tudo o que antes referimos, de uma afirmação meramente conclusiva que nenhum reflexo encontra em impugnação que a ré tenha efetivamente oposto aos factos alegados pela autora.

Em suma, não se justificava que o Tribunal da Relação reapreciasse a prova produzida quanto aos factos em discussão, pois que os mesmos, tal como se entendeu no acórdão sob recurso, se mostravam já plenamente assentes.

Não violou, pois, a Relação de Lisboa nenhuma regra adjetiva atinente ao julgamento do recurso de facto, impondo-se a improcedência da revista na parte em que foi admitida.

IV- Pelo exposto:

- Por inadmissibilidade, julga-se finda a revista na parte estranha ao que seria a indevida abstenção do Tribunal da Relação de reapreciar a prova produzida, ao julgar a impugnação deduzida contra alguns dos factos;

- Na parte em que foi admitida, julga-se a revista improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa 17 de Outubro de 2019

Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relatora)

Catarina Serra

Bernardo Domingos

________________________


[1] Diploma a que respeitam as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência.
[2] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, págs. 371 a 374 e respetivas notas.
[3] No âmbito da Formação para apreciação dos requisitos da revista excecional
[4] Cfr. os acórdãos do STJ citados na obra a que acabámos de fazer referência e aí parcialmente transcritos.
Cfr. ainda, entre outros, a decisão singular de 30/10/2012, proc. 258101/08.0Y1PRT.L1.S1, Cons. Abrantes Geraldes, e os acórdãos de 2/6/2015, proc. 6040/11.7TBOER.L1.S1, Cons. Moreira Alves e de 8/9/2016, proc. 7335/10.2TBSTR.E1.S1, Cons. Olindo Geraldes, disponíveis em www.dgsi.pt, e, bem assim, os vários arestos deste STJ citados pela ré nas suas contra-alegações.
[5] Em Cadernos de Direito Privado, nº 21, pág. 24 “Dupla Conforme: critério e âmbito de conformidade”
[6] Este entendimento, embora proposto a partir da redação dada ao art. 721º, nº 3 do CPC revogado em 2013, é transponível por inteiro para o regime constante do atual art. 671º, nº 3.
[7] Cfr. Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 369
[8] Cfr. conclusões V a XIII
[9] Cfr. obra citada, pág. 366
[10] De verificação de dupla conforme
[11] Págs. 366-367, nota de rodapé 529
[12] Que constitui folhas 72 a 74 dos autos
[13] Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pág. 572-573
[14] Código de Processo Civil anotado, volume III, pág. 60
[15] De regime essencialmente idêntico ao do atual art. 574º