Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2185/04.8TBOER.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 01/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / OBRIGAÇÃO DE JUROS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª edição, pp.591, 593, 906.
- Estudo Publicado na Revista “Sub Judice”, nº17, 2000, Janeiro/Março, p.163.
- Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. I, p. 299, vol. II, p. 288.
- Pinto Monteiro, “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, n°l, 1° ano, Setembro, 1992, p. 21.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, p.501.
- Sinde Monteiro, “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, p. 248.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 496.º, N.ºS 1 E 3, 559.º, N.º1, 562.º, 564.º, N.º2, 566.º, 804.º, N.º1, 805.º, N.º1, 806.º, N.º1.
PORTARIA N.º 291/2003, DE 8-4.
PORTARIA N.º 377/2008, DE 26-5.
D.L. N.º 291/2007, DE 21-9.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 17/2/1992, IN BMJ, 420, 414, DE 31/3/1993 IN BMJ, 425, 544; DE 8/6/1993 IN ACSTJ, II, 138; DE 11/10/1994 IN ACSTJ, II, 8916/3/1999 IN ACSTJ, I, 167; DE 15/12/1998 IN ACSTJ, III, 155.
-DE 30/10/1996, IN BMJ 460-444.
-DE 18/3/1997, IN CJ/STJ, 1997, II, 24.
-DE 10/3/1998, IN BMJ 475-635.
-DE 15/1/2004, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 4/10/2005, PROCESSO N.º 05A2167, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 4/10/ 2007, PROC. N.º 07B2957, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 4/6/2015, P. N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, DE 9 DE MAIO DE 2002, D.R. I SÉRIE A, N.º 146 DE 27 DE JUNHO DE 2002.

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ACÓRDÃO DE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 2 MAIO 1995, DOCUMENTO N.º JTRP00014588, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I. O dano biológico, resulta da afectação da integridade psicossomática da pessoa, devendo ser primordialmente qualificado como dano patrimonial se o acidente causou ao lesado sequelas físicas permanentes que, se no imediato e por razões conjunturais não afectam o auferimento de réditos laborais, no futuro terão repercussão na actividade física do lesado, do ponto em que sua a capacidade laboral está irreversivelmente afectada. O dano é, assim, presente e futuro devendo, por regra, ser indemnizável como dano patrimonial.

II. Em função das sequelas permanentes que afectam o Autor e que constituem menos valia física permanente com repercussão na sua vida laboral futura, implicando maior penosidade com o decurso da idade e poderão frustrar o emprego em profissões fisicamente exigentes, lembre-se que a lesão provocou encurtamento de 4 cm, na perna esquerda e que pela lesão na perna direita coxeia, sente dores ao andar, não dobra a perna esquerda na totalidade, para lá das lesões permanentes que afectam os seus membros superiores, tendo ainda em conta que, desde os 20 anos, o Autor viu condicionada a sua integridade física, reputa-se equitativa – nº3 do art. 566º do Código Civil – a compensação por danos patrimoniais, na vertente da perda de capacidade de ganho em função do grau de incapacidade actual de 40% a indemnização de € 150 000,00.

III. Não se tratando de incluir na compensação por danos morais os “punitive damages” do direito anglo-saxónico, a compensação deve, no entanto, reflectir a censura de que é merecedor o causador do facto ilícito gerador de danos. No caso, o acidente deveu-se a culpa grosseira do condutor segurado da Ré, que conduzia com elevada taxa de álcool no sangue – 2,25 gr./l. Para além disso, não se deteve ante um sinal de Stop e encetou uma manobra de mudança de direcção de forma imprevidente, causando o acidente. 

IV. Em consequência das múltiplas lesões sofridas, o Autor, aos 20 anos, ficou afectado física e psicologicamente, não sendo razoável considerar que a sua menos valia física, relevante para quantificar o dano patrimonial, não seja valorada como sofrimento, pelo sentimento de inferioridade psicológica que representa alguém jovem e saudável, sendo desportista, e apreciador dos prazeres da vida, se vê com o corpo com cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento e relevante dano estético, com sequelas psicológicas que implicam perda de auto-estima e sentimentos de inibição, levando à alteração do padrão de vida pessoal e social. Os danos não patrimoniais foram e são de acentuada magnitude, pelo que a compensação que é devida, com base na equidade e que se tem como justa, deve ser fixada como é, em € 45 000,00, uma vez que não se procede a actualização dos valores arbitrados.

Decisão Texto Integral:

Proc.2185/04.8TBOER.L1.S1

R-530[1]

Revista

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

           AA, intentou em 19.3.2004, nos Juízos de Competência Especializada Cível do Tribunal da Comarca de Oeiras, acção declarativa de condenação, emergente de acidente de viação, com forma ordinária, contra:

            BB, companhia de seguros, S.A., posteriormente incorporada por fusão, na pendência da causa, por CC, S.A., contra quem passaram a seguir os presentes autos (cfr. despacho de fls. 282), sendo Interveniente: DD,

           Pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 20.000,00 pela perda de capacidade de trabalho resultante da incapacidade parcial permanente de 50% que ficou a padecer; a quantia de € 350.000,00 a título de danos futuros traduzidos na perda da capacidade de ganho, e ainda a quantia de € 100.000,00 a título de danos não patrimoniais.

           Fundamenta, em síntese, os pedidos, em acidente de viação ocorrido no dia 27.1.2000, quando circulava no motociclo de matrícula AS-, na via pública, altura em que ao entrar num entroncamento, veio a ser vítima de colisão pelo veículo automóvel de matrícula -EQ, conduzido em sentido contrário ao seu pelo interveniente DD, colisão que ocorreu por este último condutor não ter parado no Stop que se lhe apresentava para efectuar mudança de direcção à esquerda, não atentando no trânsito, e bem assim por conduzir com uma TAS de álcool no sangue de 2,25 gr./l, o que lhe afectou os reflexos e a visão.

           Como consequência do embate dos dois veículos, o autor, à data com 20 anos de idade, sofreu diversas e graves lesões, nomeadamente encurtamento da perna, extensas cicatrizes, dores, medos e angústias, com necessidade de internamento hospitalar, cirurgias, fisioterapia, e dependência de terceiros, tudo a justificar os valores supra peticionados.

            Conclui pela procedência da sua pretensão.

           A ré foi regularmente citada, e deduziu contestação onde, no essencial, impugnou a dinâmica do acidente, salientando que ainda assim assumiu desde logo a responsabilidade civil do seu segurado e condutor do EQ. Impugna, ainda, os danos alegados pelo Autor, concluindo que os valores indemnizatórios pedidos por aquele são excessivos.

            Conclui, requerendo seja a causa julgada de acordo com a prova a produzir.

           Foi dispensada a audiência preliminar, proferido o despacho saneador, onde se verificaram os pressupostos da instância, mais se procedendo à fixação dos factos assentes e elaboração da base instrutória, sem reclamações.

          Procedeu-se a julgamento com inteira observância das respectivas formalidades legais, conforme resulta da respectiva acta.

           

                                                                                  ***

           Foi proferida sentença que decidiu julgar a acção parcialmente procedente por provada, e em consequência:

           Condenar a Ré CC, S.A. a pagar ao Autor AA a quantia global de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) sendo € 50.000,00 euros acrescida de juros moratórios, à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a data da presente decisão, e € 200.000,00 euros acrescido de juros moratórios à taxa legal, contados desde a data de citação, e até integral pagamento.

                                                                                 

***

           Inconformada a Ré, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 1.10.2015 – fls. 488 a 505 – julgou procedente a apelação, revogando a sentença objecto de recurso e condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia total de 100.000,00 Euros, a titulo de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, vencidos desde esta data, até integral pagamento.

***

           Inconformado, o Autor recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

           I – Na fixação da indemnização pelos danos patrimoniais a que se procedeu no douto Acórdão recorrido, não se atendeu, mas devia ter-se atendido, ao dano correspondente a violação (in casu, gravíssima) do direito do Autor e ora recorrente à saúde e integridade física, drasticamente afectadas para o resto da sua vida.

            II – Como tem sido unanimemente (e muito bem) entendido, este dano nada tem a ver nem com a perda de rendimentos ou de capacidade de ganho, nem com os esforços acrescidos necessários para obter esses rendimentos e ganhos.

            I – A prova produzida nos autos não permite concluir que não se verifiquem lucros cessantes ou perdas de rendimento. Pelo contrário,

           IV – Perante a prova produzida nos autos, são evidentes as repercussões laborais da incapacidade sofrida pelo Autor e ora recorrente.

           V – Recorrendo-se à equidade para fixação da indemnização devida pelos danos patrimoniais, o cálculo feito primeira instância não merece qualquer censura.

           VI – Quanto aos danos não patrimoniais, a medida da indemnização fixada em primeira instância mostra-se, atentos os gravíssimos danos sofridos pelo Autor e ora recorrente, que resultaram inteiramente provados no processo, inteiramente conforme com os critérios mais recentemente seguidos pelo Supremo Tribunal de Justiça e não devia ter sido alterada.

           VIII – A indemnização por danos patrimoniais fixada em primeira instância não foi expressa nem implicitamente actualizada. Por isso,

            IX – Os juros de mora sobre a referida indemnização devem ser contados desde a data da citação da Ré e ora recorrida, conforme decidido (e bem) em primeira instância.

            X – Ao decidir-se em sentido contrário, resulta violado no douto Acórdão recorrido, designadamente, o disposto no art. 70º, nº1, art. 496°, n°1, art. 562°, art. 564°, n° 1 e n°2, e art. 805°, nº3, in fine, do Código Civil.

           Termos em que, deve ser concedido pleno provimento ao presente recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido e mantendo-se inteiramente a douta sentença proferida em primeira instância, condenando-se a Ré e ora recorrida a pagar ao Autor e ora recorrente a quantia global de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), sendo a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) acrescida de juros moratórios, à taxa legal, vencidos e vincendos, desde data da referida decisão (16 de Fevereiro de 2015) e a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, contados desde a data da citação e até integral pagamento.

           A Recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.

***

            Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

           1º- No dia 27-01-2000, cerca das 20.25h, o motociclo com a matrícula AD-, pertencente a EE e conduzido pelo autor, seguia na Av. …, em …, no sentido Norte-Sul. (A)

           2º-Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1º, no sentido Sul-Norte, seguia o veículo ligeiro com a matrícula -EQ, conduzido pelo interveniente DD e pertencente ao mesmo. (B)

           3º-Junto ao entroncamento da Av. … com o acesso à auto-estrada (sendo este acesso perpendicular àquela avenida, do lado direito, atento o sentido Norte-Sul), o condutor do EQ efectuou a manobra de mudança de direcção para a esquerda, atento o respectivo sentido de marcha (Sul-Norte), com o intuito de seguir para o referido acesso. (C)

           4º-No aludido entroncamento, e para veículos que pretendem virar à esquerda, existe um sinal vertical com a inscrição “STOP”. (D)

           5º-Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1º, o condutor do EQ conduzia com uma TAS de 2,25 gr/l de álcool no sangue. (E)

            6º- O condutor do EQ, ao efectuar a manobra descrita em 3º, invadiu a hemi-faixa esquerda da Av. …, atento o seu sentido de marcha, indo embater com o lado esquerdo da parte da frente do seu veículo contra o “AS”. (art. 2º da b.i.)

            7º- Em resultado do embate, o autor foi projectado para fora da via em que seguia. (art. 3º)

            8º-O autor caiu, juntamente com o motociclo, sobre uma zona ajardinada a cerca de 7 metros do local do embate. (art. 4º)

            9º- O condutor do EQ, em virtude do facto descrito em 5º, tinha os reflexos, a visão, a atenção e a concentração afectadas. (art. 5º)

            10º- O condutor do EQ não avistou o veículo conduzido pelo autor. (art. 9º)

           11º- Em consequência do embate, o Autor sofreu as seguintes lesões: traumatismo craniano, com perda de conhecimento, traumatismo facial, com fractura dos ossos do nariz e feridas múltiplas na face, traumatismo torácico com pneumotórax esquerdo, traumatismo abdominal, com lâmina de líquido periesplénico, traumatismo ortopédico, com fractura cominutiva intercondiliana do fémur esquerdo, fractura do planalto tibial à esquerda, fractura médio-diafisária do fémur direito, luxação do ombro direito, fractura segmentar exposta do cúbito esquerdo e fractura cominutiva do trapézio direito. (art. 11º)

            12º - Após o embate, o Autor foi conduzido ao Hospital de S. Francisco Xavier, onde foi operado de urgência, entre as 23.40h (do dia 27-1-2000) e as 06.25 h (do dia 28-1-00). (art. 12º)

           13º- O Autor foi operado no dia 29-1-2000, tendo sido efectuada redução cruenta e imobilização dos ossos do nariz, suturadas as feridas múltiplas da face por cirurgia plástica, drenado o pneumotórax, feita osteossíntese com placa no fémur esquerdo, no planalto tibial à esquerda e no fémur direito, imobilizado o ombro direito, feito encavilhamento com fio de Kirschener no cúbito esquerdo, feita osteossíntese com o mesmo fio no trapézio direito, e feita laparoscopia diagnóstica, que mostrou não haver hemoperitoneu. (art. 13º)

            14º-O autor ficou a ser assistido na UCIC (cuidados intensivos) para suporte ventilatório e equilíbrio hemodinâmico, até ser transferido, em 2-02-2000 para o serviço de ortopedia do Hospital Egas Moniz. (art. 14º)

            15º- O autor permaneceu internado no Hospital Egas Moniz até 23-2-2000 tendo-lhe sido efectuada redução fechada de fractura com fixação interna do fémur, transfusão de glóbulos vermelhos, fisioterapia, radiografias aos ossos do punho, da mão, do tornozelo, do pé, da coxa, do joelho e da perna, extracção de prótese de fixação interna do carpo e metacarpo, laparotomia exploradora, redução aberta de fractura do fémur, com fixação interna, injecção ou infusão de electrólitos, redução aberta de fractura nasal, redução aberta da fractura da tíbia e do perónio, com fixação interna, redução aberta de fractura do carpo e metacarpo, sem fixação interna, redução fechada de luxação do ombro, radiografia do tórax, injecção de antibiótico e redução aberta de fractura do rádio e cúbito, com fixação interna. (art. 15º)

           16º-Em 27-3-2000 o Autor foi internado no Hospital Egas Moniz, por se verificarem transtornos das bolsas e tendões na região do ombro e efeitos tardios de fractura das extremidades superiores. (art. 16º)

           17º- O Autor foi operado em 28-3-2000 e permaneceu internado até 31-3-2000. (art. 17º)

           18º-A partir de 31-3-2000, o autor passou a ser seguido nos serviços clínicos da ré, tendo sido operado 2 vezes, a primeira no dia 25-10-2001, tendo-lhe sido substituída a prótese metálica aplicada no fémur esquerdo e realizado um enxerto ósseo no joelho esquerdo, retirando um pedaço de osso da anca direita, e a segunda no dia 12-7-2002, sendo submetido a novo excerto ósseo no mesmo joelho, desta vez retirando osso da anca esquerda, até a situação clínica ter sido dada como consolidada em Janeiro de 2003.

           19º-No presente, já foi retirado ao A. o material de osteossíntese (art. 19º)

            20º- À data do embate, o autor era um jovem saudável e activo (art. 21º)

            21º- Em consequência das lesões sofridas o Autor não pode correr, nem saltar (art. 22º)

            22º-Em consequência das lesões sofridas o Autor ficou com a perna esquerda mais curta em quatro centímetros, do que a direita. (art. 23º)

            24º-Em consequência das lesões sofridas o Autor coxeia e sente dores ao andar (art. 24º)

            25º-Em consequência das lesões sofridas, o Autor não conseguia estar de pé, parado, mais do que alguns segundos, mas actualmente já o consegue (art.25º)

           26º-Em consequência das lesões sofridas o Autor, ao levantar-se, depois de estar sentado, sofre dores muito fortes na zona do joelho e da perna (art. 26º)

           27º-Em consequência das lesões sofridas, o Autor não dobra a perna esquerda na totalidade. (art. 27º)

            28º-Em consequência das lesões sofridas, o Autor perdeu e não recuperou massa muscular na perna esquerda. (art. 28º)

           29º-Em consequência das lesões sofridas o Autor tem menos força no braço direito, o que o impossibilita de levantar determinados pesos. (art. 29º e 31º da b.i.);

            30º-Em consequência das lesões sofridas o Autor perdeu massa muscular no braço direito. (art. 30º)

           31º-Em consequência das lesões sofridas o Autor tem dores muito fortes no ombro direito. (art. 32º)

           32º- Em consequência das lesões sofridas o Autor perdeu o movimento de rotação externa do braço direito. (art. 33º)

           33º- Em consequência das lesões sofridas o Autor, na mão esquerda, não dobra totalmente o dedo polegar, o dedo anelar ficou com o nó torto e o dedo mínimo ficou torto e não estica totalmente. (art. 34º)

           34º-Em consequência das lesões sofridas o Autor tem dores muito fortes na coluna vertebral, o que o impede de estar muito tempo sentado ou deitado na mesma posição. (art. 35º e 36º)

           35º- O Autor ficou com cicatrizes no nariz, no sobrolho, no braço esquerdo, no pé esquerdo, no tronco, nas ancas direita e esquerda, (em resultado das operações para realização de enxertos ósseos), na canela, dedo polegar, ombro e coxa do lado direito. (art. 37º)

           36º-As sequelas de que o Autor ficou a padecer provocam-lhe uma incapacidade permanente geral parcial fixável em 40%. (art. 38º)

           37º-À data do embate, o Autor planeava seguir um curso de informática. (art. 39º)

            38º-À data do embate o Autor vivia a cargo dos pais. (art. 40º)

           39º-Em 27-1-2000, o autor frequentava o 9º ano de escolaridade no Externato ....

           40º-Em resultado do embate o Autor interrompeu os estudos. (art. 41º)

            41º-E retomou os estudos em 2004. (art. 42º)

           42º- O Autor frequentou um curso técnico-profissional de informática. (art. 43º)

           43º-O pai do Autor trabalha como técnico de contas numa empresa de informática. (art. 44º)

           44º- A mãe do Autor é comerciante de roupa de marca. (art. 45º)

           5º- À data do embate o Autor era optimista, de feitio alegre, com uma vontade de viver imensa, feliz. (art. 46º)

            46º- Ao recobrar a consciência após vários dias em estado de coma, nos pós operatórios das diversas intervenções cirúrgicas a que foi submetido e, bem assim, com os tratamentos e as sessões de fisioterapia, o Autor sofreu dores muito agudas. (art. 47º)

           47º-Actualmente o Autor sente dores quando está sentado ou deitado durante algum tempo. (art. 48º)

            48º- O Autor assim que tomou consciência da situação em que se encontrava, em consequência das lesões sofridas, sentiu a angústia de não saber se, e quando, iria recuperar dessas lesões, se ficaria com sequelas, que dimensão essas sequelas assumiriam. (art. 49º)

           49º-No primeiro período de internamento, no Hospital Egas Moniz, o Autor teve acompanhamento psicológico em virtude de, além do mais, sofrer de instabilidade emocional, resultante de clausura hospitalar a que se encontrava sujeito, sem qualquer tipo de mobilidade. (art. 50º e 51º)

           50º-A instabilidade emocional do Autor prolongou-se para lá dos períodos de internamento hospitalar. (art. 52º)

           51º- O Autor tornou-se uma pessoa impaciente, nervosa, depressiva, e perdeu a alegria de viver e a jovialidade. (art. 53º)

           52º-Após o embate, o Autor passou, por vezes, a fechar-se sobre si próprio, evitando as companhias. (art. 54º)

            53º-Após o embate o Autor passou a ter reacções intempestivas com as pessoas que o rodeiam. (art.55º)

           54º- O Autor, perante as sequelas do acidente, sente um profundo desgosto por se ver com cicatrizes permanentes, nomeadamente na face, por coxear, e pelas demais deformidades da perna esquerda. (art. 56º)

           55º- O Autor sente-se injustiçado e revoltado ao verificar a irreversibilidade das sequelas do acidente que sofreu. (art. 57º)

            56º- O Autor era, antes do embate, um praticante entusiástico de ski-aquático. (art. 58º)

            57º- Praticava body-board, snow-board e squash. (art. 59º)

            58º- Jogava regularmente futebol com os amigos. (art. 60º)

           59º- O Autor deixou de poder praticar as modalidades desportivas referidas. (art. 61º)

           60º- O Autor como adepto apaixonado do Sporting, assistia normalmente ao vivo aos jogos da equipa de futebol deste clube. (art. 62º)

           61º-Na época 1999/2000, ao cabo de 18 anos, a equipa do “SPORTING” voltou a sagrar-se campeã nacional de futebol.

           62º- Em consequência do embate, o autor deixou de poder acompanhar a carreira da equipa na parte final da época 1999/2000. (art. 63º)

            63º- O Autor ficou “descoroçoado” por não poder acompanhar os jogos finais dessa época e de se ver impedido de participar na festa de comemoração do título. (art. 64º)

           64º- O Autor gostava muito de ir à praia, que frequentava com regularidade, ao longo de toda a época balnear, e após o embate deixou de ir à praia. (arts. 65º e 66º)

           65º- O Autor sente-se inibido de mostrar as suas deficiências físicas, mormente a perna mais curta. (art. 67º)

           66º- O Autor dava muita importância à sua aparência física. (art.68º).

           67º- O Autor gostava de conviver com outros jovens da sua idade, gostava muito de dançar, sendo frequentador de festas e discotecas. (arts. 69º e 70º)

           68º- Após o embate, o Autor deixou de dançar, de ir a festas e de frequentar discotecas. (art. 71º)

           69º - O Autor sempre que se desloca a qualquer lugar tem de ter cuidado com os movimentos, já que qualquer queda que sofra poderá ter efeitos graves. (art. 72º)

            70º- O Autor teve alta definitiva em 12-12-2002.

           71º-Em consequência das lesões resultantes do acidente, o Autor sofreu uma incapacidade temporária total de 94 dias; uma incapacidade temporária parcial de 1015 dias; uma incapacidade temporária profissional total de 444 dias, e uma incapacidade temporária profissional parcial de 665 dias.

           72º-A intensidade das dores sofridas pelo Autor – Quantum Doloris – foram-no em grau 5, numa escala de 0 a 7.

            73º- Ficou a padecer das seguintes cicatrizes:

            Na face, em concreto na sobrancelha esquerda uma cicatriz com 7 cm;

                No dorso do nariz uma cicatriz com 4,5 cm;

                Na região frontal entre sobrancelhas uma cicatriz de 4 cm x 3 cm;

                No tórax 4 cicatrizes, a maior com 2 cm e a menor com 0,5 cm; 

                Na crista ilíaca direita uma cicatriz com 10 cm;

                No ombro direito uma cicatriz com 8 cm x 2 cm;

                Na mão direita uma cicatriz com 4 cm;

                No cotovelo esquerdo uma cicatriz 0,5 cm;

                No antebraço esquerdo 5 cicatrizes sendo a maior com 10 cm e a menor com 3 cm;

                Na perna direita uma cicatriz com 28 cm;

                Na perna esquerda várias cicatrizes, sendo as mais extensas, uma com 21 cm e outra com 29 cm;

                No abdómen uma cicatriz com 3 cm.

            74º-Em consequência das lesões resultantes do acidente, o Autor sofreu um encurtamento da perna esquerda de 4 cm menos que a perna direita.

            75º-Ficou, a título definitivo, a claudicar da perna esquerda, e com rigidez do joelho esquerdo com flexão limitada a 110%

            76º- O Autor sofreu um dano estético de grau 4, numa escala de 0 a 7 graus.

            77º- Sofreu um prejuízo de grau 2 a título de afirmação pessoal, numa escala de 0 a 5 graus.

            78º- A responsabilidade civil por danos causados pela circulação do veículo -EQ estava transferida para a ré, mediante o contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice n.º ….

           79º- A ré assumiu, sem quaisquer reservas, a referida responsabilidade, tendo suportado o pagamento de todas as despesas médicas e hospitalares do autor.

            Fundamentação:

           Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa, agora no recurso de revista, tal como antes no recurso de apelação, saber se a indemnização pelo dano patrimonial – perda de capacidade de ganho – e a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor/recorrente devem ser aumentadas.

           O Acórdão, sob censura, acolheu a pretensão da recorrida seguradora e reduziu substancialmente os valores atribuídos na sentença apelada.

           Nela foi atribuída a indemnização de € 200 000, 00 por danos patrimoniais – perda de capacidade de ganho em função das lesões determinantes de 40% de IPPG (incapacidade permanente parcial geral) e € 50 000, 00 por danos não patrimoniais, valor este actualizado à data da decisão – (16.2.2015) e com juros de mora desde aí. Quanto aos juros de mora sobre aqueloutro valor seriam devidos desde a data da citação.

            A Relação, operando com a mesma matéria de facto, concedeu € 75 000,00 por danos patrimoniais e € 25 000,00 por danos não patrimoniais, consignando que sobre tais cifras recaíam juros de mora desde a data do Acórdão (1.10.2015).

           Não se discute neste Tribunal, como na Relação, a responsabilidade na eclosão do acidente de viação, cuja culpa exclusiva radicou na conduta o segurado da Ré; com efeito, conduzia sob a influência do álcool, TAS de 2,25 gr./l, o seu veículo automóvel ligeiro, no dia 27.1.2000, pelas 20.25 h, não respeitou a paragem obrigatória ante sinal de Stop que se lhe deparava, fazendo temerariamente mudança de direcção, colidindo com o motociclo tripulado pelo Autor. Os valores atribuídos pelas Instâncias foram-no com base na equidade.

            Vejamos:

  Tendo em conta que importa analisar as consequências do acidente, na vertente dos danos patrimoniais futuros (lucros cessantes, perda de capacidade de ganho) e não patrimoniais, importa ponderar, quanto a estas questões, o quadro normativo aplicável.

   Verificam-se, no caso, os pressupostos do dever de indemnizar no contexto da responsabilidade civil extracontratual, a saber: facto voluntário, ilicitude, culpa, dano, nexo de causalidade entre o facto e o dano. Ninguém questiona que o Autor em nada contribuiu para o acidente que lhe causou danos severos física e psicologicamente.

“ (...) Constituem pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483º e 487º, nº2, do Código Civil, a prática de um acto ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto ao agente em termos de culpa, apreciada como regra em abstracto, segundo a diligência de um “bom pai de família”. (...)”- cfr. inter alia, Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10.3.1998, in BMJ 475-635.

  A obrigação de indemnizar a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” – art. 562º do Código Civil.

Dano é a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar” – Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág.591, 7ª edição.

 Na definição do citado civilista, “o dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado”.

 Este dano abrange não só o dano emergente ou perda patrimonial, como o lucro cessante ou lucro frustrado.

“O lucro cessante abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito mas a que ainda não tinha direito à data da lesão” (ibidem, pág. 593).

 A par da ressarcibilidade dos danos patrimoniais, a lei contempla também a “compensação” pelos danos não patrimoniais, ou seja, aqueles que só indirectamente podem ser compensados – art. 496º, n.º 1, do Código Civil – por atingirem bens do patrimonial moral intangível, direitos de personalidade de carácter absoluto como a incolumidade física.

O art. 566º do citado Código, consagra o princípio da reconstituição natural do dano, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade.

 Não sendo possível a reconstituição natural, não reparando ela integralmente os danos, ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº1 do art. 566º do Código Civil.

“A indemnização pecuniária deve manifestamente medir-se por uma diferença (id. quod interest como diziam os glosadores) – pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido”Antunes Varela, obra citada, pág. 906.

A lei consagra a teoria da diferença, tomando como referencial “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” – art. 566º, nº2, do Código Civil.

 Manda ainda a lei – art. 564º, nº2, do Código Civil – atender aos danos futuros, desde que previsíveis, fórmula que contempla a possibilidade de aplicação aos danos emergentes plausíveis.

O n.º3, do art. 566º do Código Civil, confere ao tribunal a faculdade de recorrer à equidade quando não for possível, face, mormente, à imprecisão dos elementos de cálculo a atender, fixar o valor exacto dos danos.

  O recurso a fórmulas é meramente indiciário, não podendo o julgador desvincular-se dos critérios constantes do art. 566º do Código Civil, mormente do referido do nº3, que impõe que se o tribunal não puder averiguar o montante exacto dos danos deve recorrer à equidade.

  As fórmulas usadas para calcular as indemnizações, sejam elas a do método do cálculo financeiro, da capitalização dos rendimentos, ou as usadas na legislação infortunística, não são imperativas.

Como, lapidarmente, se pode ler no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.3.97, in CJ/STJ, 1997, II, 24:

“Os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e a temperança própria da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas”.

A perda da capacidade de ganho constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente activo do lesado e durante todo o seu tempo de vida (longevidade).

Sem dúvida, que é tarefa melindrosa calcular o valor indemnizatório, já que, tirando a idade do lesado, o vencimento que auferia ou não e a incapacidade que o afecta, tudo o mais é aleatório. Com efeito, é inapreensível, agora, qual será o nível remuneratório, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, o progresso tecnológico com repercussão no emprego, além de outros elementos que influem na retribuição, como por exemplo, os impostos.

Daí que, nos termos do nº3 do art. 566º do Código Civil, haja que recorrer à equidade ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos.


Exposto, sumariamente, o quadro normativo e os ensinamentos doutrinais, há que apreciar o “quantum” indemnizatório devido.

No caso em apreço o Autor sofreu o acidente quando tinha a idade de 20 anos, sendo estudante, não auferindo rendimentos laborais ou outros, vivendo com os seus pais.

Sofreu lesões físicas que determinaram incapacidade permanente parcial geral (IPPG) de 40%. A sentença apelada, essencialmente, considerou que os danos pela perda de capacidade de ganho, em função das repercussões futuras, seriam indemnizáveis com base na equidade como dano biológico.

Já a Relação, considerando excessiva a indemnização pelo dano patrimonial, aduziu essencialmente, o seguinte:

“Ora este cálculo não atentou nos seguintes factores:
a) O Autor não está incapacitado para o exercício da sua profissão.
b) A incapacidade atribuída (incluindo dano futuro de 5%) exige-lhe esforços acrescidos, mas não impede a actividade profissional actual, como se refere no nº 4.3 do mesmo relatório médico-legal (pág. 3).
c) Face à profissão actual de técnico de informática, não se apurou quaisquer “lucros cessantes” ou “perda de rendimentos”.
“ […] Da análise dos factos provados, importa concluir que não se apurou que o Autor tenha uma incapacidade permanente para o trabalho habitual como técnico de informática.
Apenas se provou que o Autor tem uma incapacidade permanente geral, que o afecta no âmbito da sua vida diária, familiar e social, mas lhe permite realizar a sua actividade profissional, embora com esforços acrescidos.
São conhecidos os cálculos matemáticos utilizados para apuramento dos montantes indemnizatórios, do mesmo modo que é sabido que os Tribunais a eles se referem apenas como elemento orientador ou de que se podem socorrer para chegar a um valor.
Respeitando tal orientação, mas considerando os factores de ponderação atrás expostos, tendo presente a idade do Autor, a incapacidade atribuída no exame médico-legal, correspondente a 25 pontos segundo a tabela actual, a actual taxa de inflação igual ou próxima de zero, bem como a profissão exercida pelo lesado, tem-se como adequado e justo, com recurso à equidade, à razoabilidade e à proporcionalidade, o montante de € 75.000,00 a título de danos patrimoniais.”

O Acórdão enfocou a questão da ressarcibilidade dos danos patrimoniais exclusivamente na perspectiva da situação actual do Autor, o que, salvo o devido respeito, desrespeita a teoria da diferença como critério indemnizatório. A indemnização, não sendo possível a restauração natural, visa colocar o lesado na situação em que este estaria se não fosse o evento lesivo. A indemnização em dinheiro, restituição por equivalente, deve partir da situação do lesado, antes do evento lesivo, e projectá-la no futuro para ressarcir o dano não só directo (emergente) como o dano futuro previsível (lucro cessante).

A incapacidade parcial permanente, afectando, ou não, a actividade laboral, representa, em si mesma, um dano patrimonial.

“O lesado tem direito a ser indemnizado por danos patrimoniais futuros resultantes de incapacidade permanente, prove-se ou não que, em consequência dessa incapacidade, haja resultado diminuição dos seus proventos do trabalho (diminuição da capacidade geral de ganho)” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.1.2004, acessível no sítio da Internet – www.dgsi.pt.
A Relação não teceu qualquer consideração sobre o dano biológico, antes argumentando que a incapacidade atribuída (incluindo dano futuro de 5%) exige-lhe esforços acrescidos, mas não impede a actividade profissional actual, como se refere no nº 4.3 do mesmo relatório médico-legal (pág. 3).
c) Face à profissão actual de técnico de informática, não se apurou quaisquer “lucros cessantes” ou “perda de rendimentos”.
“ […] Da análise dos factos provados, importa concluir que não se apurou que o Autor tenha uma incapacidade permanente para o trabalho habitual como técnico de informática.
Apenas se provou que o Autor tem uma incapacidade permanente geral, que o afecta no âmbito da sua vida diária, familiar e social, mas lhe permite realizar a sua actividade profissional, embora com esforços acrescidos.”

Com o devido respeito não podemos sufragar este entendimento. Pelo facto do Autor não ter sofrido no imediato perda de capacidade de ganho (ao tempo do acidente não auferia sequer rendimentos) não pode deixar de ser indemnizado pela perda de aptidão física expressa na IPPG de 40%. Do que se trata é de indemnizar o dano biológico sofrido por causa das lesões irreversíveis que, afectando a sua saúde, se repercutirão pela sua vida activa laboral expectável e na sua longevidade.

“A indemnização por danos patrimoniais futuros é devida mesmo que não se prove ter resultado da incapacidade física diminuição dos proventos da vítima. É a chamada distinção operada por Sinde Monteiro – “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, página 248, entre o “dano biológico” e o “dano moral” – Acórdão de Tribunal da Relação do Porto, de 2 Maio 1995 – JTRP00014588 – in www.dgsi.pt

“O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 4.10. 2007 – Proc. Nº 07B2957 – in www.dgsi.pt.

O dano biológico implica que se atenda às repercussões que a lesão causa à pessoa lesada; tal dano assume um cariz dinâmico, compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais ou de relação, já que as lesões afectam o padrão de vida, havendo, para este efeito, que ponderar não apenas o tempo de actividade em função do tempo de vida laboral, mas todo o tempo de vida.

O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquico do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”. - Acórdão deste Supremo Tribunal de 4.10.2005 – Processo nº 05A2167 – in www.dgsi.pt.

 “O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 4.10. 2007 – Proc. nº 07B2957 – in www.dgsi.pt.

A incapacidade parcial permanente afectando, ou não, a actividade laboral, representa, em si mesma, um dano patrimonial futuro, tendo em conta o rebate das sequelas na actividade laboral cujo exercício será mais penoso com o decurso do tempo.

No Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 4.6.2015 – 1166/10.7TBVCD.P1.S1 – in www.dgsi.pt – de que foi Relatora a Conselheira Maria dos Prazeres Beleza – sobre o dano biológico, pode ler-se:

  “Como se disse já no acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2012 (www.dgsi.pt 1145/07.1TVLSB.L1.S), na linha dos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010 (www.dgsi.pt, Proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1) ou de 20 de Maio de 2010 (www.dgsi.pt, Proc. nº 103/2002.L1.S1), “É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial.

No que aos primeiros respeita, o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes frisou que “os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, Proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, Proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» – Acórdão de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, Proc. nº 07B2978) – e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (cfr. o acórdão de 20 de Outubro de 2011 (www.dgsi.pt, Proc. Nº 428/07.5TBFAF.G1-S1) A lesão que a incapacidade revela pode, naturalmente, causar danos patrimoniais que se não traduzem em perda de ganho (…)”;“uma incapacidade permanente geral, compatível com o exercício da actividade profissional habitual mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver, é causa de danos patrimoniais futuros, indemnizáveis nos termos dos artigos 562º e segs., do Código Civil, maxime dos artigos 564º e 566º” (acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Outubro de 2011, www.dgsi.pt, Proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1)”.

O dano biológico, resulta da afectação da integridade psicossomática da pessoa e deve ser primordialmente qualificado como dano patrimonial se o acidente causou ao lesado sequelas físicas permanentes que, se no imediato e por razões conjunturais não afectam o auferimento de réditos laborais, no futuro terão repercussão na actividade física do lesado, do ponto em que sua a capacidade laboral está irreversivelmente afectada. O dano é assim presente e futuro devendo, por regra, ser indemnizável como dano patrimonial.

De notar que a Portaria nº377/2008, de 26.5, regulamentadora do DL.nº291/2007, de 21.9, autonomizou a categoria do “dano biológico” no contexto da chamada “proposta razoável de indemnização”, que incumbe às seguradoras apresentar às vítimas de acidentes de viação para efeito de composição amigável da indemnização por danos sofridos.

As consequências do acidente foram para o Autor de grande magnitude, como se provou:

           “Sofreu as seguintes lesões: traumatismo craniano, com perda de conhecimento, traumatismo facial, com fractura dos ossos do nariz e feridas múltiplas na face, traumatismo torácico com pneumotórax esquerdo, traumatismo abdominal, com lamina de liquido periesplénico, traumatismo ortopédico, com fractura cominutiva intercondiliana do fémur esquerdo, fractura do planalto tibial à esquerda, fractura médio-diafisária do fémur direito, luxação do ombro direito, fractura segmentar exposta do cúbito esquerdo e fractura cominutiva do trapézio direito. (art. 11º)

                Após o embate, foi conduzido ao Hospital de S. Francisco Xavier, onde foi operado de urgência, entre as 23.40h (do dia 27-1-2000) e as 06.25 h (do dia 28-1-00). (art. 12º)

              Foi operado no dia 29-1-2000, tendo sido efectuada redução cruenta e imobilização dos ossos do nariz, suturadas as feridas múltiplas da face por cirurgia plástica, drenado o pneumotórax, feita osteossíntese com placa no fémur esquerdo, no planalto tibial à esquerda e no fémur direito, imobilizado o ombro direito, feito encavilhamento com fio de Kirschener no cúbito esquerdo, feita osteossíntese com o mesmo fio no trapézio direito, e feita laparoscopia diagnóstica, que mostrou não haver hemoperitoneu. (art. 13º)

                Ficou a ser assistido na UCIC (cuidados intensivos) para suporte ventilatório e equilíbrio hemodinâmico, até ser transferido, em 2-02-2000 para o serviço de ortopedia do Hospital Egas Moniz. (art. 14º)

               Permaneceu internado no Hospital Egas Moniz até 23-2-2000 tendo-lhe sido efectuada redução fechada de fractura com fixação interna do fémur, transfusão de glóbulos vermelhos, fisioterapia, radiografias aos ossos do punho, da mão, do tornozelo, do pé, da coxa, do joelho e da perna, extracção de prótese de fixação interna do carpo e metacarpo, laparotomia exploradora, redução aberta de fractura do fémur, com fixação interna, injecção ou infusão de electrólitos, redução aberta de fractura nasal, redução aberta da fractura da tíbia e do perónio, com fixação interna, redução aberta de fractura do carpo e metacarpo, sem fixação interna, redução fechada de luxação do ombro, radiografia do tórax, injecção de antibiótico e redução aberta de fractura do rádio e cúbito, com fixação interna. (art. 15º)

                Em 27-3-2000 foi internado no Hospital Egas Moniz, por se verificarem transtornos das bolsas e tendões na região do ombro e efeitos tardios de fractura das extremidades superiores. (art. 16º)

               Foi operado em 28-3-2000 e permaneceu internado até 31-3-2000. (art. 17º)

                A partir de 31-3-2000, passou a ser seguido nos serviços clínicos da ré, tendo sido operado 2 vezes, a primeira no dia 25-10-2001, tendo-lhe sido substituída a prótese metálica aplicada no fémur esquerdo e realizado um enxerto ósseo no joelho esquerdo, retirando um pedaço de osso da anca direita, e a segunda no dia 12-7-2002, sendo submetido a novo excerto ósseo no mesmo joelho, desta vez retirando osso da anca esquerda, até a situação clínica ter sido dada como consolidada em Janeiro de 2003.

               No presente, já foi retirado ao A. o material de osteossíntese (art. 19º)

               À data do embate, o autor era um jovem saudável e activo (art. 21º)

               Em consequência das lesões sofridas não pode correr, nem saltar. (art. 22º)

                Em consequência das lesões sofridas ficou com a perna esquerda mais curta em quatro centímetros, do que a direita. (art. 23º)

                Em consequência das lesões sofridas coxeia e sente dores ao andar. (art. 24º)

               Em consequência das lesões sofridas, o Autor não conseguia estar de pé, parado, mais do que alguns segundos, mas actualmente já o consegue. (art.25º)

                Em consequência das lesões sofridas o A., ao levantar-se, depois de estar sentado, sofre dores muito fortes na zona do joelho e da perna. (art. 26º)

               Em consequência das lesões sofridas, o Autor não dobra a perna esquerda na totalidade. (art. 27º)

               Em consequência das lesões sofridas perdeu e não recuperou massa muscular na perna esquerda. (art. 28º)

                Em consequência das lesões sofridas tem menos força no braço direito, o que o impossibilita de levantar determinados pesos. (art. 29º e 31º da b.i.);

               Em consequência das lesões sofridas o perdeu massa muscular no braço direito. (art. 30º)

               Em consequência das lesões sofridas tem dores muito fortes no ombro direito. (art. 32º)

                Em consequência das lesões sofridas perdeu o movimento de rotação externa do braço direito. (art. 33º)

               Em consequência das lesões sofridas o Autor, na mão esquerda, não dobra totalmente o dedo polegar, o dedo anelar ficou com o nó torto e o dedo mínimo ficou torto e não estica totalmente. (art. 34º)

               Em consequência das lesões sofridas o tem dores muito fortes na coluna vertebral, o que o impede de estar muito tempo sentado ou deitado na mesma posição. (art. 35º e 36º)

               Ficou com cicatrizes no nariz, no sobrolho, no braço esquerdo, no pé esquerdo, no tronco, nas ancas direita e esquerda, (em resultado das operações para realização de enxertos ósseos), na canela, dedo polegar, ombro e coxa do lado direito. (art. 37º)

                As sequelas de que o Autor ficou a padecer provocam-lhe uma incapacidade permanente geral parcial fixável em 40%. (art. 38º).”

Visando a indemnização repor a situação que existia à data do acidente (o evento lesivo), e sendo um dos elementos nucleares do cálculo, sempre aleatório, da perda da capacidade de ganho, que é um dano futuro, o salário, a idade do lesado, o grau de incapacidade, o tempo provável de vida activa laboral e a esperança de vida, a par das possibilidades de progressão da carreira, entre outros factores, como sejam o progresso tecnológico, a política fiscal e de emprego, as regras da legislação previdencial, a expectativa de vida laboral, assim como a longevidade, a lei aponta como critério determinante a equidade – nº3 do art. 566º do Código Civil.

“É entendimento pacífico entre nós que, uma indemnização justa reclama a atribuição de um capital que produza um rendimento mensal que, cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante o período de vida profissional activa do lesado, sem esquecer a necessidade de se ter em conta a sua esperança de vida – cfr. Acs. STJ de 17/2/92, in BMJ, 420, 414, de 31/3/93 in BMJ, 425, 544; de 8/6/93 in ACSTJ, II, 138; de 11/10/94 in ACSTJ, II, 8916/3/99 in ACSTJ, I, 167; de 15/12/98 in ACSTJ, III, 155.

No que respeita à reparação do dano corporal, a jurisprudência tem vindo a adoptar, pacificamente, o critério de determinar um capital que produza rendimento de que o lesado foi privado e irá ser até final da sua vida, através do recurso a alguns métodos [...]”,  citámos excerto do Estudo Publicado na Revista “Sub Judice”, nº17, 2000, Janeiro/Março, pág.163.

  As fórmulas usadas para calcular as indemnizações, sejam elas a do método do cálculo financeiro, da capitalização dos rendimentos, ou as usadas na legislação infortunística, não são imperativas; se assim fosse o campo de eleição do critério da equidade – a justiça do caso concreto – sairia ofuscado com o recurso a fórmulas e a tabelas, sendo meramente indiciárias as que valem no contexto da “proposta razoável” – Portaria nº377/2008, e DL.nº291/2007 de 21.9.

A perda da capacidade de ganho constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente activo do lesado e durante todo o seu tempo de vida.

Daí que, repetimos, haja que recorrer à equidade ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos futuros – nº3 do art. 566º do Código Civil.

A indemnização por lesões físicas permanentes não deve apenas atender à capacidade laboral do lesado, enquanto trabalhador por conta própria ou de outrem, já que, em consequência das sequelas sofridas, e permanecendo elas, irreversivelmente, vão agravar, tornar mais penosa, a vida da pessoa afectada, sendo essa penosidade tanto maior quanto mais for avançando a idade.

Assim, em função das sequelas permanentes que afectam o Autor e que constituem menos valia física permanente com repercussão na sua vida laboral futura, implicando maior penosidade com o decurso da idade e poderão frustrar o emprego em profissões fisicamente exigentes, lembre-se que a lesão na perna esquerda mais curta 4 cm que a perna direita, coxeia, sente dores ao andar, não dobra a perna esquerda na totalidade, para lá das lesões permanentes que afectam os seus membros superiores, tendo ainda em conta que desde os 20 anos o Autor viu condicionada a sua integridade física, reputa-se equitativa – nº3 do art. 566º do Código Civil – a compensação por danos patrimoniais, na vertente da perda de capacidade de ganho em função do grau de incapacidade actual de 40% a indemnização de € 150 000,00.

            Dos danos não patrimoniais.


Dispõe o art. 496º do Código Civil:

“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
             2. (...)

             3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.”

Danos não patrimoniais – são os prejuí­zos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compen­sados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” – Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, l. °-571.

São indemnizáveis, com base na equidade, os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” – nºs 1 e 3 do art. 496º do Código Civil.

Para a formulação do juízo de equidade, que norteará a fixação da compensação pecuniária por este tipo de “dano”, socorremo-nos do ensinamento dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág.501:

“O montante da indemnização correspondente aos danos não patri­moniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.

 E deve ser propor­cionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”.


Neste sentido pode ver-se, “inter alia”, o Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça, de 30.10.96, in BMJ 460-444:

            “ (...) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.

O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização”, “aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc.”.

Não se tratando de incluir na compensação por danos morais os “punitive damages” do direito anglo-saxónico, a compensação deve, no entanto, reflectir a censura de que é merecedor o causador do facto ilícito gerador de danos. No caso, o acidente deveu-se a culpa grosseira do condutor segurado da Ré, que conduzia com elevada taxa de álcool no sangue – 2,25, gr./l. Para além disso, não se deteve ante um sinal de Stop e encetou uma manobra de mudança de direcção de forma imprevidente, causando o acidente. 

Realçando a componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais, pronunciam-se no seu ensino os tratadistas que citamos.


Assim, Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”, 2° vol, p. 288, ensina, que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”.

Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 387, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”.

Menezes Leitão realça a índole ressarcitória/punitiva, da reparação por danos morais quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante” – “Direito das Obrigações”, vol. I, 299.

Pinto Monteiro, de igual modo, sustenta que, a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante” – cfr. “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, n°l, 1° ano, Setembro, 1992, p. 21.

           Relevam para a ponderação da compensação pecuniária pelo dano não patrimonial, além da censurável actuação do segurado da Ré o seguinte:

           “À data do embate, o Autor planeava seguir um curso de informática. Em 27-1-2000, o autor frequentava o 9º ano de escolaridade no Externato .... Em resultado do embate o Autor interrompeu os estudos que retomou em 2004. O Autor frequentou um curso técnico-profissional de informática. À data do embate o Autor era optimista, de feitio alegre, com uma vontade de viver imensa, feliz. Ao recobrar a consciência após vários dias em estado de coma, nos pós operatórios das diversas intervenções cirúrgicas a que foi submetido e, bem assim, com os tratamentos e as sessões de fisioterapia, o Autor sofreu dores muito agudas. Actualmente o Autor sente dores quando está sentado ou deitado durante algum tempo. O Autor assim que tomou consciência da situação em que se encontrava, em consequência das lesões sofridas, sentiu a angústia de não saber se, e quando, iria recuperar dessas lesões, se ficaria com sequelas, que dimensão essas sequelas assumiriam. No primeiro período de internamento, no Hospital Egas Moniz, o Autor teve acompanhamento psicológico em virtude de, além do mais, sofrer de instabilidade emocional, resultante de clausura hospitalar a que se encontrava sujeito, sem qualquer tipo de mobilidade. A instabilidade emocional do Autor prolongou-se para lá dos períodos de internamento hospitalar, tornou-se uma pessoa impaciente, nervosa, depressiva, e perdeu a alegria de viver e a jovialidade. Após o embate, o Autor passou, por vezes, a fechar-se sobre si próprio, evitando as companhias. Após o embate o Autor passou a ter reacções intempestivas com as pessoas que o rodeiam. O Autor, perante as sequelas do acidente, sente um profundo desgosto por se ver com cicatrizes permanentes, nomeadamente na face, por coxear, e pelas demais deformidades da perna esquerda. O Autor sente-se injustiçado e revoltado ao verificar a irreversibilidade das sequelas do acidente que sofreu. O Autor era, antes do embate, um praticante entusiástico de ski-aquático. Praticava body-board, snow-board e squash. Jogava regularmente futebol com os amigos. O Autor deixou de poder praticar as modalidades desportivas referidas. O Autor como adepto apaixonado do Sporting, assistia normalmente ao vivo aos jogos da equipa de futebol deste clube. Em consequência do embate, o autor deixou de poder acompanhar a carreira da equipa na parte final da época 1999/2000. O Autor ficou “descoroçoado” por não poder acompanhar os jogos finais dessa época e de se ver impedido de participar na festa de comemoração do título. O Autor gostava muito de ir à praia, que frequentava com regularidade, ao longo de toda a época balnear, e após o embate deixou de ir à praia. O Autor sente-se inibido de mostrar as suas deficiências físicas, mormente a perna mais curta. O Autor dava muita importância à sua aparência física. O Autor gostava de conviver com outros jovens da sua idade, gostava muito de dançar, sendo frequentador de festas e discotecas. Após o embate, o Autor deixou de dançar, de ir a festas e de frequentar discotecas. O Autor sempre que se desloca a qualquer lugar tem de ter cuidado com os movimentos, já que qualquer queda que sofra poderá ter efeitos graves. O Autor teve alta definitiva em 12-12-2002. Em consequência das lesões resultantes do acidente sofreu uma incapacidade temporária total de 94 dias; uma incapacidade temporária parcial de 1015 dias; uma incapacidade temporária profissional total de 444 dias, e uma incapacidade temporária profissional parcial de 665 dias.

                A intensidade das dores sofridas pelo Autor – Quantum Doloris – grau 5, numa escala de 0 a 7.

               

                Ficou a padecer das seguintes cicatrizes:

               Na face, em concreto na sobrancelha esquerda uma cicatriz com 7 cm;

                No dorso do nariz uma cicatriz com 4,5 cm;

               Na região frontal entre sobrancelhas uma cicatriz de 4 cm x 3 cm;

               No tórax 4 cicatrizes, a maior com 2 cm e a menor com 0,5 cm; 

                Na crista ilíaca direita uma cicatriz com 10 cm;

                No ombro direito uma cicatriz com 8 cm x 2 cm;

                Na mão direita uma cicatriz com 4 cm;

                No cotovelo esquerdo uma cicatriz 0,5 cm;

                No antebraço esquerdo 5 cicatrizes sendo a maior com 10 cm e a menor com 3 cm;

                Na perna direita uma cicatriz com 28 cm;

               Na perna esquerda várias cicatrizes, sendo as mais extensas, uma com 21 cm e outra com 29 cm;

                No abdómen uma cicatriz com 3 cm.

               Em consequência das lesões resultantes do acidente, o Autor sofreu um encurtamento da perna esquerda de 4 cm menos que a perna direita. Ficou, a título definitivo, a claudicar da perna esquerda, e com rigidez do joelho esquerdo com flexão limitada a 110%.  O Autor sofreu um dano estético de grau 4, numa escala de 0 a 7 graus. Sofreu um prejuízo de grau 2 a título de afirmação pessoal, numa escala de 0 a 5 graus.”

               Em consequência das múltiplas lesões sofridas, o Autor, aos 20 anos, ficou afectado física e psicologicamente, não sendo razoável considerar que a sua menos valia física, relevante para quantificar o dano patrimonial, não seja valorada como sofrimento, pelo sentimento de inferioridade psicológica que representa alguém jovem e saudável, sendo desportista, e apreciador dos prazeres da vida, se vê com o corpo com cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento e relevante dano estético, sequelas psicológicas que implicam perda de auto-estima e sentimentos de inibição, levando à alteração do padrão de vida pessoal e social.

            Os danos não patrimoniais foram e são de acentuada magnitude, pelo que a compensação que é devida, com base na equidade e que se tem como justa, deve ser fixada como é, em € 45 000,00, uma vez que não se procede a actualização dos valores arbitrados.

            Assim a Ré vai condenada a pagar ao Autor a quantia global de195 000,00.

           Sobre os valores em causa incidem juros de mora, desde a citação às taxas legais sucessivamente vigentes – artigos 559º, n.º1, 804º, n.º1, 805º, n.º1, 806º, nº1, todos do Código Civil e Portaria n.º291/03, de 8 de Abril e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 2002, D.R. I Série A, n.º 146 de 27 de Junho de 2002.

            Decisão:

           Nestes termos, concede-se parcialmente a revista, condenando-se a Ré a pagar ao Autor a quantia global de € 195 000,00 (cento e noventa e cinco mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, que sucessivamente vigorar, contados desde a citação até integral reembolso.

            Custas totais pelo Autor e pela Ré, na proporção, de 40% para aquele e 60% para a Ré.

   Supremo Tribunal de Justiça, 26 de janeiro de 2016

Fonseca Ramos (Relator)

Fernandes do Vale

Ana Paula Boularot

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[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.