Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
49/15.9TNLSB-A.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: TRIBUNAL MARÍTIMO
TRIBUNAL CÍVEL
TRIBUNAL COMPETENTE
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
RECURSO DE APELAÇÃO
COMPETÊNCIA MATERIAL
Data do Acordão: 01/31/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra, 2000, p. 103 e ss.;
- J. A. Reis, Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, p. 56;
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 460-461.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.º 2, ALÍNEA A), 635.º, N.º 4 E 639.º.
LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ): - ARTIGOS 54.º, 56.º, N.º 2, 67.º, N.ºS 4 E 5 E 71.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 22-11-2018, PROCESSO N.º 408/16.0T8CTB.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-12-2018, PROCESSO N.º 833/16.6T8VIS-A.C1.S1.
Sumário :
I - O art.º 71º nº 1 da LOSJ, manda aplicar subsidiariamente aos Tribunais da Relação o disposto nos artigos 54º e 56º, mas no seu nº 2 ressalva que essa remissão para o art.º 54º não prejudica o disposto no nº 4 do art.º 67º ou seja a criação de secções especializadas apenas ocorrerá no quadro desta disposição legal, quando o volume e complexidade do serviço o justificar, o presidente do Tribunal o propuser ao CSM e este o autorizar.

II - Até lá mantêm-se apenas as especializações existentes (secções cíveis, criminais e sociais).

III - Da conjugação do disposto no art.º 71º e 67º nº 5 decorre que, nos Tribunais da Relação, apenas as causas «referidas no artigo 112.º» estão sujeitas à regra da especialização. Todas as outras referidas no n.º 2 do art.º 54, não estão sujeitas a essa regra de serem distribuídas sempre à mesma secção cível ou criminal.

IV - Considerando que não está criada no Tribunal da Relação de Lisboa uma secção especializada em direito marítimo, cabia à secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa, a quem foi distribuída a causa, a competência para julgar o recurso de apelação do qual resultou o acórdão recorrido.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


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Relatório

«AA Inc. deduziu no Tribunal marítimo de Lisboa, contra as Sociedades BB GMBH, CC NV e DD, S.A., o presente procedimento cautelar de Consignação em depósito.

Proferido despacho saneador, foi dele interposto recurso pela requerida CC NV para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo que se declarasse que embora o Tribunal Marítimo de Lisboa seja competente para julgar a acção especial de consignação em depósito, já não seria competente para apreciar a validade e eficácia dos contratos identificados nos art.º 14º e 15º da sua contestação.

Apreciando a apelação a Relação veio a decidir o seguinte:

«com os fundamentos enunciados no ponto 4. do presente acórdão, julgam-se só parcialmente procedentes as conclusões das alegações de recurso da apelante e, em consequência confirmando-se a decisão recorrida, completa-se a mesma clarificando que, sendo julgado que o montante depositado pela Requerente "AA INC" como sendo o correspondente ao pagamento do crédito respeitante ao negócio jurídico firmado por essa entidade com a sociedade "BB GMBH" mediante o qual foi fornecido combustível ao seu navio denominado "EE", em 24 e 25 de Outubro de 2014, no porto de …, for devido a esta última entidade, esse valor, dada a validade e eficácia dos contratos juntos pela mesma com a contestação que esta apresentou em Juízo neste procedimento de consignação em depósito, terá de ser entregue directamente à recorrente "CC NV"».

Neste acórdão consta um voto de vencido onde se defende a incompetência material da … secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa, por até à data não ter sido definido qual das secções cíveis teria competência em matéria de direito marítimo.


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Inconformada com o decidido, veio a requerida DD, SA, interpor recurso de revista.

No despacho de admissão proferido na Relação, o Relator considerou que a recorrente não tinha legitimidade para recorrer do acórdão, no tocante ao mérito, porquanto não é parte vencida, mas admitiu o recurso de revista quanto à questão da competência material, por força do disposto no art.º 629º nº 2 al. a) do CPC.


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A recorrente nas suas alegações formulou as seguintes

Conclusões:

1. O presente recurso de revista é admissível neste momento processual e deve subir de imediato, nos próprios autos de recurso de apelação ou em separado com certidão integral dos mesmos, seja por força dos artigos 671 n° 1 e 675 nc 1 do CPC (porque decide parte do mérito da causa). Ou caso assim não seja entendido, em razão dos artigos 671, n° 2, alínea a), 675 n° 2 e 673 a) e b), do dito Código. Mais que não seja, porque ao decidir nesta fase processual parte do mérito da causa, transitando em julgado e/ou havendo dupla conforme, o recurso de revista afinal sobre o que foi determinado pelo Tribunal da Relação de Lisboa será completamente inútil. Por impossibilidade legal de recorrer sobre o que foi decidido.

2. E como sabemos, o referido n° 2, do artigo 671 do referido diploma legal, permite a revista sobre questões emergentes de decisões interlocutórias com incidência na relação processual (rectius, revista continuada) com fundamento na violação das regras de competência internacional, da matéria ou da ofensa de caso julgado. Como é o caso deste recurso de revista onde se alega a violação das referidas normas.

3. Mas caso assim não seja entendido, aqui se requer a V.Exas. que, de forma a assegurar a segurança jurídica colocada em risco, determinem desde já que todas as questões suscitadas no presente recurso de revista podem ser discutidas afinal no primeiro recurso de revista a intentar afinal nos termos do artigo 671, n° 1, do CPC. E que o próprio acórdão interlocutório aqui recorrido pode ser impugnado e revogado naquele momento processual. Servindo os seus vícios e consequências de fundamento do primeiro recurso de revista a intentar, afinal, nos termos do artigo 671, n° 1, do CPC.

4. O colectivo de Juízes da … Secção Cível de competência genérica do Tribunal da Relação de Lisboa era e é incompetente, em razão da matéria, para julgar o recurso da decisão intercalar do Tribunal Marítimo de Lisboa de fls. 726 dos autos de apelação, nos termos do artigo 73, do n° 2, 54, do n° 1 do artigo 74 e do artigo 113 LOSJ. Que devia ter sido julgado pela secção civil do dito Tribunal da Relação de Lisboa designada e especializada para as matérias de direito comercial marítimo.

5.    Logo, independentemente de tal secção civil especializada não ter sido designada, nos termos legais aplicáveis o acórdão sob revista é nulo nos termos dos artigos 195 a 197 e 199 a 202 do CPC por violação do disposto no n° 2, do artigo 54 da dita LOSJ.

6.    O que importa a sua imediata revogação, com anulação e todo o processado. Com remessa dos autos de recurso de apelação para a secção cível especializada a designar do Tribunal da Relação de Lisboa competente para apreciar os recursos das decisões do Tribunal Marítimo de Lisboa que versem sobre as matérias previstas no artigo 113 Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ), como é o caso dos autos.

Mas caso assim não seja entendido

7. Considerando que toda a matéria de facto referente aos contratos referidos na decisão sob recurso de revista está claramente controvertida, por impugnação factual e documental da recorrente. E por a requerente não reconhecer a existência de tais contratos.

8. Na decisão que sufragou o entendimento do recorrido CC quanto à incompetência internacional e em razão da matéria do Tribunal Marítimo de Lisboa para decidir a existência, validade e da eficácia dos aludidos contratos, por força de compromissos arbitrais controvertidos. E, por sua vez, declarou a validade e eficácia dos contratos, por conterem compromissos arbitrais controvertidos e o Estado Português ser obrigado a reconhecer e a proteger tais compromissos: O Tribunal da Relação de Lisboa violou e ignorou os artigos 18 e 20 da CRP, nos artigos 3 e 4 do CPC e nos artigos 341 e 346 do CC. Não respeitando e violando os mandamentos dos artigos 571, 574, 444, 445 e 596 do dito CPC, aplicáveis a este processo por imposição dos artigos 917, 918 e 922 de este último diploma legal.

9. Em particular quando, face aos elementos dos autos, errou na pergunta que formulou e na determinação do objecto da apelação declarando, sem qualquer tipo de fundamentação e à revelia dos articulados que os 3 contratos em disputa foram firmados e celebrados entre as sociedades "BB GMBH" e "CC NV.

10. Quando se perdeu nas alegações e nos documentos declarando à revelia das próprias alegações do recorrido CC que o contrato denominado "Terms and Conditions of Sale for Marine Bunkers" (doc n° 2 da contestação do recorrido CC) foi celebrado e firmado pela "BB GMBH" e "CC NV.

11. Quando deu como assentes factos que foram disputados pelas partes e que devem ser levados aos temas da prova. Conforme aconteceu na decisão de fls. 729 dos autos de apelação;

12.    E quando declarou existentes e firmados os contratos na decisão que proferiu sem prévia fundamentação. A revelia dos articulados dos autos e da referida decisão de fls. 729.

13.  Se o recorrido CC concordava com a decisão sobre a competência do Tribunal Marítimo de Lisboa, não havendo vencimento ou sucumbência sobre o que ali foi decidido. O recurso de apelação era inadmissível e deveria ter sido indeferido pelo Juiz do Tribunal Marítimo de Lisboa e pelo Tribunal da Relação de Lisboa liminarmente: Por ineptidão das alegações recurso e falta de legitimidade do apelante para recorrer da decisão nos termos do n° 1 do artigo 631 e do n° 2 do artigo 632º, ambos do CPC. E, neste sentido ao admitir o recurso de apelação e ao julgar o mesmo, o Tribunal da Relação de Lisboa violou o disposto nos ditos artigos.

14.  Nos mesmos termos porque o Tribunal Marítimo de Lisboa decidiu levar aos temas da prova a própria existência dos contratos declarados firmados na decisão sob recurso de revista. Deixando a decisão sobre a existência, validade e eficácia dos mesmos para final (fls 729 dos autos de apelação). Só poderá ser considerado que, nos termos dos artigos 595, n° 4 e 596, n° 3 do CPC, as questões da existência, validade e eficácia dos contratos não podiam ser objecto de recurso de apelação nesta fase processual. E neste sentido, mais uma vez o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com a sua decisão, violou o disposto nos ditos artigos.

15.    Ao exercer pronúncia sobre a existência, validade e eficácia dos contratos que não lhe era lícito conhecer nesta fase nos termos dos artigos 595, n° 4 e 596, n° 3 do CPC, sem o conhecimento da totalidade dos autos de consignação em depósito, com conhecimento do teor dos autos de apelação, à revelia dos articulados acima referidos e da decisão sobre os temas da prova que consta de fls. 729 dos referidos autos, proferindo decisão que excede em muito o que lhe foi pedido pela apelante, o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se sobre questões que não podia conhecer, em excesso de pronuncia. O que, como se sabe, importa nulidade nos termos do artigo 615, n° 1, alínea d) do CPC que aqui se invoca, aplicável a este recurso de revista por imposição do artigo 674, n° 1, alínea c) do aludido Código.

16. Tendo em consideração que o Tribunal da Relação de Lisboa não levou aos factos assentes a matéria de facto relativa aos 3 acordos (contratos). Por haver disputa sobre os mesmos. Considerando por esta via nos fundamentos da decisão que tais acordos ou contratos são controvertidos. A decisão que declarou firmados os ditos acordos ou contratos é obscura por contradição entre os fundamentos de facto da decisão e a decisão propriamente dita. O que, mais uma vez condiciona de forma ilegal o julgamento a proferir na primeira instancia e constitui nulidade nos termos do artigo 615, n° 1, alínea c) do CPC que aqui se invoca, aplicável a este recurso de revista por imposição do artigo 674, n° 1, alínea c) do dito Código.

14.    Se na decisão proferida o Tribunal da Relação de Lisboa apenas diz que os 3 contratos foram firmados. Assumindo erradamente e à revelia do que está escrito nos articulados que os ditos contratos foram celebrados pela BB GMBH" e pela "CC NV. Declarando totalmente improcedente a argumentação do recorrido CC sobre o caso julgado e a autoridade de caso julgado. Nada dizendo sobre o putativo valor probatório dos referidos documentos que eram insuficientes para a decisão. E não sustentando a sua decisão de facto no valor probatório dos documentos 2, 3 e 4 da contestação/pretensão do CC

15.    Só pode ser concluído que o acórdão sob revista também é nulo e censurável por falta de fundamentação nos termos da alínea b), do número 1 do artigo 615 do CPC que aqui se invoca, aplicável a este recurso de revista por imposição do artigo 674, n° 1, alínea c) do dito Código. Ou, no mínimo, deve ser censurado e revogado de imediato por insuficiência da sua fundamentação. E por ter violado o disposto no artigo 205 da CRP, os números 3, 4 e 4, do artigo 607 do CPC e o artigo 663 do dito diploma legal.

16.  E, simultaneamente e mais uma vez, também é nulo, por contradição entre os fundamentos da decisão e a decisão propriamente dita. Conforme resulta do que está disposto no artigo 615, n° 1, alínea c) do CPC que aqui se invoca, aplicável a este recurso de revista por imposição do artigo 674, n° 1, alínea c) do supra citado diploma legal.

17. Ao decidir que a recorrente DD não tem interesse na questão dos autos à revelia do que foi alegado pelas partes e que, por este motivo, perante os compromissos arbitrais contravertidos, o Tribunal Marítimo de Lisboa deve ser declarado incompetente em razão da matéria e os contratos devem ser declarados firmados, existentes, validos e eficazes. O Tribunal da Relação de Lisboa violou, mais uma vez, o disposto nos supra citados artigos 18 e 20 da CRP, nos artigos 3 e 4 do CPC e nos artigos 341 e 346 do CC. Ignorando, violando e não respeitando os mandamentos dos artigos 571, 574, 444, 445 e 596 do dito CPC, aplicáveis a este processo por imposição dos artigos 917, 918 e 922 de este último diploma legal

18. O acórdão sob revista também é nulo por falta de fundamentação. Nos termos do n° 1, alínea b), do artigo 615. Ou, como vimos, padece de fundamentação suficiente, para a decisão tomada, violando o disposto no artigo 205 da CRP, nos números 3, 4 e 4, do artigo 607 do CPC e no artigo 663 do supra citado Código. Porque, como facilmente se verifica, fundamenta a sua decisão errada na mera reprodução das conclusões do recorrido CC, sem uma palavra sobre o que foi alegado e concluído pelas apeladas no recurso apelação. Que importava uma solução diversa da que foi proferida que foi desconsiderada sem a necessária fundamentação.

19. O Tribunal da Relação de Lisboa, ao confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Marítimo de Lisboa e alterando a mesma, entrou em contradição e errou na determinação das normas aplicáveis à competência do Tribunal em razão da matéria para julgar a questão parcelar dos autos. Em particular quando fundamentou a sua decisão nos artigos 96 e 577 do CPC. Sem retirar a única consequência possível que era a absolvição da instancia (artigos 576 n° 2 e 99 n° 1 do dito Código)

20. As normas invocadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa não são suficientes para a decisão proferida e muito menos podem ser usadas para suportar a mesma. Por apenas imporem às partes de um compromisso arbitral a obrigação de cumprir o que acordaram no mesmo. E por apenas obrigarem o Estado Português e os seus Tribunais a, perante um compromisso arbitral existente, provado, valido e eficaz impedir que uma das partes vinculada ao mesmo, escape do foro arbitral e discuta matéria reservada pelo dito compromisso arbitral em sede judicial.

21.    E as referidas normas não servem para, como foi feito na decisão recorrida, vincular terceiros ao ponto de os impedir de discutir a existência, validade e eficácia dos contratos e dos compromissos arbitrais. Ou para impor a terceiros a existência, validade e eficácia dos contratos no caso concreto. Por, de acordo com texto das normas invocadas, os compromissos arbitrais serem unicamente vinculativas às partes do contrato.

22.    Logo, quanto ao caso concreto, estando assente e não havendo dúvidas que a recorrente DD não é parte dos ditos contratos controvertidos e que não se vinculou aos compromissos arbitrais. Que a dita recorrente impugnou os ditos contratos e compromissos arbitrais. E, com a certeza que os contratos e os compromissos arbitrais impugnados que não existem não podem ser considerados válidos e eficazes.

23.    Ao contrário do que foi decidido no acórdão sob revista só pode ser concluído por V.Exas. que os mandamentos dos artigo II, n.°s 1 e 2, da Convenção de Nova Iorque de 1958 e os artigos 1.°, n.°s 1, 3 e 4, e 2.°, n.°s 1, 2, 3, 4 e 6, da Lei da Arbitragem Voluntária (aprovada pela Lei n.° 63/2011, de 14 de dezembro) só são aplicáveis às partes que se vincularam ao compromisso arbitral e aos litígios entre elas que estejam reservados ao foro arbitral. Porque, mais que não seja, de acordo com os ditos normativos não é admissível a intervenção de terceiros no foro arbitral convencionado. E porque, os referidos contratos ou os ditos compromissos arbitrais, não podem afectar os direitos dos terceiros de disputarem a mera existência dos contratos e dos compromissos arbitrais, nos termos do artigo 406 n° 2 do CC. Por total ausência de disposição legal que determine tal efeito externo da obrigação das partes do contrato de discutirem a matéria em sede arbitral.

24.    Sendo que o entendimento contrário sufragado pelo Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão sob recurso de revista não só não encontra suporte nas normas invocadas como constitui uma forma de denegação de justiça proibida pelos artigos 18 e 20 da CRP e pelo artigo 2 do CPC. Que deixa a terceira e recorrente DD sem possibilidade de discutir em sede arbitral e em sede judicial a mera existência, validade e eficácia dos contratos ou acordos que a afectam no caso concreto.

25.    Assim, ao contrário do que foi decidido, se o Tribunal Marítimo de Lisboa é o competente em razão da matéria para a acção especial de consignação em depósito nos termos da alínea s) do n° 1 do artigo 113 Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ) e da alínea t), do artigo 4 da Lei n.° 35/86, de 4 de Setembro (Lei do Tribunais Marítimos). Não havendo disputa quanto a esta competência em razão da matéria. Nos termos do artigo 91 do CPC o Tribunal Marítimo de Lisboa também é competente, para conhecer a matéria de todos os incidentes que nela se levantem e de todas as questões que a recorrente DD suscitou como meio de defesa. Como é o caso da existência, validade e eficácia dos contratos controvertidos.

26.    E, com a interpretação errada e sem fundamentação que fez da Lei de Arbitragem Voluntária, da Convenção de Nova Iorque e dos artigos 96 e 577 do CPC, o Tribunal da Relação de Lisboa violou a alínea s) do n° 1 do artigo 113 Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ) e o artigo 91 do CPC quando, subtraiu ao Tribunal Marítimo de Lisboa a possibilidade de decidir a matéria da existência, validade e eficácia dos contratos juntos aos autos pelo recorrido CC como docs 2, 3 e 4 da sua contestação/pretensão. E quando declarou sem fundamento os ditos contratos existentes, válidos e eficazes pelo simples facto de conterem compromissos arbitrais. Que, face ao estado dos autos, são claramente controvertidos.

27.    O que, no seu todo, determina a imediata revogação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa sob recurso de revista, com ou sem anulação de todo o processado em razão das nulidades invocadas, com prolação de decisão que reponha a legalidade dos autos confirmando na íntegra o que foi decidido pelo Tribunal Marítimo de Lisboa a fls. 726 dos autos de apelação, sem a alteração censurável, precipitada e violadora das regras invocadas que foi decidida e que inquina os autos de consignação em depósito. E que, como foi demonstrado, condiciona de forma inadmissível e ilegal a decisão a proferir após julgamento em sede de primeira instância.

Sendo que, deve o presente recurso revista com efeito devolutivo subir de imediato nos e com os próprios autos de apelação, por ter como objecto uma decisão que decide parte do mérito da causa. Mas caso assim não seja entendido, com prolação de decisão que determine que este recurso só pode subir em separado, em termos subsidiários e nos termos do n° 1, do artigo 646, do CPC, aplicável a estes autos por remissão do artigo 679 do dito diploma legal. Desde já se requer que o presente recurso de revista seja instruído com certidão de fls. 1 a fls. 1079 dos autos de recurso de apelação, de forma a permitir o conhecimento de todas as questões que aqui são suscitadas. Onde se inclui expressamente a decisão recorrida de fls. 1134, as alegações da apelante e as contra alegações das apeladas.

Acompanhadas de todas as restantes peças processuais dos autos de consignação em depósito que instruíram o recurso de apelação. …….

Termos em que, deve este Venerando Tribunal dar provimento ao presente recurso de revista, com revogação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que inquina os autos, confirmando nesta Justa e Sábia Sede a totalidade da Esclarecida e Legal Decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Marítimo de Lisboa sem a alteração ou aditamento injusto e ilegal que foi decidido e emerge do acórdão que deve ser revogado de imediato. Pois só assim se fará a devida, necessária e costumada JUSTIÇA. Com a reposição da legalidade que os presentes autos carecem».


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Respondeu o CC NV, sustentando a inadmissibilidade da revista quanto à substância da decisão, por ilegitimidade da recorrente e a improcedência da mesma no que respeita à questão da competência material da … secção Cível da Relação de Lisboa.

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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[1], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[2], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do  novo Cód. Proc. Civil ).

No despacho de admissão proferido na Relação, o Relator considerou que a recorrente não tinha legitimidade para recorrer do acórdão, no tocante ao mérito, porquanto não é parte vencida, mas admitiu o recurso de revista quanto à questão da competência material, por força do disposto no art.º 629º nº 2 al. a) do CPC. Este despacho não foi objecto de reclamação ou impugnação e está correcto. Assim a questão objecto do recurso fica circunscrita, a saber se a secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa é materialmente competente para conhecer do recurso interposto da decisão do Tribunal Marítimo de Lisboa e à questão da alegada nulidade do acórdão. Ora quanto a esta e uma vez que estamos perante um recurso que só foi admitido nos termos do disposto no nº 2 al. a) do art.º 629º do CPC, entendemos, de harmonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, que não é legalmente admissível conhecer de outras questões senão das que, excepcionalmente justificam a admissibilidade do recurso, no caso a questão da competência material da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa. Neste sentido veja-se o acórdão deste Tribunal, subscrito pelo aqui relator e para o qual se remete, proferido na Revista nº 408/16.OT8CTB.C1.S1 e disponível in www.dgsi.pt.[3]

 Assim sendo não se conhecerá da alegada nulidade do acórdão, mas apenas da questão da competência material.


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O recorrente, respaldando-se no voto de vencido do 1º adjunto, que defende que a competência para conhecer de causas vindas do Tribunal Marítimo deveria competir a uma secção cível especializada e não a qualquer secção cível de competência genérica, nos termos do disposto no art.º 113º , conjugado com os art.s 54º nº 2, por remissão do nº 1 do art.º 74º todos da LOSJ, vem defender que o colectivo que proferiu o acórdão recorrido é materialmente incompetente para conhecer de matéria de direito marítimo.

Vejamos.

A Recorrente afirma que está em causa a violação do disposto no artigo 54º n.º 2, da LOSJ. Ora, esta disposição legal refere que "As causas referidas nos artigos 111º, 113º [Competência do Tribunal Marítimo] e 128º são sempre distribuídas à mesma secção cível e as causas referidas no artigo 112º são sempre distribuídas à mesma secção criminal" .

Este preceito respeita à especialização das secções do Supremo de Tribunal de Justiça e tem sido integralmente aplicado e respeitado na distribuição processual no STJ.

Quanto à especialização das secções nos Tribunais da Relação a LOSJ, no tocante às matérias referidas nos art.s 111º, 112º, 113º e 128º, aponta nesse sentido mas não a impôs de imediato, como sucedeu no tocante à organização do serviço no STJ.

Na verdade no art.º 67º nº 3, 4 e 5 dispõe-se que :

« 3 - Os tribunais da Relação compreendem secções em matéria cível, em matéria penal, em matéria social, em matéria de família e menores, em matéria de comércio, de propriedade intelectual e de concorrência, regulação e supervisão, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

4 - A existência das secções social, de família e menores, de comércio, de propriedade intelectual e de concorrência, regulação e supervisão depende do volume ou da complexidade do serviço e são instaladas por deliberação do Conselho Superior da Magistratura, sob proposta do presidente do respetivo tribunal da Relação.

5 - Até à instalação da secção de concorrência, regulação e supervisão, as causas referidas no artigo 112.º são sempre distribuídas à mesma secção criminal, com exceção das causas referidas nos n.os 2 a 4 do artigo 112.º, que são sempre distribuídas à mesma secção cível».

Por sua vez o art.º 71º nº 1 da LOSJ, manda aplicar subsidiariamente aos Tribunais da Relação o disposto nos artigos 54º e 56º, mas no seu nº 2 ressalva que essa remissão para o art.º 54º não prejudica o disposto no nº 4 do art.º 67º ou seja a criação de secções especializadas apenas ocorrerá no quadro desta disposição legal, quando o volume e complexidade do serviço o justificar, o presidente do Tribunal o propuser ao CSM e este o autorizar. Até lá mantêm-se apenas as especializações existentes (secções cíveis, criminais e sociais). Da conjugação do disposto no art.º 71º e 67º nº 5 decorre que apenas as causas «referidas no artigo 112.º» estão sujeitas à regra da especialização. Todas as outras referidas no n.º 2 do art.º 54, não estão sujeitas a essa regra de serem distribuídas sempre à mesma secção cível ou criminal. Aliás há tribunais da Relação que dispõem apenas de uma secção criminal e outra cível. Daqui decorre que, existindo apenas secções cíveis, sociais e criminais, o recurso de apelação em causa tinha de ser distribuído a uma qualquer secção cível e essa seria sempre competente para conhecer da causa.

Assim, considerando que não está criada no Tribunal da Relação de Lisboa uma secção especializada em direito marítimo, cabia à secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa, a quem foi distribuída a causa, a competência para julgar o recurso de apelação do qual resultou o acórdão recorrido.


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Concluindo

Pelo exposto, acorda-se na improcedência da apelação e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Notifique.

Lisboa, em 31 de janeiro de 2019

José Manuel Bernardo Domingos (Relator)

João Luís Marques Bernardo

António Abrantes Geraldes

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[1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil antigo e 635º nº 2 do NCPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, hoje 636º nº 1 e 2 do NCPC). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[3]  No mesmo sentido vide Ac. de 13/12/2018,  revista. nº 833/16.6T8VIS-A.C1.S1