Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
160/14.3TBARL.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AGUIAR PEREIRA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
REQUISITOS
INADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 02/27/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: -NÃO SE TOMAR CONHECIMENTO DO RECURSO.
-REMETER OS AUTOS AÀ FORMAÇÃO DE JUÍZES A QUE ALUDE O Nº. 3 DO ARTIGO 672º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário :
Não se verifica a existência de fundamentação essencialmente diferente quanto à mesma solução jurídica dada, na sentença proferida em primeira instância e no acórdão do tribunal da Relação, à questão da data relevante para a produção dos efeitos do direito à exoneração de sócio e determinação da respectiva contrapartida quando ambas as instâncias coincidem na sua identificação e consequências como a única solução normativa susceptível de ser aplicada, ainda que, em segunda instância, se tenha aditado a referência esclarecedora ao princípio geral de aplicação das leis no tempo constante do art. 12.º, n.º 9, do CC.
Decisão Texto Integral:

EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


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RELATÓRIO

Parte I – Introdução

1)AA (entretanto falecido), nos autos representado pelos seus herdeiros habilitados BB, CC e DD – intentou contra Metalo-Nicho, S.A. acção especial para liquidação de participação social, pedindo que:

a) se proceda judicialmente a segunda avaliação da participação social do requerente, reportada à data da sua exoneração – 14 de outubro de 2013 – em conformidade com os critérios estabelecidos nos artigos 1021.º e 1018.º do Código Civil;

b) que a segunda avaliação seja precedida de peritagem judicial colegial à escrita da sociedade, uma vez que o revisor oficial de contas que procedeu à avaliação extrajudicial impugnada sublinha no seu relatório que os valores da situação líquida constante nas contas aprovadas em 31 de dezembro de 2005 e de 31 de dezembro de 2006 são valores pouco fiáveis;

c) se condene a sociedade requerida a pagar ao requerente o valor da sua participação social, que vier a ser apurado a final.

Alegou para tanto ser titular de participação social na sociedade requerida e que, no contexto que descreve, exerceu o seu direito de exoneração, na sequência do que foi efetuada avaliação extrajudicial da sua participação de cujo resultado discorda, defendendo que o cálculo da sua participação social deve ser efectuado de acordo com os critérios que indica.

2) Citada, a requerida apresentou contestação, invocando, além do mais, incorrer a petição em cumulação ilegal de pedidos e o requerente em abuso de direito, tendo a sociedade igualmente impugnado a matéria de facto articulada na petição inicial.

3) O requerente inicial pediu o desentranhamento da oposição ou, subsidiariamente, que sejam considerados não escritos os artigos que elenca, pelos motivos que expõe.

4) Por despacho de 23 de abril de 2020 foi decidido:

a) admitir a deduzida oposição, incluindo o alegado nos respetivos artigos 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 33.º última parte, 34.º, 39.º, 41.º, 43.º, 44.º, 45.º, 47.º e 48.º;

b) não admitir o formulado pedido de peritagem judicial colegial à escrita da sociedade, absolvendo a requerida da instância quanto a tal pedido, relegando para final a fixação das custas devidas;

c) admitir o formulado pedido de condenação da sociedade ora requerida a pagar às ora requerentes o valor da identificada participação social;

(…)

g) relegar para final o conhecimento da deduzida exceção de abuso do direito por parte do inicial requerente que depende, designadamente, da avaliação em curso reportada às duas indicadas datas.”

5) Foram realizadas duas perícias e teve lugar a audiência final em primeira instância.

Foi depois, em 22 de fevereiro de 2022, proferida sentença cujo dispositivo é do seguinte teor:

“(…), decide-se:

a) declarar que, à data de 17 de outubro de 2013, o valor da participação social do inicial requerente ascendia ao montante de € 211.217,70;

b) Condenar a requerida a pagar às requerentes BB, CC e DD, como sucessoras da parte falecida AA, o montante referido em a);

c) condenar as requerentes e a requerida no pagamento das custas, na proporção respetiva de 25% e 75%.”

6) Inconformada a sociedade requerida interpôs recurso de apelação tendo por objecto o despacho de 23 de abril de 2020, na parte em que admitiu a cumulação de pedidos indemnizatórios, e a sentença de primeira instância.

O Tribunal da Relação de Évora por seu acórdão de 12 de janeiro de 2023, julgou improcedente o recurso e confirmou o despacho interlocutório e a sentença de primeira instância impugnada.


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Parte II – A Revista

7) Inconformada com o teor do acórdão do Tribunal da Relação de Évora a sociedade requerida interpôs recurso de revista invocando a admissibilidade do recurso de acordo com as regras gerais e, subsidiariamente, a sua admissibilidade a título excepcional.

Formulou a sociedade requerida, ora recorrente, as seguintes conclusões nas alegações referentes ao recurso que interpôs:

“I. O Acórdão recorrido, apesar de, em termos processuais, confirmar a sentença da 1ª instância, contém uma verdadeira infirmação dos pressupostos em que assentou a aplicação do Direito nessa primeira decisão, adotando uma fundamentação essencialmente diferente para chegar ao mesmo resultado, em termos prevenidos pelo artigo 671.º, n. 3, do Código de Processo Civil, que ditam a admissão da presente revista.

II. Quando assim não se entenda, este recurso deverá ser admitido como revista excecional por o Acórdão recorrido, ao sustentar que o momento relevante a atender para determinação da contrapartida devida pela exoneração do sócio discordante da transformação da sociedade, se reporta à data em que o sócio declarou à sociedade a intenção de se exonerar, por força do disposto no n.º 5 do artigo 240.º do Código das Sociedades Comerciais , incorrer em contradição com o Acórdão Fundamento, da mesma Relação, proferido em 01-12-2015 e transitado em julgado em 27-04-2016, no processo n.º 1115/14.3TYLSB.L1, o qual, sobre a divergência entre os interessados quanto ao momento a reportar para efeitos de liquidação, apontou para os critérios estabelecidos no artigo 1021.º do Código Civil, por remissão dos artigos 105.º, n.º 2, e 137.º, n.º 2, ambos do Código das Sociedades Comerciais, descartando a aplicação do disposto no nº 5 do artigo 240.º do Código das Sociedades Comerciais nessa sede.

III. Ainda que não se verificasse a invocada contradição de julgados, deveria o presente recurso ser admitido como revista excecional pela relevância jurídica e social das questões cuja apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça é necessária para formar uma jurisprudência dominante que melhor dilucide os diferentes critérios legais de apuramento da contrapartida devida em caso de exoneração e consoante o respetivo facto determinante, analisando e decidindo sobre o momento a atender para determinação da contrapartida devida neste caso concreto, e desta forma contribuindo para uma melhor e mais uniforme aplicação do Direito que permita alcançar maior segurança e certeza jurídicas no âmbito das relações societárias.

IV. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, constantes dos fundamentos da Apelação relativos à impugnação da cumulação de pedidos e à ilegalidade do método de avaliação adotado (cfr. Conclusões VI., VII., VIII. e X. da Apelação), concluindo-se pela nulidade do Acórdão recorrido neste âmbito, o que se suscita ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e n.º 4, e no artigo 674.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código de Processo Civil.

V. A decisão respeitante à cumulação de pedidos não se poderá considerar proferida no uso legal de um poder discricionário e sim no uso de um poder vinculado à verificação fundamentada das circunstâncias a que a lei manda expressamente atender para a sua admissão (cfr. Artigos 37.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil).

VI. Deverá ser apreciada a impugnação do despacho de 23-04-2020, concluindo-se pela não admissão da cumulação de pedidos concretamente formulados nestes autos por inexistir interesse relevante a acautelar e a cumulação não se mostrar indispensável para a justa composição do litígio, configurando ainda violação do princípio do contraditório, ao tramitar um pedido de condenação numa forma de processo especial destinado apenas ao apuramento do valor da participação social, o qual não admite a instrução sobre outras matérias ou sequer a dedução de reconvenção.

VII. A aplicação in casu da redação introduzida no Código das Sociedades Comerciais pela Lei n.º 76-A/2006, de 29-03, enquanto regime aplicável dada a sucessão de leis no tempo, não resolve a divergência referente ao momento a atender para avaliação da participação do sócio exonerado na sequência da transformação da sociedade, nem permite justificar o recurso ao disposto no n.º 5 do artigo 240.º do Código das Sociedades Comerciais com esse propósito.

VIII. O Acórdão recorrido incorre em violação do quadro normativo que deveria ter aplicado, regulado pelos artigos 105.º, nº 2 e 137.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais, disposições inalteradas pela Lei n.º 76-A/2006, de 29-03 que estipulam que a contrapartida de aquisição da quota do sócio exonerado por discordância da transformação da sociedade serácalculada por referência ao momento da deliberação de transformação.

IX. A correta interpretação e aplicação das citadas normas conduz à fixação do valor da participação social em € 88.173,12, por corresponder à avaliação da quota efetuada pelo método do “Fluxo de Caixa Operacional na Ótica da Empresa”, escolhido pelo perito nomeado nos autos, à datada deliberação da transformação da sociedade (12-05-2006).

X. Sucede que o método do “Fluxo de Caixa Operacional na Ótica da Empresa” baseia-se em expetativas futuras relativas a proveitos, gastos e resultados, o que torna esse método de avaliação inapto para fixar o valor da quota com base no estado da sociedade à data do facto determinante da liquidação, nos termos preconizados pelo artigo 1021º, n.º 1, do Código Civil, assim como para calcular uma contrapartida baseada no valor do ativo restante (ou seja, no valor do ativo que resta após extinção das dívidas da sociedade) na proporção da parte que competir à respetiva quota, como estipulado no artigo 1018º, nº 1, do Código Civil, conclui-se que o Acórdão Recorrido incorre em violação destas normas ao confirmar o valor da quota seguindo um modelo de avaliação que não respeita nem se enquadra nos critérios ali previstos.

XI. O único modelo de avaliação que se enquadra nas referidas disposições legais, é o denominado modelo baseado no balanço, o qual, a demonstrar-se existir subavaliação ou sobreavaliação do ativo e/ou do passivo, poderá ser corrigido mediante avaliação dos mesmos, reportada à data a atender.

XII. Tendo a sociedade Requerida aceite a avaliação da participação social, em valor superior ao apurado na perícia dos autos através do método patrimonial (modelo baseado no balanço), deverá o valor da quota ser fixado no montante então aceite de € 49.750 (valor atribuído a este processo pelo Requerente inicial).”


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8) As requerentes responderam às alegações do recurso de revista apresentado pela requerida que remataram com as seguintes conclusões:

“I - O presente recurso de revista comum, ou normal, como se queira designar, interposto pela Recorrente, não é admissível, uma vez que o acórdão recorrido está abrangido pela dupla conformidade de decisões (“DUPLA CONFORME”) proferidas pela primeira instância e pela Relação.

II - Ainda que a primeira instância e a Relação tenham aplicado o Artigo 240.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais , no que concerne à data a que se deve reportar a avaliação da participação social, com justificações jurídicas diferentes, a primeira por interpretação extensiva e a segunda por aplicação das normas que regulam a aplicação das leis no tempo, essa dissonância não é susceptível de configurar uma fundamentação essencialmente diferente entre as duas decisões, que ponha em causa a dupla conforme.

III – Como refere o douto acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, proc. 28/16.9T8MGD.G1.S2, 2.ª Secção, 15-02-2018, acessível em www.dgsi.pt:

“I – Para descaraterização da figura de dupla conformidade de julgados não releva uma qualquer dissemelhança das fundamentações, a diferença existente entre cada uma delas tem de ser essencial.

II – Só pode considerar-se existente – no âmbito da apreciação da figura da dupla conforme no NCPC – uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada.”

IV – A diferença de fundamentação para pôr em causa a dupla conforme tem que ser essencial, tem que consubstanciar uma solução jurídica do pleito por parte da Relação radicalmente diferente, ou profundamente inovatória, da adoptada pela instância, assente em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada, o que, in casu, não acontece.

V – O Acórdão recorrido foi proferido sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente da sentença recorrida, pelo que, face à existência de dupla conforme, a revista comum não é admissível (Artigo 671.º n.º 3 do Código de Processo Civil).

VI – As nulidades imputadas ao acórdão recorrido pela Recorrente não podem ser apreciadas em sede do presente recurso, sendo a Relação o tribunal competente para as apreciar, face à não admissibilidade do recurso de revista comum, decorrente da dupla conforme, e só poderiam ser apreciadas pelo tribunal recorrido se tivessem sido arguidas no prazo de 10 dias, contados da notificação do acórdão, nos termos do disposto no Artigo 615.º n.º 4 e n.º 1 do Artigo 149.º, ambos do Código de Processo Civil .

VII – Sendo as nulidades arguidas em recurso que não seja admissível, ainda assim as nulidades poderão, em prol da prevalência da substância em detrimento da forma, ser apreciadas pelo tribunal recorrido, desde que o recurso seja interposto no prazo de 10 dias após a notificação do acórdão à recorrente, mas já assim não será se o recurso indevido for interposto após o decurso do referido prazo de 10 dias, como acontece in casu.

VIII – O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proc. 2003/18.0T8BCL.G1, de 20-05-2021, acessível em www.dgsi.pt, não deixa, a esse respeito, qualquer dúvida ao explicitar que “2 – […] ainda que seja perfeitamente razoável que se arrede uma injustificada prevalência da forma, já seria totalmente desrazoável que se premiasse o causador duma tramitação processual legalmente inadmissível com o aproveitamento desta para a prática dum acto [arguição de nulidades] cujo direito, nos termos da regular tramitação, está extinto pelo decurso do prazo estabelecido para o seu exercício (art.º 139.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).”

IX – Os segmentos do recurso que versam sobre matéria dita pela Recorrente deficientemente julgada pelo tribunal a quo, por alegado erro de interpretação e aplicação do Direito, equacionada nos pontos 42. a 86. do recurso, referentes à (3.1.) decisão sobre a cumulação de pedidos; (3.2) decisão sobre o momento de referência para a avaliação da quota; e (3.3) decisão sobre o método de avaliação da participação social, não podem ser apreciadas no recurso de revista comum interposto pela Recorrente, porque o mesmo não é admissível, e não constitui matéria susceptível de ser apreciada num recurso de revista excepcional, por não caber no seu objecto, nem na finalidade do mesmo elencado e elencadas no n.º 1 do Artigo 672.º do Código de Processo Civil.

X – Apesar do contorcionismo argumentativo utilizado, a Recorrente não consegue explicar porque é que as questões decididas pelo tribunal a quo com alegados erros de julgamento, por má interpretação e aplicação do Direito, são questões com enorme relevância jurídica à luz do disposto na alínea a) do n.º 1 do Artigo 672.º do Código de Processo Civil e porque é que estão em causa interesses de particular relevância social, à luz do disposto na alínea b) do referido artigo 672.º do Código de Processo Civil, que justifiquem ou possam fundamentar o recurso de revista excepcional.

XI – Tais questões, decididas no mesmo sentido pela instância e pela Relação, são questões controvertidas iguais a tantas outras, colocadas à apreciação dos tribunais portugueses e caso a decisão proferida sobre elas fosse susceptível de recurso de revista excepcional, à luz do disposto nas alíneas a) e b) do Art.º 672.º do CPC, a parte vencida teria sempre a porta aberta para interpor recurso do acórdão da Relação que não satisfizesse a sua pretensão, ainda que abrangido pela dupla conforme e proferido sem voto de vencido e sem diferenças essenciais de fundamentação relativamente à decisão apelada.

XII – O litigante vencido poderia assim contornar o disposto no Art.º 671.º n.º 3 do Código de Processo Civil que estatui a não admissão de recurso de revista comum, no caso de dupla conformidade de julgados, recorrendo ao recurso de revista excepcional, sendo que a intenção do legislador, ao admitir este tipo de recurso, não foi criar uma “escapatória de recurso” mas sim não deixar sem possibilidade de recurso questões absolutamente excepcionais, do ponto de vista jurídico e social.

XIII – Não existe oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido no processo n.º 1115/14.3TYLSB.L1 (acórdão fundamento), a propósito da data a que se deve reportar a avaliação da participação social do sócio exonerado.

XIV – O acórdão da relação 1115/14.3TYLSB.L1 limita-se a remeter para o Artigo 1021.º do Código Civil no que se refere aos “critérios de avaliação”, os quais, de acordo com este artigo, devem ter em conta o estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da liquidação, sendo que, in casu, o facto determinante da liquidação é a comunicação do sócio à sociedade de que se exonera e não a deliberação da transformação da sociedade.

XV – O acórdão, designado pela Recorrente de acórdão fundamento, não contraria, em nada, a posição adoptada pelo acórdão recorrido, o qual determinou que a data a que se reporta a avaliação da participação social é a data da exoneração, face ao que dispõe o Artigo 240º do Código das Sociedades Comerciais, que é a lei em vigor à data da exoneração, e que no seu n.º 5 determina que “5 - A contrapartida a pagar ao sócio é calculada nos termos do artigo 105.º n.º 2 com referência à data em que o sócio declare à sociedade a intenção de se exonerar (…)”.

XVI – Acresce que existindo norma especial que regula a questão em apreço, o n.º 5 do Artigo 140.º do Código das Sociedades Comerciais , sempre seria esta norma a prevalecer sobre o Art.º 1021.º do CC, caso este discorresse de forma diferente daquele, sendo consabido que a lei especial derroga a lei geral e, caso existisse oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão, designado pela Recorrente de acórdão fundamento, sempre o primeiro prevaleceria sobre o segundo, por adoptar sobre o assunto em apreço a posição jurídica correcta, e assim deverá ser decidido por este Supremo Tribunal de Justiça, caso se considere existir efectivamente oposição de julgados entre ambos.

XVII – Nenhuma das questões colocadas pela Recorrente à apreciação deste tribunal, relativamente à reapreciação das decisões proferidas pelo tribunal a quo sobre a cumulação de pedidos; o momento de referência para a avaliação da quota e sobre o método de avaliação da participação social, constituem fundamento para o recurso de revista excepcional, uma vez que não se integram em nenhuma das alíneas a) e b) do n.º 1 do Artigo 672.º do Código de Processo Civil.

XVIII – Por outro lado, não existe oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão, designado pela Recorrente de acórdão Fundamento, no que concerne à data a que se deve reportar a avaliação da quota do sócio exonerado, não existindo o fundamento previsto na alínea c) do n.º 1 do Artigo 672.º do Código de Processo Civil.

XIX – Não existindo nenhum dos fundamentos elencados no n.º 1 do Artigo 672.º do Código de Processo Civil, o recurso de revista excepcional, subsidiariamente interposto pela Recorrente, não é admissível, à semelhança do recurso de revista comum, devendo a sua admissão ser também rejeitada.

XX – Caso assim se não considere e decida, sempre se dirá o seguinte a propósito das questões mobilizadas pela Requerente a propósito da decisão proferida pelo tribunal a quo quanto à cumulação de pedidos; momento de referência para a avaliação da quota e método de avaliação da participação social

XXI – A cumulação do pedido de avaliação da participação social e do pedido de condenação no pagamento do valor fixado é admissível, porque não há incompatibilidade entre os processos (especial e comum) que impeça que se adapte a forma simplificada à forma de processo comum por forma a garantir os direitos de defesa à contraparte e o princípio do contraditório.

XXII – A pronúncia do tribunal a quo responde cabalmente às questões colocadas pela Recorrente contra a admissão da cumulação, mormente sobre a possibilidade de se cumularem os pedidos, ainda que a cada um corresponda uma forma de processo diferente e, ainda que a Recorrente discorde não poderá alegar que o tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão, tendo-o até feito com rigor e profundidade jurídica inquestionável.

XXIII – No que se refere ao momento de referência para a avaliação da quota, a mesma tem que se reportar à data da exoneração, por aplicação do disposto no Artigo 240.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, após a alteração decorrente do DL 76-A/2006, de 29-03, por ser a lei em vigor à data da exoneração.

XXIV – O Artigo 1021.º do Código Civil não determina, ao contrário do alegado pela Recorrente, que a avaliação da quota se deve reportar à data da deliberação da transformação da sociedade, mas sim à data em que ocorra ou produza efeitos o facto determinante da liquidação, que, in casu, corresponde à comunicação do sócio à sociedade declarando que se exonera.

XXV – Mas ainda que a interpretação fosse diversa, no sentido de que a interpretação correcta do n.º 1 do Artigo 1021.º do Código Civil é a de que a avaliação se deve reportar à data da deliberação, esta norma não seria de aplicar porque, tratando-se de lei geral estaria derrogada pelo Artigo 240.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, que é lei especial.

XXVI – Quanto ao método de avaliação da participação social alega a Recorrente que a quota deve ser avaliada segundo o método patrimonial baseado no balanço. A este propósito cumpre reproduzir o que decorre do acórdão recorrido:

“No que respeita à forma de avaliação da participação social, dispõe o n.º 5 do citado Artigo 240.º [do CSC] que a contrapartida devida ao sócio é calculada nos termos do artigo 105.º n.º 2 [do Código das Sociedades Comerciais] assim remetendo para o regime da fusão.

O n.º 2 do artigo 105.º (com as alterações introduzidas pelo DL 76-A/2006, de 29-03), tem a redacção seguinte: Salvo estipulação diversa do contrato de sociedade ou acordo das partes, a contrapartida da aquisição deve ser calculada nos termos do artigo 1021.º do Código Civil, com referência ao momento da deliberação da fusão, por um revisor oficial de contas designado por mútuo acordo ou, na falta deste, por um revisor oficial de contas independente designado pela respectiva Ordem, a solicitação de qualquer dos interessados.

Dispondo este preceito que a contrapartida da aquisição deve ser calculada nos termos do artigo 1021.º do Código Civil, cumpre atender ao estatuído nesta norma, com a redacção seguinte:

3. Nos casos de morte, exoneração o exclusão de um sócio, o valor da sua quota é fixado com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da liquidação; se houver negócios em curso, o sócio ou os herdeiros participarão nos lucros e perdas deles resultantes.

4. Na avaliação da quota observar-se-ão, com as adaptações necessárias, as regras dos n.os 1 a 3 do artigo 1018.º, na parte em que forem aplicáveis.

Extraindo-se do n.º 2 deste preceito que, na avaliação da quota observar-se-ão, com as adaptações necessárias, as regras dos n.º 1 a 3 do artigo 1018.º, na parte em que forem aplicáveis, cumpre atender ainda aos indicados números deste último artigo, com a redacção seguinte:

4. Extintas as dívidas sociais, o activo restante é destinado em primeiro lugar ao reembolso das entradas efectivamente realizadas, exceptuadas as contribuições de serviços e as de uso e fruição de bens.

5. Se não puder ser feito o reembolso integral, o activo existente é distribuído pelos sócios, por forma que a diferença para menos recaia em cada um deles na proporção da parte que lhe competir nas perdas da sociedade; se houver saldo depois de feito o reembolso, será repartido por eles na proporção da parte que lhes caiba nos lucros.

6. As entradas que não sejam de dinheiro são estimadas no valor que tinham à data da constituição da sociedade, se não lhes tiver sido atribuído outro no contrato.

Da análise conjugada destes preceitos extrai-se que, salvo estipulação contratual ou acordo das partes, o valor da quota, para efeitos de determinação da contrapartida a pagar ao sócio que se exonerou, é fixado com base no estado da sociedade com referência à data da exoneração.

(…)

Explicando “a ideia subjacente à avaliação da participação social em caso de exoneração, seja qual for a causa, prevista no Código das Sociedades Comerciais ou nos estatutos”, afirma José Miguel Roda de Albuquerque (“Direito de exoneração dos sócios nas sociedades por quotas e nas sociedades anónimas”, Revista de Direito das Sociedades, ano IV (2012) n.º 1, p. 174) que “a avaliação que se faz da participação social tem (…) por referência o seu valor real (…)”

XXVII – O valor da contrapartida tem que corresponder ao valor real da participação social do sócio exonerado, com base no estado da sociedade à data da exoneração, sendo que a situação líquida da sociedade não está reflectida no balanço, por conter registos desactualizados, designadamente no que se refere aos activos, os quais sempre teriam que ser reavaliados.

XXVIII – Nas contas da sociedade, relativas ao exercício de 2013, o imóvel sede e oficina da sociedade aparecia registado com um valor contabilístico de € 97.719,05 e o terreno onde o mesmo está implementado estava contabilizado em € 22.878,67, quando valem mais do que € 1.000.000,00.

XXIX – Os activos tangíveis totais apareciam contabilizados em € 719.728,15, quando valiam à data da exoneração (17-10-2013) mais do que € 2.000.000,00.

XXX – É quanto basta para se comprovar que o modelo patrimonial de avaliação baseado no balanço, advogado pela Recorrente, não é o modelo adequado para calcular o valor real da participação social.

XXXI – Ao aceitar como adequado para o cálculo da participação social o modelo do “Fluxo de Caixa Operacional na Óptica da Empresa”, modelo científico comumente utilizado pelos avaliadores e utilizado pelo perito na perícia efectuada, o tribunal a quo teve em conta os critérios legais que devem presidir ao cálculo do valor real da participações social do sócio exonerado, ao contrário do alegado pela Recorrente a qual, ao pugnar pela fixação do valor da quota em € 49.750,00 comprova a má-fé, senão mesmo o descaramento, que a tem caracterizado ao longo de todo o processo.

XXXII – O tribunal a quo aplicou à avaliação da participação social do sócio exonerado o quadro normativo aplicável, inexistindo qualquer fundamento para a alteração do valor fixado à quota com adopção do modelo de avaliação utilizado pelo perito avaliador.

XXXIII – Improcedem todas as conclusões do recurso da Recorrente.


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9) Colhidos os vistos legais dos Senhores Juízes Conselheiros que subscrevem o presente acórdão, importa agora decidir as questões colocadas:

- em primeiro lugar a da admissibilidade do recurso de revista interposto e do regime ao abrigo do qual tal questão da admissibilidade da revista deve ser decidida;

- em segundo lugar, admitindo-se o recurso de revista interposto – e só nessa eventualidade – a da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia em relação aos fundamentos da apelação atinentes à validade da cumulação de pedidos feita pelo requerente inicial e à ilegalidade do método de avaliação adoptado na sentença de primeira instância;

- em terceiro lugar, se a tal não obstar a solução dada às duas anteriores questões, o mérito da causa no que tange ao apuramento da contrapartida da aquisição pela sociedade requerida da quota do sócio exonerado, em especial a do momento a atender para o efeito e metodologia de cálculo do respectivo valor.

Comecemos por descrever o elenco dos factos apurados.


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FUNDAMENTAÇÃO

PARTE I – OS FACTOS

a) Factos provados

São os seguintes os factos que resultaram provados:

“1.- O inicial requerente AA, juntamente com EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO eram os únicos sócios da sociedade comercial por quotas denominada “M..., Lda.”, pessoa coletiva n.º ...43, com sede na Estrada ..., freguesia e concelho de ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o n.º ...96, cfr. doc. de fls. 375 verso e seguintes.

2.- A referida sociedade tinha o capital social integralmente realizado de € 92.776,44, correspondente à soma de doze quotas iguais, do valor nominal de € 7.731,37, pertencentes a cada um dos sócios.

3.- Em 12 de maio de 2006, realizou-se uma assembleia geral, regularmente convocada, na qual se encontrava representado a totalidade do capital social, tendo então sido deliberado, com o voto contra do sócio AA, aumentar o capital social da sociedade de € 92.776,44 para 96.000,00 mediante a incorporação de reservas legais no montante de € 3.223,50, a atribuir aos sócios em igual proporção, e para reforço das quotas que já possuíam, tendo ficado cada um dos sócios com uma quota única no montante de € 8.000,00, cfr. ata n.º 31 cuja cópia constitui o doc. n.º 2 junto com a p.i.

4.- Foi também deliberado, com o voto contra do sócio AA, transformar em sociedade anónima a referida sociedade comercial por quotas com a firma “M..., Lda.”, que passou a adotar a firma “M..., S.A.”, sem que tal transformação acarretasse a sua dissolução.

5.- O inicial requerente, porque discordou da transformação da sociedade em sociedade anónima e porque votou contra essa transformação, pretendia, nos termos do artigo 137.º do Código das Sociedades Comerciais, na redação anterior à Lei n.º 76-A/2006, de 29-03, exercer o seu direito à exoneração.

6.- Em 19 de maio de 2006 foi realizada a escritura pública de aumento do capital social e de transformação da sociedade ora requerida em sociedade anónima que passou a adotar a firma “M..., S.A.”, docs. de fls. 375 verso a 379 e 384 a 403.

7.- A não publicação da deliberação de transformação impediu o ora requerente de exercer o direito de exoneração pelo que teve que intentar a competente ação judicial para que esse direito lhe fosse reconhecido judicialmente.

8.- No processo n.º 169/06.0... do Tribunal Judicial de ... - cuja petição inicial foi apresentada em 28-06-2006, tendo a requerida sido citada em 04-07-2006 - foi proferida sentença onde se decidiu o seguinte: “(…) determina-se a concessão do prazo legal de 30 dias, a contar da data de trânsito em julgado da presente sentença, para que o sócio discordante AA, ora A., exerça o seu direito de exoneração (…).”; tal decisão foi confirmada por acórdãos do Tribunal da Relação de Évora e do Supremo Tribunal de Justiça, tendo transitado em julgado em 03-10-2013, cfr. docs. de fls. 384 e seguintes.

9.- A sentença transitou em julgado em 3 de outubro de 2013, contando-se a partir dessa data o prazo de 30 dias de que o ora requerente dispunha para exercer o seu direito à exoneração, o qual foi exercido em tempo.

10.- Em maio de 2009, no âmbito de negociações extrajudiciais tendentes a pôr fim ao aludido processo n.º 169/06.0..., foi efetuada a avaliação da empresa ora requerida pelo Prof. PP, com a colaboração da revisora oficial de contas da sociedade requerida, Dr.ª QQ, cfr. doc. n .º 11 junto com a p.i..

11.- Aquela avaliação fixou o valor da empresa em dezembro de 2008 em € 2.683.968,00.

12.- Na mesma altura, maio de 2009, a revisora oficial de contas da sociedade ora requerida, Dr.ª QQ, realizou os cálculos que considerou relevantes e apresentou à sociedade requerida o documento cuja cópia constitui o doc. n.º 12 junto com a oposição onde consta, designadamente, o seguinte: “É preciso notar que a actividade da M..., Lda. exige um nível tecnológico sofisticado que a empresa nesta data não detém, devendo obrigatoriamente ser de efectuar investimentos de modernização que rondam os € 500.000 (quer em equipamentos para a produção, quer de melhoramento de instalações, uma vez que estas não possuem climatização e necessitam de pintura e substituição de coberturas).”

13.- O inicial requerente AA, através de notificação judicial avulsa apresentada no tribunal em 14 de outubro de 2013, notificou a gerência da sociedade por quotas M..., Lda. e o conselho de administração da sociedade anónima, resultante da transformação daquela, Metalo-Nicho, S.A., de que se exonerava da sociedade, cfr. doc. n.º 4 junto com a p.i..

14.- Através desta notificação judicial avulsa, o inicial requerente comunicou a sua exoneração da sociedade ora requerida, indicando atribuir o valor de € 275.000,00 à sua participação e propondo, em caso de rejeição do referido valor, a avaliação da participação por um técnico que ali identificou.

15.- À notificação referida nos pontos 13. e 14. respondeu a ora requerida, por carta de 25 de outubro de 2013, indicando que o valor da participação do inicial requerente havia sido determinado em € 43.723,00, e interpelando este para comparecer na sede da empresa no sentido de ser formalizada a transmissão, nos seguintes termos: “Assim, deverá, pois V. Exa. deslocar-se à sede da empresa a fim de subscrever o respectivo contrato de transmissão das referidas acções e o endosso das mesmas à sociedade, contra o pagamento do supra indicado valor.”, cfr. doc. n.º 1 junto com a oposição.

16.- O inicial requerente, não aceitando o mencionado valor, comunicou à sociedade ora requerida, por carta datada de 11 de novembro de 2013, que: “(…) Uma vez que V. Exas. não aceitaram que a avaliação da minha participação fosse feita pelo Prof. Dr. PP, então deveriam ter solicitado à Ordem a nomeação de um revisor oficial de contas independente para a fazer. (…)”, cfr. doc. n.º 2 junto com a oposição.

17.- A ora requerida, por carta datada de 19 de novembro de 2013, informou o inicial requerente que: “(…) aceitamos, desde já, o valor que resultar da avaliação a efectuar pela Revisora Oficial de Contas da sociedade: Dra. QQ. (…)”, cfr. doc. n.º 3 junto com a oposição.

18.- O inicial requerente não respondeu à referida indicação e não promoveu a designação, pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, de um técnico independente para este fim.

19.- Não tendo a sociedade amortizado, adquirido ou feito adquirir por sócio ou por terceiro a participação social do ora requerente no prazo de 30 dias, o inicial requerente, em 16-01-2014, requereu, na 1.ª Conservatória do Registo Comercial de ..., a dissolução e liquidação da sociedade através de procedimento administrativo, cfr. doc. n.º 5 junto com a p.i..

20.- Conforme consta do documento de fls. 364 a 366, em 19 de março de 2014, a ora requerida deliberou e aprovou adquirir aquela participação social.

21.- Na mesma data, 19 de março de 2014, a requerida requereu à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas que designasse um Revisor Oficial de Contas para proceder à avaliação da participação do sócio exonerado, cfr. doc. n.º 6 junto com a p.i..

22.- A Ordem dos Revisores Oficiais de Contas designou para o efeito o Dr. RR o qual declarou expressamente aceitar a referida incumbência.

23.- Em 14 de julho de 2014, a senhora adjunta do Conservador proferiu decisão considerando a situação regularizada e indeferiu o pedido de dissolução da sociedade, cfr. doc. n.º 7 junto com a p.i.; tal decisão foi confirmada pela ....ª Secção, Comércio, da Instância Central da Comarca de ..., e posteriormente por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado, cfr. doc. de 491 e seguintes.

24.- Concluída a avaliação, reportada a 31 de maio de 2006, no âmbito da qual foi atribuído o valor de € 49.750,00 à participação social do inicial requerente, a sociedade requerida interpelou o inicial requerente, por carta de 28 de julho de 2014, para a concretização da transmissão da sua participação social nos seguintes termos: “(…) vimos interpelar V. Exa. para proceder à entrega, na sede desta Sociedade, das acções que foram emitidas em nome de V. Exa. após a transformação da sociedade e, simultaneamente, levantar o cheque emitido em seu nome para pagamento do remanescente do valor da contrapartida devida (€ 25.667,62).”, cfr. doc. n.º 8 junto com a p.i..

25.- Para justificar a contrapartida a pagar ao inicial requerente, a requerida enviou em anexo à referida carta o relatório de avaliação elaborado pelo revisor oficial de contas RR cfr. doc. n.º 9 junto com a p.i..

26.- Tal avaliação, para além de não espelhar o valor real da participação do inicial requerente, mas apenas o seu valor contabilístico, atualizado com os últimos coeficientes de desvalorização da moeda, foi ainda reportada à data de 31 de maio de 2006.

27.- Consta do referido relatório de avaliação, elaborado pelo Dr. SS, designadamente o seguinte: “Com base no balancete de 31/05/2006, construi um balanço o qual consta em anexo. Contudo como não foram efetuados procedimentos de encerramento de exercício, nesta data, tal como inventários, corte de operações, etc., os valores da situação líquida daí resultantes mostraram-se pouco fiáveis. Assim pareceu-me mais adequado basear-me num valor intermédio entre a situação líquida de 31/12/2005 e 31/12/2006, a qual se mostrou consistente.”

28.- Por solicitação da requerida, no que respeita ao referido no ponto 27., o Dr. SS esclareceu o seguinte, cfr. doc. n.º 11 junto com a oposição: “Dada a circunstância de não existirem contas de encerramento para o período em questão (31/05/2006), uma vez que as contas de encerramento são, por regra, elaboradas a 31/12, elaborei um balanço que anexei ao relatório, mas cujos valores de situação líquida daí resultantes me pareceram “pouco fiáveis”, pois à data não era expectável que viesse a ser necessário encerrar contas a 31/05/2006, não tendo portanto sido feitos os procedimentos de encerramento, no fim desse mês, nomeadamente para inventário. Ou seja, os valores apurados no balanço por mim construído para a data de 31/05/2006 não oferecem a fiabilidade e o rigor pretendidos, razão pela qual optei por um valor intermédio entre 31/12/2005 e 31/12/2006 (cfr. parágrafo 2.3. do meu relatório). Em momento algum pretendi sugerir que a contabilidade da sociedade pudesse apresentar valores viciados.”

29.- As contas da sociedade requerida apresentadas na Conservatória do Registo Comercial, relativas ao exercício de 2013, cuja cópia constitui o doc. n.º 10 junto com a petição inicial, evidenciam que a contabilidade daquela sociedade continua a não refletir o real património da mesma.

30.- Naquelas contas, o imóvel sede e oficina da sociedade aparece registado com um valor contabilístico de € 96.719,05 e o terreno onde o mesmo está implantado está contabilizado em € 22.876,67, quando vale mais do que € 1.000.000,00, conforme simulação anexa no Anexo I da Avaliação Financeira da sociedade requerida efetuada pelo Prof. Dr. PP em que o cálculo do Valor Patrimonial Tributável - efetuado no dia 27-05-2009 no portal da Administração Tributária - avalia o Valor Patrimonial Tributável do mesmo imóvel - sempre inferior ao valor de mercado - em € 1.006.840,00, simulação essa calculada pela Dr.ª QQ, então ROC da sociedade requerida, como contribuição à referida Avaliação, cfr. doc. n.º 10 - IES de 2013 e doc. n.º 11 - avaliação do Prof. Dr. PP).

31.- Os ativos Tangíveis Totais estão contabilizados em € 719.728,15 quando valem, pelo menos, € 2.000.000,00 (e levando apenas em conta o acréscimo do valor do imóvel, conforme referido no ponto 30.).

32.- Em 15 de novembro de 2013, o inicial requerente apresentou a pagamento, de uma só vez, todos os sete cheques respeitantes a todos os dividendos que lhe foram enviados pela sociedade requerida, entre maio de 2007 e maio de 2013, no montante total de € 24.082,38, cfr. docs. n.ºs 4 a 9 juntos com a oposição.

33.- Em resposta à interpelação contida na carta de 28 de julho de 2014, o inicial requerente remeteu à sociedade ora requerida a carta datada de 7 de agosto de 2014 dizendo apenas o seguinte: “AA, comunica a Vs. Ex.ªs que, no respeitante à vossa carta datada de 28 de Julho de 2014, não concorda com o seu teor.”, cfr. doc. n.º 10 junto com a oposição.

34.- O inicial requerente desligou-se, de facto, do quotidiano da sociedade requerida, da qual era gerente, em maio de 2006, apenas tendo formalmente comunicado a sua exoneração, no exercício do direito que lhe foi conferido, em outubro de 2013.

35.- Em 13-12-2019, o perito nomeado, Dr. TT, juntou aos autos o respetivo relatório pericial que suscitou a reclamação da requerida de 13-01-2020, tendo o perito, notificado para o efeito, apresentado a sua resposta àquela reclamação em 13-03-2020.

36.- Pelo despacho de 23-04-2020 foi determinada a realização de segunda perícia, tendo o senhor perito Dr. UU, em 22-12-2020, junto aos autos o respetivo relatório pericial que suscitou as reclamações contidas nos requerimentos de 13 e 14 de janeiro de 2021; o senhor perito Dr. UU juntou aos autos em 19-05-2021 a resposta às apresentadas reclamações.

37.- A sociedade requerida, nas datas de 12-05-2006 e 17-10-2013, tinha o valor de, respetivamente, € 1.058.077,43 e € 2.534.612,21.


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B) Factos não provados

São os seguintes os factos considerados não provados:

1) No relatório de fls. 130 e seguintes, o próprio avaliador sublinhou serem pouco fiáveis os valores da situação líquida constantes nas contas aprovadas de 31/12/2005 e 31/12/2006.

2) Em maio de 2009, foi apresentado ao inicial requerente e ao seu mandatário, Dr. VV, um documento com o teor do doc. n.º 12 junto com a oposição.

3) A notificação referida em 13. dos factos provados foi também efetuada através de cartas registadas com aviso de receção.

4) Os cheques referidos no ponto 32. dos factos provados foram enviados ao inicial requerente apenas para a eventualidade de o mesmo se manter enquanto acionista da sociedade após a transformação.


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PARTE II – O DIREITO

a) Da admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto no artigo do artigo 671.º nº 1 e 3 do Código de Processo Civil (recurso de revista comum)

1) Alega a sociedade recorrente que a revista é admissível ao abrigo das regras gerais (artigo 671.º n.º 1 e 3 do Código de Processo Civil) na medida em que o acórdão recorrido adoptou uma fundamentação essencialmente diferente para a mesma solução jurídica encontrada acerca da data a atender como relevante para a produção de efeitos do direito à exclusão de sócio. Tal circunstância tornaria admissível a interposição do recurso ao abrigo das regras gerais contidas no artigo 672.º n.º 1 e 3 do Código de Processo Civil.

Vejamos se pode extrair-se tal conclusão.

2) A sentença proferida em primeira instância considerou que o inicial requerente manteve a sua qualidade de sócio da requerida até 17 de outubro de 2013, data em que teve lugar a notificação à sociedade do seu pedido de exoneração da qualidade de sócio, não podendo o inicial requerente exercer o direito à exoneração em data anterior, nomeadamente na data da assembleia geral de 12 de maio de 2006, por razões unicamente imputáveis à sociedade requerida que não promoveu a publicação da deliberação de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima.

Também no acórdão recorrido se tem por assente que “a declaração de exoneração foi efetuada através da notificação judicial avulsa (…) da qual foi a sociedade notificada a 17-10-2013 (conforme considerou a 1.ª instância e não vem posto em causa na apelação), pelo que deve ser aplicada a lei em vigor nessa data.”

3) Ambas as decisões tiveram por aplicável a primeira parte do artigo 240.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais como a única solução normativa susceptível de ser aplicada, com a remissão directa para o artigo 105.º n.º 2 do mesmo diploma e deste para o artigo 1021.º do Código Civil.

4) É certo que, as decisões justificam a solução encontrada com referência argumentativa algo distinta, aludindo a primeira instância, como argumento final, ao recurso à interpretação extensiva ou à analogia, ao passo que a segunda instância explica a solução por ambos encontrada à luz do artigo 12.º n.º 1 do Código Civil que contém o princípio geral de aplicação das leis no tempo.

Veja-se o que consta do acórdão recorrido a esse propósito:

“No que respeita ao momento considerado relevante para a avaliação, a 1.ª instância entendeu aplicável o critério estatuído no artigo 240.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais, na redação introduzida pelo DL 76-A/2006, de 29-03, em consequência do que atendeu ao dia 17-10-2013, por se tratar da data em que o requerente comunicou a respetiva exoneração à sociedade requerida.

A apelante, por seu turno, defendendo a aplicabilidade do estatuído nos artigos 105.º, n.º 2, e 137.º, n.º 2, do CSC, na redação anterior ao DL 76-A/2006, de 29-03, sustenta que a participação social deve ser avaliada por referência ao dia 12-05-2006, por se tratar da data da deliberação – de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima – que deu causa à exoneração.

(…)

Estando em causa a apreciação dos efeitos operados pelo exercício do direito de exoneração de sócio de uma sociedade por quotas, no sentido de determinar o valor da participação social do requerente, com vista ao respetivo reembolso pela sociedade requerida, é aplicável o regime legal em vigor à data da exoneração, conforme decorre do disposto no artigo 12.º. n.º 1, do Código Civil.

Considerando que o direito ao reembolso da participação social se baseia na exoneração do respetivo titular, tal direito nasceu na esfera jurídica do requerente no momento da exoneração, isto é, aquando da produção de efeitos do exercício do direito de exoneração que lhe foi reconhecido por decisão proferida no processo n.º 169/06.0TBARL, que correu termos no Tribunal Judicial de....“

5) Porém, coincidindo toda a argumentação das decisões em confronto no sentido da identificação da data de 17 de outubro de 2013, como sendo aquela em que produziu efeitos a exoneração de sócio do requerente inicial, o esclarecimento complementar feito em segunda instância é, se não irrelevante, pelo menos não essencial para o efeito de conduzir à conclusão de que ocorre uma “fundamentação essencialmente diferente” das duas decisões, tal como este Supremo Tribunal de Justiça a tem vindo a entender.

Trata-se, se se quiser, de mais um argumento concordante no sentido do esclarecimento da aplicabilidade do regime em vigor à data da comunicação da exoneração do requerente inicial de sócio da requerida sobre as quais não se regista qualquer divergência.

O aditamento de tal argumento não descaracteriza, contudo, a fundamentação de ambas as decisões como integradas na mesma linha argumentativa essencial sobre a questão da data relevante para a produção dos efeitos da exoneração do sócio, não passando o núcleo da fundamentação de ambas as decisões a ser, em virtude do acrescento referido, essencialmente diferente e, muito menos, divergente.

6) Resulta assim do exposto que o recurso de revista interposto pela sociedade requerida ao abrigo do disposto no artigo 671.º n.º 1 e 3 do Código de Processo Civil tendo por objecto o acórdão do Tribunal da Relação que confirmou a sentença de primeira instância sem declaração de voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, não é legalmente admissível.


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b) Da admissibilidade do recurso de revista a título excepcional ao abrigo do artigo 672.º n.º 1 alínea a) e c do Código de Processo Civil

7) A recorrente Metalo-Nicho, S.A. requer, a título subsidiário, a admissão a título excepcional do recurso de revista que interpôs.

Invoca para tanto a sociedade recorrente a existência de contradição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido em 17 de abril de 2016 pelo Tribunal da Relação de Lisboa na apelação processo n.º 1115/14.3TYLSB.L1, a propósito do momento relevante para a avaliação da contrapartida devida pela exoneração do sócio (artigo 672.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil) e a relevância jurídica e social da mencionada questão.

8) Nos termos do artigo 672.º n.º 3 do Código de Processo Civil a decisão preliminar sumária quanto à verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista a título excepcional nas circunstâncias definidas no seu n.º 1, cabe à formação de Juízes Conselheiros prevista no citado preceito.

Importa por isso, submeter a apreciação da admissibilidade do recurso de revista interposto pela sociedade recorrente à formação a que alude o artigo 672.º n.º 3 do Código de Processo Civil, o que se determinará.

Sem embargo de eventual decisão posterior sobre o objecto da revista se vier a ser decidida a sua admissão a título excepcional, a sociedade recorrente é responsável pelo pagamento das custas do recurso de revista por si interposto.


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DECISÃO

Termos em que:

a) Não admitem nem conhecem o recurso de revista comum interposto pela sociedade requerida M..., S.A. ao abrigo do artigo 671.º n.º 1 e n.º 3 do Código de Processo Civil;

b) Ordenam, quanto ao recurso de revista excepcional interposto pela sociedade recorrente a título subsidiário, que o processo seja presente à formação de Juízes Conselheiros nos termos e para efeito previsto no artigo 672.º n.º 3 do Código de Processo Civil.

c) Sem embargo de eventual decisão posterior sobre o objecto da revista condenam a sociedade recorrente no pagamento das custas da revista.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 27 de fevereiro de 2024

Manuel José Aguiar Pereira (relator)

António Pedro de Lima Gonçalves

Jorge Manuel Leitão Leal