Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1154/09.6TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: CADUCIDADE DO DIREITO DE APLICAR A SANÇÃO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVERES LABORAIS
Data do Acordão: 04/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO - CESSAÇÃO DO CONTRATO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / DESPEDIMENTO POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR.
Doutrina:
- João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2011, p. 371.
- Jorge Leite, Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 250.
- Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 947, 950 e 952.
- Maria do Rosário Palma Ramalho, «Sobre os Limites do Poder Disciplinar Laboral», I Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, Coordenação António Moreira, Livraria Almedina, Coimbra 1998.
- Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Principia, 2012, pp. 231, 233.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003: - ARTIGOS 121.º, N.º1, AL. A), 396.º, 414.º, 415.º, N.º1,
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 08-06-2006, PROC. N.º 05S3731 E DE 07-05-2009, PROC. N.º 09S0376.
-DE 14-05-2008, PROC. N.º 08S643; DE 7-10-2010, PROC. N.º 887/07.6TTALM.L1.S1 E DE 07-03-2012, PROC. N.º 17/10.7TTEVR.E1.S1.
Sumário :
1. As diligências probatórias a partir das quais se começa a contar o prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção não se circunscrevem àquelas que o trabalhador haja requerido na sua resposta à nota de culpa, mas abrangem também quaisquer outras que o instrutor do processo disciplinar entenda oficiosamente promover.

2. A justa causa de despedimento pressupõe a existência de uma determinada acção ou omissão imputável ao trabalhador, a título de culpa, violadora de deveres emergentes do vínculo contratual estabelecido entre si e o empregador, que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a manutenção desse vínculo.

3. A violação, de forma repetida, de deveres laborais, ainda que composta por factos que isoladamente não se revistam de gravidade suficiente para constituírem justa causa de despedimento, já integra o referido conceito de justa causa, quando esses factos, globalmente considerados, perturbam a vida das colegas de trabalho e a organização da empresa, em termos tais que tornam imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.

Decisão Texto Integral:

                        Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                        I – Relatório

                        1.1. AA veio instaurar, no 5.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção, com processo comum, contra BB, LD.ª, pedindo a condenação desta a:

                        - Reconhecer a ilicitude do despedimento de que foi alvo e, bem assim, a proceder ao pagamento das retribuições que se forem vencendo na pendência da acção até ao trânsito em julgado;

                        - Reintegrá-lo (se for essa a sua opção);

                        - Pagar-lhe as quantias de € 677,60, a título de subsídio de refeição em dívida, e de € 30.000,00 de danos não patrimoniais.

                        Alegou, para o efeito e em síntese:

                        Estava ligado à Ré, por contrato de trabalho, desde 1 de Abril de 1995.

                        Por carta de 13 de Fevereiro de 2009, para produzir efeitos no dia 20 imediatamente seguinte, a Ré comunicou-lhe o seu despedimento, invocando justa causa.

                        Todavia, para além de se verificar a invalidade do procedimento disciplinar bem como a caducidade do direito de aplicar a sanção, os factos que lhe são imputados na nota de culpa não configuram qualquer infracção disciplinar.

                        Sofreu danos de natureza não patrimonial, que deverão ser ressarcidos pela Ré.

                        Esta não lhe pagou o subsídio de refeição, a que estava obrigada por força dos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis.

                        A Ré contestou, invocando que o despedimento foi lícito, uma vez que sempre foram observadas todas as garantias de defesa ao longo do procedimento disciplinar, não padecendo o mesmo de qualquer nulidade e não se verificando a caducidade invocada pelo Autor. Por outro lado, os comportamentos do Autor sempre impossibilitariam a subsistência do contrato de trabalho pelas razões vertidas na nota de culpa.

                        Em acta de audiência de julgamento (a fls. 312), o Autor, em caso de procedência da acção, declarou optar pela indemnização.

                        Após a realização do julgamento, foi proferida sentença, julgando-se a acção totalmente improcedente e absolvendo-se a Ré do pedido.
                                                                      
                                Inconformado, veio o Autor interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu a seguinte decisão:

                                “Nesta conformidade, acorda-se em conceder parcial provimento à apelação, indo a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € 677,60, a título de subsídios de refeição, importância essa acrescida dos juros legais desde o vencimento de cada um desses subsídios, e mantendo-se, na parte restante, a sentença recorrida.”

                                1.2. Mantendo-se inconformado, o Autor recorre para este Supremo Tribunal, pedindo, por mera cautela de patrocínio, revista excepcional com fundamento na hipótese prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 721.º - A do CPC, na redacção do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

                        Por acórdão de 3 de Outubro de 2012 (fls. 611 a 615), este Supremo Tribunal decidiu não considerar verificada a dupla conforme, por não ocorrer uma mera diferença quantitativa da condenação, mas uma valoração jurídica diferente, que acarretou a revogação da sentença apelada quanto a um dos pontos que constituía o objecto do recurso.

                        Em consequência, rejeitou a revista excepcional e remeteu o processo à Secção Central para ser distribuído como revista.

 

                        Nas suas alegações de recurso, o Autor/Recorrente apresentou as seguintes conclusões:

             

«1. As diligências a que alude o art. 415.° do Código do Trabalho de 2003 - diploma legal aplicável ao caso dos autos - são as requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa;

2. A interpretação segundo a qual naquelas diligências igualmente se incluem as promovidas pelo empregador, não tem, na letra do sobredito artigo 415.°, um mínimo de correspondência verbal.

De resto,

3. Presumindo-se que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento, não pode deixar de concluir-se que, ao referir as diligências requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa, o mesmo legislador consagrou uma solução que exclui qualquer outro tipo de diligência, designadamente, as de iniciativa do empregador;

4. A "instrução" do art. 414.° do CT/2003 exclusivamente abrange as diligências probatórias que o arguido entenda necessárias à sua defesa;

5. Devendo as diligências probatórias necessárias à comprovação dos factos constantes da nota de culpa anteceder a emissão desta, facultando a lei ao empregador a possibilidade de instaurar um inquérito prévio com a virtualidade de interromper prazos de prescrição do procedimento disciplinar e da infracção (art. 412.° e 372.° CT/2003).

6. No caso dos autos, a última diligência efectuada pela empregadora antes da emissão da nota de culpa, teve lugar em 13 de Janeiro de 2009.

7. Tendo a decisão de despedir o Recorrente sido proferida em 13 de Fevereiro de 2009, deixou a Recorrida caducar o direito de aplicar a sanção de despedimento, uma vez que, entre aquela referida última diligência e a prolação da decisão, decorreu um prazo superior a 30 dias, sendo certo que não existe comissão de trabalhadores nem o Recorrente é dirigente sindical.

Sendo assim,

8. Não declarando aquela caducidade, viola o douto Acórdão o disposto no art. 415.°, n.° 1, do Código do Trabalho/2003.

Acresce que,

9. A junção de uma lista, protestada juntar pela Sra. Instrutora na própria "nota de culpa", não constitui "diligência de instrução" susceptível de enquadramento no art. 414.°.

Aliás,

10. Daquela junção não resultou qualquer alteração à nota de culpa e à factualidade nela vertida, não tendo, também, dado lugar a um "aditamento" à peça acusatória.

11. A junção não se destinou, portanto, a apurar qualquer facto que não fosse conhecido da empregadora no momento da elaboração da nota de culpa.

12. Proferida a decisão quando se achava extinto, por caducidade, o direito de despedir, é o despedimento dos autos ilícito.

13. A ilicitude do despedimento, provém, igualmente, da circunstância de o mesmo se configurar como um despedimento disciplinar diferido.

Efectivamente,

14. Apenas constitui justa causa de despedimento o comportamento que torne imediatamente impossível a subsistência do contrato de trabalho.

15. No caso dos autos, a carta de 13 de Fevereiro de 2009 determina que o "contrato cessa em 20 de Fevereiro de 2009, deixando a partir dessa data de existir qualquer vínculo laboral".

16. O carácter imediato da impossibilidade decorrente do comportamento culposo do trabalhador integra a essência da noção de justa causa de despedimento, desde a Lei dos Despedimentos até aos Códigos do Trabalho da actualidade.

17. Não preenche aquele requisito o comportamento que determina a cessação do contrato sete dias depois e não com a recepção da carta de despedimento;

18. Admitindo que a "impossibilidade" possa não ser imediata, viola o Acórdão sob recurso o art. 396.°, 1, do CT/2003.

19. O despedimento dos autos, igualmente se não configura como inelutavelmente se impondo à Recorrida. Efectivamente,

20. De posse do relatório e conclusões do processo disciplinar, a Recorrida apenas escolheu o despedimento como uma das alternativas que ponderou.

21. O despedimento do Recorrente é pois, ilícito desde logo porque proferido quando se encontrava extinto, por caducidade, o direito da Recorrida mas, igualmente, porque o comportamento apurado não foi, pela Empregadora, considerado como inviabilizando, de imediato, o contrato de trabalho.

22. O despedimento é, ainda, ilícito porque se não apurou factualidade suficiente para o justificar.

Com efeito,

23. Desde logo, as "posturas continuadas de desafio à autoridade da gerente" não passam de matéria conclusiva, não escrita (646.º, 4.º do CPC), sendo matéria contraditória com a anterior conclusão do Acórdão ao considerar que nada se apurou no que toca à relação com a gerente.

Por outro lado,

24. Não se apurou um nexo de causalidade entre a conferência de grânulos de homeopatia para efeitos de inventário e a existência de tubos de grânulos caducados.

Destarte,

25. Não pode ser imputado ao Recorrente aquela existência,

26. Sendo desconhecida a respectiva origem, as suas consequências e, inclusive, se a mesma constitui um ilícito disciplinar.

27. O douto Acórdão atende, também, à matéria do n.° 42 para considerar que o "Autor" faltou diversas vezes sem avisar ou avisou no último momento.

28. A completa ausência de concretização das imputações contidas no n.° 42, obriga a que se deva considerar a respectiva matéria como não escrita.

29. Relativamente ao comportamento ocorrido em 7 de Janeiro de 2008, encontrava-se o mesmo já prescrito quando a Recorrida emitiu a nota de culpa (art. 372.°, do CT/2003).

30. Resta-nos, então, em termos de factualidade aproveitável, que, em 23.12.2008, o Recorrente não tratou de uma encomenda recebida às 10h11m e que viria a ser preparada por CC, que uma encomenda recebida em 22.12.2008 levou mais de dois dias a ser arrumada e que o Recorrente demorou quatro dias a participar, por carta, uma diferença de caixa e que colocou os € 300,00 na "caixa de uso";

31. As duas primeiras situações são insusceptíveis de ponderação para efeitos de avaliação da ocorrência de justa causa, uma vez que se não dispõe de termo de comparação que permita aferir do tempo de que necessita o trabalhador medianamente diligente para preparar e arrumar as encomendas em questão, da mesma forma que se não sabe que tempo levará o mesmo empregado a participar, por carta, diferenças de caixa.

32. Sabe-se, porém, que desses comportamentos não resultaram consequências para a Recorrida.

33. O comportamento apurado nos presentes autos não é de molde a inviabilizar a subsistência do contrato que o Recorrente mantinha com a Recorrida desde 1 de Abril de 1995.

34. O Acórdão viola, assim, o disposto no n.° 1, do art. 396.° do CT/2003.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedida a revista, condenando-se a Recorrida nos pedidos formulados pelo Recorrente, desta forma se cumprindo o Direito e fazendo JUSTIÇA!»

                        A Ré apresentou contra-alegações.

                        Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do disposto no art. 87.º, n.º 3 do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.

                        Este parecer foi notificado às partes, tendo o Recorrente requerido que o sentido propugnado pelo parecer do Digno Magistrado do Ministério Público não seja acolhido por este Supremo Tribunal.

                        II – Objecto do recurso

            Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do Recorrente, nos termos do disposto nos arts 684.º, n.º 3 e 685.º-A do CPC, na versão que lhes foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões que se colocam à apreciação deste Supremo Tribunal são as seguintes:  

a)  Da instrução do procedimento disciplinar e das diligências com relevo para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção;

b) Da justa causa de despedimento.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

                                III – Fundamentação de facto


                        Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos:

                        1. O A. foi admitido ao serviço da R. em … de … de19….

                         2. Sob as ordens, direcção e fiscalização daquela, exercendo funções que a R. qualificava como integrando a categoria de “Supervisor da Loja”.

                        3. O A. sempre prestou a sua actividade no estabelecimento da R. sito na Av. ..., em Lisboa.

                        4. Consistindo as suas funções, na realidade, no atendimento de clientes que se apresentavam naquele estabelecimento demandando os produtos ali em venda.

                        5. Por carta datada de 13 de Fevereiro de 2009, a R., com invocação de justa causa, despediu o A.

                        6. Na “resposta à nota de culpa” oportunamente apresentada pelo A., deixou este expressamente consignado que não podia cabalmente organizar e apresentar a sua defesa uma vez que a “nota de culpa” remetia para “documentos” que não acompanhavam aquela peça acusatória.

                        7. Inexiste qualquer comissão de trabalhadores na R.

                        8. No dia 6 de Dezembro de 2008, sábado, o A. trabalhou sozinho.

                        9. A gerente dispõe de chave da porta de entrada na loja, da mesma forma que dispõe de chave permitindo a abertura de qualquer das caixas registadoras ali existentes.

                        10. A gerente DD bem sabe que o A. sofreu graves problemas de saúde ao longo do ano de 2008.

                        11. Durante o ano de 2007 e em princípios de 2008, o A. sofreu intervenções cirúrgicas, designadamente à próstata, pulmões e olho direito.

                         12. O A., após a intervenção à próstata, passou a necessitar de urinar com grande frequência.

                        13. Proibiu trocas de turno entre o A. e a Colega CC, apesar de comunicadas, o que contrariava prática anteriormente seguida.

                        14. Há cerca de 2 anos o A. passou a andar deprimido.

                        15. O A. é pessoa muito culta, sensível, com bom nível económico e social anterior ao início de funções na R.

                        16. Previamente àquele início, desempenhou o A. durante vários anos funções na TAP.

                        17. Em 28 de Novembro de 2008, a R. instaurou ao A. um processo disciplinar, com a intenção de lhe aplicar «uma sanção registada».

                        18. A nota de culpa nesse processo disciplinar foi emitida em 28 de Novembro de 2008.

                        19. Na sequência daquele processo, a R. aplicou ao A. a anunciada repreensão registada,

                        20. Que o A. não impugnou judicialmente.

                        21. A R., confrontada com o acervo factual que o processo disciplinar lhe fornecia, ponderou a invocação da caducidade por o A. estar reformado e, também, duas outras ordens de factores que, em seu entender, poderiam legitimar a cessação da relação laboral: a desnecessidade da supervisão das lojas e a dificuldade em pagar o ordenado ao A.

                        22. O A. é sócio do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal.

                        23. À data da cessação do contrato de trabalho o A. auferia um vencimento base de € 3.056,71.

                        24. Em 14 de Janeiro de 2009, a R. enviou ao A. nota de culpa com intenção de despedimento, a qual está junta a fls. 144 e segs. e cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido.

                        25.Tendo sido o A. notificado da nota de culpa em 19/01/2009.

                        26. Na nota de culpa enviada ao A. consta que “a instrução do processo consta de 22 documentos, no total de 57 folhas numeradas e rubricadas pela Instrutora” e na página 59 do mesmo documento “...e podendo consultar o processo no escritório da Instrutora.”

                        27. Tanto os diversos contactos do escritório, como o respectivo horário de atendimento, encontram-se indicados na nota de culpa.

                         28. Na própria nota de culpa vem mencionado que “O processo disciplinar foi mandado instaurar ao Trabalhador arguido por procuração de 09 de Dezembro de 2008, dos Gerentes da BB, Lda., Dr. EE FF e Dra. DD”.

                        29. Em 1 de Fevereiro de 2009, o A. respondeu à nota de culpa, conforme documento junto a fls. 110.

                        30. No dia 15/01/2009 foi junta ao processo disciplinar a listagem comprovativa da devolução dos produtos a que aludia o ponto 25 da nota de culpa e na qual constava “prova a juntar e já requerida...”, conforme termo de juntada constante de fls. 139[1].

                        31. Por carta datada de 13 de Fevereiro de 2009, a R. decidiu aplicar ao A. a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, enviando-lhe para o efeito a carta que está junta a fls. 38, acompanhada do relatório final e conclusões junto a fls. 99.

                        32. No estabelecimento da R. sito no Centro Comercial ... – Loja …, Av.a ..., n.º …, em Lisboa, onde o A. trabalhava, trabalha também a funcionária, CC.

                        33. Em 26/11/2008, pelas 16 horas e 50 minutos, a gerente da R. DD chamou o segurança do CC …, GG e a Recepcionista, HH, e pediu que fosse registado no Livro de ocorrências do CC ... que o A. apesar de não estar autorizado saiu para fumar, queixou-se de ter levado 2 encontrões do mesmo a fim de forçar a saída da loja – o A., tendo ouvido, não se pronunciou, voltou à loja e saiu quando terminou o seu horário de trabalho.

                        34. Igualmente em …/…/2008, a gerente foi observada nas urgências do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, EPE, pelas 20h01, a que correspondeu o episódio hospitalar n.º …, tendo-lhe sido dada alta médica no dia seguinte pelas 03h12, e em 27/11/2008 apresentou queixa por uma agressão do A. na Polícia de Segurança Pública … (3.a Esquadra), a qual ficou registada com o n.º … e NUIPC ….

                        35. Desde o dia 26/11/2008 que a gerente evita, na medida do possível, o contacto verbal e pessoal com o A.

                        36. O A. reclamou o pagamento do valor de € 698,28 descontados no seu vencimento, resultante de ofertas que processou entre Janeiro e Novembro de 2008, e reclamou o pagamento do subsídio de refeição que, por sua iniciativa, incorporou no vencimento.

                        37. Não obstante insistências da gerente durante o mês de Dezembro de 2008 para que o A conferisse os grânulos de homeopatia para efeitos de inventário, em inícios de Janeiro de 2009, a funcionária CC, sua colega, apura a existência de diversos tubos de grânulos de homeopatia caducados, os quais deveriam ter sido retirados se tivesse sido realizada a conferência dos grânulos para efeitos de inventário.

                        38. Em 23/12/2008, pelas 10h11, a loja de ... encomenda à de Lisboa diversos produtos, encontrando-se o A. sozinho na loja de nada tratou, vindo a encomenda a ser preparada pela funcionária CC que entrou ao serviço às 14 horas.

                        39. A encomenda recebida em 22/12/2008 de produtos de fitoterapia chinesa levou mais de 2 dias a ser arrumada, prazo demasiado longo para o trabalho em questão.

                        40. Existem diversas queixas de clientes quanto a arrogância e má vontade no atendimento por parte do A durante o ano de 2008, concretizando – da Dra. II, do Dr. JJ que deixou de ser cliente em Lisboa para passar a ir à loja de ....

                        41. Existiram duas situações apuradas, registadas e comunicadas à gerência pela funcionária CC – a diferença de valores em caixa no dia 06/12/2008 no total de € 185,22, dia em que o fecho da caixa foi realizado pelo A., e no dia 10/12/2008, que encontrou € 300 colocados pelo trabalhador arguido em baixo do compartimento das moedas da caixa de uso em lugar da caixa de reserva; em ambos os casos o A. a ninguém informou atempadamente, apenas o vindo a fazer quanto à primeira situação por carta enviada em 12/12/2008.

                        42. O A., para além das vezes em que nada avisa, ou o faz no último momento quanto às faltas e a loja fica fechada, o que já levou a repreensões por parte do CC ... à Gerência da Loja, apresenta declarações e baixas médicas previstas longas, aparentemente sem sentido pois aparece no dia seguinte – certo é que para assegurar o normal funcionamento das lojas é necessária a contratação de uma pessoa para o substituir ou, quando não há tempo, um pedido de trabalho suplementar às colegas que alteram as suas vidas pessoais com transtorno, designadamente as funcionárias da loja de ... que têm de assegurar o funcionamento da loja de Lisboa.

                        43. Em 07/01/2008, tendo avisado a gerente que ia faltar, a mesma, ausente da loja, pediu-lhe indicação por escrito do período; quando se encontrou com o A. na loja e lhe perguntou se sempre tinha deixado a nota, obteve como resposta “Porque havia de deixar?”; pede-lhe então a gerente que repita pois necessitava de assegurar o horário, ao que o trabalhador arguido responde “Porque havia de repetir?” e saiu sem dizer mais nada.

                        44. Em 05/01/2009, em frente de uma cliente e a despropósito, diz à gerente “vai-me agredir novamente como da outra vez?” e saiu; a cliente, olhando para a gerente, perguntou à funcionária CC que a atendia “a Sra. viu para que lado é que ele saiu?” e acabando de ser atendida saiu pelo lado oposto ao do A.

                        45. Existe quase ausência de trato entre a gerente e a funcionária CC com o A.

                        46. As trocas de turnos sem autorização da gerência foram proibidas a pedido das colegas do A., que viam as suas vidas pessoais transtornadas pelos constantes pedidos de mudança de horário pelo A.
                        47. A gerente da R. pouco ou nada percebe de informática.

                        IV - Fundamentação de direito

a) Da instrução do procedimento disciplinar e do conceito de diligências com relevo para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção

                         Atenta a data da ocorrência dos factos (entre 26-11-2008 e 05-01-2009)

e do início do procedimento para despedimento (14 de Janeiro de 2009 – data do envio da nota de culpa com intenção de despedimento), o regime jurídico aplicável ao caso dos autos é o consagrado no Código de Trabalho de 2003.

                        Defende o Autor/Recorrente que se verificou a caducidade do direito de aplicar a sanção de despedimento, já que a Ré praticou o último acto instrutório em 13 de Janeiro de 2009 e proferiu a decisão de despedimento em 13 de Fevereiro seguinte, ou seja, 32 dias depois. Argumentou o Autor que, tendo em conta que ele não requereu qualquer diligência probatória na sua resposta à nota de culpa, a junção da “guia de devolução n.º …” (documento de fls. 140-141) não pode ser qualificada como constituindo “diligência probatória”, desde logo porque não efectuada pelo arguido e também porque apenas complementa declarações prestadas pela testemunha CC, em 13 de Janeiro de 2009.

                         A Ré alega que a junção do documento (Guia de Devolução à KK, n.º …, de 08-01-2009), que foi junta pela instrutora ao procedimento disciplinar, em 15 de Janeiro de 2009, constituiu uma diligência destinada a discriminar os produtos caducados, quantidade de cada um e a quantidade total (52 tubos devolvidos por terem a sua validade caducada), factos pertinentes para o apuramento da verdade.

                        Relativamente à questão da contagem do prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, aplicam-se os arts. 414.º e 425.º, n.º 1 do CT de 2003.

                        Dispõe o art. 414.º do Código do Trabalho de 2003:

                         “1 - O empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, procede às diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundamentadamente por escrito.

                        2 - O empregador não é obrigado a proceder à audição de mais de 3 testemunhas por cada facto descrito na nota de culpa, nem mais de 10 no total, cabendo ao trabalhador assegurar a respectiva comparência para o efeito.

                        3 - Concluídas as diligências probatórias, o processo é apresentado, por cópia integral, à comissão de trabalhadores e, no caso do n.º 3 do artigo 411.º, à associação sindical respectiva, que podem, no prazo de cinco dias úteis, fazer juntar ao processo o seu parecer fundamentado”.

                        Por sua vez, estabelece o n.º 1 do art. 415.º do mesmo Código que:

                        “1 - Decorrido o prazo referido no n.º 3 do artigo anterior, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção”.

                        No acórdão recorrido, entendeu-se que ainda não tinha decorrido o prazo de caducidade de 30 dias, considerando-se que este prazo, na falta de comissão de trabalhadores e não sendo o trabalhador representante sindical, começa a correr “concluídas as diligências probatórias”, considerando-se como diligência probatória, para este efeito, a junção da listagem comprovativa da devolução dos produtos, pela entidade empregadora, conforme provado no facto n.º 30, a qual ocorreu a 15 de Janeiro de 2009, tendo sido o despedimento decretado a 13 de Fevereiro do mesmo ano.

                        Com efeito, a este propósito, consignou-se no acórdão recorrido:

                        «A favor da tese do recorrente, parece funcionar o elemento literal: no n.º 1 do art. 414.º faz-se expressa referência às “diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa”, parecendo ser essas as que estão previstas no nº 3.

                                Não nos aparecendo esta interpretação como segura, há que ponderar outro tipo de argumentos:

                                No domínio de aplicação do DL 64-A/89, de 27/2, o STJ vinha ultimamente a entender que o prazo referido no n.º 8 do seu art 10.º (30 dias para proferir a decisão no processo disciplinar) não tinha natureza peremptória e que a sua inobservância não acarretava nem a caducidade do procedimento disciplinar nem a nulidade do processo disciplinar – ver a jurisprudência citada no Ac. do STJ de 2/5/2007, proc. 06S4717, disponível em www.dgsi.pt.

                                Todavia, havendo corrente jurisprudencial uniforme, no sentido de que da inobservância do referido prazo, na vigência da lei antiga, não resultava a caducidade do procedimento disciplinar, tem de considerar-se o preceito do Código do Trabalho de 2003, na parte relativa à caducidade, uma disposição inovadora.

                                Segundo esse normativo, conjugado com o disposto no n.º 3 do art. 414.º do mesmo Código, concluídas as diligências probatórias, o processo disciplinar é apresentado, por cópia integral, à comissão de trabalhadores e, no caso do n.º 3 do art. 411.º, à associação sindical respectiva, que podem, no prazo de cinco dias úteis, fazer juntar ao processo o seu parecer fundamentado e, decorrido aquele prazo, o empregador dispõe de 30 dias para proferir decisão, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.

                                Tal celeridade só pode entender-se por concorrerem, neste domínio, ponderosas razões de paz jurídica, de certeza e de estabilidade, que rejeitam a manutenção, temporalmente indefinida, de situações dúbias quanto à efectivação de sanções disciplinares.

                                Não existindo comissão de trabalhadores na empresa e não sendo o trabalhador visado representante sindical, esse prazo de 30 dias inicia-se com a conclusão das diligências probatórias.

                                Mas quais as diligências probatórias? As requeridas na nota de culpa ou outras, posteriormente consideradas necessárias pela entidade empregadora para uma correcta avaliação da situação, em ordem à prolação da decisão disciplinar?

                                Embora já tenhamos defendido posição contrária, não poderemos deixar de atender à mais recente jurisprudência do STJ, uniforme no sentido de que essas diligências probatórias não se circunscrevem àquelas que o trabalhador haja requerido na sua resposta à nota de culpa, abrangendo também quaisquer outras que o instrutor do processo disciplinar entenda oficiosamente promover (cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 14/5/2008, de 7/10/2010 e de 7/3/2012, todos acessíveis em www.dgsi.pt).

                                Concretamente, no primeiro dos citados arestos considerou-se que «[e]mbora os n.ºs 1 e 2 do artigo 414.º (…) se refiram às diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, na resposta à nota de culpa, o certo é que a correspondente epígrafe, que acolhe o termo “Instrução”, e o primeiro segmento do n.º 3 do mesmo preceito, ao estatuir a tramitação subsequente, logo que “[c]oncluídas as diligências probatórias”, apontam decisivamente no sentido de que a instrução é formada pelo conjunto dos actos necessários à averiguação dos factos alegados na acusação (nota de culpa) e na defesa (resposta à nota de culpa), não se confinando esta fase do processo à realização das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, até porque tais actos de instrução poderão justificar a realização de outras diligências para confirmar ou refutar os meios probatórios por ele produzidos.

                                (...)

                                Acresce, por outro lado, que a expressão “concluídas as diligências probatórias”, na sua literalidade, não comporta o sentido de que essas diligências probatórias se restringem às requeridas pelo trabalhador, na resposta à nota de culpa.

                                Ora, não pode ser considerado pelo intérprete um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas, como referem os n.ºs 2 e 3 do artigo 9.º do Código Civil».
                                Ora, no caso que nos ocupa, deve-se reportar-se essa junção da guia de devolução a que já nos referimos como acto necessário à averiguação dos factos alegados na acusação (nota de culpa).
                                Não se verificou, como tal, a caducidade do direito da Ré- empregadora de aplicação da cominada sanção.»
                               
                                Sufragamos esta decisão e os seus fundamentos.

                                A questão da natureza do prazo para aplicar a sanção já era discutida no domínio de vigência da LCCT (DL n.º 64-A/89, de 27-2), a propósito do n.º 8 do art. 10.º, tendo a jurisprudência da época defendido de forma uniforme que o prazo não tinha natureza peremptória e que a sua inobservância não acarretava nem a caducidade do procedimento disciplinar nem a sua nulidade, sendo apenas relevante para efeitos de apreciação da justa causa de despedimento (acórdãos deste Supremo Tribunal, de 08-06-2006,  proc. n.º 05S3731 e de 07-05-2009, proc. n.º 09S0376). Com a redacção dada pelo legislador ao art. 415.º do CT de 2003, tornou-se inequívoco que estamos perante um prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção. A propósito desta norma discutia-se nos Tribunais da Relação a questão, relevante no caso sub iudice, de saber a partir de que momento começava a contagem do prazo de caducidade de trinta dias fixado no n.º 1 do art. 415.º do CT, nos casos em que não existisse comissão de trabalhadores e em que o trabalhador não fosse representante sindical: se na data da realização da última diligência probatória requerida na resposta à nota de culpa, pelo trabalhador-arguido, ou na data da última diligência probatória efectuada no processo, mesmo daquela a que proceda a entidade empregadora, por sua iniciativa, posteriormente à diligência requerida pelo trabalhador. Após uma orientação dos Tribunais da Relação, defendendo a primeira tese, este Supremo Tribunal pronunciou-se favoravelmente à segunda, entendendo, a propósito da interpretação e aplicação do art. 415.º, n.º 1 do CT de 2003, que as diligências probatórias a partir das quais se começa a contar o prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção não se circunscrevem àquelas que o trabalhador haja requerido na sua resposta à nota de culpa, mas abrangem também quaisquer outras que o instrutor do processo disciplinar entenda oficiosamente promover (cf., neste sentido, os acórdãos de 14-05-2008, proc. n.º 08S643; de 7-10-2010, proc. n.º 887/07.6TTALM.L1.S1 e de 07-03-2012, proc. n.º 17/10.7TTEVR.E1.S1).

                        Os principais argumentos que apoiam a tese deste Supremo Tribunal são o elemento sistemático de interpretação e o elemento teleológico, que mandam atender, respectivamente, ao local sistemático da norma e à sua finalidade ou ratio.

                        Neste sentido, note-se que os arts 414.º e 415.º se situam na Subsecção II, intitulada “Procedimento” e que o art. 414.º foi redigido sob a epígrafe “Instrução”, abrangendo este conceito o conjunto dos actos necessários à averiguação dos factos alegados na acusação (nota de culpa) e na defesa (resposta à nota de culpa). No mesmo sentido, o primeiro segmento do n.º 3 da mesma disposição legal, ao estatuir a tramitação subsequente através da expressão - “Concluídas as diligências probatórias”- indicia que esta fase do processo não se confina à realização das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, até porque tais actos de instrução poderão justificar a realização de outras diligências para confirmar ou refutar os meios probatórios por ele produzidos. 

                        O elemento racional ou teleológico de interpretação indica-nos que a lei terá querido, com este prazo de caducidade, não deixar o trabalhador numa situação de indefinição, susceptível de criar insegurança e de afectar a paz jurídica. Ora, não prejudica este resultado que a empregadora peça também diligências probatórias, desde que necessárias ao apuramento dos factos e não destinadas a protelar o procedimento ou a impedir o direito de defesa do trabalhador, ou seja, respeitando-se os princípios da boa fé e da celeridade procedimental. Por outro lado, competindo à empresa, num primeiro momento, proceder a uma avaliação acerca da impossibilidade prática de manutenção da relação laboral para aferir da noção de justa causa de despedimento, não faria sentido que o prazo de 30 dias se contasse a partir da conclusão das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, quando outras diligências da iniciativa da empregadora tivessem sido realizadas[2].

           Sendo assim, o prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção deve contar-se a partir da data da última diligência, seja ela requerida pelo trabalhador, ou da iniciativa da empregadora. 

                        No caso sub iudice, a 15 de Janeiro de 2009, a entidade empregadora juntou ao procedimento disciplinar um documento designado por “listagem comprovativa da devolução dos produtos”, conforme facto provado n.º 30. Consideramos que a junção deste documento é uma diligência probatória, por se destinar ao apuramento de factos relacionados com as acusações feitas ao trabalhador no ponto 25 da nota de culpa, como refere o facto provado n.º 30. Este documento tem a data de 8 de Janeiro de 2009. A sua junção ao processo foi célere, pois data de 15 de Janeiro do mesmo ano, e teve como objectivo o esclarecimento de factos constantes da nota de culpa.

                        Em consequência, tendo sido esta diligência probatória praticada em 15 de Janeiro de 2009 e a sanção do despedimento comunicada ao trabalhador, através de carta expedida em 13 de Fevereiro do mesmo ano, não se esgotou ainda o prazo de 30 dias a que se refere o art. 415.º, n.º 1 do CT de 2003, pelo que não caducou o direito de a empregadora aplicar a sanção disciplinar. Note-se que não releva, para este efeito, o momento em que o trabalhador toma conhecimento da decisão ou em que esta chega ao seu poder, mas apenas o momento em que o empregador formula ou exterioriza a decisão[3].


                        Improcedem, assim, as conclusões n.º 1 a n.º 12 das alegações de recurso do Autor/Recorrente.



                        b) Da justa causa de despedimento

                        1. Nos termos do n.º 1 do art. 396.º do CT, «O comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento», enunciando a lei, no n.º 3 da mesma disposição, e a título meramente exemplificativo, diversos comportamentos susceptíveis de constituírem justa causa do despedimento.

                        Não basta, contudo, que os comportamentos se integrem nas hipóteses exemplificativas do n.º 3 desse art. 396.º do CT de 2003, sendo necessário que esses comportamentos sejam culposos, e que, pela sua gravidade e consequências, tornem imediata e praticamente impossível a relação de trabalho.

            A lei exprime-se através de uma cláusula geral e de conceitos indeterminados para assim permitir uma adaptação do direito às particularidades de cada caso.  

            O conceito de justa causa é um conceito valorativo e sempre casuístico, que faz apelo ao contexto, às circunstâncias do caso concreto e a uma ideia de adequação social, num quadro em que o despedimento constitui uma ultima ratio, para os casos em que, de acordo com a boa fé, não há espaço para o uso de sanções conservatórias do vínculo[4].
            A noção de impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho é um conceito normativo-objectivo[5], que não tem em conta a sensibilidade pessoal do empregador, mas o critério de uma empregadora razoável colocada naquela situação. 
                       Conforme enumera a lei, no art. 396.º, n.º 2 do CT 2003, para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

                        A justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de três requisitos ou pressupostos:

                        - A existência de um comportamento culposo do trabalhador (requisito subjectivo);

                        - A verificação da impossibilidade de manutenção da relação laboral entre o trabalhador e o empregador (requisito objectivo);

                        - A existência de um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

        Para legitimar um despedimento, não basta a perda de confiança da entidade patronal no trabalhador, sendo necessário, da parte deste, que a violação dos deveres laborais seja objectiva e subjectivamente grave, no domínio da ilicitude e da culpa, como é próprio do direito sancionatório.

                        A justa causa de despedimento pressupõe, portanto, a existência de uma determinada acção ou omissão imputável ao trabalhador, a título de culpa, violadora de deveres emergentes do vínculo contratual estabelecido entre si e o empregador, que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a manutenção desse vínculo.

 
                        2. Invocou o Autor que a empregadora não considerou a relação de trabalho irremediavelmente comprometida, conforme exige a lei, para tornar lícito o despedimento, pois optou, no termo do processo disciplinar, por um despedimento diferido. Com efeito, a sanção de despedimento foi decidida e comunicada ao trabalhador no dia 13 de Fevereiro de 2009, com a indicação de que só produziria efeitos a partir do dia 20 do mesmo mês e ano.
                        Alegou, também, o Autor acerca da qualificação dos factos provados, que estes, pela sua indeterminação e ausência de concretização, bem como pela não produção de consequências para a empresa, não podem constituir justa causa de despedimento.

                        2.1. A respeito do diferimento do despedimento, consideramos que este facto, só por si, não é decisivo para afastar a impossibilidade prática e imediata de manutenção da relação laboral, tanto mais que, como se chama a atenção no acórdão recorrido, um diferimento de sete dias corresponde a um período de tempo reduzido. Por outro lado, a carta com a decisão de despedimento, tendo sido expedida dia 13 de Fevereiro de 2009, só se torna eficaz com a chegada da declaração ao poder do trabalhador, data que não consta da matéria de facto, mas que não poderá ter sido anterior a dia 16 de Fevereiro de 2009, segunda-feira, conforme também se salienta no acórdão recorrido:
                                 

                                «Passando à circunstância de a Ré ter diferido a produção de efeitos da aplicação da sanção para o dia 20 de Fevereiro, temos que haverá situações em que, pese embora a gravidade da infracção cometida pelo trabalhador, o comportamento posterior da entidade empregadora é claramente revelador de que, apesar de tudo, não considerou a conduta do trabalhador como impossibilitadora de manutenção do vínculo. Um desses comportamentos poderá ser, e tudo dependerá da análise das circunstâncias do caso, o deixar passar de um significativo lapso de tempo entre a comunicação do despedimento e a data em que o empregador pretende que o mesmo produza efeitos, permitindo que o trabalhador, durante esse lapso de tempo, continue a desempenhar as suas funções.

                                No caso que nos ocupa, não nos parece que se verifique essa situação: não obstante a Ré não ter logrado provar que, como invoca, o diferimento da produção de feitos do despedimento se deveu às circunstâncias de a gerente ter de ser sujeita a cirurgia, com data de alta em 20 de Fevereiro, e de o Autor se encontrar de baixa até ao dia anterior, o que é certo é que o lapso de tempo adoptado está longe de se poder considerar como inexplicavelmente longo: estamos a falar de uma semana, ainda por cima encurtado porque a carta de comunicação do despedimento, tendo sido remetida numa sexta-feira, dia 13, na melhor das hipóteses seria recepcionada pelo Autor na segunda-feira seguinte, dia 16, desconhecendo-se, por outro lado, a data concreta em que terá ocorrido essa recepção.»

                                Não pode, portanto, deduzir-se da data do envio da decisão do processo disciplinar ao trabalhador (13 de Fevereiro de 2009) e da data prevista para a cessação do contrato de trabalho (20 de Fevereiro de 2009) a falta do requisito legal de impossibilidade imediata de manutenção da relação de trabalho.

                        2.2. O acórdão recorrido decidiu, confirmando a sentença de 1.ª instância, que os factos provados configuravam justa causa de despedimento, com o seguinte fundamento:

                        «Vejamos agora os factos que, a constituírem infracção disciplinar, possam integrar a justa causa de despedimento do Autor.

                                A sentença começa por considerar como tal o mau relacionamento pessoal entre a gerente da Ré e o Autor, desde 2008, para depois relatar o episódio em que essa gerente se queixou de uma suposta agressão do Autor - pontos 33 e 34 da factualidade provada.

                                Não é por aqui que se chegará a qualquer juízo no sentido de um comportamento infraccional do Autor: essa referência ao “mau relacionamento” apresenta-se como nitidamente conclusivo, já que nada se apurou em termos de circunstâncias de tempo, modo e lugar no que toca a essa relação pessoal, nem, lógica e sequencialmente, a quem deveria ser imputado esse relacionamento deteriorado.

                                Quanto à suposta agressão, ela não ficou demonstrada, o que não deixa de ser salientado pela própria instrutora no relatório final do procedimento disciplinar, nunca podendo, como tal, fundamentar a justa causa de despedimento.

                                Mas já concordamos com a sentença quando afirma que o Autor, a partir de uma dada altura, que podemos situar no ano de 2008, assumiu posturas continuadas de desafio à autoridade da sua gerente e de desrespeito pela posição hierárquica que a mesma exercia.

                                Mais do que isso: manifestou um claro desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres como trabalhador, assumindo comportamentos claramente negligenciadores do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência – art. 121.º, n.º 1, al. c), do CT.

                                Assim temos que se verificou a responsabilidade do Autor pela existência de diversos tubos de grânulos de homeopatia caducados, os quais deveriam ter sido retirados se tivesse sido realizada a conferência dos grânulos para efeitos de inventário, sendo que existiu uma insistência da gerente para que o Autor os conferisse - ponto 37; que o Autor nada fez relativamente à encomenda referida no ponto 38; que demorou demasiado tempo, sem justificação, a arrumar a encomenda recebida em 22/12/2008 de produtos de fitoterapia chinesa.

                                Ficou provado, ainda, que existiram duas situações apuradas, registadas e comunicadas à gerência pela funcionária CC, sendo uma delas a diferença de valores em caixa no dia 06/12/2008, no total de € 185,22, dia em que o fecho da caixa foi realizado pelo Autor, e a outra a ocorrida em 10/12/2008, dia em que a CC encontrou € 300 colocados pelo Autor em baixo do compartimento das moedas da caixa de uso em lugar da caixa de reserva; em ambos os casos o Autor a ninguém informou atempadamente, apenas o vindo a fazer quanto à primeira situação por carta enviada em 12/12/2008.

                                O Autor faltou diversas vezes sem avisar, tornando necessária a contratação de uma pessoa para o substituir ou, quando não havia tempo, um pedido de trabalho suplementar às colegas, que alteravam as suas vidas pessoais com transtorno, designadamente as funcionárias da loja de ..., que tinham de assegurar o funcionamento da loja de Lisboa.

                                Ou seja, comportamento reiterado de claro desinteresse pelo exercício das suas funções, e que no normal e são desenvolvimento de uma relação jurídico-laboral não podem ser tolerados pelo empregador.

                                Como se isso não bastasse, temos ainda o comportamento claramente desafiador da autoridade da gerente, ocorrido em 07/01/2008, quando o Autor, tendo avisado a gerente que ia faltar, a mesma, ausente da loja, pediu-lhe indicação por escrito do período, sendo que, quando se encontrou com o Autor na loja e lhe perguntou se sempre tinha deixado a nota, obteve como resposta “Porque havia de deixar?”; ao pedido da gerente para que repetisse, pois necessitava de assegurar o horário, o Autor respondeu “Porque havia de repetir?” e saiu sem dizer mais nada.

                                Ainda como claramente censurável temos a atitude descrita no ponto 44, em que o Autor, em frente de uma cliente e a despropósito, disse à gerente “vai-me agredir novamente como da outra vez?”, saindo de seguida, o que, pelos vistos, motivou essa cliente a sair pelo lado oposto àquele em que o Autor o tinha feito.

                                Sendo que, entre os deveres impostos ao trabalhador, na execução do seu contrato, se encontra o de “Respeitar e tratar com urbanidade e probidade o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as demais pessoas que estejam ou entrem em relação com a empresa”- al. a) do n.º 1 do art. 121.º do CT.

                                Temos, assim, um conjunto de factos, consubstanciadores de comportamento infraccional do trabalhador, que, nos termos em que ocorreram, manifestamente contrários ao necessário e desejável normal desenvolvimento da relação laboral, não podem deixar de se considerar como particularmente graves e determinantes da impossibilidade de manutenção desse vínculo.

                                Ainda para mais quando o Autor já tinha um passado disciplinar.

 

                                Assim sendo, a outra conclusão não se poderá chegar senão a de que a conduta do Autor foi de molde a pôr em crise a confiança que nele depositava a Ré e que deve nortear as relações jurídico-laborais, tornando inexigível, nos termos descritos, a manutenção do contrato de trabalho, tornando essa subsistência imediata e praticamente impossível.»

                        Sufragamos o acórdão recorrido.

           Relativamente aos factos n.º 33 e 34 sobre a queixa-crime apresentada pela gerente da loja contra o Autor, uma vez que a queixa não veio a ser dada como provada na decisão final do procedimento disciplinar, considerou o Tribunal de 1.ª instância, a fls. 312, que “tal facto não poderá ser considerado por este Tribunal para apreciar a justa causa de despedimento do Autor” e não admitiu a junção do despacho de arquivamento requerida pelo Autor, por “totalmente inútil na descoberta da verdade”. O acórdão recorrido pronunciou-se, também, como vimos, no mesmo sentido, pelo que, também nós não consideraremos estes factos na apreciação do conceito de justa causa de despedimento. Vigoram no procedimento disciplinar laboral, em que está em causa a aplicação de sanções disciplinares aos trabalhadores, princípios semelhantes ao processo penal, nomeadamente a presunção de inocência[6]. Nem o princípio da independência entre a responsabilidade penal e a responsabilidade disciplinar pode aqui ser invocado, pois também não se provou o facto em sede de procedimento disciplinar.

                        Contudo, os restantes factos, apesar de isoladamente não se revestirem de gravidade suficiente para fundamentar um despedimento por justa causa, já como factos que se sucedem no tempo e globalmente considerados, em interligação uns com os outros, traduzem uma desconsideração pelos interesses das colegas de trabalho e da imagem da empresa junto dos clientes, susceptível de perturbação da organização da empresa e da paz laboral. O trabalhador tinha também passado disciplinar (factos provados n.º 17 a 19). Apesar de a sanção ter sido leve - repreensão registada - e de ter sido aplicada num momento imediatamente anterior ao início do procedimento disciplinar que deu origem ao despedimento, consideramos este elemento como uma causa agravante da sua responsabilidade disciplinar, conforme tem sido o entendimento da doutrina e da jurisprudência. 

                        Em relação aos factos provados, note-se, em especial, o facto provado n.º 40, relativo a queixas dos clientes da loja contra o Autor, que conduziram a que um dos clientes deixasse de ser cliente da loja de Lisboa e passasse a ir à loja de ..., facto susceptível de causar prejuízos à empresa, bem como o facto n.º 42 relativo às faltas sem aviso ou com aviso no último momento, que já conduziram a que a loja ficasse fechada, o que levou a repreensões por parte do Centro Comercial ... à Gerência da Loja. Embora se desconheça o fundamento das faltas, não podemos deixar de considerar que a omissão de aviso prévio ou o aviso de última hora constitui, mesmo quando as faltas são justificadas, uma violação do dever de respeito pelas colegas de trabalho (art. 121.º, n.º 1, alínea a) do CT de 2003), que eram obrigadas a substituir o Autor, sem a antecedência suficiente para organizarem as suas vidas pessoais. Idêntica posição assumimos em relação ao facto n.º 46, relativo aos pedidos de mudança de horário pelo Autor. Também estes factos constituem violações do dever de respeito pelas colegas consagrado no art. 121.º, n.º 1, al. a) do CT de 2003, pois qualquer trabalhador/a que faça uso desta prerrogativa de mudar de turnos deve ter em conta as consequências que tais mudanças trazem na vida dos/das colegas e solicitar estas mudanças apenas em casos extremos e com respeito pelas necessidades de outros/as trabalhadores/as e pela organização da empresa.

                        Os factos n.º 43 e n.º 44 constituem violações do dever de urbanidade para com a gerente, nos termos do art. 121, n.º 1, al. a) do CT de 2003. Se o facto 43, tendo-se verificado um ano antes da instauração do processo disciplinar (7 de Janeiro de 2008), não pode ser considerado, pois a reacção da empresa em relação a ele foi tardia, já o facto 44 verificou-se em 5 de Janeiro de 2009 e foi praticado diante de uma cliente. Esta, vendo o Autor sair da loja, fez questão de sair pelo lado oposto, facto que indica que, para além do desrespeito pela gerente, ficou prejudicada a imagem da empresa junto da cliente.

                        O facto n.º 45 relativamente à ausência de trato da gerente e de uma funcionária com o Autor é uma consequência do mau ambiente vivido, que, não integrando, só por si, qualquer ilícito disciplinar, significa que houve um rompimento de relação do trabalhador com a gerente e com a colega de trabalho, elemento que deve ser especialmente valorado no conceito de impossibilidade prática de manutenção da relação laboral, sobretudo, no contexto de uma pequena empresa dedicada a uma actividade que exige uma relação próxima e de estreita colaboração entre todos os trabalhadores. 

                        Sendo assim, a violação culposa e repetida de deveres laborais, por força da perturbação gerada na organização da empresa, constitui justa causa de despedimento e torna imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral, em termos de não ser exigível à empregadora a subsistência do contrato de trabalho, por tal representar uma imposição injusta para esta.  

 

                        Improcedem, portanto, as conclusões n.º 13 a 34 das alegações de recurso do Autor/Recorrente.
 
                                     
                        V - Decisão

                        Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

                         Custas pelo recorrente.

            (Anexa-se o sumário do acórdão, nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto).



Lisboa, 30 de Abril de 2013


Maria Clara Sottomayor (Relatora)
Pinto Hespanhol
Isabel São Marcos

__________________
[1] Alterado pelo acórdão recorrido.
[2] Cf. Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Principia, 2012, p. 233.
[3] Cf. Pedro Furtado Martins, ob. cit., p. 231.
[4] Cf. Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 947 e 952; João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2011, p. 371.   
[5] Cf. Jorge Leite, Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 250.
[6] Cf. Júlio Gomes, Direito do Trabalho, ob. cit., p. 950; Maria do Rosário Palma Ramalho, «Sobre os Limites do Poder Disciplinar Laboral», I Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, Coordenação António Moreira, Livraria Almedina, Coimbra 1998.