Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1732/14.1TBTVD-A.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ACÁCIO DAS NEVES
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
AÇÃO EXECUTIVA
TÍTULO EXECUTIVO
LIVRANÇA
AVALISTA
CARTA MISSIVA
INTERPRETAÇÃO
AVAL
DENÚNCIA
RESOLUÇÃO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Apenso:
Data do Acordão: 05/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
-Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Ed., p. 543;
-Raul Guichard, Sobre a distinção entre núncio e representante, Scientia Iuridica, T. 44, n. 256-258, p. 317.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 609.º, 635.º, N.º 4, 639.º E 663.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 11-12-2012, ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 4/213, IN DR, SÉRIE I, DE 21-01-2013;
- DE 12-11-2013, PROCESSO N.º 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-06-2007, PROCESSO N.º 07B1964, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A comunicação da sociedade subscritora da livrança dada à execução (entregue em branco), dirigida ao banco exequente, de que um dos avalistas da livrança já não fazia parte dos órgãos sociais da empresa, deixando de ter todas as responsabilidades inerentes, não pode ser entendida como uma verdadeira declaração de resolução do aval.

II - Para além de a sociedade não agir em nome dos avalistas, trata-se de uma comunicação perfeitamente normal, adequada a dar conhecimento, a um parceiro contratual, de que alguém, que fazia parte da gerência da sociedade, deixou os seus órgãos sociais, ou seja, deixou de ter poderes de representação da sociedade.

III - Da mesma forma, a missiva dos embargantes avalistas ao banco exequente a solicitar autorização para a libertação dos avales, não constitui uma verdadeira declaração de resolução, mas tão só um mero pedido cuja eficácia estaria dependente de uma resposta positiva do banco.

IV - De resto, a mera denúncia unilateral do aval por parte dos embargantes avalistas, ora recorrentes, nunca poderia ser considerada como válida e eficaz, nos termos do entendimento jurisprudencial fixado AUJ do STJ n.º 4/2013, datado de 11-12-2012 (in D.R., Série 1, de 21-01-2013.)

V - Visando a livrança titular todas as responsabilidades decorrentes do contrato de abertura de crédito celebrado, no qual foi prevista a renovação automática por iguais períodos de seis meses, sem limite temporal, tal renovação automática foi estabelecida no interesse da sociedade subscritora da livrança, da qual o embargante marido era então sócio gerente, pelo que o preenchimento da livrança vários anos depois, revelando claramente o propósito do banco de não prescindir das garantias que lhe foram concedidas, não pode ser entendido, para efeitos de abuso de direito, como adequado a criar a convicção do não exercício do direito.

VI - Da mesma forma, também tal conclusão se não pode retirar da falta de resposta do banco às missivas dos embargantes, uma vez que a única conclusão que um declaratário normal daí poderia retirar seria no sentido da falta de acordo do banco relativamente à pretendida libertação dos avales concedidos.

Decisão Texto Integral:

                                        

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:                                                                                                                                                                                                           AA e BB, vieram, por apenso à execução que lhes foi movida, a eles e a outros, pela exequente Caixa Geral de Depósitos, deduzir embargos de oposição à execução, pedindo que fosse decretada a extinção da execução.

Alegam para o efeito que, em 2009, o embargante cedeu a quota que detinha na sociedade subscritora da livrança dada à execução, facto que foi dado a conhecer ao banco exequente, tendo os embargantes requerido nessa altura a sua desoneração das obrigações assumidas na qualidade de avalistas. Mais alegam que a conta caucionada foi sendo sucessivamente renovada até 2012, tendo sido surpreendidos pelo acionamento da livrança, tendo confiado que o Banco exequente não o iria fazer – tendo este agido com abuso de direito, traindo com a sua atuação e comportamento, a confiança gerada nos embargantes.

Admitida a oposição, a exequente tomou posição no sentido da sua improcedência.

Após julgamento, foi proferida sentença, nos termos da qual os embargos foram julgados procedentes, determinando-se a extinção da execução quanto aos embargantes e levantando-se as penhoras.

           Na sequência de recurso de apelação da embargada/exequente Caixa Geral de Depósitos, a Relação de Lisboa, por acórdão proferido nos autos, revogou a sentença recorrida e determinou a improcedência dos embargos.

            Inconformados, interpuseram os embargantes o presente recurso de revista, em cujas alegações apresentaram as seguintes conclusões:

1ª – O direito de resolução de um contrato, de qualquer contrato, constitui um direito potestativo cujo exercício depende da vontade do respectivo titular.                       2ª – A possibilidade da sua discussão em juízo, resulta naturalmente da sua invocação (necessária) pelo interessado.    3ª – Concomitantemente, o exercício de qualquer contradireito que vise eliminar ou paralisar o exercício desse direito potestativo de resolução, torna-o ineficaz, consubstancia o exercício duma excepção propriamente dita ou de direito material, cuja arguição está na exclusiva disponibilidade da contraparte.    4ª – A possibilidade da discussão desta excepção em juízo, depende da sua prévia arguição, extrajudicialmente ou nos articulados da acção correspondente. 5ª – Se arguida extrajudicialmente, antes da contestação, o efeito dessa arguição fica produzido, bastando à parte nela interessada trazer tal facto ao processo, “com o que a excepção em sentido próprio ganha o tratamento das objecções”.  6ª – No caso concreto, nem extrajudicialmente nem na contestação à oposição à execução, o banco embargado, como contraparte do contrato de preenchimento da livrança dada à execução, arguiu qualquer falta de poderes de representação da sociedade subscritora da livrança e devedora principal, relativamente à representação do sócio cedente na carta em que ela lhe comunicou a resolução do pacto de preenchimento.  7ª – A questão da invocada falta de poderes representativos por parte da firma subscritora, na representação do sócio cedente, na comunicação do pacto de preenchimento, com fundamento em justa causa, constitui uma “excepção em sentido próprio”, de direito material, na exclusiva disponibilidade da contraparte desse pacto, no caso do banco embargado, a qual não podia ser conhecida oficiosamente pelo tribunal.  8ª – De facto, face à total omissão de arguição dessa excepção como fundamento da contestação à oposição à execução, o tribunal não podia dela tomar conhecimento nos termos do disposto no art. 572º, al- b), ex-vi do art. 731º do CPC.  9ª - E, em qualquer caso, o Venerando Tribunal da Relação incorreu em errada interpretação e aplicação do princípio fundamental segundo o qual “toda a defesa deve ser deduzida na contestação”, expressamente consagrado no art. 573º do CPC.        10ª - A resolução foi efectuada com fundamento no facto de o sócio avalista ter deixado de ser sócio da sociedade subscritora da livrança. O douto acórdão recorrido concluiu – e bem – que “Atenta a ocorrida cessão de quotas, nesse contexto, gerou-se o direito dos embargantes resolverem por justa causa o pacto de preenchimento”.   11ª – Prescreve o art. 436º do C. Civil que a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte. Por sua vez, o art. 224º, nº 1 do C. Civil estipula que “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida”.   12ª – A resolução consubstancia uma declaração de vontade: mediante ela, uma das partes comunica à outra que pretende cessar a relação contratual que as unia. Daqui decorre que ao tribunal compete apenas verificar a existência dos fundamentos invocados ou da regularidade do respectivo exercício: “O direito de resolução é um direito potestativo extintivo e dependente de um fundamento. O que significa que precisa de se verificar um facto que crie esse direito – melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento) desse direito potestativo”- Batista Machado, “Pressupostos da Resolução por incumprimento”, “Obra Dispersa, I, pags. 130/131.       13ª – Em sede de interpretação das declarações, vigora entre nós a teoria da impressão do destinatário, ínsita no art. 236º, nº 1 do C. Civil, “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, sendo certo que, no caso dos negócios formais “… não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.” (art. 238º, nº 1 do C. Civil).  14ª – Em causa, o teor da carta de 27/08/2009, onde a sociedade subscritora da livrança, note-se, comunicava à portadora desta que o aludido sócio já não fazia parte dos órgãos sociais da empresa desde 1/09/2009, deixando de ter todas as responsabilidades inerentes, tendo comprovado tal facto mediante a anexação à carta da cometente certidão de matrícula da qual constava o registo da cessão de quotas na respectiva Conservatória do Registo Comercial. 15ª – Perante o texto da carta, releva desde logo a sua construção: a subscritora da livrança comunica que o sócio em causa deixou de ter todas as responsabilidades inerentes, porque deixou de ser sócio. 16ª – Analisando todo o iter negocial, o facto de na carta se expressar o fundamento e os motivos, que são elementos típicos da resolução, tem que se concluir que estamos perante uma resolução convencional e não uma denúncia. 17ª – Ora, perante todos os factos dados como provados, a única conclusão possível é a de que a sociedade devedora e contraente principal do contrato de preenchimento a que os autos se reportam, agiu, inequivocamente, em representação do avalista sócio e cedente da quota cedida e que esta tinha conhecimento e tolerou essa actuação, permitindo assim que fosse criada uma situação de aparência de representação e de confiança, por parte da exequente CGD. E que assim foi demonstraram-no os factos provados à saciedade. Desde logo, nunca, mas nunca a exequente/embargada, na contestação à oposição à execução, alegou ou excepcionou esta falta de representação da sociedade devedora. Também excepcionalmente não há qualquer resposta ou carta do banco credor a questionar a falta de representação da sociedade devedora para levar a cabo tal comunicação de resolução.  18ª – “A procuração tolerada (Duldungsvollmacht) ocorre quando alguém invoca poderes de representação de outrem que, embora lhos não tenha expressamente concedido, tem conhecimento e tolera essa situação de aparência de representação de confiança, por parte de terceiros, na efectiva vigência dos invocados poderes de representação”.                                          19ª – “Na ordem jurídica portuguesa, a procuração tolerada tem o valor de procuração tácita quando a existência dos poderes de representação seja de concluir, com toda a probabilidade, do comportamento tolerante daquele de quem a representação é invocada. A concludência deve resultar do comportamento tolerante do representado e não do comportamento daquele que invoca a qualidade de procurador. O fundamento da procuração, neste caso, reside na autonomia privada e o comportamento tolerante do representado constitui uma declaração negocial tácita”. 20ª – Ora, no contexto de todos os factos provados, e não apenas daqueles que estão destacados nas alíneas a) a f) da pagina 37 do douto acórdão recorrido e que alicerçaram a douta decisão recorrida, é forçoso concluir que efectivamente existiu uma procuração tolerada que tem o valor de procuração tácita quanto à existência dos poderes representativos a cargo da firma subscritora da livrança. 21ª – Se cerca de um ano antes do envio da controvertida declaração de resolução já o sócio cedente tinha comunicado ao Banco portador da livrança que ia ceder a sua quota e que queria ficar desonerado de toda e qualquer obrigação cambiária contraída, como é que se pode admitir que não autorizou a firma subscritora, para mais contraparte do contrato resolvido e da qual foi seu sócio gerente, a enviar a comunicação de resolução de 27/08/2009?  22ª – Perante o ciclo normal da vida e segundo as regras da experiência da vida, perante o texto da carta em questão, alguém teria dúvidas sobre a representação efectiva (e não apenas presumida) do sócio cedente pela sociedade subscritora da livrança? Mais: de acordo com as regras da experiência da vida quem é que teve interesse em enviar uma carta com tal teor? E não é normal, corrente, ser a sociedade com quem o banco se relaciona comercialmente no dia a dia a enviar uma carta do tipo da carta em causa?  23ª – Face aos factos provados, é justo concluir-se que o pacto de preenchimento foi válida e eficazmente resolvido por carta de 27.08.2009 e recebida pelo banco embargado. 24ª – Consequentemente, tal pacto extinguiu-se de pleno direito nessa data, razão pela qual é totalmente irrelevante a denúncia pelo banco através de carta de  11.09.2012, bem assim como irrelevante todo e qualquer escrito posterior à data da comunicação de resolução.                        25ª – A resolução do pacto de preenchimento através da referida carta de 27/08/20090 não causou qualquer dano ou prejuízo ao banco embargado. Isto porque, como sabemos, nessa data a sociedade executada não estava em incumprimento relativamente ao contrato de conta caucionada (N), possuía património (O), assim como os sócios (P).       26ª – Perante esta realidade e as cartas recebidas, em especial, a de 27/08/2009 (resolução) foi correcta, foi conforme a cláusula geral da boa fé ínsita no art. 762º, nº 2 do C. Civil o comportamento do banco?  27ª – Em primeiro lugar, tinha o dever jurídico, moral e ético de responder às cartas, em especial à da declaração de resolução; em simultâneo ou depois disso, três hipóteses se desenhavam: i) pedia novas garantias aos sócios que permaneceram na sociedade ou contentava-se com a manutenção das garantias por este prestadas; ii) interpelava a sociedade mutuária para proceder ao pagamento de qualquer quantia em dívida; iii) intentava a competente acção executiva. 28ª – Ora, o Banco optou deliberadamente por ignorar ou desprezar as cartas do sócio cedente, renovou a respectiva conta caucionada, pelo menos por sete meses (até à “denúncia”). Deixou decorrer mais de cinco anos sobre a declaração de resolução, “deixou andar” optando por um imobilismo total e absoluto, vendo o património da sociedade e depois dos sócios a desaparecer! Só depois disto tudo é que decidiu vir deduzir a execução.     29ª – Consequentemente, violou o disposto no art. 762º, nº 2 dp C. Civil no que concerne aos deveres laterais de conduta que sobre ele impendiam. 30ª – Face ao total e absoluto imobilismo e grosseiro descuido na tutela competente e adequada dos interesses do cliente com quem contratou, é contrário à boa fé e aos bons costumes (art. 334º do C. Civil), o exercício danoso, tardio e a más horas da acção executiva pelo Banco exequente, que, assim, pretende beneficiar de um acto ilícito por si cometido.    31ª – O douto acórdão recorrido acolhe assim, errado enquadramento jurídico da questão de facto posta à sua apreciação e errou ao não ter confirmado a douta sentença de primeira instância.   Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o douto acórdão recorrido, mantendo-se a decisão da primeira instância.

Contra-alegou a embargada Caixa Geral de Depósitos, pugnando no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir:

Em face do conteúdo das conclusões das alegações dos recorrentes, enquanto delimitativas do objeto do recurso (arts. 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC), são as seguintes as questões de que cumpre conhecer:

- resolução do pacto de preenchimento; - abuso de direito.

Factualidade dada como provada pelas instâncias:

 A. “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” instaurou ação executiva para pagamento da quantia de € 261.922,30.                                                                                  B. Constitui título executivo a livrança n.º ..., emitida em 24/05/2005, com o montante de € 257.575,28, com vencimento em 04/02/2014, subscrita pela sociedade “CC.”, avalizada por DD, EE, FF, GG, HH, II, AA e BB.   C. A livrança referida em B) não foi paga na data do seu vencimento, nem em momento posterior. D. A livrança referida em B) foi entregue à exequente, em branco, para titulação de todas as responsabilidades decorrentes do contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização simples, outorgado em 02/05/2005, através do qual o Banco exequente concedeu à sociedade “CC.” um financiamento sob a forma de abertura de crédito em conta corrente até € 100.000,00.  E. No contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização simples, outorgado em 02/05/2005, estipulou-se um prazo de seis meses, com início na data da perfeição do contrato, automaticamente renovado por períodos iguais e sucessivos.                                                                                              F. Da cláusula 22ª do mesmo contrato consta que a primeira outorgante e os avalistas “autorizam desde já a Caixa a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Caixa, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:                a) A data de vencimento será fixada pela Caixa quando, em caso de incumprimento pelos devedores das obrigações assumidas, a Caixa decida recorrer à realização coativa do respetivo crédito;   b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da presente abertura de crédito, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança;     c) A Caixa poderá incluir cláusula “sem protesto” e definir o local de pagamento.”    G. Por carta datada de 22/09/2008, dirigida ao gerente do balcão de Torres Vedras do Banco exequente, AA requereu “autorização a fim de ficar desonerado de toda e qualquer obrigação bancária contraída na sua relação jurídica, que possui com a firma” “CC.”, referindo que “a pretensão (…) assenta no facto de ir ceder a quota que possui na firma “CC.”. Mais requereu “que a Senhora JJ, a qual é casada com o requerente, fique também desonerada de toda e qualquer obrigação bancária que esteja subjacente à relação com a firma CC, nomeadamente a sua condição de avalista”.   H. Em 23/12/2008 o embargante AA enviou ao Banco exequente um fax a solicitar uma resposta urgente à carta enviada no dia 22/09/2008. I. Em 19/03/2009 foi deliberado em Assembleia-geral pelos sócios da “CC.”, por unanimidade, autorizar a divisão de quota do sócio AA, aqui embargante, em três quotas, aprovar a cessão de quotas do sócio AA aos sócios DD, HH e FF, e aprovar a renúncia à gerência do sócio AA. J. Em 22/07/2009 foi averbada à certidão de registo comercial da sociedade “CC.” a cessão de funções de AA à gerência, por renúncia. K. Por carta datada de 27/08/2009 a sociedade “CC.” comunicou ao Banco exequente que o embargante AA já não fazia parte dos órgãos sociais da empresa desde 01/07/2009, deixando de ter todas as responsabilidades inerentes, remetendo cópia do registo da Conservatória. L. O crédito emergente do contrato referido em D. destinava-se a apoiar a “CC.” para ocorrer a necessidades temporárias de tesouraria. M. Os embargantes prestaram o seu aval porque, à data, o embargante marido era sócio da sociedade subscritora da livrança.  N. À data da cessão de quotas (2009) a sociedade executada não estava em incumprimento relativamente ao contrato de conta caucionada.   O. Na data da cessão de quotas, a sociedade executada tinha registado a seu favor, pelo menos, quatro veículos automóveis e alguns imóveis para revenda. P. Os sócios e gerentes da sociedade executada também possuíam património. Q. O contrato de conta caucionado foi denunciado pelo Banco exequente por carta datada de 11/09/2012.  R. Em 2012 o co executado DD vendeu a terceiros um apartamento de que era proprietário na Quarteira. S. Há cerca de oito anos o co executado HH transferiu a propriedade da sua casa de morada de família para a filha.  T. Em 2012 o co executado FF vendeu a um terceiro um imóvel de que era proprietário.                                                                                            U. O Banco exequente teve conhecimento da carta e fax referidos nas alíneas G e H.                                                                                      V. O Banco exequente conhecia a situação patrimonial da sociedade executada.   W. Pelo menos os co executados DD e HH subsistiram, entre 2009 e 2013, dos proventos gerados pela sociedade executada (remuneração e lucros). X. O contrato referido em D. foi, em 09/08/2006, objeto de alteração contratual, tendo então sido alterada, entre outras, a cláusula referente ao montante, que passou a ser até € 200.000,00.      Y. Por carta datada de 26/09/2011 os embargantes remeteram ao Banco exequente uma carta na qual solicitam «se dignem apreciar e autorizar a libertação dos nosso avales/fianças em operações de crédito (conta corrente caucionada e garantias bancárias, etc.) tituladas pela empresa CC , Lda.”.

            Quanto à resolução do pacto de preenchimento:

          Emerge da factualidade provada que a responsabilidade dos embargantes pelo pagamento da dívida subjacente à livrança dada à execução assenta no aval por eles nela prestado, sendo certo que tal livrança foi subscrita em branco pela sociedade (também executada) “CC.”, da qual o embargante era então sócio gerente (e que posteriormente veio a perder tal qualidade), e como garantia “de todas as responsabilidades decorrentes do contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização simples celebrado em 02.05.2005 – contrato este no âmbito do qual a sociedade subscritora e os avalistas autorizaram o banco exequente, ora embargado, a preencher a livrança quando necessário (nos termos do que se refere na al. F. dos factos provados).      

Sem sequer questionar a violação do pacto de preenchimento, os avalistas ora embargantes, conforme se alcança da petição de embargos e bem se salienta no acórdão recorrido, apenas invocaram expressamente o instituto do abuso de direito, como fundamento da procedência dos embargos.                                                                 Isto sendo certo que, conforme igualmente bem se refere no acórdão recorrido, a desvinculação do sócio avalista que supervenientemente perde tal qualidade pode derivar, em teoria, designadamente de resolução do pacto de preenchimento ou por força do instituto do abuso de direito.

  Conforme se alcança da respectiva sentença, a 1ª instância, apreciando como questão decidenda o “abuso de direito - desvinculação do avalista em branco ao acordo de preenchimento”, acabou por julgar procedentes os embargos, com base na denúncia do aval prestado, que considerou válida e eficaz – sendo certo que, como se refere no acórdão da Relação, não obstante o thema decidendum, a 1ª instância nem sequer se chegou a debruçar sobre o abuso de direito.

Por sua vez, a Relação, tomando posição sobre o abuso de direito, considerou que a factualidade dada como provada nos autos era insuficiente para esse efeito “quer na vertente de venire contra factum proprium quer na vertente de supressio. E, para além disso, considerou que, não sendo possível a denúncia do aval prestado, os embargantes não resolveram o pacto de preenchimento junto do banco, através de uma declaração, mesmo tácita – e daí a improcedência dos embargos, com a correspondente revogação do decidido pela 1ª instância.

É desde logo contra este último entendimento que se manifestam os embargantes, ora recorrentes, que defendem que o pacto de preenchimento foi válida e eficazmente resolvido através da carta de 27.08.2009.

Relativamente a esta questão, resultou provado que “Por carta datada de 22/09/2008, dirigida ao gerente do balcão de Torres Vedras do Banco exequente, AA requereu “autorização a fim de ficar desonerado de toda e qualquer obrigação bancária contraída na sua relação jurídica, que possui com a firma” “CC.”, referindo que “a pretensão (…) assenta no facto de ir ceder a quota que possui na firma “CC.”. Mais requereu “que a Senhora JJ, a qual é casada com o requerente, fique também desonerada de toda e qualquer obrigação bancária que esteja subjacente à relação com a firma CC, nomeadamente a sua condição de avalista” (al. G. dos factos provados) e que “Em 23/12/2008 o embargante

enviou ao Banco exequente um fax a solicitar uma resposta urgente à carta enviada no dia 22/09/2008 (Al. H);       

Tal declaração do avalista embargante não pode ser interpretada e valorada como declaração resolutiva do pacto de preenchimento na medida em que traduz um mero pedido de “autorização de desoneração” dirigido ao banco exequente ora recorrido – pedido esse que, de resto, foi formulado ainda antes da cedência da sua quota (que resultou de deliberação da sociedade subscritora da livrança de 19.03.2009 – a que se faz referência na al. I. dos factos provados) e apenas no pressuposto de a mesma vir a ter lugar.                                                       

Trata-se de resto de factualidade que foi de todo desconsiderada pela Relação e pelos próprios recorrentes que, conforme ressalta das conclusões do recurso e supra se refere, o que defendem é que a declaração de resolução operou por via da carta de 27.08.2009.                                                                              

E efetivamente resultou provado que: “Por carta datada de 27/08/2009 a sociedade “CC.” comunicou ao Banco exequente que o embargante AA já não fazia parte dos órgãos sociais da empresa desde 01/07/2009, deixando de ter todas as responsabilidades inerentes, remetendo cópia do registo da Conservatória (al. K)   e que “Por carta datada de 26/09/2011 os embargantes remeteram ao Banco exequente uma carta na qual solicitam «se dignem apreciar e autorizar a libertação dos nosso avales/fianças em operações de crédito (conta corrente caucionada e garantias bancárias, etc.) tituladas pela empresa CC , Lda.” (al. Y).

            A Relação considerou todavia que, também estas comunicações, não podiam ser entendidas como declaração de resolução do pacto de preenchimento.                             E isto, nos seguintes termos:                                                                                    “Contudo, os embargantes não resolveram o pacto de preenchimento junto do banco através de uma declaração, mesmo tácita (cf. supra). Com efeito, a carta referida em e. foi remetida pela sociedade “CC.”, sociedade de que os embargantes já não eram sócios nem representantes sequer. A declaração de resolução tem de ser efetuada pelo próprio, por procurador ou por núncio. No caso, não ocorreu nenhuma das três hipóteses face à escassa matéria de facto apurada. Na verdade, o núncio transmite uma declaração consumada de outrem, recebendo um mandato especificado e imperativo – Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Ed., p. 543. Na definição de Raul Guichard, “Sobre a distinção entre núncio e representante”, in Scientia Iuridica, T. 44, n. 256-258, p. 317, o núncio ativo transmite uma declaração da autoria de outrem, que não resulta da sua vontade, sendo, neste sentido, um mero meio de que se serve o principal. Ora, não está demonstrado – nem há que presumi-lo – que os embargantes tenham encarregue tal sociedade de efetuar tal comunicação ao banco (facto material objetivo) e, muito menos, com o intuito de assim se desvincularem do pacto de preenchimento do aval.                                                                                                          Na carta remetida pelos embargantes ao banco, em 26.9.2011, aqueles solicitam «se dignem apreciar e autorizar a libertação dos nosso avales/fianças em operações de crédito (conta corrente caucionada e garantias bancárias, etc.) tituladas pela empresa CC , Lda.”. Embora não seja exigível às partes, quando não assistidas por advogado, a utilização de terminologia jurídica apropriada, o certo é que esta carta não expressa uma vontade unilateral dos embargantes se desvincularem - sem mais e independentemente da posição que o banco assumiria - do pacto de preenchimento mas, pelo contrário, formula uma proposta de revogação por acordo de tal pacto de preenchimento (“apreciar e autorizar a libertação dos nossos avales”). Constituem realidades distintas afirmar algo equivalente a “na sequência da cessão de quotas, já não respondemos pelos avales” (manifestação unilateral de vontade ao alcance de qualquer cidadão) ou, diversamente, procurar o assentimento do banco para uma desvinculação (“apreciar e autorizar a libertação dos nossos avales”). A carta remetida pelos embargantes, em 22.9.2008 ainda antes da cessão de quotas, tem um teor equivalente e deve ser valorada nos mesmos termos que a carta de 26.9.2011”.   É contra tal entendimento que se manifestam os embargados recorrentes.

  Começam por dizer, a propósito, que o exercício de qualquer contradireito que vise eliminar ou paralisar o exercício do direito potestativo de resolução, tornando-o ineficaz, consubstancia o exercício duma excepção propriamente dita ou de direito material, cuja arguição está na exclusiva disponibilidade da contraparte – sendo certo que, no caso dos autos, o banco embargado não arguiu, nem extrajudicialmente nem na contestação à oposição à execução, qualquer falta de poderes de representação da sociedade subscritora da livrança e devedora principal, relativamente à representação do sócio cedente na carta em que ela lhe comunicou a resolução do pacto de preenchimento.                                                                                  Isto, para além de defenderem a existência de uma verdadeira resolução convencional (e não uma denúncia) e de uma procuração tolerada que tem o valor de procuração tácita quanto à existência dos poderes representativos a cargo da firma subscritora da livrança.

Todavia, a nosso ver sem razão.                                                   

Desde logo porque a carta de 27.08.2009 não foi remetida pelos avalistas embargantes, ora recorrentes, mas sim pela sociedade subscritora da livrança (CC), em nome da dela própria, que não em nome daqueles – sendo certo que à data o embargante já nem sequer era gerente ou mesmo sócio da sociedade.                                                                                                 Assim não faz sequer sentido  sequer falar-se em necessidade de arguição da falta de poderes de representação da sociedade subscritora da livrança e devedora principal. Para tal era necessário que a sociedade subscritora tivesse agido em nome dos avalistas embargantes ora recorrentes - o que não ocorre.                       

E, para além do aspeto meramente formal, é igualmente manifesto que, do ponto de vista material, ou seja, do conteúdo dessa carta, nada se pode retirar:   quer no que respeita a essa pretensa representação:               - quer no que se refere à existência de uma verdadeira declaração de resolução do pacto de preenchimento.                                                                                         Com efeito, a sociedade subscritora da livrança, limitou-se a informar o banco embargado que o embargante “já não fazia parte dos órgãos sociais da empresa desde 01/07/2009, deixando de ter todas as responsabilidades inerentes”...                  

Trata-se, de resto, de uma comunicação perfeitamente normal, adequada a dar conhecimento, a um parceiro contratual, de que alguém, que fazia parte da gerência da sociedade, deixou os seus órgãos sociais, ou seja, deixou de ter poderes de representação da sociedade.                                                                                                       Não se especificando quais seriam “todas as responsabilidades”, as mesmas não podem ser interpretadas no sentido defendido pelos recorrentes.                         Em tal comunicação (que não passava disso mesmo), de resto, nem sequer era pedida qualquer resposta ao banco embargado ora recorrido.

E o mesmo se dirá da carta de 26.09.2011 que os embargantes recorrentes remeteram ao embargado recorrido (referida na al. Y dos factos provados), na qual aqueles se limitaram a solicitar que o banco se dignasse “apreciar e autorizar a libertação dos nosso avales/fianças em operações de crédito (conta corrente caucionada e garantias bancárias, etc.) tituladas pela empresa CC , Lda.”. E isto com referência à carta de 22.09.2008 em que o embargante requereu ao banco “autorização a fim de ficar desonerado de toda e qualquer obrigação bancária contraída na sua relação jurídica, que possui com a firma” “CC – ,”.                                                                                                          Também ali nada é declarado no sentido de emissão de uma verdadeira declaração de resolução, apenas sendo formulado um pedido de autorização da libertação dos avales por eles concedidos – cuja eficácia estaria, naturalmente, dependente de uma resposta positiva do ora recorrido.                                                                                                                                                                             Conforme bem salienta a Relação, tal carta “não expressa uma vontade unilateral dos embargantes se desvincularem - sem mais e independentemente da posição que o banco assumiria - do pacto de preenchimento mas, pelo contrário, formula uma proposta de revogação por acordo de tal pacto de preenchimento”.      Em face do exposto, impõe-se concluir, conforme se concluiu no acórdão recorrido, no sentido de os embargantes não terem procedido à resolução do pacto de preenchimento junto do banco recorrido, através de uma declaração, ainda que tácita.

Para além disso, a mera denúncia do aval por parte dos embargantes avalistas, ora recorrentes, nunca poderia ser considerada como válida e eficaz – atento o entendimento jurisprudencial fixado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 4/213, datado de 11.12.2012 (in D.R., Série I, de 21.01.2013), nos termos do qual "Tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação social na sociedade avalizada.” – sendo esta a situação dos autos.

            Improcedem assim, nesta parte, as conclusões do recurso.

            Quanto ao abuso de direito:

            Conforme já supra referimos, a 1ª instância acabou por não se pronunciar especificamente sobre o invocado abuso de direito, tendo-se limitado a tomar posição (e decidir) no sentido da procedência dos embargos com base na denúncia do aval prestado, que considerou válida e eficaz.

Já a Relação, tomando posição sobre o invocado abuso de direito, considerou que a factualidade dada como provada nos autos era insuficiente para se poder concluir no sentido da existência de abuso de direito por parte do banco exequente.

Considerou inexistirem elementos factuais que apontem no sentido da existência de abuso de direito, seja na modalidade de venire contra factum proprium, seja na modalidade de suppressio.

Conforme tem sido entendido na doutrina e na jurisprudência o abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, radica na violação do princípio da confiança.                                                   Conforme se considerou no acórdão deste tribunal de 12.11.2013 (proferido no processo nº 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, em que é relator Nuno Cameira, disponível em www-dgsi.pt – acórdão este citado no acórdão recorrido), são pressupostos do abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium:      “A existência dum comportamento anterior do agente suscetível de basear uma situação objetiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e atual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma atividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objetiva de confiança e o “investimento” que nela assentou.”.                                                     E ainda segundo ali se entendeu, “O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do art. 334.º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a proteção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.

           No mesmo sentido, o acórdão deste tribunal de 28.06.2007 (proferido no processo nº 07B1964, em que é relator Gil Roque – igualmente acessível em www.dgsi.pt):      “O abuso de direito na sua vertente de venire contra factum proprium, pressupõe que aquele em quem se confiou viole com a sua conduta os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expetativa relativamente ao comportamento alheio. A proibição da conduta contraditória em face da convicção criada implica que o exercício do direito seja abusivo ou ilegítimo”.

            Diz a Relação, para justificar a inexistência do abuso de direito na modalidade ora em apreço, que, exigindo o mesmo “uma conduta ativa/positiva por parte de quem gera a confiança na contraparte, a qual pode ser lida como uma tomada de posição autovinculante em relação a dada situação futura, no caso em apreço, falece tal conduta positiva por parte do banco exequente de tal modo que, em 26.9.2011, os embargantes sentiram necessidade de dirigir ao banco exequente a carta enunciada sob o facto Y em que solicitam “se dignem apreciar e autorizar a libertação dos nossos avale”.  Ainda segundo a Relação, “o que existiu foi uma atitude passiva por parte do banco exequente a partir do momento em que, por carta de 27.8.2009, lhe foi comunicada (por terceiro) a cessão de quotas, mais se afirmando nessa carta que o embargante deixava de ter as responsabilidades inerentes. No período posterior, o banco exequente denunciou o contrato de conta caucionada em 11.9.2012 e preencheu a livrança, apondo-lhe a data de 4.2.2014, após o que instaurou a execução.”

            Para além disso, a Relação também tomou posição no sentido da inexistência de abuso de direito na modalidade de suppressio - resultante da abstenção prolongada no exercício de um direito, contrariadora do princípio da boa fé, ou seja, quando esse não exercício do direito durante um longo lapso de tempo faz criar na outra parte a convicção de que esse direito não mais será exercido.

E isto com base na seguinte fundamentação:  “O decurso do tempo, só por si, é insuficiente para criar a convicção de que o direito não será exercido. Esse decurso do tempo há de ser contextualizado por factos que permitam interpretar a inércia do credor como sedimentação de um propósito de não agir. Sucumbe tal contextualização; pelo contrário, a denúncia do contrato de conta caucionada em 2014 e o preenchimento da livrança com aposição da data de vencimento (4.2.2014) inculcam um propósito de não prescindir da garantia do aval. Também não estão demonstrados factos consubstanciadores de um investimento de confiança, no sentido de que os embargantes - convictos e movidos pela confiança do não acionamento do aval - tomaram medidas ou passaram a atuar em conformidade (v.g., dispondo de bens ou rendimentos que estavam preventivamente afetos a honrar o compromisso do aval), causando-lhe o exercício tardio do direito maiores desvantagens do que o seu exercício atempado.”

  Discordando do entendimento da Relação, defendem os embargantes recorrentes a existência de abuso de direito, referindo (conclusão 30ª) que, face ao total e absoluto imobilismo e grosseiro descuido na tutela competente e adequada dos interesses do cliente com quem contratou, é contrário à boa fé e aos bons costumes.     

E dizem ainda que em face do recebimento das cartas, em especial da carta de 27.08.2009, o banco recorrido tinha o dever jurídico, moral e ético de responder às mesmas, em especial à da declaração de resolução, pedindo novas garantias aos sócios que permaneceram na sociedade ou contentava-se com a manutenção das garantias por este prestadas ou interpelando a sociedade para proceder ao pagamento de qualquer quantia em dívida ou intentando a competente acção executiva.  Todavia, a nosso ver, sem razão:

            É certo que o contrato de abertura de crédito em conta corrente em questão, garantido pela livrança dada à execução, foi celebrado em 02.05.2005 e pelo prazo de seis meses – quando é certo que na livrança só veio a ser aposta como data de vencimento a do dia 04.02.2014.                                                                                            Sucede porém que, visando a livrança titular todas as responsabilidades decorrentes desse contrato (vide als. A. E D. dos factos provados) no referido contrato foi prevista a renovação automática do contrato (por iguais e sucessivos períodos de seis meses).   E isto sem qualquer limite temporal, sendo certo que o crédito concedido nesse âmbito pelo banco ora recorrido “se destinava apoiar a CC, para ocorrer a necessidades de tesouraria” – em suma, aquela renovação, e renovação automática, foi estabelecida no interesse da sociedade subscritora da livrança, da qual o embargante recorrente era então sócio gerente.

 Por outro lado, conforme bem salienta a Relação, o preenchimento da livrança em 2014 (com vencimento em 04.02.2014) revela claramente o propósito do banco exequente de não prescindir das garantias que lhe foram concedidas.  E se a mesma apenas foi preenchida nessa altura tal significa que só nessa altura a sociedade subscritora da livrança terá entrado em incumprimento – daí que tal não pudesse ter tido lugar em data anterior.

   Relativamente à falta de resposta às cartas, afigura-se-nos que, para além de tal falta de resposta não dever ser objecto de censura, não se poderão retirar daí quaisquer consequências, no sentido de a mesma poder criar nos embargantes recorrentes qualquer expectativa relativa à libertação das suas responsabilidades por parte do banco recorrido.

No que respeita à carta de 27.08.2009 (a que os recorrentes conferem maior relevância), conforme já supra referimos, para além de a mesma ter sido remetida apenas pela sociedade subscritora das livranças, a mesma apenas visou informar o banco embargado de que o embargante “já não fazia parte dos órgãos sociais da empresa desde 01/07/2009, deixando de ter todas as responsabilidades inerentes” tratando-se de, conforme supra referimos e ora repetimos, de uma comunicação perfeitamente normal, adequada a dar conhecimento, a um parceiro contratual, de que alguém, que fazia parte da gerência da sociedade, deixou os seus órgãos sociais, ou seja, deixou de ter poderes de representação da sociedade.                                                                        Assim, não se vislumbra em que medida, e com que finalidade, é que o banco embargado deveria responder a tal missiva. E daí que da falta de resposta nada se possa retirar de relevante para efeitos da questão do abuso de direito ora em apreço.

E o mesmo sucede em relação à carta 22.09.2008 - na qual o embargante recorrente (à data ainda sócio gerente da sociedade) se limitou a pedir autorização para ficar desonerado de toda e qualquer obrigação bancária contraída – e bem assim em relação à carta de 26.09.2011, na qual os embargantes ora recorrentes se limitaram a solicitar que o banco se dignasse “apreciar e autorizar a libertação dos nosso avales/fianças em operações de crédito (conta corrente caucionada e garantias bancárias, etc.) tituladas pela empresa CC , Lda.”.Da falta de resposta a tais cartas, a única conclusão que um declaratário normal daí poderia retirar seria no sentido da falta de acordo do banco relativamente à pretendida libertação dos avales concedidos.

Em face de todo o exposto, haveremos de concluir, em consonância com o entendimento da Relação, no sentido da inexistência de elementos integradores do invocado abuso de direito.

Improcedem assim, também nesta parte, as conclusões do recurso – impondo-se negar a revista e manter o decidido pela Relação.                                                         

Em síntese:

I - A comunicação da sociedade subscritora da livrança dada à execução (entregue em branco), dirigida ao banco exequente, de que um dos avalistas da livrança já não fazia parte da dos órgãos sociais da empresa, deixando de ter todas as responsabilidades inerentes, não pode ser entendida como uma verdadeira declaração de resolução do aval. II – Para além de a sociedade não agir em nome dos avalistas, trata-se de uma comunicação perfeitamente normal, adequada a dar conhecimento, a um parceiro contratual, de que alguém, que fazia parte da gerência da sociedade, deixou os seus órgãos sociais, ou seja, deixou de ter poderes de representação da sociedade.  III – Da mesma forma, a missiva dos embargantes avalistas ao banco exequente a solicitar autorização para a libertação dos avales, não constitui uma verdadeira declaração de resolução, mas tão só um mero pedido cuja eficácia estaria dependente de uma resposta positiva do banco.  IV – De resto, a mera denúncia unilateral do aval por parte dos embargantes avalistas, ora recorrentes, nunca poderia ser considerada como válida e eficaz, nos termos do entendimento jurisprudencial fixado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 4/213, datado de 11.12.2012 (in D.R., Série I, de 21.01.2013. V – Visando a livrança titular todas as responsabilidades decorrentes do contrato de abertura de crédito celebrado, no qual foi prevista a renovação automática por iguais períodos de seis meses, sem limite temporal, tal renovação automática foi estabelecida no interesse da sociedade subscritora da livrança, da qual o embargante marido era então sócio gerente, pelo que o preenchimento da livrança vários anos depois, revelando claramente o propósito do banco de não prescindir das garantias que lhe foram concedidas, não pode ser entendido, para efeitos de abuso de direito, como adequado a criar a convicção do não exercício do direito.   VI – Da mesma forma, também tal conclusão se não pode retirar da falta de resposta do banco às missivas dos embargantes, uma vez que a única conclusão que um declaratário normal daí poderia retirar seria no sentido da falta de acordo do banco relativamente à pretendida libertação dos avales concedidos.

Termos em que se acorda em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

                                                                                                                                                         Lisboa, 16 de maio de 2018

Acácio das Neves

Garcia Calejo

Roque Nogueira

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(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)