Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
229/13.1TAELV.1.E1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRAZO
EXTINÇÃO DA PENA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
REENVIO DO PROCESSO
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGAMENTO ANULADO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - Nos presentes autos não havia decisão nem quanto à extinção, nem quanto à prorrogação ou execução, pelo que se impunha, atento que o período de suspensão já se tinha esgotado, que o Tribunal se tivesse pronunciado e não tivesse integrado a pena no cúmulo, a não ser que tivesse conhecimento de decisão de revogação daquela pena; sabe-se que o trânsito em julgado da decisão que aplicou a pena de substituição ocorreu a 30.01.2017, o período de suspensão, iniciado naquela data (cf. art. 57.º, n.º 1, do Código Penal), terminou a 30.07.2021, ou seja, em momento anterior à prolação do acórdão cumulatório.
II - Seguindo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, e uma vez que o prazo da pena de suspensão já estava ultrapassado, devia o Tribunal ter referido que naquele processo a pena tinha sido suspensa, o período já tinha sido ultrapassado, ainda não estava decidida a extinção ou revogação da pena, todavia como tinha sido ultrapassado o prazo, a pena não seria integrada no cúmulo; dado que nada disto é referido, e porque se impunha referir estes elementos, nada mais nos resta senão considerar estarmos perante uma omissão a determinar a nulidade do acórdão recorrido [nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP].
III - Sabendo que não houve revogação daquela suspensão, a integração da pena de prisão neste cúmulo iria ter como consequência a punição do arguido duas vezes pelo mesmo facto; por um lado, a punição que lhe foi aplicada e a que se sujeitou durante 4 anos e 6 meses com risco de, sendo revogada, ter que cumprir efetivamente a prisão que lhe tinha sido aplicada, e por outro lado, o cumprimento de pena única que, integrando aquela outra pena aplicada, permitiria que cumprisse parte (ainda que possa ser pequena) de pena que já foi cumprida.
IV - Impõe-se refazer a pena única sem que aquela seja integrada, seguindo não só a jurisprudência do STJ, como aquilo que o próprio acórdão recorrido entendeu por bem decidir ao não integrar a pena aplicada num outro processo; e em ordem a que o condenado tenha uma via de recurso relativamente à pena única que lhe seja aplicada em conhecimento superveniente do concurso sem inclusão das penas extintas, devem os autos ser remetidos à primeira instância para que se proceda a novo cúmulo jurídico e nova determinação da pena única a aplicar.
Decisão Texto Integral:


Proc. n. º 229/13.1TAELV.1.E1.S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

Relatório

1. No Tribunal Judicial da Comarca ... (Juízo Central Cível e Criminal ... — Juiz ...) foi julgado (entre outros), em audiência de discussão e julgamento, ao abrigo do disposto no art. 472.º, do CPP, o arguido AA e, por acórdão de 14.10.2021, foi condenado na pena única conjunta de 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos n.ºs 229/13.... (estes autos), 20/14...., 743/13...., 479/06.... e 192/12.....

2. Inconformado, o arguido interpôs recurso do acórdão cumulatório para o Tribunal da Relação ...; o recurso foi admitido por despacho de 23.11.2021.

O recorrente concluiu a motivação nos seguintes termos:

«1. No âmbito dos presentes autos, foi o arguido condenado em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas no âmbito dos processos 229/13...., 20/14...., 743/13...., 479/06...., 113/09.... e 192/12...., na pena única de 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. O Recorrente pretende nesta sede ver sindicado o cúmulo alcançado pelo Tribunal a quo, isto porque, o processo 479/06.... não poderia ter sido englobado no cúmulo jurídico, atento o decurso do prazo da suspensão da pena aplicada no processo 479/06...., não tendo o Tribunal recorrido aferido da sua extinção ou revogação.

3. Ademais, porque foi proferido despacho, datado de 22-10-2021, que declarou a pena suspensa aplicada no âmbito do processo supra identificado, extinta.

4. Nessa sequência e atentas as condições pessoais do arguido, não poderia o Tribunal recorrido ter alcançado tal pena única de 12 anos e 6 meses de prisão.

5. Entendeu o Tribunal a quo que “Assim, conclui-se que o primeiro trânsito relevante ocorreu a 30/01/2017, referente ao processo n.º 479/06...., sendo todos os factos que originaram as condenações supra expostas, ocorreram antes dessa ata. Estão assim numa relação de concurso, as condenações sofridas nos processos com os n.ºs 229/13...., 20/14...., 743/13...., 479/06.... 192/12.....”

6. Olvidou o Tribunal recorrido, que já havida findado o prazo da pena suspensa aplicada ao arguido no processo 479/06...., na data em que foi proferida a decisão ora recorrida.

7. Não existia à data da prolação do acórdão, despacho que ordenasse a sua extinção ou revogação, pelo que a mesma nunca poderia ser englobada no presente cúmulo.

8. A condenação sofrida no âmbito do processo 479/06...., transitou em julgado em 30/01/2017, data em que começou a correr o período de 4 anos e 6 meses de suspensão da execução da referida pena de prisão, tendo-se esgotado o seu prazo no dia 30/07/2021.

9. O que serve por dizer que, não existindo qualquer despacho que recaísse sobre a extinção ou revogação da pena suspensa, deveria o Tribunal de 1.ª instância procurar esclarecer sobre o estado da mesma, ou, não o fazendo, nunca poderia a mesma ter sido englobada no cúmulo de que ora se recorre.

10. Ademais, em caso de concurso de superveniente de penas, pode o tribunal “do cúmulo” converter uma pena de prisão suspensa em efetiva para efeitos da determinação e aplicação do dito cúmulo, tal já não sucede quando se achar já esgotado o respetivo período de suspensão.

11. Atendo o teor do acórdão recorrido, o Tribunal recorrido não se pronuncia sobre esta questão, tendo erradamente considerando a pena suspensa para efeitos de aplicação do cúmulo jurídico.

12. O que serve por dizer que, o tribunal recorrido englobou, no cúmulo que efetuou, uma pena parcelar suspensa na sua execução, cujo prazo de suspensão já se encontrava esgotado, sem apurar qual a consequência da verificação do decurso do dito prazo de suspensão.

13. Assim, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 379º do C.P.P., a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia.

14. Na decisão ora sob escrutínio, o Tribunal recorrido, englobou no cúmulo, as penas parcelares de 9 meses +1 ano e 6 meses + 9 meses + 1 ano e 6 meses +3 anos e 6 meses, suspensa na respetiva execução por 4 anos e 6 meses de prisão idêntico período, que em que o Recorrente foi condenado no âmbito do supra identificado processo.

15. Sucede que, no âmbito do processo 479/06...., foi proferido despacho datado de 22-10-2021 que julgou extinta a pena de quatro anos e seis meses de prisão aplicada ao arguido e, consequentemente determinou o arquivamento daqueles autos.

16. O que serve por dizer que as penas parcelares aplicadas ao arguido no processo 479/06...., não podem englobar o cúmulo jurídico aplicado ao Recorrente.

17. Entende o recorrente que o cúmulo jurídico não poderá ter em conta as penas parcelares de 9 meses +1 ano e 6 meses + 9 meses + 1 ano e 6 meses +3 anos e 6 meses, aplicadas no processo 479/06...., cuja pena suspensa já foi declarada extinta.

18. Nestes termos, deverá a pena aplicada em sede de cúmulo jurídico ao recorrente ser revogada por incluir uma pena suspensa que foi declarada extinta e ser substituída por outra que não englobe as penas parcelares aplicadas no aludido processo.

19. Ainda que V. Exas. entendam não se verificar a nulidade acima mencionada, sempre se dirá, por cautela de patrocínio, que a pena de 12 anos e 6 meses aplicada, em cúmulo, ao Recorrente é manifestamente excessiva.

20.       Entendeu o Tribunal recorrido que o limite mínimo da pena única/cumulada seriam 5 anos e 6 meses de prisão (a mais gravosa das penas aplicadas ao Recorrente) – entendimento perfilhado pelo tribunal recorrido e com o qual o Recorrente concorda.

21. Achando-se o limite máximo nos 25 anos.

22. O acórdão recorrido, condenou o arguido na pena única de 12 anos e 6 meses de prisão.

23. Tal condenação acha-se manifestamente excessiva não proporciona ao arguido a sedimentação das capacidades que já demonstra alcançar, por forma à sua reintegração na sociedade.

24. Ora, o acórdão cumulatório não teve em conta os elementos constantes do art. 77.º do Código Penal.

25. A formação de uma nova decisão, para reformulação do cúmulo jurídico é realizada de acordo com os factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, nº 1).

26. [[1]]

27. No caso em epigrafe, encontram-se preenchidos os elementos para que exista a aplicação do cúmulo jurídico, ainda que não seja nos presentes autos, como alegado supra.

28. Na determinação da pena única tem de se atender, por um lado, a princípios estruturantes do sistema penal e processual português, ponderando sempre a necessidade e adequação da determinação da pena (artigo 71.º do Código Penal), por outro lado, à personalidade do agente, os factos praticados e a gravidade dos mesmos.

29. Na verdade, a conduta do arguido não representou uma tendência/carreira criminosa, mas sim uma pluriocasionalidade que não radica da personalidade do arguido.

30. Não pode o recorrente concordar que o seu comportamento revele um “quadro de reiteração de violação de bens jurídicos patrimoniais”.

31. Isto porque os ilícitos criminais praticados pelo recorrente cingem-se a um determinado momento da vida do Recorrente.

32. Resulta precisamente da factualidade relativa a cada uma das condenações parcelares que os crimes de falsificação de documento praticados pelo Recorrente foram instrumentais (embora juridicamente autonomizáveis) do crime de burla – o que, necessariamente, diminui a intensidade do dolo e a gravidade da ilicitude dos factos atinentes a tais ilícitos.

33. Tendo em conta a exclusiva natureza patrimonial dos crimes em apreço não concordamos que os mesmos denotem elevadas necessidades de prevenção geral, visto que o seu impacto comunitário é manifestamente menos gravoso quando comparado com outros tipos de ilícito – por exemplo, crimes de tráfico de estupefacientes ou crimes contra a integridade física.

34. Pelo que se entende que o Tribunal a quo não ponderou de forma autónoma os elementos a que o art. 70º C.P. manda atender em caso de concurso de crimes, o tribunal recorrido errou ao referir que o Recorrente havia demonstrado “egoísmo e continua indiferença pelos prejuízos causados a terceiros.”.

35. Aliás, basta ter em atenção que a última pena de prisão (efectiva) que o Arguido sofreu transitou em julgado a 05-05-2021, sendo que os últimos factos praticados datam de 2014 - ou seja, mais de 7 anos após a prática dos últimos factos criminosos.

36. A verdade é que desde março de 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, o Arguido ainda não mais voltou a praticar crimes – pelo que é duma injustiça e imprecisão extremas referir-se uma qualquer indiferença pelos “prejuízos causados a terceiros”!

37. Apesar de serem vários os crimes em concurso, ao crime considerado mais grave foi atribuída uma pena de prisão de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses, o que é elucidativo da média/pequena gravidade dos delitos.

38. Estes factos não podem deixar de ser ponderados para a aplicação da pena em sede de cúmulo jurídico.

39. Ademais, o relatório social constante dos autos encontra-se desatualizado, isto porque o arguido para além de já ter concluído o curso, assinou contrato de trabalho com a CPJ, estando atualmente a trabalhar no Estabelecimento Prisional.

40. O recorrente encontra-se a frequentar um curso promovido pelo S... com uma duração de 100 horas.

41. O curso tem o nome de Formação Modular Certificada, com vários módulos de unidade de formação de competências, fundamentais para a reintegração do recorrente na sociedade.

42. Ao sofrer uma condenação numa pena única tão pesada, todo o seu esforço e percurso serão postos em causa.

43. Pelo exposto, face aos factos e à personalidade do arguido, necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas entendemos ser de aplicar, em cúmulo, a pena única de 10 anos de prisão.»

3. No Tribunal Judicial da Comarca ..., respondeu o Ministério Público tendo concluído nos seguintes termos:

«1.A decisão do Tribunal “a quo” não violou qualquer norma legal, designadamente não se observa qualquer violação do disposto nos artigos 77º e 78º do Código Penal.

2.Revelando o acórdão recorrido cuidadosa fundamentação, quer quanto à matéria de facto quer no que concerne à matéria de direito.

3.Expressando uma acertada subsunção dos factos à lei.

4.E optando por pena única que se julga justa e adequada face aos critérios consignados nos artigos 71.º, 77.º e 78.º do Código Penal.

5. No concurso superveniente de crimes nada impede que na formação da pena única entrem penas de prisão efectiva e penas de prisão suspensa.

6. Havendo conhecimento superveniente do concurso de crimes, a pena única deve englobar as penas de prisão parcelares cuja execução ficou suspensa na sua execução.

7. Bem andou o acórdão recorrido ao considerar no cúmulo jurídico a pena de prisão suspensa na sua execução em que o recorrente foi condenado no processo n.º 479/06.....

8.Ao ser integrada no cúmulo jurídico, não se está a proceder à revogação da pena de prisão suspensa na sua execução, mas antes a averiguar a pena única a aplicar, a qual, por sua vez, poderá, ou não, ser suspensa na sua execução.

9.Assim resulta do disposto no artigo 78.º do Cód. Penal, que apenas afasta do cúmulo jurídico as penas de prisão suspensas na sua execução que à data da realização do cúmulo já tenham sido julgadas extintas.

10.No caso dos autos, aquando da realização do cúmulo jurídico, a pena aplicada ao arguido AA, no processo n.º 479/06...., não estava declarada extinta – cf. 4623 dos presentes autos.

11.Inexiste, por isso, qualquer nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia, como não há, pois, qualquer violação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do C.P.P.

12.No caso concreto, o Tribunal “a quo” apreciou e ponderou todos os elementos necessários à decisão, expondo os motivos, de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, fazendo uma apreciação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, dando integral cumprimento ao disposto nos artigos 71.º, 77.º e 78.º do Código Penal,

13. No caso do recorrente, o cúmulo tem como limite máximo 25 anos de prisão e como limite mínimo 5 anos e 6 meses de prisão, pelo que a pena única foi fixada a meio do limite máximo aplicável.

14.Entende-se, pois, como adequada e justa a pena única de 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada ao arguido BB, que não ultrapassa a culpa do recorrente e está de acordo com os interesses da prevenção, geral e especial.

15.Carece, pois, de fundamento a pretensão recursiva do recorrente de ver revogado/anulado o acórdão proferido ou de redução da pena única aplicada.  

Louvando-nos no bem fundado do douto acórdão recorrido somos de parecer que o recurso dele interposto não merece provimento.»

4.1. Subidos os autos ao Tribunal da Relação ..., o Senhor Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer considerando que o recurso interposto se restringe a matéria de direito, sendo competente para o apreciar o Supremo Tribunal de Justiça, por força do disposto nos arts. 427 e 432.º, al. c), do Código de Processo Penal (CPP).

4.2. No Tribunal da Relação ..., por decisão sumária de 12.02.2022, foi decidido declarar o “Tribunal da Relação ... incompetente para o conhecimento do recurso interposto nos autos” e ordenou-se que, após o trânsito em julgado, fossem os autos remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça.

5. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça concluiu pela improcedência do recurso porquanto:

«(..) Frisar-se-á, como bem observou o Exmo. Colega, que a decisão recorrida não incorreu em qualquer vício, nomeadamente, o de omissão de pronúncia. Na verdade, o Tribunal a quo teve o cuidado de averiguar se a pena cuja execução ficara suspensa, no processo n.o 479/06...., fora já declarada extinta. E a resposta, junta em 6-10-2021, era negativa; pelo que o Colectivo não poderia ter deixado de incluir tal pena no cúmulo jurídico cuja elaboração lhe competia, seguindo a jurisprudência maioritária a tal respeito.

Certo é, porém, que posteriormente à prolação do acórdão recorrido, o Juízo Central Criminal ... (Juiz ...) informou que aquela pena tinha sido declarada extinta.

Ora, o acórdão recorrido não nos parece merecedor de reparo, relativamente à pena única que impôs ao arguido. Note-se, no entanto, que a pena tinha, como limite mínimo, 5 anos e 6 meses de prisão; e, como limite máximo, a soma aritmética de todas as penas parcelares, não podendo ultrapassar, porém, os 25 anos.

Assim, o quantum fixado em 12 anos e 6 meses de prisão acrescentou, ao limite mínimo, pouco mais de um terço da diferença entre este e a barreira de 25 anos; que, repete-se, não é o limite máximo do cúmulo jurídico, em abstracto, mas apenas o quantum que, em concreto, não pode ser ultrapassado.

Na verdade, dificilmente se poderia ter sido mais benévolo, sobretudo, se atendermos ao vasto percurso criminal do arguido.

Parece-nos, pois, que o acórdão fez uma adequada interpretação dos critérios contidos nas disposições conjugadas dos art.ºs 40º, n.º 1 e 71º, n.º 1 e 2, als. a) a c), e) e f) do Código Penal. Em todo o caso, admite-se que, na eventualidade de alteração do cúmulo jurídico por força da extinção da pena já decretada pela Instância competente a pena única seja ligeiramente reduzida, como reflexo de tal modificação.

3. Assim, concluindo, dir-se-á que o acórdão cumulatório recorrido fixou a pena única de forma adequada, aceitando-se, porém, uma pequena redução do respectivo quantum como consequência da eventual não inclusão da pena entretanto, declarada extinta imposta no processo n.o 479/06.....»

6. O arguido foi notificado ao abrigo do art. 417.º, n.º 2, do CPP, e não respondeu.

7. Colhidos os vistos, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.

II

Fundamentação

A. Matéria de facto

Na decisão recorrida, são dados como provados os seguintes factos[2]:

«A - Os arguidos CC e AA foram condenados, neste processo, por acórdão proferido a 19/03/2021 e transitado em julgado a 05/05/2021, co-autores materiais de um crime de burla qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 202º, al. b), 217º, nº 1, e 218º, nº 1, e nº 2, al. a), cada um deles na pena de 5 (cinco) anos de prisão, pelos seguintes factos:

a)        Em Janeiro de 2013, os arguidos CC e AA tiveram conhecimento que a empresa “E..., Lda” encontrava-se em situação económica difícil e que os seus sócios estavam na disponibilidade de alienar as suas quotas;

b)        Tiveram ainda conhecimento que existiam três empresas dentro do mesmo espectro familiar, a saber:  - A dita sociedade designada “E..., Lda, NIPC ..., com sede na ..., lote ...7, apartado ..., em ..., e cujo objeto consistia no comércio de materiais de construção, tendo como sócios à data: DD e EE, esposa do primeiro;  - “El..., NIPC ..., com sede em ..., ..., ..., e cujo objeto consistia na construção civil, empreitadas e subempreitadas de obras públicas, compra e venda de propriedades e aluguer de equipamento; de construção civil, tendo como sócios à data: FF e GG, esposa do primeiro e filha dos sócios da E..., Lda, NIPC ..., com sede na ..., lote ...7, ..., cujo objeto consistia na construção civil, empreitadas e subempreitadas de obras públicas e compra e venda de propriedades, tendo como sócios à data, DD, FF e HH;

c)         Os arguidos CC e AA, de forma organizada e concertada, como infra descrito, decidiram adquirir as ditas sociedades em situação económica difícil, visando delapidar o seu património e adquirir bens sem realização de contraprestação, servindo-se, para tal, do nome das mesmas empresas no giro económico e do uso de cheques associados a contas sem provisão tituladas pelas mesmas;

d)        Tudo isto os referidos arguidos conceberam, de modo a obterem vantagem patrimonial em detrimento de outrem;

e)         Tal plano foi ainda firmado com II, que mediante a proposta de recebimento de contraprestação monetária em valor não globalmente determinado, aceitou participar no esquema montado por aqueles dois arguidos, como “testa de ferro”, cedendo, para tanto, a sua identidade, em nome da qual foram celebrados contratos e elaborada a documentação necessária à execução do dito plano, tendo aquele arguido recebido como contrapartida a quantia de € 600,00 (seiscentos euros) e um telemóvel que foi entregue pela T..., S.A à E..., Lda nos termos infra descritos;

f)         Os arguidos CC e AA obtiveram informações sobre a situação patrimonial das sobreditas empresas através de terceiros, designadamente, JJ e KK, este último empresário, que DD conhecia há vários anos e em quem depositava muita confiança, o que era do conhecimento dos demais sócios de cada uma das referidas empresas;

g)        E através desses indivíduos, CC e AA fizeram-se anunciar como investidores que estariam interessados na aquisição das empresas, através dum intermediário – “testa de ferro” – tendo ambos e especialmente KK logrado incutir em DD e nos sócios das demais empresas a convicção de que os ditos investidores eram pessoas sérias, credíveis e com capital;

h)        Em execução de tal plano, no dia 13 de Fevereiro de 2013, os arguidos CC e AA fazendo-se transportar num automóvel de marca ... deslocaram-se a ... a fim de se apresentarem e formalizarem a cessão de quotas das sobreditas sociedades conforme propostas previamente apresentadas aos sócios e que estes vieram a aceitar nos seguintes termos: assunção do ativo e passivo de cada uma das empresas; cancelamento de avais dados pelos sócios junto dos bancos; realização da contraprestação de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros) pelas empresas “E..., Lda” e “El...” e € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) pela empresa “Bc...”; negociação em separado do stock de materiais existente na “E..., Lda”, na ordem dos €189.000,00 (cento e oitenta e nove mil euros);

i)         Os documentos necessários à formalização do negócio foram elaborados por advogada, o que incutiu nos sócios de cada uma das empresas a aparência de bom negócio e zelo dos investidores;

j)         No referido dia 13 de Fevereiro de 2013, os arguidos CC e AA apresentaram-se junto dos sócios das empresas. AA identificou-se como “II” e assumiu-se como o adquirente das quotas de cada uma das ditas sociedades, em conformidade com os documentos que tinham sido elaborados por advogada;

k)         E naquele mesmo dia 13 de Fevereiro de 2013, em ..., foram assinados pelos sócios de cada uma das empresas os contratos de cessão de quotas respectivos, que já vinham elaborados, datados – com data de 12 de Fevereiro de 2013 - e assinados no espaço reservado ao outorgante “II”, figurando em todos eles como cessionário/outorgante, a pessoa de “II”, com o n.º identificação civil ...1 – pessoa que o arguido AA indicou ser;

l)         Como os ditos documentos escritos eram omissos quanto à questão da remoção de avais, e na sequência de tal omissão ter sido então suscitada por DD, um daqueles dois arguidos (CC ou AA) efectuou telefonema para a advogada, Srª Drª LL, que segundo informação que lhe foi transmitida, elaborou o documento intitulado “Aditamento ao contrato de cessão de quotas” datado de 12 de Fevereiro de 2013, que consta a fls. 61 dos autos, no qual foi feito constar, sob a cláusula 7ª que “O segundo outorgante, II, no prazo de 60 dias a contar da data da assinatura do contrato de cessão de quotas, terá que proceder à remoção dos avais reais que foram prestados pelos primeiros outorgantes, o Sr. DD e a Sra. EE para garantia dos pagamentos em nome da citada sociedade comercial”;

m)        Elaborado tal documento pela dita advogada, foi o mesmo digitalizado e enviado naquele mesmo dia para ..., para ser também assinado pelos cedentes e pelo cessionário, sendo que no lugar reservado a este último, AA escreveu com o seu próprio punho o nome do arguido II, sabendo que abusava da assinatura daquele e que assim enganava os ditos cedentes, que crendo que estavam perante a pessoa do cessionário, se convenceram do propósito real e sério dos arguidos;

n)        Foram também apresentados e entregues aos cedentes os documentos que se encontram a fls. 50 a 53 dos autos, que aqui se têm como reproduzidos, assinados pelo arguido II, na invocada posição de cessionário, e que encerram declaração sobre o valor dos contratos de cessão de quotas e prazo de pagamento (60 dias) aos cedentes;

o)        Pela forma e actuação descritas, os arguidos lograram criar a convicção nos sócios/alienantes de que os negócios eram sérios e credíveis, levando-os a dispor dos bens como descrito, não tendo qualquer daqueles três arguidos intenção de cumprir o que ficou plasmado nos contratos, antes tendo agido com a intenção de que os sócios dispusessem dos bens, de modo que lograssem obter realização monetária a seu favor;

p)        Assim, após a realização dos contratos, CC e AA passaram a executar a segunda parte do plano, que consistia em dissipar património das empresas, com a maior rapidez possível, revertendo a seu favor os valores daí resultantes;

q)        Enquanto isso, efectuavam manobras dilatórias para iludir os transmitentes, tendo dando ordem à contabilidade de modo a prover à realização das declarações fiscais e levaram os livros de atas para procederem às necessárias diligências tendentes à alteração, no registo, dos novos órgãos sociais e gerência;

r)         e em data não concretamente apurada do mesmo mês de Fevereiro de 2013, o arguidos CC deslocou-se à sede da E..., Lda e colocou um aviso na porta, informando que a empresa reabriria a 4 de Março de 2013, com nova gerência, e informou o trabalhador MM que pretendia que o mesmo continuasse ao serviço da referida sociedade, a partir de tal data, ficando de férias até então;

s)         e, ainda, na mesma altura, CC disse à sócia/alienante GG que pretendia que a mesma viesse a trabalhar ao serviço da empresa “E..., Lda”, a partir do dia 4 de Março de 2013, mediante salário na ordem dos € 700,00 mensais;

t)         Os arguidos CC e AA entraram na posse de cheques das empresas, das chaves dos imóveis, do inventário do stock existente, programas de facturação e documentos bancários e contabilísticos;

u)        Ainda em Fevereiro de 2013, depois do dia 13, o arguido CC disse a DD, que entregaria o valor de € 400.000,00, por conta do negócio, na semana de 25/02 a 01/03 de 2013;

v)         E na mesma altura, e pondo em marcha o desígnio de delapidar os valores das sociedades, aqueles arguidos diligenciaram pela deslocação da sede da “E..., Lda”, do camião com a matrícula ..-..-ZM, e uma carrinha ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-UA, que eram propriedade da empresa, que posteriormente venderam em seu proveito;

w)        Ainda no mês de Fevereiro, depois do dia 13, CC simulou diante de DD a realização dum telefonema para o Banco “Santander”, fazendo-lhe crer que estava a dar ordem de provisionamento das contas das empresas com milhares de euros.

x)         Naquele mesmo mês, sempre depois do dia 13, CC deslocou-se com FF à dependência de ... da Caixa Geral de Depósitos, onde se apresentou ao gerente da instituição como fazendo parte da nova administração da “Bc...”, referindo que se fosse necessário entregaria sete milhões de euros na semana seguinte;

y)         Entretanto, alguns credores das sociedades foram pressionando a obtenção de pagamentos, e CC prometia pagar as quantias reclamadas em datas posteriores;

z)         O arguido CC convenceu NN, promitente-comprador de um imóvel com fins comerciais (Fração ... do Condomínio  ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...20) e que tinha celebrado contrato promessa de compra e venda com a anterior gerência da “Bc...”, a reforçar a quantia entregue a título de sinal, obtendo, como contrapartida, a redução do preço do imóvel, tendo dele recebido, em consequência, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros);

aa)      A partir do final do mês de Fevereiro de 2013, o arguido CC procedeu à venda dos bens em “stock” no armazém da “E..., Lda…”, por preço inferior ao valor de mercado;

bb)      No dia 12/03/2013, o arguido CC telefonou a DD e indicou-lhe que estivesse no dia seguinte junto ao Banco Santander Totta, em ..., para lhe entregar o dinheiro dos stocks e parte do valor referente às cedências de quotas das sociedades de que fora sócio;

cc)       No dia seguinte, DD e FF apresentaram-se à hora marcada junto daquela instituição bancária, mas CC não compareceu;

dd)      Na sequência de contato telefónico estabelecido por iniciativa de DD, CC disse que o dia combinado para a entrega do dinheiro era o dia 14 de Março, e não o dia 13, do mesmo mês, e ficou de confirmar se tal entrega seria concretizada no dia seguinte, dia 14, o que não chegou a suceder, não tendo sido estabelecido qualquer outro contato com os alienantes das quotas, que não obtiveram qualquer pagamento;

ee)       Em data não concretamente determinada o camião da marca ..., com a matrícula ..-..-TN, propriedade da “El...”, foi levado de ... pelos arguidos CC e AA, que o venderam;

ff)        Para além de materiais da E..., Lda, dos veículos e dois empilhadores, CC e AA lograram concretizar a venda do imóvel onde estava instalado o armazém daquela sociedade, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...21, e inscrito na matriz urbana sob o n.º ...79 da Freguesia ... e ..., a OO, o que foi concretizado através de escritura pública datada de 17/04/2013, celebrada no Cartório Notarial das .... Foram intervenientes na escritura, Drª LL, na qualidade de procuradora, em representação da sociedade E..., Lda, e OO, na qualidade de adquirente;

gg)      OO adquiriu tal imóvel – com o valor patrimonial de € 297.710,63 - pelo preço de € 125.000,00, tendo entregue um cheque no valor de € 10.000,00, para princípio de pagamento, valor de que CC e AA se apropriaram;

hh)      Em consequência dos comportamentos descritos os arguidos CC e AA, apoderaram-se de valores globalmente não determinados, decorrentes da venda de bens das empresas que empreenderam, designadamente, de veículos, empilhadores, materiais de construção civil e do imóvel, como não entregaram qualquer quantia a DD, EE, FF, GG e HH, em contrapartida da cedência das quotas de cada uma das ditas sociedades, causando-lhes prejuízos concretamente não apurados mas seguramente superiores a € 20.400,00 (vinte mil e quatrocentos euros);

ii)        No dia 04/12/2014, encontravam-se em poder do arguido PP, na sua residência sita na Rua ..., nas ..., os seguintes objetos: - um livro de atas da sociedade “E..., Lda”; - um livro de atas da sociedade “El...”; - um livro de atas da sociedade “Bc...”; - um cartão de identificação da pessoa colectiva “Bc...”; - uma minuta de contrato, em que se assumiam como outorgantes “Bc...” e II”; - dois carimbos da sociedade “Bc...”; - um carimbo da sociedade “E..., Lda”.

jj)        Os arguidos CC, AA e II representaram a possibilidade de obterem vantagem económica em detrimento dos sobreditos ofendidos, tendo adotado os referidos procedimentos levando-os a crer, erroneamente, na fiabilidade dos negócios e, portanto, a dispor dos bens em seu benefício, sem que tivessem intenção de cumprirem esses mesmos negócios, tudo querendo e logrando concretizar tal como previamente arquitectaram.

kk)       As referidas actuações foram realizadas em concertação de meios e fins, em conluio entre os referidos três arguidos, todos sabendo e executando o seu papel na trama, conscientes das repercussões que as suas condutas teriam para o património alheio, do que não se abstiveram, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

ll)        Na prossecução do esquema enganoso que conceberam, e bem sabendo que não estavam dispostos a cumprir qualquer contrato celebrado em nome das empresas/sociedades adquiridas, mas antes obter vantagens patrimoniais em detrimento de outrem, os arguidos CC e AA, agindo em conjugação de esforços e intentos com II, celebraram contratos de prestação de serviços com a empresa “T..., S.A”, que se traduziram na entrega por parte desta de equipamentos móveis, de que aqueles se apoderaram.

mm)     Assim, no dia 14 de Maio de 2013, foram subscritos dois contratos de prestação de serviços com a T..., S.A, em nome da sociedade “El...”, neles tendo sido inscritos os dados de identificação pessoal de II, na qualidade de sócio gerente daquela, que os assinou, neles tendo ainda sido apostos o carimbo da mesma sociedade.

nn)      No dia 22 de Abril de 2013 foram subscritos quatro contratos de prestação de serviços com a “T..., S.A”, em nome da sociedade “E..., Lda”, neles tendo sido inscritos os dados de identificação pessoal de II, na qualidade de sócio gerente daquela, que os assinou, neles tendo ainda sido apostos o carimbo da mesma sociedade;

oo)      Os referidos contratos pressupunham, além do mais, que a empresa “T..., S.A” entregasse aos clientes empresariais no início do contrato vários equipamentos, com a consequente contraprestação de um valor monetário inicial, sendo que o restante devido por esses bens seria amortizado ao longo de todo o período de fidelização;

pp)      Os sobreditos arguidos, que não pretendiam honrar tais compromissos, mas apenas apoderar-se dos referidos equipamentos, criaram a convicção na empresa T..., S.A, que seriam co-contratantes sérios, ainda que tudo não passasse de um ardil, pois, quando os equipamentos, alguns dias depois da subscrição do contrato foram entregues na morada indicada para o efeito: “Rua 31 de Janeiro, 25 B”, o arguido CC entregou dois cheques para pagamento do valor inicial acordado, nos quais constava uma assinatura correspondente ao nome de II, na invocada qualidade de sócio-gerente de cada uma das ditas sociedades, a saber: a) um cheque no valor de € 1.960,26, com data de 23/05/2013, a sacar sobre a instituição “Millennium BCP”, e em que se assume como sacadora a sociedade “E..., Lda”; b) um cheque no valor de € 3.419,30, com data de 05/05/2013, a sacar sobre a instituição “Millennium BCP”, e em que se assume como sacadora a sociedade “E..., Lda”;

qq)      O cheque, no valor de €1.960,26, foi apresentado a pagamento a 03/06/2013, e devolvido na compensação do Banco de Portugal na mesma data, por falta de provisão, não recebendo a T..., S.A o valor correspondente;

rr)       O cheque, no valor de €3419,30, foi apresentado a pagamento a 08/05/2013, e devolvido na compensação do Banco de Portugal a 09/05/2013, por falta de provisão, não recebendo a T..., S.A o valor correspondente.

ss)       Em consequência das descritas condutas, a T..., S.A entregou equipamentos no valor global de €13.944,60, cujo valor não recebeu, designadamente: - Doze “...”, no valor unitário de €599,90; - Dois “...”, no valor unitário de €689,90; - Cinco “...”, no valor unitário de €799,90; - Três “...”, no valor unitário de €69,90; - Dois “...”, no valor unitário de €179,90; - Dois “... 131 21.6”, no valor unitário de €79,90; - Cinco ...”, no valor unitário de €99,90; - Três ...”, no valor unitário de €45,90.

tt)        Um dos telemóveis marca ... foi entregue pelos arguidos CC e AA a II, que dele se apoderou, integrando-o no seu património; o restante equipamento foi objecto de apropriação por parte dos arguidos CC e AA;

uu)      Os arguidos CC, AA e II representaram a possibilidade de obterem vantagem económica em detrimento da sociedade “T..., S.A”, para o que puseram em prática o sobredito esquema, levando aquela empresa a crer, erroneamente, na fiabilidade dos negócios contratados, que nunca tiveram intenção de cumprir, querendo e logrando concretizar por essa via a apropriação do dito material, de que passaram a dispor em respectivo benefício e com o correspondente prejuízo da T..., S.A, que não obteve o pagamento do mesmo.

vv)       Agiram em concertação de meios e fins, conluiados entre si, sabendo e executando o seu papel na trama, conscientes das repercussões que as suas condutas teriam, desde logo, para o património alheio, do que não se abstiveram.

ww)     Sabiam que através dos referidos cheques não seria realizada a satisfação de qualquer valor.

xx)       Agiram os arguidos de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram criminalmente punidas;

yy)       Entre Março e Abril de 2013, na sequência de contatos estabelecidos pela sociedade “O..., Lda”, com o arguido CC, este propôs adquirir-lhe bens para a E..., Lda, cujo pagamento nunca teve intenção de efetivar.

zz)       O arguido CC encomendou e foram entregues vários computadores, uma fotocopiadora, uma impressora, e outros materiais, que foram facturados, nos seguintes termos: - factura n.º ...38, datada de 25/03/2013, no valor de €7.235,57; - factura n.º ...39, datada de 25/03/2013, no valor de €3.158,64; - factura n.º ...65, datada de 08/04/2013, no valor de €7.995,00.

aaa)    Para pagamento de tais valores, o arguido CC entregou quatro cheques, constando em cada um deles uma assinatura que correspondia ao nome de “II”, e com as seguintes indicações: - cheque no valor de € 3.158,00, com data de 03/04/2013, a sacar sobre a instituição “Millennium BCP”, e em que se assume como sacadora a sociedade “E..., Lda”; - cheque no valor de € 7.235,57, com data de 03/04/2013, a sacar sobre a instituição “Millennium BCP”, e em que se assume como sacadora a sociedade “E..., Lda”; - cheque no valor de € 6.027,00, com data de 03/04/2013, a sacar sobre a instituição “Millennium BCP”, e em que se assume como sacadora a sociedade “E..., Lda”; - cheque no valor de € 2.583,00, com data de 02/04/2013, a sacar sobre a instituição “Millennium BCP”, e em que se assume como sacadora a sociedade “E..., Lda”.

bbb)    Os cheques foram apresentados a pagamento e devolvidos na compensação do Banco de Portugal por irregularidade do saque.

ccc)     O arguido CC sabia que através dos ditos cheques não era possível realizar a satisfação de qualquer valor.

ddd)    A sociedade “A. A..., Ldª” tem por objecto a realização de trabalhos e projectos na área da electricidade, tendo prestado serviços à empresa “C..., Lda”, do que resultou uma dívida não pontualmente paga, e que levou a primeira a instaurar ação executiva em Março de 2013 contra aquela sociedade, e também contra QQ, que na qualidade de sua sócia gerente avalisou os cheques apresentados à execução, correndo tal processo no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Execução ..., Juiz ..., sob o nº 65/13....;

eee)     No âmbito dessa execução foi penhorado o veículo automóvel com matrícula ..-..-PE registado em nome de QQ.

fff)       No dia 15 de Julho de 2013, a agente de execução e a mandatária da exequente pretendiam apreender a documentação de identificação do veículo, até que, contatando com QQ junto ao Tribunal ..., a mesma lhes transmitiu que a sociedade “C..., Lda” tinha sido alienada e que os novos sócios estavam dispostos a satisfazer a dívida, pelo que deveriam ir todos às ..., a fim de se realizar uma reunião;

ggg)    na qual estiveram os arguidos CC, AA e PP, este último na qualidade de adquirente e sócio-gerente da “C..., Lda”.

hhh)    Os arguidos CC e PP entregaram, então, aos representantes da sociedade “A. A..., Ldª”, um cheque da instituição “Millennium BCP”, no valor de € 28.422,95, correspondente ao valor da quantia exequenda, cuja sacadora figurava como sendo a sociedade “E..., Lda”, bem como uma “Declaração” subscrita pelo arguido PP, com o seguinte teor: “(…) Eu, PP, contribuinte ..., na qualidade de gerente, com poderes para o acto da sociedade C..., Lda NIPC ..., declaro que entreguei o cheque da empresa E..., Lda para garantir o recebimento do credor da C..., Lda, A..., Ldª, no valor de € 28422,95 de modo a proceder ao pagamento do Processo Executivo com o número 65/13....”.

iii)       O arguido CC pediu para que o cheque fosse depositado em data não determinada, mas inferior a uma semana;

jjj)       A sociedade “A..., Ldª” apresentou cheque a depósito, o qual foi devolvido em 22/07/2013, além do mais, por falta de provisão.

kkk)     Os arguidos CC e PP sabiam que não era possível realizar a satisfação do valor aposto no cheque.

lll)       Agiram de comum acordo e de forma concertada um com o outro.

(...)

D - Os arguidos CC e AA foram igualmente condenados no Proc. nº 20/14...., por factos praticados em Março de 2014, por decisão proferida em 14.1.2018, transitada em 15.01.2019, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses (cada um deles) pela prática do crime de burla qualificada p.p. pelos artºs 217º nº 1 e 218º nº 2 al. a) ambos do C.P, pelos seguintes factos:

1.         Em data não concretamente apurada, os arguidos AA e CC, decidiram unir os seus esforços e urdir um plano destinado a obter rendimentos e aumentar o seu património.

2.         Assim, decidiram adquirir a S... Lda., sociedade cujo objeto social é a compra e venda de terrenos, construção, compra e venda de edifícios, execução de obras de urbanização, obras públicas em geral, incluindo redes elétricas de alta e baixa tensão, redes de águas, redes de saneamento, redes telefónicas, redes de gás, redes radioelétricas, trabalhos de carpintaria, caixilharias em alumínio e PVC, pinturas, revestimentos, estruturas especiais, quer em ferro quer em betão armado e montagem e desmontagem de andaimes, cujo capital social totalmente realizado em dinheiro é de trezentos mil euros, representado por duas quotas iguais de valor nominal de cento e cinquenta mil euros, cada, de cada um dos sócios, RR e SS.

3.         Sabiam estar esta sociedade em situação económica difícil mas ainda titular de património imobiliário, nomeadamente, prédios urbanos de moradias para habitação construídas e em construção, bem como, lotes de terreno e prédios rústicos.

4.         De entre esses bens, escolheriam alguns que se encontrassem livres e desonerados de garantias, para depois serem vendidos a outras entidades canalizando o valor da venda para os arguidos e não para a sociedade, sendo esse o respetivo lucro.

5.         Para ficarem na posse da empresa sem quaisquer custos, os arguidos AA e CC reuniram-se com RR e SS e ofereceram-se para pagar as dívidas desta sociedade, ao Millennium BCP, em montante aproximado de €3.000.000 (três milhões de euros).

6.         Ficando com o seu património em troca desse pagamento e dizendo existir um investidor estrangeiro interessado em recuperar a sociedade.

7.         Perante o que lhes foi dito pelos arguidos AA e CC e conjugando com o facto de a sociedade estar em dificuldades financeiras, RR e SS acreditaram na proposta apresentada por estes.

8.         Assim, conseguiram os arguidos AA e CC um acordo com os representantes legais da S... Lda.

9.         Então, referiram pretender ter a gerência da sociedade, dizendo assim melhor poder negociar a sua posição com a banca credora, indicando a quem a mesma seria entregue, na pendência do contrato promessa de cessão de quotas;

10.       Para tal contactaram o arguido TT para desempenhar as tarefas que lhe fossem dadas, designadamente, dando o seu nome para a gerência da sociedade, aparecendo a terceiros quando exigido e praticando atos de gestão respetiva, sempre sob as ordens dos arguidos AA e CC, o que este aceitou.

11.       Nessa sequência, em 20/02/2014 o arguido TT foi nomeado gerente desta sociedade.

12.       Na execução do plano traçado, o arguido TT, formalmente o legal representante da vendedora S... Lda., celebrou a escritura de compra e venda dos seguintes prédios rústicos: prédio rústico denominado "A...", sito na freguesia ..., sob o artigo ... da secção ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o no ... e o prédio rústico denominado "V...", sito na freguesia ..., sob o artigo ... da secção ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o no .../ ..., em 19 de Março de 2014, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial do ..., da Notária UU, figurando como comprador o arguido VV.

13.       Pelo valor escriturado e a ser pago em numerário no montante de oitenta e três mil euros (€83.000), e contra a entrega de uma viatura com a matrícula ..-1.1-.., marca ... — ..., avaliada em vinte e dois mil euros (€ 22.000).

14.       Em 13/8/2008 os prédios denominados "A..." e "V..." foram adquiridos pela S... Lda. através de escritura de permuta e nela foi-lhes atribuído o valor de 225 000,00 € (duzentos e vinte e cinco mil euros) e 725 000,00 € (setecentos e vinte e cinco mil euros) respectivamente.

15.       O cheque no valor de 83 000,00 € (oitenta e três mil euros) entregue para pagamento do preço referido foi apresentado a pagamento e levantado pelo arguido TT.

16.       No dia 19/03/2014, o arguido VV por escritura pública outorgada no Cartório Notarial do ..., vendeu os prédios "A..." e "V..." à firma Si... SA representada por WW e pelo preço de 27 000,00 € (vinte e sete mil euros) e 79 000,00 € (setenta e nove mil euros) respectivamente.

17.       Em data próxima mas anterior a 07/04/2014, o arguido AA acordou e vendeu o veículo de matrícula ..-1.1-.. a XX pelo valor de dezasseis mil e quinhentos euros (€ 16.500), ficando este arguido na posse de tal montante.

18.       Data a partir da qual o veículo automóvel de matrícula ..-1.1-.. passou em termos de registo da titularidade de YY para a titularidade de XX.

19.       Na execução do mesmo plano, o arguido TT, formalmente o legal representante da vendedora S... Lda., e nessa qualidade, celebrou em 28 de Março de 2014 no supra referido Cartório Notarial do ..., da Notária UU, a escritura de compra e venda do prédio urbano composto de lote de terreno para construção de um armazém, na Rua ..., ..., freguesia ..., em ..., inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...10 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o no .../ ..., pelo preço de 55 000.00 € (cinquenta e cinco mil euros) declarados já recebidos à data pelo legal representante da S... Lda., o arguido TT, sendo comprador o arguido VV.

20.       O prédio referido em 19).- corresponde a um lote de terreno para construção de um armazém, na Rua ..., ..., freguesia ..., em ....

21.       O arguido VV pagou em cheque à ordem da S... Lda. O respectivo preço.

22.       O valor proveniente das vendas não foi utilizado para o pagamento das dívidas da S... Lda.

23.       Os arguidos AA e CC dedicaram-se à prática dos actos supra descritos, fazendo crer que geririam a S... Lda. de modo a resolver os seus problemas económico-financeiros.

24.       Para tanto contactaram o arguido TT para ocupar o lugar formal de representante legal da empresa.

25.       Os arguidos AA, CC e TT agiram indiferentes ao carácter proibido das suas condutas, aos prejuízos por elas causados e à situação de descapitalização e oneração causada à empresa S... Lda. por estes utilizada, tendo sempre agido concertadamente e com o conhecimento e concordância dos demais, os quais aceitaram e quiseram tais condutas, com o propósito conseguido de obterem lucro económico com as mesmas;

26.       Os arguidos AA, CC e TT conheciam perfeitamente as falsidades que uns e outros foram apresentando, com a intenção de, com esses artifícios, iludir os ofendidos RR e SS, enquanto legais representantes e proprietários da S... Lda. convencendo os mesmos, a entregar-lhes a gestão da empresa e dos respectivos activos, conscientes de que, sem esses logros, nunca lhes seriam os mesmos confiados.

27.       Agiram de modo livre, voluntário e consciente, com o propósito concretizado de, através da aparência de verdade de histórias por eles inventadas, fazer crer aos ofendidos que lhes resolveriam os problemas económico-financeiros da empresa ou concretizariam os negócios fazendo entrar valor na empresa.

28.       Nunca os arguidos AA, CC e TT tiveram intenção de entregar aos ofendidos os valores por estes disponibilizados.

29.       Os arguidos AA, CC e TT fizeram suas as quantias supra descritas, a que sabiam não ter direito, querendo causar prejuízos aos ofendidos sociedade S... Lda., RR e SS, o que conseguiram.

30.       Mais sabiam os arguidos AA, CC e TT que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

E - Nos autos nº 743/13...., por factos praticados entre 12/02/2013 e 1/04/2014, os arguidos CC e AA foram condenado por decisão de 16/01/2017, transitada em 13/12/2018 pela prática:

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218º, n.ºs 1 e 2al. b), do Código Penal [ofendida Bh... ponto II) na pena de 3 anos de prisão;

- um crime de burla qualificada, p e p. pelos artºs 217 nº 1 e 218º nºs 1 e 2 ,al. b), do Código Penal [ofendida Bh... ponto III) na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.0 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal [ofendida Bh... ponto IV) na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal [ofendida Bh... ponto V) na pena de 3 anos de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal [ofendida I... ponto VI) na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida Mm... ponto VII) na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida R... ponto VIII) na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida P... ponto IX) na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida I... ponto X) na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida V... ponto XI) na pena de 3 anos de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida Sa... ponto XII) na pena de 2 anos e 9 meses de prisão;

 - um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida M... ponto XIII) na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida M... ponto XIV) na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida O... ponto XV) na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida X... ponto XVI) na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendidos ZZ e P... S.A ponto XVII) na pena de 2 anos e 9 meses de prisão;

- um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, ai. d), do Código Penal [ofendidos ZZ e P... S.A ponto XVII) na pena de 9 meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida L... ponto XVIII) na pena de 3 anos de prisão;

- um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, al. d), do Código Penal (ofendida L... ponto XVIII) na pena de 1 ano de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida Ci..., Lda ponto XIX) na pena de 3 anos de prisão;

- um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11 n.º 1 al. a) do DL 454/91 na redação introduzida pelo DL 316/97 de 19/11 e 323/2001 de 17.12 [ofendida F... ponto XX) na pena de 2 anos de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida D...lda ponto XXI) na pena de 2 anos e 9 meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida Pr...) na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida Cv... ponto XXIII) na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida AAA ponto XXIV) na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (ofendida Bi... ponto XXV) na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

- Apenas o arguido CC, pela prática, em autoria material, singular de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), do Regime Jurídico das Armas e Munições (ponto XXVIII) na pena de 1 ano e 3 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) anos e 7 (sete) meses de prisão efectiva para o arguido CC, e na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva, para o arguido AA, pelos seguintes factos:

1.         Em data não concretamente apurada, os arguidos AA, CC e PP, de comum acordo e em conjugação de esforços e vontades, formaram a decisão de adquirir as empresas Sn..., Lda, Ca..., Lda.. e Ci..., Lda. todas em situação económica difícil, mas ainda com património e alguma credibilidade no mercado e servirem-se delas para adquirir bens a terceiros, os quais seriam pagos com cheques pertencentes a contas tituladas por tais empresas, todos eles sem provisão, passando as dívidas daí resultantes a onerar o nulo património dessas empresas, entretanto dissipado pelos arguidos.

2.         Tais bens seriam depois vendidos a outras entidades, por preços abaixo do seu valor de mercado, sendo esse o lucro dos arguidos.

3.         Para ficarem na posse dessas empresas sem quaisquer custos, os arguidos CC, AA e PP ofereceram-se para pagar as suas dívidas, designadamente ao Estado, ficando com o seu património em troca desse pagamento.

4.         Tal pagamento seria efetuado mediante cheques sem provisão, aproveitando-se os arguidos CC, AA e PP do lapso temporal desde a sua entrega até ao seu depósito e descoberta da falta de provisão para concretizar a aquisição das empresas e deslocarem o seu património para onde lhes conviesse, descapitalizando-as de imediato.

5.         Para que o seu plano resultasse, os arguidos CC, AA e PP contactaram os arguidos BBB e CCC, ambos jovens desempregados conotados com o consumo de estupefacientes.

6.         Com a promessa de lucros e reduzido esforço laboral e vendo nisso uma maneira de melhor satisfazerem os seus hábitos aditivos, estes acordaram prestar auxílio ao plano;

7.         Para desempenhar as tarefas que lhes fossem dadas pelos demais, designadamente, as de "testas-de-ferro", dando o seu nome para a gerência das sociedades, aparecendo a terceiros quando exigido e assinando os cheques que os arguidos CC, AA e PP lhes entregassem para esse efeito;

8.         A fim de terem um local onde os bens adquiridos pudessem ser entregues sem levantar suspeitas, o arguido CC contactou DDD com o objetivo de arrendar o armazém sito na Rua ..., ..., em ...;

9.         Por ocasião da celebração do contrato de arrendamento, ficaram como arrendatários o arguido CC e EEE e a sociedade Ca..., Lda., a qual havia sido adquirida pelos arguidos para servir de fachada à sua actividade;

10.       A partir de 12 de Fevereiro de 2013, II foi nomeado gerente da El....

11.       O arguido CC na companhia do arguido BBB, encontrou-se com FFF e propôs-lhe a compra da sua empresa, denominada Sn..., Lda., pelo valor das respetivas quotas (€ 5 000), o que aquele aceitou;

12.       Em Maio de 2013, foi celebrada a escritura respectiva.

13.       O arguido BBB foi nomeado gerente em 15/05/2013 e recebeu o livro de actas e um livro de cheques comerciais com mais de 100 unidades, pertencentes à conta daquela empresa no Crédito Agrícola de ..., ....

14.       O arguido CCC foi nomeado gerente em 25/07/2013 dessa sociedade e o arguido PP foi nomeado na mesma qualidade em 30/09/2013;

15.       Em 12 de Agosto de 2013, o arguido CC, intitulando-se gerente da sociedade Sn..., Lda, contactou a ofendida Bh...., solicitando um orçamento para a aquisição de 30 armários metálicos para serviço de incêndios com a descrição B... ... e de 20 armários metálicos com características semelhantes mas com a descrição B... ...;

16.       Tal orçamento foi enviado em 13 de Agosto de 2013, com o valor de € 9450,00;

17.       Na sequência desse orçamento, o arguido CC solicitou um orçamento para aquisição de extintores de incêndio, de 2 Kg, 5 Kg e 6 Kg o qual foi remetido em 14 de Agosto de 2013, sendo apresentado o valor de € 3210,30;

18.       Os dois orçamentos foram aceites pelo arguido CC em 14 de Agosto de 2013;

19.       Dizendo ainda pretender que fossem os vendedores a entregar a mercadoria e o pagamento ser feito a 30 dias, mediante cheque pré-datado.

20.       As condições impostas pelo arguido foram aceites no dia 16 de Agosto de 2013, quer para os extintores, quer para os armários metálicos.

21.       Tais bens foram entregues pela transportadora R... no local indicado pelo arguido CC, o armazém sito na Rua ..., ..., em ..., em 11/09/2013.

22.       Para seu pagamento, no valor total de € 14 649,30, o arguido CC assinou, emitiu e entregou o cheque n.0 ...96, pertencente à conta da sociedade Sn..., Lda no balcão de ..., ..., do Crédito Agrícola.

23.       Contudo, ao invés de colocar a data da entrega, o arguido CC colocou a data de 19/09/2013.

24.       Ainda no dia 16/08/2013, o arguido CC contactou novamente a ofendida Bh..., solicitando novo orçamento para mais 25 armários metálicos com a descrição B... ... e outros 25 com a descrição B... ....

25.       Tendo-lhe sido apresentado um orçamento no valor de € 9960, o arguido CC disse aceitá-lo e, uma vez mais, solicitou que fossem os vendedores a encarregar-se da entrega.

26.       Tal mercadoria foi enviada para a transportadora R... e por esta entregue no mesmo armazém, em 21 de Agosto de 2013.

27.       Para pagamento da respectiva factura, no valor total de € 14 078,58, o arguido CC assinou, emitiu e entregou o cheque n.0 ...97, pertencente à conta da sociedade Sn..., Lda no balcão de ..., ..., do Crédito Agrícola, datando-o de 23/10/2013;

28.       No dia 17/08/2013, vendo que a ofendida Bh... continuava a confiar na sua seriedade e da sociedade Sn..., Lda, o arguido CC pediu novo orçamento, para aquisição de 66 extintores de 2 kg;

29.       O orçamento foi enviado pela ofendida Bh... no mesmo dia, mas com a indicação de apenas ter em stock 20 extintores; o arguido CC disse aceitá-lo, pretendendo a entrega imediata desses 20 extintores e aceitando esperar uma semana pelo envio dos restantes 46;

30.       Assim, em 23 de Agosto de 2013, a transportadora R... entregou os 20 extintores no armazém, tendo o arguido CC assinado, emitido e entregue o cheque n.0 ...00, no valor de €897,90, datado de 25/09/2013, pertencente à conta da sociedade Sn..., Lda no balcão de ..., ..., do Crédito Agrícola.

31.       No dia 28 de Agosto de 2013 foram entregues no mesmo armazém os restantes 46 extintores, tendo o mesmo arguido assinado, emitido e entregue o cheque n.0 ...01, no valor de € 2 052,87, datado de 29/9/2013, pertencente à conta da sociedade Sn..., Lda no balcão de ..., ..., do Crédito Agrícola;

32.       Em 29 de Agosto de 2013 0 arguido CC contactou uma vez mais a ofendida Bh..., desta feita solicitando um orçamento para a aquisição de 100 extintores de 2 kg e 100 extintores de 6 kg.

33.       Tendo o orçamento sido enviado, no mesmo dia, pelo valor de € 7490,70, o arguido CC disse aceitá-lo, pedindo que a entrega fosse feita no mesmo local.

34.       Mais disse pretender devolver 25 armários metálicos e 75 válvulas esfera e adquirir outro material em sua substituição, composto por carretéis e válvulas.

35.       Assim, foi emitida pela ofendida Bh... a nota de crédito n.0 13029/2013, no montante de € 6 611,25, datada de 04/09/2013, para descontar no valor dos 200 extintores, no montante de € 7490,70, e da restante mercadoria, no valor de € 9 028,20;

36.       Toda essa mercadoria foi entregue no dia 04 de Setembro de 2013, no mesmo armazém, tendo sido entregue para seu pagamento o cheque n.0 ...06, pertencente à conta da sociedade Sn..., Lda no balcão de ..., ..., do Crédito Agrícola, assinado pelo arguido CC e datado de 30/09/2013, no valor € 9907,65;

37.       Quanto aos bens constantes da nota de crédito, não foram devolvidos.

38.       No dia 05 de Setembro 2013 0 arguido CC voltou a contactar a ofendida Bh..., pedindo um orçamento respeitante a extintores e lanços de mangueira.

39.       Tendo o orçamento sido remetido na mesma data, o mesmo arguido aceitou, tendo a mercadoria sido entregue no armazém ainda no decurso desse dia, entregando o arguido CC o cheque n.0 ...20, no valor de € 8124,15, datado de 30/09/2013, pertencente à conta da sociedade Sn..., Lda no balcão de ..., ..., do Crédito Agrícola.

40.       Ainda na mesma data, o arguido CC pediu um novo orçamento, para a aquisição de mais 400 extintores, no valor de € 15 006,00.

41.       Começando a desconfiar que algo estaria errado e tendo obtido informações bancárias nesse sentido, a ofendida Bh..., através do seu funcionário GGG, contactou telefonicamente o arguido CC, exigindo a exibição de comprovativo do pagamento dos € 15 006,00 e das quantias de € 7490,70, € 9028,20 e €8124,15, uma vez que quanto a estas últimas o pagamento deveria ter sido imediato e não com cheques pré-datados;

42.       O arguido CC comprometeu-se com GGG em resolver tudo o que faria através de uma transferência bancária na manhã seguinte, com a condição de no decurso dessa mesma manhã lhe serem entregues os 400 extintores em falta;

43.       Os 400 extintores foram entregues, mas o arguido CC não efetuou qualquer transferência bancária e quem recebeu os 400 extintores fez-se passar por outra pessoa, assinando o comprovativo da recepção da mercadoria com o nome "HHH" e o n.0 de identificação ..., encontrando-se também presente o arguido AA.

44.       A fim de cobrar a quantia em dívida o funcionário da ofendida Bh..., GGG, deslocou-se ao armazém sito na Rua ..., ..., onde foi recebido pelo arguido PP que nada pagou e lhe deu o contacto do CC.

45.       No dia 13 de Setembro de 2013, um dos arguidos, fazendo-se passar por III, enviou mensagem de correio electrónico à ofendida Bh..., alegando que a sociedade Sn..., Lda tinha os pagamentos em dia e estava no mercado há mais de 20 anos, sem que alguém lhe tivesse denegrido tanto a imagem;

46.       Apresentados a pagamento, nenhum dos cheques entregues à ofendida Bh... foi pago, tendo todos sido devolvidos por falta de provisão;

47.       Parte dos bens adquiridos à Bh... foram vendidos através da sociedade El... pelo preço de 20 910,00 € e à sociedade G..., Lda., pelo preço de € 17 220, abaixo do preço de mercado tendo as negociações também sido conduzidas pelo arguido CC, o qual também se encarregou da entrega da mercadoria juntamente com outro dos arguidos, documentos estes que comparados com as facturas da Bh... se conclui que foram vendidos a preço inferior; a conclusão de que o arguido FFF também conduziu as negociações e entregou a mercadoria, resulta do contexto em que o mesmo se encontrava envolvido em todo este negócio.

48.       Nos cheques emitidos pelo arguido CC, o mesmo disfarçou sempre a sua assinatura, fazendo-a corresponder à que constava da ficha de assinaturas do Banco.

49.       No início do mês de Agosto de 2013, JJJ, sócio da sociedade I..., Lda., com sede na ..., ..., foi contactado telefonicamente pelo arguido CC;

50.       Pretendia comprar uma impressora multifunções a laser e uma máquina de produção de carimbos;

51.       No seguimento desse contacto, a I... veio a entregar uma proposta de compra directamente ao arguido CC, num escritório localizado na Rua ..., em ....

52.       Dias depois, o arguido CC disse aceitar a proposta e pediu que a mercadoria fosse facturada em nome de Sn..., Lda, o que veio a acontecer.

53.       No dia 28 de Agosto de 2013, a I... entregou a impressora multifunções a laser (Multifuncional ...) e a máquina de produção de carimbos (...), num escritório localizado na Rua ..., ..., ..., em ..., que foram recepcionadas pelo arguido PP.

54.       Para pagamento deste equipamento, cujo valor é de € 2 216,46, o arguido PP entregou-lhe o cheque pré-datado n....14, que já estava preenchido e assinado, da C..., titulado pela Sn..., Lda., no valor de € 2 216,46.

55.       Este cheque veio a ser depositado em data que acordaram e viria a ser devolvido com a indicação de "falta/ insuficiência de provisão".

56.       Após o que, JJJ contactou várias vezes o arguido CC, mas este foi sempre protelando o pagamento.

57.       No mês de Agosto de 2103, o arguido CC contactou a Mm...., dizendo que pretendia comprar resmas de papel A4 da marca ....

58.       Após combinarem o preço da mercadoria, uns dias depois, na Rua ..., ..., em ... foram entregues 200 resmas da mercadoria encomendada e recebido como forma de pagamento o cheque da C... n ...02 titulado em nome da firma Sn..., Lda, no valor de € 2706,00.

59.       No dia seguinte, foram entregues mais 100 resmas da mercadoria encomendada e recebido outro cheque dessa sociedade no valor de € 1353,00.

60.       Ambos os cheques, após serem apresentados a desconto, vieram devolvidos com indicação de 'falta de provisão".

61.       Em Agosto de 2013, um dos arguidos contactou, em nome da sociedade Sn..., Lda, a sociedade R..., Lda. para a venda de 1080 resmas de papel ....

62.       No seguimento desse contacto, a R..., Lda.. entregou as 1080 resmas solicitadas na Rua ..., ..., em ..., no valor total € 3440,56.

63.       Dias depois, KKK, sócio-gerente da empresa vendedora, pediu à sua irmã, LLL, que recolhesse o cheque no valor da mercadoria vendida.

64.       Tendo-lhe sido entregue pelo arguido CC um cheque da C... titulada pela Sn..., Lda., com o dobro do valor da venda e nova nota de encomenda de 1080 resmas de papel.

65.       Antes do envio de nova remessa de mercadoria, KKK apresentou o cheque a desconto, o qual veio a ser devolvido com indicação de "cheque sem provisão".

66.       No início do mês de Agosto de 2013, a Pm..., S.A. foi contactada por um dos arguidos, dizendo chamar-se CCC e ser gerente da Sn..., Lda., com sede na Rua ..., ..., em ..., para a prestação de serviço de água, café e higiene.

67.       No dia 13 de Agosto de 2013, celebraram o contrato com o envio do mesmo através de e-mail assinado pelo arguido CCC.

68.       O técnico da Pm..., S.A., MMM, dias depois, deslocou-se à Rua ..., ..., em ..., onde instalou os equipamentos requisitados, no valor de € 1 150,00.

69.       No final do mês, um funcionário da Pm..., S.A. deslocou-se ao mesmo local a fim de repor o stock e foi-lhe entregue como forma de pagamento pelo serviço prestado o cheque da C... n....23, titulado em nome da Sn..., Lda., no valor de € 618,18.

70.       Este cheque, após ter sido apresentado a desconto na data acordada, veio devolvido com a indicação de "falta de provisão".

71.       Do serviço prestado, apenas foi paga uma entrega de café, no valor de € 35, lesando a Pm..., S.A. no montante de € 1833,00.

72.       Um dos arguidos contactou a V..., através do comercial ..., no sentido de virem a realizar um negócio de venda de equipamentos e de prestação de serviços para a sociedade Sn..., Lda

73.       O contrato foi celebrado em 06/08/2013, com o arguido CC, em ..., com a assinatura do gerente da sociedade, o arguido CCC, para a compra de 14 ..., no valor total de € 8 384,05.

74.       Os equipamentos foram entregues na Rua ..., ..., em ....

75.       Como forma pagamento vieram a receber dois cheques da C... titulados em nome de Sn..., Lda, relativos à conta nº....15, nos valores de € 1 883,51 e € 2 437,61 e que, apresentados a desconto, vieram a ser devolvidos com indicação de "cheques sem provisão".

76.       Para além dos equipamentos, os arguidos utilizaram serviços telefónicos da V... no montante de €14.909,79, referentes à prestação de serviços telefónicos, não procedendo ao respectivo pagamento.

77.       Em data não concretamente apurada de meados de Agosto de 2013, o arguido AA veio a vender esses mesmos 14 ... a NNN por valor não apurado, mas muito inferior ao seu custo.

78.       No dia 12 de Agosto de 2013 0 arguido CC, através do endereço de email ...@gmail.com, solicitou um orçamento à empresa Sa..., com sede em ..., ..., para aquisição e produtos de higiene.

79.       Tal orçamento foi-lhe remetido no dia 16 de Agosto de 2013, tendo este arguido dito que o aceitava.

80.       Desde então foram feitas quatro entregas de material no armazém sito na Rua ..., ..., nos valores de € 4187,54, € 1405,15, € 5405,80 e € 883,85, encontrando-se presente o arguido CC.

81.       Para pagamento das três primeiras, o arguido CC entregou outros tantos cheques pré-datados da sociedade Sn..., Lda, todos eles devolvidos por falta de provisão.

82.       Para pagamento da última nada entregou, justificando pretender fazer o pagamento conjuntamente com a encomenda seguinte, a qual não veio a concretizar-se.

83.       Em Setembro 2013, alguém, afirmando-se gerente da sociedade Sn..., Lda, contactou através de email a sociedade M... Equipamentos de Proteção Individual, Lda. para a venda de equipamento de proteção.

84.       No seguimento desse contacto, a M... veio a remeter através dos CTT ... a mercadoria solicitada no valor total de € 5 465,16, entregue na Rua ..., ..., ..., em ....

85.       Como forma de pagamento, receberam um chegue da C... titulada pela Sn..., Lda..

86.       O arguido CC, dizendo ser sócio-gerente da firma Sn..., Lda em Setembro de 2013, estabeleceu contacto com a sociedade M..., localizada na Rua ..., .... - cf fls 1512 e 1514 (daqueles autos).

87.       No dia 23/09/2013 acordaram na venda de diversas unidades de frio, designadamente arcas e frigoríficos, no valor total de € 9 251,42. - cf fls 1511 (daqueles autos).

88.       Após o acerto do valor e forma de pagamento (através de transferência), a mercadoria viria a ser entregue em 24/ 09/2013, na Rua ..., ..., em ..., pelo funcionário daquela, HH. - cf fls 1511 (daqueles autos).

89.       Contudo, um dos arguidos alterou a forma de pagamento acordada e entregou a HH um cheque titulado pela Sn..., Lda. da C... da dependência de ..., ..., com o n.º ...15, relativo à conta n ...15, que após ter sido presente a desconto veio devolvido com a indicação de "falta de provisão".

90.       Em 11 de Outubro de 2013, a Oc..., S.A., após ter sido contactada por um dos arguidos que se identificou por OOO, vendeu diversos equipamentos de protecção, nomeadamente extintores, sinalética e de protecção, no valor total de € 11 748,17 à sociedade Sn..., Lda

91.       Assim, a O..., localizada na Quinta ..., ..., ..., enviou tal equipamento para a Rua ..., ..., ..., ..., aí sendo recebida pelos arguidos.

92.       Como forma pagamento entregaram àquele o cheque n.0 ...56 da C... da dependência de ..., ..., titulado em nome da Sn..., Lda. no valor de € 10 976,01, ficando o restante montante a ser pago através de transferência bancária, que não chegou a ser realizada.

93.       Tal cheque, após ter sido presente a desconto, veio devolvido com a indicação de "saque irregular".

94.       Entre 30 de Junho de 2013 e 21 de Outubro de 2013, EEE foi gerente de direito da sociedade Ca..., Lda., com sede em ..., apesar de na prática a mesma ser gerida pelos arguidos CC, AA e PP. - cf contrato de fls 178; que eram os 3 arguidos que geriam esta sociedade é o que resulta da fundamentação aos factos vertidos no ponto I.

95.       No dia 25 de Outubro de 2013, após tomar conhecimento de um potencial comprador, o arguido CC, intitulando-se promotor imobiliário da empresa imobiliária P... S.A mostrou ao ofendido ZZ vários imóveis do empreendimento ....

96.       No dia seguinte, o ofendido ZZ deslocou-se ao escritório sito na Rua ..., em ..., indicado pelo arguido CC como pertencendo à imobiliária, tendo sido recebido pelo arguido BBB.

97.       Porque nada ficou decidido, ficou acordado novo encontro para o dia 28 de Outubro de 2013, em ..., destinado à assinatura do contrato promessa e à entrega de € 20 000 a título de sinal, em troca das chaves da casa.

98.       No dia acordado, o ofendido ZZ dirigiu-se ao mesmo escritório, onde foi recebido pelos arguidos CC e PP, o qual foi apresentado pelo primeiro como sendo o proprietário do imóvel a vender.

99.       Assim, o arguido CC imprimiu e carimbou o contrato promessa com um carimbo com os dizeres "P... S.A, A Administração" e entregou-o a PP, que o assinou no lugar do promitente vendedor, tendo o ofendido ZZ entregue o sinal acordado (€ 20000) em notas.

100.     Quanto às chaves do imóvel, os arguidos alegaram que só as podiam entregar no dia seguinte, comprometendo-se a fazê-lo na manhã seguinte, à porta do condomínio, o que nunca veio a acontecer.

101.     O arguido CC não possuía qualquer ligação à empresa P... S.A, nem o arguido PP era proprietário daquela casa ou de qualquer outra no referido empreendimento, tendo-se feito passar por outras pessoas para conferir uma aparência de seriedade à sua atuação e de fazer crer ao ofendido ZZ que possuíam legitimidade para a venda do imóvel, o que bem sabiam não ser verdade, assim agindo com o propósito conseguido de se apoderaram dos € 20 000, repartidos entre si e também com o arguido AA.

102.     Em meados de Novembro de 2013, PPP, sócio-gerente das sociedades L... em Ta..., Lda. e Sr..., Lda. conheceu o arguido CC, que lhe foi apresentado como sendo solicitador e ligado ao mundo financeiro.

103.     Contou ao arguido CC o estado económico das suas empresas e da sua preocupação e dificuldade em liquidar as dívidas fiscais.

104.     O arguido CC, neste mesmo contacto, manifestou interesse em adquirir as empresas.

105.     Então, em várias reuniões ocorridas num escritório na Avenida ..., em ..., o arguido CC propôs-lhe ajuda financeira, argumentando que conhecia vários investidores nacionais e internacionais e outros ligados às finanças.

106.     Estabeleceram um acordo de financiamento com a entrega de uma garantia bancária de € 185 000 de um banco denominado Su..., Ltd.

107.     Documento que se veio a revelar sem qualquer valor jurídico.

108.     Ao confrontar o arguido CC com este facto, este disse que em três dias o dinheiro estaria disponível e posteriormente invocou dificuldades no financiamento.

109.     Financiamento que nunca foi concretizado.

110.     Passado alguns dias, PPP falou ao arguido CC, ter dívidas junto das Finanças, tendo este dito que conhecia naqueles serviços "vários doutores" que resolveriam o problema a troco de uma contrapartida financeira.

111.     Para tanto, PPP deveria disponibilizar-lhe valor próximo de € 25 000.

112.     Fazendo, então, PPP vários pagamentos, na sua maioria em numerário, e três através de depósito numa conta da CGD em nome de um TT, tudo no montante total de € 24 450.

113.     Em data próxima do final de 2013, QQQ, sócio-gerente da Ci..., Lda., veio a conhecer os arguidos CC e AA;

114.     Estes arguidos intitularam-se empresários da construção civil, possuindo vários empresas, entre as quais uma no ramo da construção civil e outra empresa na zona de ....

115.     A situação financeira da Ci..., Lda. era de crise, por via de dívidas à Segurança Social, à T..., S.A, ao Barclays e ao Santander, cujo montante total rondava os € 40 000 e um activo composto por três veículos pesados, um veículo ligeiro e um alvará de exploração, de valor aproximado ao das dívidas.

116.     Desse modo, QQQ acordou verbalmente a venda da empresa aos arguidos CC e AA com o objectivo de a recuperar.

117.     O acordo contemplava o pagamento de todo o passivo da empresa, inclusivamente, as dívidas do Barclays e do Santander.

118.     Vieram os arguidos a utilizar os cheques da Ci..., Lda. para comprar bens sem que as contas bancárias tivessem provisão.

119.     Na sequência do acordo, que os arguidos não pretendiam cumprir, apenas usar a empresa como fachada para outros negócios, veio QQQ a pagar as dívidas que existiam até à data da venda da empresa num montante de 31 000.00 €.

120.     Em data próxima de finais de 2013 ou início de Janeiro de 2014, RRR, sócio-gerente da sociedade D...lda foi apresentado por PPP e SSS ao arguido CC.

121.     Encontraram-se com este arguido num escritório na Avenida ..., em ....

122.     Neste encontro, discutiram os contornos de prestação de uma garantia bancária, visando a instrução de um processo de investimento.

123.     A pedido do arguido CC, e para a instrução desse processo de investimento, fez várias transferências, no montante total de € 12 600,00 € para uma conta da CGD com o NIB ...00, em nome de TT e uma outra transferência de € 10 000 para uma conta do ..., com o NIB ...11, em nome de TTT, filho do arguido PP.

124.     Depois destas transferências, o arguido CC remeteu-lhe por email uma carta de crédito em formato Word.

125.     RRR tinha uma dívida do IFP de 102 021,70 € que não sabia como a solver.

126.     Passado alguns dias, o arguido CC deu-lhe conta de que já tinham sido liquidadas, sem lhe revelar como o tinha feito.

127.     Vindo tal dívida a ser paga com o cheque n.0 ...54 da conta da sociedade Sn..., Lda, no valor de € 165 341,70 e posteriormente anulada esta liquidação.

128.     Não foi elaborado nenhum processo de investimento e o queixoso RRR ficou sem o dinheiro das transferências que realizou.

129.     No dia 06 de Março de 2014, o arguido CC contactou telefonicamente UUU, seu conhecido e proprietário da empresa Pr..., sita na Rua ..., ..., em ... e disse-lhe que iam lá uns seus conhecidos para comprar material para uma exploração de gado.

130.     O arguido FFF pediu-lhe para fazer um bom desconto.

131.     No dia seguinte — 07/03/2014 cerca das 14 horas, apareceram na loja de UUU, o arguido PP e uma outra pessoa não apurada, tendo o primeiro encomendado medicamentos veterinários no valor de € 1 094,14 e deixado um cheque do Barclays Bank em nome de Ci..., Lda., no valor de € 745,74.

132.     Na ocasião, o arguido PP levou consigo diverso material, ficando combinado que no dia 08/03/2014 ia buscar mais material e pagar o resto da conta.

133.     No dia combinado, o arguido PP voltou a aparecer na loja e deixou um cheque da mesma empresa, no valor de € 348,80, fazendo ainda uma nova encomenda de vacinas e outros produtos, que levou consigo.

134.     Apresentados a pagamento, os cheques foram devolvidos por falta de provisão, ficando UUU sem a mercadoria e sem o dinheiro, e sem que os arguidos lhe pagassem qualquer valor.

135.     No dia 14 de Março de 2014, o arguido CC, identificando-se como VVV e residente na Rua ..., ..., ..., contactou a empresa Cv..., com sede na ..., através do n.º ...76, fazendo uma encomenda de carne no valor de € 1267,70.

136.     O arguido BBB levantou tal carne nas instalações da empresa.

137.     Nesse contacto, o arguido CC referiu ter uma empresa de catering e ir fazer uma festa na Embaixada ....

138.     Com o que criou expectativas de bom negócio aos representantes da empresa Cv....

139.     Depois de a encomenda ser carregada, o mesmo arguido CC efectuou novo contacto, encomendando carne no valor de € 1 050, deslocando-se de seguida à sede para levantar a mercadoria.

140.     O arguido fez uma nova encomenda para o dia 18 de Março, a qual só não lhe foi entregue porque, entretanto, os cheques para pagamento das anteriores foram devolvidos por falta de provisão, sendo pertencentes à conta n ...52 do Barclays Bank, titulada por Ci..., Lda, ST..., Lda.

141.     Interpelado para pagar o valor em dívida o arguido disse que se deslocaria às instalações da empresa para pagar em numerário, o que nunca aconteceu, tendo aquela ficado lesada em € 2367,70.

142.     No dia 20 de Março de 2014, o arguido CC apresentou-se no estabelecimento de venda de carne pertencente a AAA, identificando-se como VVV e fazendo-se transportar no veículo de matrícula ..-..-IE.

143.     Aí, adquiriu cerca de 500 kg de carne de vaca e de porco e indicou para entrega o lote ... da Rua ..., em ....

144.     Local arrendado à empresa Ci..., Lda e utilizado pelos arguidos após terem deixado o escritório sito na Rua ...

145.     A entrega da carne concretizou-se pelas 19 horas do mesmo dia, tendo o arguido emitido o cheque n.º ...78, da conta n.º ...52, titulada por Ci..., Lda - ST..., Lda., no valor de €1766,00.

146.     Apresentado a pagamento no dia 24 de Março de 2014, o mesmo cheque foi devolvido por falta de provisão e por a assinatura dele constante não coincidir com a do titular.

147.     Em data não concretamente apurada de Março de 2014, o arguido CC contactou a empresa B..., com sede em ..., identificando-se como Dr. VVV, pretendendo saber preços de especialidades farmacêuticas.

148.     Mais disse, ser sócio da firma, Ci..., Lda.,

149.     Após novos contactos, o arguido fez uma encomenda, paga com o cheque n.0 ...20, no valor de € 11 936,70, da conta pertencente a Ci..., Lda., datado de 26/03/2014.

150.     Contudo, apenas foi levantada parte da mesma, pelo que a restante (as vacinas) foi entregue ao arguido BBB junto das Bombas ... à entrada de ....

151.     Na sexta-feira seguinte, o representante da B... deslocou-se a ... para se encontrar com o suposto Dr. VVV e um General ..., gestor do Grupo em Portugal, não tendo ninguém comparecido.

152.     Apresentado a pagamento, o cheque foi devolvido por falta de provisão, nunca tendo sido pago qualquer valor por conta da mercadoria.

153.     No dia 1 de Abril de 2014, pelas 15:10 horas, o arguido CC detinha, na sua residência sita na Quinta ..., no ..., no quarto e debaixo de umas almofadas, uma espingarda caçadeira, de tiro a tiro, com canos justapostos basculantes, de calibre 12 (para cartucho de caça), de marca ..., de modelo... não referenciado, com o número de série rasurado, e dois cartuchos de caça carregados, de calibre 12, de marca e origem não seguramente referenciáveis com copela de 15,5 mm, corpo em plástico de cor ..., apresentando indicação de carregamento com chumbo no 5 e as inscrições "...", "...", "...", "...", "...", "...", "..."...", "...”.

154.     Dedicavam-se, pois, os arguidos AA, CC e PP, com regularidade e de forma reiterada, à prática dos atos de logro supra descritos, fazendo crer que pagariam os bens/serviços que encomendavam, sem que, contudo, os tenham pago, obtendo por essa via um rendimento regular com o qual proviam ao financiamento das suas vidas.

155.     Os arguidos actuaram sempre de forma livre, voluntária e conscientemente.

156.     Os arguidos AA, FFF e PP, agiram indiferentes ao carácter proibido das suas condutas, aos prejuízos por elas causados às empresas e entidades particulares a quem adquiriram bens e serviços, tendo sempre agido concertadamente e com o conhecimento e concordância dos demais, os quais aceitaram e quiseram tais condutas, com o propósito conseguido de obterem lucro económico com as mesmas.

157.     Estes arguidos conheciam perfeitamente as falsidades que uns e outros foram apresentando, com a intenção de, com esses artifícios, iludir os ofendidos convencendo os mesmos, a entregar-lhes aquelas quantias em dinheiro, bens e serviços, conscientes de que, sem esses logros, nunca lhes seriam os mesmos confiados.

158.     Agiram de modo livre, voluntário e consciente, com o propósito concretizado de, através da aparência de verdade de histórias por eles inventadas, fazer crer aos ofendidos que lhes devolveriam o dinheiro ou concretizariam os negócios, pagando-os.

159.     Nunca os arguidos AA, FFF e PP, tiveram intenção de devolver aos ofendidos os valores por estes disponibilizados ou de pagar os bens/serviços contratados.

160.     Estes arguidos fizeram suas as quantias supra descritas, a que sabiam não ter direito, querendo causar prejuízos aos ofendidos, o que conseguiram.

161.     Os arguidos AA, FFF, PP e BBB de comum acordo e conjugação de esforços, ao preencherem, assinarem e entregarem o cheque referido no ponto XX, que sabiam que o mesmo não tinha provisão e fizeram-no com intenção de causar prejuízo ao Estado.

162.     O arguido PP ao colocar a assinatura no contrato promessa conforme descrito no ponto XVII em conluio com os arguidos AA e FFF e ao elaborarem em conluio também a garantia bancária conforme

163.     referido no ponto XVIII, pretendiam os arguidos ludibriar, respectivamente, ZZ e a L....

164.     E obtendo, dessa forma, benefícios ilegítimos para si e, simultaneamente, fazendo-lhes crer terem sido efectuadas pelo próprio promitente vendedor de imóvel e pelo banco S..., respectivamente.

165.     Os arguidos BBB, e CC detinham as armas e munições sem que estivessem titulados com licença de uso e porte, nem ter dado qualquer justificação para a sua posse.

166.     Os arguidos BBB, e CC estavam cientes das características e natureza das armas e munições apreendidas e que a sua detenção era proibida por Lei.

167.     Os arguidos AA, FFF, PP e BBB não pagaram ao serviço de Finanças o valor de € 165 341,70 (cento e sessenta e cinco mil trezentos e quarenta e um euros e setenta cêntimos) correspondentes a impostos.

168.     Estes arguidos apesar de saberem que a conta bancária não dispunha de saldo para pagar o cheque emitido, quiseram agir como acima descrito.

169.     Mais sabiam os arguidos que a sua conduta era proibida e punida por lei.

(...)

H - Processo 479/06...., por factos praticados em 20/06/2006, 27/02/2008, decisão de 15/03/2016, transitada em julgado em 26/04/2016, o arguido AA foi condenado:

- como autor material de um crime de falsificação de documentos agravada, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão;

- como autor material de um crime de burla, previsto e punido pelos art.º 217.º do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

- como autor material de um crime de falsificação de documentos agravada, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3 do Código Penal na pena de 9 meses de prisão;

- como autor material de um crime de falsificação de documentos agravada, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3 do Código Penal na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

- como autor material de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos art.ºs 217.º e 218.º, n.º 2, al. a) do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

Em cúmulo jurídico na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, sujeita à condição do arguido proceder ao pagamento de €3.769,76 à Cr..., Lda, e de €26.947,98 à F..., S.A., até ao termo do prazo de suspensão e a título de compensação pelas sequelas da sua conduta,  pelos seguintes factos:

1.         Em data não concretamente apurada, o arguido AA entrou na posse do cheque n.º ...18 que havia sido emitido no dia 9 de Junho de 2006 pela Cr..., Lda., a favor da sociedade V..., no valor de €3.769,76, e que achava associado à conta n.º ...52 do Barclays Bank;

2.         No dia 20 de Junho de 2006, o arguido AA deslocou-se à agência do ... de negócios das ... e depositou o título cambiário descrito na conta n.º ...01;

3.         Sendo tal conta titulada pela E..., unipessoal, Lda, e da qual o arguido AA era sócio e gerente;

4.         O cheque descrito destinava-se ao pagamento de jornais e revistas que haviam sido fornecidos pela V... à Cr..., Lda;

5.         Por ocasião do correspondente depósito, o cheque tinha aposto um carimbo com os dizeres “V..., A GERÊNCIA” no seu dorso e, por baixo, uma assinatura ilegível manuscrita;

6.         Na verdade, indivíduo cuja identidade não se logrou apurar criou um carimbo com a designação V... e com os dizeres alusivos à gerência que apôs no verso dos cheques, tendo, após e por baixo dos carimbos, assinado, pelo seu próprio punho, nome ilegível na qualidade de suposto gerente daquela sociedade;

7.         O que concretizou com o objectivo conseguido de fazer crer que o cheque estava na sua posse por lhe ter sido legitimamente entregue pela V...;

8.         O arguido AA sabia, por ocasião do pedido de depósito do cheque n.º 1695218, que o carimbo e a assinatura descritos se achavam adulterados e que aquele título cambiário não havia sido endossado pela V...;

9.         O arguido AA, ao actuar da forma descrita tinha plena consciência que ele ou a E..., unipessoal, Lda não eram os legítimos titulares do cheque e que nenhuma relação material lhe validava a posse e compensação do sobredito título cambiário;

10.       Tendo, ademais, a percepção que o carimbo e a assinatura aí apostos criavam a falsa aparência de que o cheque tinha sido transmitido de forma legítima ao portador;

11.       Levando, nessa sequência, o Barclays Bank a efectuar o respectivo pagamento com paralelo débito da conta da Cr..., Lda dos valores ínsitos do cheque;

12.       Agiu o arguido AA de forma livre, voluntária e consciente com pleno conhecimento de ser tal conduta proibida e punida pela lei penal, encontrando-se ciente de que iludia a confiança e credibilidade depositada no título de crédito e com vista a obter benefício patrimonial que sabia ser ilegítimo;

13.       Em data não concretamente apurada, o arguido AA entrou na posse dos cheques n.ºs ...69 e ...72 nos valores correspondentes de €24.939,42 e de €2.008,56 que a sociedade F..., S.A. havia emitido, em 26 de Fevereiro de 2008, da sua conta mo Millenium BCP com o n.º 0003.89... a favor, respectivamente, das sociedades Ci..., SA e Cf..., SA;

14.       Tendo o arguido AA, nesse seguimento, indagado WWW se podia usar a sua conta bancária;

15.       Porque acedeu ao pedido que lhe foi endereçado, WWW deslocou-se, no dia 27 de Fevereiro de 2008, à agência do ..., sita nas ... e denominada de ..., e depositou os títulos cambiários descritos na alínea aq) (actual ponto 13) dos factos provados,

16.       Tendo, nesse seguimento, concretizado o levantamento de tais importâncias e operado, após a sua entrega ao arguido AA que delas se apropriou;

17.       Os cheques descritos na alínea aq) (actual ponto 13) dos factos provados destinavam-se ao pagamento às sociedades Ci..., SA e Cf..., SA de serviços por estas prestados à F..., S.A.;

18.       Por ocasião do correspondente depósito, o cheque com o n.º ...69 descrito na alínea aq (actual ponto 13) dos factos provados tinha aposto um carimbo com os dizeres “Ci..., SA, Co..., SA A Administração” no seu verso e, por baixo, uma assinatura ilegível manuscrita;

19.       Por ocasião do correspondente depósito, o cheque com o n.º ...72 descrito na alínea aq) (actual ponto 13) dos factos provados tinha aposto um carimbo com os dizeres “Cf..., SA A Administração” no seu verso e, por baixo, uma assinatura ilegível manuscrita;

20.       Na verdade, indivíduo cuja concreta identidade não se logrou apurar criou carimbos com as denominações Ci..., SA e Cf..., SA com os dizeres alusivos à administração que apôs no verso dos cheques, tendo, após e por baixo dos carimbos, assinado, pelo seu próprio punho, nome ilegível na qualidade de suposto administrador daquela sociedade;

21.       O que concretizou com o objectivo conseguido de fazer crer que os cheques estavam na posse do correspondente portador por lhe terem sido legitimamente entregues pelas sociedades Ci..., SA e Cf..., SA;

22.       O arguido AA sabia, por ocasião do pedido de depósito e subsequente levantamento do cheque dirigido a XXX, que os carimbos e as assinaturas descritos na alínea av (actual ponto 18) e aw (actual ponto 19) dos factos provados se achavam adulterados e que aqueles títulos cambiários não haviam sido endossados, respectivamente, pela Ci..., SA e pela Cf..., SA;

23.       O arguido AA, ao actuar da forma descrita nas alíneas aq) (actual ponto 13) a az (actual ponto 22) dos factos provados, tinha plena consciência que não era o legítimo titular dos cheques e que nenhuma relação material lhe validava a posse e compensação dos sobreditos títulos cambiários;

24.       Tendo, ademais, a percepção que os carimbos e as assinaturas aí apostos criavam a falsa aparência de que os cheques tinham sido transmitidos de forma legítima a si e a XXX;

25.       Levando, nessa sequência, o Millenium BCP a efectuar o respectivo pagamento com paralelo débito da conta da F..., S.A. dos valores ínsitos nos cheques;

26.       Agiu o arguido AA de forma livre, voluntária e consciente com pleno conhecimento de ser tal conduta proibida e punida pela lei penal, encontrando-se ciente de que iludia a confiança e credibilidade depositada num título de crédito e com vista a obter benefício patrimonial que sabia ser ilegítimo. 

I - Processo 113/09...., por factos praticados em 2006, 2007, decisão de 17/07/2013, transitada em julgado em 02/04/2014, o arguido AA foi condenado pela prática em autoria material de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos art.ºs 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2 do RGIT, na pena de 2 anos de prisão suspensa, na sua execução, já declarada extinta pelo cumprimento, pelos seguintes factos:

a.         A E..., unipessoal, Lda é uma sociedade unipessoal por quotas constituída em 13/06/2006, com sede social inicial no Lugar ..., em ..., freguesia ..., concelho ..., cujo objecto social consiste no comércio, importação e exportação de produtos alimentares e bebidas, restaurante, bar, café, actividades hoteleiras e similares, e importação e exportação de materiais de construção civil e similares;

b.         Desde a sua constituição que tal sociedade está registadas em sede de IVA no registo normal trimestral e enquadra no regime geral do IRC;

c.         Entre a sua constituição e 21/08/2007 o único gerente da E..., unipessoal, Lda foi o arguido AA, o qual foi também seu sócio até 11/07/2007, data em que procedeu à cessão de quotas a favor de WWW, o qual nunca assumiu a gerência;

d.         A partir de 21/08/2007, o arguido YYY passou a constar como único gerente da E..., unipessoal, Lda e esta alterou a sua sede social para a Rua ..., ..., na freguesia ..., em ...;

e.         Em 03/03/2008, o arguido YYY adquiriu a quota a WWW, passando a ser também sócio da E..., unipessoal, Lda;

f.          O arguido AA, apesar de já não estar formalmente ligado à E..., unipessoal, Lda desde as datas acima referidas, continuou a determinar o seu destino;

g.         Deixando formalmente de estar ligado à E..., unipessoal, Lda, o arguido AA, servindo-se do nome e dos impressos de facturas daquela sociedade, determinou a emissão de facturas sem qualquer correspondência com efectivas transmissões de bens ou prestações de serviços feitas pela mesma;

h.         No quarto trimestre de 2007 foram emitidas as seguintes facturas em nome da E..., unipessoal, Lda:

Identificação do documentoDataBase TributávelIVAFls. Dos autosCliente
21601-10-2007€25.000,00€1250,00437Ba...
22004-10-2007€25.000,00€1250,00438Ba...
22309-10-2007€25.000,00€1250,00439Ba...
22711-10-2007€25.000,00€1250,00440Ba...
21015-10-2007€9.306,50€1954,36428Sq...
23105-11-2007€23.500,00€1175,00441Ba...
23308-11-2007€22.000,00€1100,00442Ba...
23712-11-2007€23.500,00€1175,00443Ba...
24115-11-2007€22.000,00€1100,00444Ba...
21223-11-2007€8.540,00€1793,40429Sq...
20730-11-2007€8.000,00€1680,00660Pc...
2443-12-2007€22.500,00€1125,00445Ba...
24806-12-2007€20.000,00€1000,00446Ba...
24910-12-2007€22.500,00€1125,00447Ba...
25013-12-2007€42.500,00€2125,00448Ba...
21418-12-2007€4.180,79€877,94430Sq...
Total---€328.527,20€21.230,70------

i.          Tais facturas foram incluídas na contabilidade dos supostos clientes da E..., unipessoal, Lda ali ids., como se verdadeiras fossem sem que esta tenha procedido à entrega das respectivas declarações periódicas e sem que tenha efectuado qualquer pagamento em sede de IVA ou IRC;

j.          Na sequência da utilização de facturas falsas – entre elas a n.º ...07 – a Pc... teve, em sede de IRC e relativamente ao ano de 2007, uma vantagem patrimonial ilegítima de 17.327,50 euros;

k.         Por tais facturas o arguido AA recebeu alguma vantagem patrimonial dos supostos clientes da E..., unipessoal, Lda pelas facturas descritas no quadro supra;

l.          O arguido AA sabia que as facturas emitidas em nome da E..., unipessoal, Lda não correspondiam a qualquer serviço prestado ou venda efectuada e que por isso a sua emissão e a sua entrega a terceiros não era permitida;

m.        O arguido AA sabia que com a sua conduta lesava o Estado ao nível de IVA e de IRC estando ciente que ao permitir aos supostos clientes a declaração de despesas fictícias, tal implicaria a diminuição, por essa via, dos montantes a pagar à Administração Tributária a título desses impostos;

n.         O arguido AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, não se abstendo de prosseguir com a sua conduta, apesar de saber ser proibida e punida por lei.

J - Processo 192/12...., por factos praticados em 24/11/2011, decisão de 24/01/2019, transitada em julgado em 25/02/2019, o arguido AA foi condenado pela prática em co-autoria material de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, e pela prática, como co-autor material de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1m alínea e), por referência ao artigo 255.º, alínea), ambos do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, em cúmulo jurídico, na pena única de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução, pelos seguintes factos:

1.         O AA delineou um plano, usando a sociedade Al..., Lda., doravante designada por sociedade Al..., Lda., pessoa colectiva n° ..., com sede na Avenida ..., ..., ..., ..., e decidindo, em seguida, fazer seu o respectivo património, onerado ou não;

2.         Quanto ao património onerado, o plano em causa passava por usar documentos contendo factos inverídicos para desse modo lograr obter o cancelamento de actos jurídicos até então válido;

3.         O arguido ZZZ encontra-se registado como gerente da sociedade Al..., Lda. e, nessa qualidade, deveria comparecer perante terceiros e assinar os mais diversos documentos que envolvessem a sociedade;

4.         A sociedade Al..., Lda., na vigência da anterior gerência, tinha celebrado com a Associação T..., representada por AAAA, um contrato promessa referente ao prédio descrito sob o n.º ...82, da freguesia ..., concelho ..., o qual se encontrava onerado com hipoteca, a favor da Caixa Geral de Depósitos, cujo montante máximo assegurado era ele € 586.365,00 (quinhentos e oitenta e seis mil e trezentos e sessenta e cinco euros);

5.         O arguido AA gizou um plano que lhe permitisse realizar a escritura de compra e venda, fazendo crer ao comprador Associação T... - que o credor hipotecário estava pago e a hipoteca cancelada;

6.         Na concretização desse plano, no dia 24 de Novembro de 2011, indivíduo que não foi possível identificar, mas a mando do arguido AA, deslocou-se à Conservatória do Registo Predial ..., onde, pela Ap. ...97, requereu naquela Conservatória, o cancelamento das inscrições hipotecárias com a Ap. ... de 2005/12/12 e Ap. ... 2005/02/16, referente ao prédio descrito sob o n° ...82 da freguesia ..., ...;

7.         Para o efeito, apresentou um documento denominado “Termo de Cancelamento” no qual consta que a Caixa Geral de Depósitos declara autorizar o cancelamento das inscrições hipotecárias e onde consta a suposta assinatura de dois administradores da Caixa Geral de Depósitos;

8.         Na requisição, no local onde tem a menção assinatura, consta os dizeres “ZZZ”;

9.         A Conservadora em exercício de funções na Conservatória do Registo Predial ..., acreditando que estava perante documentos verdadeiros, efectuou o cancelamento da hipoteca que incidia sobre o prédio descrito sob o n.º ...82, da freguesia ..., ...;

10.       Também no dia 13 de Janeiro de 2012, indivíduo que não foi possível identificar, deslocou-se à Conservatória do Registo Predial ..., onde requereu o cancelamento das inscrições hipotecárias com a Ap. ... de 2005/02/16 e Ap. ... de 2005/12/12, referente ao prédio descrito sob o n.º ...79, da freguesia ..., ...;

11.       Para o efeito, apresentou um documento denominado “Termo de Cancelamento” no qual consta que a Caixa Geral de Depósitos declara autorizar o cancelamento das inscrições hipotecárias e onde consta a suposta assinatura de dois administradores da Caixa Geral de Depósitos;

12.       Na requisição, no local onde tem a menção “assinatura”, consta os dizeres “ZZZ”;

13.       Porém, a Caixa Geral de Depósitos nunca emitiu os documentos em causa, os quais são totalmente forjados, nem tão pouco as assinaturas que constam dos mesmos são da autoria dos seus administradores, consubstanciando apenas imitação das mesmas;

14.       Tais assinaturas estão supostamente reconhecidas por um advogado, no primeiro caso pelo Sr. Dr. BBBB e no segundo pela Sr. Dra. CCCC;

15.       Tais reconhecimentos são falsos, pois não foram subscritos pelos aludidos advogados;

16.       No que respeita à apresentação referente ao prédio descrito sob o n.º ...79 da freguesia ..., ..., a situação levantou suspeitas, tendo o apresentante acabado por abandonar o local, deixando ali os documentos;

17.       Canceladas as inscrições hipotecárias Ap. ... de 2005/12/12 e Ap. ... de 2005/02/16, referente ao prédio descrito sob o n.º ...82, da freguesia ..., ..., o arguido AA entrou em contacto com DDDD, a quem solicitou que estivesse presente na escritura de compra e venda, em representação da sociedade Al..., Lda., pedido a que aquele acedeu;

18.       Para o efeito, DDDD usou uma procuração, onde constava escrito no local da assinatura os dizeres “ZZZ”, e que o mandatava a representar a sociedade Al..., Lda. na escritura de compra e venda do prédio descrito sob o nr...82 da freguesia ..., ...;

19.       O arguido AA, ou alguém a seu mando, fez também chegar ao Cartório Notarial, certidão predial do prédio objecto da escritura (prédio descrito sob o n.º ...82) da qual constava que a hipoteca já se encontrava cancelada;

20.       No dia 12 de Dezembro de 2011 no Cartório Notarial, situado na Rua ..., ..., em ..., foi realizada a escritura de compra e venda referente ao prédio urbano de habitação, composto de casa de  ..., designado por lote oito, descrito no registo sob o n.º ...82 e inscrito na matriz sob o artigo ...70, com valor patrimonial de 80.672,20 € e ainda no que respeita ao prédio urbano composto de casa de  ..., designado por lote nove, descrito no registo sob o n.º ...83 e inscrito na matriz sob o artigo ...71, com valor patrimonial de 80.601,15 €, ambos situados no lugar e freguesia ..., concelho ..., a qual foi outorgada por DDDD, em representação da sociedade Al..., Lda.;

21.       Realizada a escritura, AAAA para pagamento do remanescente do preço entregou a DDDD o cheque nº ...14, da conta n.º ...45 do BES, no valor de 134.195, 81 €, emitido à ordem de Al..., Lda.., que por sua vez o entregou ao arguido AA, vindo tal cheque a ser pago ao arguido EEEE;

22.       AAAA, em representação da Associação T..., só aceitou realizar a escritura de compra e venda e pagar o remanescente do preço, por estar convencido, perante os documentos apresentados, que a hipoteca existente sobre o imóvel estava cancelada;

23.       Ao agir do modo descrito o arguido AA sabia que estava a delinear e a executar um plano que visava, através de documentos forjados, criar engano nas relações jurídicas e fazer com que terceiras pessoas, por força dessa artimanha, viessem a praticar actos que causariam perdas avultadas, sempre superiores a 50.000,00 €, a terceiros, designadamente à Caixa Geral de Depósitos e à Associação T...;

24.       O arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente, em comunhão de esforços e vontades, com o propósito, concretizado, de usar documentos que atestavam factos inverídicos, enganar terceiros, causando-lhe perdas patrimoniais e obtendo vantagens económicas a que bem sabiam não ter direito;

25.       Atentou, ainda, o arguido AA contra a credibilidade do registo, enquanto instituto que visa garantir a segurança nas relações jurídicas;

26.       O arguido AA sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.

(...)

L – Condições pessoais do arguido AA:

a)        O processo de desenvolvimento de AA decorreu junto dos pais e irmão, num ambiente familiar afectivo e protector, cuja sustentabilidade foi assegurada pelos pais: o pai empregado comercial e a mãe operária fabril;

b)        O percurso escolar do arguido decorreu de forma linear. Apesar de ter registado duas retenções, não manifestou dificuldades de aprendizagem ou de adaptação comportamental. Abandonou a escola com 17 anos de idade, após a conclusão do 9.º ano de escolaridade;

c)         Tinha 18 anos de idade quando iniciou a actividade de gestão da empresa “Q... Lda.”, sob a orientação do seu pai, que manteve até ao falecimento deste;

d)        Subsequentemente, o seu trajecto laboral caracterizou-se por alguma instabilidade, com a abertura e desvinculação de diversas empresas;

e)         Autonomizou-se do agregado de origem aos 21 anos de idade na sequência de casamento. A relação conjugal, da qual resultou o nascimento de uma filha, actualmente com 20 anos de idade, manteve-se estável durante alguns anos, culminando em separação. Na sequência deste acontecimento e contemporaneamente com os factos em discussão, o arguido passou a residir com a sua mãe, em ambiente afectivo. Mantinha contactos com a sua filha;

f)         Posteriormente, encetou uma relação amorosa com FFFF, que mantêm;

g)        Ao nível laboral dedicava-se à actividade empresarial nos sectores de comércio e construção civil, com frequente abertura de empresas das quais se desvinculava através da transmissão de cotas, com excepção de um período em que optou por trabalhar como comercial na empresa “Ca..., Lda.”. Posteriormente passou a prestar serviços na área do comércio de imóveis e viaturas para várias entidades;

h)        Ao nível pessoal demonstra capacidade para estabelecer relações interpessoais adequadas, num estilo de interacção comunicativo e fortemente apelativo. O seu discurso sugere deter capacidades para identificar e distinguir condutas pró-sociais e pró-criminais. No entanto, parece deter capacidade de resiliência reduzida perante situações adversas, designadamente de índole financeira, com tendência para agir de forma imponderada e imediatista, privilegiando os seus interesses nos processos de tomada de decisão;

i)         AA tem beneficiado de visitas regulares em meio prisional por parte da companheira e da sua mãe, sendo junto desta última que pretende residir quando for restituído ao meio livre, sendo que a nível laboral perspectiva retomar a actividade de mediador imobiliário por conta de empresas de construção civil da região e circunscrever a sua rede de sociabilidade a familiares e amigos pró-sociais;

j)         No Estabelecimento Prisional tem procurado manter um comportamento ajustado ao quadro normativo e motivação para estar integrado em actividades. No momento frequenta o curso de “...” com equivalência ao 12.º ano de escolaridade, efectuou o exame de ingresso ao ensino superior através da modalidade “Maior de 23 anos de idade”, e faz parte da equipa de andebol do estabelecimento prisional;

k)         Contudo, no momento, o arguido apresenta-se como um indivíduo com necessidades de intervenção ao nível pessoal, designadamente no domínio das atitudes e défices reflexivos quanto aos bens jurídicos protegidos e impacto dos seus actos para todas as vítimas e sociedade em geral, sendo essencial que adira a actividades de valorização pessoal e à frequência de programas promovidos pelos S... que visem a aquisição e consolidação de competências pessoais e sociais conducentes ao “dever-ser” social, aspectos ainda carentes de ancoragem prática.».

B. Matéria de direito

1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas pelo arguido e, perante estas, verifica-se que o arguido recorre da pena única que lhe foi aplicada, considerando, por um lado, que não deviam ter sido englobadas no cúmulo jurídico efetuado as penas aplicadas no âmbito do proc. n.º 479/06...., por ter sido declarada extinta a pena de substituição de suspensão da execução da pena única de prisão aplicada naquele processo e, por outro lado, considerando que a pena única aplicada é excessiva e não devia ultrapassar os 10 anos de prisão.

Apreciemos.

2. Compulsados todos os elementos constantes da matéria de facto, verificamos que são as seguintes as condenações do arguido:

ProcessoData dos factosData do

trânsito em julgado

A. 229/13… (estes autos)Janeiro de 201305.05.2021Crime de burla qualificada: pena de prisão de 5 anos
D. 20/14…Março de 201415.01.2019Crime de burla qualificada: pena de prisão de 5 anos e 6 meses
E. 743/13…12.02.201413.12.201823 crimes de burla qualificada, 2 crimes de falsificação de documentos e 1 crime de emissão de cheque sem provisão: quatro penas de prisão de 3 anos; dez penas de prisão de 2 anos e 3 meses; cinco penas de prisão de 2 anos e 6 meses; três penas de prisão de 2 anos e 9 meses, uma pena de prisão de 9 meses; uma pena de prisão de 1 ano e uma pena de prisão de 2 anos.
H. 479/06…20.06.200630.01.20173 crimes de falsificação de documentos, 1 crime de burla e 1 crime de burla qualificada: duas penas de prisão de 9 meses; duas penas de prisão de 1 ano e 6 meses; uma pena de prisão de 3 anos e 6 meses.

(a pena única aplicada de 4 anos e 6 meses foi suspensa sujeita a condição)

I. 113/09...200702.04.20141 crime de fraude fiscal qualificada: pena de prisão de 2 anos, suspensa; extinta
J. 192/12...Dezembro de 201125.02.20191 crime de burla qualificada e 1 crime de falsificação de documentos: uma pena de prisão de 4 anos e 6 meses; uma pena de prisão de 1 ano e 6 meses; a pena única foi suspensa

Tendo em conta a matéria de facto, no processo n.º 113/09... (cf. factos provados I.), foi aplicada uma pena de prisão de 2 anos substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão; e decorre da matéria de facto que tal pena já foi extinta. Assim, seguindo aquilo que tem sido a jurisprudência deste Supremo Tribunal tal pena não deverá ser integrada no cúmulo jurídico a efetuar. Foi o que decidiu, e bem, o Tribunal a quo referindo expressamente que: “Analisadas as condenações supra expostas, importa considerar que a pena imposta no processo n.º 113/09...., de dois anos de prisão, suspensa na sua execução, já foi declarada extinta por decurso do prazo de suspensão, pelo que não deverá ser englobada no presente cúmulo”.

E tendo em conta isto, considerou que o primeiro trânsito em julgado, de entre todas as decisões que estão em causa, ocorreu no âmbito do proc. n.º 479/06..., a 30.01.2017, pelo que será este o momento temporal, de acordo com o acórdão de fixação de jurisprudência nº 9/2016 e o disposto nos arts. 77.º e 78.º, do CP, que irá delimitar os crimes que estejam em concurso quando praticados antes desta data: assim, serão os crimes julgados nos processos n.ºs 229/13..., 20/14..., 743/1... 192/12..., dado que os factos ali julgados ocorreram antes da data daquele trânsito — ocorreram em janeiro de 2013, março de 2014, 12.02.2013, e dezembro de 2011, respetivamente.

Porém, o recorrente vem alegar que os factos julgados no âmbito do proc. n.º 479/06... não deveriam ter sido integrados neste cúmulo porque a pena suspensa de 4 anos e 6 meses suspensa e sujeita a condição (cf. facto provado H.) já se tinha extinguido, uma vez que o seu prazo tinha terminado a 30.07.2021 (conclusão 8); com isto pretende que o acórdão recorrido seja declarado nulo por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal (CPP)  (cf. conclusões 11 e 13) uma vez que nada foi referido quanto à extinção (ou não) desta pena, nem sequer tendo o Tribunal procurado esclarecer o estado desta pena (cf. conclusão 9).

Compulsados estes autos verifica-se que:

- a 27.09.2021, o MP, no âmbito do proc. n.º 479/06...., promoveu o seguinte: “Sem prejuízo da situação de reclusão em que o arguido se encontra (tendo em conta que a mesma só se terá iniciado em 2019) promove-se que se notifique o arguido para vir aos autos demonstrar o cumprimento das condições a que a suspensão da execução da pena foi condicionada: pagamento das quantias de 3.769,76€ à Cr..., Lda. e 26.947,98€, à F..., S.A.”;

-  e a 29.09.2021, a Senhora Juíza determinou a notificação do arguido nos termos promovidos;

- a 04.10.2021, nestes autos de cúmulo jurídico, foi enviado ofício de “Pedido de informação”, ao Tribunal Judicial da Comarca ..., com indicação de “MUITO URGENTE CÚMULO JURÍDICO dia 06-10-2021”, e referindo “Com referência ao arguido abaixo mencionado, solicita-se a V Ex.a se digne mandar informar este Tribunal, com a máxima urgência possível, atenta a data agendada para a realização se cúmulo jurídico - o próximo dia 06-10-2021, pelas 14:00h, se a pena de prisão cuja execução foi suspensa já foi, ou não, declarada extinta/revogada.” (sublinhado nosso);

- a 06.10.2021 foi enviada a seguinte informação (com a promoção e despacho referido supra): “Relativamente ao solicitado no V/oficio acima indicado, informo V. Exa de que a pena aplicada nos presentes autos, ao arguido abaixo indicado, não foi declarada extinta.(sublinhado nosso).

- a 06.10.2021 foi realizada a audiência nos termos dos arts. 471.º e 472.º, ambos do CPP;

- a 14.10.2021 foi prolatado o acórdão cumulatório;

- o acórdão foi notificado ao arguido a 18.10.2022;

- a 27.10.2021, foi enviado ofício com cópia da decisão de 22.10.2021 que declarou extinta a pena no âmbito do processo n.º 479/06....:

Nos presentes autos de processo comum colectivo nº 479/06...., verificando-se que decorreu já o prazo de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA, e não se podendo considerar culposo o não pagamento aos lesados da quantia fixada, - atenta a insuficiência económica que determinou a declaração de insolvência do arguido (e à semelhança do já decidido relativamente aos co-arguidos GGGG e HHHH nos N/ despachos de 07/05/2021 e 29/09/2021, respectivamente), e atenta a sua actual situação de reclusão do arguido – e, bem assim, atento o teor do CRC actualizado do arguido de 18/08/2021, nos termos do disposto no artº 57º nº 1 do Cod. Penal:

— Julgo extinta a pena de quatro anos e seis meses de prisão aplicada ao arguido AA e, consequentemente,

— Determino o arquivamento dos autos.”

No acórdão recorrido, e após se ter referido que a pena aplicada no proc. n.º 113/09..., já tinha sido declarada extinta, refere-se apenas que:

«Assim, conclui-se que o primeiro trânsito relevante ocorreu a 30/01/2017, referente ao processo n.º 479/06...., sendo todos os factos que originaram as condenações supra expostas, ocorreram antes dessa data.

Estão assim numa relação de concurso as condenações sofridas nos processos com os n.ºs 229/13...., 20/14...., 743/13...., 479/06.... e 192/12.....»

E logo de seguida expõem-se os considerandos quanto à pena única a aplicar.

Em primeiro lugar, não pode deixar de se referir que o Tribunal a quo realizou as diligências necessárias para averiguar se a pena havia sido declarada extinta (ou não). E soube que a pena ainda não estava extinta, embora o Tribunal (tendo em conta os documentos enviados) soubesse que estavam a ser realizadas diligências para uma tomada de decisão. E, na verdade, impunha‑se esclarecer, dado que o prazo de suspensão já estava esgotado (em julho de 2021).

Tal como já se afirmou neste Supremo Tribunal de Justiça “se resulta da resposta que demos à questão anterior que no concurso de crimes superveniente não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do CP, então há que reflectir que não é possível considerar na pena única as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não houver no respectivo processo despacho a declarar extinta a pena nos termos daquela norma ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão. Na verdade, no caso de extinção nos termos do art.º 57.º, n.º 1, a pena não é considerada no concurso, mas já o é nas restantes hipóteses. Assim, o tribunal recorrido ao englobar no cúmulo as penas parcelares dos processos (...), todas elas suspensas na sua execução e já com o prazo de suspensão esgotado, sem apurar previamente qual a decisão sobre a respectiva execução, prorrogação ou extinção, incorreu numa nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.” (ac. de 29.04.2010, proc. n.º 16/06.3GANZR.C1.S1, Relator: Cons. Santos Carvalho, in www.dgsi.pt).

Ora, nos presentes autos não havia decisão nem quanto à extinção, nem quanto à prorrogação ou execução, pelo que se impunha, atento que o período de suspensão já se tinha esgotado, que o Tribunal se tivesse pronunciado e não tivesse integrado a pena no cúmulo, a não ser que tivesse conhecimento de decisão de revogação daquela pena.

E, apesar de ter sido comunicado que não tinha sido extinta, certo é que foram juntos dois documentos relevantes, antes da prolação do acórdão recorrido: por um lado, a promoção do Ministério Público para que se soubesse se havia sido cumprida (ou não) a condição e, por outro lado, o despacho da Magistrada Judicial a determinar que o arguido viesse informar o Tribunal sobre se tinha sido (ou não) cumprida a condição.

Além disto, sabe-se que o trânsito em julgado da decisão que aplicou a pena de substituição ocorreu a 30.01.2017, o período de suspensão, iniciado naquela data (cf. art. 57.º, n.º 1, do Código Penal), terminou a 30.07.2021, ou seja, em momento anterior à prolação do acórdão cumulatório.

Ora, seguindo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, e uma vez que o prazo da pena de suspensão já estava ultrapassado, devia o Tribunal ter referido que naquele processo a pena tinha sido suspensa, o período já tinha sido ultrapassado, ainda não estava decidida a extinção ou revogação da pena, todavia como tinha sido ultrapassado o prazo, a pena não seria integrada no cúmulo. Dado que nada disto é referido, e porque se impunha referir estes elementos, nada mais nos resta senão considerar estarmos perante uma omissão a determinar a nulidade do acórdão recorrido [nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP].

Mas, não se pode olvidar que o Tribunal, no momento em que realizou a audiência e no momento em que prolatou o acórdão, tinha conhecimento não só de que a pena não estava extinta, como também que se estava a proceder a diligências para que fosse tomada uma decisão (de extinção ou não) quanto à pena de substituição, e sabia também que o período de suspensão já tinha sido ultrapassado. Assim sendo, a pena aplicada no âmbito daqueles autos não deveria ter sido integrada neste cúmulo, enquanto não estivesse decidida a questão. Sabendo-se agora que a pena aplicada no proc. n.º 479/06... foi declarada extinta os seus efeitos retroagem àquele momento, pelo que a pena única não pode subsistir.

Até porque, sabendo que não houve revogação daquela suspensão, a integração da pena de prisão neste cúmulo iria ter como consequência a punição do arguido duas vezes pelo mesmo facto; por um lado, a punição que lhe foi aplicada e a que se sujeitou durante 4 anos e 6 meses com risco de, sendo revogada, ter que cumprir efetivamente a prisão que lhe tinha sido aplicada, e por outro lado, o cumprimento de pena única que, integrando a pena aplicada no proc. n.º 479/06..., permitiria que cumprisse parte (ainda que possa ser pequena) de pena que já foi cumprida.

Impõe-se, pois, refazer a pena única sem que aquela seja integrada, seguindo não só a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como aquilo que o próprio acórdão recorrido entendeu por bem decidir ao não integrar a pena aplicada no proc. n.º 113/09... E em ordem a que o condenado tenha uma via de recurso relativamente à pena única que lhe seja aplicada em conhecimento superveniente do concurso sem inclusão das penas extintas, devem os autos ser remetidos à primeira instância para que se proceda a novo cúmulo jurídico e nova determinação da pena única a aplicar.

Fica prejudicado o conhecimento da pena única aplicada.

III

Conclusão

Nos termos expostos, acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA declarando a nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal.

Após trânsito, ao Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Cível e Criminal ....

Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 7 de abril de 2022

Os juízes conselheiros,

Helena Moniz (Relatora)

António Gama

Eduardo Loureiro

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[1] No original nada consta neste número.
[2] Apenas se transcrevem os factos referentes ao arguido aqui recorrente.