Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
739/05.4TTSTR.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
PRESCRIÇÃO
INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL
Data do Acordão: 05/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO
DIREITO DE PROCESSO DO TRABALHO - PROCESSOS ESPECIAIS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTÂNCIA
SEGURANÇA SOCIAL
Doutrina: - Alberto dos Reis, Comentário ao Código Processo Civil, 3a, 1926, págs. 339-340.
- Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho, 1989, pág.126.
- Mário Brito, Código Civil Anotado, I, 1967, pág. 434 e 435.
- Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3ª edição, págs. 809 e 810.
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, I, 4ª edição, pág. 297.
- RLJ, 110º-339, nota 19.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 332.º, N.º 2, 498.º, 585.º, 594.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 267.º, NºS1 E 2, 285.º, 286.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 26.º, NºS 2 E 3, 99.º, N.º1, 117.º, 119.º, NºS1 E 4.
DL N.º 59/89, DE 22/02: - ARTIGO 1.º, NºS 1 E 2.
LEI 100/97, DE 13/9 (LAT): - ARTIGOS 32.º, NºS 1 E 2, 34.º, 35.º.
LEI N.º 28/84 DE 14 DE AGOSTO. - ARTIGO 16.º.
LEI N.º 32/2002 DE 30 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 71.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:
-DE 23/03/1971, IN AD DO STA, PÁG. 945.
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27/11/1981, BMJ 311/308;
-DE 9/1/1991, BMJ 403/322;
-DE 30/11/1994, CJS 301/3;
-DE 16/4/1982, BMJ316/230;
-DE 10/7/1991, BMJ 409/586;
-DE 21/4/1999, PROCESSO Nº 394/98 - 4ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 23/10/2003, CJ TOMO III, PÁG. 111;
-DE 15/11/2006, PROCESSO Nº 3408/06 - 4ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;
-DE 17/5/2007, PROCESSO Nº 07S051, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 26/5/2004, CJ, 56/3.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 14/12/2004, CJ, 161/5.
Sumário : I - À reparação de danos emergentes de acidente de trabalho estão subjacentes interesses de ordem pública, sendo nula qualquer convenção contrária aos direitos ou às garantias conferidas pela Lei dos Acidentes de Trabalho, sendo uns e outras inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis.
II - Como garantia desses direitos, estabeleceu a lei processual um processo especial para a sua efectivação, de cujas características se destaca o seu curso oficioso, isto é, o processo corre sem necessidade do impulso das partes, sendo que a negligência destas não tem a virtualidade de exercer qualquer influência sobre o processo, nomeadamente o efeito de interromper a instância à luz do art. 285.º, do Código de Processo Civil.
III - No âmbito dos processos emergentes de acidente de trabalho somente releva, para efeitos de caducidade do direito de acção, o prazo decorrido entre a cura clínica ou morte do sinistrado e a data da participação, no tribunal, do acidente, a qual marca o exacto início da instância. A partir dessa data, os processos emergentes de acidente de trabalho correm oficiosamente, jamais podendo reiniciar-se o decurso do prazo de caducidade do direito de acção.
IV - O regime constante do n.º 2, do art. 332.º, do Código Civil, que prevê uma forma de sancionamento da inércia processual, é inaplicável às acções cujo curso é oficioso, como sucede com as acções emergentes de acidente de trabalho.
V - Uma das funções da Segurança Social, dentro dos objectivos que prossegue, é a de substituir-se à entidade pagadora de rendimentos do trabalho quando os seus beneficiários se vejam privados deles por ocorrência de uma eventualidade que integre o direito ao esquema de prestações correspondentes à protecção do regime geral.
VI - Ocorrendo um evento gerador de perda de remunerações pelas quais haja terceiros responsáveis, cabe à Segurança Social assegurar, provisoriamente, a protecção do beneficiário; todavia, assiste-lhe o direito de exigir ao responsável, no quadro do regime da sub-rogação, o pagamento dos subsídios ou pensões que haja satisfeito.
VII - Dado este regime especial de sub-rogação legal, o prazo de prescrição aplicável à entidade responsável para o exercício do seu direito será o mesmo do credor originário: 5 (cinco) anos, conforme resulta do disposto no art. 32.º, n.º 2, da Lei dos Acidentes de Trabalho.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

           

1---- AA, residente em ... – ... – Figueira da Foz, intentou uma acção com processo especial, emergente de acidente de trabalho contra

            Companhia de SEGUROS BB, SA,

            CC, Companhia de seguros, SA, e       

            DD – ..., SA, com sede em Amarante, pedindo que se reconheça que EE, marido da A, foi vítima dum acidente de trabalho, ocorrido em 6 de Setembro de 2005, e de que resultou a sua morte em 17 de Outubro de 2005, quando trabalhava sob a direcção da co-Ré, DD, cuja responsabilidade emergente de acidentes de trabalho estava transferida para as seguradoras, na proporção de 60% e 40%, respectivamente. Assim, e em consequência, pede a sua condenação no pagamento duma pensão vitalícia, que até aos 65 anos deve ser do montante anual de 6 012,80 euros, sendo da responsabilidade das seguradoras o montante anual de 4 496,80 euros e de 2 913, 11 euros a cargo da entidade patronal.

            Pede ainda a sua condenação no pagamento da quantia de 4 496,40 euros de subsídio por morte e 2 997 euros de despesas de funeral.

Alegou para tanto e em síntese, que é viúva de EE, que foi vítima dum acidente de trabalho mortal quando se encontrava ao serviço da R,DD, mediante o salário de 1 065 euros, a que acrescia o montante de 213 euros a título de isenção de horário de trabalho, tudo pago em 14 meses; mais alegou que seu falecido marido auferia ainda uma média mensal de 832, 85 euros, que embora pagos a título de ajudas de custo, mais não eram do que contrapartida do trabalho prestado, pelo que devem integrar o conceito de retribuição para efeitos de reparação do acidente dos autos e que não estando transferidos para as seguradoras, deve ser da responsabilidade da entidade patronal.

Assim sendo, e tendo o acidente consistido na sua queda de que resultaram lesões que causaram a sua morte, pede-se a condenação das RR em conformidade com o pedido.

            Contestaram as seguradoras, aceitando que a entidade patronal tinha em vigor um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho que era válido, assumindo a sua responsabilidade de acordo com o que vier a ser julgado e de acordo com o salário coberto (19 997,68 euros).

            Entretanto veio o Instituto da Segurança Social pedir o reembolso das pensões já pagas à viúva do sinistrado, ora A, bem como das que se vencerem na pendência da acção, tudo acrescido dos juros de mora legais.

Contestando veio a R, DD invocar a caducidade do direito da A; e impugnando manteve que as ajudas de custo só eram pagas quando o sinistrado estava deslocado e que o acidente se ficou a dever a negligência grosseira deste. E contestando também o pedido do Instituto da Segurança Social, veio alegar a incompetência material do Tribunal para conhecer deste pedido e que os direitos reclamados estão prescritos.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, que julgando o Tribunal do Trabalho materialmente competente, declarou improcedentes as excepções da caducidade do direito da A e da prescrição dos créditos reclamados pela Segurança Social.

Inconformada com o despacho saneador na parte em que decidiu julgar improcedentes as excepções de incompetência material do Tribunal, de prescrição relativamente ao pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Segurança Social e ainda de caducidade dos direitos da autora, dele veio interpor recurso de agravo para a Relação de Coimbra a entidade patronal, DD, mas este Tribunal julgou o recurso totalmente improcedente.

Novamente inconformada recorreu esta empresa para este Supremo Tribunal, recurso que foi recebido como revista, mas limitado às questões da caducidade da acção da A e da prescrição dos créditos do ISS, concluindo desta forma a sua alegação:

A) DA CADUCIDADE DO DIREITO À ACÇÃO DA AUTORA:

A-1) Da inaplicabilidade do regime da suspensão e interrupção da instância ao processo de acidente de trabalho


1. Não foi interposto recurso dos despachos judiciais de suspensão ou interrupção da instância. Nesta medida, ambas as decisões são hoje juridicamente inimpugnáveis, e absolutamente incontornáveis no processo.


2. Por outro lado, está fora de causa que a petição inicial da Autora apenas deu entrada em juízo em 11.11.2008, isto é, cerca de 1 ano e seis meses depois de, em 18.05.2007,  ter sido proferido despacho judicial a decretar a interrupção da instância.

3. Nos termos dos arts. 285º, 286º do CPC e 332º nº 2 do CC, com a interrupção da instância, o prazo de caducidade volta a correr, sem que releve o tempo decorrido entre a interrupção decorrente da “propositura da acção” (no caso, a apresentação da participação) e essa mesma interrupção da instância.

4. Pelo que, considerando o teor das normas dos arts. 32º nº1 da LAT, em conjugação com o art. 332º nº 2 CC, e arts. 285º e 286º (in fine) do CPC, se encontram  preenchidos os requisitos da caducidade do direito à acção por parte da Autora.

5. As Instâncias entenderam, porém, que o regime processual civil da suspensão e interrupção da instância (vistas como uma sanção para a inércia das partes em promover o andamento regular dos autos) não se aplica ao processo de acidente de trabalho, devido “…às especificidades próprias …, designadamente que correm oficiosamente, ou seja sem necessidade de impulso das partes (art. 26º nº 2 do Cod. Proc. Trabalho), pelo que nem todas as normas civilísticas têm aplicação no âmbito laboral”.


6. E o raciocínio parece ser este: sendo o processo de natureza oficiosa, e em que se pretende ver declarados direitos do sinistrado ou seus beneficiários (direitos esses associados a princípios de interesse e ordem pública), não faria sentido sancionar a inércia de uma parte (mesmo que negligente, quanto ao andamento do processo), quando, na verdade, este deveria correr sem necessidade da sua própria intervenção. Na base desta interpretação estará, no fundo, o princípio da protecção da parte mais fraca.

7. Salvaguardando o devido respeito, nos presentes autos têm-se esquecido que, em direito do trabalho, o princípio da protecção da parte mais fraca é um pressuposto normativo, e não o critério de interpretação da lei, exclusivo ou preponderante (dos eleitos pelo art. 9º do Código Civil) ou, pior, correctivo da própria norma – vide BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER (“Curso de Direito do Trabalho”, 1993, pag. 264-266”).

8. A parte teoricamente mais fraca no processo de acidente de trabalho encontra-se já devidamente tutelada pelo direito positivo em vários e relevantes aspectos: inicio da instância (art. 26 nº 3 CPT, em confronto com a norma do art. 267º, CPC); a forma como, sem intervenção sua, vê por regra impedida a caducidade do seu direito de acção (arts. 15º, 16º e 18º da Lei 143/99, de 30.09); o regime de nulidade associado às convenções contrárias aos direitos ou garantias conferidas na LAT, tal como o são os actos e contratos que visem a sua renúncia (art. 34º); tutela acrescida dos créditos provenientes do direito às prestações estabelecidas pela LAT (art. 35º); a simplicidade dos critérios legais para o preenchimento do conceito de acidente de trabalho (art. 6º, LAT); etc., etc.

9. Apesar de a lei nada referir a tal propósito, a Jurisprudência defende como não aplicável a norma do art. 285º do CPC aos processos de acidente de trabalho, com fundamento no princípio da protecção da parte mais débil (via carácter oficioso do processo de acidente de trabalho).

10. Todavia, com tal raciocínio, o interprete/julgador distingue algo que a própria lei (os arts. 285º do CPC, e 119º nº 4 do CPT, e, por arrastamento, a norma do art. 332º nº 2 do Código Civil) nunca declara como excepção - ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemus.

11. A tese jurisprudencial enquadra-se no âmbito da interpretação correctiva, pois que se defende que a razão da lei seria contrária a um interesse que se pretende preponderante. A lei é então tratada como injusta ou perversa.

12. Sucede, porém, tal interpretação não é recente. Ela remonta já, pelo menos, à década de oitenta do século passado. E, apesar de bem ciente desta posição jurisprudencial, o Legislador nada alterou, no sentido de acrescentar ao Código de Processo de Trabalho uma norma que esclarecesse, nomeadamente, que a instância no processo de acidente de trabalho é insusceptível de ser interrompida.

13. Tal não sucedeu ao longo dos cerca de 18 anos de vigência do CPT de 1981, dos dez anos do CPT de 1999, e continua a não estar previsto no novo CPT de 2009, aprovado pelo Dec.-Lei nº 295/2009, de 13.10 (entrada em 01.01.2010): quer o art. 119º nº 4, quer o art. 26º do CPT, continuam a não sufragar a tese jurisprudencial aqui em causa.

14. Salvo melhor entendimento, e com o devido respeito, a história dos preceitos legais em apreço demonstra à saciedade que, bem ou mal, o Legislador não tem dúvidas na aplicação plena do regime do art. 285º CPC aos processos de acidente de trabalho….

15. Por outro lado, importa analisar algumas das (imediatas, pelo menos) consequências/questões decorrentes da interpretação jurisprudencial de que aqui se discorda:

- Qual então o limite temporal para o processo ficar “a aguardar” que o sinistrado/beneficiário decida dar o impulso necessário (a instauração da acção)? - violação do princípio da certeza e segurança jurídicas;

- Deve o sinistrado/beneficiário (Autor na acção) continuar a contar com tal situação de privilégio processual, temporalmente ilimitado, apesar de informal mas sistematicamente alertado/convidado a promover a adequada iniciativa processual, por parte do Ministério Público e, mesmo pela Ré ora Recorrente?

- Se a parte supostamente mais fraca e prejudicada pela demora no processo, na realidade não o for, continua a aplicar-se a tese da insusceptibilidade de interrupção (que pressupõe essa mesma desigualdade de posições processuais)?

- Podendo o sinistrado/beneficiário deixar indefinidamente pendente o processo de acidente de trabalho, é justo que a contra-parte seja onerada com os juros de mora correspondentes ao tempo decorrido até à instauração da acção (art. 135º do CPT)?


16. A tese defendida jurisprudencialmente, pelo carácter ilimitado na sua aplicação e de injustiça em relação ao caso concreto, acarreta resultados nefastos, contraproducentes e indesejáveis para a Ordem Jurídica. 

17. Do teor da norma do art. 26º nº 2 do CPT, não se alcança que os processos de acidente de trabalho, revestindo embora natureza oficiosa, corram sempre “sem necessidade do impulso das partes”.O que o aludido preceito estatui é, tão-somente, que as acções emergentes de acidentes de trabalho têm natureza urgente e “correm oficiosamente”.

18. No processo de acidente de trabalho, a oficiosidade é revelada pela intervenção do Ministério Público que, para além de presidir à tentativa de conciliação da fase conciliatória, é, por natureza, o representante e “patrono” do sinistrado ou seus beneficiários (art. 119º do CPT). Enquanto defensor da legalidade, compete ao Ministério Público assegurar que aos sinistrados e beneficiários em processo de acidente de trabalho são efectivamente atribuídos os direitos consagrados na Lei, enquanto concretização de princípios de ordem e interesse público.

19. Nisto se resumirá a essência da natureza e a tramitação oficiosa do processo de acidente de trabalho: toda a construção interpretativa elaborada a partir do carácter oficioso da tramitação deste processo, resulta, afinal, das prerrogativas legais associadas à intervenção do Ministério Público, enquanto patrono do sinistrado ou beneficiário.     

20. Se lermos com atenção o disposto no art. 119º do CPT, concluímos que o mesmo se dirige especificamente à situação de o Ministério Público, representante do Estado e defensor da legalidade, se encontrar na qualidade de patrono oficioso do sinistrado.

21. Daqui se alcança que, quando o sinistrado ou beneficiário se encontre já representado por Mandatário (e enquanto tal ocorrer), não lhe será aproveitável a dispensa de “sanção” processual se os autos permanecerem paralisados por certo tempo em consequência de inércia.

22. Passando a ser um processo “mais” da parte, esta deixa de poder invocar a seu favor qualquer suposta impossibilidade de influenciar o andamento do processo, e por inerência, a natureza oficiosa do processo de acidente de trabalho como razão para a “desculpabilização” (que, valha a verdade, roça a impunidade) para uma eventual inércia, desinteresse e negligência suas quanto ao andamento do processo.

23. Neste quadro, a negligência da parte em promover o andamento do processo conduz, nomeadamente, e desde que decorrido o tempo necessário para o efeito, à efectiva e incondicional interrupção da instância – vide acórdãos de 09-01-2008 do Supremo Tribunal de Justiça (www.dgsi.pt, Proc. nº 07S2893), de 14.10.2002 e 12.11.1990, ambos do Tribunal da Relação do Porto (www.dgsi.pt, Proc. nº 0240810 e Proc. Nº 012417).


24. A petição inicial da Autora apenas deu entrada em juízo em 11.11.2008, isto é, mais de 2 anos e meio após a tentativa de conciliação (03.04.2006), em que a mesma interveio pessoalmente nos autos, e com o devido acompanhamento de Ilustre Mandatária; e 1 ano e seis meses após ter sido proferido despacho judicial de interrupção da instância.

25. Deste modo, e considerando o antes exposto, é certo que, pelo menos desde 03 de Abril de 2006, o ónus do impulso processual deixou de competir ao Ministério Público, passando a recair sobre a própria parte. E é igualmente certo que esta, devidamente representada e informada de todas as vicissitudes dos autos (despachos de suspensão e subsequente interrupção da instância), nada fez ou diligenciou para que a acção entrasse, como devido, na fase contenciosa, mediante o oferecimento da correspondente petição inicial….

26. Pelo que, mesmo que se admitisse a bondade da tese do douto acórdão recorrido, e encontrando-se a Autora devidamente representada por Ilustre Mandatária pelo menos desde a tentativa de conciliação, não há dúvida que as razões subjacentes à lei (art. 119º, CPT) e a tal entendimento, não lhe podem ser aproveitáveis., ocorrendo por isso, e em todo o caso, a interrupção da instância, com a caducidade daí decorrente.

27. Não se pode olvidar que a Lei reconhece relevância aos valores da certeza e segurança jurídicas, mesmo que em prejuízo de direitos indisponíveis, inalienáveis, irrenunciáveis e impenhoráveis (arts. 34º e 35º da LAT) dos sinistrados ou seus beneficiários. A LAT nunca refere os direitos nela consagrados como imprescritíveis ou insusceptíveis de caducidade.

28. Se a natureza oficiosa que caracteriza o processo de acidente de trabalho assumisse tamanha preponderância ao ponto de afastar as regras gerais atinentes ao decurso do tempo e seus efeitos sobre as relações jurídicas e direitos das pessoas –, seguramente que a Lei substantiva competente (LAT) não seria a primeira a admitir expressamente o contrário (art. 32º nº 1).


29. Também a norma do nº 2 do mesmo art. 32º da LAT estipula um prazo de prescrição para as prestações emergentes desta Lei, mesmo que estabelecidas por decisão judicial. Ou seja, mesmo após declaração judicial dos direitos do beneficiário, estes mesmos direitos podem vir a extinguir-se, por prescrição, caso não sejam reclamados no prazo em questão.

30. A caducidade e a prescrição previstas no art. 32º da LAT, como formas de extinção dos direitos dos sinistrados ou seus beneficiários, têm plena aplicação [n]os processos de acidentes de trabalho, sendo que ambos os institutos encontram, como se sabe, a sua sede regulamentadora própria no Código Civil (arts. 300º a 333º, CC), sem excepções que não as expressamente previstas.

31. “O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine” (art. 328º CC): como ao intérprete está vedado distinguir onde a lei não distingue – e, note-se, nem a LAT, nem o Código Civil aqui o fazem! –, não se vislumbra qualquer  fundamento ou motivo legal para deixar de aplicar, integral e incondicionalmente, a norma do art. 332º nº 2 CC ao processo de acidente de trabalho.

32. À luz do carácter indisponível e oficioso dos direitos em causa, forçoso será reconhecer que, na sua essência, a caducidade de um ano para entrada da participação do sinistro (como forma de garantir a segurança jurídica) em nada difere relativamente à estatuída na lei em geral (art. 332º, nº 2, CC), como forma de definição da situação jurídica das partes.

33. Inexiste qualquer incompatibilidade entre o regime legal da caducidade (todo ele, isto é, sem excepção ao art. 332º nº 2, CC) e a natureza oficiosa do processo de acidente de trabalho (Neste sentido, vide PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Direito do Trabalho”, Almedina, 2ª Edição, 2005, pag. 844).

A-2) Do despacho judicial da interrupção da instância: 

34. Diversamente do referido no douto acórdão recorrido, o elemento decisivo para a questão da caducidade não decorre do regime específico estatuído no art. 332º nº 2 do CC (que é sempre aplicável), mas antes do pressuposto em [que] tal norma assenta: a verificação da interrupção da instância. O que as instâncias não admitem é interrupção da instância em si mesma.

35. Mas, sendo esta interrupção uma realidade no processo, apenas restará aplicar o regime previsto na regra do art. 332º nº 2 CC, na sua articulação, v.g, com o disposto no art. 286º, in fine, CPC.


36. Não se surpreende no art. 332º nº 2 CC qualquer vocação ou finalidade punitiva para a parte eventualmente passiva relativamente aos seus deveres processuais. O objectivo desta norma prende-se com o valor da segurança jurídica que assiste (também) ao “devedor”, no sentido de que evitar que, após o impedimento inicial da caducidade com a propositura da acção por parte do autor, com a superveniência da interrupção da instância, não tenha que (rectius, não possa) ficar indefinidamente a aguardar por evolução e desfecho do processo.

37. É infundada a “consequência” da não aplicação do art. 332º nº 2 CC ao processo de acidente de trabalho, com (ou por causa d’) o argumento de que, a tramitação deste processo não pode ser legalmente afectada pela inércia das partes.

38. Nos presentes autos, existe efectivamente uma vertente punitiva reportada ao desinteresse da Autora em prosseguir com os mesmos seguidamente à tentativa de conciliação, realizada em 03.04.2006. Mas ela emerge e resulta do despacho de fls. 124. 

39. Tendo presente que, por douto despacho de 18.05.2007, o Digno Tribunal decretou formalmente a interrupção da instância, tem de se retirar as devidas consequências da circunstância de a Autora, devidamente notificada de tal decisão, nada veio dizer ou reagir em relação ao teor e efeitos desse mesmo despacho.

40. O que significa que, pretendendo que a inércia processual em nada afectaria o desenvolvimento dos autos e, bem assim, que, por via da forçosa conjugação de normas legais (285º e 286º CPC, 32º LAT e 332º nº 2 CC), não seria aplicado o regime legal – também ele imperativo – da interrupção da instância, era, apenas, a própria declaração judicial de interrupção da instância (isto é a convocação e aplicação da norma do art. 285ºCPC) que cumpria censurar juridicamente.

41. Discorda-se do entendimento das Instâncias na parte em que alegam que aquela decisão de fls. 124 declarou indevidamente a interrupção da instância. Todavia, como é certo que tal decisão não foi objecto de impugnação, a mesma transitou em julgado, formando-se caso julgado formal quanto à efectiva verificação da interrupção da instância.

42. A decisão contida naquele despacho tornou-se, consequentemente, imodificável, já que não obsta ao caso julgado a desconformidade entre a decisão e as normas jurídicas aplicáveis (Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Proc. Civil, 1968, pag. 30).

43. Tendo a Autora se conformado com a aplicação da norma verdadeiramente sancionadora da sua inércia processual, não será lícito pretender afastar agora as consequências legais do regime da interrupção da instância, em jeito de compensação da não reacção ao despacho de fls. 124.

44. Dizer que, não obstante o trânsito em julgado do despacho de fls. 124, a interrupção da instância ali decretada não tem os efeitos previstos no art. 332º nº 2, constitui uma inaceitável violação da autoridade do caso julgado, e da obediência e dignidade devidas às próprias decisões judiciais; e é desvalorizar por completo a referida decisão judicial, retirando-lhe toda e qualquer relevância e utilidade intrínsecas (o que se revela impraticável, art. 137º, CPC, e inadmissível por ilegal (arts. 156º, 157º, 158º, 672º e 673º, CPC) e contrário à Constituição da República (ar. 205º, nº 2, CRP).

45. Havendo apreciação judicial quanto à verificação da interrupção da instância, o respectivo regime (que o tem que ter!) será obrigatoriamente o que resulta da aplicação das normas dos arts. 286º CPC, in fine, e 332º nº 2 do CC.
46. Por conseguinte, por força dos arts. 285º, 286º do CPC, e 332º nº 1 CC, em articulação com a norma do art. 32º nº 1 da LAT, renova-se a conclusão de que se encontra verificada a caducidade dos direitos que a Autora pretende fazer valer nos presentes autos.

B) DA PRESCRIÇÃO DOS CRÉDITOS DO ISS:

47. No presente recurso apenas está em discussão qual o prazo de prescrição aplicável.

48. A sub-rogação coloca o ISS na posição da Autora beneficiária perante a ora Recorrente. Não o coloca na posição que a Autora tem perante o próprio ISS.

49. O prazo de cinco anos para a Autora requerer junto do ISS a concessão das prestações sociais é objectivamente alheio ao feixe obrigacional que “une” a Autora às Rés. Daí que, não possa o ISS aproveitar de tal prazo para o pedido de reembolso.   

50. O ISS não está a exigir das Rés os direitos (pensões) devidos à Autora com base no regime legal previsto na Lei 100/97. Está tão-somente a reclamar a restituição das quantias que pagou à Autora (esta na qualidade de beneficiária da Segurança Social), no estrito e específico âmbito da relação pública prestacional.


51. O direito de reembolso do ISS perante os responsáveis pelas consequências do acidente apenas se enquadra e explica no âmbito do instituto da responsabilidade civil. Trata-se de normal obrigação de indemnização sem vínculo contratual subjacente (a ligar Demandante e Demandado), regulável nos termos gerais: facto, ilicitude, culpa (se for o caso), dano e nexo causal entre os primeiros e este último (arts. 483º, 499º e 562º e seguintes do Código Civil).

52. Deste modo, o prazo de prescrição para o ISS é de três anos (art. 498.º, Código Civil), e é certo, que como primitiva lesada, a beneficiária teve conhecimento do direito que lhe competia no próprio dia do acidente (16.10.2005), ou, no pior dos cenários, na data (03.11.2005) em que formulou o requerimento junto da Demandante de prestações por morte – Doc. nº 1 do pedido do ISS.

53. Donde que se conclui que, em relação ao aqui Demandante, como substituto da primitiva lesada ou agindo em nome próprio, se encontrarão decorridos mais de três anos desde o termo inicial de tal prazo, por referência à data de entrada do mencionado pedido (04.12.2008) – vide, a propósito, acórdãos da Relação do Porto de 04.02.1997 e 11.02.1982 (Processos, respectivamente, nºs 9621141 e 001660).

54. Por isso, e salvo melhor opinião, se confirma a prescrição de todos os créditos reclamados pelo ISS/CNP.

Pede-se assim a revogação do acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por nova decisão que declare verificada a caducidade do direito à acção da Autora e/ou a prescrição dos créditos do ISS.             

Não houve alegação dos recorridos

Subidos os autos a este Tribunal, foram os mesmos com vista ao Ex.mº Senhor Procurador Geral Adjunto que emitiu parecer fundamentado no sentido da improcedência do recurso.

E corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2----

 O acórdão recorrido fundou-se na seguinte matéria de facto:

1) No dia 6 de Setembro de 2005, na localidade de … – Cartaxo, ocorreu um acidente de trabalho de que foi vítima EE e do qual resultou a morte deste ocorrida em 16 de Outubro de 2005.

2) Deixou como única beneficiária legal a sua viúva, ora autora, AA.

3) O acidente foi participado a Tribunal por “fax” datado de 25 de Outubro de 2005.

4) Na tentativa de conciliação apenas a ora recorrente, entidade patronal do sinistrado, não aceitou conciliar-se pois não reconheceu que o acidente tenha sido causa directa e necessária da morte e ainda porque aquele terá ocorrido devido a negligência grosseira do sinistrado.

5) Por despacho proferido a fls. 129, que transitou em julgado, julgou-se interrompida a instância.

6) Com data de 11/11/2008 a autora apresentou petição inicial demandando a ora recorrente e ainda as seguradoras BB e CC.

8) Com data de 27/11/08, o ISS, citado para o efeito em 14/11/08, veio deduzir contra as rés o pedido de reembolso das quantias que pagou à beneficiária a título de subsídio por morte e a título de pensões de sobrevivência, requeridas por aquela em 3 de Novembro de 2005 e com proposta de reconhecimento do direito às mesmas em 21/11/05.

9) Findos os articulados foi proferido despacho saneador que, no que ao caso interessa, é do seguinte teor:

§ Cumpre conhecer, agora, da excepção de caducidade suscitada pela ré DD.

Há que destacar que estamos aqui no âmbito de uma acção especial de acidente de trabalho.

Os processos emergentes de acidente de trabalho correm oficiosamente sem necessidade do impulso das partes - art. 26º, nº 2, do CPT.

Decorre de quanto acaba de referir-se, como é entendimento praticamente uniforme na doutrina e na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, que a figura da interrupção da instância não é aplicável nos processos emergentes de acidentes de trabalho.

Apesar disso, foi proferido, em 18/5/07, o despacho de folhas 124 que, indevidamente, declarou a interrupção da instância.

Esse despacho foi notificado às partes, havendo transitado em julgado, por falta de oportuna impugnação.

Ora, quando a caducidade se refira ao direito de propor certa acção em juízo e esta haja sido tempestivamente proposta, dispõe o artigo 332º, nº 2, do Código Civil, que "se a instância se tiver interrompido, não se conta para efeitos de caducidade o prazo decorrido entre a proposição da acção e a interrupção da instância".

Como assim, de acordo com a norma acabada de ser considerada, interrompida a instância, o prazo fixado para a proposição da acção volta a correr, não se contando, para efeitos de caducidade, o prazo decorrido entre a propositura da acção e a interrupção da instância; apenas se conta o tempo decorrido anteriormente à proposição da acção e o tempo posterior à interrupção da instância, somando-se um com outro (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anot., I, 4ª ed., pág. 297; Mário de Brito, Cód. Civil Anot., I, 1967, págs. 434 e 435).

Porém, tal solução é inaplicável em sede de acções emergentes de acidentes de trabalho.

Efectivamente, o regime consagrado no nº 2, do mencionado artigo 332º, assenta no pressuposto da existência de inércia das partes, designadamente do autor, ao qual incumbe, em regra, promover o andamento do processo. Esse regime representa uma sanção para a inobservância do ónus de promoção ou de impulso processual.

Ora, como se disse, os processos emergentes de acidentes de trabalho correm oficiosamente, sem necessidade do impulso das partes.

Por isso, não podendo a tramitação desses processos ser legalmente afectada pela inércia de qualquer das partes, também lhes não pode ser aplicável o regime previsto no nº 2, do referido artigo 332º, dado que ele constitui uma forma de sancionamento dessa inércia, ou seja, do incumprimento do ónus de impulso processual.

Assim, não se aplicando às acções emergentes de acidentes de trabalho o princípio do impulso processual por iniciativa das partes, também, correlativamente, se lhes não pode aplicar aquele regime sobre a caducidade do direito de acção.

No âmbito dessa espécie de processos, somente releva, para efeitos da caducidade do direito de acção, nos termos do nº 1, do artigo 32º da LAT, o prazo decorrido entre a cura clínica ou a morte do sinistrado e a data do recebimento no tribunal competente da participação do acidente, o qual marca o momento exacto do início da instância (art. 26º, nº 3, do CPT).

A partir dessa data, os processos emergentes de acidentes de trabalho correm oficiosamente, jamais podendo reiniciar-se o decurso do prazo de caducidade do direito de acção - neste sentido, STJ, acórdão de 30/11/1994, CJ do STJ de 1994, III, pág. 301.

No caso em apreço, o óbito do sinistrado ocorreu em 16/10/2005; a participação de acidente de trabalho deu entrada em juízo no dia 26/10/05.

Daí resulta não se haver completado, sequer, o prazo de um ano de que autora dispunha para exercitar o direito de acção respeitante às prestações reclamadas nesta acção.

Improcede, assim, esta excepção de caducidade invocada pela ré DD.

§ Cumpre, de seguida, apreciar a excepção de prescrição que a ré DD deduziu em relação ao pedido de reembolso do ISS.

Estão em causa pensões de sobrevivência e subsídio por morte pagos pela segurança social à autora.

É preciso ter em consideração, antes de mais, que a natureza dessas prestações é determinável no seu regime legal, o qual resulta do DL 322/90, de 18/10, que define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral da segurança social.

Nos termos do seu artigo 3º, a protecção por morte dos beneficiários activos ou pensionistas é realizada mediante a atribuição das prestações pecuniárias denominadas "pensão de sobrevivência" e "subsídio por morte".

A pensão de sobrevivência é uma prestação social pecuniária que visa compensar determinados familiares do falecido beneficiário da segurança social da perda do rendimento de trabalho determinada pela morte - cfr. artº 4º, n.º1 do citado diploma legal.

Já a prestação social designada por subsídio por morte destina-se, por seu turno, a compensar o acréscimo dos encargos decorrentes da morte do beneficiário, com vista à facilitação da reorganização da vida familiar - cfr. artº 4º n.º 2, do mesmo diploma.

Estas prestações de natureza social não constituem, assim, uma directa contrapartida das contribuições dos beneficiários, caracterizam-se antes por prestações sociais obrigatórias do ISS aos seus beneficiários, e diferem das prestações devidas por terceiros, em razão da perda de rendimentos de trabalho e do despendido com o funeral do beneficiário, no quadro da responsabilidade civil, que assumem uma natureza indemnizatória.

Situações existem, porém, em que o facto gerador do direito às mencionadas prestações sociais é, também, constitutivo de responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de trabalho - é o que pode vir a concluir-se na situação em apreço se resultar da decisão final a proferir nestes autos que o sinistrado faleceu em consequência de acidente de trabalho.

Nessa eventualidade, verifica-se o seguinte: a viúva do sinistrado fica constituída perante o ISS no direito a que lhe seja paga a pensão de sobrevivência e o subsídio por morte a que acabou de aludir-se; do mesmo passo, fica constituído perante os responsáveis civis pelo acidente de trabalho (a ré seguradora e eventualmente a DD), no direito a que lhe sejam pagos a pensão e o subsídio por morte previstos na LAT.

Ora, nos termos do anterior art. 16º da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, e do actual artº. 71º da Lei n.º 32/2002, de 30 de Dezembro, no caso de concorrência, pelo mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder.

Assim, o contemplado direito de sub-rogação do ISS, e com ele a não definitividade do encargo com o pagamento das pensões de sobrevivência e do subsídio por morte, só existe no caso de concorrência (pelo mesmo facto), do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiro, pois que o pagamento daquelas prestações sociais pode implicar um encargo definitivo para o ISS, no caso, por exemplo, da morte do beneficiário resultar de uma morte natural.

No fundo, as instituições de segurança social assumem um papel subsidiário e provisório, face à obrigação de indemnização de que é sujeito passivo o responsável civil.

Donde se tenha vindo a afirmar na jurisprudência portuguesa a incomunicabilidade na esfera patrimonial dos beneficiários, das indemnizações por perda de rendimento do trabalho realizado pelo falecido e pelo dispêndio com o seu funeral, a serem-lhes pagas à luz da LAT, com as prestações de segurança social consubstanciadas nas pensões de sobrevivência e no subsídio por morte pagos pelo ISS.

Deste modo, o ISS tem o direito de exigir dos responsáveis pelas prestações devidas ao abrigo da LAT, na medida das responsabilidades deles, o que pagou a título de pensões de sobrevivência e de subsídio por morte, com a necessária implicação de esses valores serem deduzidos ao montante indemnizatório atribuído aos beneficiários das prestações previstas na LAT.

Por outras palavras, tendo o ISS pago a pensão de sobrevivência e subsídio por morte a beneficiários de pensões e subsídio por morte devidos por acidente de trabalho mortal, tem direito a ser reembolsado das quantias assim pagas, na acção emergente desse acidente, pelo responsável civil desse sinistro.

Em contrapartida, os valores que forem reembolsados ao ISS devem ser deduzidos ao montante indemnizatório a pagar pelos responsáveis aos beneficiários no quadro da indemnização devida pelo acidente de trabalho em causa - sobre esta temática, podem consultar-se os acórdãos do STJ de 17/5/07 (processo 07S051) e de 15/11/06 (processo (06S3408), da Relação de Lisboa de 19/10/05 (processo 2590/05-4) e de 17/1/06 (processo 9762/2006-4), da Relação do Porto, de 22/9/94 (processo 0411905).

Tendo presente este enquadramento, evidente se nos afigura que não está extinto por prescrição o direito ao reembolso a que o ISS se arroga.

Cabe sublinhar, antes de mais, que foi estabelecido um prazo de cinco anos a contar do falecimento ou desaparecimento do beneficiário da segurança social para que sejam re... as prestações sociais em consideração (artº 48º do DL 322/90); trata-se de um prazo de caducidade (art. 298º, nº 2, do CC), que não de prescrição do tipo da invocada pela DD.

Sucedendo o ISS, por sub-rogação, nos direitos da aqui autora, evidente se nos afigura que o prazo mínimo que tinha de conceder-se ao ISS para o exercício do direito ao reembolso nunca poderia ser inferior àquele que a própria lei concede ao titular do direito às prestações sociais (os ditos 5 anos a contar do falecimento ou desaparecimento).

Portanto, tendo o aqui sinistrado falecido em 2005, o dito prazo de cinco anos ainda nem sequer decorreu à data deste despacho e, por isso, nunca poderia sustentar-se a extinção do direito de reembolso do ISS pelo simples decurso de um determinado período de tempo.

Diga-se, aliás, que ao contrário do sustentado pela DD, o direito às referidas prestações sociais nunca pode considerar-se sujeito ao prazo de prescrição do art. 498º do CC, por duas razões, a saber: é a própria lei quem estabelece um prazo de cinco anos para o seu exercício; tratando-se de prestações sociais que não têm natureza indemnizatória e considerando que tais prestações são devidas mesmo que o facto de que emerge a morte não assuma a natureza de ilícito extracontratual (v.g. morte natural), nunca o direito a essas prestações sociais pode considerar-se sujeito ao prazo de prescrição enunciado no art. 498º, nº 1, do CC, justamente para as situações de responsabilidade civil extracontratual.

Além disso, cabe ter em consideração que era a aqui autora a titular do direito às prestações sociais que estão a ser concretamente consideradas nesta ocasião.

Por isso, qualquer prazo de prescrição que se entendesse legalmente consagrado por referência ao exercício desse direito seria um prazo que correria, em primeira linha, contra o titular do direito (no caso do autos a autora) e em benefício do sujeito passivo da obrigação correspondente (no caso dos autos o ISS); esse eventual prazo prescricional nunca correria em benefício de terceiros, como é o caso da DD; logo, esta não teria qualquer legitimidade para invocar qualquer prescrição a que a autora estivesse sujeita por referência ao exercício do direito às mencionadas prestações sociais.

Por outro lado, nestes autos a DD é demandada pelo ISS não como responsável pela satisfação daqueles direitos sociais de que o ISS é sujeito passivo, mas como alegado responsável pelas prestações devidas em consequência de acidente de trabalho, sendo que a medida da eventual responsabilidade da DD será sempre limitada, independentemente da medida das responsabilidades sociais do ISS e do que este tiver satisfeito no cumprimento dessas responsabilidades, pela legislação dos acidentes de trabalho.

Ora, em matéria de acidentes de trabalho o único prazo extintivo que poderá aproveitar à DD seria o previsto no art. 32º/1 LAT que, como já se deixou escrito, não pode aproveitar-lhe.

Mesmo a admitir-se que o prazo prescricional aplicável à situação em apreço seria o de três anos sustentado pela DD e que esta teria legitimidade para invocar essa prescrição, sempre se dirá que esse prazo não pode considerar-se completado.

Admita-se, para comodidade de raciocínio, que o prazo começava a correr com o óbito do sinistrado (16/10/05) e que esse prazo era, até, o de três anos sustentado pela ré DD; ainda assim, não pode reconhecer-se qualquer prescrição do direito que o 1SS pretende exercer através do pedido de reembolso.

A titular do direito requereu o respectivo reconhecimento em 3/11/07[1] (fls. 223).

Em 21/11/05, foi proposto o reconhecimento do direito (fls. 225).

É inequívoco que essa proposta de reconhecimento foi acolhida, pois que teve lugar o pagamento documentado pela certidão de fls. 226, datada de 27/11/08.

De tudo resulta, assim, que o direito da autora às prestações sociais foi exercido e reconhecido muito antes do decurso daquele prazo de três anos.

Ora, estando em causa uma situação de sub-rogação, o ISS sucede na posição jurídica da viúva adquirindo os poderes que a esta competiam (art. 593º/1 CC).

Portanto, o ISS ficou sub-rogado no direito da autora obter o pagamento/reembolso das prestações correspondentes aos direitos sociais que foram reconhecidos à autora, embora relativamente à DD só até ao limite da responsabilidade desta decorrente da legislação de acidentes de trabalho.

Ao devedor, no caso a DD, só seria lícito invocar perante o ISS os meios de defesa que lhe seria lícito invocar perante a viúva (art. 585º CC, ex vi do art. 594º do CC); no caso, como se viu, o único meio de defesa decorrente do decurso do tempo que a DD poderia invocar perante a viúva era o decorrente do prazo extintivo previsto no art. 32º/1 LAT que, como já se deixou escrito, não pode aproveitar-lhe.

Tudo para concluir, pois, no sentido da improcedência da excepção de prescrição invocada pela DD em relação ao pedido de reembolso por parte do ISS”.

3----

E decidindo:

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente, conforme resulta dos artigos 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, são duas as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal:

1. Caducidade dos direitos da autora

2. Prescrição do direito do ISS em relação ao pedido de reembolso.

3.1---

Assim e quanto à caducidade:

            Por vezes a lei sujeita o direito a um prazo em que deve ser exercido. Por isso e decorrido esse prazo, tal direito extingue-se se não for exercitado.

            No caso concreto, sendo aplicável ao acidente dos autos o regime da Lei 100/97 de 13/9, é indiscutível que o direito de acção respeitante às prestações resultantes do acidente caduca no prazo de um ano, contado a partir da morte do sinistrado, conforme determina o nº 1 do artigo 32º daquela lei, a seguir designada por LAT.

            Donde resulta que a A tinha o prazo de uma ano contado da data do decesso do falecido marido para dar início à acção com vista à reclamação dos seus direitos.

Tratando-se da propositura duma acção, o acto interruptivo da caducidade é constituído pelo recebimento da petição inicial pela secretaria do tribunal a que é dirigida, consoante resulta do artigo 267º, nº 1, do CPC, sendo esse momento que releva para impedir a caducidade.

Assim será suficiente para obstar à caducidade que a petição inicial dê entrada em juízo dentro do prazo estabelecido na lei, sendo irrelevante a data da citação do Réu, que só interessa para efeitos de interrupção da prescrição (nº 2).

   Por isso, a acção considera-se tempestivamente instaurada desde que a petição inicial dê entrada na secretaria antes de se completar o prazo de caducidade legalmente fixado.

No entanto, em sede de processo de acidente de trabalho, que constitui um processo especial conforme se colhe dos artigos 99º e seguintes do CPT aprovado pelo DL nº 480/99 de 9/11, a questão põe-se em moldes diferentes, pois a instância inicia-se com a participação do acidente, conforme prescreve o seu artigo 26º nº 3.

Na verdade, este tipo de processo inicia-se por uma fase conciliatória, dirigida pelo Ministério Público e que terá por base a participação do acidente de trabalho (99º nº 1 do CPT).

Apenas se as partes não chegarem a acordo, ou se este não for homologado é que se seguirá a fase contenciosa, que se iniciará com a apresentação duma petição inicial ou de requerimento para realização de junta médica, conforme estabelece o artigo 117º do mesmo CPT.

Todavia, o que marca o início da instância não é a apresentação da petição inicial ou do requerimento de junta médica, mas a apresentação da participação do acidente.

Por isso, o momento a atender para efeito da caducidade do direito de acção, quer da vítima, quer dos seus beneficiários legais no caso de acidente mortal, não é o data do início da fase contenciosa mediante a apresentação da petição inicial, mas o da data da participação do acidente com a qual se deu início à instância[2].             

No caso presente, tendo a morte do sinistrado ocorrido em 16 de Outubro de 2005, e tendo a participação do acidente entrado no dia 26 de Outubro do mesmo ano no Tribunal do Trabalho de Santarém, concluímos que a instância se iniciou muito antes de se ter completado o prazo de uma ano estabelecido no artigo 32º da LAT.

Acontece porém, que a tentativa de conciliação foi realizada em 3/4/2006. E como a A não apresentou a petição inicial no prazo de 20 dias, conforme consta do nº 1 do artigo 119º do CPT, foi proferido, em 9 de Maio de 2006, despacho a considerar suspensa a instância, conforme prevê no seu nº 4.

Além disso, em 18/5/2007, foi ainda proferido despacho a declarar interrompida a instância e que, notificado às partes não gerou qualquer reacção.
Perante este quadro, sustenta a recorrente que a negligência da parte em promover o andamento do processo conduziu à efectiva e incondicional interrupção da instância, pelo que tendo a A apresentado a petição inicial em 11.11.2008, isto é, mais de 2 anos e meio após a tentativa de conciliação, consumou-se o prazo de caducidade.
           
Argumenta para tanto que esta interrupção foi uma realidade no processo, pelo que apenas restará aplicar o regime previsto na regra do art. 332º nº 2 CC, na sua articulação, v.g, com o disposto no art. 286º, in fine, CPC, argumentação que não convenceu o Tribunal recorrido.

Também não podemos concordar com esta pretensão da recorrente.

 

Efectivamente, na reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho estão subjacentes interesses de ordem pública, bem expressos no artigo 34º da LAT, que considera nula qualquer convenção contrária aos direitos ou às garantias conferidos por esta lei, cujos créditos são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis, conforme estatui o artigo 35º.

Por estas razões estabeleceu a lei processual um processo especial para a efectivação destes direitos, de cujas características se destaca o seu curso oficioso, ou seja, o processo corre sem necessidade do impulso das partes, conforme resulta do artigo 26º nº 2 do CPT.

Daqui que se tenha formado uma corrente jurisprudencial, firme, no sentido de que não estando o impulso processual das acções emergentes de acidentes de trabalho condicionado pela vontade das partes, a negligência destas não pode exercer qualquer influência sobre o processo, nomeadamente no efeito de interromper a instância à luz do artigo 285º do CPC.

Efectivamente, e citando o acórdão recorrido, ”Esta interrupção assume clara natureza de sanção imposta pela lei à inobservância do ónus determinado no nº 1 do artº 267º do Cód. Proc. Civil. As duas disposições são correlativas: a interrupção da instância é consequência lógica do incumprimento do ónus exarado no nº 1 do mencionado artº 267º. O facto de a petição inicial não ser apresentada, nos processos emergentes de acidente de trabalho, dentro do prazo de um ano e dia decorridos sobre a notificação do despacho a declarar suspensa a instância nos termos do artº 117º-4 (actual artº 119º), do Cód. Proc. Trabalho não conduz à interrupção da instância e à operância da caducidade do direito do sinistrado, apenas tendo como consequência a suspensão da instância e não a interrupção da mesma, não sendo aplicável nestes casos o artº 285º do Cód. Proc. Civil, incompatível com o curso oficioso dos processos daquela natureza (Ac. do STA de 23.03.71, in AD do STA, págª 945).

Assim, no âmbito dos processos emergentes de acidentes de trabalho, somente releva, para efeitos da caducidade do direito de acção, o prazo decorrido entre a cura clínica ou morte do sinistrado e a data do recebimento no tribunal competente da participação do acidente, a qual marca o momento exacto do início da instância. A partir dessa data, os processos emergentes de acidente de trabalho correm oficiosamente, jamais podendo reiniciar-se o decurso do prazo de caducidade do direito de acção”.

Também aderimos a esta posição, que goza de larga aceitação jurisprudencial[3].

É certo que foi proferido despacho a declarar interrompida a instância, despacho que, tendo transitado em julgado, conduziu à formação de caso julgado formal sobre esta decisão.

Mas nem assim é de aplicar ao caso o regime do nº 2 do artigo 332º do Código Civil, conforme advoga a recorrente.

Efectivamente, resulta deste preceito que, interrompida a instância, o prazo fixado para a propositura da acção volta a correr, não se contando para este efeito o prazo decorrido entre a data da propositura da acção e a data da interrupção da instância.

Mas contar-se-á o tempo decorrido antes da instauração da acção e o posterior à interrupção, somando-se um com o outro, conforme sustentam Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, I, 4ª edição, pgª 297; e Mário Brito, Código Civil Anotado, I, 1967, pgªs 434 e 435.

No entanto, esta solução é inaplicável nas acções emergentes de acidentes de trabalho, pois tendo um curso oficioso pelos interesses de ordem pública que prossegue, não pode a sua tramitação ser afectada pela negligência das partes.

Efectivamente, não se aplicando neste tipo de acções o princípio do impulso processual, também não se pode aplicar-lhes o regime do nº 2 do artigo 332º do CC, que constitui uma forma de sancionamento da inércia processual.

Assim e seguindo neste passo o parecer do Ex.mº Magistrado do MP junto deste Tribunal, "a instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento".

Como salientava O Prof. ALBERTO DOS REIS ("Comentário ao Código Processo Civil, 3a, 1926, págs. 339-340), "a interrupção da instância deriva da inércia das partes, e nomeadamente da inércia do autor, ao qual incumbe, em primeira linha, promover o andamento do processo. Quer-se dizer, a interrupção da instância tem o claro sentido de sanção imposta pela lei à inobservância do ónus formulado no artigo 264°: ónus de promoção ou de impulso processual".

E o mesmo ilustre Professor (cfr. Ob. Cit, pág. 335), a propósito da questão de saber se, face do disposto no artigo 24° do Código de Processo do Trabalho então em vigor (ao qual corresponde o artigo 26°, n° 2, do actual Código Processo do Trabalho), o regime da interrupção da instância tinha aplicação aos processos emergentes de acidente de trabalho, escreveu:

"(—) O artigo 24° do Código de Processo nos tribunais do trabalho declara expressamente que os processos emergentes de acidente de trabalho ou de doenças profissionais correm oficiosamente, sem necessidade de iniciativa ou impulso das partes, salvas as excepções prescritas no mesmo Código.

Se não pesa sobre as partes o ónus do impulso processual, imposto no artigo 264° do Código de Processo Civil, não deve a inércia das partes produzir o efeito determinado no artigo 290° (actual artigo 285° do Código de Processo Civil). As duas disposições são realmente correlativas: a interrupção da instância é consequência lógica da inobservância do ónus exarado no artigo 264º”.

Esta doutrina tem plena aplicação no caso presente, sendo absolutamente irrelevante que se tenha formado caso julgado formal sobre o despacho que declarou interrompida a instância, conforme já decidiu este Supremo Tribunal no acórdão de 30/11/1994, CJS, 301/3, posição que também sufragamos.

Na verdade, a pretensão da recorrente iria pôr em causa os princípios de interesse e ordem pública que estão subjacentes à reparação dos danos emergentes dum acidente de trabalho e que estão na base do curso oficioso do processo que os vise efectivar.

Daí que, no âmbito desta espécie de processos, somente releve para efeitos da caducidade do direito de acção, o prazo decorrido entre a morte da vítima e a data do recebimento no tribunal da participação do acidente, pois é esta que marca o início da instância, conforme já se disse.

A partir daí, e dado o seu curso ser oficioso, jamais se pode reiniciar o decurso do prazo de caducidade do direito de acção.

Por isso e como a morte da vítima ocorreu em 16 de Outubro de 2005 e constatando-se que o acidente foi participado ao Tribunal do Trabalho de Santarém por “fax” datado de 25 de Outubro de 2005, não se consumou o prazo de caducidade previsto no artigo 32º nº 1 da LAT.   

Por tudo o exposto, improcede esta questão.

3.2----

Quanto à prescrição

Alega a recorrente que o prazo que o ISS dispõe para pedir o reembolso das prestações pagas não é o prazo que a beneficiária tem para as requerer perante aquele, mas sim o prazo de 1 ano (artº 32º da Lei 100/97 de 13/09); e se for entendido dar prevalência à situação da sub-rogação o prazo é de três anos (artº 498º do Cód.Civil), pois conforme ensina Pedro Romano Martinez “in” Direito do Trabalho, 3ª edição, págª 809 e 810 “a responsabilidade civil por acidentes de trabalho, não obstante constituir um ius singulare, continua a assentar nos pressupostos básicos da responsabilidade civil aquiliana (ius comune), cujas regras, quando não sejam especialmente afastadas, encontram aplicação.

Vejamos então se esta argumentação procede.

Ora, dispõem os nºs 1 e 2 do artigo 1º do DL 59/89 de 22/02 que em todas as acções em que seja formulado pedido de indemnização de perdas e danos por acidente de trabalho ou acto de terceiro, que tenha determinado incapacidade temporária ou definitiva para o exercício da actividade profissional, ou a morte da vítima, serão as instituições de segurança social competentes para concessão das prestações, citadas para, no prazo da contestação, deduzirem pedido de reembolso de montantes que tenham pago em consequência dos referidos eventos.

Efectivamente, uma das funções da Segurança Social, dentro dos objectivos que prossegue, é a de substituir-se à entidade pagadora de rendimentos do trabalho quando os seus beneficiários se vejam privados deles por ocorrência duma eventualidade que integre o direito ao esquema de prestações correspondentes à protecção do regime geral.

Por isso, quando ocorre um evento gerador de perda de remunerações pelas quais haja terceiros responsáveis e cabendo-lhe assegurar, provisoriamente, a protecção do beneficiário, ficará a Segurança Social com o direito de exigir o pagamento dos subsídios ou pensões que tenha pago.

Daí a razão de ser da sua citação ao abrigo daquele diploma legal.

Assim, tendo-se citado o ISS em 14/11/08, veio este em 27/11/08, deduzir contra as rés, pedido de reembolso das quantias que pagou à beneficiária, a título de subsídio por morte e a título de pensões de sobrevivência, que esta havia requerido em 3 de Novembro de 2005 e com proposta de reconhecimento do direito às mesmas em 21/11/05.

Face a este quadro, vejamos então se procede a pretensão da recorrente.

Ora, quanto ao prazo de um ano (artigo 32º nº 1 da LAT) e atendendo a tudo o que já se disse no ponto anterior, obviamente que a questão improcede, pois tratando-se dum prazo de caducidade, o ISS beneficia da regra que considera que o início da instância ocorre com a participação do acidente ao Tribunal.

E quanto à prescrição também não podemos sufragar o entendimento da recorrente.

Na verdade, cabendo à Segurança Social assegurar, provisoriamente, a protecção do beneficiário, ficará esta com o direito de exigir o pagamento dos subsídios ou pensões que tenha pago, pois estas prestações de natureza social não são cumuláveis com a indemnização a cargo de terceiro responsável pelo acidente.

Efectivamente, nos termos artigo 16º da Lei n.º 28/84 de 14 de Agosto (anteriormente em vigor) e a que corresponde o regime do actual artigo 71º da Lei n.º 32/2002 de 30 de Dezembro, designada Lei de Base da Segurança Social, no caso de concorrência, pelo mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder.

Por isso o DL nº 59/89 obriga a que a Segurança Social seja citada em todas as acções em que seja formulado pedido de indemnização por perdas e danos por acidente de trabalho que tenha determinado morte, para deduzir pedido de reembolso dos montantes que tenham pago em consequência de tal evento.

Assim, o contemplado direito de sub-rogação do ISS e com ele a não definitividade do encargo com o pagamento das pensões de sobrevivência e do subsídio por morte[4], que só existe no caso de concorrência do direito a prestações pecuniárias dos regimes se segurança social com o de indemnização a suportar por terceiro, apesar do pagamento daquelas prestações sociais poder implicar um encargo definitivo para o ISS, como, por exemplo, no caso da morte do beneficiário resultar de uma morte natural.

No fundo as instituições de segurança social assumem um papel subsidiário e provisório, face à obrigação de indemnização de que é sujeito passivo o responsável civil.

Daí que não seja de cumular o subsídio por morte e a pensão que venham a ser devidos pela seguradora/entidade patronal, com as pensões de sobrevivência e com o subsídio por morte pagos pelo ISS, pelo que devem os valores que forem reembolsados ao ISS ser deduzidos ao montante indemnizatório a pagar pela entidade responsável à beneficiária no quadro da indemnização devida pelo acidente de trabalho, conforme é jurisprudência deste Supremo Tribunal, vendo-se neste sentido os acórdão de 23 de Outubro de 2003, publicado na CJ Tomo III, pág. 111, Salvador da Costa); 15/11/06, recurso nº 3408/06-4ª secção (Mário Pereira) e de 17/5/2007, processo nº 07S051 (Laura Leonardo), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Por isso e dado este regime especial de sub-rogação legal, entendemos que o prazo de prescrição da entidade subrogada será o mesmo do credor originário (5 anos conforme resulta do artigo 32º nº 2 da LAT), pois doutra forma estaríamos a permitir uma duplicação de rendimentos à custa do mesmo facto (a morte da vítima), o que a lei manifestamente não quis.

Na verdade, se a acção fosse procedente, receberia a beneficiária em duplicado uma compensação pelos mesmos danos, pois já recebeu da Segurança Social e irá receber da entidade responsável pelo acidente de trabalho.

 Ora, para o devedor é indiferente que tenha de pagar a A ou a B, pois a sua responsabilidade, em caso algum, irá ser agravada.

Assim, o que vier a pagar ao ISS será deduzido ao que tiver de pagar à beneficiária legal, dada a incomunicabilidade na esfera patrimonial da beneficiária, da indemnização por perda de rendimento do trabalho realizado pelo falecido e do dispêndio com o seu funeral, a ser devida pela recorrente e ou pela seguradora à luz da Lei n.º100/97, com as prestações de segurança social consubstanciadas na pensão de sobrevivência e no subsídio por morte pagos pelo ISS
Por outro lado e como a recorrente alega, a sub-rogação coloca o ISS na posição da Autora beneficiária (conclusão 48ª), pois a sub-rogação atribui ao solvens os direitos do credor (RLJ, 110º-339, nota 19).

            Por isso o ISS tem também que beneficiar do prazo de prescrição da A, que são os 5 anos previstos no artigo 32º nº 2 da LAT.

Tanto mais que, ao devedor, no caso a DD, só seria lícito invocar perante o ISS os meios de defesa que lhe seria lícito invocar perante a viúva (art. 585º CC, ex vi do art. 594º do CC), conforme argumenta o despacho recorrido.

Por isso, como perante a viúva só poderá invocar o prazo de 5 anos do artigo 32º, nº 2, da LAT, também o ISS aproveita do mesmo, conforme resulta daquelas normas do CC.

Face ao exposto, resultando da matéria de facto assente que, com data de 27.11.2008, o Instituto de Segurança Social, veio deduzir contra as Rés o pedido de reembolso das prestações que pagou à beneficiária, temos de concluir que se não consumou o prazo de prescrição.

Na verdade, a Autora, requerera a atribuição do subsídio por morte e da pensão de sobrevivência em 03 de Novembro de 2005, tendo havido proposta de reconhecimento do direito às mesmas em 21.11.2005.

De qualquer maneira, está-se ainda longe de se completar o referido prazo de cinco anos.

            Assim e pelos motivos expostos, improcede o recurso.

4---

            Termos em que se acorda em negar a revista.

            Custas a cargo da recorrente.

            Lisboa, 18 de Maio de 2011.

            Gonçalves Rocha (Relator)

            Sampaio Gomes 

            Pereira Rodrigues

_____________________
[1] Ter-se-á querido escrever 2005 e não 2007, conforme resulta do teor de fls. 223.
[2] Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho, 1989, 126; Supremo Tribunal de Justiça, acórdãos de 30/11/94, CJS 301/3; 16/4/82, BMJ316/230; 10/7/91, BMJ 409/586; e 21/4/99, revista nº 394/98 - 4ª secção, disponível em www.dgsi.pt 
[3] Veja-se neste sentido a RC, 26/5/2004, CJ, 56/3; RL, 14/12/2004, CJ, 161/5; STJ, 27/11/81 e 9/1/91, BMJ 311/308 e 403/322. 
[4] STJ, acórdão de 17/5/2007, processo nº 07S051 (Laura Leonardo), disponível em www.dgsi.pt