Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
126/12.8TBPTL.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: CASO JULGADO
EFICÁCIA
TERCEIRO
DIREITO DE PROPRIEDADE
Data do Acordão: 01/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( EFEITOS DA SENTENÇA ) / RECURSOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Coimbra, 1950, III Volume, p. 143.
- Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual do Processo Civil, Coimbra, 1985, p. 718.
- Castro Mendes, João, Limites Objectivos do Caso Julgado, Edições Ática, pp. 38 a 44, 50-52, 206-207 e 254-255.
- De la Oliva dos Santos, Andrés, Oggetto del Processo Civile e Cosa Giudicata, Giuffrè Editore, Milão, 2009, pp. 116-118, 133.
- Enrico Allorio, “La Cosa Juzgada frente a Terceros”, colecção Proceso y Derecho; Marcial Pons, Madrid, 2014, pp. 12, 17, 21 (“La Cosa giudicata rispetto ai terci” – Milano, Giuffrè, 1972), cit. pp. 55 a 61.
- Grande Seara, Pablo, La Extensión Subjetiva de la cosa juzgada en Processo Civil, Tirant lo Blach, Valência, 2008, p. 47.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração de Antunes Varela, nova edição, revista e actualizada por Herculano Esteves, Coimbra Editora, 1976, pp. 317, 327.
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, 2.ª ed., pp. 568, 579 e 586; O objecto da sentença e o caso julgado material – Estudo sobre a funcionalidade processual, in BMJ, 325.º-49 e ss..
- Remédio Marques, in “Acção de Declarativa à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 2007, p.452.
- Rodrigues Bastos, Notas as Código de Processo Civil, Lisboa, 1971, III, p. 253.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 264.º, 268.º, 269.º E SS., 272.º A 275.º, 581.º, N.ºS3 E 4, 607.º, N.º3, 621.º, 660.º, 663.º, N.º2, 679.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 24/04/1996, PROCESSO N.º 96B120, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 11/05/1999, PROCESSO N.º 257/99, 1.ª SECÇÃO, DE 01/10/2009, PROCESSO N.º 1284/06.6TBVCT.S1 - 2.ª SECÇÃO, DE 08/10/2009, PROCESSO N.º 3721/08 - 2.ª SECÇÃO, DE 11/03/2010, PROCESSO N.º 6560/05.2TBLRA.C1.S1 - 2.ª SECÇÃO, E DE 23/09/2010, PROCESSO N.º 4178/06.1TBBCL.G1.S1- 2.ª SECÇÃO.
-DE 02/12/2004, PROCESSO N.º 3463/04, E DE 17/03/2005, PROCESSO N.º 04B1304/04, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 12/07/2005, PROCESSO N.º 1860/05, 2.ª SECÇÃO.
-DE 22/09/2005, PROCESSO N.º 03B3727, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 02/11/2006, PROCESSO N.º 06B3027, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 03/02/2011, PROCESSO N.º 190-A/1999.E1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 08/09/2011, PROCESSO N.º 407/04.4TBCDR.P2.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 28/02/2012, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 10/10/2012, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 15/01/2013, PROCESSO N.º 816/09.2TBAGD.C1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 3/04/2014, PROCESSO N.º 5928/04.6TBCSC.L1.S1, 2.ª SECÇÃO
-DE 17/06/2014 E REPLICADO NO ACÓRDÃO DE 24/02/2015.
-DE 13/01/2015, PROCESSO N.º 227/12.2TBSAT.C1.S1, 1.ª SECÇÃO.
-DE 07/05/2015, PROCESSO N.º 15698/04.2YYLSB-C.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - O caso julgado material abrange o segmento decisório e a decisão das questões preliminares que sejam seu antecedente lógico indispensável, não sendo de excluir o recurso à parte motivadora para alcançar e fixar o verdadeiro conteúdo da mesma decisão.

II - A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior.

III - A excepção de caso julgado não se confunde com autoridade do caso julgado: com a primeira, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, um obstáculo a nova decisão de mérito; com a segunda, o efeito positivo de impor a primeira decisão à segunda decisão de mérito.

IV - A sentença proferida numa acção em que estejam em discussão direitos absolutos e subjectivamente vinculantes (como é o caso dos direitos reais, entre os quais, o direito de propriedade) não expande a sua eficácia para além dos sujeitos intervenientes no processo, não podendo vincular e abranger todos quanto à exclusão de domínio (sobre a coisa), mas tão só aqueles entre quem a sentença atribuiu e delimitou a exclusão da turbação do direito perturbado.
Decisão Texto Integral:

I.- Relatório.

AA, intentou a presente acção, com processo ordinário, contra BB, e CC, pedindo que se declare e condenem os Réus: a) a reconhecer que DD, que também usava o nome de DD – mãe do Autor – era a única filha e universal herdeira de EE, que também usava os nomes de EE e de FF;

b) se declare e condenem os Réus a reconhecerem que o Autor é filho de DD e herdeiro legitimário na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da mesma;

c) se declare nula, por simulada, a venda do prédio operada por escritura pública outorgada no extinto Cartório Notarial de ... em 22 de Maio de 1987, pela qual EE vendeu a GG e marido o prédio misto denominado “Quinta de …”, inscrito na matriz predial urbana sob os arts. ….º e ....º e na matriz predial rústica sob os artigos ….º e ….º, todos da freguesia de ..., e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º …, na parte em que nela se fez incluir a parcela de terreno actualmente correspondente ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art. ....º da freguesia de ..., e descrito no Conservatória de Registo Predial sob o n.º … e, por efeito de desanexação, também inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….º da freguesia de ..., e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...;

d) se declare nula, por simulada, a venda do prédio operada por escritura pública de 12 de Janeiro de 1988, prédio este actualmente inscrito na matriz predial urbana sob o art. ....º, da freguesia de ..., e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º … e, por efeito de desanexação, também inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….º, da freguesia de ..., e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...;

e) se declare que os prédios referidos em d) foram doados ao 1.º Réu por EE;

f) se declare nula, por simulação, a partilha dos bens comuns do casal realizada entre os aqui Réus, celebrada em 11 de Março de 1992 no extinto Cartório Notarial de …, a fls. 27 e 28 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º … , ordenando-se o cancelamento de todos e quaisquer registos que tenham sido efectuados com base nessa partilha, mormente os registos de aquisição a favor da 2.ª Ré relativamente ao prédio descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 226 da freguesia de ..., concelho de ..., através da inscrição …, de 06.07.2005, e ao prédio descrito sob o n.º ... da mesma freguesia de ..., pela inscrição …, de 06.07.2005;

g) se ordene a restituição à comunhão dos bens dos Réus o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art. … .º da freguesia de ..., descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ..., por ter sido objecto de desanexação do prédio partilhado e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....º da freguesia de ... e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ….

Em síntese, alegou que:

- Em Setembro de 2009, faleceu, no estado de viúva, DD, intestada, tendo deixado como únicos herdeiros o demandante; o R. marido; HH e II;

- A DD era filha única da falecida, EE, e, portanto sua herdeira universal;  

- A EE, não deixou qualquer bem susceptível de ser herdado pela DD, dado que conluiada com os RR., e através de uma série de actos simulados, dessoraram a respectiva herança, com consta de uma contestação/reconvenção produzida na acção n.º 1336/07.5TBPTL, que corria termos no 1.º Juízo de ...;

- A DD e a mãe, EE, não se falaram durante cerca de trinta (30) anos e o 1.º Réu também não falava com a mãe, até perto da sua morte, tendo sido criado pela avó, EE;

- A EE terá efectuado várias doações ao neto (1.º Réu) e a outras pessoas estranhas à família, património esse que formalmente vendido a terceiros acabaria por ser integrado no património do 1.º Réu, já então casado com a 2.ª Ré;

- As referidas doações e vendas foram efectuadas com o intuito de deserdar a mãe dos, demandante e demandado, a referida DD, como efectivamente veio a acontecer;

- Em 23de Junho de 1983, a EE, celebrou escritura no Cartório Notarial de ..., mediante a qual doava ao 1.º Réu, o prédio descrito no artigo 10.º da petição inicial, que foi aceite por este e encontrando-se casado, em regime de comunhão de adquiridos com a 2.ª Ré;

- A EE decidiu doar aos Réus parte da “Quinta …” e vender a outra parte a GG e marido JJ, para angariar numerário para aqueles construírem casa;

- A dita GG e marido viriam a vender, por escritura pública outorgada em 12-01-1988, uma parcela de terreno a destacar da “Quinta …”, tendo, os vendedores, declarado ter recebido a quantia 370.000$00, que não terão sido pagos pelos RR.;

- Nessa escritura nem vendedores, nem compradores tiveram intenção de celebrar qualquer contrato de compra e venda, dado que os RR. já haviam entrada na posse do terreno em 22-05-1987, tendo aí construído a casa de morada de família que ficou inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....º – cfr. artigo 24.º da petição inicial;

- Para que o património dos RR. não pudesse ser impugnado em sede de inventario, simularam um divórcio por mútuo consentimento – decretado por sentença de 18-02-11992 – como meio de obter a partilha dos bens do casal, do mesmo passo que venderam o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1442, da freguesia de ..., por escritura datada de 23-06-1983, tendo para efeitos de registo instaurado uma acção contra a GG e marido, que estes não contestaram, e que viria a ser julgado “de preceito”;

- Efectuaram, de seguida, um contrato-promessa para venda do prédio urbano inscrito sob o n.º ….º da freguesia de ..., que viriam a concretar por escritura datada de 11-03-1992 – cfr. artigos 31.º a 34.º; 

- A mão do Autor e 1.º Réu ficou desapossada de qualquer bem que tivesse pertencido à herança de EE – cfr. artigos 45.º a 50.º.

Na contestação, depois de terem excepcionado a legitimidade do Autor e da Ré, vieram a impugnar os factos tal como vêm apresentados pelo Autor – cfr. fls. 159 a 172.

Para sanação da ilegitimidade activa, foi admitida a intervenção principal provocada, do lado activo, de GG e marido JJ, residentes no lugar de …, daquela freguesia de ..., de KK, moradora na rua …, …, ..., e de II, residente no lugar de …, …, ....

Na audiência de julgamento, e amparando-seno preceituado no art. 3.º, n.º 3, do novo Código de Processo Civil, o tribunal deu conhecimento às partes, com prazo para as mesmas se pronunciarem, da possibilidade de haver extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, face ao trânsito em julgado da acção ordinária n.º 1336/07.5TBPTL, em que era autora a aqui Ré e réu o aqui Réu.

Foi junta certidão da sentença proferida nesta acção (n.º 1336/07.5TBPTL) – cfr. fls. 356 a 384.

O Autor repontou que não havia caso julgado, pelo que a acção deve prosseguir os seus termos, já a Ré pugna pela extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, por lhe ter sido reconhecida na referida acção a aquisição por usucapião do imóvel que também é objecto destes autos.

Na decisão que julgou a questão proposta na audiência de julgamento – extinção da instância por inutilidade superveniente da lide “por lhe ter sido reconhecida na referida acção a aquisição por usucapião do imóvel objecto destes autos (cfr. fls. 405) - veio a ser argumentado pela forma que a seguir queda transcrita (sic): “Com relevância para a decisão da questão supra referida, estão provados os seguintes factos, com base na certidão junta aos autos:

- Correu termos no 1.º Juízo do Tribunal de ... a acção ordinária n.º 1336/07.5TBPTL, em que foi autora CC e réu BB, e na qual foi proferida sentença, transitada em julgado a 4 de Novembro de 2013.

- Nessa sentença, além de outro dispositivo, está escrito: “declara-se que a Autora CC é legítima proprietária do imóvel composto de casa de habitação de rés-do-chão e sótão, sito no lugar de ..., freguesia de ..., ..., a confrontar de norte com BB, do sul e poente com GG e do nascente com estrada nacional, com a superfície coberta de 206 m2 e logradouro com 994 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ..., descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º …; condena-se o Réu BB a reconhecer tal direito de propriedade da Autora”.

- Nessa sentença, fundou-se o reconhecimento deste direito na aquisição do prédio por usucapião, por parte da aí autora.

Cumpre decidir.

Em primeiro lugar, cabe referir que, ao contrário do que pretende o Autor, a questão em análise não tem qualquer relação com a excepção dilatória do caso julgado, prevista nos arts. 577.º, i), Código de Processo Civil, e melhor definida nos arts. 580.º e 581.º do mesmo Código. Se nem sequer as partes das duas acções são as mesmas, não merece a pena cotejar os pedidos ou as causas de pedir de ambas para liminarmente afastar a aplicação do instituto do caso julgado.

Aqui, o nó górdio é mesmo o mérito da causa, mais concretamente o direito de propriedade de CC (aqui Ré e autora na acção anterior): ele respeita ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana de ... sob o art. ....º (donde veio a ser desanexado, mais tarde, o prédio inscrito na mesma matriz sob o art. ….º), e tem por base a respectiva aquisição originária por usucapião, nos termos do art. 1287.º e seguintes do Código Civil.

Ora, neste processo o Autor pretende atacar a validade de três escrituras públicas, invocando a respectiva simulação: a de compra e venda do prédio donde provêm a parcela que deu origem àquele art. ....º, a de venda deste último prédio e a de partilha de bens do casal que atribuiu à aqui Ré (ali autora) a propriedade do mesmo art. ....º. Quer dizer, o Autor coloca em crise três meios de aquisição derivada da propriedade do mesmo prédio em relação ao qual, na outra acção, se reconheceu a aquisição originária pela aí autora.

Prevê o art. 2.º, n.º 2, Código de Processo Civil, que “A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção”. Ora, o que aqui está em causa é precisamente este efeito útil: ainda que o Autor lograsse provar tudo o que alega, e obtivesse completo vencimento nesta acção, o máximo que conseguiria era a declaração de nulidade de três escrituras públicas (três meios de aquisição derivada da propriedade), com o regresso dos bens ao património do extinto casal de ora Réus.

Munido de tal sentença, o Autor confrontar-se-ia com uma outra, já transitada em julgado, que reconhece à aqui Ré a aquisição – originária, não dependente de direito anterior, mas cuja extensão “depende apenas do facto ou título aquisitivo” (Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., pág. 366.), tantum possessum quantum praescriptum – de todo o prédio inscrito na matriz predial sob o art. ....º, ou seja, daquele mesmo que o Autor pretendia que reintegrasse o aludido património comum.

Ou seja, o resultado prático seria absolutamente nulo! A aquisição originária do prédio pela aqui Ré sempre prevaleceria sobre o decidido nesta acção, mesmo na possibilidade da sua procedência total: o direito de propriedade da Ré não só se impõe erga omnes, nos termos do art. 1305.º do Código Civil, como se baseia numa forma de aquisição que em nada seria afectada pela declaração de nulidade das citadas escrituras públicas.

Note-se que tal não se podia concluir à data da entrada desta acção em juízo, nem ao longo da sua pendência: isso só sucedeu pelo trânsito em julgado da sentença proferida na outra acção, aliás ocorrido já depois de se iniciar a audiência de discussão e julgamento do presente processo. É, por isso, um caso típico de inutilidade superveniente da lide: algo que ocorreu depois da entrada do processo tornou este improfícuo, no sentido de a sua continuação ser destituída de todo o interesse e utilidade para o próprio Autor.

Uma vez que essa inutilidade, nos termos do art. 277.º, e), Código de Processo Civil, é causa de extinção da instância, será esta decidida, fazendo cessar os ulteriores termos do processo.

Pelo exposto, julga-se extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide.”   

Interposto recurso de apelação, o tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão datado de 26 de Março de 2015 – cfr. fls. 458 a 480 – veio julgar o recurso improcedente.

Do julgado no tribunal de apelação, interpuseram recurso, de revista – cfr. fls. 488 a 502 – que por douto acórdão da comissão de apreciação prévia a que alude o artigo 671.º, n.º 3 do Código Processo Civil, viria admitir a revista excepcional, nos termos sequentes (sic): “O Autor interpôs recurso de revista excepcional, invocando o disposto nas als. a) e c) do n.º 1 do art. 672º CPC.

Identificou a questão relevante como sendo a de saber qual é o efeito sobre a demanda em que A (o Recorrente) invoca a simulação de vários negócios de transmissão imóveis celebrados entre B e C (Recorridos), pedindo a respectiva restituição ao património comum de B e C, se, numa outra acção entretanto transitada em julgado, C, demandado por B, é condenado a reconhecer que B adquiriu esses prédios por usucapião, nomeadamente se esta decisão consubstancia um facto novo conducente à inutilidade superveniente da lide ou se a verificação da eventual extinção da lide deve ser analisada à luz da excepção do caso julgado ou da autoridade do caso julgado.

Alega que se está perante uma questão em que a jurisprudência vem proferindo decisões contraditórias, sendo que enquanto a 1ª Instância nem sequer analisou a questão pelo prisma do instituto do caso julgado, o acórdão impugnando remeteu para a tese doutrinária e jurisprudencial que defende que, além da excepção de caso julgado, se deve atender à vertente positiva que conduz à excepção dilatória da "autoridade do caso julgado", que leva à extinção da instância, não por inutilidade superveniente da lide, mas por julgamento de forma, que igualmente inviabiliza a pronúncia de mérito.

Mais alegou que, em caso semelhante, no ac. de 14-01-2014, deste Supremo, de que junta cópia, se considerou de forma diferente, aferindo se se configurava excepção de caso julgado, sem se considerar a hipótese de inutilidade da lide.

Vem doutamente decidido pela Exma. Relatora verificar-se dupla conformidade das decisões das Instâncias.

2. 1. - Relativamente ao requisito oposição de acórdãos, dir-se-á que o Requerente, para além de se limitar a juntar mera cópia, obtida de um meio de publicação de jurisprudência - insuficiência que seria suprível -, não só não identifica quaisquer aspectos reveladores de contradição entre o acórdão impugnando, incumprindo, assim, os ónus impostos pelas als. cc) dos n.ºs 1 e 2 d art. 672° CPC, como, manifestamente a mesma se não verifica, pois que, desde logo, a única questão que se colocava no acórdão proposto como acórdão-fundamento era a de saber se havia identidade de sujeitos do lado activo na acção, designadamente por se poder ou não considerar existir identidade jurídica entre o simulador e o herdeiro deste, como autores em acções sucessivas.

Rejeita-se, pois, o recurso no tocante ao invocado requisito previsto na al. c) do n.º 1 do art. 672º CPC.

2. 2. - Quanto à relevância da questão, deve notar-se que a justificação oferecida pelo Requerente, em cumprimento do ónus a que se refere a al. a) do n.º 2 do citado artigo, se revela algo deficiente.

Afigura-se-nos, porém, que, apesar disso, a questão colocada se apresenta, pela sua própria natureza, como detentora de relevância suficiente para abrir a porta a uma excepcional reapreciação pelo Supremo Tribunal.

Estarão em causa os fundamentos de extinção da instância por duas causas que, ao que parece, no acórdão recorrido se têm como concorrentes e/ou equivalentes: - a decisão da acção de reivindicação, transitada em julgado, em que se reconhece o direito de propriedade à autora, com fundamento em usucapião, integra, por via dessa declaração aquisição originária, um facto/meio relevante através do qual fica demonstrado que está já alcançado ou adquirido o fim que visa a acção em que aquela autora é demandada conjuntamente com o sujeito que com ela lidara a acção como réu por outro sujeito, com diversos fundamentos e pedidos, embora relativamente aos mesmos bens (inutilidade superveniente da lide); - ou, a decisão daquela acção, nos referidos termos, só pode produzir sobre a segunda os efeitos próprios do caso julgado - excepção ou autoridade de caso julgado -, na medida do concurso dos respectivos requisitos e limites subjectivos e objectivos, extinguindo-­se, eventualmente, a instância por esta causa (e não por inutilidade superveniente).

Como alega o Requerente, tratar-se-á da natureza e âmbito dos efeitos da oponibilidade erga omnes dos direitos reais, nomeadamente no que pode resultar da distinção "entre a oponibilidade e a vinculação de todos perante o direito real'.

A determinação dos limites de aplicação e distinção conceptual das causas de extinção da instância, nos termos - porventura imprecisos ou ambíguos [na aparente aceitação de convergência entre a confirmação da decisão recorrida e a tese (acolhida) do ac6rdão transcrito] - em que foram utilizadas no acórdão impugnado, bem como a dimensão do caso julgado e seus limites, apresentam-se como questões que, embora de natureza processual, assumem consequências na apreciação do mérito e, por isso, na tutela dos direitos das partes submetidos a juízo.

Mais ou menos directamente, por via positiva ou negativa, têm que ver com a certeza e segurança jurídica, também quanto à aplicação do direito pelos tribunais, acrescentando, nesta perspectiva, a reapreciação da questão um interesse jurídico com repercussão susceptível de extravasar os interesses das Partes postos em jogo neste processo.”      

Nas alegações que produziu, o recorrente dessume o sequente:

I.a. – Quadro Conclusivo.

1. Estando pendente uma Acão pela qual o A (ora recorrente) invoca a simulação de

várias escrituras celebradas entre B e C (ora recorrido) e pede que os imoveis objecto dessas transmissões regressem ao património comum de B e C qual é o efeito para essa demanda se, numa outra acção entretanto transitada em julgado, C é condenado a reconhecer que B adquiriu esses prédios por usucapião, essa decisão não consubstancia um facto novo conducente à inutilidade superveniente da lide, mas em tal caso, deve o Tribunal reconduzir o aparecimento dessa nova Acão à analise da verificação ou não da excepção de caso julgado, analisando se tal excepção se verifica, seja pela tese da exigência da tríplice identidade do efeito do caso julgado ou mesmo bastando-se com a sua vertente positiva de autoridade de caso julgado.

2. Pela presente acção o recorrente veio sustentar que a sua mãe- filha única - fora deserdada por sua avó, em detrimento do A e demais irmãos, a quem não deixou bens alguns, tudo a favor do seu irmão R LL e sua mulher MM - recorridos; como causa de pedir dessa acção, em síntese, alega que a dita sua avó, entre o demais, fez uma DOAÇÃO de um prédio - art. ... urbano / ... (o qual, posteriormente e por efeito de desanexação, deu origem também ao prédio inscrito sob o art. … Urbano/ ...) - ao neto LL e esposa MM aqui RR, sendo que estes, para evitarem que essa doação viesse a ser tida em contas num futuro inventário, gizaram a venda destes prédios da sua avós a terceiros - aqui também RR - que, cerca de um ano mais tarde - formalizaram nova "venda" ao dito R LL e mulher;

2. Alicerça ainda o seu direito no facto de que já em 26.03.1983, a Avó do recorrente e do recorrido, tinha já efectuado uma doação de um prédio a este ultimo e esposa, concretamente (uma parcela de terreno, para construção urbana e que estes, receando que a mãe do A., à morte da dita Avó, pudesse requerer inventário judicial e nele viesse alegar a inoficiosidade da doação e a simulação da venda dos prédios supra referidos, decidiram, de comum acordo, gizar um plano para que os referidos bens imobiliários não ficassem registados em nome do R. marido inviabilizando, por essa via, qualquer pretensão da A. ou seus herdeiros - nomeadamente o ora A - de requerer o preenchimento do seu quinhão hereditário à custa desses bens ou do pagamento de tornas.

3. Para que o património do casal não pudesse ser legalmente atacado pela mãe do A ou seus herdeiros, os RR. traçaram um plano que começou por um divórcio simulado, meio esse para alcançar uma partilha dos bens comuns do casal também ela simulada e, por via disso, transferir todo o património do casal para a 2ª R., como efectivamente veio a suceder,«.

4. Com base na factualidade, sinteticamente vertida nas conclusões 1 a 3. o recorrente intentou a presente acção, pedindo que se reconheça não fora(m) vendido(s) aos recorridos os prédios supra descritos, mas seja antes declarado que foram, na verdade DOADOS. Que, seja declarada nula, por simulada a partilha de bens feita entre os RR/recorridos e, consequentemente. que os imóveis adjudicados à Co-R mulher MM regressem à comunhão do casal, tudo para que o CO-R marido LL possa vir a deter património pelo qual assegure, com bens ou tornas, a legitima dos demais herdeiros, no qual se inclui o recorrente.

5. Tendo corrido termos uma acção com o n.º 1336/07.5TBPTL em que foi A. a dita CC e Réu o mesmo BB - aqui RR e recorridos ­e na qual o recorrente na qual foi proferida sentença. transitada em julgado em 4 de Novembro de 2013, pela qual como relata a Mma. Juiz na douta sentença recorrida, entre outro dispositivo, está escrito: " Declara-se que a Autora CC é legitima proprietária do imóvel composto de casa de habitação de rés-do-chão e sótão, sito no lugar de ..., freguesia de ... ... inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...; Condena-se o Réu BB a reconhecer tal direito de propriedade da Autora ", acção essa em que o ora recorrente não foi parte processual, essa decisão não pode gerar a inutilidade superveniente da lide desta acção.

6. O direito de acção exercido pelo A. recorrente através deste processo em nada pode ser cerceado ou inviabilizado - nomeadamente através do instituto da inutilidade superveniente da lide - pelo facto de ter havido uma decisão judicial em que foram apenas partes os aqui recorrentes na qual se reconheceu que a R. Mulher havia adquirido tais imóveis por usucapião.

7. Não havendo identidade de sujeitos, de causa de pedir ou de pedido entre a presente acção e a proferida no âmbito do processo 1336/07; não tendo o recorrente sido parte em tal acção, sempre ressalvado o devido respeito por melhor opinião, não há qualquer forma do ora requerente poder ser abrangido pela força de caso julgado ou autoridade de caso julgado ocorrida com o transito da decisão proferida no processo 1336/07.5TBPTL do 1.º Juízo de ... ou de, por ocorrência do transito desata decisão ver extinto o direito por alegada "inutilidade superveniente da lide"

8. Mesmo para aqueles que entendem que a força de caso julgado pode prescindir da tríplice identidade acima referida, certo é que nunca se pode prescindir da identidade dos SUJEITOS, pois sem esta identidade, nem pela vertente da autoridade de caso julgado, pode um terceiro ser cerceado nos seus direitos.

9. Salvo o devido respeito, é evidente que o que levou ao erro lógico jurídico patente no douto acórdão foi o seguinte questão (para além do descurar do efeito do caso julgado): Perante uma sentença que reconhece que um direito real - propriedade - foi adquirido por via originária, o mesmo direito não é, automaticamente, oponível a Todos?

10 Sempre com o mesmo respeito e sem pretender ou poder prolongar a análise da questão, ter-se-á confundido a OPONIBILIDADE erga omnes do direito real (no sentido do seu titular o poder defender de todos) com a VINCULAÇÂO gerada pelo caso julgado, que, obviamente, não abrange o recorrente e apenas que foram objecto de decisões judiciais transitadas em julgado.

10. "O valor absoluto dos direitos reais não assenta na VINCULAÇÂO DE TODOS mas na sua oponibilidade A TODOS", pois a primeira só nasce com a força de caso julgado e perante os sujeitos por ele abrangidos.

11. A douta sentença violou o disposto nos arts. 2 n.º 1 e 2 e 580 e 581º, todos do NCPC; o disposto no art. 1287º (…).”       

I.b. – Questões a merecer apreciação.

Malgrado a similitude do quadro conclusivo, que sustenta o recurso de revista, e repristinação do mesmo do quadro conclusivo que amparou a apelação – cfr. fls. 463 a 466 do acórdão recorrido – o tribunal tomará conhecimento do recurso, por acatamento do decidido no douto acórdão que admitiu a revista excepcional, ainda que se pudesse colocar a questão de não conhecimento do recurso, como é jurisprudência constante e regular neste Supremo Tribunal quando se desvela o caso de as alegações do recurso de revista repristinarem a argumentação do recurso de apelação. (Escreveu-se a propósito no acórdão por nós relatado (sic): “Os recursos são meios ou instrumentos de impugnação/contestação das decisões que devem aportar argumentos novos e não reproduzir razões que já obtiveram pronúncia em outra instância de recurso. Na reapreciação que é pedida a um tribunal superior de uma decisão de um tribunal inferior vem ínsita a novidade com que o recorrente pretende ver apreciada, sob outra perspectiva, uma questão que não colheu apreciação favorável na instância. A novidade pode ser porque o tribunal de 1.º recurso não equacionou adequadamente a questão ou porque os argumentos usados são passíveis de ser rebatidos, mediante um argumentário juridicamente condizente, em impugnação que se leve a outra instância. Na diversidade da posição que a questão pode suscitar está a novidade da reapreciação que é pedida ao tribunal superior.

Não se prefigura curial e arrimado com a função recursória que se iterem os mesmos argumentos em duas instâncias de recurso. Aliás isso mesmo foi expendido no douto acórdão proferido nesta secção no dia 29-03-2011 que, data vénia, aqui deixamos transcrito: “Ora, neste Supremo Tribunal vem-se sedimentando de há vários anos a esta parte corrente jurisprudencial no sentido de “que a alegação de qualquer recurso deverá incidir o seu ataque argumentativo sobre pontos concretos da fundamentação da decisão recorrida que, no entender do recorrente, sejam criticáveis”, sendo certo que “a decisão recorrida é o acórdão da Relação e não a sentença da 1.ª instância” [[1]].

Sintónica com esta hermenêutica, na jurisprudência desta Secção prevalece o entendimento segundo o qual sempre que a alegação de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça seja mera reprodução da que foi apresentada perante a Relação se justifica plenamente o uso da faculdade de remissão para os fundamentos do acórdão recorrido, ao abrigo do n.º 5 do artigo 713º, ex vi artigo 726º, ambos do CPC (cfr., entre muitos outros, v.g., os Acs. de 27/04/06 no agravo n.º 945/06, 18/05/06 na revista n.º 1134/06, 03/10/2006 na revista n.º 2993/06, 27/03/07 na revista n.º 4002/06, 12/07/07 na revista n.º 2207/07, 31/03/09 na revista n.º 637/09, 09/06/09 na revista n.º 330/01.S1, 08/09/09 na revista n.º 1127/05.8TBCBR.C1.S1, 27/01/10 na revista n.º 353/1998.L1.S1, 09/02/10 na revista n.º 1448/07.5TVLSB.L1.S1, e de 14/09/10 na revista n.º 699/04.9TBMGR.C1.S1)[2], uma vez que a recorrente não atendeu ao conteúdo do acórdão recorrido, antes reiterou a sua posição relativamente à primeira decisão, sem originalidade ou aditamento que tivesse em conta a fundamentação do acórdão sob recurso motivadores de justo e necessário pronunciamento.”)

Em acatamento e respeito pelo decidido no acórdão da comissão de apreciação prévia – itera-se – conhecer-se-á do recurso, que ponderará a questão.

- Caso Julgado. Efeito e eficácia do Caso Julgado em relação a Terceiros. 

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

O Tribunal de apelação deu como adquirida a sequente factualidade (sic):

Correu termos no 1.º Juízo do Tribunal de ... a acção ordinária n.º 1336/07.5TBPTL, em que foi autora CC e réu BB, e na qual foi proferida sentença, transitada em julgado a 4 de Novembro de 2013.

- Nessa sentença, além de outro dispositivo, está escrito: “declara-se que a Autora CC é legítima proprietária do imóvel composto de casa de habitação de rés-do-chão e sótão, sito no lugar de ..., freguesia de ..., ..., a confrontar de norte com BB, do sul e poente com GG e do nascente com estrada nacional, com a superfície coberta de 206 m2 e logradouro com 994 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ..., descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º …; condena-se o Réu BB a reconhecer tal direito de propriedade da Autora”.

- Nessa sentença, fundou-se o reconhecimento deste direito na aquisição do prédio por usucapião, por parte da aí autora.”

II.B. – DE DIREITO.

II.B.1. – CASO JULGADO. EFEITOS DO CASO JULGADO RELATIVAMENTE A TERCEIROS.

Para coonestar o decidido na primeira (1.ª) instância, ponderou o tribunal de apelação que (sic): A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide é uma das formas de extinção da instância (art.º 277º, al. e), do Código de Processo Civil).

A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objecto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito.

A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a acção foi atingido por outro meio.

A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.

Defendem José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto [Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª ed., pág. 555. Cf. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, Coimbra, vol. 1º, anotação ao art. 287º e também acórdão da Relação de Coimbra de 15.5.2007, in www.dgsi.pt.] que “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar - além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

Consubstancia-se naquilo a que a doutrina processualista designa por “modo anormal de extinção da instância”, visto que a causa normal é a sentença de mérito (cf., por ex., ALBERTO DOS REIS, Comentário, vol. III, pág.364 e segs., LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág.512 ).

A inutilidade da prossecução da lide deve ser declarada sempre que, juridicamente, deixe de existir qualquer interesse, benefício ou vantagem, tendo em conta o fim que foi visado com a instauração da acção.

Nos presentes autos, o A. pretende que: a) se declare e condenem os Réus a reconhecer que DD, que também usava o nome de DD– mãe do Autor – era a única filha e universal herdeira de EE, que também usava os nomes de EE e de FF; b) se declare e condenem os Réus a reconhecerem que o Autor é filho de DD e herdeiro legitimário na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da mesma; c) se declare nula, por simulada, a venda do prédio operada por escritura pública outorgada no extinto Cartório Notarial de ... em 22 de Maio de 1987, pela qual EE vendeu a GG e marido o prédio misto denominado “Quinta ...”, inscrito na matriz predial urbana sob os arts. 513.º e ....º e na matriz predial rústica sob os artigos 320.º e 321.º, todos da freguesia de ..., e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º …, na parte em que nela se fez incluir a parcela de terreno actualmente correspondente ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art. ....º da freguesia de ..., e descrito no Conservatória de Registo Predial sob o n.º … e, por efeito de desanexação, também inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….º da freguesia de ..., e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...; d) se declare nula, por simulada, a venda do prédio operada por escritura pública de 12 de Janeiro de 1988, prédio este actualmente inscrito na matriz predial urbana sob o art. ....º, da freguesia de ..., e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º … e, por efeito de desanexação, também inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….º, da freguesia de ..., e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...; e) se declare que os prédios referidos em d) foram doados ao 1.º Réu por EE; f) se declare nula, por simulação, a partilha dos bens comuns do casal realizada entre os aqui Réus, celebrada em 11 de Março de 1992 no extinto Cartório Notarial de ..., a fls. 27 e 28 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º …, ordenando-se o cancelamento de todos e quaisquer registos que tenham sido efectuados com base nessa partilha, mormente os registos de aquisição a favor da 2.ª Ré relativamente ao prédio descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 226 da freguesia de ..., concelho de ..., através da inscrição …, de 06.07.2005, e ao prédio descrito sob o n.º ... da mesma freguesia de ..., pela inscrição …, de 06.07.2005; g) se ordene a restituição à comunhão dos bens dos Réus o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art. ….º da freguesia de ..., descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ..., por ter sido objecto de desanexação do prédio partilhado e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....º da freguesia de ... e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ….

Como bem se diz na decisão recorrida, o A. (ora apelante) pretende atacar a validade de três escrituras públicas, invocando a respectiva simulação: a de compra e venda do prédio donde provêm a parcela que deu origem àquele art. ....º, a de venda deste último prédio e a de partilha de bens do casal que atribuiu à aqui Ré (ali autora) a propriedade do mesmo art. ....º, tudo com o objectivo de fazer regressar à comunhão dos bens dos Réus o prédio referido.

Na acção de que se ordenou a junção da certidão, o pedido formulado pela ali A. CC (aqui Ré/apelada) era o de que:

- se declare a Autora legítima proprietária do imóvel composto de casa de habitação de rés-do-chão e sótão, sito no lugar de ..., freguesia de ..., ..., a confrontar de norte com BB, do sul e poente com GG e do nascente com estrada nacional, com a superfície coberta de 206 m2 e logradouro com 994 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ..., descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º …;

- se condene o Réu a reconhecer tal direito de propriedade e a restituir o imóvel, livre e devoluto, bem como a respectiva chave, à Autora;

- se condene o Réu a indemnizar a Autora dos prejuízos por esta sofridos pela ocupação do imóvel, no valor de € 9 448,98, acrescidos de juros de mora, à taxa legal.

Em reconvenção, veio o ali Réu BB pedir que:

- seja declarada nula, por simulada, a partilha de bens feita a 11 de Março de 1992 entre Autora e Ré, mandando-se cancelar os registos efectuados com base nessa escritura;

- sejam declarados ineficazes em relação ao Réu os negócios subsequentes a tal partilha, ordenando-se a restituição à comunhão de bens de Autora e Réu do prédio descrito na matriz predial urbana sob o art. … e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ..., da freguesia de ..., e os bens móveis que pertenciam a Autora e Réu à data da escritura de partilha e que tivessem sido por eles comprados na constância do casamento;

- subsidiariamente, sejam Autora e Réu declarados proprietários, na proporção de metade para cada um, dos dois prédios supra referidos, por os haverem adquirido por usucapião, ordenando-se o cancelamento dos registos de propriedade dos mesmos a favor da Autora;

- sejam Autora e Réu declarados proprietários, na proporção de metade para cada um, dos automóveis com as matrículas… -NG e GG-…;

- subsidiariamente aos três primeiros pedidos, seja a Autora condenada a pagar ao Réu, a título de benfeitorias, € 49.410,00 (no primeiro prédio indicado) e € 137 500,00 (no segundo prédio), tudo acrescido de juros desde a notificação do pedido até integral pagamento;

- em caso de improcedência deste último pedido relativo ao segundo prédio, seja reconhecido ao Réu o direito de aquisição do mesmo, por acessão industrial imobiliária, mediante o pagamento de € 20.256,00”;

Naquela acção foi dado como provado que:

- Em 23 de Novembro de 2007, por decisão decretada na providência cautelar apensa àqueles autos, foi a Autora investida na posse do prédio aludido em A), situação que se tem mantido.

- Há mais de 15 anos que a Autora trata, cuida e usa o prédio referido em A), com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, ininterruptamente e na convicção de exercer os poderes correspondentes aos do direito de propriedade.

- Desde a conclusão da casa, no segundo semestre de 1988, e com um intervalo entre Outubro de 1991 e Janeiro de 1993, Autora e Réu viveram no prédio referido em A), em condições análogas às dos cônjuges, com a família do casal, o que ocorreu até 1 de Março de 2007.

- Por cartas de 20 de Julho e de 13 de Agosto de 2007, a Autora solicitou ao Réu a entrega do imóvel referido em A), livre de pessoas e bens.

- Depois da recepção dessas cartas, o Réu não entregou o prédio à Autora.

- Em Julho de 2007, na ausência do Réu, a Autora mudou as fechaduras da casa aludida em A) e colocou um alarme, tendo o Réu, numa madrugada de Agosto de 2007, entrado no prédio (quando a Autora estava em férias), accionando o alarme”.

Na parte de fundamentação de direito da referida sentença disse-se: “(…) Cumpre decidir.

Com esta acção, pretende a Autora que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio descrito em A), invocando para tal duas formas de aquisição: a derivada - face à partilha efectuada após o divórcio entre si e o Réu - e a originária, invocando a usucapião.

Esta última encontra-se prevista no art. 1287.1 Cód. Civil: "a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião". Esclarece o art. 1251.º que "posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real"; quer dizer que o possuidor deve exercer, em relação ao objecto, não só o poder de facto - o corpus - como este deve ser acompanhado da intenção correspondente ao respectivo direito - o animus.

Confrontando tais normas com a matéria provada, verifica-se que a Autora, em relação ao prédio referido em A), vem praticando actos de posse - porque o trata, cuida e usa, habitando a casa desde a sua construção, no segundo semestre de 1988 -, fazendo-o na convicção de que o prédio lhe pertence, ou seja, com o animus correspondente ao direito de propriedade. Esta posse, embora não titulada no inicio, por falta de negócio formal, que apenas surgiu com a partilha posterior ao divórcio, em 1992 (art. 1259.º), é publica — porque exercida à vista e com conhecimento de toda a gente (art. 1262º) —, de boa fé — sem oposição de ninguém, porque não há conhecimento de lesão do direito de outrem (art. 1260.º) — e pacifica (art. 1261.º), uma vez que foi adquirida sem violência.

Com todas estas características e face ao disposto no art. 1296.°, a aquisição por usucapião necessitava do prazo de 15 anos, o qual já está largamente ultrapassado, como decorre das respostas aos quesitos 1.º a 4º e 38.º a 40º°.

Note-se, a propósito, que o mesmo não acontece quanto ao Réu e a este imóvel: a prova dos requisitos da usucapião (conforme respostas aos quesitos 60.º a 63.º) faltou precisamente quanto à questão do prazo: é que o período a que se refere a posse tem de ser ininterrupto e, no caso, houve ausência de posse do Réu — e consequente interrupção da contagem do prazo para a usucapião (arts. 1292.° e 326.°, n.º 1) entre Outubro de 1991 e Janeiro de 1993 (o que afasta a presunção do art. 1254.°, n.º 1), e entre esta data e 23 de Novembro de 2007 (em que o imóvel foi entregue à Autora na providência cautelar apensa) passaram apenas 14 anos e 10 meses.

Portanto, uma vez que a Autora adquiriu o imóvel referido em A) por usucapião, deve reconhecer-se que é a Autora a sua legitima proprietária. Refira-se que, estando demonstrada esta aquisição originária, nem sequer merece menção, a este propósito, o título de aquisição derivada que a Autora invoca, uma vez que aquela forma de aquisição da propriedade sempre prevaleceria sobre esta.

Impondo-se os direitos reais erga omnes, pelo seu caracter absoluto, deve o Réu ser condenado a reconhecer tal direito de propriedade da Autora, resultando a restituição prejudicada pela decisão proferida em sede de providência cautelar, que já a ordenou. (…)”.

A final, na parte decisória, foi dito que: “declara-se que a Autora CC é legítima proprietária do imóvel composto de casa de habitação de rés-do-chão e sótão, sito no lugar de ..., freguesia de ..., ..., a confrontar de norte com BB, do sul e poente com GG e do nascente com estrada nacional, com a superfície coberta de 206 m2 e logradouro com 994 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ..., descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º …; condena-se o Réu BB a reconhecer tal direito de propriedade da Autora”, ou seja, declara-se a ali A. CC, aqui Ré/apelada, proprietária do referido prédio por o ter adquirido por usucapião.

Ou seja, a CC adquiriu o referido prédio por Usucapião, forma originária de aquisição do direito de propriedade, porque não fundada na existência de uma transmissão operada pelo anterior proprietário (art. 1316º do C. Civil e Pires de Lima Antunes Varela. CC Anotado Vol. III, pág. 107), sendo que, no caso de usucapião, o momento da aquisição do direito de propriedade é o do início da posse (art. 1288 e art. 1317 a) do C. Civil), no caso desde o 2.º semestre de 1988.

Adquirida a propriedade, “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas” (art. 1305 do C. Civil) e “pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence” (art. 1311 do C. Civil).

Ora, a usucapião representa uma forma de aquisição originária.

A aquisição originária existe quando a posse surge na esfera do possuidor sem ser transmitida por anterior possuidor.

Pela usucapião adquirem-se direitos reais sobre as coisas em consequência de uma posse duradoura sobre elas exercida.

“Uma vez invocada, a usucapião determina a aquisição originária do direito correspondente à posse exercida. Não se verifica, pois, uma transmissão do direito anteriormente incidente sobre a coisa e correspondente ao adquirido por usucapião.

Daqui decorrem várias consequências que importa analisar. Desde logo, sendo o direito adquirido “ex novo”, ele é imune aos vícios que afectassem o direito antes incidente sobre a coisa” (Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Juris, 6.ª edição, pág. 247).

Também Oliveira Ascenção (Direito Civil, Reais, Coimbra editora, 5.ª edição, pág. 300), defende que “Por ela, o novo titular recebe o seu direito independente do direito do titular antigo. Em consequência não lhe podem ser opostas as excepções de que seria passível o direito daquele titular”.

Ora, nos presentes autos, o Autor coloca em crise três meios de aquisição derivada da propriedade do mesmo prédio em relação ao qual, na outra acção acabada de referir, se reconheceu a aquisição originária pela aí autora.

Ou seja, pela presente acção ele pretende pôr em causa os vícios que atingem a transmissão do direito sobre o prédio referido aos aqui RR. CC e BB.

No entanto, sendo, posteriormente à interposição da presente acção, declarado que a aqui Ré CC adquiriu o referido prédio por usucapião, forma de aquisição originária, ou seja, forma de aquisição que, como vimos, é imune aos vícios que afectassem o direito antes incidente sobre a coisa, e que, em consequência não lhe podem ser opostas as excepções de que seria passível o direito daquele titular, como bem diz a senhora juiz a quo, “A aquisição originária do prédio pela aqui Ré sempre prevaleceria sobre o decidido nesta acção, mesmo na possibilidade da sua procedência total: o direito de propriedade da Ré não só se impõe erga omnes, nos termos do art. 1305.º do Código Civil, como se baseia numa forma de aquisição que em nada seria afectada pela declaração de nulidade das citadas escrituras públicas”.

Ocorre assim a apontada inutilidade superveniente da lide.

Tece o apelante diversas considerações sobre o caso julgado e a força de caso julgado.

Transcreve-se aqui parte de um Acórdão da Relação de Coimbra, de 15/05/2007, Relator Jorge Arcanjo, Proc. n.º 80/1995.C1, inteiramente aplicável ao caso concreto, e que, pela sua clarividência, nos escusamos a acrescentar algo mais que seja.

Reza o mesmo assim: “(…) A questão essencial submetida a recurso consiste em saber das implicações da decisão, transitada em julgado, que reconheceu o direito de propriedade ao aqui Réu marido sobre o imóvel, na pendência da presente acção.

A sentença recorrida considerou tratar-se de uma causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide (art. 287º, e) do CPC).

Sustentam os agravantes inexistir fundamento legal para a extinção da instância, com base na inutilidade superveniente da lide, porquanto os efeitos da decisão proferida na acção nº88/95 só relevariam em sede de excepção de caso julgado, mas que aqui não se verifica por ausência de identidade de sujeitos e de causa de pedir.

A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao sujeito ou ao objecto do processo.

Consubstancia-se naquilo a que a doutrina processualista designa por “modo anormal de extinção da instância”, visto que a causa normal é a sentença de mérito (cf., por ex., ALBERTO DOS REIS, Comentário, vol. III, pág.364 e segs., LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág.512).

Entre outros, são exemplos de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, por motivo atinente ao objecto, o perecimento ou desaparecimento da coisa infungível reivindicada, a entrega do pedido na pendência da acção de reivindicação ( cf., Ac RC de 26/2/80, BMJ 296, pág.342, Ac RE de 12/6/80, BMJ 301, pág.479 ), o mesmo sucedendo), o mesmo sucedendo na acção de despejo com a desocupação do prédio arrendado (cf. Ac RC de 15/1/80, BMJ 295, pág.466), se no decurso de uma acção de indemnização o réu pagou a quantia requerida, ou o conhecimento superveniente de alienação, anterior à acção de execução específica de coisa prometida vender.

Perante a superveniente impossibilidade ou inutilidade da lide, o tribunal declara extinta a instância, ou seja, a relação jurídica processual, sem apreciar o mérito da causa, assumindo a decisão natureza meramente declarativa ( cf., por ex., RODRIGUES BASTOS, Notas, II, pág.60, Ac STJ de 5/11/92, BMJ 421, pág.338 ).

No caso concreto, o que justifica a extinção da instância da presente acção em virtude da decisão definitiva proferida na acção nº88/95 é precisamente a autoridade do caso julgado daquela decisão, que não se confunde com a excepção do caso julgado, conforme, aliás, se decidiu no Ac do STJ de 12/1/90, BMJ 393, pág.563, invocado pelos agravantes.

Definindo o âmbito de aplicação de cada um dos conceitos, refere TEIXEIRA DE SOUSA: “A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contraria na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...).Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva a repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente ( “ O objecto da sentença e o caso julgado material”, BMJ 325, pág.171 e segs. ).

A autoridade do caso julgado tem o efeito positivo de impor a primeira decisão e como elucida LEBRE DE FREITAS “ “Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”.“

A jurisprudência tem acolhido esta distinção ( cf., por ex., Ac do STJ de 26/1/94, BMJ 433, pág.515, Ac RC de 21/1/97, C.J. ano XXII, tomo I, pág.24 ), sendo que para a autoridade do caso julgado não se exige a coexistência da tríplice identidade, prevista no art.498 do CPC ( cf., por ex., MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, pág.320, Ac RC de 21/1/97, C.J. ano XXII, tomo I, pág.24, Ac RC de 27/9/05, em www.dgsi.pt ).

Considerando que a força e autoridade do caso julgado visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida, mais tarde, em termos diferentes por outro ou pelo mesmo tribunal e que possui também um valor enunciativo, que exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada e afasta todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada, uma vez que a presente acção tem como pressuposto o direito de propriedade sobre o imóvel, já se vê que não pode subsistir a acção de reivindicação de um bem cujo direito de propriedade foi, entretanto, julgado pertencer ao demandado.

Bem vistas as coisas, foi precisamente na autoridade do caso julgado que a decisão fundamentou a extinção da instância: “ Na verdade, não podem os AA. exigir ao tribunal que declare que os mesmos são donos e legítimos proprietários do imóvel em causa nos autos no dia em que fosse proferida a decisão quando já existe uma decisão anterior transitada em julgado que diz que os aqui RR. “adquiriram tal imóvel dos AA” (diga-se assim) por acessão industrial imobiliária em momento muito anterior.

É que, nesta parte, aquela decisão transitada em julgado constitui verdadeiro caso julgado face ao peticionado pelos AA. nos presentes autos” ( sic ).

Como a autoridade do caso julgado consubstancia uma excepção dilatória de conhecimento oficioso (arts.494/1) e 495 do CPC ), tal implica a extinção da instância, não por inutilidade superveniente, mas por julgamento de forma ( art.287/a) do CPC ), que, de igual modo, inviabiliza uma pronúncia de mérito. Improcede o agravo, confirmando-se a sentença recorrida, embora com diversa fundamentação”.

O caso julgado [cosa juzgada] (substancial) define-se “como a eficácia normativa da decisão jurisdicional. O caso julgado acaba e converte em inútil qualquer discussão sobre a justiça ou a injustiça do decidido. O caso julgado vincula as partes e a todo o juiz futuro, e em virtude da sentença, o que foi decidido converte-se em Direito.” [[3]

O caso julgado constitui-se no dispositivo decisório. A reconstituição do iter decisório pode induzir a que tenha que se operar uma integração interpretativa do pensamento do julgador para o que se deverá reverter aos fundamentos ou à argumentação (decisiva) da decisão para daí dessumir ou completar o veredicto decisório. [[4]] Vale por dizer que, quando o intérprete tenha que recorrer á parte motivadora da decisão, é porque a decisão não se constitui como conclusão lídima e escorreita da parte fundamentadora e esta deverá servir como meio ancilar e integrador do pensamento do decisor. A motivação constitui-se, assim, como meio determinante e validante da formação decisória, podendo ancorar de forma decisiva a reconstituição do veredicto do tribunal e o alcance objectivo do caso julgado.

Será ocioso afirmar que em processo civil tem foros de soberania infranqueável o princípio do dispositivo traduzido na máxima de que o tribunal julga segundo as alegações e provas das partes, “iudex iudicet secundum allegata et probata partium”. São as partes, na obediência ao principio do dispositivo, que devem aportar os factos e trazer as provas de forma a que forneçam ao tribunal todo o material para o julgamento – cfr. artigo 264.º do Código Processo Civil. Chama-se a esta regra processual “princípio da justiça rogada”.    

A decisão proferida num processo judicial é o corolário ou o resultado de um conjunto de enunciações propositivas e denotadoras da existência de um direito que se pretende venha a ser declarado ou constituído pela ordem em que se consubstancia a sentença. [[5]]

Não podendo o tribunal, em obediência ao princípio do dispositivo e ao denominado princípio da congruência, numa terminologia processualista do país vizinho, ir além do foi alegado pelas partes, não pode, contudo, deixar de, na sentença, tomar em consideração toda as vicissitudes, de ordem objectiva e/ou subjectiva, que o processo operou em ao longo da sua tramitação – cfr. n.ºs 2 e 3 do preceito atrás citado (264.º). Assim que, estabilizando-se a instância – cfr. artigo 268.º do Código Processo Civil – com a citação do réu, a lei possibilita modificações subjectivas e objectivas, consubstanciadas, respectivamente, nas hipóteses de substituição da parte primitiva ou de associação a esta de outros sujeitos – cfr. artigos 269.º e seguintes do Código Processo Civil - e na possibilidade de modificação, por alteração e ampliação do pedido inicial e dedução de uma contra-causa – cfr. artigos 272.º a 275.º do mesmo livro de leis.

O Professor Castro Mendes escreveu em “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, que: “[toda] a eficácia do caso julgado – não apenas a fundamentação da respectiva excepção – pode traduzir-se em duas ordens de efeitos: pode impedir a colocação no futuro da questão decidia ou pode impedir a adopção no futuro da solução que a decidiu. Os fenómenos são diferentes e não apenas nos fundamentos - são formas distintas de eficácia do caso julgado. Com efeito, tal eficácia pode consistir num impedimento, proibição de que volte a suscitar-se no futuro a questão decidida - e estamos perante aquilo a que nós chamamos função negativa do caso julgado; ou pode consistir na vinculação a certa solução - e estamos perante a função positiva.” Na distinção que faz da eficácia directa e eficácia reflexa do caso julgado, a que, correntemente, soe designar-se por excepção de caso julgado e autoridade, refere este preclaro professor que, no plano objectivo, “[se] não é preciso entre os dois processos identidade de objecto (pois justamente se pressupõe que a questão foi num thema decidendum seja no outro questão de outra índole, maxime fundamental) é preciso que a questão decidida se renove no segundo processo em termos idênticos”, para adiante manifestar a sua preferência por um outro tipo de  distinção: “efeitos de caso julgado quando a questão julgada é objecto de outro processo, seu thema decidendum; efeitos do caso julgado quando a questão julgada desempenha outro papel, designadamente, o de questão fundamental” [[6]/[7]]

Prosseguindo na análise a que procede da excepção de caso julgado, ou seja quando a quaestio judicata é objecto de novo processo, refere este Mestre que o que a lei procura é assegurar o respeito da res judicata, ou seja como meio preventivo de tutela do caso julgado, porquanto a questão por este abrangida foi tomada no novo processo como thema decidendum, já quando no processo civil posterior a mesma questão fundamental se suscita, não como thema decidendum mas como questão fundamental, mas como questão fundamental, secundária ou instrumental, defende o autor que “[havendo]caso julgado e levantando-se num processo civil seguinte inter casdem pessoas a questão sobre a qual este recaiu, mas levantando-se como questão fundamental ou instrumental e não como thema decidendum (não sendo, pois de usar como excepção de caso julgado), o juiz do processo está vinculado á decisão anterior”, escorando-se no que preceituava o n.º 1 do artigo 671.º, n.º 1do anterior Código Processo Civil. [[8]]    
Em recente decisão deste tribunal [[9]], a propósito da questão da autoridade do caso julgado escreveu-se, que, “uma vez julgada procedente uma acção, nela se afirmando competir ao autor certo direito, com base em certo acto ou facto jurídico, a força e autoridade do caso julgado impedirá que mais tarde, por qualquer motivo não superveniente … se possa vir impugnar aquele direito, com isto negando ou por qualquer forma se intentando prejudicar bens correspondentes por aquela decisão reconhecidos ao autor”. Aí se conclui que “o réu em qualquer pleito tem de invocar todos os meios de defesa que lhe possam assistir, quer dizer, todos os factos susceptíveis de comprovarem que o direito do autor não se constituiu validamente (factos impeditivos), ou que já sofreu alteração ou mesmo deixou de subsistir (factos modificativos ou extintivos) ” (pág. 235), abonando, em abono da posição expressa, a posição de Miguel Teixeira de Sousa, in (Estudos sobre o Processo Civil, 2ª ed., págs. 568, 579 e 586), quando escreve “[que] com o trânsito em julgado da sentença “ficam precludidos todos os factos que poderiam ter sido invocados como fundamento de uma contestação, tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada”, o que se funda em razões atinentes com a boa administração da justiça, com a funcionalidade dos tribunais e com a salvaguarda da paz social, ficando excluída a possibilidade de confrontar o tribunal com “toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada”. [[10]]

Para uma metodologia a seguir na interpretação das situações em que se pode configurar uma relação excludente de causas por violação do caso julgado, é elucidativo o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 03-02-2011, proferido no processo n.º 190-A/1999.E1.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, em cujo sumário se consignou: “1. Num recurso fundado em violação do caso julgado, tem necessariamente o Tribunal «ad quem» de começar por determinar qual é – segundo os critérios interpretativos que devem ser utilizados para determinar o sentido de uma sentença – o âmbito possível de tal operação interpretativa, excluindo aqueles sentidos normativos que extravasem o âmbito consentido a uma actividade interpretativa, levando a alcançar e imputar-lhe sentidos decisórios que a sentença interpretada manifestamente não pode comportar. 2. Sendo as decisões judiciais actos formais, - amplamente regulamentados pela lei de processo e implicando uma «objectivação» da composição de interesses nelas contida – tem de se aplicar à respectiva interpretação a regra fundamental segundo a qual não pode a sentença valer com um sentido que não tenha no documento ou escrito que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Por força da função limitativa ou excludente do caso julgado, não é possível à parte que, formulando um pedido global não individualizado, o viu proceder apenas em parte, obtendo um valor ou montante inferior ao pretendido, alcançar, através de decisão jurisdicional ulterior, aquilo que não logrou obter através da sentença primeiramente proferida e transitada em julgado.” [[11]]

No mesmo sentido doutrinou o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Fevereiro de 2012, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, “A excepção de caso julgado constitui, como diz a lei (art. 494º-i) CPC), uma excepção dilatória que se traduz num pressuposto processual negativo cuja função consiste em impedir o prosseguimento do processo com o objectivo de evitar que o tribunal se veja na contingência de proferir decisão de mérito que contrarie ou repita uma outra, anterior e definitiva.

Confrontado com tal situação, o tribunal deve abster-se de conhecer do fundo da causa. É isso que, de resto, visa a excepção de caso julgado: que o julgador se abstenha de conhecer do mérito da causa, como é próprio dos efeitos das excepções dilatórias.

Como faz notar o Prof. Lebre de Freitas (Código de Processo Civil, Anotado, 2º, 325), “a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira posição, como pressuposto indiscutível da primeira decisão de mérito, Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”.

O cotejo far-se-á, portanto, entre decisões de mérito.

Ora, se assim é, não parece que seja uma tal decisão de natureza formal – pressuposto processual negativo – impeditiva de decisão de mérito que viole uma decisão de fundo anterior com ela incompatível.

O que se apresenta como idóneo para ofender direitos substantivos fixados por decisão de mérito deverá ser outra decisão que se pronuncie sobre o mérito em termos incompatíveis com o anteriormente sentenciado.

Daí que, pensa-se, o recurso excepcional previsto no n.º 2-a) do art. 678º das decisões que ofendam o caso julgado se refere, numa espécie, a decisões sobre a relação processual contraditórias entre si – violação de caso julgado formal – e, noutra espécie, a decisões sobre o mérito sobre a mesma pretensão, por sua vez também contraditórias entre si – violação de caso julgado material -, devendo, além disso, em qualquer caso, para que seja invocável o fundamento de excepção à regra geral de recorribilidade em razão do valor da causa, que o valor da causa ou da sucumbência impeçam o recurso normal – arts. 671º-1, 672º, 673º, 675º e 678º-2, todos do CPC.

É que, se bem se interpreta o sistema, na medida em que haja ou enquanto houver recurso ordinário admissível segundo as regras gerais, não há necessidade de lançar mão de qualquer meio processual excepcional ou especial, designadamente dum recurso excepcional, para dar cumprimento ao preceituado no art. 675º CPC, fazendo respeitar o caso julgado. Nesta vertente, o problema do respeito pela força e autoridade do caso julgado e do modo de o defender só se coloca verdadeiramente quando, como a lei tem como pressuposto, a decisão violadora do caso julgado é irrecorrível por via do valor da causa ou da sucumbência.

Trata-se de um remédio, e por isso, de natureza excepcional, que só logra perfeita compreensão e aceitação nos casos em que, perante uma efectiva ofensa de decisão protegida por intangibilidade, o recurso ordinário está vedado pelo valor da causa.” [[12]]

A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior.

Como refere Miguel Teixeira de Sousa, a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente, mas ainda a inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica. (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, O objecto da sentença e o caso julgado material – Estudo sobre a funcionalidade processual, in BMJ, 325º-49 e segs.)

A excepção de caso julgado não se confunde, no entanto, com autoridade do caso julgado. Se pela excepção do caso julgado se visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, um obstáculo a nova decisão de mérito, a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão à segunda decisão de mérito.

Conforme se referiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/01/2015 (Revista n.º 227/12.2TBSAT.C1.S1) – 1ª Secção) enquanto “a excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois da primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso, tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado em alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior”, “na autoridade do caso julgado, a determinação dos seus limites e eficácia passa pela interpretação do conteúdo da decisão (despacho, sentença ou acórdão), nomeadamente quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado”.

A força do caso julgado incide, em princípio, sobre as questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença ou do acórdão, mas pode abranger também as questões preliminares que, tendo sido decididas expressamente na respectiva fundamentação, sejam o antecedente lógico indispensável à decisão (Ac. STJ de 3/04/2014, Revista n.º 5928/04.6TBCSC.L1.S1. – 2ª Secção).

Ninguém põe em causa que o caso julgado abranja a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão (artigos 659º, n.º 2, 713º, n.º 2 e 726º, actuais artigos 607º, n.º 3, 663º, n.º 2 e 679º do CPC).

A questão coloca-se em relação aos fundamentos enquanto pressupostos necessários do referido segmento decisório, isto é, se se lhes estende ou não o efeito do caso julgado material.

Alguns autores, na esteira da tese restritiva de origem romanista, entendem que os limites objectivos do caso julgado se confinam à parte injuntiva da decisão.

Outros, porém, seguindo a tese extensiva de origem germânica e da qual um dos principais defensores foi Savigny, entendem que o caso julgado estende-se aos motivos objectivos da decisão, ou seja, à relação jurídica que serve de base à pretensão reconhecida na sentença (Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual do Processo Civil, Coimbra, 1985, página 718.)

Embora se possa concluir que a nossa lei acolheu a doutrina restritiva dos limites objectivos do caso julgado à decisão da relação jurídica material em que se traduz o pedido, a doutrina e a jurisprudência vêm caminhando no sentido de uma solução mitigada.

Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, 1950, III Volume, página 143), a propósito da extensão do caso julgado, refere o seguinte: “Pela nossa parte, aceitando em princípio a teoria romanista ou limitativa, somos também de parecer que se torna necessário sujeitá-la na prática, a grandes restrições".

Para este autor, embora, em regra, o caso julgado material se forme unicamente sobre a decisão relativa ao objecto da acção, em certos casos deverá abranger também as decisões preliminares e preparatórias.

Também Manuel Andrade (Noções Elementares do Processo Civil, Coimbra, 1976, página 327),  ao definir a posição do problema do caso julgado sobre os motivos da decisão final, escreveu o seguinte: “Assim também, por outro lado, quanto àquele mesmo direito posto em juízo pelo Autor como base imediata da sua pretensão (de que o Réu seja condenado a abrir mão de certo prédio, a pagar certa soma, etc.). Não há grande relutância em admitir que a sentença faz caso julgado sobre a existência ou inexistência desse direito - embora se possa pensar que ele não se confunde com tal pretensão.”

A favor disso parece estar desde logo, entre nós, a definição de pedido (artigo 498º, n.º 3, actual artigo 581º, n.º 3 CPC) e sobretudo a de causa petendi, quer em geral, quer quanto a certo tipo de acções, maxime as reais (artigo 498º, n.º 4, actual 581º, n.º 4).

Por aí se mostra que o pedido envolve o próprio direito em razão do qual o Autor pretende a condenação do Réu: a propriedade, o crédito, etc.

A sentença, certamente, há-de valer como caso julgado, pelo menos, até onde contenha a resposta do tribunal ao pedido do Autor, quando mesmo se lhe deva negar, sempre e inalteravelmente, um tal valor aos antecedentes lógicos dessa resposta – aos vários juízos preliminares (sobre pontos de facto e de direito) com que o tribunal a tenha motivado”.

Rodrigues Bastos (Notas as Código de Processo Civil, Lisboa, 1971, III, página 253) é favorável a uma mitigação deste último conceito – o de que apenas tem autoridade de caso julgado a conclusão ou a parte dispositiva do julgado – no sentido de, considerando embora caso julgado restrito a parte dispositiva do julgamento, alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.

Como não passou do Código de Processo Civil de 1939 para o actual o parágrafo único do artigo 660º, segundo o qual se consideravam resolvidas em termos de caso julgado, as questões sobre que recaísse decisão expressa e as que constituíssem pressuposto ou consequência necessária desse julgamento, tem vindo a discutir-se o alcance objectivo do caso julgado. Todavia, de acordo com a corrente dominante, a referida circunstância não teve por finalidade a consagração da solução oposta, mas deixar à doutrina o seu estudo mais aprofundado e à jurisprudência a sua solução, caso por caso, mediante os conhecidos processos de integração da lei (Anteprojecto in BMJ 123º-120).

Colocada a questão, na esteira da jurisprudência que se crê hoje maioritária, sem aderir à tese lata proposta por Savigny, parece-nos ser de adoptar um critério moderador do rígido princípio restritivo dos limites objectivos do caso julgado.

Assim, os limites objectivos do caso julgado integram as questões preliminares que constituem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva da sentença, desde que se verifiquem os demais requisitos do caso julgado material, abrangendo todas as questões e excepções suscitadas na sentença, por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor. Ou seja, a eficácia do caso julgado da sentença não se estende a todos os motivos objectivos da mesma, mas abrange as questões preliminares que constituiriam as premissas necessárias e indispensáveis à prolação do juízo final, da parte injuntiva, da decisão, contanto que se verifiquem os outros pressupostos do caso julgado material. Assim se conclui que o caso julgado material abrange o envolvente segmento decisório e a decisão das questões preliminares que sejam seu antecedente lógico indispensável, não sendo de excluir o recurso à parte motivadora para alcançar e fixar o verdadeiro conteúdo da mesma decisão.

Desta forma se evita a incoerência dos julgamentos, em homenagem ao prestígio da justiça, princípio da estabilidade e certeza das relações jurídicas, além de importar evidente economia processual. Parece-nos que, deste modo, se respeita o critério do alcance do caso julgado contido no artigo 673º, actual artigo 621º CPC.

Os autores soem definir o caso julgado material como “[a] vinculação que produzem determinados resoluções judiciais firmes, normalmente as sentenças sobre o fundo, que se concretiza no dever que incumbe ao órgão jurisdicional que conhece de um novo processo de se abster de ditar uma nova resolução sobre o fundo da questão litigiosa, quando esta seja idêntica á que já foi decidida na resolução em que se produzia o caso julgado (efeito negativo ou excludente); ou, no dever de ater-se ao que resulte desta e tomá-la como pressuposto da sua decisão, quando se apresente como condicionante ou prejudicial da questão que constitui o objecto do novo processo (efeito positivo ou prejudicial)”. [[13]]      

Com ou através da constituição do caso julgado pretende-se prover à certeza e à paz jurídica. “Estas exigências necessitam de um vínculo que impeça: 1) que uma controvérsia se prolongue até ao infinito; 2) que se torne a instaurar uma segunda causa sobre uma matéria já decidida em via definitiva num órgão judicial; 3) que se produzam decisões e sentenças contraditórias ou se verifique uma injusta e irracional reiteração de sentença de conteúdo idêntico no confronto das mesmas partes” (tradução nossa). [[14]]

No processo declarativo o juiz limita-se a afirmar o direito controvertido sem a pretensão de o realizar (di renderlo immediatamente reale) sendo, em geral, o processo de execução que individua a sua específica razão de ser na transformação da realidade em conformidade com o direito. [[15]/[16]]

Enfocando-nos, in concreto, nas situações que atinam com as acções que envolvem direitos de natureza absoluta – caso dos direitos de propriedade, que estão em discussão no recurso – apelamos ao ensinamento de Enrico Allorio, que na obra supra citada e escandindo a questão do valor e eficácia da sentença perante terceiros em casos em que se dirime a questão do direito (subjectivo e absoluto) de propriedade, ensina que a doutrina “(…) comum outorga ao princípio dos limites subjectivos da coisa julgada (con­siderando-o como um principio autónomo, e não como um reflexo consequencial da regra dos limites objectivos), e reconheço que isso não tem sido por capricho. Com efeito, a doutrina geral justifica esta decisão baseando-se numa serie de casos práticos, que especialmente versam sobre direitos abso­lutos, relativamente aos quais considera que o princípio dos limites subjectivos seria aplicável na sua máxima intensidade.

Como é bem sabido, tais direitos são aqueles cujo sujeito passivo é indeterminado, e por isso se diz que se trata de direitos que podem fazer-se valer frente a «todos», ou a «todos los demais». O exemplo paradigmático deste tipo de direitos é a propriedade - o domínio pleno sobre uma coisa-, cujo lado passivo está constituído pela correlativa exclusão de todas as demais pessoas do gozo da cosa. Também nos servem de exemplo os demais direitos reais, assim como os direitos hereditários (o direito a suceder já a excluir os «outros» total ou parcialmente do património do causante); e os direitos chamados pessoalíssimos (o direito ao nome, o direito à identidade pessoal, o direito sobre as obras de arte).

A forma como se aplica o princípio dos limites subjectivos às sentencias que versam sobre este tipo de direitos consiste no seguinte: quando se declara judicialmente a existência de um direito absoluto frente a um sujeito passivo, tal declaração não é eficaz frente à infinita multitude de (teóricos) sujeitos passivos. Retomando o exemplo do direito de propriedade que havíamos planteado, anteriormente, significa que, se num processo celebrado entre A e B se declara que A é o proprietário da coisa x, num outro processo que se celebre entre A e C, A deverá provar ex novo a propriedade e não poderá opor a sentença obtida frente a B, e mais ainda, C estará legitimado para desconhecer tal sentença, especialmente se alega ser ele mesmo o proprietário.

Em minha opinião, realmente, é uma contradição meramente aparen­te a que pareceria existir entre estas hipóteses e com a tese aqui sustentada, segundo a qual a sentença sempre versa sobre uma relação entre as partes, e portanto não deve - mas poderia - afectar a terceiros. Isso deve-se a que não é certo que a determinação judicial da propriedade tenda a prejudicar sujeitos estranhos ao processo, e que tal seja a razão pela qual a lei limite a eficácia da sentença aos sujeitos que foram parte no processo. Não é certo, simplesmente, porque a determinação judicial da propriedade (com autoridade de caso julgado) nunca ocorreu.

A propriedade, é um direito com sujeito passivo indeterminado, o qual significa que a parte passiva está integrada por todos os «demais» sujeitos; e é evidente que não se trata de um direito que possa ser adequadamente de­cidido num processo com duas partes. O processo reivindicativo é um marco desproporcionadamente reduzido para um quadro de tal amplitude. Ainda mais, pode dizer-se que a propriedade não é tanto um direito, mas sim é acima de tudo uma síntese, um sistema ideal de direitos, de relações, uma situação jurídica, uma posição que tem uma infinita quantidade de caras ou frentes, e que, como tal, nunca poderá estabelecer-se num só processo.

O que pode estabelecer-se num determinado processo é apenas uma destas caras, um específico aspecto da propriedade, isto é, a propriedade enquanto dirigida para aquela determinada pessoa (o demandado no processo reivindicatório) que nesse momento a não está reconhecendo (ou a está desconhecendo) ou a está vulnerando. Como consequência do que fica dito, em anterioridade, é claro que a sentença correspondente somente versará sobre esse aspecto da propriedade, e consis­tirá na determinação vinculante (seja positiva ou negativa) do poder de um sujeito A de excluir um sujeito B do gozo e do domínio da coisa. Com efeito, a propriedade é um direito que, tomado na sua referência específica a um sujeito passivo, é realmente um poder de exclusão, e tomado na sua integridade, é essencialmente um poder de exclusão. Na realidade, todos os direitos ab­solutos devem entender-se como poderes de exclusão, sendo esta a categoria à qual pertence o direito de propriedade.

Desse modo, sendo tal o objecto do pronunciamento quando se fala de “determinação da propriedade”, então realmente não haveria nenhuma necessidade de estabelecer uma proibição especial (como a contida na regra dos limites subjectivos da coisa julgada) para restringir os efeitos de tal pronunciamento só às partes do processo, desde logo pelo seu próprio con­teúdo não poderia afectar a terceiros. Tanto é assim, que havendo-se declarado o poder do sujeito A para excluir B do domínio da coisa, nas relações futuras entre A e B não existirá a possibilidade de que B tenha qualquer afirmação que seja incompatível com tal determinação, incluída obviamente a de ser proprietário, ou a de ter B o poder de excluir a A da coisa; no entanto, é perfeitamente possível que frente a A e a B ou a qualquer outro, venha um terceiro C que afirme ser o proprietário, sem que o mesmo se lhe possa  opor a sentença entre A e B, devido a C não caber na relação dual, pessoal, existente entre A e B.  Sendo certo que, até certo ponto, poderia admitir-se que existe uma incompatibilidade lógica - entre a sentença de A e B, e a pretensão de C, entre as mesmas não existe nenhuma incompatibilidade prática (que acima de tudo é a que conta)”.

E mais adiante refere o mesmo Autor que “O princípio dos limites subjectivos do caso julgado (cosa juzgada) não desempenha uma função útil nem sequer no que seria o seu típico âmbito de aplicação Esta é a conclusão a que se chega quando se observa que as sentenças pronunciadas relativamente a este tipo de direitos têm sim uma eficácia relativa, pelo se trata de uma relatividade que deve entender-se num sentido muito diferente ao que usualmente se lhe dá. Com efeito, tal relatividade deve entender-se não como uma regra imposta exteriormente com vista à tutela da posição jurídica dos terceiros aos quais a sentença tenderia a prejudicar; mas sim como a consequência natural de que a sentença decida sore uma relação existente entre as partes sem pretender afectar os direitos de terceiros,

Ainda que, inclusivamente entendendo tal relatividade desta maneira, quer dizer, como relatividade objectiva (ou como relatividade da relação decidida, mas não da sentença que decide sobre a relação), o importante é deixar firmemen­te estabelecida a relatividade do caso julgado (cosa juzgada) sobre um direito absolu­to. Devemos estar atentos a evitar atribuir-lhe ao pronunciamento sobre um dos mencionados direitos uma eficácia, não direi que fora das partes do processo, mas outrossim, fora da relação entre as partes do processo, porque foi a única que se conheceu e se decidiu.

Este ponto não parece ter sido tido em conta por aqueles que consideram que o processo para a determinação da titularidade da propriedade, deveria constituir-se entre o proprietários e todos os «obrigados» (ou melhor, os «sujeitos») em virtude do estabelecido numa norma positiva (art. 439.2 do CC), mas que pelo contrário se constitui entre o proprietário e aquele actualmente se opõe à propriedade ou obstaculiza o seu exercício, com autoridade perante todos os demais, «a menos que os mesmos não pretendam para si o direito de propriedade».

Se com isto, o que se está querendo dizer é que todos «os outros» devem conhecer como proprietários aquele que ganha no processo reivindicatório e podem subtrair-se somente afirmando e provando que são proprietários eles mesmos (ónus este realmente gravoso dada a dificultada da prova, e o risco que implica o não lograr prova-la), é claro que se trata de uma conclusão errada. Por exemplo, é perfeitamente possível que, depois de proferida sentença que declara que Caio é proprietário perante a Semprónio, Caio demande a Tício (possuidor da coisa x), e que Tício lhe exija aquele que prove ­ser proprietário da coisa x, sem necessidade de proclamar-se ele mesmo (Tício) proprietário, e sem que lhe seja lícito a Caio invocar a sentença proferida no processo entre ele e Semprónio.

É, então, importante manter-se em guarda contra a errada conclusão de que a vitória no processo reivindicatório pode ter como efeito a inversão do ónus da prova (em beneficio de quem resultará vencedor, e prejuízo de terceiros) nos processos reivindicatórios que o ganhador possa chegar a promover contra tais terceiros.” [[17]]

 

Da lição deste Professor italiano – que propositadamente estendemos – retira-se a ilação segura de que numa acção em que estejam em discussão direitos absolutos e subjectivamente vinculantes a sentença que neles seja proferida não expande a sua eficácia para além dos sujeitos que intervieram na acção e a quem a sentença pretendeu atribuir o direito, do mesmo passo que, definindo-o, o delimita e concerne aos intervenientes no processo. Não obsta, pois, que aquele a quem foi reconhecido o direito o tenha que defender perante outro sujeito que se arrogue o direito de que a coisa que a decisão definiu como pertencente a um sujeito lhe pertence, afinal a ele. A sentença proferida num processo em que intervieram apenas dois sujeitos, ainda que o âmbito do direito definido e conferido assuma uma feição universal, não pode vincular e abranger todos quanto à exclusão de domínio (sobre a coisa) mas tão só aqueles entre quem a sentença atribuiu e delimitou a exclusão da turbação do direito perturbado.

Procede, nos termos expostos, a pretensão dos recorrentes.     

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Conceder a revista, e, em consequência, revogar a decisão recorrida, devendo o processo prosseguir com a prolação de decisão em que conheça do direito de propriedade peticionado nesta acção.

- Condenar os recorridos nas custas.  

                                   Lisboa, 19 de Janeiro de 2016

Gabriel Martim Catarino  (Relator)

Maria Clara Sottomayor

Sebastião Póvoas                          

____________________
[1] Ac. de 12/07/05 na revista n.º 1860/05, 2.ª Secção, citado, entre outros, no Ac. de 22/09/05, revista nº 03B3727, disponível no sítio do ITIJ; Cfr. também os Acórdãos de 2/12/04 na revista n.º 3463/04 e de 17/03/05  na revista n.º 04B1304/04, igualmente disponível no ITIJ, onde se dá notícia de outros anteriores.
[2] Uma outra corrente de pensamento mais radical neste Supremo Tribunal entende inclusivamente que esta prática de reprodução alegatória equivale à deserção do recurso, por falta de alegações, pois que, embora se possa dizer que, formalmente, foi cumprido o ónus de formular conclusões, já em termos substanciais é legítimo inferir que terá faltado uma verdadeira e própria oposição conclusiva à decisão recorrida, nomeadamente porque a repetição não atingiu apenas as conclusões, afectando também o corpo das alegações.”. Vejam-se os Acs. de 11/05/99, na revista n.º 257/99, 1.ª Secção, citado pelo já referenciado Ac. de 22/09/05, de 5/07/05 acima mencionado, de 01/10/09 na revista n.º 1284/06.6TBVCT.S1 - 2.ª Secção, de 08/10/09 na revista n.º 3721/08 - 2.ª Secção, de 11/03/10 na revista n.º 6560/05.2TBLRA.C1.S1 - 2.ª Secção, e de 23/09/10 na revista n.º 4178/06.1TBBCL.G1.S1- 2ª Secção.  
[3] Cfr. Enrico Allorio, “La Cosa Juzgada frente a Terceros”, colecção Proceso y Derecho; Marcial Pons, Madrid, 2014, pág. 12. Este autor discorre sobre a teoria substancial e a teoria processual do caso julgado. A primeira estaria vinculada “al planteamiento según cual el proceso es un medio para lograr la solución de las controversias” a a segunda “está vinculada al planteamiento según el cual o proceso es instituto para la aplicación de Derecho.” (op. loc. cit. pá. 21) 
[4] Cfr. Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, com a colaboração de Antunes Varela, nova edição, revista e actualizada por Herculano Esteves, Coimbra Editora, 1976, 317 e Remédio Marques, in “Acção de Declarativa à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 2007, 452
[5] “(...) a antítese entre a teoria substancial e a teoria processual do caso julgado é simplesmente o reflexo da antítese existente entre as duas formas principais de entender a finalidade do processo civil.
Com efeito: a) se se considera que a finalidade do processo civil é a aplicação do Direito, resulta praticamente impossível admitir que a sentença, sendo uma acto no qual o processo se condensa e conclui – e por ende , é a quintessência do mesmo – possa ter com efeito a criação de novas relações jurídicas substanciais e acima de tudo se poderá reconhecer que a sentença vincula os juízes que no futuro sejam chamados a pronunciar-se sobre a eadem res, que dizer que a mesma somente cria uma certeza judicial, a qual é, para a teoria que concebe o  processo como um meio de aplicação do Direito, simplesmente uma forma de aplicação do Direito;
b) se se considera que a finalidade do processo é a solução da controvérsia, e que a aplicação do Direito é simplesmente um meio de e um limite para o logro de dita finalidade, então não haverá dúvida alguma que a sentença, isto é, o mandato do Estado encaminhado a pôr fim a uma controvérsia, é um mandato ou ordem que tem efeitos de direito substancial. Isso se deve a que a controvérsia é um conflito no qual as partes realizam uma valoração – e aplicação – diferente da vontade da lei perante uma relação de direito substancial, e a solução de tal controvérsia só pode lograr-se estabelecendo uma nova regulação clara da relação de direito substancial, que substitua a relação anterior que era incerta.” Enrico Allorio, in op. loc. cit. pág. 17.             
[6] Cfr. Castro Mendes, João, in “Limites Objectivos do Caso Julgado”, Edições Ática, pág. 38 a 44. 

[7] cfr. na jurisprudência o recente acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 07-05-2015, proferido no processo n.º 15698/04.2YYLSB-C.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Granja da Fonseca, em cujo sumário se consignou: “A excepção dilatória do caso julgado visa evitar que o tribunal, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie ou reafirme o anteriormente decidido ao passo que a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão à segunda decisão de mérito. II - Deve-se entender que os limites objectivos do caso julgado integram as questões preliminares que constituem antecedente lógico indispensável à parte dispositiva da sentença (desde que se verifiquem os requisitos do caso julgado material), abrangendo, pois, todas as excepções aí suscitadas por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, solução que permite evitar a incoerência dos julgamentos, respeita os princípios da justiça e da estabilidade das relações jurídicas, propicia a economia processual e corresponde ao alcance do caso julgado contido no art. 621.º do NCPC (2013).”   
[8] Cfr. Op. loc. Cit. págs. 50 a 52.
[9] Cfr. Acórdão de 10-10-2012, relatado pelo Conselheiro Abrantes Geraldes, in www.stj.pt

[10] Veja-se na jurisprudência o acórdão desta secção relatado pela Conselheira Clara Sottomayor, de 17-06-2014 e replicado no acórdão de 24-02-2015, em que se sumariou atinente à autoridade de caso julgado o seguinte: “«III - O caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo e fora dele e, por isso, não pode ser alterado em qualquer acção nova que porventura se proponha sobre o mesmo objecto, entre as mesmas partes e com fundamento na mesma causa de pedir. IV - Para averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a critérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte concretamente actuou e actua no processo. V - A aplicação da excepção dilatória de caso julgado material não constitui um obstáculo arbitrário ou desproporcionado ao direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, justificando-se numa necessidade de segurança jurídica para a comunidade e na coerência das decisões judiciais, valores que contribuem para promover a paz jurídica e social e o respeito dos cidadãos pelos tribunais.» No mesmo sentido o acórdão de 15-01-2013, processo n.º 816/09.2TBAGD.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Fernandes do Vale: «O alcance e a autoridade do caso julgado não se podem confinar aos rígidos contornos definidos nos arts. 497.º e segs. do CPC para a excepção do caso julgado, antes se devendo tornar extensivos a situações em que, não obstante a ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento e razão de ser daquela figura jurídica estejam, notoriamente, presentes». Quanto à identidade dos jurídica de sujeitos necessários para verificar da existência de caso julgado vejam-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 24-04-1996, processo n.º 96B120, relatado pelo Conselheiro Costa Marques: «I - A identidade jurídica dos sujeitos da relação jurídica, não tem, necessariamente, que coincidir com a identidade física, pois o que interessa é que estes actuem como titulares da mesma relação substancial, isto no que toca à litispendência e caso julgado” e o acórdão deste Supremo de Justiça de 2 de Novembro de 2006 (processo n.º 06B3027), relatado pelo Conselheiro Pereira da Silva, em cujo sumário se exarou o seguinte: «I - O que conta para a avaliação da existência, ou não, do requisito relativo à identidade de sujeitos é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial, o serem portadoras do mesmo interesse substancial; tal identidade não fica comprometida ou destruída pelo facto de ocuparem as partes posições opostas em cada um dos processos, acontecer diversidade de forma de processo empregada nas duas acções ou serem de natureza díspar - uma declarativa, outra executiva - as acções em causa. II - Para haver identidade de pedido, como pressuposto da litispendência, tem que ser o mesmo o direito subjectivo cujo reconhecimento ou protecção se pede, independentemente da sua expressão quantitativa, não sendo, consequentemente, necessária, à luz do prescrito no art. 498.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, rigorosa identidade formal entre os pedidos, antes se mostrando suficiente que seja coincidente o objectivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma das acções»
[11] Disponível em www.dgsi.pt.
[12] Disponível em www.dgsi.pt
[13] Cfr. Grande Seara, Pablo, in “La Extensión Subjetiva de la cosa juzgada en Processo Civil”, Tirant lo Blach, Valência, 2008, pág. 47.  
[14] Cfr. De la Oliva dos Santos, Andrés, in “Oggetto del Processo Civile e Cosa Giudicata”, Giuffrè Editore, Milão, 2009, 116-118. 
[15] De la Oliva dos Santos, Andrés, in “Oggetto del Processo Civile e Cosa Giudicata”, Giuffrè Editore, Milão, 2009,, pág. 133.
[16] Cfr. a propósito o recente acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 08-09-2011, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, onde se escreveu: “Nestes casos, é claro que a sentença proferida terá de se pronunciar, não apenas sobre o originário objecto da petição inicial, mas sobre o objecto do processo, tal como se encontrava definido no momento final do encerramento da discussão. E convirá ainda não esquecer que, apesar da vigência do princípio dispositivo, se, porventura, o juiz se tiver pronunciado, embora indevidamente, sobre matéria que extravasava o objecto do processo e se tal decisão tiver transitado em julgado, por não ter sido arguida a respectiva nulidade, o caso julgado material irá abranger as próprias questões efectiva (embora indevidamente) decididas, a partir do momento em que ocorra sanação ou preclusão da nulidade por «excesso de pronúncia». Isto é: o suporte material ou o conteúdo primário do caso julgado é o conteúdo da decisão, o «thema decisum» (cfr. Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado, pags. 206/207 e 254/255) – e não apenas o «thema decidendum», tal como foi inicialmente configurado pelo A. e sofreu as mutações processualmente admissíveis durante o curso da causa.
[17] Enrico Allorio, “La cosa Juzgada frente a Terceros” (“La Cosa giudicata rispetto ai terci” – Milano, Giuffrè, 1972), cit. págs. 55 a 61 (A tradução do castelhano é da nossa autoria). Exemplificando, refere este Autor as seguintes situações: “Poder-se-ia objectar-se: «E a propriedade? Esta também forma parte do debate que se desenvolve no processo reivindicativo, no qual realmente nunca se debate se o autor ou o demandado no caso da acção para a determinação negativa) tem ou não o poder de excluir o adversário do gozo e do domínio da coisa, mas sim que o que sempre se debate consiste só se ele é ou não é proprietário».

Para dar resposta a tal objecção, deve precisar-se que, ainda que a determinação da propriedade efectivamente tenha lugar no processo reivindicatório, tal não é o objecto principal do mesmo, mas sim que é um simples ins­trumento para estabelecer a concreta relação bilateral entre as partes do processo. Claro que, com o que ficou dito não se quer dizer que tal relação bilateral seja segundo o conceito wachiano da pretensão real - uma relação obrigatória (o direito do proprietário de exigir a cessação de toda moléstia) relativamente à qual a propriedade funcione como um elemento prejudicial. Basta com recordar que, o proprietário não só tem acção para iniciar um processo reivindicatório (entendido como acção de condenação), mas que também tem acção para pedir a mera declaração da propriedade sem necessidade de invocar nenhum direito de natureza obrigatória em virtude da qual possa exigir que cessem as perturbações, pela simples razão de que ali não se apresentou turbação alguma, mas sim um mero desconhecimento.

A propriedade e a relação pessoal entre as partes baseada na propriedade não tem entre si uma relação de causa e efeito, nem tão pouco uma relação de elemento prejudicial relativamente subordinada heterogénea, tem, no entanto, uma relação de todo e a parte, e por fim, trata-se de entidades ho­mogéneas. Desse modo, a relação entre as partes que constitui o objecto do caso julgado (cosa juzgada) não tem natureza obrigatória, dado que é também real: domínio da coisa, e exclusão de outros do gozo da mesma. Sem embargo, o sujeito passivo é uma pessoa específica, determinada. A relação bilateral entre as partes não é mais do que a própria propriedade, mas considerada desde um particular ponto de vista, enquanto que a relação obrigatória que tem por objecto a cessação da perturbação é um aliud, um plus que vem somar-se à propriedade como consequência da violação.

A necessidade de demostrar a propriedade para lograr uma decisão favorável – perante a contraparte – no sentido de que se declare a existência de um particular poder de exclusão do gozo e do domínio da coisa na realidade deriva da configuração que o nosso ordenamento positivo conferiu ao processo reivindicatório. No entanto, trata-se de uma configuração que por si mesma não incorpora nada que seja necessário desde o ponto de vista lógico, bem poderia imaginar-se uma configuração diferente, como, com efeito, o era a que tinha o processo reivindicatório no Direito romano arcaico com as legis actiones,

Com efeito, no processo romano arcaico, era possível lograr a vitória no processo reivindicativo com independência da demostração da propriedade. A forma do processo reivindicativo era a lege agere sacramental (Gaio, IV, 13-17), na qual formalmente ambas partes tinham a qualidade de autores, e ambas se prometiam mutuamente o sacramentum em virtude do que cada uma delas devia afirmar solenemente que lhe correspondia o domínio da coisa. Assim, correspondia ao juiz decidir qual dos dois juramentos era certo, e quando nenhuma das partes lograsse provar propriedade - como poderia haver ocorrido- surgia o problema de estabelecer qual delas devia considerar-se vencedora e qual devia pagar a soma prometida no juramento por haver sido derrotada. A solução adoptada que era, para além do mais a única solução possível – foi que para a vitória não se necessitava provar a propriedade, mas sim que bastava demostrar um título prioritário sobre a coisa perante o adversário. Desta forma, o objecto daqueles antigos processos reivindicatórios por fim não terminava sendo o direito de propriedade.
 (…) Para que a sentença, sobre a pretensão reivindicatória, estenda a sua eficácia aos processos reivindicatórios entre partes diferentes, parece ser necessário ­que, pelo menos, uma das partes haja sido parte no primeiro processo, no qual se pronunciou a sentença: e não se observa que tipo de influência possa ter esta no processo reivindicatório que tenha lugar, não entre uma das partes e um terceiro, mas sim entre dois terceiros.”