Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
670/20.3T8STR-B.E1-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
TRÂNSITO EM JULGADO
DESPACHO SANEADOR
CASO JULGADO FORMAL
RECURSO DE APELAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
RECURSO DE REVISTA
RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 07/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643º CPC (COMÉRCIO)
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - A revista contemplada pelo art. 671.º, n.º 1, do CPC, relativamente a decisão proferida em incidente de qualificação da insolvência, não pode ser admitida se não estão verificados os pressupostos gerais de recorribilidade, nomeadamente quanto ao valor da causa fixado e transitado em julgado no processo (arts. 629.º, n.º 1, do CPC, 17.º, n.º 1, do CIRE); sendo inferior ao da alçada da Relação o valor fixado no despacho saneador (art. 306.º, n.os 1 e 2, do CPC), constitutivo de caso julgado formal (arts. 595.º, n.os 1, al. a), e 3, 620.º, n.º 1, do CPC) por falta de impugnação tempestiva em recurso próprio de apelação (art. 644.º, n.º 1, al. a), do CPC) e consequente aceitação pelas partes no processo e vinculação necessária pelos tribunais superiores, não pode ser manifestamente admitida e conhecida a revista.
II - Não se destina a reclamação deduzida no âmbito do art. 643.º do CPC, por extemporânea e sem adequação processual, a sindicar a bondade do critério que serviu de base à decisão incidental sobre o valor da causa, nem pode ser essa impugnação e sua tramitação até decisão final no tribunal que iria apreciar o recurso utilizadas para arguição de supostas nulidades processuais, a arguir junto do tribunal que profere as decisões alegadamente viciadas e no tempo e modo legalmente próprios, nem para aduzir novos fundamentos ou bases recursivas que servissem para uma reconfiguração da modalidade de impugnação recursiva ou um alargamento do objecto recursivo para outras situações de admissibilidade do recurso de revista (em conjunto: arts. 641.º, n.os 2, em esp. al. a), 6, 643.º, n.º 4; 637.º, n.os 1 e 2, 1.ª parte («fundamento específico de recorribilidade»); 638.º, n.º 1, 639.º, n.os1 e 2, do CPC).
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 670/20.3T8STR-B.E1-A.S1
Reclamação: arts. 641º, 6, 643º, CPC; Tribunal/Juiz Reclamado – Relação ..., ... Secção
Reclamação para a Conferência: art. 652º, 3, 679º, CPC


Acordam em conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO

A) AA, gerente da sociedade declarada insolvente nos autos principais, «Colégio dos Navegantes – Sociedade Unipessoal, Lda.», apresentou Reclamação, nos termos do art. 643º do CPC, contra o despacho do Ex.mo Juiz Desembargador Relator do Tribunal da Relação ... (TR...), proferido em 31/1/2022, que não admitiu recurso de revista interposto do acórdão desse TR..., proferido em 16/12/2021.         

Neste recurso, o Recorrente visa a revogação do acórdão recorrido, “devendo em consequência a insolvência ser qualificada como fortuita”, e, subsidiariamente, caso assim não se entendesse, ser substituído por decisão que “qualifique a insolvência como culposa, mas reduza a pena fixada nos termos da al. b) e c) do n.º 2 do artigo 189º do CIRE para o limite mínimo aplicável e afaste a condenação nos termos da al. e) daquele mesmo normativo”.

O Ministério Público apresentou contra-alegações, defendendo prioritariamente a inadmissibilidade do recurso à luz do não preenchimento do art. 14º, 1, do CIRE.


B) Antes, foi proferida sentença de declaração de insolvência da «Colégio dos Navegantes» (4/5/2020), transitada em julgado em 24/8/2020.
Depois, no presente incidente de qualificação da insolvência, requerido pelos credores reclamantes em 16/9/2020, tendo como objecto a verificação dos requisitos de qualificação da insolvência da «Colégio dos Navegantes» e, em caso afirmativo, a afectação do sócio único e gerente AA por tal qualificação, o Juiz ... do Juízo de Comércio ... proferiu sentença (14/7/2021) com o seguinte dispositivo decisório:

“a)      Qualificar a presente insolvência do COLÉGIO DOS NAVEGANTES – SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ... ... como culposa;
b)  Julgar afetado pela qualificação da Insolvência o gerente AA, inibindo-o quer para administrar patrimónios de terceiros, quer para exercer o comércio bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 5 (cinco) anos;
c) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pela pessoa afetada pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
d) Condenar a pessoa afetada a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, sendo tal valor a apurar em sede de liquidação de sentença, de acordo com aquilo que não seja satisfeito com a liquidação do atívo da massa insolvente, apurado após a realização do rateio pelos credores.”

Neste incidente, foi proferido despacho saneador (13/4/2021), no qual se indeferiram as excepções de extemporaneidade e falta de pagamento das custas prováveis, e se fixou o valor da causa apensada no montante de € 5.000,01, sem que fosse impugnada esta decisão.

C) Inconformado, o aludido gerente AA interpôs recurso de apelação para o TR..., que conduziu a ser proferido acórdão, na data já referida, julgando improcedente a arguição da nulidade, o pedido de alteração da decisão sobre a matéria de facto e, quanto ao mérito, julgando parcialmente procedente o recurso: “- Mantendo-se a qualificação da insolvência da sociedade Colégio dos Navegantes – Sociedade Unipessoal, Lda., como culposa; - Mantendo-se a condenação do recorrente a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do seu património, sendo tal valor a apurar em sede de liquidação de sentença, de acordo com aquilo que não seja satisfeito com a liquidação do activo da massa insolvente, apurado após a realização do rateio pelos credores; - Reduzindo-se para 2 (dois) anos o período de inibição do recorrente para administrar patrimónios de terceiros, exercer o comércio ou ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.”

D) No exercício dos poderes atribuídos pelo art. 641º do CPC, o recurso de revista foi objecto de despacho que não admitiu o recurso, assim discorrendo no que aqui importa:

“O n.º 1 do artigo 629.º do CPC, aplicável ao incidente de qualificação da insolvência ex vi artigo 17.º, n.º 1, do CIRE, estabelece que o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.
No caso dos autos, o valor da causa foi fixado, no despacho saneador, em € 5.000,01, não excedendo, portanto, a alçada da Relação.
Consequentemente, nos termos das disposições legais citadas, não é admissível recurso do acórdão proferido por esta Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.
Pelo exposto e nos termos do artigo 641.º, n.º 2, al. a), do CPC, indefiro o requerimento de interposição do recurso.”

E) O Reclamante não se resignou com este despacho, sustentando na Reclamação que, seguindo jurisprudência do TC, o valor efectivo da causa não corresponde ao valor de € 5000,01 conferido por despacho do juiz, uma vez que se deveria ter aplicado neste incidente de qualificação da insolvência o critério legal do art. 303º, 1, do CPC, o que conduziria ao cumprimento da regra geral de recorribilidade imposta pelo art. 629º, 1, do CPC e, até, a sua admissão independentemente do valor.

F) O aqui Relator proferiu Decisão Singular, nos termos do art. 643º, 4, do CPC: julgou-se improcedente a Reclamação, confirmando-se a decisão reclamada de não admissão do recurso de revista.

G) Novamente inconformado, o Recorrente reclamou para a conferência e requereu que recaísse acórdão sobre a matéria da Decisão Singular; no fundamental: (i) suscitando jurisprudência constitucional, invocou novamente que o valor da causa tinha sido erradamente fixado, uma vez que se deveria ter lançado mão do art. 303º, 1, do CPC, aplicável por força do art. 17º, 1, do CIRE, e, assim, conduzido a um valor de € 30.000,01, e, assim, admitido o presente recurso independentemente do valor, desde logo por apreciação e julgamento da nulidade processual em que se traduzira essa fixação errada, à luz do art. 195º do CPC; (ii) invocando contradição com Ac. proferido pelo TR..., que levaria a que o recurso fosse de admitir à luz do disposto no art. 629º, 2, d), do CPC.
           

Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. APRECIAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO

H) A decisão reclamada, na sua parte decisória na sindicação do despacho reclamado, apresenta o seguinte teor:
6. A questão a decidir é a de saber se o valor da causa do processo incidental, tendo em conta o regime do art. 629º, 1, do CPC, que implica a sindicação da condição geral de admissibilidade de o valor da causa ser «superior à alçada do tribunal de que se recorre», impede que o recurso de revista seja admitido.

7. O especial regime dos recursos previsto no art. 14º, 1, do CIRE («No processo de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.») tem sido objecto de uma apurada e fundamentada aplicação por parte deste Supremo Tribunal e nesta 6.ª Secção.
Dessas sucessivas pronúncias resulta que o regime, atípico e restrito, do art. 14º, 1, do CIRE, estribado em conflito jurisprudencial, não se aplica aos apensos do processo de insolvência, excepção feita ao previsto expressamente nesse normativo – assim é o caso do incidente (pleno) apensado para efeitos de qualificação da insolvência como culposa (arts. 188º, 8, 132º, CIRE).
Logo, a revista segue, em especial, o regime dos arts. 671º e 674º do CPC, ex vi art. 17º, 1, do CIRE, o que se concluiu a contrario do art.14º, 1, do CIRE.

8. Assim, para avaliação da sua admissibilidade, um juízo positivo depende preliminarmente do preenchimento dos requisitos gerais estatuídos no art. 629º, 1, do CPC: «O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal (…)».
Este preceito impõe que, enquanto condição geral de recorribilidade das decisões judiciais, a admissibilidade do recurso esteja dependente da verificação cumulativa destes dois pressupostos jurídico-processuais: (i) o valor da causa tem de exceder a alçada do tribunal de que se recorre; (ii) a decisão impugnada tem de ser desfavorável para o recorrente em valor também superior a metade da alçada do tribunal que decretou a decisão que se impugna. Tal significa que os requisitos previstos no art. 629º, 1, do CPC são cumulativos e indissociáveis (em rigor, um duplo requisito) e a observância do primeiro deles – “valor da causa” – precisa da averiguação (se possível: 2.ª parte do preceito) do segundo – “valor da sucumbência” – para, ainda que a título complementar, completar o requisito de admissibilidade.
Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30.000,00 (art. 44º, 1, da L 62/2013, de 26 de Agosto), anotando-se que a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção (n.º 3 desse art. 44º).

9. O valor da causa principal foi fixado no despacho saneador, de acordo com o poder-dever atribuído oficiosamente ao juiz (sem prejuízo da indicação que impende sobre as partes) pelo art. 306º, 1 e 2, 2ª parte, do CPC. Com este exercício a lei visa evitar a manipulação do valor da causa (atribuído pelo Autor/Requerente ou aceite, expressa ou tacitamente, pelas partes: arts. 552º, 1, f), 583º, 2, 305º CPC)) – apresentando várias implicações processuais – em função de interesses particulares, entregando ao juiz a tarefa de zelar pelo cumprimento dos critérios legais. Em suma: “independentemente das posições assumidas pelas partes, o juiz sempre terá de se debruçar sobre o assunto e fixar o valor da causa, sem estar vinculado a qualquer dos valores indicados ou aceites por aquelas”[1].
Em concreto, como vimos, esse valor foi fixado no montante de € 5.000,01, decisão essa constituindo caso julgado formal (art. 620º, 1, do CPC) na falta de impugnação dessa mesma decisão.
Tal fixação do valor da causa nos termos atribuídos pelo art. 306º, 1 e 2, do CPC, sendo “decisão de pendor incidental”[2], uma vez transitada em julgado, não admite depois qualquer alteração do consolidado endoprocessualmente.
Neste contexto, se e por ausência do exercício do competente e exclusivo poder-dever jurisdicional, for [recte: pode ser] ainda de aplicar o art. 306º, 3, do CPC («Se for interposto recurso antes da fixação do valor da causa pelo juiz, deve este fixá-lo no despacho referido no artigo 641.º.»). Com efeito, este expediente de salvaguarda está reservado para as situações em que a decisão judicial proferida é impugnada em recurso para a instância superior e se verifica, aquando da prolação do despacho de apreciação liminar do requerimento de interposição do recurso, que a decisão impugnada respeita a momento anterior ao despacho saneador ou à sentença ou, se posterior, se verifica que a fixação do valor da causa não foi exercido na sede e no momento processual próprios como poder insuprível e exclusivo que é oferecido ao juiz pelo art. 306º, 1, do CPC, sem que as partes tenham promovido o seu suprimento, valor esse que é – ou pode ser – determinante para a admissibilidade do recurso interposto, averiguada ao abrigo do art. 641º do CPC[3].
Tal significa que a decisão, sempre que proferida, legítima e tempestivamente no arco de aplicação do at. 306º do CPC, sendo susceptível de recurso (art. 644º, 1, a), CPC, para “incidente autónomo”[4]), na falta de impugnação tempestiva e consequente aceitação pelas partes no processo, se torna definitiva por força da constituição de caso julgado formal, a que, portanto, os tribunais superiores se encontram vinculados[5] – como foi o caso dos autos.
Tal significa, por fim, que não é esta a sede, como pretende o Reclamante, por ser extemporânea e sem adequação processual, para sindicar a bondade do critério que serviu de base à decisão incidental sobre o valor da causa.

10. Portanto, independentemente dos requisitos e fundamentos próprios da revista interposta no que toca ao que não é afectado pela irrecorribilidade ditada pela dupla conformidade decisória nas instâncias (art. 671º, 3, do CPC) – pois só nesse ou nesses  segmentos de não coincidência na apreciação do mérito se poderia admitir revista normal, na falta de alegação alternativa dos arts. 629, 2 e/ou 672º, 1, do CPC –, não se preenche o pressuposto de recorribilidade exigido pelo art. 629º, 1, do CPC no seu requisito do “valor processual da causa”, o que faz com que não seja manifestamente de admitir o recurso.
Ora, sendo de exigir que esse requisito deve ser aferido e objecto de primeira apreciação e decisão no âmbito de actuação da Relação, conferida pelo art. 641º, em esp. n.º 2, do CPC, é naturalmente de rejeitar (recte: não admitir para efeitos do conhecimento do seu objecto) o recurso se se verifica a falta dos pressupostos gerais correspondentes à recorribilidade da decisão recorrida, neste caso, o valor da causa superior à alçada da Relação. Sendo o caso, como é, não merece censura o despacho reclamado, porque não é de todo admissível a revista à luz do art. 629º, 1, do CPC.

11. Esta aplicação do regime legal não está de todo ferida pelo alegado desrespeito do art. 20º da CRP.
Na verdade, a inadmissibilidade do recurso por efeito da opção legal de condicionar as pretensões recursivas em razão do valor da alçada dos tribunais não representa ablação ou diminuição das garantias de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, nos termos consagrados no artigo 20.º da CRP. E, ademais, não afecta, como regra, o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, mesmo na regulamentação de processos como o da insolvência, com princípios e interesses de tutela específica.
Como tem sido acentuado na jurisprudência do TC e deste STJ, é consensualmente aceite que o legislador tem um amplo poder de conformação na concreta modelação processual, neste caso aplicado à disciplina recursiva para o STJ, desde que não se estabeleçam mecanismos arbitrários ou desproporcionados de compressão ou negação do direito à prática dos actos predispostos à impugnação recursiva. No caso dos autos, finalizado com a rejeição de recurso assim sancionada por lei pela não verificação dos requisitos gerais de admissibilidade da revista, não se configura uma situação de negação de acesso à justiça que afronte os princípios basilares de um Estado de Direito (particularmente o de «respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais», tal como, desde logo, prescrito no art. 2º da CRP), uma vez que cabe ao julgador rejeitar o conhecimento do objecto do recurso de revista através da sindicação preliminar do art. 629º, 1, do CPC, sem que dessa aplicação, antecipadamente conhecida e vigente, resulte um arbítrio intolerável e um afastamento casuístico que afrontaria a equidade e a efectividade da tutela jurisdicional.”

I) Não existem motivos para afastar a fundamentação do despacho nem vício ou motivação que motive o seu falecimento, que agora se reitera em termos colegiais e em conferência.
Ainda assim, acrescente-se que o Reclamante deduz argumentos que não se perfilam capazes de infirmar o decidido:
(i) a jurisprudência referida do TC contende com o critério de fixação do valor da causa em incidente de qualificação da insolvência, que deverá ser convocado aquando da sua fixação e, se assim for, consequente impugnação em caso de discordância – o que não aconteceu com a competente apelação após, nos autos, ser proferido, e, com essa omissão, ter transitado em julgado (arts. 595º, 1, a), 3, 620º, 1, CPC), trânsito esse que se repercute no momento relevante da interposição da revista junto do STJ;
(ii) ao presente objecto de Reclamação, deduzida no âmbito do art. 643º, escapa a arguição de supostas nulidades processuais, a arguir/reclamar junto do tribunal (neste caso, o de 1.ª instância) que profere as decisões alegadamente viciadas (por acção ou omissão), no tempo e modo legalmente próprios (arts. 197º, 1, 199º, 149º, 1, 200º, 3, CPC);
(iii) a Reclamação deduzida no âmbito do art. 643º do CPC ou o requerimento para ser decidida em conferência a respectiva decisão singular no tribunal de apreciação do recurso não servem para aduzir novos fundamentos ou bases recursivas – como agora pretende o Reclamante, acrescentando a admissibilidade à luz da revista extraordinária figurada no art. 629º, 2, d), do CPC –, de modo que fosse de conceder uma reconfiguração da modalidade de impugnação recursiva ou um alargamento do objecto recursivo para outras situações de admissibilidade do recurso de revista, sendo essa pretensão superveniente processualmente ilegítima (v. arts. 641º, 2, em esp. a), 6, 643º, 4, CPC), assim como extemporânea e infundada depois da interposição feita (v. arts. 637º, 1, 2, 1.ª parte («fundamento específico de recorribilidade»); 638º, 1, 639º, 1 e 2, CPC); surge pois como insusceptível de ser conhecida nesta sede, pois transcende manifestamente o objecto desta impugnação, que apenas incide sobre as razões de não admissão da revista (em primeira linha) indicadas pelo tribunal recorrido; em suma, portanto, o que se adianta nas Conclusões 40.ª a 45.ª é pertinente à fundamentação da revista e extravasa do objecto da presente impugnação, relativa à questão prévia da sua admissibilidade.


III. DECISÃO 

Pelo exposto, julga-se improcedente a Reclamação, confirmando-se a decisão reclamada de não admissão do recurso de revista.
Custas pelo Reclamante, que se fixa em taxa de justiça no montante de 3 UCs.


STJ/Lisboa, 5 de Julho de 2022

Ricardo Costa (Relator)

António Barateiro Martins

Luís Espírito Santo


SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).


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[1] ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, Parte geral e processo de declaração, Artigos 1.º a 702.º, Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 305º, pág. 356.
[2] ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 629º, pág. 43. 

[3] Sobre este ponto de interpretação do regime legal pertinente, v. o Ac. do STJ de 17/10/2019,  processo n.º 255/10.2T2AVR-J.P1-A.S1, Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt.
[4] ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 644º, pág. 204.
[5] Ex professo, SALVADOR DA COSTA, Os incidentes da instância, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, pág. 61.