Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3310/11.6TBALM.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
CONSTRUÇÃO CIVIL
ACTIVIDADES PERIGOSAS
ATIVIDADES PERIGOSAS
CULPA DO LESADO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA DO AUTOR E NAGADA A REVISTA SUBORDINADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
Doutrina:
-Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª Edição, 2016, Almedina, p. 82 e ss.;
-Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6.ª Edição, 1.º, p. 571;
-Antunes Varela, RLJ, 102. °, p. 59;
-Fernando Pessoa Jorge, Ensaios Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, p. 354 a 360;
-Galvão Telles, Direito das Obrigações, p. 387;
-José Carlos Brandão Proença, A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, p. 416 e 417;
-José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, p. 26 e ss.;
-Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2.° Volume, p. 288;
-Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, p. 299;
-Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2.ª Edição, 1997, p. 496 e ss.;
-Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, RPDC, n.°l, 1.° Ano, Setembro, 1992, p. 21;
-Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I Volume, p. 501, 577 e 578.
Legislação Comunitária:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 493.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 30-10-1996, IN BMJ 460, P. 444;
- DE 16-01-2014, ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 6/2014, PROCESSO N.º 6430/07.0TBBRG.S1, IN DR N.º 98/2014, SÉRIE I DE 2014-05-22;
- DE 26-01-2017, PROCESSO N.º 308/13.5TTVLG.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I. Não sendo, em regra, de considerar a construção civil uma actividade intrinsecamente perigosa – nos termos previstos no art. 493º, nº2, do Código Civil – não deixa de assumir relevo a ponderação do tipo de trabalho que a execução da obra implica, sobretudo, no assegurar de condições preventivas do risco de acidente.

II. Na eclosão do acidente esteve uma patente e grave violação das regras de segurança proporcionadas pela entidades ou entidades a quem o Autor devia obediência na execução técnica das suas funções, a demandar acompanhamento permanente daquelas condições, em cada fase da construção.

III. Tendo-se provado que a entidade empregadora do Autor, apesar de alertada para as deficientes condições de segurança da obra que deveria, naquela fase, ser executada por um trabalhador colocado numa plataforma móvel a 10 metros de altura do solo, mormente que tal plataforma não suportava o peso do Autor, e tendo a segurada da Ré assumido que era seguro operar, tendo-se provado que, em consequência do peso, a plataforma se despenhou com o Autor, que sofreu gravíssimos danos físicos, e tendo-se provado que ao Autor/lesado tinha sido fornecido um manual de instruções de segurança, sendo que na ocasião do acidente não usava, como devia, uma linha de vida e arnês com um cabo ligado à estrutura metálica que se despenhou, deve considerar-se a existência de culpas concorrentes, atribuindo-se 85% ao segurado da Ré e 15% ao Autor. 

IV. No confronto da actuação do segurado da Ré, gravemente violadora por omissão, das regras de segurança que lhe competia proporcionar aos que trabalhavam sob a sua direcção e fiscalização e que foram causais do acidente, e visto o comportamento do Autor, que não se pode considerar determinante dos danos por si sofridos, não sendo ousado afirmar que os que sofreria, mas que foram agravados pela circunstância descrita, entende-se que a proporção de conculpabilidade afirmada na decisão da 1ª Instância: 15% para o Autor e 85% para a Ré, se afigura mais consentânea com a factualidade provada e os deveres contratuais que impendiam sobre as partes.

V. Sendo o Autor casado, ao tempo do acidente com 37 anos, tendo ficado irreversivelmente impotente, e em função das lesões físicas sofridas a sua mulher sofreu, por esse facto, um dano não patrimonial grave ao projecto de vida, préjudice d’affection, que o casamento contempla, pelo que a impotência do marido, por causa das sequelas do acidente, constitui para si um importantíssimo dano moral, a que se atribui a compensação de € 17 000,00 tendo em conta a percentagem de conculpabilidade antes afirmada.

VI. Considerando dano não patrimonial , o sofrimento físico e psicológico que causado ao Autor, pelas sequelas das lesões, permanentes e irreversíveis, sendo ele casado e com família, ao tempo do acidente, com 37 anos de idade, a sensação de morte iminente em função da queda de uma plataforma, de cerca de dez metros de altura, o tempo de demora no socorro, as dores “lancinantes sofridas” por ter estado encarcerado antes do socorro; as cirurgias a que se submeteu com a inerente clausura hospitalar; os tratamentos prolongados, o duradouro período de auto-algaliação, a fractura vertebro-medular resultante do acidente que implicou a perda do controlo dos esfíncteres, com a inerente perda de continência urinária e fecal; a neoplasia entretanto diagnosticada, que determinou uma intervenção cirúrgica para retirada da bexiga – cistectomia radical da bexiga – tendo passado a usar um saco colector, utilização que o limita e impede de ir à praia ou usar calções ou roupas mais justas, pela vergonha e o embaraço que lhe causa; a grave afectação da qualidade de vida física psíquica; o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 68 pontos; a perda da função sexual (impotência); e de auto-estima, a tristeza e o comprometimento da carreira profissional; o facto de pela sua reduzida mobilidade não conseguir passear, nomeadamente a pé com a sua família, como gostava de fazer e era seu hábito, o que importa uma repercussão permanente nas actividades de lazer, qualificável como de grau cinco numa escala de sete graus de gravidade crescente, são factos que constituem prejuízos morais muito relevantes que alteraram, para sempre a sua qualidade de vida e bem-estar, em ambiente familiar e social, causando severo traumatismo psíquico que persistirá na memória e na actividade, pelo que, tendo já em conta o grau de culpa de 15% que se lhe atribuiu, fixa-se, equitativamente, a compensação por dano não patrimonial, no valor de € 250 000,00. 

Decisão Texto Integral:
Proc.3310/11.8TBALM.L1.S1

R-642[1]

Revista


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA e mulher BB, intentaram, em 18.5.2011, no Tribunal de Comarca e de Família e Menores de ..., com distribuição ao 3º Juízo de Competência Cível, agora Comarca de Lisboa ... – Inst. Central – 2ª Secção Cível – Jl acção declarativa, sob a forma comum de processo (originalmente, sob a forma de processo experimental), contra:

1.      CC, Lda.

2.      DD, S.A, actualmente e por fusão, designada EE, S.A.

3.      FF, Lda.

4.      GG, S.A, relativamente à qual a instância foi extinta por inutilidade superveniente da lide consequente à respectiva declaração de insolvência.

5.      HH, S.A., actualmente denominada II, S.A.

Pediram que pela procedência da acção as rés sejam solidariamente condenadas no pagamento ao autor marido de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de Euros 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) e à autora mulher de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de Euros 80.000,00 (oitenta mil euros), bem como juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.

Para tanto, alegaram, em síntese:

·No dia 16 de Junho de 2008, o autor encontrava-se no exercício da sua actividade profissional de serralheiro ao serviço e sob as ordens da ré CC, Lda. numa obra de construção civil do edifício ..., no ..., ..., de que era empreiteira a GG, S.A.

·Foi necessário um meio que permitisse a montagem de estruturas metálicas em altura e por indicação do encarregado geral da obra ao serviço da GG, foi montada uma plataforma metálica para o efeito.

 

·Quando o autor desempenhava as suas funções em cima dessa estrutura, a mesma, por não ter resistência suficiente, cedeu, tendo ele caído desamparado de uma altura de cerca de 10 metros no piso inferior do parque de estacionamento.

·O autor esteve uma hora e meia em agonia num local inacessível, do qual foi transportado para o hospital, tendo sido sujeito a duas cirurgias e sofrido várias fracturas, luxação e lesão vertebro-medular completa que lhe provocou paraplegia.

·Ficou privado da capacidade de locomoção, sendo obrigado a utilizar, primeiro, cadeira de rodas e actualmente canadianas e está dependente de terceiros para as tarefas básicas do dia-a-dia.

·Está também privado da função sexual, não podendo mais ter filhos, o que lhe causa profunda tristeza e frustração.

·Também para a autora resultaram desse sinistro danos, consequentes à impossibilidade de ter relações sexuais com o seu marido e ter mais filhos.

·A ré CC, Lda. celebrou com a ré DD, S.A um seguro pelo qual transferiu para esta a responsabilidade pelos riscos como os que se verificaram no referido sinistro.

·A montagem da estrutura que se desmantelou e deu origem à queda do autor foi efectuada por funcionários da GG, que havia transferido a sua responsabilidade para a ré HH, S.A.

·O autor subiu à estrutura e montava o sistema de exaustão no âmbito da relação de trabalho subordinado que mantinha com a ré CC, Lda.

·O mesmo efectuava o seu trabalho seguindo ordens e indicações que lhe eram dadas pelo encarregado da GG e pelo engenheiro ao serviço da ré FF, Lda.

·A construção civil configura uma actividade perigosa pela sua natureza e pelos meios que utiliza, sendo aplicável ao caso o disposto no nº2 do art. 493º do Código Civil.

Todas as rés apresentaram contestações, tendo-se defendido, no essencial, da seguinte forma:

 

 (i)     A ré DD, S.A, excepcionando a incompetência material do tribunal com fundamento na caracterização do sinistro como acidente de trabalho e, no mais, impugnando por desconhecimento a factualidade articulada.

(ii)     A ré CC, Lda., invocando o sentenciado no Tribunal de Trabalho, a incúria do autor no cumprimento de ordens e regulamentos existentes na empresa, tendo ele formação em segurança no trabalho. Impugnou parcialmente a factualidade articulada, concluindo pela exclusão da sua responsabilidade ao abrigo do disposto no art. 570º do Código Civil.

(iii)   A ré HH, S.A contestou aceitando a transferência de responsabilidade da co-ré GG, e sustentando que foi o autor que deu causa ao sinistro por ter, de forma livre e consciente, optado por executar os trabalhos numa plataforma que não estava apta para o efeito, a qual, por esse motivo, se partiu.

(iv)   A ré FF, Lda. defendeu-se invocando que não teve qualquer intervenção na disponibilização de meios ou na montagem dos andaimes/plataforma, não tendo praticado, por acção ou omissão, qualquer facto lícito ou ilícito susceptível de desencadear a sua responsabilidade pelo sinistro. Requereu a intervenção principal provocada, como sua associada, da seguradora JJ, S.A para a qual disse ter transferido a responsabilidade civil emergente do exercício da sua actividade.

Convidados para o efeito, os autores responderam por escrito às excepções deduzidas nas contestações, refutando as mesmas.

O incidente de intervenção principal deduzido pela ré FF, Lda. foi indeferido liminarmente por falta de pagamento da taxa de justiça inerente.

Realizou-se audiência preliminar, na qual foi proferido despacho que julgou improcedente a excepção de incompetência material do tribunal. Posteriormente foram declaradas improcedentes as excepções de ilegitimidade e falta de causa de pedir supervenientemente invocadas pela ré DD, S.A.


***

Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Face ao exposto, tudo ponderado de facto e de Direito, decide-se julgar parcialmente procedente o pedido formulado pelos autores AA e BB e, nessa mesma medida:

 

I. Condena-se a Ré JJ, S.A. a pagar ao autor AA a quantia de Euros 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de juros civis, desde a presente data até integral pagamento.

II.        Condena-se a Ré II, S.A. a pagar à autora BB a quantia de Euros 17.000,00 (dezassete mil euros) de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de juros civis, desde a presente data até integral pagamento.

III.      Absolvem-se as Rés CC — …, Lda., EE, S.A. e FF — …, Lda. dos pedidos contra elas formulados na acção.”


***

Não se conformando com a decisão, dela apelou a Ré II, S.A, para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 12.9.2017 – fls. 1163 a 1182 verso:

 – Julgou parcialmente procedente a apelação, reduzindo a indemnização devida ao Autor para € 135 000,00 (cento e trinta e cinco mil euros) e a indemnização devida à Autora para € 15 000,00 (quinze mil euros), mantendo-se no mais o decidido em primeira instância.


***


Inconformados, recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça, os Autores e, subordinadamente, a Ré II, S.A.

Os Autores, alegando, formularam as seguintes conclusões:

1.ª - Salvo o devido respeito, que é obviamente muito, o douto aresto prolatado, em sede de apelação, pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e do qual vem interposto o presente recurso enferma de dois erros que urge reparar e que subjazem à interposição deste;

2.ª O douto decisório recorrido julga parcialmente procedente a apelação e reduz a indemnização devida aos AA., ora Recorrentes, respectivamente a Eur 135.000,00 e a Eur 15.000,00, mantendo no mais o decidido em primeira instância;

3.ª - A primeira instância, o Insigne Juízo Central Cível de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, havia mui doutamente decidido julgar parcialmente procedente o pedido formulado na acção e condenar a Ré “II – …, S.A.” a pagar aos AA., a título de compensação por danos não patrimoniais, os valores de Eur 250.000,00 e Eur 20.000,00[2];

4.ª - A redução dos valores indemnizatórios pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa tem subjacentes duas razões: (l) a quantificação dos danos não patrimoniais, e (2) a valorização da culpa do lesado;

a) A quantificação dos danos

5.ª - No que concerne à quantificação dos danos, o Venerando Tribunal a quo imputa ao decisório da Primeira Instância um ostensivamente inexistente “erro de raciocínio e de metodologia”;

6.ª - Para determinação do valor da indemnização, o Tribunal de Primeira Instância recorre, primacialmente, aos critérios previstos no n.°4 do artigo 496.º, e no artigo 494.° do Código Civil, complementando-os, instrumental e não vinculadamente, com as tabelas aprovadas pela Portaria n.°377/2008, de 26 de Maio, na redacção que lhe foi conferida pela Portaria n.°679/2009, de 25 de Junho;

7.ª - A Portaria em apreço fixa critérios e valores orientadores especificamente para apresentação de proposta razoável de indemnização por dano corporal aos lesados em acidente de automóvel, e deixa claro, no seu preâmbulo que “...o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas (…) o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis…”.

8.ª - Daí que o n.°2 do artigo 1.º da mesma acautele que “As disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem afixação de valores superiores aos propostos.”

9.ª - Para a quantificação da indemnização, o Tribunal de primeira instância entendeu – deliberadamente e à luz dos critérios previstos no artigo 496.º do Código Civil recorrer à tabela prevista na Portaria a que supra se alude e não aplicar estritamente os valores da tabela mas fazer uma operação de cálculo da indemnização devida aos AA., ora Recorrentes, utilizando como referencial o valor do salário médio nacional no ano de 2015, e não o valor do salário mínimo que aquele diploma toma por referência, por entender ser a fórmula que leva a solução de melhor Justiça;

10.ª - Mal, o douto aresto recorrido sustenta que a aplicação do valor do salário médio foi “…um erro de raciocínio e metodologia…”, como se se houvesse a Mm.ª Juiz da primeira instância enganado na operação aritmética de cálculo da indemnização e devesse ter obrigatoriamente recorrido aos critérios previstos na referida tabela, ao valor do salário mínimo;

11.ª - Todavia, não foi. Foi deliberado e fundado. Na parte do aresto da primeira instância em que é explicitada a operação que leva à determinação do valor da indemnização, tem o Julgador o cuidado de deixar expressamente consignado, que “quanto ao ajustamento dos valores da tabela ao salário médio mais actual, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4 de Junho de 2013, Desembargadora Maria Inês Mouro, in www.dgsi.pt.

12.ª - Acórdão esse que perfilha que “Tendo como referência o anexo IV da Portaria 377/2008 de 26 de Maio actualizada pela Portaria 679/2009 de 25 de Junho considera-se, no entanto, que deve servir de base ao cálculo da compensação a remuneração média nacional e não remuneração mínima mensal garantida que é o suporte aos valores contemplados em tal tabela.”

13.ª - Ainda, há que afastar a remissão genérica que o Tribunal a quo promove para uma série de outras decisões superiores quanto à quantificação de indemnizações. O mero elenco de decisões e valores, fixados tendo por base enquadramentos factuais absolutamente desconhecidos nestes autos e, como tal, de comparação impossível com o objecto destes, é manifestamente insuficiente para colocar em causa a apreciação, fundada e directa, feita pelo Insigne Tribunal de Primeira Instância do acervo material em apreço;

14.ª - O Insigne Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa entendeu nortear, e bem, a fixação do valor das indemnizações pelo critério que a lei prevê no n.º4 do artigo 496.° e no artigo 494.° do Código Civil, recorrendo, como critério orientador da quantificação, aos valores consignados na Portaria supra, com o particular e deliberado e fundado – cuidado de os adequar à realidade do caso concreto pelo recurso, como referencial, ao valor da retribuição média em detrimento do valor da retribuição mínima nacional;

15.ª - Sendo que nem sequer a fórmula que a Primeira Instância gizou para o cálculo das indemnizações foi colocada em causa pela Recorrida nas mui doutas alegações por esta apresentadas no recurso de apelação interposto;

16.ª — Donde, ao absoluto arrepio do que injustamente lhe imputa o Venerando Tribunal da Relação da Lisboa, a Mm.ª Juiz da Primeira Instância não errou, não se enganou, apenas partiu do não vinculativo critério gizado na portaria e, intencionalmente, adaptou-o ao caso concreto para apurar os valores que, efectivamente. Concretizam o fim da norma prevista no n.°4 do artigo 496.° e no artigo 494.° do Código Civil. Fez Justiça.

b) Da culpa do lesado

17.ª - Falha também o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ao perfilhar uma majoração da culpa do lesado na eclosão do acidente, exponenciando-a de 15% para 25%;

18ª - O Tribunal a quo rejeitou o recurso interposto na parte em que versava sobre a reapreciação da matéria de facto. Como tal, não poderemos deixar de asseverar que a legal subsunção que faz dos factos que entende relevarem para a fixação da culpa do lesado se estribou, estritamente, nos factos reduzidos a escrito no aresto da primeira instância e que subsistiram intangíveis na douta decisão recorrida

19.ª - Já o Insigne Tribunal de Primeira Instância, não só teve uma apreensão directa e imediata, do seu enquadramento, da motivação e acção do Recorrente nas circunstâncias de tempo, lugar e modo que antecederam o infeliz acidente como valorou um ponto essencial que o Tribunal a quo posterga;

20.ª - O Venerando Tribunal Recorrido conclui, mal, a apreciar a conduta do Recorrente, que “Flui do exposto que a conduta do autor não corresponde à conduta expectável a um ... medianamente cuidadoso.”

21.ª - Todavia, o que resulta dos factos (factos 17 a 19 e 22) é que o Recorrente teve dúvidas quanto à segurança da estrutura. E fez o que lhe competia. O que é curial para um serralheiro medianamente atento e competente. Reportou a situação à direcção da obra;

22.ª - E – facto n°. 19 — o encarregado geral de obra assegurou ao Recorrente que a estrutura era segura e que não eram necessários meios de segurança adicionais;

23.ª - Aquilo que, na verdade, se retira deste conjunto de factos não é uma concorrência de culpas entre o lesante e lesado, mas sim a agravação da culpa do lesante. Porque em lugar de se certificar da segurança da estrutura (facto n.°22), o encarregado geral, displicentemente, assegurou ao Recorrente que a estrutura era segura, incutindo-lhe a confiança para a utilizar;

24.ª - A curial diligência exigível ao bonus pater famílias numa situação de dúvida como a que se verificou, teve-a o Recorrente ao reportar a sua insegurança. A confiança na informação que lhe foi transmitida quanto à segurança na estrutura não configura, sequer, culpa do lesado para afeitos do preceituado pelo artigo 570.° do Código Civil;

25.ª - Mais, o Venerando Tribunal a quo, para afastar as circunstâncias a que atentou a Primeira Instância na determinação de tal valorização, assevera que “Não podemos acompanhar o tribunal a quo nestes raciocínios assentes em constrangimentos e constrições a que o autor estaria sujeito. Com efeito, a matéria de facto provada não permite tais extrapolações porquanto: desconhece-se o prazo da obra desconhece-se se a obra estava atrasada ou ficaria atrasada se o autor se recusasse a trabalhar naquelas condições; factualidade provada não permite estribar qualquer ilação sobre a existência de uma situação de sujeição acrescida do autor perante a respectiva entidade patronal ou encarregado da obra, que exceda o que é normal neste tipo de relações contratuais.”

26.ª - Salvo o muito respeito que é devido, aquilo que o Venerando Tribunal Recorrido quer afastar são não mais do que as normais regras da experiência comum na apreciação dos factos provados. A normal “economia” de uma obra de construção civil com a envergadura da obra referida no ponto 3 dos factos provados: a construção do Centro Cívico do ... onde, curiosamente, se insere o edifício do Tribunal onde se realizou o julgamento nestes autos;

27.ª - De todo o modo, nem sequer é esta a razão que mais releva na determinação da valorização da culpa do lesado. O que mais releva é que o Recorrente, terminada a construção do andaime, tomou a diligência que se afigura mais curial a um ... medianamente cuidadoso. A saber, na dúvida quanto às condições de segurança do andaime, questionou, quanto a tal, o encarregado geral da obra, que havia ordenado a montagem do andaime. Conforme ficou provado, o encarregado geral assegurou-lhe – a si e ao Sr. Pinheiro que a estrutura era sólida e não oferecia risco;

28.ª - A culpa do Recorrente na eclosão do infeliz acidente que lhe destruiu a vida foi ter confiado, ter feito fé, nas garantias de segurança que lhe foram dadas pelo encarregado geral da obra. Valorar esta culpa, esta confiança, em 25% é ostensivamente desadequado e desconforme ao espírito da norma prevista no artigo 570.° do Código Civil;

29.ª - Em bom rigor, mais do que culpa do lesado existe uma circunstância — vertida nos factos provados — que agrava a culpa da empreiteira geral da obra: a garantia de segurança da estrutura dada pelo encarregado da obra quando questionado sobre a segurança dela e que criou no Recorrente uma convicção – infelizmente falsa – de segurança;

30.ª - Por tudo, ao decidir como decidiu, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa violou as normas constantes no n.°4 do artigo 496.°, no artigo 494.° e no artigo 570.° do Código Civil, antes se impondo, na procedência do presente recurso, seja reposta a Justiça feita pelo douto aresto da Primeira Instância.

Nestes termos e nos mais de Direito que Vossas Exªs mui doutamente suprirão: Deve ser, por V.ªs Ex.ªs, dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto decisório recorrido, com as legais consequências.

Assim se fazendo Justiça.

A Ré II, no seguro subordinado, formulou as seguintes conclusões:

I. Entende a Recorrente que continua a ser excessiva a quantia de 135.000,00 € arbitrada, se forem tidas em consideração as circunstâncias do caso, e, em particular, as circunstâncias relativas à Culpa do Lesado.

II. Nos ternos do artigo 570.º do Código Civil “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as patês e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.

III. Está provado nos autos que 23. O autor tinha formação profissional sobre segurança no trabalho que a ré CC promoveu e custeou (arts. 72º e 73º da base instrutória), que 24. A mesma ré distribuiu aos seus funcionários, entre eles, o autor, um manual individual de segurança, com ordens para estes o cumprirem e fazerem cumprir aos subordinados (art. 74º da base instrutória), que 25. A utilização obrigatória de linha de vida e arnês estava determinada nesse manual individual de segurança como procedimento para trabalho e alturas superiores a três metros do solo quando não existem protecções antiqueda colectiva (art. 75º da base instrutória) e que, 26. O autor sabia que atenta a forma como a estrutura metálica estava executada, referida no n.º18, não era seguro executar o serviço sem a protecção adicional da linha de vida e arnês, tendo utilizado, numa primeira fase do trabalho esse arnês com um cabo preso à mesma estrutura metálica e deixado de a fazer quando o comprimento desse cabo não mais o permitiu, tendo sido nesta segunda fase que se deu a queda (art.7º da base da base instrutória) ”.

IV. Da prova produzida resulta, portanto, que Autor e Segurada partilharam a decisão de executar os trabalhos com o arnês e que a decisão de abandonar o arnês foi lo lesado.

V. O Recorrido não observou as normas de utilização da plataforma, tendo optado livre e conscientemente por executar os trabalhos.

VI. O facto de o Recorrido conhecer os riscos inerentes à sua conduta e mesmo assim ter subido o andaime é uma circunstância que contribuiu para o agravamento dos danos causados pelo acidente. Trata-se de uma omissão dos deveres de cuidado culposo, reveladora da falta de diligência exigíveis a uma pessoa medianamente diligente e cuidadosa, colocada na situação do lesado. É de conhecimento geral o perigo inerente aos trabalhos em altura sem a adopção dos necessários meios de segurança.

VII. Na realidade, no caso está cabalmente demonstrado que Autor e Segurada da Ré podiam ter evitado a conduta perigosa, devendo a responsabilidade pela não adopção da conduta omissiva ser repartida equitativamente.

VIII. Não há, nos autos, qualquer motivo para considerar que a culpa de um excede a culpa do outro.

IX. Pelo contrário: se o Autor tivesse abandonado a plataforma “quando o comprimento desse cabo não mais o permitiu” (Cfr. ponto 26 da matéria dada como provada), seguramente o acidente dos autos não teria acontecido.

X. O que é dizer que, na realidade, o risco da conduta omissiva foi partilhado por Autor e Segurada até esse momento e, a partir desse momento, foi agravado por uma conduta do Autor.

XI. Ainda assim, aceitando como bons os critérios de fixação de dano constantes do Acórdão, a Ré admite que possa ser adequada a repartição equitativa da culpa.

XII. Quanto à Condenação ao pagamento à Recorrida, a Recorrente dá por integralmente reproduzida a matéria supra alegada, na medida em que a repartição da culpa que supra se preconiza tem efeito nessa mesma condenação.

XIII. Que, assim, deverá ser equitativamente reduzida a € 10.000.

Nestes termos e nos demais de Direito, concedendo provimento ao recurso, e alterando a sentença sub judice conforme supra preconizado, farão V. Exas, a costumada Justiça!

 


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Colhidos os vistos legais cumpre decidir tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

 “1.    O autor, até 17 de Junho de 2008, desempenhava a profissão de ..., o que fazia na qualidade de funcionário da ré CC, Ida., desde 27 de Outubro de 2003 [alíneas D) e E) dos factos assentes].

2.      O mesmo auferia um vencimento mensal base de Euros 850,00 (oitocentos e cinquenta euros), ao qual acrescia um prémio de assiduidade no valor de Euros 295,20 (duzentos e noventa e cinco euros e vinte cêntimos) e o subsídio de alimentação no valor de Euros 126,00 (cento e vinte e seis euros) [alínea F) dos factos assentes].

3.      No exercício da sua actividade de serralheiro e sob as ordens da ré CC, o autor tomou parte na obra de construção do Centro Cívico do ..., nesta comarca de ..., na construção do edifício do supermercado “...” aí instalado [alíneas G) e H) dos factos assentes].

4.      O autor detinha a categoria profissional de oficial ao serviço da ré CC, sendo a pessoa que naquela obra dava ordens ao outro trabalhador da mesma empresa que também participava nos trabalhos (arts. 70º e 71º da base instrutória).

5.      A GG promoveu a realização da obra de construção do Centro Cívico do ... e dos vários imóveis e infra-estruturas que o integram (art. 4º da base instrutória).

6.      Por indicação e sob as ordens da sua entidade patronal, o autor esteve em obra, desde 11 de Junho de 2008, a montar o sistema de exaustão de fumos e protecção contra incêndio dos pisos do parque de estacionamento do supermercado (art. 1º da base instrutória).

7.      O fabrico do referido sistema e a sua instalação no local foi solicitado à ré CC pela ré FF, que o concebeu de acordo com o projecto que foi fornecido pela GG (art. 2º da base instrutória).

8.      A FF havia contratado com a GG o fornecimento e montagem, por aquela a esta, do dito sistema de exaustão de fumos e protecção contra incêndio (art. 3º da base instrutória).

9.      O encarregado geral da obra de construção referida no nº5, que coordenava todos os trabalhos à mesma inerentes, era o Sr. KK, que o fazia sob as ordens da GG (art. 5º da base instrutória).

10.    A ré FF deslocou para a obra o Engº LL, seu funcionário, que coordenava a montagem do sistema de exaustão de fumos e protecção contra incêndio que o autor estava a efectuar (art. 6º da base instrutória).

11.    O autor também cumpria ordens e indicações que lhe eram dadas pelo Eng° LL quanto à referida montagem do sistema de exaustão de fumos e protecção contra incêndio (art. 7º da base instrutória).

12.    O Eng.º LL, funcionário da ré FF contactava telefonicamente com o autor ou deslocava-se à obra para prestar ao mesmo os esclarecimentos técnicos por ele pedidos sobre a instalação do sistema (art. 91º da base instrutória).

13.    No exercício das suas funções, que compreendiam a montagem de estruturas em altura, o autor utilizou durante algum tempo uma “máquina de cesto” (máquina do tipo plataforma elevatória), solicitada a uma equipa de vidraceiros que estava a trabalhar na obra e emprestada pela mesma (arts. 8º e 78º da base instrutória).

14.    Essa máquina foi devolvida ao proprietário, a solicitação deste, no dia 16 de Junho de 2008, tendo o autor ficado sem meios que lhe permitissem levar a efeito o seu trabalho (arts. 9º e 79. da base instrutória).

 

 15.   O autor deu conhecimento desse facto, de imediato, ao Eng.º LL e comunicou o mesmo também ao encarregado geral da obra ao serviço da ré CC, MM (art. 10º da base instrutória).

16.    O autor solicitou então ao Eng.º LL a disponibilização de meios que lhe permitissem, em segurança, aceder, no interior da “courette” onde estava a ser montada a estrutura do sistema de exaustão de fumos, ao nível do tecto do parque de estacionamento (arts. 11º e 12º da base instrutória).

17.    No dia 16 de Junho de 2008, por indicação do Sr. KK, foi montada uma estrutura metálica (andaime) por trabalhadores da GG às ordens daquele encarregado (arts. 13º e 81º da base instrutória).

18.    O autor questionou o Sr. KK quanto à segurança dessa estrutura, uma vez que uma das plataformas da mesma, devido à existência de uma saliência no interior da “courette”, não tinha um dos vértices engatado no respectivo prumo vertical, tendo aquele outro assegurado que a estrutura estava apta, estável e sólida, não oferecendo quaisquer riscos (art. 14º da base instrutória).

19.    O autor solicitou ao Sr. KK a montagem de uma linha de vida fixa à parede da “courette”, o que o segundo recusou, alegando que a estrutura metálica era segura e que não eram necessários meios de segurança adicionais (art. 15º da base instrutória).

20.    No dia seguinte, pelo início da tarde, enquanto o autor desempenhava o seu trabalho na referida estrutura metálica, procedendo à montagem do sistema de exaustão de fumos, uma das peças que suportava a plataforma referida no nº18, por ter carga excessiva com o peso do autor, partiu, fazendo com que a plataforma cedesse (art. 16º, 89º e 90º da base instrutória).

21.    Devido à cedência da plataforma, o autor caiu, desamparado, de uma altura de cerca de dez metros, no piso inferior do parque de estacionamento (arts. 17º e 90º da base instrutória).

22.    A GG e as rés FF e CC não se certificaram que a estrutura montada e que ruiu era suficientemente apta ao fim a que se destinava (art. 69º da base instrutória).

23.    O autor tinha formação profissional sobre segurança no trabalho que a ré CC promoveu e custeou (arts. 72º e 73º da base instrutória).

 

24.    A mesma ré distribuiu aos seus funcionários, entre eles, ao autor, um manual individual de segurança, com ordens para estes o cumprirem e fazerem cumprir aos subordinados (art. 74º da base instrutória).

25.    A utilização obrigatória de linha de vida e arnês estava determinada nesse manual individual de segurança como procedimento para trabalho em alturas superiores a três metros do solo quando não existissem protecções antiqueda colectivas (art. 75º da base instrutória).

26.    O autor sabia que atenta a forma como a estrutura metálica estava executada, referida no nº18, não era seguro executar o serviço sem a protecção adicional da linha de vida e arnês, tendo utilizado, numa primeira fase do trabalho esse arnês com um cabo preso à mesma estrutura metálica e deixado de o fazer quando o comprimento desse cabo não mais o permitiu, tendo sido nesta segunda fase que se deu a queda (art. 77º da base instrutória).

27.    Para retirar o autor do local onde ele caiu foi necessária a desmontagem de diversos atenuadores de som que estavam já instalados, tendo os bombeiros demorado cerca de uma hora e meia a conseguir libertá-lo (arts. 18º e 19º da base instrutória).

28.    Durante esse período o autor sofreu dores lancinantes e temeu pela sua vida (arts. 20º e 21º da base instrutória).

29.    O mesmo sofreu angústia e o muito medo na fracção de segundo que mediou entre o colapso da estrutura e o impacto do seu corpo no chão (art. 22º da base instrutória).

30.    O autor, depois de ter estado cerca de uma e hora e meia sozinho num local inacessível, em sofrimento e sem saber se iria sobreviver, foi assistido no local e transportado de ambulância ao Hospital Garcia de Orta (art. 23º da base instrutória).

31.    O mesmo esteve internado nesse hospital até ao dia 22 de Junho de 2008, tendo sido sujeito, no mesmo, a uma intervenção neurocirúrgica e ortopédica, de urgência, no dia 18 de Junho de 2008 (art. 24º da base instrutória)

32.    O autor foi transferido, no dia 22 de Junho de 2008, para o Hospital de S. João, no Porto, onde esteve internado até ao dia 29 de Julho de 2008 (art. 25º da base instrutória).

 

33.    No Hospital de São João, o mesmo foi sujeito, no dia 10 de Julho de 2008, a nova intervenção cirúrgica - osteossíntese da cabeça do perónio e reinserção da cápsula — tendo-se constatado nessa intervenção que havia sofrido lesão completa do ciático poplíteo externo (art. 26º da base instrutória).

34.    Da queda e impacto resultaram para o autor fractura-luxação do pé direito, luxação do joelho direito com arrancamento da cabeça do perónio e instabilidade postero-lateral, fractura tipo burst na coluna lombar (L1) com recuo posterior, fragmento intra-canalar e lesão neurológica, a qual, determinou inicialmente que ficasse paraplégico da lesão para baixo, tendo recuperado a mobilidade do membro inferior esquerdo durante o internamento hospitalar (arts. 27º a 30º da base instrutória).

35.    O autor foi submetido a redução e fixação com fios K no pé direito, o qual ficou completamente imobilizado com tala engessada até à raiz da coxa direita (art. 31º da base instrutória).

36.    Em resultado da queda em altura o autor ficou a padecer de diminuição da sensibilidade táctil da pele da perna direita e ficou sem sensibilidade táctil no pé direito (art. 332 da base instrutória).

37.    Pelo mesmo motivo perdeu mobilidade do joelho direito, não tolera apoio num pé sobre o membro inferior direito, não tolera agachar-se ou ajoelhar-se, tendo limitações em passar de deitado para sentado e desta posição para a posição de pé (arts. 33º e 34º da base instrutória).

38.    O autor só consegue deambular por períodos até 10 minutos, necessitando de usar muletas para períodos superiores e tendo especiais dificuldades de marcha em pisos irregulares, rampas e escadas (art. 35º da base instrutória).

39.    O mesmo apresenta uma cicatriz na face externa do joelho, nacarada, vertical, com 16 cm por 1cm de maiores dimensões e uma outra cicatriz vertical com 4 cm por 0,4cm de maiores dimensões, bem como atrofia muscular da coxa de 1cm e da perna de 2 cm, estando afectado de um dano estético permanente de grau cinco numa escala de sete graus de gravidade crescente (art. 36º da base instrutória).

 

 40.   Ao longo do tratamento e das intervenções cirúrgicas a que foi sujeito o autor sentir fortes dores, agravadas ao andar, qualificáveis como de grau seis numa escala de sete graus de gravidade crescente (art. 37º da base instrutória).

41.    A fractura vertebro-medular resultante do acidente implicou para o autor a perda de controlo dos esfíncteres, com a inerente perda de continência urinária e fecal (art. 38º da base instrutória).

42.    O autor esteve sujeito a algaliação crónica durante período de tempo concretamente não apurado e a auto-algaliação findo esse período, obrigando a um doloroso processo, diário, de extracção de urina por introdução de sonda (arts. 39º e 40º da base instrutória).

43.    Em virtude de neoplasia entretanto diagnosticada, o mesmo foi sujeito a intervenção cirúrgica para retirada da bexiga - cistectomia radical da bexiga - tendo passado a usar um saco colector (art. 41º da base instrutória).

44.    A utilização desse saco limita o autor e impede-o de ir à praia ou usar calções ou roupas mais justas, pela vergonha e o embaraço que lhe causa (art. 42º da base instrutória).

45.    Por causa do acidente e até à remoção cirúrgica da bexiga, o autor teve que dormir de fralda, por causa das perdas involuntárias de urina (art. 43º da base instrutória).

46.    Durante período de tempo concretamente não apurado o autor esteve privado da sua capacidade de locomoção autónoma, tendo utilizado cadeira de rodas; actualmente utiliza canadianas para deambular por períodos superiores a 10 minutos (art. 45º da base instrutória).

47.    O mesmo necessita da ajuda de terceiros para conseguir subir e descer escadas, designadamente as da sua própria casa (art. 46º da base instrutória).

48.    O mesmo esteve dependente de terceiros para se vestir, despir, tomar banho, fazer a barba e demais cuidados básicos de higiene, actualmente consegue realizar essas tarefas sozinho, na maioria delas, na posição de sentado, mas necessita da ajuda de terceira pessoa quando surgem quadros dolorosos intensos que limitam a sua mobilidade (art. 47º da base instrutória).

49.    Por causa do acidente, o autor tornou-se uma pessoa triste, infeliz, fechada em si mesma e sem vontade de viver, padecendo de uma perturbação persistente do humor com repercussão grave na sua autonomia pessoal, social e profissional, para a qual necessita de tratamento e acompanhamento em consulta de psiquiatria com periodicidade trimestral (arts. 48º, 63º e 64º da base instrutória).

50.    Em consequência do mesmo evento, o autor ficou a padecer de incapacidade permanente absoluta para a sua actividade profissional habitual, de uma incapacidade permanente parcial de 74,5307% de acordo com a tabela nacional de incapacidades para acidentes de trabalho e doenças profissionais e de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 68 pontos (arts. 49º e 50º da base instrutória).

51.    Os autores são casados entre si desde 6 de Novembro de 1999 (art. 92º da base instrutória).

52.    Em virtude das lesões causadas pelo acidente, o autor ficou com dificuldades na erecção e na ejaculação, que era de curta duração e desprovida de sensação de prazer, sendo essa repercussão permanente na sua actividade sexual qualificável como de grau cinco numa escala de sete graus de gravidade crescente (art. 51º da base instrutória).

53.    Posteriormente, devido à cirurgia à bexiga causada pela neoplasia, o mesmo deixou de ter qualquer erecção, não mais podendo ter relações sexuais com a sua mulher, nem com o recurso a medicamentos ou outros tratamentos para o efeito, o que o impede de ter mais filhos e lhe causa uma profunda tristeza e frustração (arts. 51º a 53º da base instrutória).

54.    O autor tinha muito gosto e realização pessoal no exercício da sua profissão de ... (art. 55º da base instrutória).

55.    O facto de não mais poder exercer essa profissão e ver interrompida a sua carreira, causa-lhe desgosto e infelicidade (art. 56º da base instrutória).

56.    Com a sua reduzida mobilidade o autor não consegue passear, nomeadamente a pé, com a sua família, como gostava de fazer e era um hábito do mesmo, da sua mulher, da filha de ambos e da filha da autora, o que importa uma repercussão permanente nas actividades de lazer qualificável como de grau cinco numa escala de sete graus de gravidade crescente (arts. 57º e 62º da base instrutória).

 

 57.   Em consequência do acidente o autor passou a refugiar-se em casa, saindo com pouca frequência e a evitar enfrentar pessoas fora do seu círculo familiar próximo (arts. 59º a 61º da base instrutória).

58.    A impossibilidade de manter relações sexuais com o seu marido, privando-a de ter mais filhos, causa à autora mulher uma enorme infelicidade (art. 65º da base instrutória).

59.    O agregado familiar dos autores não dispõe de meios que lhe permitam contratar uma terceira pessoa para prestar assistência ao autor (art. 68º da base instrutória).

60.    O autor nasceu no dia … de … de 1970.

61.    A ré CC, Lda. transferiu para a ré DD, SA a responsabilidade emergente por acidente de trabalho, relativa ao aqui autor, através da apólice ... [alínea I) dos factos assentes].

62.    No processo nº478/09.TTALM do Tribunal do Trabalho de ... a ré DD, S.A. aceitou estar para ela transferida a responsabilidade pelo acidente de trabalho, tendo sido fixada ao autor marido a incapacidade permanente parcial de 56,24% e a mesma ré sido condenada a pagar àquele a pensão anual vitalícia de € 10.307,06 e a quantia de € 5.112,00 a título de subsídio por situações de elevada incapacidade [alínea A) dos factos assentes].

63.    O acidente foi participado pela ré DD, S.A ao Ministério Público junto do Tribunal de Trabalho de ..., a 25 de Junho de 2009 [alínea J) dos factos assentes].

64.    A GG - …, S.A., até à data da sua insolvência, era uma sociedade comercial que se dedicava essencialmente à actividade de construção [alínea B) dos factos assentes].

65.    A mesma transferiu para a HH - …, SA, através da sua apólice de responsabilidade civil nº108.163, a responsabilidade em que eventualmente incorra pelos danos causados a terceiros na execução e prossecução da sua actividade [alínea C) dos factos assentes].”

Fundamentação:

Sendo pelo teor das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

- se a repartição de culpas entre o Autor e a entidade segurada na Ré II, deve ser alterada para a percentagem definida na sentença apelada: 15% para o Autor e 85% para a entidade empregadora segurada da Ré, questão que é comum a ambos os recursos: o Autor, pretendendo a repristinação do valor, a ré considerando-o excessivo;

- se o valor da indemnização deve ser o que foi decidido na sentença e que o Acórdão diminui, em função do agravamento para 25% da culpa do Autor/lesado, questão comum a ambos os recursos;

Antes de mais, importa dizer que o recurso subordinado da Ré, questionando o grau de culpa do Autor e as compensações atribuídas a ele e à Autora, é admissível.

Nos termos do art. 633º, nº1, do Código de Processo Civil[3]Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.”, e nº5, “Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respectivo recorrente em valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre.” 

O recurso subordinado, sendo apreciado o recurso principal, depende de uma circunstância crucial em relação a este: é dependente. Assim se recurso principal não for admissível também o não é o recurso subordinado. O recorrente subordinado poderia ter interposto recurso principal como parte vencida, a opção depende da sua estratégia processual/recursiva.

José Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3.º, págs. 26 e segs., em anotação ao preceito então em vigor cuja formulação não foi alterada, ensina:

 

“ […] Se a parte autora decair no pedido principal, sendo absolvido o réu do pedido, e o réu reconvinte decair no pedido reconvencional, sendo o autor absolvido deste, ambas as partes são vencidas e cada uma delas pode recorrer a título principal, ou uma delas subordinadamente em relação ao recurso principal interposto pela outra. Há duas possibilidades de interposição de recurso nestes casos:

- ou ambas as partes interpõem recursos independentes (…) tendo cada um deles autonomia, embora sejam processados em conjunto (…);

- ou apenas uma interpõe recurso principal e a outra, notificada da sua admissão, decide também interpor recurso, o qual fica dependente do primeiro na medida em que só é conhecido pelo Tribunal “ad quem” se ele tomar conhecimento do recurso principal. (…)

O recurso subordinado é interposto por aquele que, em princípio, aceita a parte da decisão em que ficou vencido, desde que a contraparte aceite igualmente a parte em que também ficou vencida, e, por isso, deve razoavelmente ser interposto apenas quando o primeiro tiver conhecimento da atitude processual da contraparte”

 

Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2.ª Edição, 1997, págs. 496 e segs., sobre o recurso subordinado:

    

“ […] A este recurso que é interposto depois da interposição do recurso pela contraparte chama-se recurso subordinado (…). O recurso subordinado é sempre dependente da subsistência e admissibilidade do recurso principal. É por isso que o recurso subordinado caduca sempre que o recorrente desista do recurso principal ou o Tribunal não possa tomar conhecimento do seu objecto.   (…) Compreende-se que assim seja: se o recurso subordinado só é interposto porque a contraparte recorreu da decisão, ele não deve manter-se se o recurso principal não subsistir ou não puder ser julgado quanto ao seu mérito”. (…)

Tal como a renúncia ao recurso não exclui o recurso subordinado, também a exclusão inicial do recurso não pode afastá-lo se a contraparte impugna a mesma decisão”

O Conselheiro Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 3ª Edição, 2016, Almedina, págs. 82 e segs:

“ […] Ficando vencidas ambas as partes quanto ao objecto do processo, o decaimento de cada uma será apreciado nos termos gerais, tendo em conta a posição assumida e o resultado final da acção. Consequentemente, de acordo com as regras gerais, cada uma tem legitimidade para interpor recurso, o qual será apreciado e tramitado com total autonomia. (…).

Em função das circunstâncias, a impugnação das decisões pode apresentar-se sob alguma das seguintes formas:

- Recurso interposto pelo autor, por sucumbência total ou parcial na acção;

- Recurso interposto pelo réu, por procedência total ou parcial na acção;

-Recurso independente e paralelos interpostos pelo autor e pelo réu, por decaimento parcial na acção e na defesa, respectivamente;

- Recurso principal interposto por uma das partes, por decaimento parcial na acção ou na defesa, seguido de recurso subordinado interposto pela contraparte que incide sobre o segmento decisório em que ficou vencida (…).”

Tendo ambas as parte sucumbido parcialmente, sendo admissível o recurso principal do Autor é admissível o recurso subordinado do Réu para ver apreciadas as questões que são objecto do recurso principal ou independente da contraparte, a menos que antes de proferida a decisão o recorrente principal desista. – Neste sentido o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 26.1.2017 – Proc. 308/13.5TTVLG.P1.S1 – Relatora Ana Luísa Geraldes - in www.dgsi.pt.

 Vejamos o mérito dos recursos sendo apreciadas em conjunto as pretensões comuns dos Recorrentes. Está em causa um acidente que foi de trabalho, sofrido pelo Autor, que demanda na jurisdição cível compensação para os danos não patrimoniais sofridos por si e por sua mulher.

Para a atribuição do valor da compensação, as Instâncias como não poderia deixar de ser, apreciaram os requisitos da responsabilidade cível – art. 483º, nº1, do Código Civil, mormente, a crucial e nuclear apreciação da culpa que o Autor imputou às Rés vindo a ser condenada a Recorrente seguradora II.

As instâncias concluíram pela existência de culpa concorrente do Autor e da entidade por conta de quem trabalhava na ocasião do infausto acidente.

A 1ª Instância atribuiu ao Autor, pela sua actuação negligente e violadora das regras de segurança, no exercício da sua actividade, culpa que doseou em 15%, atribuindo o remanescente - 85% - à segurada da Ré, por ter contribuído para o acidente, também por violação das normas de segurança que deveria ter implementado.

 Por isso, atribuiu ao Autor a compensação de € 250 000,00 e à Autora sua mulher, pelo dano ao projecto de vida, onde se inclui a impossibilidade de manter relações sexuais e procriar do seu marido, a compensação de € 17 000,00.

Tendo apelado a seguradora, o Acórdão recorrido agravou a culpa do Autor, fixando-a em 25%, tendo diminuído as compensações por dano não patrimonial que fixou, respectivamente, em € 135 000,00 para o Autor e em € 15 000,00, para a Autora.

Na revista, o Autor pede que seja repristinada, integralmente, a decisão de 1ª Instância, enquanto a Ré considera exagerada a compensação de € 135 000,00, embora na conclusão XIII das suas alegações aluda a “repartição equitativa”, e, a fls. 1212, afirme “cingindo-se a responsabilidade da Ré a 50% desses anos, i.e. € 90 000,00”,para a Autora pretende que o valor ajustado é de € 10 000,00.

A montante da questão comum, aceitação de co-responsalidade do lesante e do lesado, cumpre apreciar a proporção das culpas que, decisivamente, influencia a indemnização/compensação.

Apenas se discute, pois, o requisito da indemnização culpa.

Para que haja responsabilidade civil extracontratual do lesante com a consequente obrigação de indemnizar – art. 483º, nº1, do Código Civil – importa que se verifiquem, (cumulativamente), os requisitos - facto voluntário do agente, ilicitude, culpa (dolo ou negligência), dano e nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

Culpa é o nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto ilícito à vontade do agente, Antunes Varela, RLJ, 102. °-59. Ela envolve um complexo juízo de censura ou de reprovação que assenta sobre o nexo existente entre o facto ilícito e a vontade do agente ou devedor. É um conceito de índole normativa, fortemente impregnado das concepções morais e sociais que estão nos fundamentos do sistema jurídico vigente (ob. cit., 58). A culpa pressupõe a ilicitude da conduta do agente, a qual só existe quando haja violação ou ofensa de um interesse alheio”.

            O artigo 570º, nº1, do Código Civil consigna:

             Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

 E o nº2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.

Fernando Pessoa Jorge, “Ensaios Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil” – págs. 354 a 360:

“Factores que influem na graduação da la culpabilidade: O valor do acto devido.

A culpabilidade comporta uma diferenciação quantitativa: o juízo de reprovação ou censura pode ser mais ou menos severo. O grau de culpabilidade varia em função de diversos factores: do próprio valor do acto devido, da maior ou menor voluntariedade na desobediência ao comando da norma, da eventual participação de várias causas concorrentes na produção do efeito danoso e ainda de outras circunstâncias…A culpabilidade do agente pode achar-se diminuída por o resultado ilícito ter sido provocado, não só pela sua actuação, mas também pelo comportamento de outras pessoas, incluindo o próprio lesado […].

Já dissemos que não é rigoroso falar, como faz este último preceito [art. 570º do Código Civil], de culpa do lesado, porque a diminuição de culpabilidade do agente se opera sempre que o acto do lesado foi concausa do prejuízo, ainda que não tenha carácter ilícito, por não representar a violação de nenhum dever.

Este regime é extensível à concorrência de culpa do agente com caso fortuito ou de força maior: se o facto do credor (ou da lesado), concorrendo com a culpa do devedor, faz diminuir a responsabilidade deste, parece que o mesmo regime será de seguir quando essa concorrência se verifica entre a culpa do agente e um caso fortuito ou de força maior.”

  Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, I Volume, págs. 577-578:

“Para que o tribunal goze da faculdade conferida no nº 1, é necessário que o acto do lesado tenha sido uma das causas do dano, consoante os mesmos princípios de causalidade aplicáveis ao agente (cfr. art. 563.°). Deve, além disso, o lesado ter contribuído com a sua culpa para o dano…A culpa do lesado tanto pode reportar-se ao facto ilícito causador dos danos, como directamente aos danos provenientes desse facto. Falando no concurso do facto culposo para a produção dos danos ou para o agravamento deles, a lei pretende sem dúvida abranger os dois tipos de situações.”

  José Carlos Brandão Proença, in “A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual”, pág. 416/417, escreve:

“De acordo com a interpretação que fazemos do artigo 570.°, e que que prescinde de considerações desenvolvidas em torno de uma pretensa reprovação da conduta do lesado ou de uma visão puramente causalista, parece-nos mais coerente com a autonomia dogmática da “culpa” do lesado explicar o fundamento desse normativo recorrendo à ideia jurídica de uma auto-responsabilidade do lesado [...].

 O “desvalor” da conduta não radica pois numa reprovação estrita, mas nesse “responder” (na acepção de se suportar as consequências), em maior ou menor medida, e, em primeiro lugar, pelas acções pessoais «culposas”.

 Nem cremos incorrecto falar-se aqui de uma dupla imputação, ora de feição mais objectiva (a imputação danosa) ora de conteúdo mais pessoal (a imputação da conduta à acção livre e “culposa” do lesado).”

No caso sub judice, a questão da culpa do lesado só se coloca ante a culpa do lesante, que, como as Instâncias sentenciaram, é de grau superior à do lesado: a divergência está na medida e intensidade da concorrência culposa.

Analisando os factos e muito embora, em regra, não seja de considerar a construção civil uma actividade intrinsecamente perigosa – nos termos previstos no art. 493º, nº2, do Código Civil – não deixa de assumir relevo a ponderação do trabalho que a execução da obra implicava, sobretudo, no assegurar de condições preventivas do risco de acidente, para os que a executavam sob as ordens de terceiro.

No caso o Autor trabalhava, como serralheiro, recebendo ordens da sua entidade empregadora. O acidente foi de natureza infortunística, estando o Autor a receber uma pensão vitalícia pelas gravíssimas sequelas e pelo grau de incapacidade que determinaram.

Na eclosão do acidente esteve uma patente e grave violação das regras de segurança proporcionadas pela entidades ou entidades a que o Autor devia obediência na execução técnica das suas funções, a demandar da parte do empregador responsável, acompanhamento permanente das condições de segurança em cada fase da construção.

 Por indicação e sob as ordens da sua entidade patronal, o autor, como serralheiro, esteve na obra, desde 11 de Junho de 2008, a montar o sistema de exaustão de fumos e protecção contra incêndio dos pisos do parque de estacionamento do supermercado ..., na ora de construção do Centro Cívico do ..., em ....

 Os factos provados nos itens, 13, 14, 15, 16, 17, 18, e 19 mostram, de forma clara, que existiam problemas com os equipamentos postos ao dispor do Autor para montagem das estruturas em altura, tendo, inclusivamente, o Autor ficado sem meios para executar o seu trabalho por uma “máquina de cesto” – plataforma elevatória – ter sido devolvida a quem a havia emprestado à entidade por conta de quem executava o perigoso trabalho.

O Autor teve a percepção das insuficientes condições de segurança na execução do seu trabalho tendo questionado, a propósito, o responsável “quanto à segurança dessa estrutura, uma vez que uma das plataformas da mesma, devido à existência de uma saliência no interior da “courette”, não tinha um dos vértices engatado no respectivo prumo vertical, tendo aquele outro assegurado que a estrutura estava apta, estável e sólida, não oferecendo quaisquer riscos (art. 14º da base instrutória). O autor solicitou ao Sr. KK a montagem de uma linha de vida fixa à parede da “courette”, o que o segundo recusou, alegando que a estrutura metálica era segura e que não eram necessários meios de segurança adicionais (art. 15º da base instrutória) ”.

Foi na sequência destes avisos sobre cruciais questões de segurança, que não se demonstrou terem sido resolvidas, que ocorreu o acidente.

Como se provou:

 “20. No dia seguinte, pelo início da tarde, enquanto o autor desempenhava o seu trabalho na referida estrutura metálica, procedendo à montagem do sistema de exaustão de fumos, uma das peças que suportava a plataforma referida no nº 18, por ter carga excessiva com o peso do autor, partiu, fazendo com que a plataforma cedesse (art. 16º, 89º e 90º da base instrutória).

 21. Devido à cedência da plataforma, o autor caiu, desamparado, de uma altura de cerca de dez metros, no piso inferior do parque de estacionamento (arts. 17º e 69º da base instrutória).

 22. A GG e as rés FF e CC não se certificaram que a estrutura montada e que ruiu era suficientemente apta ao fim a que se destinava (art. 69º da base instrutória). 

Os factos evidenciam negligência grave dos responsáveis pela segurança dos trabalhadores, que alertadas pelo Autor, asseguraram existir condições de segurança para a execução da actividade laboral do Autor, mas que na realidade não existiam.

A causa imediata do acidente foi a queda da plataforma por não comportar a carga excessiva que suportava. Esta foi a causa determinante do acidente.

No que respeita à actuação do Autor, provou-se:

“23. O autor tinha formação profissional sobre segurança no trabalho que a ré CC promoveu e custeou (arts. 72º e 73º da base instrutória).

24. A mesma ré distribuiu aos seus funcionários, entre eles, ao autor, um manual individual de segurança, com ordens para estes o cumprirem e fazerem cumprir aos subordinados (art. 74º da base instrutória).

 25. A utilização obrigatória de linha de vida e arnês estava determinada nesse manual individual de segurança como procedimento para trabalho em alturas superiores a três metros do solo quando não existissem protecções anti queda colectivas (art. 75º da base instrutória).

26. O autor sabia que atenta a forma como a estrutura metálica estava executada, referida no nº18, não era seguro executar o serviço sem a protecção adicional da linha de vida e arnês, tendo utilizado, numa primeira fase do trabalho esse arnês com um cabo preso à mesma estrutura metálica e deixado de o fazer quando o comprimento desse cabo não mais o permitiu, tendo sido nesta segunda fase que se deu a queda (art. 77º da base instrutória).”

Ante este quadro factual, a Relação considerou que o comportamento do Autor contribuiu em 25% para a eclosão do acidente. Salvo o devido respeito, entendemos que o agravamento a que procedeu, “intensificando” a actuação considerada culposa do Autor, no confronto com a actuação da entidade patronal responsável por proporcionar a execução segura do trabalho, subestima a gravidade da conduta omissiva desta.

Não pode ignorar-se que a plataforma não suportava o peso que transportava, mais a mais, tendo o Autor alertado os responsáveis para a circunstância em que o trabalho era executado. A sentença recorrida, acerca das condições de segurança, ponderou com relevância e acerto:

“Estabelece o art. 1° do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (aprovado pelo Decreto n° 41 821, de 11 de Agosto de 1958) que “é obrigatório o emprego de andaimes nas obras de construção civil em que os operários tenham que trabalhar a mais de 4 m do solo ou de qualquer superfície continua que ofereça as necessárias condições efe segurança”.

O andaime é ele mesmo um equipamento de protecção, sendo um equipamento de protecção colectiva, por oposição ao arnês e linha de vida, que são equipamentos de protecção individual. Ainda do mesmo Regulamento resulta que a construção, desmontagem ou modificação de andaimes apenas pode ser efectuada por operários especialmente habilitados e dirigidos por um técnico responsável legalmente habilitado (art.5°), devendo as respectivas peças ser inspeccionadas, elemento por elemento, antes da montagem (art. 6°).           Também o art° 40° n°1, alínea e) do Decreto-Lei n° 50/2005, de 25 de Fevereiro (que transpôs para a ordem nacional a Directiva n° 2011/45/CE) exige que a montagem de andaimes seja efectuada sob a direcção de uma pessoa competente com formação específica adequada sobre os riscos das operações, nomeadamente sobre as condições de carga admissível. Nos termos do art. 7° do regulamento acima citado “os andaimes serão montados de modo a resistirem a uma carga igual ao triplo do peso dos operários e materiais a suportar”.

O art° 42° do citado decreto-lei estabelece no seu n° 1 que “as dimensões, forma e disposição das plataformas do andaime devem ser adequadas ao trabalho a executar e às cargas a suportar, bem como permitir que os trabalhadores circulem e trabalhem em segurança”.

Do art. 2° da Portaria n° 101/96, de 3 de Abril, também em vigor à data do acidente (17 de Junho de 2008) e que regulamentava as prescrições mínimas de segurança saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros, extrai-se nomeadamente:

 “1 – Os materiais, os equipamentos, bem como todos os elementos que existam nos locais e nos postos de trabalho, devem ter a solidez e ser estabilizados de forma adequada e segura (…)

4 – Os postos de trabalho móveis ou fixos, situados em pontos elevados s ou profundos, devem ter estabilidade e solidez de acordo com o número de trabalhadores que os ocupam, as cargas máximas que poderão ter que suportar, bem como a sua repartição pelas superfícies e as influências externas a que possam estar sujeitos”.

Competia à segurada da Ré a prova da observância das condições legais/regulamentares de segurança na execução da obra, não o fez.

No ponto 26º da matéria de facto consta; “ O autor sabia que atenta a forma como a estrutura metálica estava executada, referida no nº18, não era seguro executar o serviço sem a protecção adicional da linha de vida e arnês, tendo utilizado, numa primeira fase do trabalho esse arnês com um cabo preso à mesma estrutura metálica e deixado de o fazer quando o comprimento desse cabo não mais o permitiu, tendo sido nesta segunda fase que se deu a queda (art. 77º da base instrutória).”

Não se sabe por que motivo deixou o Autor de estar preso pela protecção adicional da linha de vida e arnês à estrutura metálica. Tendo-se provado que deixou de o fazer “quando o comprimento desse cabo não mais o permitiu”, não se sabe se o equipamento, que se supõe fornecido pela responsável, – o cabo – dispunha de comprimento consentâneo com a execução do trabalho que era executado no momento em que se partiu uma das peças que suportava a plataforma onde o Autor se encontrava, ou se foi por culpa do Autor, violando normas técnicas, que o cabo era inadequado.

Assim, no confronto da actuação do segurado da Ré, gravemente violadora por omissão, das regras de segurança que lhe competia proporcionar aos que trabalhavam sob a sua direcção e fiscalização que foram causais do acidente, e visto o comportamento do Autor, que não se pode considerar determinante dos danos por si sofridos, não sendo ousado afirmar que os que sofreria, foram agravados pela circunstância referida que se não provou que tivesse sido da total responsabilidade do Autor, entendemos que a proporção de conculpabilidade afirmada na decisão da 1ª Instância se afigura mais consentânea com a factualidade em apreciação e os deveres contratuais que impediam sobre as partes.

Assim, revogando nesta parte o Acórdão recorrido, gradua-se a culpa da Ré em 85% e a do Autor em 15%, nos termos do art. 570º, nº1, do Código Civil.

Quanto à compensação por danos não patrimoniais.

Dispõe o art. 496º do Código Civil:

“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
             2. (...)

             3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.”

Danos não patrimoniais – são os prejuí­zos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compen­sados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” – Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, l. °-571.

São indemnizáveis, com base na equidade, os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” – nºs 1 e 3 do art. 496º do Código Civil.

Para a formulação do juízo de equidade, que norteará a fixação da compensação pecuniária por este tipo de “dano”, socorremo-nos do ensinamento dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág.501:

“O montante da indemnização correspondente aos danos não patri­moniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.

 E deve ser propor­cionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”.

Neste sentido pode ver-se, “inter alia”, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 30.10.96, in BMJ 460-444:

            “ (...) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.

O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização”, “aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc.”.

Realçando a componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais, pronunciam-se no seu ensino os tratadistas que citamos.

Assim, Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”, 2° Vol., pág. 288, ensina, que “A cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”.

Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 387, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”.

Menezes Leitão realça a índole ressarcitória/punitiva, da reparação por danos morais quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante” – “Direito das Obrigações”, vol. I, 299.

Pinto Monteiro, de igual modo, sustenta que, a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante” – cfr. “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, n°l, 1° ano, Setembro, 1992, p. 21.

Quanto à Autora.

As partes não dissentem que é devida compensação por danos não patrimoniais ao Autor, nascido em ….1970, e à sua mulher, esta pelo facto de as lesões do marido serem determinantes da impossibilidade de manter relações sexuais com o seu marido, privando-a de ter filhos, o que lhe causa uma enorme infelicidade.

Como se provou - Em virtude das lesões causadas pelo acidente, o autor ficou com dificuldades na erecção e na ejaculação, que era de curta duração e desprovida de sensação de prazer, sendo essa repercussão permanente na sua actividade sexual qualificável como de grau cinco numa escala de sete graus de gravidade crescente.

 Posteriormente, devido à cirurgia à bexiga causada pela neoplasia, o mesmo deixou de ter qualquer erecção, não mais podendo ter relações sexuais com a sua mulher, nem com o recurso a medicamentos ou outros tratamentos para o efeito, o que o impede de ter mais filhos e lhe causa uma profunda tristeza e frustração.

 Os autores são casados entre si desde 6 de Novembro de 1999.”  

O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 16 de Janeiro, AUJ nº 6/2014, Processo 6430/07.0TBBRG.S1, in Diário da República n.º 98/2014, Série I de 2014-05-22, uniformizou jurisprudência no sentido seguinte;

 “Os artigos 483.°, n.°1 e 496.°, n.°1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.”

Muito embora aqui não se trate de vítima mortal e da compensação por danos não patrimoniais ao cônjuge sobrevivo, a decisão reflecte a protecção que é devida quando uma circunstância física de um dos cônjuges afecta, préjudice d’affection, o projecto de vida que o casamento contempla, mormente a procriação, a actividade sexual, pelo que a impotência e impossibilidade de procriar por causa das sequelas do acidente constitui um importantíssimo dano moral, não só para o cônjuge afectado directamente pelas lesões físicas, como para o seu cônjuge.

A compensação do dano não patrimonial da Autora, atenta, a divisão de culpas a que se procedeu e que se repercute no montante a atribuir, é de € 17 000,00, tal como sentenciado na sentença apelada, assim se revogando, nesta parte, o Acórdão recorrido.

Quando ao danos não patrimoniais sofridos pelo Autor:

A magnitude das consequências físicas sofridas pelo lesado, relevam para a atribuição de compensação pelo dano não patrimonial, sendo o critério do julgamento a equidade, nos termos do art. 496º, nº3, do Código Civil, sem que se possa dizer que assim considerando se indemnizam duplamente os mesmos danos.

A lesão do direito de personalidade – integridade física e psíquicacomo valor absoluto, deve ser compensada mediante a atribuição de uma quantia em dinheiro face à natureza do bem em causa, compensação que deve reflectir o grau de culpa do lesante.

Relevam os seguintes factos provados:

“Para retirar o autor do local onde ele caiu foi necessária a desmontagem de diversos atenuadores de som que estavam já instalados, tendo os bombeiros demorado cerca de uma hora e meia a conseguir libertá-lo (arts. 18º e 19º da base instrutória).

Durante esse período o autor sofreu dores lancinantes e temeu pela sua vida (arts. 20º e 21º da base instrutória).

O mesmo sofreu angústia e o muito medo na fracção de segundo que mediou entre o colapso da estrutura e o impacto do seu corpo no chão (art. 22º da base instrutória).

O autor, depois de ter estado cerca de uma e hora e meia sozinho num local inacessível, em sofrimento e sem saber se iria sobreviver, foi assistido no local e transportado de ambulância ao Hospital Garcia de Orta (art. 23º da base instrutória).

O mesmo esteve internado nesse hospital até ao dia 22 de Junho de 2008, tendo sido sujeito, no mesmo, a uma intervenção neurocirúrgica e ortopédica, de urgência, no dia 18 de Junho de 2008 (art. 24º da base instrutória)

O autor foi transferido, no dia 22 de Junho de 2008, para o Hospital de S. João, no Porto, onde esteve internado até ao dia 29 de Julho de 2008 (art. 25º da base instrutória).

 No Hospital de São João, o mesmo foi sujeito, no dia 10 de Julho de 2008, a nova intervenção cirúrgica - osteossíntese da cabeça do perónio e reinserção da cápsula — tendo-se constatado nessa intervenção que havia sofrido lesão completa do ciático poplíteo externo (art. 26º da base instrutória).

Da queda e impacto resultaram para o autor fractura-luxação do pé direito, luxação do joelho direito com arrancamento da cabeça do perónio e instabilidade póstero-lateral, fractura tipo burst na coluna lombar (L1) com recuo posterior, fragmento intra-canalar e lesão neurológica, a qual, determinou inicialmente que ficasse paraplégico da lesão para baixo, tendo recuperado a mobilidade do membro inferior esquerdo durante o internamento hospitalar (arts. 27º a 30º da base instrutória).

O autor foi submetido a redução e fixação com fios K no pé direito, o qual ficou completamente imobilizado com tala engessada até à raiz da coxa direita (art. 31º da base instrutória).

Em resultado da queda em altura o autor ficou a padecer de diminuição da sensibilidade táctil da pele da perna direita e ficou sem sensibilidade táctil no pé direito (art. 332 da base instrutória).

Pelo mesmo motivo perdeu mobilidade do joelho direito, não tolera apoio num pé sobre o membro inferior direito, não tolera agachar-se ou ajoelhar-se, tendo limitações em passar de deitado para sentado e desta posição para a posição de pé (arts. 33º e 34º da base instrutória).

O autor só consegue deambular por períodos até 10 minutos, necessitando de usar muletas para períodos superiores e tendo especiais dificuldades de marcha em pisos irregulares, rampas e escadas (art. 35º da base instrutória).

O mesmo apresenta uma cicatriz na face externa do joelho, nacarada, vertical, com 16 cm por 1cm de maiores dimensões e uma outra cicatriz vertical com 4 cm por 0,4cm de maiores dimensões, bem como atrofia muscular da coxa de 1cm e da perna de 2 cm, estando afectado de um dano estético permanente de grau cinco numa escala de sete graus de gravidade crescente (art. 36º da base instrutória).

 Ao longo do tratamento e das intervenções cirúrgicas a que foi sujeito o autor sentir fortes dores, agravadas ao andar, qualificáveis como de grau seis numa escala de sete graus de gravidade crescente (art. 37º da base instrutória).

A fractura vertebro-medular resultante do acidente implicou para o autor a perda de controlo dos esfíncteres, com a inerente perda de continência urinária e fecal (art. 38º da base instrutória).

O autor esteve sujeito a algaliação crónica durante período de tempo concretamente não apurado e a auto-algaliação findo esse período, obrigando a um doloroso processo, diário, de extracção de urina por introdução de sonda (arts. 39º e 40º da base instrutória).

Em virtude de neoplasia entretanto diagnosticada, o mesmo foi sujeito a intervenção cirúrgica para retirada da bexiga - cistectomia radical da bexiga - tendo passado a usar um saco colector (art. 41º da base instrutória).

A utilização desse saco limita o autor e impede-o de ir à praia ou usar calções ou roupas mais justas, pela vergonha e o embaraço que lhe causa (art. 42º da base instrutória).

Por causa do acidente e até à remoção cirúrgica da bexiga, o autor teve que dormir de fralda, por causa das perdas involuntárias de urina (art. 43º da base instrutória).

Durante período de tempo concretamente não apurado o autor esteve privado da sua capacidade de locomoção autónoma, tendo utilizado cadeira de rodas; actualmente utiliza canadianas para deambular por períodos superiores a 10 minutos (art. 45º da base instrutória).

O mesmo necessita da ajuda de terceiros para conseguir subir e descer escadas, designadamente as da sua própria casa (art. 46º da base instrutória).

O mesmo esteve dependente de terceiros para se vestir, despir, tomar banho, fazer a barba e demais cuidados básicos de higiene, actualmente consegue realizar essas tarefas sozinho, na maioria delas, na posição de sentado, mas necessita da ajuda de terceira pessoa quando surgem quadros dolorosos intensos que limitam a sua mobilidade (art. 47º da base instrutória).

Por causa do acidente, o autor tornou-se uma pessoa triste, infeliz, fechada em si mesma e sem vontade de viver, padecendo de uma perturbação persistente do humor com repercussão grave na sua autonomia pessoal, social e profissional, para a qual necessita de tratamento e acompanhamento em consulta de psiquiatria com periodicidade trimestral (arts. 48º, 63º e 64º da base instrutória).

Em consequência do mesmo evento, o autor ficou a padecer de incapacidade permanente absoluta para a sua actividade profissional habitual, de uma incapacidade permanente parcial de 74,5307% de acordo com a tabela nacional de incapacidades para acidentes de trabalho e doenças profissionais e de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 68 pontos (arts. 49º e 50º da base instrutória).

Os autores são casados entre si desde 6 de Novembro de 1999 (art. 92º da base instrutória).

Em virtude das lesões causadas pelo acidente, o autor ficou com dificuldades na erecção e na ejaculação, que era de curta duração e desprovida de sensação de prazer, sendo essa repercussão permanente na sua actividade sexual qualificável como de grau cinco numa escala de sete graus de gravidade crescente (art. 51º da base instrutória).

Posteriormente, devido à cirurgia à bexiga causada pela neoplasia, o mesmo deixou de ter qualquer erecção, não mais podendo ter relações sexuais com a sua mulher, nem com o recurso a medicamentos ou outros tratamentos para o efeito, o que o impede de ter mais filhos e lhe causa uma profunda tristeza e frustração (arts. 51º a 53º da base instrutória).

O autor tinha muito gosto e realização pessoal no exercício da sua profissão de ... (art. 55º da base instrutória).

O facto de não mais poder exercer essa profissão e ver interrompida a sua carreira, causa-lhe desgosto e infelicidade (art. 56º da base instrutória).

Com a sua reduzida mobilidade o autor não consegue passear, nomeadamente a pé, com a sua família, como gostava de fazer e era um hábito do mesmo, da sua mulher, da filha de ambos e da filha da autora, o que importa uma repercussão permanente nas actividades de lazer qualificável como de grau cinco numa escala de sete graus de gravidade crescente (arts. 57º e 62º da base instrutória).

 Em consequência do acidente o autor passou a refugiar-se em casa, saindo com pouca frequência e a evitar enfrentar pessoas fora do seu círculo familiar próximo (arts. 59º a 61º da base instrutória).

A impossibilidade de manter relações sexuais com o seu marido, privando-a de ter mais filhos, causa à autora mulher uma enorme infelicidade (art. 65º da base instrutória).

O agregado familiar dos autores não dispõe de meios que lhe permitam contratar uma terceira pessoa para prestar assistência ao autor (art. 68º da base instrutória).

O autor nasceu no dia … de 1970.

As sequelas das lesões, permanentes e irreversíveis, o sofrimento que causaram ao Autor, ao tempo do acidente com 37 anos de idade, a sensação de morte iminente em função de uma queda de cerca de dez metros de altura, o tempo de demora no socorro as dores “lancinantes sofridas”, as cirurgias a que se submeteu com a inerente clausura hospitalar, os tratamentos prolongados, o duradouro período de auto-algaliação, a fractura vertebro-medular resultante do acidente que implicou a perda do controlo dos esfíncteres, com a inerente perda de continência urinária e fecal, a neoplasia entretanto diagnosticada, que determinou intervenção cirúrgica para retirada da bexiga – cistectomia radical da bexiga – tendo passado a usar um saco colector, utilização que limita o autor e o impede de ir à praia ou usar calções ou roupas mais justas, pela vergonha e o embaraço que lhe causa, a grave afectação da qualidade de vida física psíquica, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 68 pontos; a perda da função sexual (impotência), e de auto-estima, a tristeza e o comprometimento da carreira profissional, o facto de pela sua reduzida mobilidade não conseguir passear, nomeadamente a pé com a sua família, como gostava de fazer e era um hábito do mesmo, da sua mulher, da filha, o que importa uma repercussão permanente nas actividades de lazer, qualificável como de grau cinco numa escala de sete graus de gravidade crescente, são prejuízos morais muito relevantes que alteraram, irreversivelmente, a expectativa de vida, em ambiente familiar e social, e causam dano e traumatismo psíquico que persistirá na memória e na actividade do Autor.

Tendo em já em conta o grau de culpa de 15% que se atribui ao Autor, fixa-se a compensação por dano não patrimonial no valor de € 250 000,00. 

Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

Decisão:

Nestes termos, concede-se a revista do Autor, revogando-se o Acórdão recorrido, repristinando-se os valores indemnizatórios e a proporção de culpa do Autor e da Ré, afirmadas na sentença de 1ª Instância, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso subordinado da Ré.

Custas, na proporção de 81% para a Ré e 19% para o Autor, aqui e nas Instâncias, sem prejuízo do apoio judiciário com que litigam os Autores.

    Supremo Tribunal de Justiça, 8 de março de 2018

Fonseca Ramos (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

______________________
[1] Relator – Fonseca Ramos
Ex. mos Adjuntos:
Conselheira Ana Paula Boularot
Conselheiro Pinto de Almeida
[2] Cremos que existe erro quanto à indicação deste valor. Na sentença apelada, a fls. 1103, no ponto II. a condenação do montante a pagar à Autora é de € 17 000,00.
[3] O preceito reproduz, sem alterações, o anterior art. 682.°, na redacção do DL n.°303/2007, de 24.8.