Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
500/15.8JACBR.C1-A.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
NULIDADE
SUPRIMENTO
CONSTITUCIONALIDADE
CONFIRMAÇÃO IN MELLIUS
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão:
IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / MODOS DE IMPUGNAÇÃO / HABEAS CORPUS EM VIRTUDE DE PRISÃO ILEGAL.
Doutrina:
- Faria Costa, Habeas Corpus: ou a análise de um longo e ininterrupto “diálogo” entre o poder e a liberdade, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, volume 75, Coimbra, 1999, p. 549;
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, p. 296;
- J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira,Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, 2007, p. 509.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 222.º, N.º 2, ALÍNEA C) E 223.º, N.º 4, ALÍNEA A).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 31.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 27-10-2010, PROCESSO N.º 108/06.9SHLSB-AH.S1;
- DE 31-07-2015, PROCESSO N.º 98/15.7TRPRT.P1-A.S1;
- DE 11-02-2016, PROCESSO N.º 741/12.0TXPRT-F.S1;
- DE 04-01-2017, PROCESSO N.º 433/14.5JAAVR.P1.S1;
- DE 22-03-2017, PROCESSO N.º 873/12.4PAVNF.G1.S1.
Sumário :
I - No caso estamos perante uma dupla conforme parcial, uma confirmação in mellius quanto à requalificação jurídica e medida da pena única. Toda esta matéria fica consolidada, atendendo que face ao impedimento de recurso quanto a penas parcelares e questões conexas, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP. Face à nulidade por omissão de pronúncia do acórdão da 1.ª instância, o acórdão da relação declarou a nulidade, mas procedeu ao respectivo suprimento.

II - O tribunal da relação tinha competência para suprir a nulidade verificada e declarada, não havendo qualquer abuso de poder, ao contrário do invocado pelo peticionante. A isto acresce que, mesmo no caso de declaração de nulidade, o prazo de duração máxima da prisão preventiva é alargado por entrar na fase de recurso, pelo que, há que considerar o prazo a observar no caso concreto, atendendo à real situação processual do requerente no presente momento, passando o prazo máximo para metade, nos termos do n.º 6 do art. 215.º, do CPP.

III – Quanto à alegada inconstitucionalidade, ela inexiste porquanto o tribunal superior ao suprir nulidade do acórdão recorrido está a cumprir a injunção constante do art. 379.º, n.º 2, do CPP, só não sendo possível quando a mesma implique a supressão de um grau de jurisdição. Estando a nulidade, em causa nos autos, circunscrita à pena acessória nunca teria a virtualidade de inquinar a validade do decidido no que toca à conformação da pena principal.

Decisão Texto Integral:
O cidadão AA, natural de …, …, …, nascido em 6-12-1981, titular do passaporte n.º FO 56…8, arguido no processo comum colectivo n.º 500/15.8JACBR, do Juízo Central Criminal de … – Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juiz …, vem em petição subscrita por Advogada, “requerer a concessão imediata da providência de Habeas Corpus, em razão da prisão ilegal, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 222.º do CPP, na medida em que se encontra ultrapassado o prazo máximo da prisão preventiva em que o Requerente se encontra, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos (em transcrição integral, incluídos realces):

«O ora Requerente foi detido nos presentes autos [em] 18 de Maio de 2016.

Foi apresentado a primeiro interrogatório de arguido detido a 20 de Maio de 2016, tendo-lhe sido aplicado a Medida de Coação de prisão preventiva nessa mesma data.

O ora Requerente encontra-se assim, ininterruptamente, sujeito àquela Medida de Coação desde 20 de Maio de 2016 até à presente data.

Tendo em conta o prazo máximo da prisão preventiva aplicável ao caso presente tendo em conta os crimes em causa, a fase processual em que nos encontramos (recurso) e de que não foi declarada a especial complexidade do processo – o prazo máximo, no caso concreto, é de 2 anos.

Assim, o Acórdão por parte da Relação de … teria que ser proferido, segundo o Tribunal Recorrido, até 18/05/2018, segundo a defesa até ao dia 20/05/2018. E foi!

O Acórdão do Tribunal da Relação de … foi proferido a 8/05/2018.

Porém, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu matéria sobre a qual não poderia conhecer, que lhe estava vedado conhecer.

O Tribunal de 1ª Instância condenou o ora requerente à pena acessória de expulsão do território nacional, porém não lhe fixou, como era seu dever, ao abrigo do disposto no artigo 157º, da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, o período pelo qual ficava o Requerente interdito de entrar em território nacional.

Tal omissão consubstancia uma nulidade por omissão de pronúncia prevista no artigo 379º, nº1, alínea c), do Código de Processo Penal.

Nulidade que foi arguida pelo Requerente no recurso que interpôs daquele acórdão final de 1º Instância para o Tribunal da Relação de ….

O Tribunal da Relação de … declarou a nulidade arguida pelo Requerente decidindo o seguinte:

“Não constando do Acórdão de 1ª Instância o período de tempo em que o Requerente fica proibido de entrar em território nacional, a questão que aqui se coloca é a de saber se, sobre o tribunal recaía o dever de se pronunciar sobre aquela questão, ao abrigo do disposto no artigo 157º, da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, sob pena de nulidade.

A resposta tem de ser positiva.”

    (…)

Daqui decorre que o tribunal recorrido tinha o dever de se pronunciar sobre o período de tempo em que está vedado ao arguido a sua entrada em território nacional. Não o tendo feito, como lhe competia, cometeu a nulidade por omissão de pronúncia em relação a esta questão, de acordo com o disposto na alínea c), do nº 1, do artigo 379º, do Código de Processo Penal, procedendo, nesta parte a pretensão do Recorrente. (sublinhado nosso)


Porém, e apesar disso, a verdade é que o Tribunal da Relação, mesmo tratando-se de uma omissão de pronúncia por parte do tribunal de 1ª instância, substituiu-se ao tribunal recorrido e supriu a nulidade, em vez de mandar baixar o processo a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, pelos mesmos juízes que proferiram a decisão de 1ª Instância, nos termos do disposto no art. 731º, nº 2º do CPP.

Com tal decisão o Tribunal da Relação não só proferiu decisão para a qual não tinha competência (abuso de poder), como subtraiu o único grau de recurso ao dispor do Requerente quanto a tal matéria, violando-se a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição (art. 32º da CRP).

Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, no Acórdão de 12 de Outubro de 2017, no processo nº 10/15.3GLSB.E1.S1 (www.dgsi.pt): «A este respeito, vinha o STJ a entender, de forma maioritária, que, tratando-se de omissão de pronúncia, o tribunal de revista não podia substituir-se ao tribunal recorrido e suprir a nulidade, devendo, por isso, mandar baixar o processo a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, pelos mesmos juízes quando possível, nos termos do disposto no art. 731º, nº 2º do CPP, pois de outra forma subtrair-se-ia o único grau de recurso ao dispor do arguido, violando-se a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição (art. 32º da CRP).

Ou seja, o Tribunal da Relação em vez de mandar baixar o processo a fim do Tribunal da condenação – o Tribunal da 1ª Instância - fixar o período pelo qual o Requerente ficava impedido de entrar em território nacional, ela própria fixou tal período, tendo fixado o período máximo que a lei permite: 10 anos de interdição de entrada em Portugal!

Nesta matéria decidiu o Tribunal da relação o seguinte:

“O mesmo não se diga em relação aos efeitos da nulidade ora declarada (fls. 3721 vº a 3723 v e conclusão 5, c), última parte.

Desde logo, porque a questão suscitada não determina a nulidade de todo o Acórdão, mas apenas do segmento viciado.

Depois porque pode esta instância suprir a nulidade declarada.

Neste sentido, (aqui a Relação enganou-se certamente, porque o Acórdão que indica é no sentido contrário ao por si defendido) decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, no Acórdão de 12 de Outubro de 2017, no processo nº 10/15.3GLSB.E1.S1 (www.dgsi.pt): «A este respeito, vinha o STJ a entender, de forma maioritária, que, tratando-se de omissão de pronúncia, o tribunal de revista não podia substituir-se ao tribunal recorrido e suprir a nulidade, devendo, por isso, mandar baixar o processo a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, pelos mesmos juízes quando possível, nos termos do disposto no art. 731º, nº 2º do CPP, pois de outra forma subtrair-se-ia o único grau de recurso ao dispor do arguido, violando-se a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição (art. 32º da CRP).

Julgamos, porém, tal como escreve o Conselheiro Oliveira Mendes, na anotação 4 ao artigo 379º do CPP, que «por efeito da alteração introduzida ao texto do nº2 pela lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, passou a constituir um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida (é o que decorre da actual letra da lei «as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las…»), razão pela qual sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos, obviamente, que a nulidade só seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido».

Na verdade, basta comparar a redação atual do nº 2 do citado art. 379º dada pela Lei nº 20/2013, de 21 de fevereiro, com a redação originária dada ao mesmo número pela Lei nº 59/98, de 25 de agosto, para facilmente se constatar que, enquanto esta refere «sendo lícito ao tribunal supri-las», a atual redação refere «devendo o tribunal supri-las» (…..), o que, atento até o disposto no art. 9º, nº3 do C. Civil, significa que o legislador de 2013, não só teve a intenção clara de afastar a natureza não vinculada do poder/dever contido na redacção primitiva do referido nº2, como quis tornar esse poder/dever vinculado, impondo, deste modo, ao tribunal de recurso a obrigação de suprir tais nulidades, com exceção dos casos em que as mesmas só sejam passíveis de ser supridas pelo tribunal recorrido.

De realçar ser esta a solução mais adequada ao nosso sistema processual penal de recurso que, como é consabido, segue, essencialmente, o modelo de substituição (e não de cassação), embora com limitações.

Deste modo, com exceção dos casos em que isso não for possível, designadamente por insuficiência de matéria factual, o tribunal de recurso, se o acolher, substitui a decisão por aquela que considere ser a legal.

Daí que, na mesma linha de posicionamento do Acórdão do STJ de 04.06.2014 (relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes no Proc. nº 262/13.3PVLSB.L1.S1-3ª Séc.), se entenda que, dispondo os autos de todos os elementos necessários à decisão da eventual aplicação do regime penal especial para jovens, a nulidade cometida pelo tribunal recorrido pode e deve ser suprida por este Supremo Tribunal».

Neste sentido e, mesmo, para os casos (mais graves) em que a Relação modifica a decisão sobre a matéria de facto levando à condenação do arguido, em vez da absolvição determinada pela primeira instância, o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, decidiu no Acórdão nº 4/2016, fixar a seguinte jurisprudência: «Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal».

A nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia sobre determinada questão, pode ser suprida pelo Tribunal ad quem, decidindo a questão cujo conhecimento foi omitido pelo Tribunal a quo.

Tal omissão de pronúncia constitui causa de nulidade de sentença prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 379º, e, não de erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial, sendo-lhe aplicável o regime dos efeitos da nulidade e não da correcção da sentença, previsto no artigo 380º, do Código de Processo Penal.

Por último, diga-se, que declaração de nulidade de acórdão condenatório não afecta o prazo de duração máxima da prisão preventiva que foi alargado por força do processo entrar nesta fase de recurso, como tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, designadamente nos Arestos citados no Acórdão proferido sobre o pedido de habeas corpus requerido pelo arguido.

Do exposto, se conclui, que tendo sido impugnada a decisão sobre a matéria de facto, nos termos em que o foi pelo Recorrente, pode este Tribunal apreciar a questão do prazo de interdição de entrada do arguido em território nacional, o que, oportunamente fará. Não colhem, pois, os argumentos do recorrente relativamente aos efeitos da declaração de nulidade.

Posteriormente e nas páginas 492 o Tribunal da Relação decidiu, quanto a esta matéria, o seguinte:

 “VIII. Pena acessória expulsão:

Na sequência da declaração da nulidade, por omissão de pronúncia sobre o prazo de interdição de entrada do Recorrente em território nacional, cumpre, agora, apreciar tal questão.

Já vimos, que o sujeito estrangeiro sujeito a decisão judicial de expulsão (artigo 157º, n º1, c), da Lei 23/2007], à semelhança da decisão de afastamento coercivo, fica impedido de entrar em território nacional por período até 5 anos, podendo tal período ser superior quando se verifique existir ameaça grave para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional, como estabelece o artigo 144º, do diploma em análise, sob a epígrafe Prazo de interdição de entrada, devendo este prazo constar na decisão de afastamento coercivo [cf. artigo 149º, nº 3, alínea c)].

No caso dos autos, está demonstrado que o Recorrente já foi sujeito à proibição de entrar em território nacional, pelo prazo de 8 anos, decisão que desrespeitou, quando chegou a Portugal, pelo menos no dia 25 de Novembro de 2015.

Desde então e durante todo o período em que se manteve neste país, a conduta do recorrente manifestada nos crimes que cometeu, com violação grave de bens patrimoniais e pessoais, e bem assim no modo como os executou, constitui uma ameaça grave à ordem e segurança pública, devendo, por isso, a medida da proibição da interdição ser superior a 8 anos.

Se, atentarmos, ainda, nas razões de prevenção geral e especial exigidas pela medida de expulsão e bem assim, a factualidade provada acima descrita, em especial a atinente às condições pessoais do Recorrente, temos por adequada a medida de interdição por um período de 10 anos.”

    

E foi assim que o Tribunal da Relação de … decidiu a questão: O Acórdão de 1ª Instância efetivamente é nulo, nulo por omissão de pronúncia nos termos do art. 379º, nº 1 alínea c) do CPP, pelo que a declarou; mas em vez de enviar o processo para o Tribunal de 1ª Instância para que este proferisse novo Acórdão que sanasse o vício declarado, a Relação decidiu ter poderes/competência para ela própria sanar tal vício.

Tal decisão por parte do Tribunal da Relação é NULA e inconstitucional, como passaremos a demonstrar para além de ter sido proferida por quem não tinha competência para a proferir – consubstanciando a mesma um abuso de poder:

O Tribunal da relação de …, como vimos, declarou procedente a pretensão do Requerente quanto à declaração de nulidade do Acórdão recorrido (acórdão do Tribunal de 1ª instância), por omissão de pronúncia, mas não declarou como procedente a pretensão do requerente quanto aos efeitos da nulidade ora declarada (fls. 3721 vº a 3723 v e conclusão 5, c), última parte, apresentando esta Relação dois fundamentos para assim decidir:

“Desde logo, porque a questão suscitada não determina a nulidade de todo o Acórdão, mas apenas do segmento viciado. Depois porque pode esta instância suprir a nulidade declarada.”

Quanto ao primeiro dos fundamentos o de que a questão da omissão de pronúncia declarada não determina a nulidade de todo o acórdão, mas apenas do segmento viciado, não tem – salvo melhor opinião – qualquer suporte legal.

A decisão é só uma, vale como um todo, e a nulidade aqui em causa é um vício da decisão e não de parte da decisão - esta ou padece de nulidade ou não padece e não é suscetível de ser dividida em partes.

Sobre o âmbito do recurso dispõem os artigos 402º e 403º do Código de Processo Penal.

O princípio geral é que o recurso interposto de uma decisão a abrange na sua totalidade (artigo 402º, nº 1) salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais do recorrente (artigo 402º, nº 2) ou for limitado a uma parte autónoma da decisão (artigo 403º, nº 1) – o que não é o caso nos presentes autos.

Quanto ao segundo fundamento invocado, entendemos também que esta Relação não tem qualquer razão…

Por força do princípio do conhecimento amplo, o tribunal de recurso conhecerá de toda a decisão a não ser que o recorrente tenha expressamente limitado o recurso a uma parte dela e a limitação seja admissível.

Porém, a limitação do recurso não determina, em absoluto, o conteúdo da decisão do tribunal ad quem, pois, como acautela o nº 3 do artigo 403º, “a limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida”.

Daqui decorre a aceitação legal da ideia da plenitude de jurisdição dos tribunais de recurso, no sentido de que podem decidir sobre todo o objecto do processo, não se apresentando, pois, qualquer obstáculo legal à possibilidade de o tribunal de recurso substituir uma decisão absolutória por uma condenatória e, simultaneamente, determinar e aplicar uma pena.

Mas isto quando a decisão de 1ª Instância for absolutória – tal como resulta do Acórdão referido por esta Relação – Acórdão nº 4/2016 do STJ.

Mas este não é o caso dos presentes autos!!!

No caso dos presentes autos o Tribunal da condenação é o Tribunal de 1ª Instância, o qual condena o Recorrente numa pena acessória de expulsão e não lhe fixa – imagine-se - o quantum da pena, ie, não lhe fixa o período durante o qual o Recorrente se encontra impedido de entrar em Portugal.

No caso em concreto, o tribunal de 1.ª instância passou à questão da determinação da espécie da pena acessória (pena de expulsão) mas não entrou/não passou à questão da medida concreta da pena.

Caso igual seria o caso em que o arguido é condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, sendo que o juiz da condenação o condena igualmente na pena acessória de inibição de conduzir, mas não lhe fixa o período de tal inibição.

É exatamente a mesma coisa…

Terá o Tribunal da Relação poderes para fixar o período desta inibição ou daquele período de proibição do recorrente entrar em Portugal quando o Tribunal da Relação não é o Tribunal da condenação e este, o da condenação, não entrou sequer na questão da medida concreta da pena?!

Entendemos, efetivamente, que não tem esses poderes e explicaremos o porquê:

No caso concreto, o Tribunal da condenação é o Tribunal de 1ª Instância. Foi o Tribunal de 1ª Instância que condenou o requerente numa pena acessória de expulsão, pelo que foi este que proferiu a decisão de expulsão e esta decisão de expulsão tem que conter obrigatoriamente o prazo de interdição em território nacional, pelo que é o Tribunal que proferiu a decisão de expulsão, e só este, que tem competência para lhe fixar o quantum da pena, ie, o período pelo qual o ora recorrente ficará impedido de entrar no território nacional.

Esta verdade absoluta resulta, desde logo, da Lei nº 23/2007, de 4 de julho, mais concretamente, do art. 157º que estipula expressamente o seguinte:

A decisão judicial de expulsão contém obrigatoriamente:

a) (…)

b) As obrigações legais do expulsando;

c) A interdição de entrada em território nacional, com a indicação do respetivo prazo;

d) (…)

Esta mesma realidade resulta, de igual modo, de um dos acórdãos indicados pela Relação no seu Acórdão - Acórdão do STJ de 12 de Outubro de 2017, no processo nº 10/15.3GLSB.E1.S1 (www.dgsi.pt):

«A este respeito, vinha o STJ a entender, de forma maioritária, que, tratando-se de omissão de pronúncia, o tribunal de revista não podia substituir-se ao tribunal recorrido e suprir a nulidade, devendo, por isso, mandar baixar o processo a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, pelos mesmos juízes quando possível, nos termos do disposto no art. 731º, nº 2º do CPP, pois de outra forma subtrair-se-ia o único grau de recurso ao dispor do arguido, violando-se a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição (art. 32º da CRP).

De facto, com o entendimento defendido pela Relação quanto à matéria agora em causa está-se a subtrair – quanto ao período em que o ora recorrente se encontra impedido de entrar no território nacional e que lhe foi fixado pela primeira e única vez por esta Relação – o único grau de recurso que o recorrente dispunha violando-se de forma grosseira e intolerável a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição previsto no art. 32º da CRP, isto porque o acórdão proferido por esta Relação, no âmbito dos presentes autos não admite recurso para o STJ (tendo em conta as penas parcelares em que foi condenado), pelo que fica o Recorrente impedido em absoluto de interpor recurso quanto ao período de interdição que lhe foi fixado pelo Tribunal da Relação de Coimbra!

E isso jamais pode acontecer, tendo em conta o disposto no art. 32º da CRP!!!

E, sendo assim, a interpretação que o Tribunal da Relação de … faz das normas contidas no nosso CPP, mais concretamente do art. 379º, nº 2 do CPP é inconstitucional por violação clara da garantia constitucional do duplo grau de jurisdição (art. 32º da CRP).

Cometida a omissão de pronúncia numa sentença penal final e arguida a respectiva nulidade em recurso, só pode a mesma ser conhecida pelo tribunal de recurso. Como foi o caso nos presentes autos: a nulidade foi arguida pelo Recorrente em sede de recurso e o Tribunal da Relação de … conheceu da nulidade, tendo-a declarado!

E, procedendo como procedeu, só através da anulação da decisão e da prolação de uma nova decisão que supra a nulidade, é possível repor as condições de o original recorrente poder apreciar a totalidade desta nova decisão e, em resultado desta apreciação, conformar-se com ela ou dela recorrer, contestando-a em toda a extensão que ela lho merecer.

E, no caso em concreto, porque a nova decisão que supriu a referida nulidade foi proferida pela relação - como tribunal de recurso e não como o tribunal da condenação - e porque a mesma não admite recurso para o STJ, está o recorrente impedido de dela recorrer…

E repare-se que não é o Recorrente que o diz… é a Lei e a jurisprudência quer do STJ quer do TC.

A lei: art. 379º, nº 2 do CPP. Segundo esta disposição legal por efeito da alteração introduzida pela Lei 20/2013 de 21 de Fevereiro, passou, é verdade, a constituir um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades das sentenças - “as nulidades das sentenças devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las…”, razão pela qual sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos, obviamente, que a nulidade só seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido, situação que será a comum, visto que na grande maioria – e o caso dos presentes autos não é excepção – o suprimento pelo tribunal de recurso redundaria na supressão de um grau de recurso!

Ora, como supra demonstramos é precisamente o caso que acontece nos presentes autos: com o suprimento da nulidade em causa por parte desta Relação está-se a subtrair – quanto ao período em que o ora recorrente se encontra impedido de entrar no território nacional e que lhe foi fixado pela primeira e única vez por esta Relação – o único grau de recurso que o recorrente dispunha quanto a essa matéria, violando-se, assim, de forma grosseira e intolerável a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição previsto no art. 32º da CRP, isto porque o acórdão proferido por aquela Relação, no âmbito dos presentes autos – como já supra referimos – não admite recurso para o STJ, pelo que fica o Recorrente impedido em absoluto de interpor recurso quanto ao período de interdição que lhe foi fixado pela Relação!

A anulação da sentença pelo tribunal de segunda instância, ao abrigo do art. 379º, nº 1do CPP, nunca determina o reenvio do processo para novo julgamento, nem é isso que estamos a reclamar!!! Apenas implica a devolução dos autos ao tribunal recorrido para suprimento dessa nulidade e era essa a decisão que deveria e teria que ter sido tomada pelo Tribunal da Relação e não foi!

O Tribunal da Relação de … no âmbito dos presentes autos declarou a existência do vício de omissão de pronúncia, tendo declarado a nulidade da sentença, ao abrigo do art. 379.º, n.º 1, do CPP. Tal nulidade não determina nunca o reenvio do processo para novo julgamento, mas implica obrigatoriamente a remessa dos autos ao tribunal recorrido para suprimento dessa nulidade, lavrando nova sentença em que conheça da matéria omitida, quando a nulidade decorra de uma omissão de pronúncia e a decisão da relação não admita recurso para o STJ, como foi o caso dos presentes autos – sob pena de se violar intoleravelmente o art. 32º da CRP por subtrair o único grau de recurso que o recorrente dispunha quanto a essa matéria.

Mas a solução de “reenvio” assenta, na verdade, numa dupla ordem de razões primaciais.

Em primeiro lugar, a que acabamos de expor por ser essa a solução imposta pela consagração constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição, acolhido no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

Em segundo lugar, por ser essa a solução imposta pelo nosso modelo - processual e substantivo - de determinação da sanção.

Por um lado, a relativa autonomização do momento de determinação da sanção leva a que só depois de decidida positivamente a questão da culpabilidade, o tribunal pondere e decida a necessidade de produção de prova suplementar com vista à determinação da sanção. Assim, decidida pela 1ª instância a culpabilidade de arguido condenado pelo tribunal de 1.ª instância, deve ser este [a 1.ª instância] a proceder à determinação da espécie e medida da pena concreta a aplicar, de harmonia com o disposto nos artigos 369.º e seguintes do Código de Processo Penal e 70.º e seguintes do Código Penal.

Por outro lado, os direitos de defesa do arguido, no âmbito da determinação da sanção, assumem também uma função positiva, dentro das eventuais possibilidades de sancionamento que estejam dependentes da sua livre vontade, como sucede nos casos em que é suposto o consentimento do condenado (v. g., prestação de trabalho a favor da comunidade, sujeição a tratamento médico ou plano individual de readaptação social no âmbito da pena de suspensão da execução da pena).

Concluindo-se, por conseguinte, que, para além da necessidade decisiva de cumprir o princípio do duplo grau de jurisdição, também o cabal cumprimento das normas de direito processual e substantivo relativas à escolha e determinação da medida concreta da pena implica que deva ser o tribunal de 1.ª instância a proferir a respectiva decisão.

ACRESCE DIZER, AINDA, O SEGUINTE:

A omissão de pronúncia constitui nulidade (art.º 379º/1-c) do CPP) como supra referimos e foi declarada por esta Relação.

Essa nulidade deve ser arguida e conhecida em sede de recurso (art.º 379º/2 do CPP) – o que aconteceu no caso em concreto.

Entendemos que as nulidades das sentenças previstas no art.º 379º, nº 1 do CPP podem ser sanadas pelos tribunais que as proferiram, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, mas não pelo tribunal de recurso.

Na verdade, parece-nos que não se trata de uma lacuna do CPP à qual se possa aplicar subsidiariamente o art.º 715º do CPC, mas de uma solução expressamente querida.

Se assim não fosse, ter-se-iam criado dois regimes de sanação daquelas nulidades: um para as previstas nas alíneas a) e b), já que não vislumbramos qualquer situação em que, padecendo a sentença recorrida desses vícios, eles possam ser sanados no tribunal de recurso, e outro para as nulidades previstas a alínea c), o que não parece razoável.

Por outro lado, o art.º 380º, nº 1, alínea a) e nº 2 do CPP a contrario sensu afasta que esta nulidade possa ser sanada pelo tribunal de recurso, uma vez que, relativamente à correcção da sentença, dispondo que esta pode ser feita, oficiosamente ou a requerimento, quer pelo tribunal que a proferiu quer pelo tribunal de recurso, expressamente afasta essa possibilidade relativamente aos casos previstos no art.º 379º do CPP.

Também a consagração do regime dos vícios previstos no art.º 410º, nº 2 do CPP, que, nos termos do art.º 426º, nº 1 do CPP, só determinam o reenvio para novo julgamento quando, por causa deles, não for possível decidir a causa, sem qualquer referência às nulidades da sentença e sem que se tenha criado uma norma do mesmo tipo para estas, aponta nesse sentido.

Por todo o exposto a decisão proferida pelo Tribunal da Relação quanto à matéria em causa é nula nos termos do art. 120º do CPP ou, pelo menos, irregular nos termos do art. 123º do CPP porque a mesma é contrária à Lei nos termos supra expostos e nos termos do art. 118º nº 1 do CPP.

A Nulidade/irregularidade já arguida perante o tribunal da Relação no prazo de 3 dias após a notificação do respetivo Acórdão!

Para além disso, e por todo o exposto, também, e sem mais considerandos quanto a esta matéria a interpretação que o Tribunal da Relação fez do art. 379º, nº 2 do CPP no sentido de que poderia suprir a nulidade do acórdão de 1ª Instância por omissão de pronúncia expressamente por si declarada quando tal subtrai ao recorrente/arguido o único grau de recurso que o recorrente dispunha quanto a esta matéria é inconstitucional porque viola de forma grosseira e intolerável a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição previsto no art. 32º da CRP, isto porque o acórdão proferido por esta Relação, no âmbito dos presentes autos não admite recurso para o STJ, pelo que fica o Recorrente impedido em absoluto de interpor recurso quanto ao período de interdição que V. Exas. lhe fixaram – inconstitucionalidade que se alegou também junto do Tribunal da Relação de ….

Para além de tudo quanto alegamos, arguimos e requeremos até aqui, importa, ainda, salientar o seguinte, agora quanto à prisão preventiva do Requerente:

Como vimos é nosso entendimento, sendo ainda entendimento da Lei e da jurisprudência, que o Tribunal da Relação não podia – porque isso lhe está vedado por lei, nomeadamente pela nossa Lei fundamental – suprir a nulidade arguida pelo Recorrente e declarada pela Relação quanto à omissão de pronúncia por parte do tribunal de 1ª instância quanto à não fixação do período em que o recorrente está impedido de entrar em Território Nacional por força da pena acessória de expulsão que lhe foi aplicada por aquele mesmo Tribunal da 1ª instância.

Aquela Relação ao suprir tal nulidade permitiu-lhe conhecer das restantes questões suscitadas pelo Recorrente no seu recurso tendo-lhe permitido, em consequência, proferir acórdão que confirmou a decisão condenatória da 1ª Instância o que não lhe seria permitido caso decidisse de acordo com a lei, ie, caso decidisse, em vez de suprir a tal nulidade, reenviar o processo para o tribunal de 1ª instância para ser este a suprir tal nulidade.

Neste último caso, caso a Relação não tivesse suprido a nulidade como lhe competia não suprir, esta Relação proferiria Acórdão que julgasse parcialmente provido o recurso interposto pelo recorrente e consequentemente, declarava a nulidade do acórdão recorrido, decidindo que o mesmo deveria ser substituído por outro que se pronunciasse sobre a omissão declarada, considerando prejudicada o conhecimento das restantes questões suscitadas.

O que significa que neste caso aquela Relação não poderia, nem teria, conhecido das restantes questões suscitadas em recurso pelo recorrente (mérito do recurso) tendo em conta o reenvio do processo para o Tribunal de 1ª instância para suprir a referida omissão.

Ou seja, não teríamos um acórdão da relação que confirmasse, em sede de recurso ordinário, a sentença condenatória proferida em primeira instância.

Tudo isto para chegarmos a onde?

Para chegarmos à conclusão que o acórdão proferido por aquela Relação quanto a esta matéria permitiu que o prazo máximo da prisão preventiva a que se encontra sujeito o ora recorrente – que até então era de dois anos – elevasse-se para metade da pena que lhe foi aplicada, ou seja para os 8 anos e 11 meses - nos termos do art. 215º, nº 6 do CPP.

Note-se que este foi o único fundamento (de verdade) pelo qual a Relação entendeu poder suprir ela própria uma nulidade que sabe não poder suprir – em claro abuso de poder!

Em conclusão:

Ø A inconstitucionalidade da interpretação que o tribunal da Relação faz do art. 379º, nº 2 do CPP no sentido de que poderia suprir a nulidade do acórdão de 1ª Instância por omissão de pronúncia expressamente por si declarada quando tal subtrai ao recorrente/arguido a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição previsto no art. 32º da CRP.

Ø Por força dessa inconstitucionalidade o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação é nulo (nulidade de decisão) e, em consequência deverá o mesmo ser substituído por outro em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade, remetendo o presente processo para tribunal de 1ª Instância para suprir a nulidade de omissão de pronúncia.

Ø Por força de tal inconstitucionalidade a Relação está impedida de apreciar as restantes questões levantadas no recurso interposto pelo Recorrente que não sejam as nulidades – pois o conhecimento das restantes questões (mérito de recurso) fica prejudicado tendo em conta o reenvio do processo para o Tribunal de 1ª instância para suprir a referida omissão de pronúncia em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade.


Em conclusão, e tendo em conta tudo quanto supra expusemos entende o Recorrente que os efeitos da inconstitucionalidade da interpretação que este Tribunal fez do art. 379º, nº 2 do CPP no sentido de que poderia suprir a nulidade do acórdão de 1ª Instância por omissão de pronúncia expressamente por si declarada quando tal subtrai ao recorrente/arguido a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição previsto no art. 32º da CRP abrangem, esses efeitos, também a parte do acórdão proferido por esta Relação quando a mesma decidiu de matéria que não poderia decidir tendo em conta o julgamento da questão da inconstitucionalidade, ie, toda a matéria que ultrapasse a matéria das nulidades, em concreto a decisão proferida quanto à impugnação da matéria de facto e quanto à impugnação em matéria de Direito.

Aquelas são questões prévias e estas questões principais que ficam prejudicadas pela decisão tomada relativamente àquelas.

Pela inconstitucionalidade da interpretação que o Tribunal da Relação fez do referido art. 379º, nº 2 do CPP pelos fundamentos supra explicados e permitir que, mesmo assim, aquela Relação possa decidir sobre a restante matéria que ultrapasse a matéria das nulidades é permitir que a mesma se pronuncie por questões que não se pode pronunciar – excesso de pronúncia. O que faz com que, neste caso, tal decisão seja

NULA por excesso de pronúncia nos termos do art. 379º, nº 1 alínea c).

A decisão das restantes questões fica prejudica pela decisão que aquele tribunal terá, forçosamente, que proferir quanto ao reenvio dos presentes autos ao tribunal de 1ª instância para este suprir a nulidade de omissão de pronúncia já declarada pelo Tribunal da Relação em conformidade com o julgamento de inconstitucionalidade.

Com a declaração de nulidade da sentença, e determinado tal nulidade o reenvio dos autos ao tribunal de 1ª instância para este a suprir, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso por parte daquele Tribunal da Relação (circunstância que obsta ao conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso nos termos do art. 417, nº 6 alínea a) do CPP), sob pena de nulidade do Acórdão proferido pela Relação por excesso de pronúncia, nos termos do mencionado art. 379º, nº 1 alínea c) do CPP.

É que sendo a nulidade de omissão de pronúncia uma nulidade de sentença a sua análise consubstancia a análise de uma questão prévia. Ora, declarada procedente aquela nulidade, questão prévia, a questão principal (recurso de mérito) fica prejudicada. Procedendo a questão prévia, como procede no caso em concreto, fica prejudicada a questão do mérito do recurso.

Qualquer interpretação que se faça em sentido contrário, ie é, qualquer interpretação que se faça do art. 417º, nº 6 alínea a) do CPP, no sentido de que apesar da declaração de nulidade da sentença por omissão de pronúncia com o reenvio do processo para o Tribunal de 1ª instância (para suprir aquela nulidade) permite, ainda assim, à Relação conhecer das restantes questões de recurso que ultrapasse a matéria das nulidades é uma interpretação inconstitucional daquela norma por violação do disposto no art.32º, nº 1 e 2 da CRP, mais concretamente o direito ao recurso e ao direito de ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa e, ainda, o art. 27º da CRP, porque tal entendimento do art. 417º, nº 6 do CPP vai implicar que o prazo máximo da prisão preventiva do Recorrente aumente de 2 anos para cerca de 9 anos, sem qualquer justificação de facto ou de direito.

É indiscutível, assim, que o Tribunal da Relação ao substituir-se ao Tribunal da 1.ª Instância e fixar o período de interdição pelo qual o arguido estaria interdito de regressar a território nacional, não só não observou aqueles dois enunciados princípios, como ofendeu o disposto no art.º 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, bem como o art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Nestes termos e nos melhores de Direito requer-se a V. Exas. a Concessão Imediata da Providência de Habeas Corpus, em razão de prisão ilegal do arguido AA, por se encontrar manifestamente ultrapassado o período máximo da MC de Prisão Preventiva de dois anos, e em consequência, V. Exas. determinem a libertação imediata do Arguido/requerente.


*****

Os autos foram instruídos de acordo com o requerido pelo peticionante e deferido pelo despacho de fls. 27, com cópia dos autos de detenção do requerente, datado de 18 de Maio de 2016; do despacho que aplicou ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva em 20 de Maio de 2016; de todos os despachos que mantiveram o requerente em prisão preventiva; do acórdão final proferido pela primeira instância; do recurso interposto pelo arguido do acórdão condenatório proferido pela 1.ª instância; do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra a 8 de Maio de 2018; da notificação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação; do requerimento apresentado pelo arguido a 12 de Maio de 2018.


*****

O Exmo. Juiz Desembargador de turno no Tribunal da Relação de …, Secção Criminal, exarou a informação a que alude o artigo 223.º, n.º 1, do CPP, a fls. 2 a 27 destes autos, nestes termos:

«O arguido AA, veio formular petição de Habeas Corpus com base na sua prisão ilegal, afirmando que se encontra manifestamente ultrapassado o período máximo da prisão preventiva, acabando por pedir a sua libertação imediata.

Assim sendo, cumpre lavrar a informação a que se refere o n° l do art° 223° do CP.Penal:

I – O ora requerente foi detido à ordem dos presentes autos no dia 18/05/2016;

II – Foi apresentado a Io interrogatório Judicial, o qual decorreu no dia 2 0 desse mês de maio, sendo-lhe aí fixada, entre o mais, a medida de coacção de prisão preventiva;

III – Encontra-se assim ele, desde então, e até à presente data, sujeito a essa medida de coacção;

IV – O arguido foi entretanto, sujeito a julgamento, o qual ocorreu em Processo Comum Colectivo, sendo a final condenado, por acórdão datado de 09/11/2017, em cúmulo jurídico, na pena única de 18 anos de prisão, pela prática de crimes de violação de interdição, de falsificação de documentos, roubo agravado, roubo, sequestro, coacção agravada; Foi ainda condenado na pena acessória de expulsão do território Nacional

V – Inconformado, o ora requerente interpôs recurso para este Tribunal da Relação de Coimbra, o qual foi admitido e conhecido em conferência que teve lugar no passado dia 08 do corrente mês de Maio, sendo este julgado parcialmente procedente, por absolvição de um dos crimes de falsificação de documento, sendo, em consequência, a pena única reduzida a 17 anos e 11 meses de prisão; foi também mantida a pena acessória de expulsão, sendo a proibição de entrada no território nacional fixada em 10 anos;

VI – Notificado deste último acórdão, o ora requerente, por requerimento entrado em 16/05/2018 veio arguir “nulidades de sentença irregularidades e inconstitucionalidades do acórdão proferido por esta Relação”;

VII – De seguida veio requerer a providência de Habeas Corpus através de petição que deu entrada neste Tribunal da Relação no dia de hoje (21/05/2018) no qual afirma, em síntese, que o prazo máximo da prisão preventiva se mostra excedido (art° 222°, n°s 1 e 2 al c) do CPP);

VIII – Invoca, assim, um excesso do prazo máximo de duração da prisão preventiva, por referência ao n° 2, proémio, do art° 215° do CPP, o qual é fixado, para os casos como o presente, em 2 anos;

IX – Pretende afastar a aplicabilidade do n° 6 desse mesmo artigo 215° que prevê que o prazo máximo da prisão preventiva se eleva para metade da pena que tiver sido fixada, no caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1ª Instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário.

No nosso caso, temos que os 2 anos de duração máxima de prisão preventiva, a que se refere aquele proémio do n° 2, se esgotaria no dia 17 de Maio de 2018; Todavia, verificamos que o acórdão desta Relação foi proferido antes daquela data.

Por isso, face à aplicabilidade do n° 6 do mesmo art° 215°, o prazo máximo de duração da referida medida de coacção eleva-se para metade da pena que foi fixada nesta Relação, ou seja 8 anos, 11 meses e 15 dias.

Temos que entender que não obstante a redução da medida da pena única, operada por este Tribunal, a sentença condenatória da 1.ª Instância se há-de ter por confirmada nessa exacta medida.

Ou seja, a norma em estudo, não faz depender esse incremento do prazo da prisão preventiva do trânsito em julgado da decisão proferida em 2ª Instância, sendo bastante para tal que haja sido proferido acórdão confirmatório, em sede de recurso.

A circunstância de o ora requerente AA ter vindo arguir nulidades do acórdão desta Relação, em sede própria, e de ter reeditado a sua respectiva e extensa argumentação nesta providência, em nada conflitua com a aplicabilidade do referido n° 6.

De outra forma sempre estaria aberta a via para que o condenado contornasse a previsão daquele n° 6, bastando-lhe para o efeito arguir a nulidade do acórdão confirmatório proferido em 2ª Instância.

Remeta-se imediatamente a presente petição ao Exm° Sr. Juiz Conselheiro, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com a presente informação e bem assim com a certidão das peças indicadas pelo requerente».

 

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Convocada a Secção Criminal e notificado o Ministério Público e o Defensor, teve lugar a audiência.


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Cumpre apreciar e decidir.

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Constam dos autos – documentos juntos e teor da informação prestada – os seguintes elementos fácticos que interessam para a decisão da providência requerida:

I – O ora peticionante foi detido em flagrante delito no dia 18 de Maio de 2016, pelas 15:10 horas, no âmbito do inquérito n.º 244/16.3GARMR, pela suspeita da prática de um crime de posse de arma proibida e um crime de falsificação de documento. 

II – O requerente foi submetido a 1.º interrogatório de arguido detido, no âmbito do inquérito n.º 500/15.8JACBR, onde era igualmente suspeito, no dia 20 de Maio de 2016, com início pelas 15 horas, por haver indícios de prática de vários crimes de roubo agravado, sequestro, coacção e de falsificação de documento (fls. 39 a 63).

III – Por despacho proferido no mesmo dia foi validada a detenção e aplicada a medida de coacção de prisão preventiva. (fls. 61/3)

IV – A medida de coacção de prisão preventiva foi mantida sucessivamente por despachos a reexaminar os respectivos pressupostos de 18-08-2016, a fls. 64/65, de 18-11-2016, a fls. 66, de 4-05-2017, a fls. 70, de 28-07-2017, a fls. 71, de 26-10-2017, a fls. 72 e de 7-05-2018, a fls. 74/5.

V – Por acórdão do Colectivo do Juízo Central Criminal de …, de 9 de Novembro de 2017, de fls. 76 a 184 destes autos (fls. 3280 a 3388 do principal), foi o arguido condenado pela prática de um crime de violação de interdição, p. e p. pelo artigo 187.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, de dez crimes de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, de 14 crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158.º, n.º 1, do Código Penal, de cinco crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e e) e n.º 3, do Código Penal e de dois crimes de coação agravada, p. e p. pelo artigo 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena única de dezoito anos de prisão e na pena acessória de expulsão.

VI – Os arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de … de fls. 186 a 524 destes autos (fls. 3713 a 4050 do principal)

VII – Por acórdão de 8 de Maio de 2018, a fls. 526 a 775 verso destes autos (fls. 4211 a 4456 verso do principal), foi deliberado, na reapreciação da decisão de facto, julgar não provada substituição de matrícula de veículo automóvel, e em consequência, absolver o arguido da prática de um crime de falsificação de documento, pelo qual fora aplicada a pena de 1 anos e 3 meses de prisão – cfr. fls. 770 e 771 verso destes autos e fls. 4451/2 verso do principal e dispositivo, a fls. 775 destes e fls. 4456 do principal –, reduzindo a pena única para 17 anos e 11 meses de prisão.

VIII – O acórdão da Relação de … no ponto 3. Nulidades por omissão de pronúncia analisa a arguida nulidade por omissão de pronúncia por não constar do acórdão de … o período de tempo em que o recorrente fica proibido de entrar em território nacional, reconhecendo a nulidade e assumindo desde logo a possibilidade de suprimento da nulidade declarada, remetendo a solução para momento posterior, conforme fls. 656 a 658 destes autos (fls. 4339 a 4341 do principal). 

IX – O acórdão da Relação de … no ponto VIII. Pena acessória expulsão, na sequência da declaração de nulidade, supre a mesma, fixando a medida de interdição por um período de 10 anos – fls. 771 verso destes autos e fls. 4452 verso do principal, o que foi levado ao dispositivo, a fls. 775 destes autos e fls. 4456 do principal.

X – Notificado do acórdão da Relação de …, em 16 de Maio de 2018, veio o ora peticionante arguir nulidades de sentença, irregularidades e inconstitucionalidades do acórdão proferido pela Relação, maxime, a nulidade do acórdão proferido pela Relação na parte em que decidiu que podia ela própria suprir a nulidade do acórdão proferido pela 1.ª instância, por omissão de pronúncia, quando esta não fixou, como estava obrigada a fixar, o período de tempo em que está vedado ao arguido a sua entrada em território nacional, ut fls. 779 a 794 destes autos e fls. 4476 a 4491 do principal.


Apreciando.


A providência de habeas corpus constitui uma garantia do direito à liberdade com assento na Lei Fundamental que nos rege.

Incluída no Capítulo I «Direitos, liberdades e garantias pessoais», do Título II “Direitos, liberdades e garantias”, da Parte I “Direitos e deveres fundamentais”, a providência de habeas corpus está prevista no artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa, que estabelece:

1 – Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

2 – A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.

3 – O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória.

O texto do n.º 1 foi alterado/revisto pela Lei Constitucional n.º 1/97, que introduziu a Quarta revisão constitucional (Diário da República I-A Série, n.º 218/97, de 20 de Setembro de 1997) e que pelo artigo 14.º alterou a redacção do n.º 1 do artigo 31.º da Constituição, de modo a que nesse preceito a expressão “a interpor perante o tribunal judicial ou militar consoante os casos” fosse substituída pela expressão “a requerer perante o tribunal competente”, assim afastando a referência a tribunais militares.

Mas como assinala Faria Costa em Habeas Corpus: ou a análise de um longo e ininterrupto “diálogo” entre o poder e a liberdade, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, volume 75, Coimbra, 1999, pág. 549, a revisão constitucional de 1997 não veio, nem de longe nem de perto, restringir o âmbito de aplicação da norma. Por isso, o habeas corpus vale também e em toda a linha perante a jurisdição militar.

Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, 2007, a págs. 509, o n.º 2 do artigo 31.º reconhece uma espécie de acção popular de habeas corpus (cfr. art. 52.º -1), pois, além do interessado, qualquer cidadão no gozo de seus direitos políticos tem o direito de recorrer a providência em favor do detido ou preso. Além de corporizar o objectivo de dar sentido útil ao habeas corpus, quando o detido não possa pessoalmente desencadeá-lo, essa acção popular sublinha o valor constitucional objectivo do direito à liberdade.        

A providência em causa é uma garantia fundamental privilegiada (no sentido de que se trata de um direito subjectivo «direito-garantia» reconhecido para a tutela do direito à liberdade pessoal, neste sentido, cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pág. 296) e citando este e J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, 2007, a figura do habeas corpus é historicamente uma instituição de origem britânica, remontando ao direito anglo - saxónico, mais propriamente ao Habeas Corpus Amendment Act, promulgado em 1679, passando o instituto do direito inglês para a Declaração de Direitos do Congresso de Filadélfia, de 1774, consagrado pouco depois na Declaração de Direitos proclamada pela Assembleia Legislativa Francesa em 1789, sendo acolhido pela generalidade das Constituições posteriores e introduzido entre nós pela Constituição de 1911 (artigo 3.º- 31), tendo como fonte a Constituição Republicana Brasileira de 1891, muito influenciada pelo direito constitucional americano.

A Constituição de 1933 (artigo 8.º, § 4.º) consagrou igualmente o instituto, que só veio a ser regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 35.043, de 20 de Outubro de 1945, cujas disposições vieram a ser integradas no Código de Processo Penal de 1929 pelo Decreto-Lei n.º 185/72, de 31 de Maio, sendo que no pós 25 de Abril de 1974 teve a regulamentação constante do Decreto-Lei n.º 744/74, de 27 de Dezembro de 1974 e do Decreto-Lei n.º 320/76, de 4 de Maio de 1976.

A Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro - lei de autorização legislativa em matéria de processo penal, a cujo abrigo foi elaborado o Código de Processo Penal vigente - estabeleceu a garantia no artigo 2.º, n.º 2, alínea 39 – “ (…) garantia do habeas corpus, a requerer ao Supremo Tribunal de Justiça em petição apresentada perante a autoridade à ordem da qual o interessado se mantenha preso, enviando-se a petição, de imediato, com a informação que no caso couber, ao Supremo Tribunal de Justiça, que deliberará no prazo de oito dias”.

Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade.

Sendo o direito à liberdade um direito fundamental – artigo 27.º, n.º 1, da CRP – e podendo ocorrer a privação da mesma, «pelo tempo e nas condições que a lei determinar», apenas nos casos elencados no n.º 3 do mesmo preceito, a providência em causa constitui um instrumento reactivo dirigido ao abuso de poder por virtude de prisão ou detenção ilegal.

Ou, para utilizar a expressão de Faria Costa, apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 2001, in CJSTJ 2001, tomo 3, pág. 202, atenta a sua natureza, trata-se de um «instituto frenador do exercício ilegítimo do poder».

Para Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, 1986, pág. 273 “o habeas corpus é a providência destinada a garantir a liberdade individual contra o abuso de autoridade”.

E como assinala Cláudia Cruz Santos, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 10.º, fascículo 2.º, pág. 309: “E é precisamente por pretender reagir contra situações de excepcional gravidade que o habeas corpus tem de possuir uma celeridade que o torna de todo incompatível com um prévio esgotamento dos recursos ordinários”.

A providência de habeas corpus tem a natureza de remédio excepcional para proteger a liberdade individual, revestindo carácter extraordinário e urgente «medida expedita» com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de gravidade extrema ou excepcional, de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei: em caso de detenção ilegal, nos casos previstos nas quatro alíneas do n.º 1 do artigo 220.º do CPP e quanto ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, nas situações extremas de abuso de poder ou erro grosseiro, patente, grave, na aplicação do direito, descritas nas três alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

Sendo a prisão efectiva e actual o pressuposto de facto da providência e a ilegalidade da prisão o seu fundamento jurídico, esta providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar (assim, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II volume, pág. 297) há-de fundar-se, como decorre do artigo 222.º, n.º 2, do CPP, em ilegalidade da prisão proveniente de (únicas hipóteses de causas de ilegalidade da prisão):

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

        


********



No essencial, no caso concreto, o que está em discussão é a questão de saber se a privação da liberdade do arguido impetrante é ilegal.

O peticionante fundamenta a providência em prisão ilegal, convocando o fundamento previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

A providência do habeas corpus tem lugar quando alguém se encontra ilegalmente preso, tratando-se de meio expedito, célere, destinado a pôr cobro a situações de prisão ilegal.

Como se extrai do acórdão de 27-10-2010, proferido no processo n.º 108/06.9SHLSB-AH.S1-3.ª, o processo de habeas corpus assume-se como de natureza residual, excepcional, e de via reduzida: o seu âmbito restringe-se à apreciação da ilegalidade da prisão, por constatação e só dos fundamentos taxativamente enunciados no artigo 222.º, n.º 2, do CPP. Reserva-se-lhe a teleologia de reacção contra a prisão ilegal, ordenada ou mantida de forma grosseira, abusiva, por chocante erro de declaração enunciativa dos seus pressupostos.

                                                                         

Revertendo ao caso concreto.


Em causa verificação de excesso de prazo por no entender do peticionante se verificar uma nulidade cometida pelo acórdão do Tribunal da Relação de …, que não poderia colmatar a nulidade do acórdão da primeira instância consistente em não ter sido indicado o período de proibição de entrada, apodando-a de nulidade por excesso de pronúncia e mesmo de abuso de poder.

Na tese defendida pelo peticionante não podendo a Relação suprir a falta, deveria o processo ser remetido a Leiria para aí ser definido o período temporal e sendo nulo, a consequência seria o impedimento de ser alcançado o patamar que conduz à aplicação do n.º 6 do artigo 215.º do CPP.

Vejamos se há excesso de prazo, fundamento previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

Vejamos o enquadramento da questão.

O arguido foi condenado em primeira instância pela prática de trinta e dois crimes enunciados no ponto V supra, sendo condenado na pena única de 18 anos de prisão e na pena acessória de expulsão.

Interposto recurso para o Tribunal da Relação de …, na reapreciação da matéria de facto, foi considerado julgar não provada a substituição de uma matrícula de um veículo automóvel utilizado na deslocação a A – dos – Francos, sendo o arguido absolvido de um crime de falsificação de documento, a que fora condenado na pena de 1 anos e 3 meses de prisão, e refeito o cúmulo jurídico, foi fixada a pena única de 17 anos e 11 meses de prisão.

Apreciando a nulidade do acórdão de Leiria por omissão de pronúncia relativa a falta de indicação do período temporal da expulsão, o acórdão de Coimbra declarou a nulidade, e suprindo a mesma, fixou o período de 10 anos.  

É contra esta fixação que se insurge o requerente, o que faz na extensa arguição de nulidade apresentada em 16 de Maio transacto, cujo texto transpõe a par e passo para a petição, havendo que afirmar desde já que no âmbito desta providência não cabe apreciar da bondade das decisões.

Acontece que de fls. 6 a 21 da petição é transposto o que consta do requerimento de arguição de nulidades de fls. 786 a 794 deste processo, mesmo na utilização do negrito, sublinhados e itálico, vg., fls. 10, 11, 12, 13, 14, 17 e 18.

A fls. 9 da petição foi colocado a mais o trecho em itálico, como segue: “Tal decisão por parte do Tribunal da Relação é NULA e inconstitucional, como passaremos a demonstrar para além de ter sido proferida por quem não tinha competência para a proferir – consubstanciando a mesma um abuso de poder:

Na pág. 12 da petição, parte final do último parágrafo, a seguir a “quanto ao período de interdição que”, passou a constar “lhe foi fixado pelo Tribunal da Relação de Coimbra”, quando na arguição de nulidades consta “ V. Exas. lhe fixaram”.

Na pág. 18 da petição no início do segundo parágrafo onde estava “Esta” passou a estar “Aquela”.

No caso presente estamos perante uma dupla conforme parcial, uma confirmação in mellius quanto a requalificação jurídica e medida da pena única. Toda esta matéria fica consolidada, atendendo que face ao impedimento de recurso quanto a penas parcelares e questões conexas (a pena parcelar mais elevada foi a de 7 anos de prisão por roubo agravado – alínea p) do dispositivo do acórdão de Leiria – fls. 176 deste e fls. 3380 do principal), nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, possível é o recurso quanto à medida da pena única.

Face à nulidade por omissão de pronúncia do acórdão da 1.ª instância quanto ao prazo de interdição, o acórdão da Relação declarou a nulidade, mas procedeu ao respectivo suprimento.

O peticionante insurge-se contra este procedimento. Mas sem razão.

 

A questão do suprimento oficioso


Estabelece o n.º 2 do artigo 379.º do CPP, na redacção dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, que aprovou a 20.ª alteração ao CPP (Diário da República, 1.ª série, n.º 37, de 21 de Fevereiro de 2013, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 16/2013, de 22 de Março, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 58, de 22 de Março de 2013, e rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 21/2013, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 77, de 19 de Abril de 2013, rectificando os artigos 337.º, n.º 5 e 417.º, n.º 3), entrada em vigor em 23 de Março seguinte:

“As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º”.

      

Desde que reunidos os elementos necessários, há que suprir a nulidade detectada, do que são exemplos os acórdãos a seguir indicados relatados pelo ora relator.

Extrai-se do acórdão de 26-10-2016, proferido no processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1, em que na 1.ª instância houvera condenação por crimes de associação criminosa, tráfico de estupefacientes agravado e detenção de arma proibida e na Relação absolvição pelo 1.º crime:  

“Face à implosão da pena aplicada pelo crime de associação criminosa, o acórdão recorrido, após se ter pronunciado sobre as penas parcelares sobrantes, a fls. 6762, entendendo-as como adequadas à conduta e à personalidade dos recorrentes e não merecedoras de censura, havendo que refazer o cúmulo, não justifica a medida da nova pena única aplicada, que apenas surge no dispositivo, ponto II.

Ao não fundamentar, de forma mínima que fosse, a medida da pena única aplicada, o acórdão recorrido incorreu em omissão de pronúncia determinativa de nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

Esta nulidade é de conhecimento oficioso, devendo o tribunal de recurso supri-la, se possível, como decorre do n.º 2 do mesmo preceito, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro.

Estando presentes os factos provados e elementos sobre a personalidade do arguido, pode avançar-se para a substanciação do critério especial determinativo da medida da pena conjunta.

Prosseguindo, pois”.


No acórdão de 4-01-2017, por nós relatado no processo n.º 433/14.5JAAVR.P1.S1, em causa estando crime de homicídio e pedido de indemnização cível, foram declaradas três nulidades do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, tendo-se procedido ao suprimento relativamente a questão de insuficiência de inquérito, abordagem ao instituto de atenuação especial da pena e, finalmente, no que toca a montante relativo a indemnização por danos não patrimoniais.

Quanto à atenuação especial foi considerado:

“Certo que as conclusões do anterior eram 67, mas há que na síntese respeitar o que efectivamente é submetido, com ou sem razão, à reapreciação do tribunal superior. A possibilidade de atenuação especial da pena nem sequer marcou presença no lote das questões a tratar.

Temos assim que o acórdão recorrido incorreu em omissão de pronúncia relativamente a este específico ponto, pelo que verificada está a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, por não se ter pronunciado sobre questão que devia apreciar, incluída que estava no lote das questões integrativas do objecto do recurso, do quadro de vinculação temática trazida a reapreciação.

Certo que a nulidade deve ser conhecida, devendo o tribunal supri-la, como injunge o n.º 2 do mesmo preceito, na redacção dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, entrada em vigor em 23 de Março seguinte.

Concluindo: o acórdão recorrido omitiu por completo referência à questão da atenuação especial, muito claramente colocada na motivação e sintetizada pela recorrente na conclusão 39.ª.

Tal como se referiu a propósito da outra questão que ficou sem resposta (Questão II – Insuficiência de inquérito), a omissão de pronúncia é contornável, podendo ser conhecida nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, do CPP”.

De seguida passou-se à apreciação das questões.

Relativamente ao terceiro ponto foi considerado:

Suprindo a falta de intervenção, dir-se-á que este ponto foi abordado no acórdão da Comarca de forma completa, fundamentada e criteriosa, reportando-se os FP 21 a 36 aos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante Paulo Tavares Marinho, decorrentes da perda da mãe e o FP 38 aos danos não patrimoniais sofridos pelo assistente José Marinho, neste aspecto decorrentes da perda da esposa, companheira de vida há 37 anos.

Os valores de compensação encontrados, inserindo-se no espectro normalmente tido em conta em casos similares, não merecem censura.  

Improcedem, pois, as conclusões 40.ª a 43.ª”.


No acórdão de 15-02-2017, processo n.º 12/15.0JAAVR.P1.S1, estava em causa nulidade por omissão de pronúncia relativa a medida da pena única, tendo sido considerado:

“Ao não fundamentar, de forma mínima que fosse, a medida da pena única aplicada, o acórdão recorrido incorreu em omissão de pronúncia determinativa de nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

Esta nulidade é de conhecimento oficioso, devendo o tribunal de recurso supri-la, se possível, como decorre do n.º 2 do mesmo preceito, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro.

Estando presentes os factos provados e elementos sobre a personalidade do arguido, pode avançar-se para a substanciação do critério especial determinativo da medida da pena conjunta.

Prosseguindo, pois.

Suprindo. (…)”.


No acórdão de 21-06-2017, processo n.º 403/12.8JAAVR.G2.S1, estando em causa alegada nulidade por falta de fundamentação da medida da pena única, foi ponderado:

“Ademais, tendo em conta a posição expressa pelo recorrente na conclusão 5.ª, sempre se dirá que no caso de se verificar nulidade, sendo a mesma suprível, o vício é suprido no tribunal de recurso, atenta a nova redacção do n.º 2 do artigo 379.º do CPP, com a entrada em vigor em 23-03-2013 da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, como ocorreu no acórdão de 15-02-2017, processo n.º 12/15.0JAAVR.P1.S1-3.ª, onde se considerou: … ”.

 

 No acórdão de 7-03-2018, proferido no processo n.º 180/13.5GCVCT, foi ponderado:      

“O acórdão recorrido optou pela solução de englobar no cúmulo jurídico, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na execução por igual período, mas sem nada dizer, não justificando a opção, omitindo em absoluto pronúncia sobre a possibilidade de integração ou não de pena de prisão suspensa aí aplicada. Omitiu pronúncia sobre a justificação da integração de pena suspensa na execução, bem como sobre a sua revogação, tomando-a como pena de prisão efectiva.

Actualmente não há impedimento a que o Tribunal Superior face a uma nulidade a conheça e a possa suprir, desde que no domínio dos elementos indispensáveis. 

Assim é, como injunge o n.º 2 do artigo 379.º do CPP, na redacção dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, entrada em vigor em 23 de Março seguinte.

Estabelece o preceito:

“As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º”.

Suprindo a omissão de justificação sobre a inclusão de pena suspensa, foi afirmado que a inclusão se justificava, não se colocando inclusive a questão de prazo esgotado. Ademais foi suprida ainda a nulidade consistente em não justificação da não inclusão de pena suspensa extinta nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal.


Consta do sumário do acórdão de 22-03-2017, proferido no processo n.º 873/12.4PAVNF.G1.S1, da 3.ª Secção:

“Tal como alega o recorrente, nem no acórdão do tribunal de 1.ª instância, nem no acórdão recorrido é feita qualquer avaliação da personalidade do arguido, sendo, por isso, um e outro, omissos quanto a um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a ficar a saber-se se o conjunto dos factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, isto é, uma pluriocasionalidade não radicada na personalidade do arguido.

O acórdão recorrido não fundamenta suficientemente de direito, a determinação da pena conjunta, não assegurando, por isso, a controlabilidade e a racionalidade da medida da pena única de 15 anos de prisão imposta ao recorrente, o que equivale a dizer que o mesmo padece, nesta parte, de deficiente fundamentação, consubstanciadora da nulidade prevista na al. a) do n.º 1 do art. 379.º, com referência ao art. 374.º, n.º 2, ambos CPP, que não obstante ser de declarar, impõe-se suprir nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 2, do CPP, perante a existência da factualidade relevante para a determinação da pena única a fixar”. (Realce nosso).

No caso do acórdão de 4-11-2015, por nós relatado no processo n.º 303/08. 6GABNV-B.E1.S1, não foi possível o suprimento por ausência absoluta de elementos imprescindíveis para a confecção da pena única.

No acórdão de 21-06-2017, proferido no processo n.º 1821/13.0TACBR.S1-3.ª, foi entendido suprir a eventual nulidade cometida no acórdão recorrido – inclusão de penas suspensas -, não tendo havido pronúncia sobre a extinção ou revogação dessas penas.

 

O acórdão da Relação de …. visado pelo peticionante, citou, a fls. 657 e verso deste, e a fls. 4340 e verso, do processo principal, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, alegadamente, de 12-10-2017, processo n.º 10/15.3GLSB.E1.S1.

O peticionante invoca este acórdão na petição, a fls. 5, repete a fls. 6/7/8 e depois de novo a fls. 12, apenas o 1.º §, afirmando que a Relação se terá enganado porque o acórdão do STJ é no sentido contrário ao por si defendido.

A Relação enganou-se apenas ao indicar a data do acórdão, pois é de 19-10-2016 e proferido no processo n.º 10/15.3GMLSB.E1.S1, desta Secção.

No mais invocou-o, e muito bem, como exemplo de suprimento de nulidade pelo tribunal superior.

O peticionante não tem razão, como facilmente se constata, lendo o acórdão em todo o segmento em causa, e não apenas nos parágrafos extractados.

Confrontado com nulidade do acórdão recorrido por não ter equacionado a possibilidade de aplicação do regime penal especial para jovens adultos, prevendo nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23-09, atenuação especial da pena, o acórdão invocado, convocando o acórdão do STJ de 4-06-2014, proferido no processo n.º 262/13.3PVLSB.L1.S1, da 3.ª Secção, avança para o suprimento da nulidade, abordando a situação do jovem arguido G ao longo das págs. 27, 28, 29, 30 e 31, concluindo pelo afastamento de aplicação do regime especial.

O Tribunal da Relação de … tinha competência para suprir a nulidade verificada e declarada, não havendo qualquer abuso de poder.

O Tribunal da Relação de … convocou ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2016, de 21 de Janeiro de 2016, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 36, de 22-02-2016.

Após citar o acórdão do STJ de 19-10-2016, no segmento que convoca o acórdão de 4-06-2014, afirma o acórdão da Relação de ….:

“Neste sentido e, mesmo, para os casos (mais graves) em que a Relação modifica a decisão sobre a matéria de facto levando à condenação do arguido, em vez da absolvição determinada pela primeira instância, o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, decidiu no Acórdão nº 4/2016, fixar a seguinte jurisprudência: «Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal».

A nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia sobre determinada questão, pode ser suprida pelo Tribunal ad quem, decidindo a questão cujo conhecimento foi omitido pelo Tribunal a quo.

Por último, diga-se, que declaração de nulidade de acórdão condenatório não afecta o prazo de duração máxima da prisão preventiva que foi alargado por força do processo entrar nesta fase de recurso, como tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, designadamente nos Arestos citados no Acórdão proferido sobre o pedido de habeas corpus requerido pelo arguido”

.

Na verdade, enquanto no presente caso do que se trata é de fixar o prazo de interdição, na situação analisada no AUJ n.º 4/2016, está em causa alteração de matéria de facto que leva a que em vez de absolvição surja condenação, cabendo à Relação fixar desde logo a pena.

Por outro lado, mesmo no caso de declaração de nulidade o prazo de duração máxima da prisão preventiva é alargado por entrar na fase de recurso, como assinalado no anterior habeas corpus intentado pelo ora requerente, em acórdão de 30-11-2017, processo n.º 500/15.8JACBR-C.S1, citando os acórdãos de 4-2-2015, processo n.º 15/15.4YFLSB.S1-3.ª, de 27-05-2015, processo n.º 304/14.5PCLRS.S1, de 29-09-2010, processo n.º 139/10.4YFLSWB.S1-3.ª, de 8-09-2011, processo n.º 413/07.7TACBR.S1-5.ª, de 22-07-2015, processo n.º 93/10.2TAMDC-C.S1-3.ª. 

Sendo assim, há que considerar o prazo a observar no caso concreto, atendendo à real situação processual do requerente no presente momento, passando o prazo máximo para metade, nos termos do n.º 6 do artigo 215.º do Código de Processo Penal.

                                  

Por fim, dir-se-á que há que ter em conta que apenas releva a prisão efectiva e actual e a ilegalidade da prisão deve ser aferida em função da situação presente

De acordo com o princípio da actualidade, é necessário que a ilegalidade da prisão seja actual, sendo a actualidade reportada ao momento em que é necessário apreciar o pedido – neste sentido, cfr., i.a., os acórdãos deste Supremo Tribunal de 6 de Janeiro de 1994, in BMJ n.º 433, pág. 419; de 21 de Janeiro de 2000, in BMJ n.º 493, pág. 269; de 24 de Outubro de 2001, processo n.º 3543/01-3.ª; de 30 de Janeiro de 2003, processo n.º 378/03-5.ª; de 26 de Junho de 2003, in CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 224; de 19 de Outubro de 2006, processo n.º 3950/06-5.ª; de 20 de Dezembro de 2006, processo n.º 4731/06-3.ª; de 1 de Fevereiro de 2007, processo n.º 350/07-5.ª; de 15 de Fevereiro de 2007, processo n.º 526/07-5.ª; de 19 de Abril de 2007, processo n.º 1440/07-5.ª; de 13 de Fevereiro de 2008, processos n.ºs 435/08 e 522/08; de 2 de Abril de 2008, processo n.º 1154/08; de 22 de Outubro de 2008, processo n.º 3447/08; de 10 de Dezembro de 2008, processo n.º 3971/08; de 19 de Dezembro de 2008, processo n.º 4140/08; de 9 de Fevereiro de 2011, processo n.º 25/10.8MAVRS-B.S1; de 10 de Agosto de 2012, n.º 223/10.4SMPRT-E.S1; de 21 de Novembro de 2012, processo n.º 22/12.8GBETZ-D.S1; de 9 de Agosto de 2013, processo n.º 374/12.0JELSB-A.S1; de 18 de Junho de 2014, processo n.º 307/13.7TAELV-E.S1-3.ª; de 17 de Dezembro de 2014, processo n.º 1/12.6GBALQ-A.S1; de 21 de Janeiro de 2015, processo n.º 9/15.0YFLSB.S1; de 11 de fevereiro de 2015, processo n.º 18/15.9YFLSB.S1-3.ª; de 12 de Março de 2015, processo n.º 29/14.1ZRLSB-A.S1 e n.º 4914/12.7TDLSB.-A.S1, de 15 de Abril de 2015, processo n.º 118/10.1JBLSB-C.S1; de 22 de Abril de 2015, processo n.º 49/15.9YFLSB.S1; de 9 de Julho de 2015, processo n.º 529/03.9TAAVR-C.S1; de 2 de Dezembro de 2015, processo n.º 232/15.7JDLSB-A.S1; de 9 de Março de 2016, processo n.º 2481/15.9JAPRT-A.S1, em que interviemos como adjunto; de 17 de Março de 2016, processo n.º 289/16.3JABRG-A.S1-3.ª, de 19 de Outubro de 2016, processo n.º 2324/14.0JAPRT-Z.S1 e de 15 de Março de 2017, processo n.º 77/16.7PEPDL.S1, todos da 3.ª Secção, e de 29-04-2015, processo n.º 818/13.4TXPRT-F.S1-5.ª Secção; de 14-07-2015, processo n.º 39/14.9SPRT-C.S1, de 31-07-2015, processo n.º 98/15.7TRPRT.P1-A.S1.5.ª, este reportando a actualidade ao momento em que é feito o pedido; de 11-02-2016, processo n.º 741/12.0TXPRT-F.S1-5.ª

Como refere o acórdão de 22-07-2015, processo n.º 213/12.2TELSB-.S1-3.ª, não cabe no âmbito do pedido de habeas corpus a verificação da legalidade da prisão reportada a momentos anteriores, designadamente o cumprimento dos prazos de duração máxima da prisão preventiva em fases processuais já ultrapassadas.

Neste momento, encontrando-se confirmada a decisão condenatória, encontra-se precludida a fase anterior, não havendo qualquer excesso, por ser aplicável o n.º 6 do artigo 215.º do CPP.

Quanto à alegada inconstitucionalidade, dir-se-á que o tribunal superior ao suprir nulidade do acórdão recorrido está a cumprir a injunção constante do artigo 379.º, n.º 2, do CPP. Como é evidente, o suprimento só será possível, desde que reunidos os elementos necessários e imprescindíveis para solucionar a questão. Nem sempre tal será possível, como de resto aconteceu no supra citado – fls. 28 – acórdão de 4-11-2015, por nós relatado no processo n.º 303/08. 6GABNV-B.E1.S1.

De igual modo, a aplicação da doutrina do AUJ n.º 4/2016 supõe a presença dos elementos necessários à fixação da pena.

No caso em apreciação a Relação de … estava de posse de todos os elementos necessários à fixação do período temporal em causa. A nulidade não era susceptível de suprimento apenas e só pelo tribunal de primeira instância.

Como refere Oliveira Mendes no Código de Processo Penal Comentado, 2.ª edição revista, Almedina, 2016, em comentário ao artigo 379.º, ponto 4, pág. 1134, “ … sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos, obviamente, que a nulidade só seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido, situação que será a comum, visto que na grande maioria dos casos o suprimento pelo tribunal de recurso redundaria na supressão de um grau de jurisdição”.

No caso presente tal supressão não ocorre, sendo de afastar a invocação de inconstitucionalidade.

Ademais, estando a nulidade circunscrita à pena acessória nunca teria a virtualidade de inquinar a validade do decidido no que toca à conformação da pena principal - matéria de facto, qualificação jurídica, fixação das penas parcelares e pena única, sendo esta susceptível de impugnação em recurso ordinário.     

A prisão do requerente foi ordenada por autoridade competente, em situação em que é admissível - artigos 1.º, alínea m) e 202.º, n.º 1, alínea c) do CPP - e não há excesso de prazo, pois que se encontra preso preventivamente desde 20 de Maio de 2016, estando em curso actualmente o prazo de metade da pena aplicada.

Não se verifica, pois, a ilegalidade da prisão, inexistindo o fundamento da alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP subjacente ao invocado pelos requerentes, o que inviabiliza desde logo a providência, por ausência de pressupostos, já que a violação grave do direito à liberdade, fundamento da providência impetrada, há-de necessariamente integrar alguma das alíneas daquele n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal.

O artigo 222.º, n.º 2, do Código de Processo Penal constitui a norma delimitadora do âmbito de admissibilidade do procedimento em virtude de prisão ilegal, do objecto idóneo da providência, nela se contendo os pressupostos nominados e em numerus clausus, que podem fundamentar o uso da garantia em causa.

Sendo assim, é de indeferir a providência por falta de fundamento bastante, sendo infundada a petição - artigo 223.º, n.º 4, alínea a), do Código de Processo Penal.


Decisão


Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir, por manifestamente infundada, a providência de habeas corpus requerida por AA.

Custas pelo requerente, com taxa de justiça de três unidades de conta, nos termos do artigo 8.º e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais - Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, rectificada com a Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro), o qual aprovou – artigo 18.º – o citado Regulamento, publicado no anexo III do mesmo diploma legal, sendo a Tabela actualizada de acordo com o Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, sem prejuízo da isenção subjectiva que venha a ser detectada, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea j), do mesmo diploma.

Mantém-se em vigor o valor da UC vigente em 2017, conforme estabelece o artigo 178.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2018).   

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.


Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 30 de Maio de 2018

Raul Borges (relator)

Gabriel Catarino

Santos Cabral