Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4925/17.6T8OAZ.P1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DO RECORRENTE
Data do Acordão: 05/19/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I. A exigência, imposta pelo art.º 640.º, n.º1, al. b), do Código de Processo Civil, de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados, com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II. Quando o conjunto de factos impugnados se refere à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados pelo recorrente sejam comuns a esses factos, a impugnação dos mesmos em bloco não obstaculiza a perceção da matéria que se pretende impugnar, pelo que deve ser admitida a impugnação.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 4925-17. 6T8OAZ.P1. S1 (Revista) - 4ª Secção

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. AA intentou contra Academia Apamm, Ld.ª ação declarativa com processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de trabalho com base na falta culposa do pagamento pontual da retribuição e a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 15.107,50, acrescida das retribuições que deixou de auferir desde junho de 2017 até ao trânsito em julgado da decisão, tendo em consideração o disposto no artigo 390.º, n.º 2, alínea c), do Código do Trabalho, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal a contar da citação da ré e até integral pagamento.

2. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu:

̶ Julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência, condenou a ré no pagamento à autora da quantia de € 931,27 acrescida de juros de mora vencidos desde a citação até ao dia de hoje de € 54,39 no total de € 985,66;

̶ Julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional e, em consequência, condenou a autora a pagar à ré a quantia de € 31.517,39.

̶ Efetuar a compensação, fixando o valor a pagar pela autora à ré em € 30.531,73, considerando-se extinta a obrigação de pagamento da ré à autora acima indicada.

̶ Julgar, no mais, improcedente a ação e a reconvenção, absolvendo a autora e a ré dessa parte dos pedidos.

̶ Condenar a autora como litigante de má-fé em multa de cinco unidades de conta e no pagamento de indemnização à ré, para reembolso de honorários do seu mandatário, determinando-se, nos termos do artigo 543.º, n.º 3, do Código do Processo Civil, a notificação das partes para, em 10 dias, se pronunciarem quanto ao respetivo montante.

3.  Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido:

̶ Rejeitar parcialmente a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, julgando-a parcialmente procedente na parte admitida;

̶ Julgar o recurso improcedente, em consequência confirmar a sentença recorrida.

4. Deste Acórdão foi interposto, pela Autora, recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

a) O Douto Acórdão recorrido decidiu rejeitar a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto no que concerne aos factos provados 25, 77 e 79, com o fundamento de que foram impugnados em bloco.

b) A recorrente cumpriu os ónus de impugnação sobre a decisão da matéria de facto como impõe o artigo 640º do CPC.

c) De artigos 86º, 89º e 92º das alegações e nas alíneas iii), jjj) e kkk) das conclusões que apresentou ao Venerando Tribunal “a quo”, a recorrente indicou os concretos pontos de facto que considerou incorretamente julgados, cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 640º do CPC;

d) De artigos 88º, 91º e 94º das alegações e nas alíneas iii), jjj) e kkk) das conclusões que apresentou ao Venerando Tribunal “a quo” a recorrente indicou a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 640º do CPC;

e) Finalmente, de artigos 96º a 116º e de 119º a 125º das alegações e nas alíneas mmm) a ttt) e uuu) a zzz) a recorrente indicou os concretos meios probatórios constantes do processo e da gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da decisão sobre matéria de facto impugnados;

f) Rejeitar a apreciação de tal impugnação, é de todo desproporcional e irrazoável já que do próprio encadeamento lógico das alegações de recurso apresentadas ao Venerando Tribunal “a quo” se percebe facilmente que, por se estar a discutir a mesma questão, os concretos meios de prova oferecidos, nos termos e para os efeitos das alíneas a) do n.º 2 e alínea b) do n.º 1 do artigo 640º do CPC são comuns aos factos alvo da impugnação ora em causa, cfr. “mutatis mutandis”, Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 3683/16.6T8CBR.C1.S2, 2ª Secção, de 21.03.2019, relatado por Rosa Tching, consultável in www.dgsi.pt;

g) Não se tendo pronunciado sobre a impugnação da decisão da matéria de facto da recorrente quanto aos factos provados 25, 77 e 79 por rejeição, quando na realidade deveria ter admitido o julgamento de tal impugnação, nos termos das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 666º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, o Douto Acórdão recorrido é nulo por omissão de pronuncia, o que desde já se argui para os devidos efeitos legais;

h) Além disso, a interpretação do artigo 640º do Código de Processo Civil no sentido de rejeitar, por ser em bloco, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto com fundamento que não foi cumprido o ónus da impugnação por parte da recorrente quando esta individualiza concretamente os factos que considera incorretamente julgados e a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – alínea a) e c) do n.º 1 do artigo 640º do CPC -, e estando em discussão a mesma questão em todos os factos impugnados e que, por assim ser, impõe a indicação da mesma prova para todos aqueles factos - alíneas a) do n.º 2 e alínea b) do n.º 1 do artigo 640º do CPC – é inconstitucional por violação do Princípio da Proporcionalidade e do Acesso ao Direito, respetivamente ínsitos, “in casu”, no n.º 2 do artigo 18º e no n.º 2 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

i) A procedência da impugnação da matéria de facto cuja apreciação foi rejeitada, sendo aquela admitida a julgamento e julgada no sentido pugnado pela recorrente terá influência direta na decisão da causa, quer no pedido formulado de resolução por justa causa do contrato de trabalho, colocará em crise o pedido reconvencional da recorrida e também terá influência na decisão proferida relativamente à litigância de má-fé;

j) A não apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto aos factos provados 25, 77 e 79 por razões formais/processuais, com as quais a recorrente discorda pelas razões acima alegadas, pode ter como consequência a distorção do conteúdo de mérito do Douto Acórdão com desproporcionadas consequências condenatórias repercutidas na esfera patrimonial da recorrente;

k) Decidindo como decidiu, o Douto Acórdão recorrido violou a alínea a) do n.º 2 e as alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640º do CPC, o artigo 662º do CPC e ainda o n.º 2 do artigo 18º e o artigo 20º ambos da Constituição da República Portuguesa.

5. A Ré não contra-alegou.

6. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de ser negada a revista.

7. No Tribunal da Relação foi proferido despacho a admitir o recurso com o seguinte teor:

O acórdão proferido por esta Relação confirmou a sentença de 1.ª instância, sem voto de vencido.

Mas como refere a recorrente, foi parcialmente rejeitada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente, na parte dirigida aos factos provados 25, 27 e 79 [Cfr. Fls. 26/27, ponto II.2.1].

A recorrente sustenta-se na pretendida alteração para, nessa base, impugnar a decisão da 1.ª instância na parte em que julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido pela Ré [Cfr. Fls. 40, ponto II.3.3].

Através do recurso de revista ordinária que vem intentar, a recorrente pretende pôr em causa a essa parte do acórdão desta Relação, por alegada violação do disposto nos artigos 640.º e 662.º do CPC.

Neste quadro, afigura-se-nos possível o recurso de revista ordinária com esse objeto, apresentado tempestivamente, que por isso se admite, para subir nestes autos, de imediato e com efeito devolutivo.

8. Nas suas conclusões, a recorrente sustenta que a não apreciação pelo Tribunal da Relação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto aos factos provados 25, 77 e 79 violou a alínea a) do n.º 2 e as alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640º do CPC, o artigo 662º do CPC e ainda o n.º 2 do artigo 18º e o artigo 20º ambos da Constituição da República Portuguesa.

II

A) Os factos impugnados pela recorrente, e cuja apreciação foi requerida ao Tribunal da Relação, são os seguintes:

25. Ao analisar a documentação contabilística da ré, a gerente constatou a existência de cursos que haviam sido abertos, mas sem autorização da academia, ou pelo próprio I.E.F.P. nos casos em que tal autorização era necessária, pelo menos parcialmente custeados pela ré, designadamente:

1 curso de técnica auxiliar clínica veterinária,

2 cursos de técnico de estética, massagem e beleza (diurno e noturno);

1 workshop de auto maquilhagem;

1 workshop de pestanas;

2 cursos de formação pedagógica inicial de formadores, um diurno e outro noturno;

1 curso de primeiros socorros;

1 curso de ação educativa;

1 curso de micro blading;

1 cursos de arte floral;

3 cursos de unhas de gel.

77. A autora recebeu sem registar no caixa da empresa valores de formandos/clientes desta no valor de, pelo menos, € 4.197,39.

79. A autora recebeu valores de cursos de formação abertos por esta sem a devida autorização da sua entidade patronal, e em algumas situações mesmo sem o conhecimento da ré e que não entregou à ré, a saber:

i. Primeiros Socorros, que abriu em 2017 com 5 alunos, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €100, o valor de €500;

ii. Micro-blading, que abriu em 2017 com 4 alunos, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €300, o valor de €1.200;

iii. Unhas de Gel, que abriu em 2017 com 6 alunos, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €270, o valor de €1.620;

iv. 2 de Técnica de Estética e Massagem, sendo um em regime noturno e outro em regime diurno, que abriu em 2017 com 10 e 6 alunos respetivamente, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €800, o valor de €12.800;

v. Ação Educativa, que abriu em 2017 com pelo menos 2 alunos confirmados pela R., mas que terão sido mais, mas que esta não consegue confirmar, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €500, o valor de €1.000;

vi. Arte Floral, que abriu em 2017 com 5 alunos, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €500, o valor de €2.000;

vii. Técnico de Veterinária, que abriu em 2017 com 5 alunos, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €500, o valor de €2.500;

viii. Gessoterapia, que abriu em 2017 com 5 alunos, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €100, o valor de €500;

ix. Formação Pedagógica Inicial de Formadores, sendo um em regime noturno e outro em regime diurno, que abriu em 2017 com 9 e 10 alunos respetivamente, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €200, o valor de €3.800.

B) Fundamentação de Direito:

Como já se referiu, o objeto do recurso consiste em saber se o Tribunal da Relação ao rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto aos factos provados 25, 77 e 79 violou a alínea a) do n.º 2 e as alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640º do CPC, o artigo 662º do CPC e ainda o n.º 2 do artigo 18º e o artigo 20º ambos da Constituição da República Portuguesa.

Vejamos a parte pertinente das alegações e das conclusões que a recorrente apresentou no recurso de apelação e que indicou nas conclusões do seu recurso de revista, nas quais suporta a sua pretensão de que seja admitida a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, no caso quanto aos factos dados como provados nos pontos 25,77 e 79.

86º A recorrente considera que o ponto 25 da matéria de facto dada como provada foi incorretamente julgado.

88º O facto transcrito no artigo anterior deve ser dado como não provado.

89º Acresce que, a recorrente também considera que o ponto 77 da matéria de facto dada como provada foi incorretamente julgado.

91º O facto transcrito no artigo deve ser dado como não provado.

92º Por fim, a recorrente também considera que o ponto 79 da matéria de facto dada como provada foi incorretamente julgado.

94º O facto transcrito no artigo anterior deve ser dado como não provado.

...

96º É preciso provar a efetiva apropriação e o seu exato montante, sob pena de, não o fazendo, chegar-se a soluções de injustiça, como é o caso dos autos.

97º Ora, é a própria representante legal da recorrida que assegura que foram feitos pagamentos a quem identifica como sendo XX, sem explicar o que foram feitos a esses pagamentos.

98º Veja-se as declarações de parte da representante legal da ré, BB, que foram tomadas na audiência de julgamento de 20 de março de 2019, que duraram 01 hora e 12 minutos, ficaram registadas no sistema integrado de gravação digital, iniciando-se às 14 horas e 11 minutos e 27 segundos e terminou às 15 horas 23 minutos e 26 segundos, atente-se, em concreto, à seguinte passagem de 26 minutos e 46 segundos a 27 minutos e 08 segundos:

26 minutos e 46 segundos a 27 minutos e 08 segundos

“MJ: E era a quem?

RLR: À AAA e depois apareceu lá uns formandos que disseram que fizerem pagamento à XX, mas olhe, eu não conheço nenhuma XX e nunca contratei nenhuma ZZ, por isso, supostamente estava lá uma XX nos dias que eu não estava lá. Agora não sei quem era a XX.

MJ: Mas, portanto, foi, ou seja, há formandos que lhe falam duma XX?

RLR: Sim, sim. Mas eu não conheço a XX, nem sei quem é a XX.”

99º Além do mais, a testemunha CC, formador da recorrida, referiu aos autos que (1) a gerente recorrida recebeu pagamentos da sua esposa, (2) que daqueles pagamentos nunca foi passado recibo e que (3) quem lhe pagava era a gerente da recorrida, ou seja, justamente o comportamento que é imputado à recorrente.

100º A testemunha CC, depôs na audiência de julgamento de 15 de outubro de 2018, de forma calma, clara e serena, o seu depoimento teve a duração de 23 minutos e 33 segundos, ficou registado no sistema integrado de gravação digital, iniciando-se às 14 horas e 45 minutos e 38 segundos e terminou às 15 horas 09 minutos e 11 segundos, atente-se, em concreto, às seguintes passagens (1) de 02 minutos e 14 segundos a 02 minutos e 45 segundos, (2) 03 minutos e 02 segundos a 06 minutos e 36 segundos:

02 minutos e 14 segundos a 02 minutos e 45 segundos

“MJ: A sua esposa seria formanda, era?

CC (CC): Sim, sim.

MJ: E existe um problema porque a formação nunca foi certificada, é isso?

CC: Não, nem nunca foi passado recibos nem nada do respetivo valor pago.

MJ: Mas isso gerou algum conflito entre a sua esposa e academia apamm?

CC: Sim, ela foi lá algumas vezes para tentar entrar em contacto com a Drª. BB, estava lá uma funcionária que eu não sei precisar o nome, só que nunca obteve resposta.

MJ: Então a questão ainda não está resolvida, é?

CC: Não, não.”

03 minutos e 02 segundos a 06 minutos e 36 segundos

“Mandatário da recorrente: A primeira pergunta que lhe fazia era enquanto formador, quem é que procedia aos pagamentos das formações que ministrava e como é que era esse procedimento?

CC: Eu passava o recebido, o recibo era entregue, depois efetuavam o pagamento consoante o recibo e o número de horas que…porque normalmente quando é o início da formação no dossier técnico pedagógico normalmente já vem lá uma folha que diz o respetivo número de horas, com o respetivo valor, ahm…, depois no fim era pago esse respetivo valor.

Sim.

MR: Sempre contra, sempre contra, digamos assim, a entrega de um documento…

CC: Sim, sim, sim…

MR: Quem é que fazia esses pagamentos?

CC: Neste caso era a Dr.ª BB que me fazia esse pagamento do respetivo valor.

MR: Alguma vez, portanto, esse valor. Portanto, a Dr.ª BB fez-lhe pagamentos.

E a Dr-ª AAA, alguma vez lhe fez pagamentos?

CC: A Dr.ª AAA era a quem eu entregava o recibo, que não tinha contacto com a Dr.ª BB durante o dia…

MR: Tanto a Dr.ª AAA como a Dr.ª BB faziam pagamentos.

CC: Sim.

MJ: Mas a si a Sr.ª AA chegou-lhe a fazer pagamentos?

CC: Ela a única coisa que me tinha feito foi recebeu o meu recibo verde, neste caso, de prestador de serviços, ahm… e depois com a indicação da Dr.ª BB, porque eu à noite estava com a Dr.ª BB não, a Dr.ª BB estava numa sala a dar formação…

MJ: Mas, portanto, coincidiam estar lá na academia ao mesmo tempo.

CC: Sim, sim, sim…coincidia porque como estava a dar formação à minha esposa, estávamos em salas separadas, mas durante a noite, no horário pós-laboral que era quando eu dava formação.

MJ: Portanto, na sua situação foi a Dr.ª BB a dar-lhe o dinheiro.

CC: O respetivo. Sim, o dinheiro referente à formação.

MR: Já percebi que as suas formações seriam prestadas à noite.

CC: Sim. Horário pós-laboral.

MR: Horário pós-laboral. No horário pós-laboral já disse que se cruzara com a Dr.ª BB.

CC: Sim.

MR. Pronto. O que eu lhe pergunto é: se alguma vez viu, se alguma vez se apercebeu a Dr.ª BB a receber pagamentos de formandos, já disse que pagava, se viu a Dr.ª BB a fazer pagamentos a outras pessoas.

CC: Não. Isso não posso dizer que vi.

MR: Certo.

CC: Eu como entrava primeiro para a sala de formação e saía primeiro do que ela para… do curso dela.

MR: Certo. Mas sabe se havia formandos que, uma vez que não estava lá ninguém, isto é, peço desculpa, vou reformular. Se sabe se havia formandos que faziam o pagamento de formações à Dr. BB.

CC: A minha esposa.

MR: Por exemplo.

CC: Sim.

MR: A sua esposa fez o pagamento à Dr.ª BB.

CC: Sim, sim, sim…

MR: E nunca foi emitido nenhum recibo.

CC: Era só, houve só um recibo, que nem sei se aquilo se considera recibo, que foi um papel de um livro que diz lá “entrega monetários de “x” valor referente ao curso” …

MS: Mas contabilisticamente aquilo que me está a dizer segundo percebo é um documento manuscrito.

CC: Não, nem entrou para as finanças. Não. Esse valor nunca entrou.

MS: A sua esposa fez um pagamento à Dr.ª BB e nunca foi emitido…

CC: Não. Até na parte do e-faturas devia de aparecer um valor referente ao curso que ela frequentou, mas nunca apareceu nada.”

101º Acresce que, a testemunha DD, trabalhadora da recorrida, também referiu nos autos que recebia dinheiro dos formandos.

102º A testemunha DD, depôs na audiência de julgamento de 11 de fevereiro de 2019, de forma calma, clara e serena, o seu depoimento teve a duração de 01 horas 41 minutos e 22 segundos, ficou registado no sistema integrado de gravação digital, iniciando-se às 09 horas e 45 minutos e 59 segundos e terminou às 11 horas 27 minutos e 20 segundos, atente-se, em concreto, à seguinte passagem de 08 minutos e 00 segundos a 10 minutos e 10 segundos:

08 minutos e 00 segundos a 10 minutos e 10 segundos

“MJ: Eu estou a perguntar se a senhora recebia dinheiro, por exemplo, de formandos, se tinha, por exemplo, tipo um caixa.

MJ: Portanto, eu suponho que os únicos, ou seja, os clientes da academia sejam só os formandos…

DD: Sim.

MJ: Ou existe, outro tipo, aquilo exercia outro tipo de atividade que fizesse com que recebesse dinheiro de alguém?

DD: Não.

MJ: Não. Eram os formandos.

DD: Sim. Só mesmo os cursos.

MJ: Não sei se os formandos, se os formandos, por exemplo, quando se inscreviam num curso pagam logo o curso todo, se pagavam ao longo do tempo, se havia as várias modalidades.

DD: Havia as várias modalidades.

MJ: E então? Mas e os pagamentos eram através de transferência bancária ou havia mesmo pagamentos em dinheiro?

DD: Podia, ahm, é assim, quando eram quantias grandes a maior parte optava por transferência bancária. Ahm, depois havia algumas pessoas que preferiam pagar presencialmente.

MJ: Presencialmente. Eu suponho que para a senhora estar lá nesse período é porque havia formações até para satisfazer aquilo que os formandos às tantas as disponibilidades que eles tinham, portanto seriam em horário pós-laboral. Não é?

DD: Sim era pós-laboral.

MJ: Então eu suponho que as pessoas pagassem quando fossem à formação, não iam lá de propósito…

DD: Aí, não, não…

MJ: Pronto. Então quer dizer, a senhora, por exemplo, se chegasse, não sei, ao fim do mês ou se a senhora estivesse lá e fosse lá um formando pagar a mensalidade a senhora recebia o dinheiro?

DD: Sim.

MJ: Então, e qual era o tratamento que a senhora dava a esse dinheiro que senhora recebia dos formandos?

DD: Nós tínhamos lá um cofrezinho e colocávamos no cofre.”

103º Isto quer dizer que, a recorrente, a gerente da recorrida, a XX e DD recebiam dinheiro que provinha dos formandos, ou seja, pelo menos quatro (!) pessoas recebiam dinheiro de formandos nas instalações da recorrida, sem que se saiba em que montantes exatos, que tratamento lhe davam efetivamente ou se foram registados ou não.

104º Por isso, parece-nos, que não é possível dar-se como provada uma concreta apropriação e o seu exato montante por parte da recorrente, já que, a ter existido apropriação de dinheiro, este até pode ter sido apropriado por outrem que não a recorrente.

105º Tanto mais que, mais uma vez, a gerente da recorrida em confissão, que diz ter analisado a documentação contabilística daquela, que as escrutinou, notando, na sua versão, diversas incongruências e irregularidades declarou ao Digníssimo Tribunal que o – alegado – prejuízo causado pela autora fora de 15.000,00 (quinze mil euros), ou seja, € 10.000,00 (dez mil) abaixo do peticionado e da condenação nos presentes autos!

106º Veja-se as declarações de parte da representante legal da ré, BB, que foram tomadas na audiência de julgamento de 20 de março de 2019, que duraram 01 hora e 12 minutos, ficaram registadas no sistema integrado de gravação digital, iniciando-se às 14 horas e 11 minutos e 27 segundos e terminou às 15 horas 23 minutos e 26 segundos, atente-se, em concreto, a seguinte passagem de 20 minutos e 27 segundos a 21 minutos e 56 segundos:

20 minutos e 27 segundos a 21 minutos e 56 segundos

“MJ: Então, depois tem aqui uma outra questão, que é: portanto, a senhora já referiu várias vezes, que depois há um conjunto de situações que lhe vêm a chegar… que a senhora vai, chega à conclusão de que a senhora AA estava a tirar dinheiro do caixa.

RLR: Sim.

MJ: Ou seja, temos aqui duas situações, ou seja, recebia dinheiro de clientes digamos e ele não aparecia nas contas da academia.

RLR: Sim.

MJ: E depois há também aí algumas situações de pagamentos que a senhora, que estavam lá como estando pagos e depois que a senhora veio a ver que esses pagamentos não estavam, não tinham sido feitos, designadamente já falou numa conta da luz…

RLR: Sim.

MJ: E já falou nessa formadora e não sei se depois ainda apareceram outros.

RLR: Apareceram.

MJ: A questão é: a senhora consegue dizer que valor é que está aqui em causa?

RLR: Ahm, mas… de toda a gente? Formandos, formadores…

MJ: Não, portanto, será o dinheiro que, em princípio… então vamos só a uma parte, que é: o dinheiro que entrou, que foi pago, que a senhora sabe que foi pago, mas que nunca apareceu nas contas da empresa.

RLR: Que os formandos pagaram?

MJ: Suponho que sim. É a única fonte de rendimentos…

RLR: SIM, SIM, SIM, SIM. QUE OS FORMANDOS PAGARAM ACHO QUE FOI À VOLTA DE € 15.000.00, formandos, porque era o curso de estética, o curso de ação educativa, o curso de veterinária, o curso de arte floral, o curso de unhas de gel…

107º Nem a própria recorrida sabe dizer que putativo prejuízo teve.

108º Ora, as regras do ónus da prova impunham que a recorrida demonstrasse a apropriação efetiva e o seu exato montante da apropriação, sob pena de outrem que não a parte condenada se ter apropriado das quantias em litígio e através da presente ação criar a aparência duma legalidade inexistente.

109º Acresce que, como dispõe o artigo 414º do Código de Processo Civil, a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.

110º Mais: da prova documental, in casu, nas folhas de caixa juntas pela recorrida na sua contestação, referentes ao período de 01.03.2017 a 31.03.2017, consta a existência dos cursos que a recorrida alega não ter conhecimento e pagamentos por conta daqueles cursos.

Senão, vejamos,

111º Quanto ao curso de primeiros socorros pode ler-se nas folhas de caixa identificadas no artigo 110º:

1. PAGAMENTO FINAL primeiros socorros EE € 50,00;

2. PAGAMENTO FINAL primeiros socorros FF € 50,00;

112º Quanto ao curso de Micro-Blading pode ler-se nas folhas de caixa identificadas no artigo 110º:

1. 2º PAGAMENTO microblading GG € 50,00;

2. 2º PAGAMENTO microblading HH € 50,00;

3. 2º PAGAMENTO microblading II € 50,00;

4. 2º PAGAMENTO microblading JJ € 50,00;

5. 3º PAGAMENTO microblading GG € 50,00;

6. 3º PAGAMENTO microblading HH € 50,00;

7. 3º PAGAMENTO microblading II € 50,00;

8. 3º PAGAMENTO microblading JJ € 50,00;

9. 4º PAGAMENTO microblading GG € 50,00;

10. 4º PAGAMENTO microblading HH € 50,00;

11. 4º PAGAMENTO microblading II € 50,00;

12. 4º PAGAMENTO microblading JJ € 50,00;

13. PAGAMENTO FINAL microblading GG € 100,00;

14. PAGAMENTO FINAL microblading HH € 100,00;

15. PAGAMENTO FINAL microblading II € 100,00;

16. PAGAMENTO FINAL microblading JJ € 100,00;

113º Quanto ao curso de unhas de gel pode ler-se nas folhas de caixa identificadas no artigo 110º:

1. PAGAMENTO FINAL unhas de gel laboral NN € 170.00;

2. PAGAMENTO FINAL unhas de gel MM € 170,00;

3. PAGAMENTO FINAL unhas de gel LL € 170.00;

114º Quanto ao curso de Técnica de Estética e Massagem pode ler-se nas folhas de caixa identificadas no artigo 110º:

1. Mensalidade de Tec. Estética OO PAG. FINAL € 200,00;

2. Mensalidade de Tec. Estética PP PAG. FINAL € 200,00;

3. PAGAMENTO FINAL QQ Tec Estética € 400,00;

115º Quanto ao curso de ação educativa pode ler-se nas folhas de caixa identificadas no artigo 110º:

1. Inscrição ação educativa RR 1º PAGAMENTO € 100,00;

2. Inscrição ação educativa SS1º PAGAMENTO € 100,00;

3. Inscrição ação educativa TT1º PAGAMENTO € 100,00;

4. Inscrição ação educativa UU 1º PAGAMENTO € 100,00;

5. Inscrição ação educativa VV 1º PAGAMENTO € 100,00;

116º Tudo isto para dizer que, face à prova testemunhal, às declarações e depoimento de parte da gerente da ré e da prova documental dos autos não se pode extrair que a recorrente se apropriou das quantias peticionadas.

119º Sendo certo que uma folha de Excel pode ser editada para ser obtido um resultado que pode ser consentâneo com o interesse de quem o editou, e que essa folha de caixa em formato Excel foi junta pela recorrida, a verdade é que das folhas de caixa resultam pagamentos, quanto aos cursos abertos que a recorrida diz não ter conhecido e não ter recebido.

120º No que toca aos cursos de primeiros socorros, unhas de gel e técnica de estética e massagem resulta da folha de caixa de 01.03.2017 a 31.03.2017 a existência de pagamentos finais, ou seja, o que, demonstra que aqueles cursos foram integralmente pagos.

121º Em relação ao curso de microblading, há registo desde o segundo pagamento até ao pagamento final, ou seja, o primeiro pagamento ocorreu em momento anterior, pelo que, aquele curso deve ter-se por integralmente pago.

122º Por fim, quanto ao curso de ação educativa, há referência ao primeiro pagamento, ou seja, em março de 2017 foi feito o primeiro pagamento daquele curso e, por isso, a recorrida terá recebido os remanescentes pagamentos nos meses subsequentes, em período que a recorrente já não prestou efetivamente o seu trabalho.

123º Ora, se a recorrente estava a receber dinheiro de que se estava a apropriar e a esconder, como é óbvio, não ia fazer-lhes referência numa folha de caixa, por outras palavras, se fossem cursos que a recorrida não conhecia os mesmos não estariam refletidos naquelas folhas.

124º Pelo que, não procedendo a alteração da matéria dos pontos 25 e 79 no sentido de serem dados como não provados, como supra se fundamentou, com base na prova documental dos autos, isto é, das folhas de caixa supra dissecadas, devem aqueles pontos da matéria de facto ser alterados, passando a ter a seguinte redação:

25. Ao analisar a documentação contabilística da ré, a gerente começou a notar diversas incongruências e irregularidades, bem como constatou a existência de cursos que haviam sido abertos, mas sem autorização da academia, ou pelo próprio I.E.F.P. nos casos em que tal autorização era necessária, pelo menos parcialmente custeados pela ré, designadamente:

1 curso de técnica auxiliar clínica veterinária,

1 workshop de auto maquilhagem;

1 workshop de pestanas;

2 cursos de formação pedagógica inicial de formadores, um diurno e outro noturno;

1 curso de primeiros socorros;

1 cursos de arte floral.

79. A autora recebeu valores de cursos de formação abertos por esta sem a devida autorização da sua entidade patronal, e em algumas situações mesmo sem o conhecimento da ré e que não entregou à ré, a saber:

i. Arte Floral, que abriu em 2017 com 5 alunos, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €500, o valor de €2.000;

ii. Técnico de Veterinária, que abriu em 2017 com 5 alunos, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €500, o valor de €2.500;

iii. Gessoterapia, que abriu em 2017 com 5 alunos, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €100, o valor de €500;

125º Em consequência da alteração da matéria de facto, como referido no artigo anterior, a alegada apropriação da recorrente e consequente indemnização por conta daqueles cursos nunca poderia fixar-se em € 25.420,00 (vinte e cinco mil quatrocentos e vinte euros) mas, o que se coloca por dever de patrocínio, apenas em € 5.000,00. (cinco mil euros). (fim da transcrição parcial das alegações do recurso de apelação)

Vejamos agora a síntese conclusiva do recurso de apelação, indicada pela recorrente:

iii) A recorrente considera que o ponto 25 da matéria de facto dada como provada foi incorretamente julgado, devendo ser dado como não provado;

jjj) A recorrente também considera que o ponto 77 da matéria de facto dada como provada foi incorretamente julgado, devendo ser dado como não provado;

kkk) Por fim, a recorrente também considera que o ponto 79 da matéria de facto dada como provada foi incorretamente julgado, devendo ser dado como não provado;

mmm) É a própria representante legal da recorrida que assegura que foram feitos pagamentos a quem identifica como sendo XX, sem explicar o que foram feitos a esses pagamentos;

nnn) Veja-se as declarações de parte da representante legal da ré, BB, que foram tomadas na audiência de julgamento de 20 de março de 2019, que duraram 01 hora e 12 minutos, ficaram registadas no sistema integrado de gravação digital, iniciando-se às 14 horas e 11 minutos e 27 segundos e terminou às 15 horas 23 minutos e 26 segundos, atente-se, em concreto, à seguinte passagem de 26 minutos e 46 segundos a 27 minutos e 08 segundos, transcritas nas alegações;

ooo) A testemunha CC, formador da recorrida, referiu aos autos que (1) a gerente da recorrida recebeu pagamentos da sua esposa, (2) que daqueles pagamentos nunca foi passado recibo e que (3) quem lhe pagava era a gerente da recorrida, ou seja, justamente o comportamento que é imputado à recorrente;

ppp) A testemunha CC, depôs na audiência de julgamento de 15 de outubro de 2018, de forma calma, clara e serena, o seu depoimento teve a duração de 23 minutos e 33 segundos, ficou registado no sistema integrado de gravação digital, iniciando-se às 14 horas e 45 minutos e 38 segundos e terminou às 15 horas 09 minutos e 11 segundos, atente-se, em concreto, às seguintes passagens (1) de 02 minutos e 14 segundos a 02 minutos e 45 segundos, (2) 03 minutos e 02 segundos a 06 minutos e 36 segundos, transcritas nas alegações;

qqq) Acresce que, a testemunha DD, trabalhadora da recorrida, também referiu nos autos que recebia dinheiro dos formandos;

rrr) A testemunha DD, depôs na audiência de julgamento de 11 de fevereiro de 2019, de forma calma, clara e serena, o seu depoimento teve a duração de 01 horas 41 minutos e 22 segundos, ficou registado no sistema integrado de gravação digital, iniciando-se às 09 horas e 45 minutos e 59 segundos e terminou às 11 horas 27 minutos e 20 segundos, atente-se, em concreto, à seguinte passagem de 08 minutos e 00 segundos a 10 minutos e 10 segundos, transcritas nas alegações;

sss) Isto quer dizer que, a recorrente, a gerente da recorrida, a XX e DD recebiam dinheiro que provinha dos formandos, ou seja, pelo menos quatro (!) pessoas recebiam dinheiro de formandos nas instalações da recorrida, sem que se saiba em que montantes exatos, que tratamento lhe davam efetivamente ou se foram registados ou não;

ttt) Por isso, não é possível dar-se como provada uma concreta apropriação e o seu exato montante por parte da recorrente, já que, a ter existido apropriação de dinheiro, este até pode ter sido apropriado por outrem que não a recorrente;

uuu) Tanto mais que, mais uma vez, a gerente da recorrida em confissão, que diz ter analisado a documentação contabilística daquela, que as escrutinou, notando, na sua versão, diversas incongruências e irregularidades, declarou ao Digníssimo Tribunal que o – alegado – prejuízo causado pela autora fora de 15.000,00 (quinze mil euros), ou seja, € 10.000,00 (dez mil) abaixo do peticionado e da condenação nos presentes autos;

vvv) Veja-se as declarações de parte da representante legal da ré, BB, que foram tomadas na audiência de julgamento de 20 de março de 2019, que duraram 01 hora e 12 minutos, ficaram registado no sistema integrado de gravação digital, iniciando-se às 14 horas e 11 minutos e 27 segundos e terminou às 15 horas 23 minutos e 26 segundos, atente-se, em concreto, a seguinte passagem de 20 minutos e 27 segundos a 21 minutos e 56 segundos;

www) Nem a própria recorrida sabe dizer que putativo prejuízo teve e as regras do ónus da prova impunham que a recorrida demonstrasse a apropriação efetiva e o seu exato montante da apropriação, sob pena de outrem que não a parte condenada se ter apropriado das quantias em litígio e através da presente ação criar a aparência duma legalidade inexistente;

xxx) Acresce que, como dispõe o artigo 414º do Código de Processo Civil, a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita;

yyy) Mais: da prova documental, in casu, nas folhas de caixa juntas pela recorrida na sua contestação, referentes ao período de 01.03.2017 a 31.03.2017, consta a existência dos cursos que a recorrida alega não ter conhecimento e pagamentos por conta daqueles cursos, conforme se concretizou de artigos 111º a 116º das alegações;

zzz) Tudo isto para dizer que, face à prova testemunhal, às declarações e depoimento de parte da gerente da ré e da prova documental dos autos, não se pode extrair que a recorrente se apropriou das quantias peticionadas, devendo ser dados como não provados os pontos 25, 77 e 79 da matéria de facto dada como provada. (fim da transcrição parcial das conclusões da recorrente no recurso de apelação)

Vejamos agora a fundamentação do Acórdão recorrido que determinou a rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto no que concerne aos pontos 25, 77 e 79, dos factos provados:

«Quanto aos factos provados 25, 27 e 79 (relembramos que o primeiro deles foi alterado por nossa iniciativa), a impugnação surge nas alegações sob o título “IV – Da alteração da matéria de facto - do prejuízo”, estendendo-se ao longo dos artigos 86.º a 117.º, onde conclui ”Logo, resumindo, devem ser dados como não provados os pontos 25, 77 e 79 da matéria de facto dada como provada”, constatando-se que são impugnados em bloco, isto é, a recorrente não faz uma impugnação individualizada e concreta relativamente a cada um dos factos impugnados.

Ora, pretendendo a recorrente impugnar a decisão sobre a matéria de facto, impunha-se-lhe que procurasse evidenciar que esses factos não deveriam ter sido considerados provados, mas fazendo-o individualmente, indicando para cada um deles os meios de prova e formulando o juízo crítico para justificar a pretendida alteração, elencando as razões pertinentes relativamente a cada um deles.

Não foi esse o método seguido pela recorrente, como se disse, antes fazendo a impugnação em bloco.

Por conseguinte, quanto a essa parte - factos provados 25, 27 e 79 – rejeita-se a impugnação.»

*

O artigo 640.º do Código de Processo Civil, com a epígrafe «Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto» estatui o seguinte:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

A atual redação desta disposição legal foi introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e encontra correspondência, embora com algumas alterações, no art.º 685.º do anterior Código de Processo Civil, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/8.

Segundo António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016 – 3.ª Edição, Almedina, pág. 136 e seguintes) as alterações mais salientes introduzidas na nova redação caracterizam-se pelo reforço do ónus de alegação, devendo o recorrente, sob pena de rejeição, indicar a resposta que, no seu entender, deve ser dada às questões de facto impugnadas, e relativamente a provas gravadas basta ao recorrente a indicação exata das passagens da gravação, não sendo obrigatória em caso algum a sua transcrição.

O citado autor, numa apreciação da evolução histórica do instituto da «Modificabilidade da decisão de facto», sublinha que a possibilidade de alteração da matéria de facto deixou de ter carácter excecional para se assumir como uma função normal do Tribunal da Relação, verificados que estejam os requisitos impostos pela lei. No entanto, adverte que «Nesta operação foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente».

O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou, em diversos acórdãos, sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, firmando uma linha jurisprudencial que iremos procurar sintetizar.

No que diz respeito ao enquadramento processual da rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o Supremo Tribunal de Justiça considerou no acórdão de 3/12/2015, proferido no processo n.º 3217/12.1TTLSB.L1.S1 (Revista-4.ª Secção), que se o Tribunal da Relação decide não conhecer da reapreciação da matéria de facto fixada na 1.ª instância, invocando o incumprimento das exigências de natureza formal decorrentes do artigo 640.º do Código de Processo Civil, tal procedimento não configura uma situação de omissão de pronúncia.

No mesmo acórdão refere-se que o art.º 640.º, do Código de Processo Civil exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.

Acrescenta-se que este conjunto de exigências se reporta especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC.

Por fim, conclui-se que versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados.

A propósito do conteúdo das conclusões, o acórdão de 11-02-2016, proferido no processo n.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1 (Revista) – 4.ª Secção, refere que tendo a recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna (Cfr. no mesmo sentido acórdãos de 18/02/2016, proferido no processo n.º 558/12.1TTCBR.C1.S1, de 03/03/2016, proferido no processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, de 12/05/2016, proferido no processo n.º 324/10.9TTALM.L1.S1 e de 13/10/2016, proferido no processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1, todos da 4.ª Secção).

No que diz respeito à exigência prevista na alínea b), do n.º 1, do art.º 640.º do Código de Processo Civil, o acórdão de 20-12-2017, proferido no processo n.º 299/13.2TTVRL.C1.S2 (Revista) - 4ª Secção, afirma com muita clareza que quando se exige que o recorrente especifique «[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida», impõe-se que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.

Quanto ao caso em análise no aludido acórdão referiu-se que não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três «blocos distintos de factos» e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.

Acerca da natureza do ónus de alegação, quando se pretenda impugnar a matéria de facto, o acórdão de 09-02-2017, proferido no processo n.º 471/10.7 TTCSC.L1.S1 (Revista – 4.ª Secção), sublinhou que «Ao impor um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, com fundamento na reapreciação da prova gravada, o legislador pretendeu evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância, daí que o prazo acrescido de 10 dias só seja aplicável quando o recorrente o use efetivamente para impugnar a matéria de facto».

Finalmente, na linha da doutrina (Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016-3.ª Edição, Almedina, pág. 142), o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que quando o recorrente não cumpra o ónus imposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito (Cfr. acórdãos de 7/7/2016, proferido no processo n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1 e de 27/10/2016, proferido no processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, ambos da 4.ª Secção).

Mais recentemente, a propósito desta problemática, a Secção Social deste Supremo Tribunal voltou a sublinhar:

- A alínea b), do n.º 1, do art.º 640.º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.

- Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna. (Acórdão de 19-12-2018, proferido no Proc. n.º 271/14.5TTMTS.P1. S1 e Acórdão de 05-09-2018, proferido no Proc. n.º 15787/15.8T8PRT.P1. S2.)

- Da conjugação do art.º 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Civil, com o disposto no art.º 639.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, resulta que o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto tem de fazer consignar nas suas conclusões os concretos pontos de facto que pretende impugnar e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida. (Acórdão de 31-10-2018, proferido no Proc. n.º 2820/15.2T8LRS.L1. S1.)

- Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

- Limitando-se o Recorrente a afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que, face aos concretos meios de prova que indica, “se impunha uma decisão diversa”, relativamente às questões de facto que impugnara, deve o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não cumprimento do ónus processual fixado na alínea c), do n.º 1, do artigo 640.º, do Código de Processo Civil. (Acórdão de 06-06-2018, proferido no Proc. n.º 1474/16.3T8CLD.C1. S1.)

- Não cumpre o ónus imposto pelo n.º 2, al. a), do artigo 640.º do Código de Processo Civil - indicação exata das passagens da gravação em que se funda a sua discordância - o recorrente que nem indicou as passagens da gravação, nem procedeu à respetiva transcrição e se limitou a fazer um resumo, das partes pertinentes desses depoimentos. (Acórdão de 06-06-2018, proferido no Proc. n.º 125/11.7TTVRL.G1. S1.)

 

- Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração.

- Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art.º 640.º do Código de Processo Civil e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do n.º 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso.

- Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada, mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art.º 640.º, n.º 1, als. a) e c) do Código de Processo Civil, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte. (Acórdão de 16-05-2018, proferido no Proc. n.º 2833/16.7T8VFX.L1. S1.)

- A exigência, imposta pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.

- Não cumpre aqueles ónus o apelante que, nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto que pretendia impugnar, limitando-se a transcrever as declarações, a mencionar documentos, tomando como referência determinados tópicos que elencou. (Acórdão de 11-04-2018, proferido no Proc. n.º 789/16.5T8VRL.G1. S1.)

̶  As coordenadas estabelecidas pelo Supremo Tribunal de Justiça no que concerne à interpretação do disposto no artigo 690.º do Código de Processo Civil, referente ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, visam evitar soluções que possam conduzir a uma repetição total do julgamento, em virtude de recursos genéricos contra uma decisão da matéria de facto alegadamente errada, observando-se assim a opção do legislador de viabilizar apenas uma reapreciação de questões concretas, relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente, permitindo deste modo um efetivo exercício do contraditório por parte do recorrido.

̶ A verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, no que respeita aos aspetos de ordem formal, deve ser norteada pelo princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.

̶ Não cumprem o ónus imposto pelo art.º 640.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil os recorrentes que não concretizaram, por referência a cada um dos mencionados factos que impugnaram, quais os meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi dada pelo Tribunal de 1.ª Instância, não indicando também a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre a matéria de facto, relativamente a determinados factos impugnados (Acórdão do STJ de 6/11/2019, Processo n.º 1092/08.0TTBRG.G1.S1).

*

Na verdade, toda a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre a problemática em causa é norteada pelo princípio da proporcionalidade, havendo sempre a preocupação de efetuar uma análise rigorosa em face de cada caso concreto.

Nessa linha, as coordenadas estabelecidas pelo Supremo Tribunal de Justiça visam evitar soluções que possam conduzir a uma repetição total do julgamento, em virtude de recursos genéricos contra uma decisão da matéria de facto alegadamente errada, observando-se assim a opção do legislador de viabilizar apenas uma reapreciação de questões concretas, relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente, permitindo deste modo um efetivo exercício do contraditório por parte do recorrido.

Atenta a doutrina e jurisprudência que foram sendo firmadas, podemos concluir que o recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, deve:

– Concretizar cada um dos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

– Especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, sendo que essa concretização deve ser feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos;

– Enunciar a decisão alternativa que propõe; 

– Indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda a sua discordância com o decidido (tratando-se de prova gravada).

*

No caso concreto dos autos temos que dos pontos 25 e 79 dos factos provados resulta terem sido abertos cursos sem autorização da Ré e que a Autora recebeu valores de formandos que pretendiam frequentar esses cursos sem os ter entregado à Ré, nos montantes discriminados no ponto 79 dos factos provados.

Por seu turno, do ponto 77 dos factos provados resulta que a autora recebeu sem registar no caixa da empresa valores de formandos/clientes desta no valor de, pelo menos, € 4.197,39.

A Recorrente na impugnação da decisão proferida sobre a matéria facto, que deduziu, no que concerne aos aludidos pontos pretende demonstrar que da análise da prova documental, no caso as folhas de caixa juntas pela recorrida na sua contestação, referentes ao período de 01.03.2017 a 31.03.2017, consta a existência dos cursos que a recorrida alega não ter conhecimento e pagamentos por conta daqueles cursos, acrescentando que atendendo a esses elementos e face à prova testemunhal, às declarações e depoimento de parte da gerente da ré não se pode extrair que a Recorrente se apropriou das quantias peticionadas, devendo ser dados como não provados os pontos 25, 77 e 79 da matéria de facto dada como provada.

Colocada a questão nestes termos, apesar do acervo factual constante dos pontos 25,77 e 79 dos factos provados, temos que a factualidade impugnada diz, apenas, respeito ao montante fixado na sentença da 1.ª instância como recebido pela Recorrente de formandos e que não foi entregue à Recorrida.

Temos assim, que os concretos meios de prova indicados pela Recorrente são comuns aos factos que foram impugnados, daí que a alegada impugnação em bloco não obstaculize a perceção da matéria que pretende impugnar, pelo que deve ser admitida a impugnação no que se refere aos referidos factos

III

Decisão:

Face ao exposto, acorda-se em conceder a revista, devendo os autos baixar ao Tribunal da Relação, para que seja proferida nova decisão após a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, no que concerne aos pontos 25, 77 e 79 da matéria de facto dada como provada.

Custas pela parte vencida a final.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 19 de maio de 2021.

Chambel Mourisco (Relator)

Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, declaro que as Exmas. Senhoras Juízas Conselheiras adjuntas Maria Paula Moreira Sá Fernandes e Leonor Maria da Conceição Cruz Rodrigues votaram em conformidade.