Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
412/2000.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR
DEVER DE OCUPAÇÃO EFETIVA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA PARCIALMENTE PROCEDENTE
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO.
DIREITO CIVIL -- DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2014, pág. 96-97.
- Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª ed., 111.
- Rodrigues Bastos, Notas ao “Código de processo Civil”, vol. II, 3.ª Edição, 221 e 222; Vol. III, 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 496.º, N.º 1, 562.º, 566.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 636.º, N.º 1, 639.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CP): - ARTIGOS 58.º, N.º 1, 59.º, N.º 1, AL. B)
REGIME JURÍDICO DO CÓDIGO INDIVIDUAL DO TRABALHO (RJCIT), APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 49 408, DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

-DE 07/03/1985, IN B.M.J., 347.º/477.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 05/04/1989, IN B.M.J. 386/446, DE 23/3/90, IN A.J., 7.º/90, 20, DE 12/12/1995, IN C.J., 1995, III/156, DE 18/6/96, C.J., 1996, II/143, DE 31/1/1991, IN B.M.J. 403.º/382.
-DE 7/12/2005, PROC. N.º 05S2850, ACESSÍVEL IN WWW.DGSI.PT .
-DE 15/02/2006, PROC. N.º 05S576, ACESSÍVEL IN WWW.DGSI.PT .
-DE 3/05/2006, PROC. N.º 06S572, ACESSÍVEL IN WWW.DGSI.PT .
-DE 12/09/2007, PROC. N.º 06S4107, ACESSÍVEL IN WWW.DGSI.PT .
-DE 4/03/2009, IN WWW.DGSI.PT,
-DE 7/05/2009, PROC. N.º 09S0156, ACESSÍVEL IN WWW.DGSI.PT .
-DE 26/05/2015, PROC. N.º 1256/13.4TTLSB.L1.S1, ACESSÍVEL IN WWW.DGSI.PT .
-DE 16/06/2016, PROC. N.º 623/05.1TBSLV.E2.S, ACESSÍVEL IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I - Não tendo o R. requerido a ampliação do âmbito da apelação do A., nos termos do art. 636º, nº 1 do CPC, para reapreciação da parte da sentença onde expressamente se consignou que a atribuição do veículo tinha natureza retributiva e que o R. ao privar o A. da sua utilização diminui-lhe ilegalmente a retribuição e que estava obrigado a atribuir-lhe a viatura, a sentença transitou em julgado quanto a esta questão, pese embora o R. tenha sido absolvido da pedida entrega do veículo por se ter considerado não ser já possível a reconstituição in natura, uma vez que o contrato de trabalho tinha, entretanto, cessado.

II – O facto do A. não ter provado o exato valor dos prejuízos que invocara na ação declarativa, mas apenas que os mesmos ocorreram, não impede a condenação do R. em quantia a liquidar posteriormente.

III – Pese embora o DL 49 408 de 29 de novembro de 1969 não contivesse norma que expressamente consagrasse o direito do trabalhador à ocupação efetiva, o mesmo era admitido na doutrina e na jurisprudência, constituindo uma decorrência do estabelecido nos arts. 58º, nº 1 e 59º, nº 1, al. b) da CRP - direito ao trabalho e como forma de realização pessoal.

IV – Tendo o R. mantido o A., que tinha cargo diretivo, durante mais de 16 anos sem lhe atribuir quaisquer funções, com o que fez sentir desautorizado e causado incómodos, é adequada a fixação da indemnização por danos não patrimoniais em € 10.000,00.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

AA intentou a presente ação, sob a forma de processo declarativo comum, contra BANCO BB, SA, depois incorporado no CC – BANCO CC, SA, pedindo que julgada a ação procedente seja o R. condenado nos termos seguintes:

A- no pagamento de:

1. Valor da gratificação determinada nos termos vigentes antes de 11 de Março de 1975, atualizada pelos coeficientes legais de correção monetária vigentes à data da sentença final, ao abrigo do disposto no artigo 551.º do Código Civil, relativamente aos anos de 1980 e seguintes, e cujo valor meramente nominal ficou demonstrado ser de Esc. 39.714.755$00 (trinta e nove milhões, setecentos e catorze mil, setecentos e cinquenta e cinco escudos);

2. Juros de mora sobre a dívida apurada nos termos do número anterior, até ao seu efetivo pagamento;

B- Em alternativa, caso as provas infra requeridas venham a revelar ter o autor direito a montante superior por força do princípio constitucional da não discriminação, no pagamento de:

1. Diferenças entre o valor atualizado ao abrigo do disposto no artigo 551.º do Código Civil, pelos coeficientes legais de correção monetária, da gratificação anual devida ao autor em Abril de 1975 (Esc. 230.000$00), e o valor efetivamente pago a cada um dos outros Diretores do nível 18 - que é o nível do autor correspondente à antiga "classe A" do CCT, nomeados ou colocados em comissão de serviço na direção de estruturas orgânicas do réu, designadas de nível 1, isto é, diretamente dependentes do órgão máximo de gestão, desde 1980 e até à data da sentença final, por via de atribuição de gratificações anuais, subsídio de função, pagamento de despesas pessoais realizadas com "cartão de empresa", atribuição de "cheque-auto" para pagamento de gasolina, e isenção total de horário, cujos montantes só são passíveis de apurar por via das provas requeridas infra;

2. Juros de mora sobre a dívida apurada nos termos do número anterior, até ao seu efetivo pagamento;

C- No cumprimento das obrigações seguintes:

1. Entrega, nos termos acordados, de uma viatura com a qualidade das que têm vindo a ser atribuídas aos Diretores de nível 18, diretamente dependentes do órgão máximo de gestão do réu, com efetiva função de direção de estrutura orgânica de nível 1;

2. Pagamento das despesas que o autor terá de pagar a terceiros, ainda não liquidadas, a apurar nos termos do disposto no artigo 551.º do Código Civil, relativas à viatura que teve de pedir emprestada conforme alegado, e documento junto sob o n° 57, para suprir o incumprimento do réu na substituição da viatura que este lhe afetou por decisão de 26.03.86, e regulamento junto sob o n.º 84;

3. Entrega ao autor, das remunerações de gestão recebidas da C…, pelo réu, cujo valor nunca foi revelado àquele, por valor atualizado nos sobreditos termos;

4. Reintegração do autor em funções diretivas compatíveis com a sua categoria e experiência profissionais;

5. Pagar ao autor, ao abrigo do disposto no artigo. 496.º do Código Civil, indemnização a liquidar nos termos do artigo 569.º do mesmo Código, por esta ser dependente do grau de intenção com que os agentes do réu procederam na violação dos direitos do autor, do tempo que durar a situação de impedimento à sua ocupação efetiva, e do efetivo desagravamento, por parte do réu, no seio da comunidade de trabalho das ofensas feitas ao bom nome e reputação a que o autor tem direito por força das supra invocadas normas constitucionais.

Para sustentar os pedidos alegou a violação do contrato individual de trabalho celebrado em 1 de setembro de 1961 e as suas sucessivas alterações resultantes, no essencial, dos factos seguintes:

- Com a sua destituição, em abril de 1982, do cargo diretivo que ocupava;

- Com a sua suspensão, por deliberação 18/12/1995, do exercício das suas funções;

- Em razão de a partir daquela suspensão não lhe ter sido consentida qualquer função diretiva;

- Por incumprimento do pagamento da prestação remuneratória por isenção de horário de trabalho, a partir de 1980;

- Por não ter sido substituída a viatura que lhe estava atribuída, nos termos contratuais;

- Por ter sido excluído na lista interna de telefones em 1995, não lhe ter sido entregue a placa de prata por 35 anos de serviço, ter sido privado da ligação interna à rede de computadores e excluído das reuniões gerais, retirado o direito à prestação gratuita do serviço de guarda de valores e ter sido excluído do subsídio de função atribuído aos quadros responsáveis por estruturas orgânicas de nível 1.

Conclui que foram violados os seus direitos decorrentes do contrato e os que são inerentes a qualquer pessoa, o bom nome e a reputação. Com esse procedimento a R. “violou os direitos conferidos por normas constitucionais directamente aplicáveis: as dos art.ºs 18.º n.º 1, 25.º n.º 1, 26.º n.º 1, 32.º n.º 10, 58.º n.º 1 e 59.º n.º 1 als. a) e b)”, para depois deduzir os pedidos de condenação da R. acima transcritos.

Realizada a audiência de partes e tendo-se frustrado a conciliação, o R. contestou impugnando os factos em que o A. alicerçou a sua pretensão, para concluir pedindo a sua absolvição dos pedidos.

Notificado da contestação, o Autor respondeu.

Seguiram-se várias vicissitudes processuais (apresentação de vários requerimentos, reclamações e pedidos de reforma de despachos, interposição pelo A. de cinco recursos de agravo, duas reclamações para o Presidente do Tribunal da Relação em razão do deferimento da subida dos recursos, que viu indeferidas, e subsequentes recursos, sem êxito, para o Tribunal Constitucional).

Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida a sentença com a seguinte decisão:

- “Em conformidade, pois, com o que fica exposto, julgo a acção parcialmente procedente e parcialmente improcedente, razão pela qual condeno o réu a pagar ao autor a quantia de € 30.000,00, absolvendo o réu do demais pedido”.

Não se conformando, o A. arguiu a nulidade da sentença e interpôs recurso de apelação, expressando o interesse na subida e apreciação dos cinco recursos de agravo.

Os autos subiram à Relação, que conheceu dos recursos por acórdão de 20/03/2007.

Foi requerida a aclaração e a reforma do acórdão e, subsequentemente, interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, onde os autos voltaram a sofrer várias vicissitudes processuais e de cujas decisões novos recursos foram interpostos pelo A. para o Tribunal Constitucional.

Os autos baixaram à Relação que manteve inalterado o decidido no acórdão de 20/03/2007, nomeadamente o seguinte:

-«Nos termos expostos, acorda-se em:

- julgar improcedentes os primeiro e terceiros recursos de agravo interpostos a fls 514 a 520 e 670 a 682;

- julgar improcedente o segundo agravo na sua vertente respeitante à decisão que mandou desentranhar a resposta à contestação, bem como quanto à nulidade da decisão constante de fls 654 v e 655 que indeferiu o requerido nos pontos nºs 1, 3 e 4 da parte B do requerimento probatório.

- julgar procedente a apelação, na parte respeitante à impugnação da decisão de fls 735 revogando-se, em consequência tal despacho  que decidiu as reclamações sobre a matéria assente e a base instrutória;

- declarar anulados todos os actos processuais subsequentes, incluindo o julgamento e a sentença;

- julgar prejudicada a apreciação do segundo agravo no segmento respeitante à apreciação da indispensabilidade da junção das provas requeridas, nos pontos nºs 1,3 e 4 da parte B do requerimento probatório , a avaliar após a devida rectificação da selecção da matéria de facto.

- julgar prejudicada a apreciação dos quarto e quinto agravos interpostos, respectivamente, a fls 964 a 978 sobre o despacho de fls 934 a 936 e de fls 1129 a 1134 sobre o despacho de fls 1108/ 1108 v ;

- julgar prejudicada a apreciação dos restantes segmentos do recurso de apelação;

- alterar a matéria assente e redacção de quesitos nos termos supra mencionados.

- ordenar o aditamento de novos pontos (quesitos) da Base Instrutória nos termos supra expostos

(...)».

Em cumprimento do acórdão repetiu-se a audiência de julgamento e foi proferida nova sentença, com o seguinte dispositivo:

«Face ao exposto, julgamos a presente acção parcialmente procedente por provada em parte, e em consequência condenamos a R a pagar ao A a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo-a do demais peticionado.

À referida quantia acrescem juros de mora, contados à taxa legal desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

Custas por A e R, na proporção do respectivo decaimento.»

Inconformados, apelaram o A. e o R., tendo o A., para além do mais, arguido a nulidade da sentença e requerido a alteração da decisão sobre a matéria de facto, tendo a Relação proferido a seguinte deliberação:

«Em face do exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar os recursos de apelação interpostos pela A. e pelo R., nos termos seguintes:

I.          Recurso do A.

A - Improcedentes as arguidas nulidades da sentença.

B- Na componente relativa à impugnação da matéria de facto: procedente quanto aos factos 18 e 46, da sentença e deste acórdão, nos termos decididos em II.2.2.2 e constantes da síntese da decisão sobre a impugnação da matéria de facto; improcedente quanto a tudo o mais.

C- Na componente relativa ao erro de julgamento na aplicação do direito aos factos:

1. Parcialmente procedente, condenando-se o R. no pagamento ao Autor da quantia a liquidar em execução de sentença pela não entrega de veículo automóvel, no período compreendido entre a data da citação e 28/12/2002, em indemnização correspondente ao valor da diferença entre os custos que o A. suportou e não suportaria caso o R. tivesse cumprido a obrigação que sobre ele recaia, entregando-lhe um veículo utilitário equivalente ao que atribuía aos directores, para livre utilização pessoal e naquelas condições, nomeadamente, assegurando-lhe 200 litros de gasolina ao mês, a manutenção, reparação ordinária e seguro, nos termos constante II.2.2.3 sob a alínea iv), revogando-se a sentença na parte em que absolveu o R. do pedido formulado em C/1;

2. Improcedente quanto a tudo o mais, mantendo-se a sentença nas demais decisões impugnadas pelo A.

II.        Recurso do R

A- Procedente a arguição da nulidade da sentença na parte em que condenou o R. em juros, que se anula.

B- Na componente relativa ao erro de julgamento na aplicação do direito aos factos: improcedente, mantendo-se a sentença na parte em que condena o “o réu a pagar ao autor a quantia de € 30.000,00”.

Custas: Do recurso do autor: a serem suportadas por A. e R., na proporção do respectivo decaimento, a determinar após a decisão a proferir em liquidação em execução de sentença referida em I/C/1; do Réu.

Do recurso do Réu: a serem suportadas por A. e R., na proporção do respectivo decaimento.»

Não se conformando com esta deliberação o A. e o R. recorreram de revista, não tendo o recurso do A. sido admitido, decisão que foi mantida na reclamação que oportunamente apresentou.

O A. para além de apontar diversas nulidades ao acórdão, que foram indeferidas, requereu diversas retificações que foram parcialmente acolhidas.

O R., perante estas retificações, apresentou novo recurso, reeditando o anteriormente apresentado, impetrando a revogação do acórdão “recorrido na parte em que condenou a Recorrente no pagamento de uma quantia a liquidar em execução de sentença pela não entrega de veículo automóvel, no período compreendido entre a data da citação e 28-12-2002 e numa indemnização por danos não patrimoniais ou, quando assim se não entenda, deve ser fixado montante para tal indemnização não superior a 1.000,00 €”.

O A. recorrido não contra-alegou.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, a Exmª Procuradora-Geral-‑Adjunta emitiu douto parecer no sentido da negação da revista.

Notificadas deste parecer, as partes não responderam.

Formulou o recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

«1. O Recorrente, com o devido respeito - que, aliás, é muito - discorda do douto Acórdão recorrido e, por isso, impugna-o, quer porque entende que os factos provados não permitem impor a condenação, quer porque ainda que esse entendimento fosse correcto, no que respeita à indemnização por danos morais, o valor arbitrado é manifestamente excessivo.

2. O douto Acórdão recorrido julgou parcialmente procedente a Apelação do Autor condenando o ora Recorrente no pagamento da quantia a liquidar em execução de sentença pela não entrega de veículo automóvel, no período compreendido entre a data da citação e 28/12/2002, em indemnização correspondente ao valor da diferença entre os custos que o Autor suportou e não suportaria caso o Réu tivesse cumprido a obrigação que sobre ele recaia, entregando-lhe um veículo utilitário equivalente ao que atribuía aos directores, para livre utilização pessoal e naquelas condições, nomeadamente, assegurando-lhe 200 litros de gasolina ao mês, a manutenção, reparação ordinária e seguro.

3. O aqui Recorrente não pode deixar de discordar do argumento do douto Acórdão recorrido, apresentado sob a forma de nota prévia, segundo o qual se entende por precludido o direito do ora Recorrente impugnar o segmento da douta sentença da 1.ª Instância segundo o qual se verificava a obrigação de “(…) a ré atribuir ao autor uma viatura com a qualidade das que têm vindo a ser atribuídas aos trabalhadores com o nível 18”, por não ter interposto recurso de tal segmento.

4. O segmento da douta sentença que está em causa não constitui qualquer decisão que pudesse se impugnada, em sede de recurso, pelo ora Recorrente. Pelo contrário, trata-se tão só de uma conclusão a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, sem que, contudo, tenha representado qualquer condenação que pudesse o ora Recorrente impugnar.

5. O ora Recorrente, quanto àquele segmento, não ficou vencido em nada, pelo que não poderia, atento o disposto no artigo 631.º do Código de Processo Civil, interpor recurso.

6. Só agora o Réu ficou vencido nesta parte, e, por isso, só agora a pode impugnar, o que faz pela presente Revista.

7. Os factos relevantes para este tema são os que constam dos pontos 15., 25., 26. e 27 da matéria de facto provada e que acima se transcrevem.

8. A factualidade acima transcrita não pode suportar a condenação proferida pelo douto Acórdão recorrido, pois não decorre dali qualquer obrigação que o BB tenha assumido quanto à atribuição de uma viatura automóvel ao Autor, ora Recorrido.

9. O douto Acórdão recorrido deve ser revogado, nesta parte, e substituído por decisão que julgue improcedente o pedido do ora Recorrido, absolvendo-se o Banco Réu do pedido.

10. Merece a pena esclarecer que a douta sentença da 1.ª Instância julgou que estaria extinta a obrigação por impossibilidade superveniente não imputável ao credor-cfr. artigo 790.º, n.º 1 do Código Civil. E fê-lo muito bem.

11. O cumprimento da obrigação cujo cumprimento o Recorrido reclamou do Recorrente - atribuição de uma viatura nos termos descritos - tornou-se impossível em face da cessação do contrato de trabalho do Recorrido.

12. A indemnização a que alude agora o douto Acórdão recorrido foi peticionada pelo Autor sob a forma de "pagamento das despesas que o autor terá de pagar a terceiros, ainda não liquidadas, a apurar nos termos do disposto o artigo 55.º do Código Civil relativas à viatura que teve de pedir emprestada conforme alegado para suprir o incumprimento do réu na substituição da viatura que este lhe afectou por decisão de 26/03/86".

13. O ora Recorrente foi absolvido deste pedido - e bem - por o Tribunal ter entendido que a alegação do Autor não permitia saber qual o beneficio económico que representava a utilização daquela viatura, não sendo caso de recurso ao disposto no artigo 661.º, n.º 2 do Código de Processo Civil dado que este preceito só terá aplicação nos casos em que não seja possível liquidar a obrigação como consequência de não se conhecerem com exactidão as unidade[s] componentes de determinada universalidade ou se ainda se não tiverem revelado ou estarem em evolução algumas ou todas as consequências de determinado facto, no momento da propositura da acção declarativa, o que não é manifestamente o caso.

14. Assim, deve também com este fundamento ser revogado o douto Acórdão recorrido, substituindo-se por decisão que julgue improcedente a acção, também nesta parte, absolvendo o Recorrente do pedido em causa.

15. O presente recurso abrange também a condenação do Recorrente no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de 30.000,00 €.

16. Embora o Recorrente tenha logrado o êxito no recurso que interpôs no que respeita à condenação em juros de mora, que o Autor não tinha peticionado, o douto Acórdão recorrido manteve a condenação em indemnização por danos não patrimoniais, mantendo também o montante da mesma.

17. Para a apreciação deste tema são relevantes os factos vertidos nos 4, 9,10,11, 23 e 24 dos factos assentes que acima se transcrevem.

18. O douto Acórdão recorrido fez uma aprofundada apreciação desta matéria e procedeu a uma ponderação exaustiva dos diversos factos, julgando improcedentes ambos os recursos (do Autor e da Ré) que sobre este tema incidiram.

19. Sempre salvo o devido respeito, o Recorrente insiste nesta Revista que a matéria em causa mereceria apreciação diferente. É que, se ficou provado (ponto 24), que desde Abril de 1986 ao Recorrido não foi cometida nenhuma função Directiva e, desde 1988, nenhumas tarefas concretas, a verdade é que ficou também provado que a relação laboral estabelecida entre o Recorrido e o então BB se pautava por divergências acentuadas, as quais terão motivado que o Recorrido, em 08.11.1982, movesse ao BB uma acção judicial reclamando i) a atribuição de funções próprias da sua categoria de Director; ii) a cessação da situação de despromoção em que o autor se encontrava; e iii) o pagamento de uma indemnização por danos morais (cfr. Ponto 6 dos Factos Provados).

20. Acção essa que, como também ficou provado, foi julgada improcedente por sentença de 23/12/88 entretanto transitada em julgado (cfr. Ponto 7 dos Factos Provados).

21. Parece ao Recorrente que, como já defendeu na sua Apelação, o tema poderia e, salvo o devido respeito, deveria impor uma apreciação mais crítica da prova, designadamente do facto vertido no ponto 24.

22. Recorde-se também a matéria que ficou provada sob o ponto 9, onde consta que em 18 de Dezembro de 1985 três Técnicos Superiores do Gabinete Técnico e quatro funcionários da Secção Administrativa, incluindo o respectivo Chefe de Secção, integrados na Direcção … de que o autor era o Director-‑…, solicitaram por escrito ao Conselho … do BB a sua transferência para outra área do Banco alegando que não lhes era possível continuar a trabalhar sob as ordens do autor pela situação de permanente mal-estar e degradação do ambiente de trabalho que o mesmo causava.

23. E também merece relevo o que ficou provado sob o ponto 10 onde consta que em 17/01/986 o Conselho … do BB mandou abrir um inquérito com vista ao esclarecimento dos factos referidos e decidiu que durante a pendência do referido inquérito o autor regressaria exclusivamente às suas funções de Director … ficando a coordenação da Direcção … a cargo do membro do Conselho de Gestão que tinha o pelouro dessa Direcção.

24. Mais: também interessa a matéria provada sob o ponto 11., onde consta que após conclusão desse inquérito, o Conselho de …. do BB deliberou, em 23.04.986, mandar regressar o Senhor Dr. AA às suas funções de Director ….

25. E, ainda, a matéria vertida no ponto 23., onde ficou a constar que a partir de 1985, o autor manifestou dificuldades de relacionamento com os seus colaboradores da Direcção … e, em razão desse facto, a capacidade profissional daqueles (da equipa) não era aproveitada pelo então BB a 100%.

26. O facto provado sob o ponto 23., quando analisado em singelo, poderia induzir a conclusão a que chegou a 1.ª Instância e que é confirmada pelo douto Acórdão recorrido, muito embora com uma ponderação mais profunda.

27. O Recorrente mantém a discordância da douta decisão pois, ponderados os demais factos provados, deveria o Tribunal a quo ter concluído que o contexto em que os factos ocorreram era pautado por um certa degradação da relação laboral estabelecida entre o Recorrido e o BB, tendo aquele uma precepção sobre os direitos que lhe assistiam que, ao que parece e tendo em conta a improcedência da acção que moveu ao BB, estaria errada.

28. Deveria o Tribunal a quo valorar mais - e, salvo o devido respeito, na justa medida da sua relevância - que o Recorrido assumira um confronto com o seu empregador - o então BB - por razões que não lhe vieram a ser reconhecidas pelo Tribunal, sendo esse o contexto em que a falta de exercício de funções terá ocorrido.

29. Pelo exposto, o Recorrente discorda do douto Acórdão recorrido, reiterando que, atenta a factualidade provada, deverá concluir-se que o Recorrente não agiu com culpa, falecendo, por isso, um dos requisitos fundamentais da responsabilidade civil de acordo com o disposto no artigo 483.º do Código Civil.

30. Também agora o douto Acórdão recorrido deve ser revogado, dando-se provimento ao recurso do Recorrente e, consequentemente, absolvendo-se o Recorrente deste pedido.

31. De acordo com o disposto no artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil, a obrigação de indemnizar decorre dos danos sofridos pelo lesado em virtude da violação do seu direito.

32. Nos presentes autos, a matéria de facto provada, no que respeita a danos sofridos pelo Recorrido, ficou vertida no facto 47, onde consta que após 17 de Abril de 1985, o autor sentiu-se desautorizado e incomodado.

33. Nada mais o ora Recorrido provou no que respeita a eventuais danos que pudesse ter sofrido.

34. O que o Recorrido alegou e provou ainda foi (Facto 48) que após 17 de Abril de 1985 continuou a apresentar-se pontualmente no seu gabinete no edifício da ré na Avenida …, n.º …, em Lisboa.

35. Quer isto dizer que os danos que terão sido sofridos pelo Recorrido se resumem a um sentimento de desautorização e a um incómodo, danos que por si só, salvo o devido respeito, não justificam qualquer indemnização.

36. E, seguramente, não podem fundamentar uma indemnização por danos não patrimoniais no montante que foi fixado na 1.ª Instância e confirmado pelo Tribunal a quo, pois, mesmo que fosse de arbitrar ao Recorrido uma indemnização por danos não patrimoniais, tal indemnização, considerando toda a matéria de facto em causa, não deveria ascender a montante superior a 1.000,00 €.

37. Deve, pois, também por esta razão, revogar-se, nesta parte, o douto Acórdão recorrido, ou substituir-se por outra decisão que fixe montante não superior a 1.000,00 €.

38. Decidindo como decidiu, o douto Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 21.º, n.º 1, alínea c) do RJCIT e nos artigos 483.º, 494.º, 496.º, 798.º e 799.º do Código Civil.”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Os presentes autos respeitam a ação comum e foram instaurados em 11/12/2000.

O acórdão recorrido foi proferido em 3/12/2014, tendo sido objeto de retificações mediante acórdão proferido em 11/03/2015.

Os factos sob julgamento ocorreram até ao ano de 2000.

Assim sendo, são aplicáveis:

•         O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, com exceção do regime da dupla conforme, atento o disposto no art.º 7.º, n.º 1 da referida lei.

•         O Código de Processo do Trabalho (CPT), na versão anterior àquela que resultou da revisão operada pelo DL n.º 295/2009, de 13 de outubro, entrada em vigor em 1 de janeiro de 2010 e inaplicável às ações iniciadas antes da sua entrada em vigor (artigos 6º e 9º, n.º 1, do DL n.º 295/2009, de 13 de outubro).

•         O Regime Jurídico do Código Individual do Trabalho (RJCIT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas pelo recorrente, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se deve manter-se a condenação do R. no pagamento de uma quantia a liquidar em execução de sentença pela não entrega de veículo automóvel, no período compreendido entre a data da citação e 28/12/2002;

2 – Se deve ser mantida a condenação do R. no pagamento da indemnização de € 30.000,00 por danos não patrimoniais.

4 – FUNDAMENTAÇÃO

4.1 – OS FACTOS

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

“1.O autor foi admitido ao serviço do BB em 1 de Setembro de 1961, com a classe H do CCT do Sector Bancário, então em vigor, tendo sido colocado na agência urbana desse Banco sita em ....

2.Com efeitos a partir de 2 de Dezembro de 1961, o autor foi transferido para a Sede e, em 30/12/61, foi colocado na Secção de Contabilidade.

3.O autor ascendeu:

em 1 de Setembro de 1962, à classe G;

em 1 de Setembro de 1963, à classe F;

em 1 de Janeiro de 1964, à classe D;

em 1 de Janeiro de 1965, à classe C;

em 1 de Janeiro de 1966, à classe B;

em de Janeiro de 1967, ascendeu à classe A.

4.Em 01.03.68 o autor foi promovido a Adjunto da Direcção-…e tendo sido promovido e colocado posteriormente nas categorias e funções de Subdirector-…, em 28.03.69; Director-…, em 01.01.71; Director …., em 19.04.72; Director de …; Director …, em 27.08.80; Director …, em 30.06.81; Director …, em 03.05.82; Director-…, em 03.02.83; Director …, em 12/09/90; Director …, em 31/05/95; Director, em 19/02/97.

5.O Conselho de Gestão do BB, por deliberação de 16.04.82, nomeou o autor como Director …, com efeitos a partir do dia 3 de Maio imediato e cometeu a responsabilidade pela Direcção … a um outro Director ….

6.Irresignado com o facto de ter deixado de ser responsável pela Direcção de …, o autor, em 8.11.982, instaurou uma acção judicial contra o BB em que, fundamentalmente, pedia que esse Banco fosse condenado a:

- atribuir-lhe funções próprias da sua categoria de Director;

- cessar a situação de despromoção em que o autor se encontrava;

- pagar-lhe uma indemnização por danos morais.

7.A referida acção foi julgada improcedente por sentença de 23/12/88 entretanto transitada em julgado.

8. Em Outubro de 1984, o BB passou a fazer-se representar pelo autor, Director … do BB, no DD, S.A.R.L.

9.Em 18 de Dezembro de 1985 três Técnicos Superiores do Gabinete Técnico e quatro funcionários da Secção Administrativa, incluindo o respectivo Chefe de Secção, integrados na Direcção … de que o autor era o Director-‑…, solicitaram por escrito ao Conselho de Gestão do BB a sua transferência para outra área do Banco alegando que não lhes era possível continuar a trabalhar sob as ordens do autor pela situação de permanente mal-estar e degradação do ambiente de trabalho que o mesmo causava.

10.Em 17/01/986 o Conselho de Gestão do BB mandou abrir um inquérito com vista ao esclarecimento dos factos referidos e decidiu que durante a pendência do referido inquérito o autor regressaria exclusivamente às suas funções de Director … ficando a coordenação da Direcção de Participações Financeiras a cargo do membro do Conselho de Gestão que tinha o pelouro dessa Direcção.

11.Após conclusão desse inquérito, o Conselho de Gestão do BB deliberou, em 23.04.986, mandar regressar o Senhor Dr. AA às suas funções de Director ….

12.O autor auferiu as seguintes retribuições-base mensais:

1966 – Esc. 7.500$00;

1967 - Esc. 10.000$00;

1968 - Esc. 10.000$00;

1969 - Esc. 12.000$00;

1970 - Esc. 15.000$00;

1971 - Esc. 23.850$00;

1972 - Esc. 27.741$00;

1973 - Esc. 24.741$00;

1980 - Esc. 64.094$00;

1981 - Esc. 74.200$00;

1982 - Esc. 89.300$00;

1983 - Esc. 105.800$00;

1984 - Esc. 127.500$00;

1985 - Esc. 156.400$00;

1986 - Esc. 178.450$00;

1987 - Esc. 197.110$00;

1988 - Esc. 209.300$00;

1989 - Esc. 232.300$00;

1990 - Esc. 261.940$00;

1991 - Esc. 297.100$00;

1992 - Esc. 327.400$00;

1993 - Esc. 345.450$00;

1994 - Esc. 359.300$00;

1995 - Esc. 359.300$00;

1996 - Esc. 375.500$00;

1997 - Esc. 387.700$00;

1998 - Esc. 399.350$00;

1999 - Esc. 412.350$00.

13.A título de gratificação paga após apuramento dos resultados respectivos o autor recebeu:

De 1966 – Esc. 70.000$00;

De 1967 – Esc. 70.000$00;

De 1969 – Esc. 90.000$00;

De 1970 – Esc. 110.000$00;

De 1971 – Esc. 200.000$00;

De 1972 – Esc. 200.000$00;

De 1973 – Esc. 230.000$00.

14.O autor não recebeu qualquer quantia a título de gratificação relativa aos anos de 1975 e seguintes.

15.Em 23/03/86, o BB pôs à disposição do autor um carro utilitário, carro esse que o autor utilizou e que foi substituído por outro, da frota do Banco, conforme despacho de 23/08/1986; este último carro foi utilizado pelo autor até Janeiro de 1997.

16.Em Janeiro de 1995 o BB não inclui[u] o nome do autor na lista interna de telefones relativa ao edifício e andar em que este se encontrava instalado, situação aquela que rectificou em 04/07/2000.

17.Em 1996, o BB não entregou ao autor a placa de prata, em sinal de apreço pelos seus 35 anos de «casa», o que veio a fazer antes da propositura da presente acção.

18.A partir de 1996, o BB deixou de permitir ao autor o acesso à rede interna de computadores. (Alterado pela Relação).

19.O BB prestou ao autor gratuitamente serviço de guarda de valores mas deixou de o fazer.

20.O autor inscreveu-se no Sindicato Nacional dos Empregados Bancários do Distrito de Lisboa em 17/12/2002.

21.O autor passou à situação de reforma em 28/12/2002.

22.As gratificações indicadas na alínea n) foram pagas em função do resultados e como recompensa pelos bons serviços prestados pelo autor e pelo contributo desses serviços nos resultados referidos.

23.A partir de 1985, o autor manifestou dificuldades de relacionamento com os seus colaboradores da Direcção de Participações Financeiras e, em razão desse facto, a capacidade profissional daqueles (da equipa) não era aproveitada pelo então BB a 100%.

24.De 23 de Abril de 1986 para cá, ao autor não foi cometida nenhuma função directiva e que, pelo menos, a partir de 1988, não lhe foram cometidas quaisquer concretas tarefas.

25.Em 1986, o BB atribuiu a Directores Coordenadores, entendendo-se por estes todos os titulares de órgãos directamente dependentes do órgão de gestão, a Directores titulares ou equivalentes e ainda a empregados do nível 18, nível este que o autor detinha, uma viatura utilitária para uso profissional e pessoal, com direito a 200 litros de gasolina/mês, manutenção, reparação e seguro a cargo do réu, ficando ainda a cargo do réu as despesas de aparcamento, estas tão só quando a viatura era utilizada no desempenho de funções e que ao autor foi, então, atribuído um …..

26.Que substituía por viatura nova no termo da amortização, termo da amortização este que era, inicialmente de 3 anos, e logo a seguir de 4 anos.

27.A viatura entregue ao autor na sequência de despacho de 12.08.94 tinha mais de seis anos e tinha sido muito utilizada por parte dos Serviços do Banco ao longo desses seis anos.

28.Desde 1971, o autor tinha acesso à informação geral sobre os dados de gestão do banco e que, a partir de 1990 e até 1996, teve acesso à rede interna de computadores.

29.A partir de 1996, o BB deixou de convidar o autor para as reuniões gerais do quadro directivo.

30.Pelo menos a partir de 1987, no BB alguns elementos directivos de estruturas orgânicas directamente dependentes do órgão máximo de gestão tinham direito a cartão de empresa com um “plafond” anual de crédito, cujo montante não foi possível apurar e que, mediante entrega de facturas em nome do BB, podia ser utilizado para pagar despesas de carácter pessoal efectuadas com viagens, hotéis e restaurantes.

31.Entre 1961 e 1974, o BB prestou aos seus trabalhadores, gratuitamente, serviço de guarda de valores. Entre 1974 e 1988, deixou de lhes prestar gratuitamente esses serviços. A partir de 1988 voltou a prestar gratuitamente os serviços em causa, no entanto, restringiu a trabalhadores que tivessem depositado no BB os certificados de aforro recebidos entre 1988 e 1995, a título de “participação nos lucros”.

32.Em 1996 o BB instituiu unidades orgânicas, directamente dependentes do Conselho de Administração que designou por órgãos de estrutura, cujos titulares, … - nomeou em comissão de serviço e aos quais pagava, pelo exercício dessas funções, em comissão de serviço, um subsídio de função de montante variável e não apurado.

33.Em 1988, o BB, na sequência do despacho do Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças sobre a afectação dos resultados do BB de 1987, deliberou atribuir à Comissão de Fiscalização e a todos os trabalhadores do BB a importância global de 121.200 contos; a partir de 1989 pagou a trabalhadores seus que seleccionou, tendo em atenção o desempenho das suas funções, de acordo com critérios que o BB definiu e que não divulgou, quantias variáveis de ano para ano e que não eram uniformes para todos os trabalhadores da mesma categoria profissional, quantias essas que, entre 1988 e 1995, designou por “participação nos lucros” e pagou mediante a entrega de certificados de aforro; a partir de 1995, designou por “gratificações” e pagou por depósitos em conta; alguns dos trabalhadores seleccionados eram Directores e outros não.

34.O autor, em “curso …” que teve início em 14.10.1968, fazia parte dos respectivos formadores, tendo a seu cargo as aulas teóricas de “operações bancárias e sua técnica” com horário diário das 09:30 às 11:00 de segunda a sexta-feira, e no “Curso …” do ano de 1971, o autor consta como “Director ….

35.A partir de 1 de Janeiro de 1969, o autor exerceu funções de responsável pela Direcção ….

36.Em 1 de Janeiro de 1971, o autor foi promovido a Director.

37.A partir de 15 de Maio de 1971, o autor foi responsável pela implementação do funcionamento do sistema de gestão participativa por objectivos.

38.A partir de 11 de Março de 1977 o autor fez parte da Comissão de Integração do EE no BB.

39.Em 12 de Janeiro de 1983, o autor passou a exercer funções de Director ….

40.Paralelamente com o exercício das funções que lhe estavam cometidas como “Chefe” de “Divisão”, o autor iniciou o estabelecimento de uma rede de relações pessoais com [todos os] agentes da ré no estrangeiro em ordem à captação de recursos financeiros junto dos não residentes.

41.Nos anos de 1971 a 1974, a Administração da ré propôs ao autor aceitar o desempenho de gestão da liquidez e dos rácios de cobertura da[s]  responsabilidades perante terceiros.

42.Funções essas que vinham sendo exercidas em parceria pelo Administrador–‑Delegado e pelo Presidente do Conselho de Administração da ré, com apoio das Direcções de Inspecção, Contabilidade e de “Operações de Estrangeiro”.

43.O Conselho de Administração do BB resolveu, em relação a seus empregados, colocados nas Classes G e H efectuar alterações com efeitos a 01.09.1963, alterações que consistiram, entre o mais (…) b) empregados colocados na letra G em 1962, com classificação de Bom – 2.200$00; com classificação de Muito Bom – 2.400$00, e com classificação de “Óptimo”, onde se situava o autor, promove-lo à letra F, com o vencimento de 2.750$00 mensais.

44.A partir de 01.09.1963, a autor passou a receber da ré uma gratificação anual, de montante não apurado excepto quanto ao que resulta do ponto 13 supra e resposta ao quesito 1.º; desde então a ré suportava os valores dos impostos profissional e complementar devidos pelo autor.

45. Entre 1971 e 1974, a Ré pagava ao autor os valores por este devidos a título dos impostos profissional e complementar.

46. Em 17 de Novembro de 1999, o autor remeteu ao Conselho de Administração da Ré a carta constante de fls. 145/146 dos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidos, que a Ré recebeu no dia 18.11.1999. (Alterado pela Relação).

47. Após 17 de Abril de 1985, o autor sentiu-se desautorizado e incomodado.

48.Após 17 de Abril de 1985, o autor continuou a apresentar-se pontualmente no seu gabinete no edifício da ré na Avenida …, n.º …, em Lisboa.”

4.2 - O DIREITO

Vejamos então as referidas questões que constituem o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]).

4.2.1 – Se deve manter-se a condenação do R. no pagamento de uma quantia a liquidar em execução de sentença pela não entrega de veículo automóvel, no período compreendido entre a data da citação e 28/12/2002.

Consignou-se na sentença:

«(...) Conforme se vem entendendo, a atribuição de veículo automóvel ao trabalhador constitui verdadeira retribuição quando concedida em contrapartida do seu trabalho e tem essa natureza quando correm pela entidade patronal as despesas do veículo, manutenção e seguros e o trabalhador pode fazer uso dele para transporte seu do serviço para casa e vice-versa, utilizá-lo nos fins-de-semana e destiná-lo ao seu uso estritamente pessoal, gratuito, nomeadamente nos feriados e férias, sem que lhe seja exigida a apresentação de relatórios da quilometragem percorrida (Acórdãos do STJ de 22/11/94, BMJ, n.º 441, pág. 133, de 23/11/94, CJ/STJ, Ano II, T. 3, pág. 297 e de 24/10/2001, AD 486, pág. 912).

No caso dos autos, verifica-se que o veículo automóvel que o BB atribuiu ao autor era utilizado para fins pessoais e profissionais custeando o BB as despesas inerentes à utilização dessa viatura - manutenção, reparação e seguro a cargo do réu, ficando ainda a cargo da ré as despesas de aparcamento, estas tão só quando a viatura era utilizada no desempenho de funções.

Dúvidas não restam, pois, que a atribuição da viatura reveste, no caso do autor trabalhador com o nível 18 a natureza retributiva, de prestação em espécie, representando um acréscimo real da retribuição mensal efectiva do autor.

E sendo assim, como é, o facto de o BB ter privado o autor da utilização dessa viatura traduziu-se numa diminuição da retribuição mensal do autor e, consequentemente, numa violação do princípio consagrado no artigo 21.º n.º 1 al. c) do RJCIT e na alínea c) do n.º 1 da cláusula 30.a do ACTV.

Deveria, por conseguinte, a ré atribuir ao autor uma viatura com a qualidade das que têm vindo a ser atribuídas aos trabalhadores com o nível 18.»

Pese embora esta conclusão, o R. não foi absolvido do respetivo pedido por se ter entendido que, tendo o contrato cessado por caducidade em 28/12/2002, «a referida obrigação do réu se deve considerar extinta por impossibilidade superveniente não imputável ao credor - artigo 790.º, n.º 1 do Código Civil».

O A. não se conformou com esta absolvição e na sua apelação pediu a condenação do R. no respetivo pedido indemnizatório.

O R., porque vencedor conformou-se não tendo requerido, sequer, a ampliação do âmbito do recurso.

No acórdão recorrido referiu-se em fundamento da decisão:

«Duas notas prévias. Em primeiro lugar, não tendo o R. recorrido, quanto a este pedido transitou em julgado a sentença até ao ponto em que entendeu que “Deveria, por conseguinte, a ré atribuir ao autor uma viatura com a qualidade das que têm vindo a ser atribuídas aos trabalhadores com o nível 18”. Em segundo lugar, embora a acção tenha sido proposta em 11.12.2000, o acto de propositura da acção não produz efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação (art.º 267.º n.º2, do CPC), pois é a partir daí que tomou conhecimento da acção e foi confrontado com os pedidos, entre eles, de entrega de viatura “com a qualidade das que têm vindo a ser atribuídas aos Directores de nível 18 (…)”.

Na revista, contrapõe o R. que “4. O segmento da douta sentença que está em causa não constitui qualquer decisão que pudesse se impugnada, em sede de recurso, pelo ora Recorrente. Pelo contrário, trata-se tão só de uma conclusão a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, sem que, contudo, tenha representado qualquer condenação que pudesse o ora Recorrente impugnar.

5. O ora Recorrente, quanto àquele segmento, não ficou vencido em nada, pelo que não poderia, atento o disposto no artigo 631.º do Código de Processo Civil, interpor recurso.

6. Só agora o Réu ficou vencido nesta parte, e, por isso, só agora a pode impugnar, o que faz pela presente Revista.»

Vejamos.

Foi entendido e expressamente consignado na sentença que a atribuição do veículo tinha natureza retributiva e que o R. ao privar o A. da sua utilização diminui-lhe ilegalmente a retribuição e, bem assim, que estava obrigado a atribuir-lhe uma viatura com a qualidade das que têm vindo a ser atribuídas aos trabalhadores com o nível 18 e demais prestações conexas. O R. só não foi condenado no cumprimento desta obrigação por se ter entendido não ser já possível a reconstituição in natura, pelo facto do contrato ter cessado.

É assim evidente que o R., embora vencendo, decaiu quanto ao fundamento invocado pelo A. e contestado pelo R., de que lhe assistia o direito à atribuição da viatura.

Estabelece o art. 639º, nº 1 do CPC, sob a epígrafe “Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido”:

“No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.

A este propósito refere Abrantes Geraldes ([5]):

«[P]ode não ser de todo indiferente para a manutenção do resultado expresso através da decisão recorrida o modo como o tribunal a quo a fundamentou se acaso vierem a ser acolhidos pelo tribunal ad quem questões suscitadas pelo recorrente. Neste caso, se porventura fosse vedada ao recorrido a possibilidade de promover a ampliação do objecto do recurso, poderia ver-se definitivamente prejudicado num momento em que já não teria capacidade para reagir.

(…)

É verdade que, mais do que os fundamentos, o importante para a parte que deduz uma pretensão ou que a contradita, é o resultado final que fica condensado na conclusão da sentença. Daí que, não sendo esta impugnada e traduzindo-se o interesse em discussão no modo como foi acolhido na decisão, com os efeitos delimitados pelo caso julgado assim formado, é indiferente para a parte vencedora a eventual rejeição de algum ou mesmo de todos os fundamentos que tenha invocado para sustentar a sua posição, tal como lhe é indiferente a omissão de pronúncia sobre os argumentos determinada pela inocuidade em face da concreta resposta judiciária.

Não assim quando a parte vencida, na perspectiva do resultado final da acção, interponha recurso da decisão. Nesta eventualidade, já não é indiferente para a contraparte a resposta que o tribunal a quo deu ou deveria ter dado aos fundamentos de facto ou de direito por si invocados. Na verdade, se acaso o tribunal ad quem reconhecer razão aos fundamentos invocados pelo recorrente, pode revelar-se importante para a defesa dos interesses do recorrido que também se pronuncie sobre as questões que oportunamente esgrimiu e que foram objecto de resposta favorável.

(…)

A solução legal prevista para situações de sucumbência circunscrita aos fundamentos da acção ou da defesa proporciona à parte vencedora, com total razoabilidade, a possibilidade de suscitar a reapreciação de questões em que tenha decaído, esconjurando os riscos derivados de uma total adesão do tribunal de recurso aos argumentos do recorrente.»

Assim, não tendo o R. requerido a ampliação do âmbito do recurso do A. por forma a ver reapreciada a questão do direito deste à atribuição do veículo que foi reconhecido na sentença, esta transitou em julgado quanto a ela, não merecendo censura o referido entendimento da Relação ([6]).

Doutro passo, pugna o recorrente pela manutenção da tese da 1ª instância de extinção da obrigação por impossibilidade superveniente não imputável ao credor, nos termos do art. 790º, nº 1 do CC.

Sobre esta questão pode ler-se no acórdão revidendo:

«Há que reconhecer razão ao A., quando defende que o Tribunal a quo aplicou indevidamente o art.º 790.º do CC.

Afirma-se nesta disposição que a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor (n.º1).

Como elucida Antunes Varela, a impossibilidade pode ser objectiva ou subjectiva e total ou parcial: “A prestação torna-se impossível quando, por qualquer circunstância (legal, natural ou humana), o comportamento exigível do devedor se torna inviável (...)» [Das Obrigações Em Geral, Vol. II. 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1980, p. 67].

Ora, entre a citação da Ré e a caducidade do contrato de trabalho nenhum obstáculo existia a que o R. decidisse cumprir a obrigação contratual, que veio a reconhecer-se ser devida, entregando ao A. uma viatura “com a qualidade das que têm vindo a ser atribuídas aos Directores de nível 18 (...)”. A obrigação cessaria com a caducidade do contrato de trabalho, posto que a partir desse facto deixava de ser devida.

Não foi essa a opção do R., mas tal não pode significar que não possa ser cumprida, já não através da entrega do veículo, mas antes através de indemnização do prejuízo causado pelo incumprimento.

Estamos, pois, perante um caso de incumprimento imputável ao devedor, enquadrável no disposto no art.º 798.º do CC, onde se dispõe: “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.

Como elucida o mesmo autor, “[A] principal sanção estabelecida para o não cumprimento consiste, portanto, na obrigação de indemnizar o prejuízo causado ao credor”, contudo, para tanto sendo necessário que o não cumprimento lhe seja imputável, significando isso a verificação de vários pressupostos, nomeadamente “o facto objectivo do não cumprimento (..); a culpa; o prejuízo sofrido pelo credor; o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo” [Op. cit., p. 90/91].

A ilicitude resulta, no domínio da responsabilidade contratual, da relação de desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado. No caso, deveria o R, ter cumprido a obrigação de entregar ao A. uma viatura automóvel “com a qualidade das que têm vindo a ser atribuídas aos Directores de nível 18 (..)”, mas não o fez.

A culpa significa actuar em termos de a conduta do devedor ser pessoalmente censurável ou reprovável, sendo que tanto pode ser dolosa como negligente. Contudo, no caso do não cumprimento da obrigação, é ao devedor que “Incumbe (...) provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua” [art.º 799.º, n.º1, do CC]. A presunção legal é ilidível, mas o R. nada alegou nem demonstrou para a afastar.»

Subscrevemos estas considerações.

Estabelece o art. 562º do CC, que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

Ora, tendo o contrato cessado não pode a obrigação ser cumprida in natura, ou seja, não pode o R. ser condenado a proporcionar ao A. o veículo nos termos e para os fins que vêm sendo referidos.

Todavia, nos termos do art. 566º, nº 1 do CC, “a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível…”.

Invoca o R., noutra vertente, que “12. A indemnização a que alude agora o douto Acórdão recorrido foi peticionada pelo Autor sob a forma de "pagamento das despesas que o autor terá de pagar a terceiros, ainda não liquidadas, a apurar nos termos do disposto o artigo 55.º do Código Civil relativas à viatura que teve de pedir emprestada conforme alegado para suprir o incumprimento do réu na substituição da viatura que este lhe afectou por decisão de 26/03/86".

13. O ora Recorrente foi absolvido deste pedido - e bem - por o Tribunal ter entendido que a alegação do Autor não permitia saber qual o beneficio económico que representava a utilização daquela viatura, não sendo caso de recurso ao disposto no artigo 661.º, n.º 2 do Código de Processo Civil dado que este preceito só terá aplicação nos casos em que não seja possível liquidar a obrigação como consequência de não se conhecerem com exactidão as unidade[s] componentes de determinada universalidade ou se ainda se não tiverem revelado ou estarem em evolução algumas ou todas as consequências de determinado facto, no momento da propositura da acção declarativa, o que não é manifestamente o caso.”

Relativamente à atribuição do veículo e prestações em espécie conexas, o A. formulou na alínea C dois pedidos distintos:

“C- No cumprimento das obrigações seguintes:

1. Entrega, nos termos acordados, de uma viatura com a qualidade das que têm vindo a ser atribuídas aos Diretores de nível 18, diretamente dependentes do órgão máximo de gestão do réu, com efetiva função de direção de estrutura orgânica de nível 1;

2. Pagamento das despesas que o autor terá de pagar a terceiros, ainda não liquidadas, a apurar nos termos do disposto no artigo 551.º do Código Civil, relativas à viatura que teve de pedir emprestada conforme alegado, e documento junto sob o n° 57, para suprir o incumprimento do réu na substituição da viatura que este lhe afetou por decisão de 26.03.86, e regulamento junto sob o n.º 84;”

Sobre o pedido formulado em 1, pronunciou-se a 1ª instância, como vimos referindo, no sentido do R. estar obrigado à sua atribuição, embora não tenha sido proferida a consequente condenação por se ter considerado extinta a obrigação por impossibilidade de cumprimento mercê da cessação do contrato.

Relativamente ao 2º pedido consignou-se na sentença, sob a epígrafe “C2) Pagamento das despesas que o autor terá de pagar a terceiros, ainda não liquidadas, a apurar nos termos do disposto no artigo 55.º do Código Civil, relativas à viatura que teve de pedir emprestada conforme alegado para suprir o incumprimento do réu na substituição da viatura que este lhe afectou por decisão de 26/03/86, e regulamento junto sob o n.º 8”:

«Esta pretensão do autor improcede, demonstrado que não está - e não foi sequer alegado pelo autor como lhe competia (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil) qual o benefício económico correspondente à atribuição ao autor da viatura em causa para o seu uso particular.

É que essa atribuição só integra o conceito de retribuição na medida exacta do benefício económico que daí resulta para o trabalhador (Acórdãos da Relação de Lisboa, de 05/05/93, CJ, Ano XVIII, T. 3, pág. 168, do STJ, de 23/11/94, CJ/STJ, Ano II, T. 3 pág. 297, já citado e do STJ, de 05/03/97, CJ/STJ, Ano V, T. 1, pág. 290).

Ora, a este respeito, o autor nada de concreto alega, limitando-se a afirmar, que para suprir o incumprimento da ré na substituição da viatura que este lhe afectou teve de pedir emprestada uma viatura.

Sem elementos que permitam saber qual o benefício económico que representava para o autor a utilização da viatura que o BB tinha atribuído ao autor, conclui-se que a causa de pedir a este respeito invocada pelo autor, conexionada com o pedido conduz em termos lógicos à improcedência da pretensão do autor de receber qualquer quantia pela privação desse uso.

E não é caso de remeter para execução de sentença, ao abrigo do disposto no artigo 661.º n.º 2 do Código de Processo Civil, o apuramento dessa quantia.

Na verdade, este dispositivo só permite remeter para execução de sentença quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, mas entendida esta falta de elementos não como a consequência do fracasso da alegação ou prova, na acção declarativa, sobre o objecto ou a quantidade mas sim como a consequência de ainda se não conhecerem com exactidão, as unidades componentes de determinada universalidade ou de ainda se não terem revelado ou estarem em evolução algumas ou todas as consequências de determinado facto, no momento da propositura da acção declarativa, o que não é manifestamente o caso.»

Como se vê, o R. foi absolvido do pagamento das despesas que o autor terá de pagar a terceiros… relativas à viatura que teve de pedir emprestada conforme alegado para suprir o incumprimento do réu na substituição da viatura, pese embora o tenha sido com o fundamento de que o A. não provou qual o benefício económico correspondente à atribuição… da viatura em causa para o seu uso particular.

Ora, o não reconhecimento do direito ao ressarcimento das despesas, cuja ocorrência nem foi provada, não afeta o direito que foi reconhecido, à atribuição da viatura ou à correspondente indemnização em dinheiro, como decidido pela Relação, a liquidar posteriormente porquanto, embora se tivesse provado o dano, os autos não contêm elementos suficientes para a respetiva quantificação, como vem sendo jurisprudência consolidada desta 4ª Secção ([7]).

Pelo referido a revista improcede nesta parte.

4.2.2 – Se deve ser mantida a condenação do R. no pagamento da indemnização de € 30.000,00 por danos não patrimoniais.

A 1ª instância condenou o R. a indemnizar o A., no montante de € 30.000,00, por violação do direito à ocupação efetiva, decisão que mereceu o acolhimento da Relação.

Discordando, o R. objeta que deveria ser absolvido ou, quando muito, ser a indemnização fixada em montante não superior a € 1.000,00, tendo em conta os factos provados e a provada degradação da relação que se vinha verificando, quer entre o A. e o R., quer entre aquele e os seus subordinados e, assim, concluir-se que o R. não agiu com culpa, sendo ainda certo que os únicos danos provados se resumem a um sentimento de desautorização e a um incómodo, danos que por si só… não justificam qualquer indemnização.

Referiu-se no acórdão revidendo:

«Estabelece o n.º1 do art.º 496.º do CC “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Como observam Pires de Lima e Antunes Varela, a lei não enumera os casos de danos não patrimoniais que justificam uma indemnização, apenas dizendo que devem merecer pela sua gravidade, a tutela do direito, por isso cabendo “ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica” [Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1987, p. 499].

No Acórdão de 19-04-2012, do Supremo Tribunal de Justiça, procurando exemplificar-se vários casos de danos não patrimoniais, apontam-se “(...) os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”[proc.º 210/06.2TTLSB.L1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt].

O montante de indemnização por danos não patrimoniais é sempre fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta as circunstâncias referidas no art.º 494.º do CC, ou seja, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem. É o que decorre claramente do n.º3, do art.º 496.º.

A esse propósito, elucidam aqueles mesmos autores, que “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso concreto) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada” e “O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” [Op. cit., 501].

No domínio do direito laboral, conforme se escreve no acórdão do Supremo Tribunal de 15/12/2011, “para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador que provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável” [Processo nº 588/08.87TTVNG.P1.S1, conselheiro Pereira Rodrigues, disponível em sumários de acórdãos de 2011,www. stj.pt].

O pedido formulado pelo A. funda-se na violação do direito “à sua ocupação efectiva”, e às “ofensas feitas ao bom nome e reputação”.

Alegou e provou que “Após 17 de Abril de 1985, sentiu-se desautorizado e incomodado” (facto 47), bem assim que após essa mesma data continuou a apresentar-se pontualmente no seu gabinete (facto 48).

O direito à ocupação efectiva veio a ter reconhecimento expresso no CT/03, no art.º 122. al. b): “É proibido ao trabalhador: [b] Obstar, injustificadamente, à prestação de efectiva do trabalho”.

Contudo, como com clareza nos elucida o Acórdão desta Relação e Secção, de 30-‑05-2012, embora tal não acontecesse na LCT – regime vigente relativamente a todo o período em causa da relação laboral – tal não significa que não fosse então reconhecido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência. Escreve-se nesse aresto, que se acompanha, o seguinte:

- «(...) apesar desta lacuna da lei, a jurisprudência e a doutrina foram-no admitindo de forma generalizada, como corolário do direito ao trabalho e do reconhecimento do papel de dignificação social que o mesmo tem, princípios constitucionais que estão consignados nos art. 58.º, nº 1 (todos têm direito ao trabalho) e 59.º, nº 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa (todos os trabalhadores têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a sua realização pessoal).

Assim e na falta de lei expressa, arrancava-se daqui para o reconhecimento da existência dum direito de ocupação efectiva do trabalhador e a que estava vinculada a entidade patronal.

Efectivamente, enquanto o direito ao trabalho tem em vista, fundamentalmente, o direito à ocupação de um posto de trabalho, o direito à ocupação efectiva reporta-se a um momento posterior, na medida em que o que está em causa é a própria realização pessoal do trabalhador através do trabalho.

Deste modo, entendia-se que o trabalhador tinha direito à ocupação efectiva do seu posto de trabalho, como manifestação do direito ao trabalho, com o consequente dever do empregador de o ocupar, não o deixando improdutivo, estando em causa portanto, interesses morais do trabalhador, que tem direito à sua realização pessoal por via do trabalho, pois a sua inactividade traduzia-se na sua desvalorização pessoal, principalmente se revestir carácter prolongado.

Por isso, sendo o trabalho um meio de realização pessoal e tendo em conta que deve ser respeitada a dignidade da pessoa do trabalhador, para a entidade empregadora surge um verdadeiro dever de ocupação efectiva que se traduz num dever de diligência de o conservar condignamente ocupado (Furtado Martins, “Direito e Justiça - Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa” – Suplemento, págs. 182 a 183).

Efectivamente, constituindo o direito ao trabalho o primeiro dos direitos económicos, sociais e culturais, era neste que a doutrina laboralística se estribava para reconhecer ao trabalhador o direito a exercer efectivamente a actividade para que fora contratado e ao desempenho das funções correspondentes à categoria profissional acordada, incluindo-se, assim, no âmbito deste direito a proibição de manutenção arbitrária do trabalhador numa inactividade funcional ou na situação da sua suspensão injustificada (Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª edição, 1993, pág. 315).

Concluímos portanto que, no domínio da LCT e apesar de falta de consagração expressa deste direito do trabalhador, a doutrina e a jurisprudência já o reconheciam, não sendo contudo pacífica a sua fundamentação naquele preceito constitucional.

Assim Menezes Cordeiro, (“Manual de Direito do Trabalho”, 1991, pág. 654), considera que este direito do trabalhador constitui uma mera decorrência do carácter contratual da remissão de dívidas, conforme resulta do art. 863.º do Cód. Civil, acrescentando argumentos derivados do trabalho como meio de realização pessoal.

Nunes de Carvalho, defende a possibilidade da entidade patronal prescindir da actividade de certo ou certos trabalhadores, continuando no entanto a pagar-lhes a retribuição, sendo porém necessário justificar esta conduta em critérios de boa-fé e de objectividade e coerência com a razão de ser do poder de direcção da entidade patronal (RDES, 1991, nºs 3/4, pág. 323).

Jorge Leite justifica o direito à ocupação efectiva como meio de satisfação do interesse próprio e autónomo do trabalhador em exercer a sua actividade profissional, o que só com esse exercício efectivo pode ser satisfeito com plenitude (Revista do MP, vol. 47, págs. 9 a 34) enquanto Monteiro Fernandes se estriba na boa-fé na execução do contrato como fundamento deste direito do trabalhador (“Noções de Direito do Trabalho”, 6ª edição, págs. 190 e segs.).

Barros Moura apela ao direito à realização pessoal através do trabalho para justificar esta pretensão do trabalhador (Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, 1980, 81, pág. 642), enquanto Furtado Martins apela ao princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações conjugado com os valores próprios do direito do trabalho.

Por seu turno, também Bernardo Xavier sustenta que a conduta do empregador em manter um trabalhador inactivo, mesmo pagando-lhe o ordenado, será de censurar quando constituir quebra do dever de boa-fé ou constitua um abuso do direito (“Curso de Direito do Trabalho”, Verbo, 2ª edição, págs. 338 a 339), pronunciando-se ainda neste sentido João Moreira da Silva, (“Direitos e Deveres dos Sujeitos da Relação Individual do Trabalho”, págs. 109 e segs., onde se sustenta que:

Entendemos (...) que o nosso sistema jurídico-laboral consagra um verdadeiro dever geral de ocupação efectiva a cargo do empregador, cuja inobservância injustificada pode ser invocada pelo trabalhador quando este se sinta lesado nos seus legítimos interesses, configurando um verdadeiro direito como manifestação (ou extensão) do direito ao trabalho.

Nesta linha também a jurisprudência vinha reconhecendo ao trabalhador este direito apesar da falta de texto legal que o consagrasse expressamente.

Assim sendo, mesmo sem expressa consagração legal, era unanimemente reconhecido ao trabalhador o direito à ocupação efectiva, violando este direito a empresa que, sem razão justificativa, deixa aquele inactivo (Acs. do STJ de 7.05.2009, recurso nº 156/09 e de 4.11.2009, recurso nº 250/07.9TTGRD.C1.S1, www. dgsi.pt).

(…)

Revertendo ao caso, da conjugação dos factos provados resulta com suficiente clareza que a relação laboral em presença apresenta dois períodos bem distintos. Um primeiro, que se desenvolveu normal e saudavelmente, percebendo-se que nele o A. era merecedor da maior confiança do R., bem assim que esta lhe reconhecia elevadas qualidades profissionais, posto que há uma sucessiva progressão na carreira e a atribuição de funções da maior responsabilidade. E, um segundo, que se terá iniciado no princípio dos anos 80 e perdurou até à caducidade do contrato de trabalho, em 2002, em que a relação laboral se foi deteriorando progressivamente, acentuando-se particularmente em Abril de 1986, quando o R. deixou de cometer funções directivas ao A., para atingir o ponto máximo, pelo menos a partir de 1988, deixando também de lhe atribuir “quaisquer concretas tarefas” (facto 24), daí em diante mantendo-se nesse estado verdadeiramente patológico.

Mas como refere o R., toda esta segunda fase inicia-se num determinado circunstancialismo.

A propositura de uma primeira acção pelo A., em 8.11.92. inconformado por ter deixado de ser responsável pela Direcção …, pedindo a condenação do seu empregador a atribui-lhe funções próprias da sua categoria de Director, a cessar a situação de despromoção e que se encontrava e a indemnizá-lo por danos morais (facto 6), marca o início de um percurso que se revelou irreversível.

Contudo, a acção veio a improceder por sentença de 23-12-1998, transitada a sentença em julgado (facto 7).

Apesar desse litígio, pendente durante 6 anos, os factos provados mostram que o R. numa primeira fase, continuou a atribuir ao A. funções condignas e enquadráveis na sua categoria de Director. Veja-se que o A., que desde 3-05-1982 vinha exercendo funções como Director …, em 03-02-1982, foi nomeado Director-… (facto 4). E, em Outubro de 1984, passou a fazer-se representar pelo A., então Director … do BB, no DD(facto 8).

Note-se, também, que aquelas funções de Director-… foram mantidas até 23-04-1986 (facto 11), data em que o Conselho de Gestão do R. deliberou mandar regressar o A. às suas funções de Director …. Mas para além disso, não pode ignorar-se que há uma razão subjacente a esta decisão, tomada na sequência de um inquérito instaurado em 17-‑01-1986. Com efeito, esse inquérito visou esclarecer o que consta provado sob o n.º 9, em concreto:

- “Em 18 de Dezembro de 1985 três Técnicos Superiores do Gabinete Técnico e quatro funcionários da Secção Administrativa, incluindo o respectivo Chefe de Secção, integrados na Direcção … de que o autor era o Director-…, solicitaram por escrito ao Conselho de Gestão do BB a sua transferência para outra área do Banco alegando que não lhes era possível continuar a trabalhar sob as ordens do autor pela situação de permanente mal-estar e degradação do ambiente de trabalho que o mesmo causava”.

Correlaciona-se com aquele facto o que também consta provado sob o n.º 23, ou seja, que “A partir de 1985, o Autor manifestou dificuldades de relacionamento com os seus colaboradores da Direcção de Participações Financeiras e, em razão desse facto, a capacidade profissional daqueles (da equipa) não era aproveitada pelo então BB a 100%”.

No entanto, se daqui resulta alguma luz, não fica completamente explicado porque razão A. e R. entenderam suportar mutuamente uma relação laboral manifestamente deteriorada durante mais de 16 anos (de 1986 a 2002). O A. pese embora todo o rol de fundamentos que aqui veio invocar. A R. mantendo-o ao seu serviço, retribuindo-o, mas dispensando a correspectiva prestação de trabalho e, até, qualificando-o em categorias, se bem que de cargos esvaziados funcionalmente, já que não lhe atribuía tarefas: Director …, em 12-09-90; Director …, em 31-05-95; e, Director, em 19-02-97.

Neste quadro, atento o que antes se expôs, não poderá deixar de concluir no mesmo sentido da sentença recorrida, isto é, há uma violação do dever de ocupação efectiva, que perdura durante um longo período de 16 anos.»

Concordamos com estes fundamentos.

A relação contratual entre A. e R. desenvolveu-se integralmente na vigência do DL 49 408 (LCT). Embora este diploma não consagrasse de forma expressa o direito do trabalhador à ocupação efetiva, nos termos em que o faz o Código do Trabalho vigente no seu art. 129º, nº 1, al. b) e o fazia o Código do Trabalho de 2003 no art. 122º, al. b), o mesmo era já reconhecido na doutrina, como atrás se viu e, bem assim, na jurisprudência.

Pode ler-se no acórdão desta 4ª Secção de 4/03/2009 (Bravo Serra) ([8]): «E, muito embora, expressamente, naquele regime se não surpreendesse normativo de conteúdo similar ao que agora consta da alínea b) do artº 122º do Código do Trabalho (cfr. o que se regia no artº 21º daquele regime), ou seja, uma imposição legal dirigida ao empregador de obstar, injustificadamente, à prestação efectiva de trabalho, era já considerado, ao menos doutrinalmente, que existia um dever da entidade empregadora a não actuar por sorte a inviabilizar ou obstacular ao desempenho de funções para as quais o trabalhador foi contratado.

Aliás, para além do exercício do trabalho ser uma forma de realização da própria pessoa trabalhadora e, por isso, um esteio da sua própria dignidade, desta sorte se erigindo esse exercício como um direito próprio do trabalhador decorrente, afinal, do seu direito ao trabalho que, inclusivamente a nível constitucional se encontra consagrado (cfr. nº 1 do artigo 58º da Lei Fundamental) [e bem assim, acrescentamos nós, como forma de realização pessoal – art. 59º, nº 1, al. b) da CRP], sempre se poderia erigir o dever de proporcionar essa prestação, como uma obrigação de cumprimento advinda do próprio contrato firmado entre o empregador e o trabalhador.

E, por isso, a existência de tal dever impendente sobre o empregador sempre encontraria arrimo, seja na alínea b) do artº 19º, seja na alínea a) do artº 21º, um e outro do dito regime.»

E no acórdão de 7/05/2009 (Pinto Hespanhol), proc. 09S0156 ([9]): «A Lei Fundamental prevê, no n.º 1 do artigo 58.º, que todos têm direito ao trabalho, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 59.º, que todos os trabalhadores têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal.

Por sua vez, a LCT determinava no artigo 19.º, sob a epígrafe «Deveres da entidade patronal», que a entidade patronal devia proporcionar aos trabalhadores boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral [alínea c)] e contribuir para a elevação do seu nível de produtividade [alínea d)], sendo certo que, o artigo 21.º, com o título «Garantias do trabalhador», proibia à entidade patronal opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exercesse os seus direitos [alínea a) do n.º 1], e o artigo 22.º, epigrafado «Prestação pelo trabalhador de serviços não compreendidos no objecto do contrato», conferia ao trabalhador o direito de exercer a actividade correspondente à categoria para que foi contratado.

Outros afloramentos normativos do dever de ocupação efectiva extraíam-se do estatuído no n.º 1 do artigo 18.º («Princípio da mútua colaboração»), n.º 1 do artigo 42.º («Formação profissional dos trabalhadores») e no artigo 43.º («Selecção dos trabalhadores»), todos da LCT.

A fundamentação do dever de ocupação efectiva poderia, ainda, assentar no princípio geral da boa fé, concretizado no n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil, de acordo com o qual, «[n]o cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé».

Tudo para concluir que, no domínio anterior ao Código do Trabalho de 2003, embora faltasse uma norma expressa que consagrasse o dever de ocupação efectiva do trabalhador, as aludidas disposições permitiam justificar a sua existência, como era admitido na jurisprudência e doutrina, dever esse que configurava um verdadeiro dever de prestação por parte do empregador e se traduzia na exigência de ser dada ao trabalhador a oportunidade de exercer efectivamente e sem quaisquer dificuldades ou obstáculos a actividade contratada (cf., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 12 de Janeiro de 2006, Revista n.º 35/2005, da 4.ª Secção, em que se recenseia outra jurisprudência de interesse).»

Ora, face à factualidade provada, é inquestionável que o R., ao não atribuir funções ao A. violou o direito do A. à ocupação efetiva. E se considerarmos que tal situação perdurou por mais de 16 anos, temos que concluir que se tratou de uma violação grave, como tal indemnizável face ao estatuído no art. 496º, nº 1 do CC.

Mas devendo a indemnização ser decidida com base na equidade, para além da gravidade da violação, importa atender à gravidade dos danos como determina o referido preceito.

Ora, o A. apenas logrou provar que, como consequência da referida violação, sofreu incómodos e sentiu-se desautorizado.

Por conseguinte, considerando a manifesta exiguidade factual, entendemos que a indemnização fixada pelas instâncias é excessiva e consideramos adequada a fixação do seu montante em € 10.000,00, o que se decide.

5. DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Conceder provimento parcial à revista;

2 – Fixar em € 10.000,00 (dez mil euros) a indemnização a pagar pelo R. ao A. a título de danos não patrimoniais.

3 – Confirmar, no mais, o acórdão recorrido.

4 - Condenar o recorrente e o recorrido nas custas da revista, na proporção do vencido, que se fixa em ¾ para aquele e ¼ para este.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 7.09.2017

Ribeiro Cardoso (Relator)

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

________________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2, 608º, n.º 2 e 679º do CPC.
[5] In RECURSOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 2.ª edição, 2014, pág. 96-97.
[6] Cfr. neste sentido o acórdão do STJ de 16/06/2016 (Pires da Rosa), proc. 623/05.1TBSLV.E2.S acessível in www.dgsi.pt: “I - Nada tendo feito a apelada para promover a ampliação do objecto do recurso, nos termos do art. 636.º do NCPC (2013), fica o recurso fechado na questão suscitada pela apelante. II - Não sendo a questão colocada dentro do objecto do conhecimento do Tribunal da Relação, não pode mais tarde a mesma questão ser reinventada para o STJ, porquanto este dirige o seu conhecimento sobre aquilo de que a Relação conheceu.” 
[7] Cfr. os seguintes acórdãos, entre outros (in www.dgsi.pt):
De 15/02/2006 (Pinto Hespanhol), proc. 05S576: “1. O facto do autor, na acção declarativa, pedir a condenação do réu em determinado montante líquido e não ter logrado provar o exacto montante do invocado crédito, não obsta à condenação do réu em quantia a liquidar em execução de sentença”;
De 3/05/2006 (Fernandes Cadilha), proc. 06S572: “III -Provando-se, na competente acção de contrato de trabalho, a existência de uma situação de violação do direito à retribuição, por se ter logrado demonstrar a prestação de trabalho susceptível de uma contrapartida remuneratória, embora sem que se tivesse quantificado os montantes remuneratórios em dívida, há lugar a uma condenação ilíquida, remetendo essa quantificação para execução de sentença, com base no disposto no artigo 661º, n.º 2, do Código de Processo Civil.”
De 7/12/2005 (Fernandes Cadilha), proc. 05S2850: “Provando-se, na competente acção de contrato de trabalho, que o trabalhador exerceu a sua actividade em dias de descanso semanal complementar, embora sem que se tivesse quantificado o número de dias em que essa situação se verificou, há lugar a uma condenação ilíquida, remetendo essa quantificação para execução de sentença por apelo ao disposto no artigo 661º, n.º 2, do Código de Processo Civil.”
De 12/09/2007 (Maria Laura Leonardo), proc. 06S4107: “XI - O facto de o autor, na acção declarativa condenatória, não ter logrado provar o montante líquido pedido, não obsta a que a parte contrária seja condenada na quantia que se vier a liquidar em execução de sentença”.
De 26/05/2015 (Leones Dantas), proc.1256/13.4TTLSB.L1.S1: “V- Em face da insuficiência de elementos para determinar o montante indemnizatório, relativo ao valor de uso de veículo automóvel nada obsta a que se profira condenação ilíquida, com a consequente remissão do apuramento da responsabilidade para momento posterior a incidir apenas sobre aquele valor.”
[8] In www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “I - Embora no âmbito do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 14 de Novembro de 1969 (LCT), não se surpreendesse normativo de conteúdo similar ao da alínea b) do art. 122.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, era já considerado que existia um dever do empregador de não actuar por sorte a inviabilizar ou obstacular ao desempenho de funções para as quais o trabalhador foi contratado, dever este que sempre encontraria arrimo, seja na alínea b) do art. 19.º, seja na alínea a) do art. 21.º, um e outro do dito regime.”
[9] In www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “1. No domínio anterior ao Código do Trabalho, embora faltasse uma disposição expressa que consagrasse o dever de ocupação efectiva do trabalhador, várias normas da ordem jurídica portuguesa permitiam justificar a sua existência, como era admitido na jurisprudência e doutrina, dever esse que configurava um verdadeiro dever de prestação por parte do empregador e se traduzia na exigência de ser dada ao trabalhador a oportunidade de exercer efectivamente e sem quaisquer dificuldades ou obstáculos a actividade contratada.”