Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
550/05.2TBCBR.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: PROVA POR ILAÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONTRATO DE EMPREITADA
DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO
INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS
PRAZO RAZOÁVEL
ACÇÃO DIRECTA
Data do Acordão: 06/14/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Doutrina: - Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 3ª edição, 2º, 72, 5.ª edição, 2º, pág.10, 61; 6ª edição, l. °, pág.571; RLJ, Ano 123, pág.58 nota 2.
- Baptista Machado, in “Resolução por Incumprimento”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, 2º, 386.
- Menezes Cordeiro, in “Direito das Obrigações”, 1980, 1º, pág. 358.
- Pedro Romano Martinez, “Direito das Obrigações -Parte Especial” – Edição de Maio/2000, pág.450.
- Vaz Serra, in RLJ, Ano 108, pág.352.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 349.º, 351.º, 406.º, N.º1, 496.º, NºS 1 E 3, 762.º, N.º1, 828.º, 1207.º, 1208.º, 1211.º, N.º2, 1221.º, 1222.º, 1123.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 514.º, 722.º, N.º 2, 729.º, NºS 1 E 2.
LEI Nº 3/99, DE 13 DE JANEIRO (LOFTJ): - ARTIGO 26.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 31-3-1993, CJSTJ, I-II-54;
-DE 14-3-1995, IN BMJ, 445, 464;
-DE 12-1-1999, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;
-DE 20-1-1999, REVISTA 1003/98-1;
-DE 18-11-1999, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;
-DE 18-1-2001, REVISTA 3516/00-2;
-DE 13-3-2001, REVISTA 278/01;
-DE 10-7-2008, PROCESSO N.º 08A1823, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
Sumário : I. Na definição legal, presunções judiciais são ilações que o julgador tira de um facto conhecido (facto base da presunção) para afirmar um facto desconhecido (facto presumido), segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos científicos, ou da lógica.

II). O Supremo Tribunal de Justiça, cuja competência, em regra, se limita à matéria de direito, não pode sindicar o juízo de facto formulado pela Relação para operar a ilação a que a lei se reporta.

III. É, porém, da competência do Supremo Tribunal de Justiça por ser questão de direito “verificar da correcção do método discursivo de raciocínio” e, em geral, saber se os critérios referidos em I) foram respeitados, ou seja, decidir se, no caso concreto, era ou não permitido o uso da presunção.

IV. O Tribunal da Relação ao responder “Provado” ao quesito – “A ré já não irá proceder à reparação dos defeitos que ficam apontados nos quesitos 20° a 27°?”, fundamentando tal resposta em prova por ilação, por considerar que “passados mais de três anos de insistências junto da ré para que esta reparasse os defeitos (em condições) sem que esta o fizesse, tal situação não vai modificar-se e a ré não irá proceder a qualquer reparação (em condições)” – não violou regras da experiência da vida e da normalidade negocial, sobretudo, tendo em conta as circunstâncias em que os donos da obra actuaram junto do empreiteiro com vista à eliminação de defeitos do imóvel que construiu.

V. Para que o dono da obra se possa substituir ao empreiteiro, na execução das obras, visando eliminar os defeitos da construção, tem que alegar e provar ter sido compelido a realizá-las, por ser caso de “manifesta urgência” e provar ainda que o empreiteiro recusou, ilegitimamente, a eliminação.

VI. Apesar da atempada denúncia dos defeitos da obra comunicada pelos AA. à Ré que os tentou, repetidamente mas sem êxito eliminar, volvidos cerca de quatro anos de infrutíferos esforços dos AA. no sentido da Ré cumprir a sua obrigação, não é exigível que devam recorrer a juízo para obter sentença condenatória da Ré.

VI. A eliminação dos defeitos deve ser feita pelo empreiteiro em prazo razoável, sendo de considerar que, decorridos mais de três anos sem que aquele cumpra eficazmente a sua obrigação, podem os donos da obra, verificada a urgência da reparação, proceder a ela agindo em acção directa.

VII. A actuação da Ré/empreiteira é contrária ao agir de boa-fé, não só por ter recusado a sua prestação, em tempo razoável, mas também, por persistir em afirmar que os AA./donos da obra, apenas podem obter tutela para o seu direito através do iter legal previsto nos arts. 1221º e 1222º do Código Civil.

VIII. Não tendo os AA., donos da obra, alegado quaisquer factos que possam enquadrar dano não patrimonial, tendo unicamente formulado pedido de condenação da Ré por tal dano, não podia a Relação atender esse pedido, considerando ser facto notório que “esperar durante quatro anos pela reparação da casa que iria servir para repouso e lazer dos donos”, demonstra dano não patrimonial.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


            AA e BB, intentaram, em 18.2.2005, pelas Varas Mistas da Comarca de Coimbra – acção declarativa de condenação com processo ordinário – contra:

CC, Lda.

 Alegando, em síntese, que em Setembro de 1999, acordaram com a Ré em esta proceder a diversas obras de remodelação num imóvel dos Autores, pelo preço de 10.138.400$00 (€ 50 570,31), tendo, em 17 de Maio de 2001, sido entregue a obra e sido paga a última prestação do preço à Ré.

 Tendo surgido várias anomalias no imóvel, a partir de Outubro de 2001, o que foi comunicado imediatamente à Ré, que em 2002 procedeu a uma reparação que não eliminou as anomalias, tendo começado nova reparação em Janeiro de 2003 que não concluiu, nunca mais voltando ao imóvel para reparar os defeitos, apesar dos insistentes pedidos feitos pelos autores ao longo dos anos de 2003 e 2004, pelo que não é de esperar que a ré venha a reparar ou substituir os trabalhos, estando irremediavelmente comprometida a confiança dos autores na ré, não sendo exigível a continuação da sua relação contratual.

Concluíram, pedindo a condenação da ré a pagar o montante necessário à reparação dos defeitos, que avaliam em € 20 000,00, bem como a quantia de € 5 000,00 por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros à taxa legal desde a citação.

A Ré contestou, arguindo as excepções de ineptidão da petição inicial e de caducidade, impugnando os defeitos invocados pelos autores, bem como a falta de disponibilidade para proceder a reparações e, alegando ainda, que não é lícito aos autores pedirem o valor da reparação dos defeitos, sem pedir primeiro a reparação, substituição ou redução do preço.

Concluiu, pedindo pela procedência das excepções e a improcedência da acção e a absolvição do pedido.

Os autores replicaram, opondo-se às excepções e mantendo o alegado na petição inicial. 

Foi proferido despacho saneador, que julgou parcialmente procedente a excepção da ineptidão da petição inicial, relativamente ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, julgou improcedente a excepção da caducidade e proferiu sentença conhecendo do pedido, julgando a acção improcedente, por não ter sido cumprida a sequência dos artigos 1221º, 1222º e 1223º do Código Civil, absolvendo a Ré.

Interposto recurso da sentença, foi esta revogada na parte relativa à improcedência dos pedidos e determinou o prosseguimento dos autos.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar aos Autores a quantia de € 8 452,50 acrescidos de IVA, relativa à reparação dos defeitos verificados na moradia, acrescida de juros de mora desde a citação, e a quantia de € 2.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data da sentença.

Inconformada, a Ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por Acórdão de 6.7.2010 – fls. 514 a 530 –, julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença apelada.

De novo inconformada, a Ré recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1ª- O presente recurso de revista vem interposto, ao abrigo do preceituado no n.°2 do art. 721° do Código de Processo Civil, da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra que, confirmando a proferida em 1ª instância, condenou a Ré a pagar aos Autores a quantia de € 8.452,50 (oito mil quatrocentos e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos), acrescidos de IVA (à taxa de 20%), relativos à reparação dos defeitos verificados na moradia, acrescidos de juros de mora à taxa de 4% a contar da citação da Ré e até integral pagamento; e bem assim como a indemnizar os AA. na quantia de € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data da sentença até integral pagamento.

2ª - A factualidade dada como assente pelas instâncias reconduz-se à constante dos pontos 1 a 41.

3ª- A primeira das três as questões que a ora Recorrente pretende submeter à cognição deste Tribunal é a de saber se é lícito às instâncias, dentro das competências que a Lei lhe confere em matéria de facto, o uso das presunções judiciais com vista a suprir a ausência absoluta de prova, por banda daquele sobre quem impendia tal ónus, in casu, os AA.

4ª - Ao quesito nº29 que integra a base instrutória elaborada nos autos com a formulação - “A Ré já não irá proceder à reparação dos defeitos que ficam apontados nos quesitos 20 a 27?” - foi dada a resposta de “Provado”, com o fundamento de que a mesma assenta numa presunção judicial, permitida pelo art. 351º do Código Civil, porquanto, “volvidos mais de três anos de instâncias junto da Ré para que esta reparasse os defeitos, sem que o fizesse, tal situação não vai, modificar-se e a Ré não irá proceder a qualquer reparação”.

5ª - Sendo lícito às instâncias, dentro da competência que a Lei lhes reconhece em sede de matéria de facto, fazerem uso das presunções judiciais; tal uso pode e deve ser sindicado pelo Tribunal de Revista, de molde a permitir a respectiva censura quando o mesmo haja sido feito em condições irregulares, e bem assim quanto ao concreto raciocínio efectuado.

6ª- É entendimento jurisprudencial pacífico que se determinada factualidade que foi quesitada não se provou, não pode a mesma ser dada como provada através de uma presunção de facto.

7ª - No caso dos presentes autos, o Tribunal a quo, aderindo ao entendimento perfilhado pelo Tribunal de 1ª instância, deu como provado um facto do qual resulta que a mora do devedor se havia convertido em incumprimento definitivo; lançando mão de uma presunção judicial que lhe permitiu dar como provado o quesito formulado sob o n.°29 e que agora constitui o facto provado n.°41.

8ª - A prova de que a mora da Ré, ora Recorrente, se havia transformado em incumprimento definitivo, nos termos do preceituado no art. 808° do Código Civil impendia sobre os AA., por força do preceituado no art. 342° do Código Civil, sob pena, de não o fazendo, verem fracassar a respectiva pretensão.

9ª - Em consequência, e porque no que respeita a tal segmento decisório, o Tribunal a quo violou o preceituado nos arts. 342°, 349° e 808° do Código Civil, deve o mesmo ser revogado e substituído por outro que substitua a resposta dada ao quesito 29º (facto provado n.° 41), pela de “Não provado”, decorrente da absoluta falta de prova sobre tal matéria.

10ª - A segunda questão a decidir traduz-se em saber se é possível que no âmbito de um contrato de empreitada o dono da obra reclame do empreiteiro o pagamento do custo de reparação dos defeitos da obra sem recurso à previa condenação de realização da dita reparação, como estatui a disciplina sequencial prevista nos arts. 1221° e 1222° do Código Civil.

11ª - O Tribunal a quo, agasalhando o entendimento perfilhado pelo Tribunal de 1ª Instância decidiu, ao completo arrepio da Jurisprudência deste Supremo Tribunal e bem assim da Doutrina mais representativa, que a não realização da reparação em tempo razoável deve ser equiparada aos casos de urgência na reparação dos defeitos, de que resulta a consequência da preclusão do Direito ao exercício da correcção por banda do empreiteiro, e a legitimação do dono da obra no exercício da reparação com recurso a terceiro e à custa daquele.

12ª - O entendimento deste Supremo Tribunal e bem assim da Doutrina mais representativa é o de que “a não eliminação (provocada) dos defeitos (oportunamente denunciados pelo dono da obra ao empreiteiro) não confere ao dono da obra o Direito de, de per si (directamente) ou por intermédio de terceiro, eliminar os defeitos e reclamar, posteriormente, do empreiteiro o pagamento das despesas efectuadas com tal eliminação, bem como de exigir do obrigado (por antecipação) o adiantamento da verba necessária ao respectivo custeio”— Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 07.07.2010, Proc. 31/04.1 TBTMC.C1, decidido por unanimidade e em que foi Relator o Exmo. Sr. Dr. Ferreira de Almeida e no mesmo sentido, e por todos, Cura Mariano, “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, ed. 2004, p.p. 106/107.

13º - A hipótese legal de execução específica da obrigação conferida ao credor por via do preceituado no art. 828° do Código Civil, sujeita à condição de se tratar de uma prestação de facto fungível, tem de operar pela via judicial, ou seja, só após a condenação do empreiteiro na eliminação dos defeitos da obra e verificada a falta ou recusa de cumprimento, é que o dono da obra pode encarregar terceiro de proceder aquela mesma eliminação.

14ª - Em matéria de regime legal da empreitada, e tal como é o entendimento perfilhado nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.11.2004 (Proc. 04B3608), 21.01.2005 (Proc. 05B1807), de 07.12.2005 (Proc. 05A3423), 19.06.2007 (Proc. 07A1651), de 13.12.2007 (Proc. 07A4040) e de 07.07.2010 (Proc. 31/04.1 TBTMC. S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt., impõe-se ao dono da obra o respeito pela observância do iter sequencial dos arts. 1221° a 1223° do Código Civil, ou seja, o pedido de condenação do empreiteiro na eliminação do defeitos, de redução do preço ou de resolução do contrato.

15ª - No caso dos autos, apura-se que os AA./donos da obra peticionaram sob a alínea a) a condenação da Ré, ora Recorrente, no pagamento da quantia de € 20.000,00 €, correspondente ao montante necessário à total reparação dos defeitos do telhado da casa de Penela.

16ª - Os AA. não alegaram nem provaram tratarem-se de reparações objectivamente urgentes, prementes ou necessárias, e estarem verificados os pressupostos da acção directa, nomeadamente pela impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios coercitivos normais; antes tomando a iniciativa de, ao completo arrepio da lei e apenas por apelo ao seu entendimento pessoal, fixar e reclamar da Ré o quantitativo necessário ao ressarcimento das despesas que decorrem da reparação dos defeitos existentes no telhado da casa.

17ª - A falta de respeito e observância do regime legal da empreitada determina que a decisão proferida quanto a tal segmento, porque violadora das normas contidas nos artigos 1221º a 1223° do Código Civil, seja revogada e substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolva a Ré do pedido formulado.

18ª - A última questão traduz-se em saber se, face à ausência absoluta de factos provados que consubstanciem uma ofensa, sacrifício ou prejuízo dos AA. é possível considerar a existência de dano relevante para efeitos de indemnização por danos não patrimoniais, por apelo à tutela do Direito, concretamente conferida pelo art. 496°, n.°1, do Código Civil.

19ª - Uma vez que, com relevância nesta sede, não ficou provado um único dano; impõe-se a constatação apriorística de que a inexistência de qualquer facto provado que consubstancie o dano prejudica de imediato a análise sobre a relevância dos mesmos para os efeitos indemnizatórios plasmados no art. 496° do Código Civil.

20ª - Por apelo ao ensinamento do Mestre Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, volume I, página 576; Vaz Serra, R.L.J, Ano 109, página 115, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-06-1991; BMJ 408, 538, de 09-12- 2004; CJSTJ 2004, Tomo III, página 137; de 11-07.2007, processo n.°1583/07 – 3ª, de 26-06-2008, CJSTJ 2008, Tomo II; pág. 131, por via do qual se diz que – “É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as situações do caso concreto, mas afastando-se os factores subjectivos, susceptíveis de sensibilidade exacerbada (...), o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado”, não pode a Recorrente aceitar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, no que respeita à condenação em indemnização por danos não patrimoniais.

21ª- A decisão posta em crise estriba-se no entendimento de que “a espera dos autores durante cerca de quatro anos pela reparação dos defeitos de uma casa, que iria servir para repouso e lazer, constitui um dano de natureza não patrimonial que merece a tutela do Direito”,

22ª - Tal ilação não encontra qualquer suporte factual, traduzindo-se em mera e cómoda adesão ao que havia sido entendido pelo Tribunal de 1ª Instância; porquanto, nem ficou provado que em virtude dos defeitos existentes na casa dos AA., estes tivessem ficado impedidos de fruir essa casa, nem sequer que tal situação lhe tenha causado incómodo.

23ª - A falta de prova quanto ao dano impede a determinação da respectiva gravidade por apelo ao legalmente exigido padrão objectivo.

24ª- Ainda, que sem conceder quanto à explicitada falta de prova, sempre seria de questionar até que ponto um eventual incómodo assume a gravidade necessária ao desencadear da tutela do Direito.

25ª - Não é licito concluir, como concluiu o Tribunal recorrido, por mera convicção que “uma situação destas causa sofrimento às pessoas”; até porque, no campo das hipóteses, será possível admitir que tratando-se a casa em questão de uma casa de fim-de-semana, onde os AA. só se deslocavam pontualmente (vide facto 13 dado como assente), tal se traduzisse numa questão inócua para os efeitos previstos no art.496° do Código Civil.

26º— Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os dispositivos ínsitos nos arts. 496° do Código Civil e 659°, n°2, do Código de Processo Civil, pelo que deve tal segmento decisório, à semelhança dos anteriores, ser revogado e substituído por outro que absolva a Ré do pedido indemnizatório por danos não patrimoniais contra si formulado.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1. Em Setembro de 1999, os ora autores celebraram com ré, sociedade comercial por quotas que se dedica à construção civil, um contrato de empreitada destinado à remodelação de um prédio urbano sito na localidade de …, em Penela – (A).

2. Constavam como obrigações da ré as mencionadas no orçamento por ela apresentado em Setembro de 1999, o qual consta do documento nº1 junto com a petição, nomeadamente, a obrigação de reforço dos topos das paredes existentes para aplicação de novo vigamento; a obrigação de fornecimento e aplicação de madeiramento novo (vigas, barrotes e ripas), reparação e alinhamento da estrutura do telhado com Cuprinol incolor e ainda a obrigação de fornecimento e aplicação e isolamento térmico “Roof Mate” em toda a área do telhado, orçamento este que se cifrava em 10 138 400$00 – (B).

3. A obra foi entregue aos autores em 17 de Maio de 2001, data em que foi paga a última prestação pelos serviços da ré - (C).

4. Em 17 de Abril de 2003, o autor endereçou um fax ao Eng. DD, dando-lhe conta do problema de infiltração de água, quer no telhado, quer no alpendre, e alertando-o para a possibilidade de apodrecimento das madeiras, solicitando-lhe ainda a sua presença na casa para concluir as reparações iniciadas em Janeiro de 2003 – (D).

5. Em 14 de Agosto de 2003, o autor dirigiu um segundo fax ao cuidado do Engenheiro DD, solicitando novamente a presença dos trabalhadores na casa entre 18 de Agosto e 5 de Setembro de 2004, dando, uma vez mais, conta das anomalias verificadas – (E).

6. Em 30 de Setembro de 2003, posteriormente a um contacto telefónico, foi enviado um terceiro fax ao Engenheiro DD, alentando para a continuação da verificação das anomalias já descritas – (F).

7. Em 25 de Outubro de 2003, os autores voltaram a contactar o engenheiro DD, desta vez através de carta registada, solicitando a deslocação dos trabalhadores da ré ao imóvel em questão – (G).

8. Carta esta à qual o engenheiro DD respondeu em 5 de Novembro de 2003, salientando o interesse na visita à obra a fim de realizar inventário das anomalias existentes e referindo que aguardaria pela marcação de uma data para a visita – (H).

9. Em 13 de Maio de 2004 e depois de insistentes tentativas dos ora autores para se proceder a reparação dos defeitos, o engenheiro DD dirigiu nova carta à autora, onde reiterou a vontade de resolver as irregularidades, justificando ainda os sucessivos atrasos com uma falta de meios humanos (I).

10. Em 9 de Agosto de 2004, os autores escreveram um derradeiro fax ao Engenheiro DD, solicitando a deslocação dos trabalhadores da ré à casa de Penela no mês de Setembro – (J).

11. Os autores apresentaram uma reclamação na Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO), expondo sumariamente o seu problema.

   - Em 14 de Setembro de 2004, a DECO dirigiu uma carta à gerência da ré, solicitando-lhe um esclarecimento relativo à reclamação que deu entrada no Gabinete de Apoio ao Consumidor feita pelo Sr. BB.

   - Carta esta à qual respondeu a gerência da ré, salientando que a dificuldade de regularização dos defeitos apresentados se devia a “dificuldades contratuais e financeiras”.

   - Em 28 de Setembro de 2004, a DECO informou, por meio de carta, o autor do conteúdo da carta da ré referida no artigo anterior.

   - Em 4 de Outubro de 2004, a DECO enviou nova carta à gerência da ré solicitando a marcação de uma reunião de tentativa de conciliação.

   - Carta esta que não obteve qualquer resposta por parte da gerência da ré – (L).

12. Descontentes com a situação, os autores estabeleceram de imediato contacto telefónico com o responsável pela obra, Engenheiro DD, sócio gerente da ré, para que se efectuasse uma deslocação à casa com a finalidade de reparar as referidas anomalias. Posteriormente a este contacto, os trabalhadores da ré deslocaram-se à obra para fazer reparações – (M).

13. A obra tinha como propósito, para os autores, a reconstrução de uma casa que seria um espaço privilegiado para encontros familiares, para passarem os seus fins-de-semana longe da cidade – (1).

14. No primeiro inverno subsequente à entrega da obra, em meados de 2001, os autores depararam-se com infiltrações de água no telhado – (2).

15. E infiltrações na parede lateral da casa – (3).

16. E infiltrações de água no alpendre – (4)

17. E serradura a cair das vigas de madeira, a qual era causada pelo “bicho da madeira” – (5).

18. Os autores estabeleceram de imediato contacto telefónico com o responsável pela obra, Eng. DD, sócio gerente da ré, para que se efectuasse uma deslocação a casa com a finalidade de reparar as referidas anomalias – (6).

19. Posteriormente a este contacto, os trabalhadores da ré deslocaram-se à ora para fazer reparações – (7).

20. Todavia, as reparações efectuadas consistiram apenas na execução de correcções com excesso de argamassa, correcções essas que se tornaram em elementos muito absorventes – (8).

21. Ao longo do ano de 2002, houve apenas uma deslocação por parte dos trabalhadores da ré à obra a fim de reparar os referidos defeitos apontados pelos autores – (9).

22. Em Janeiro de 2003, os trabalhadores da ora ré voltaram a deslocar-se ao prédio urbano em questão, a fim de, mais uma vez, procederem a reparação aos defeitos já inventariados – (10).

23. Embora tenham iniciado as ditas reparações, abandonaram-nas sem dar qualquer tipo de explicação aos autores – (11).

24. Apesar da persistência dos autores, nenhum trabalhador apareceu, nem qualquer contacto foi estabelecido com os autores – (12).

25. Não foi efectuada qualquer deslocação à casa de Penela por parte dos trabalhadores da ré, nem tão pouco houve qualquer resposta ao fax enviado pelos autores em 9 de Agosto de 2004 – (13).

26. Houve deslizamento de algumas telhas da cobertura devido ao seu peso e ao facto de não terem sido fixadas com grampos ou com outro tipo de mecanismo antiderrapante – (14).

27. Devido a este deslizamento algumas telhas ficaram sem estarem numa relação de sobreposição com a telha seguinte da mesma fila e algumas estão em muitos locais desalinhadas – (15).

28. Houve fendilhação em elementos do cume da cobertura criando zonas de entrada de águas – (16).

29. Alguns pontos da cobertura têm de ser impermeabilizados – (17).

30. Foram feitas correcções com argamassa que se tornaram absorventes e não corrigiram as patologias existentes nos dorsos dos telhados e na intercepção do pano da parede vertical da casa com o telhado do alpendre – (18).

31. O bloco de cobertura do alpendre deslizou e provocou fendilhação e movimento de telhas criando aberturas para entrada de água – (19).

32. Para evitar as infiltrações é necessário remover as telhas e transportar material resultante para o vazadouro – (20).

33. É necessário remover a subtelha e roofmate existentes e transportar o material resultante a vazadouro – (21).

34. É necessário efectuar a picagem e remoção de argamassas desnecessárias e transporte do material resultante a vazadouro – (22).

35. É necessário efectuar um tratamento apropriado da estrutura e forro madeira – (23).

36. É necessário fornecer e aplicar roofmate com 3 cm de espessura devidamente fixada – (24).

37. É necessário fornecer e aplicar subtelha devidamente fixada e ventilada – (25).

38. É necessário grampear a telha que está colocada – (26).

39. É necessário efectuar rufagem de chaminés, elementos singulares da cobertura e todos os locais necessários com rufo de zinco com os desenvolvimentos necessários – (27).

40. Os trabalhos referidos nos quesitos 20 a 27 importam em 7 350,00 euros a que acrescerá uma margem comercial de 15% para o empreiteiro e ainda IVA – (28).

41. A ré já não irá proceder à reparação dos efeitos que ficam apontados nos quesitos 20 a 27 – (29).

Fundamentação:

Sendo pelo teor das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber.

- se a resposta ao quesito 29º poderia ter sido baseada em prova por ilação;

- se, no caso, os AA. teriam que percorrer o iter legal previsto no regime jurídico do contrato de empreitada para obterem da Ré a eliminação dos defeitos existentes no imóvel de sua propriedade;

- se a Ré pode, em função dos factos provados, ser condenada por danos não patrimoniais.

Vejamos.

Importa analisar a 1ª questão, qual seja a de saber se as instâncias podiam fundamentar por ilação a resposta “Provado” ao quesito 29º –  A ré já não irá proceder à reparação dos defeitos que ficam apontados nos quesitos 20° a 27°?” .

A Ré que não reagiu à inclusão daquele quesito na Base Instrutória, no recurso de apelação pretendeu que fosse eliminada tal resposta. O Acórdão recorrido – a fls. 526 – apreciando a impugnação quanto à matéria de facto manteve aquela resposta, com a seguinte fundamentação:

 “Por seu lado, a resposta ao quesito 29° assenta numa presunção judicial, permitida pelo artigo 351° do Código Civil, de que, passados mais de três anos de insistências junto da ré para que esta reparasse os defeitos (em condições) sem que esta o fizesse, tal situação não vai modificar-se e a ré não irá proceder a qualquer reparação (em condições)”.

As presunções judiciais, também designadas materiais, de facto ou de experiência art. 349º do Código Civil, não são, em bom rigor, genuínos meios de prova, mas antes “meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência” – Vaz Serra, in RLJ, Ano 108, pág.352 – ou, no entendimento de Antunes Varela, RLJ, Ano 123, pág.58 nota 2, “operação de elaboração das provas alcançadas por outros meios”, reconduzindo-se, assim, a simples “ prova da primeira aparência”, baseada em juízos de probabilidade.

Na definição legal, são ilações que o julgador tira de um facto conhecido (facto base da presunção) para afirmar um facto desconhecido (facto presumido), segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas, ou da lógica.

            O Supremo Tribunal de Justiça, cuja competência, em regra, se limita à matéria de direito, não pode sindicar o juízo de facto formulado pela Relação para operar a ilação a que a lei se reporta, salvo se ocorrer a situação prevista na última parte do nº2 do artigo 722º do Código de Processo Civil (artigos 729º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro).

É, no entanto, da competência do Supremo Tribunal de Justiça “verificar da correcção do método discursivo de raciocínio” e, em geral, saber se esses critérios se mostram respeitados, produzindo alteração factual, examinando a questão “estritamente do ponto de vista da legalidade”, ou seja, decidir se, no caso concreto, era ou não permitido o uso da presunção (cfr. Acs. de 31.3.93, CJSTJ, I-II-54; de 20.1.99, Revista 1003/98-1; 18.1.01, Revista 3516/00-2; de 13.3.01, Revista 278/01, in “Sumários”, 20, 42 e 95).

É questão de direito, da competência do Supremo Tribunal de Justiça, a da admissibilidade ou não das referidas ilações, face ao disposto no artigo 351º do Código Civil.

                Constitui matéria de facto a formulação pelo Tribunal da Relação de um juízo de valor com base em ilações logicamente deduzidas dos factos provados, em regra da experiência ou presunções judiciais.

Como dissemos o Supremo Tribunal de Justiça deve “verificar da correcção do método discursivo de raciocínio” que levou à ilação.

Compete exclusivamente às instâncias fixar os factos e deles tirar as conclusões ou ilações lógicas, não podendo estas serem incompatíveis com o resultado, positivo ou negativo, da prova definitivamente fixada.

No caso em apreço, reconhecendo que a questão está no limiar da admissibilidade da prova por ilação, dados os elementos factuais que constam com exuberância do processo, claramente indiciadores da recusa da Ré em eliminar os defeitos da obra de que foi empreiteira – patente essa atitude até no modo como vem litigando, protelando o desfecho do processo e recusando a eliminação dos defeitos há mais de quatro anos – admitimos que a Relação não violou regras da experiência nem feriu a lógica discursiva ao considerar que, ante a actuação persistente da Ré em trilhar um certo “caminho”, essa conduta não seria inflectida.

Admite-se, destarte, a resposta ao quesito 29º baseada em ilações extraídas de factos provados.

Não discutem as partes, neste longo processo, que entre ambas, foi celebrado um contrato de empreitada.

A causa de pedir invocada pelos AA. (donos da obra) consubstancia-se na existência de defeitos de construção que a Ré, apesar de os reconhecer nunca eliminou, razão pela qual pretendem a sua condenação no pagamento da quantia reputada bastante para, por sua conta, os eliminarem.

Nos termos do art. 1207º do Código Civil –  “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço.”

         O contrato de empreitada é, pois, bilateral, oneroso e sinalagmático.


            Um dos aspectos em que se exprime o sinalagma contratual – corolário do princípio geral da pontualidade (art. 406º do Código Civil) – é, do lado do empreiteiro, a execução da obra nos termos convencionados.

O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.”- art. 1208º do Código Civil.

  “O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra ” – nº2 do art. 1211º do citado diploma.
 

A execução de um contrato de empreitada implica para o empreiteiro a assunção de uma obrigação de resultado.


O Professor Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 3ª edição, 2º, 72, define obrigação de resultado “como aquela em que o devedor, ao contrair a obrigação, se compromete a garantir a produção de certo resultado em benefício do credor ou de terceiro”.
           
O Professor Menezes Cordeiro, in “Direito das Obrigações”, 1980, 1º-358 define-a “como aquela em que o devedor está adstrito à efectiva obtenção do fim pretendido”.

A Ré só cumprirá a obrigação se realizar a prestação a que se vinculou – art. 762º, nº1, do Código Civil – executando o contrato, ponto por ponto, como exige o art. 406º, nº1, do citado diploma.

Como refere o Professor Antunes Varela, no 2º volume da obra citada, 5ª edição, pág.10:
 

“Nas obrigações de resultado, o cumprimento envolve já a produção do efeito a que tende a prestação ou do seu sucedâneo, havendo, assim, perfeita coincidência entre a realização da prestação debitória e a plena satisfação do interesse do credor ”.

O referido civilista, na pág. 61 daquela obra, define, por antinomia, o não cumprimento como “a não realização da prestação debitória, sem que entretanto se tenha verificado qualquer das causas extintivas típicas da relação obrigacional”.

 É inquestionável que no caso a empreitada de reabilitação da casa dos AA. foi executada defeituosamente, ou seja, não foi realizada em conformidade com o que foi convencionado  e sem vícios.

Baptista Machado, in “Resolução por Incumprimento”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, 2º, 386, define cumprimento defeituoso ou inexacto, assim:

“a) É aquele em que a prestação efectuada não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correc­ção e boa fé.

 b) A inexactidão pode ser quantitativa e qualitativa.

 c) O primeiro caso coincide com a prestação parcial em relação ao cumprimento da obriga­ção.

d) A inexactidão qualitativa do cumprimento em sentido amplo pode traduzir-se tanto numa diversidade da prestação, como numa deformidade, num vício ou falta de qualidade da mesma ou na existência de direitos de terceiro sobre o seu objecto”.

O art. 1221º do Código Civil estatui:         

1. Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção.

2. Cessam os direitos conferidos no número anterior, se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito”.

            Como se sentenciou no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.3.1995, in BMJ, 445, 464:

“...Se a obra não for executada de harmonia com o convencionado, evidenciando vícios que, pelo menos, reduzam o seu valor e a sua atinente aptidão, o dono da obra pode desencadear, por ordem de prioridade, os seguintes mecanismos legais:

 a) Exigir a eliminação dos defeitos, se estes puderem ser suprimidos;

 b) Exigir uma nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados;

 c) Exigir a redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato.

  Todavia, os direitos acima aludidos nas alíneas a) e b) cessam se as despesas forem desproporcionadas relativamente ao proveito; também o direito à resolução do contrato só existe se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.

                 Por outro lado, o dono da obra goza do direito de ser indemnizado, nos termos gerais, quando faltarem ou forem insuficientes os meios artigo 1 223º do Código Civil), tratando-se, no fundo, de danos resultantes do cumprimento defeituoso do contratado. [...]”

            Não sendo eliminados os defeitos, ou construída de novo a obra, se for caso disso, os arts. 1222º e 1223º do Código Civil conferem ao dono da obra o direito a ser indemnizado, nos termos gerais de direito, o que é cumulável com a redução do preço, podendo, alternativamente, resolver o contrato.

            Para que o dono da obra se possa substituir ao empreiteiro, na execução das obras, visando eliminar os defeitos da construção, tem que alegar ser “compelido” a realizá-las, por ser caso de “manifesta urgência” e o empreiteiro se recusar, ilegitimamente, à eliminação.

            Como se sentenciou no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.11.99 – disponível na Internet – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – de que foi Relator o Ex.mo Conselheiro Dr. Pinto Monteiro:

 “É questionável se, em caso de manifesta urgência, não seria admissível que o dono da obra, directamente e sem intervenção do poder judicial, proceda à eliminação dos defeitos, exigindo, depois, as respectivas despesas”

Também neste sentido, decidiu o douto Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 12.1.1999, de que foi Relator o Ex. Conselheiro Dr. Ferreira de Almeida, aresto disponível na Internet, site www.dgsi.pt.

 Admitindo que o dono da obra, “sponte sua”, se possa substituir ao empreiteiro, na eliminação dos defeitos, sempre terá de alegar e provar, a existência de uma situação de “manifesta urgência” na realização das obras.

            Da conjugação dos arts. 1122º e 1223º do Código Civil, não resulta que o dono da obra possa, por si ou por outrem a seu cargo, proceder directamente, à eliminação dos defeitos e, após, passe a expressão, “apresentar a conta” ao empreiteiro.

            Recusando-se o empreiteiro a eliminar os defeitos da obra, o dono desta poderia requerer dele a execução específica da prestação (“de facere”), caso a obrigação fosse fungível [como no caso concreto, manifestamente é], nos termos do art. 828º do Código Civil.

Todavia, como a execução específica só opera judicialmente, o dono da obra só pode, em regra, proceder à execução dos trabalhos executados defeituosamente, após obter sentença que condene o empreiteiro a realizá-las e este recuse.

 A acção directa encetável pelo dono da obra contra o empreiteiro, só é lícita, em caso de manifesta e urgente necessidade da reparação, com base nos princípios gerais de direito – [importa não esquecer que, enquanto devedor, o empreiteiro está desfavorecido com a presunção de culpa do art. 799º, nº1, do Código Civil] – e, mormente, com base no princípio da acção directa – cfr. “Direito das Obrigações-Parte Especial” – Edição de Maio/2000 – pág.450 de Pedro Romano Martinez.

            No caso em apreço, é manifesto, em função dos factos provados, que a Ré executou, defeituosamente, a empreitada que lhe foi cometida por contrato em Setembro de 1999 e que concluiu em 17.5.2001, o que motivou a denúncia, atempada, de defeitos, por parte do dono da obra.

            Não obstante a denúncia dos defeitos da obra feita pelos AA. à Ré que os tentou, sem êxito, eliminar e volvidos quatro anos de infrutíferos esforços dos AA. no sentido da Ré cumprir a sua obrigação, será que os AA. devem aguardar indefinidamente que a Ré – lassa no cumprimento das suas obrigações – deva ser submetida a acção judicial para que os AA. obtenham a sua condenação - cfr. factos provados nos itens 18) a 23) - e persiste em incumprir?.

            Respondemos negativamente. A actuação da Ré é contrária ao agir de boa-fé quando recusa a sua prestação em tempo razoável e afirma que os AA. apenas podem obter tutela para o seu direito através do iter legal previsto nos arts. 1221º e 1222º do Código Civil.

            Mas será que, em face da actuação da Ré, que cumpre defeituosamente a sua prestação de forma reiterada, viola o princípio da boa-fé, a pretensão dos AA?

            Em caso de contornos factuais semelhantes, escrevemos como Relator, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10.7.2008 – Proc. 08A1823 – acessível in www.dgsi.pt:

“No quadro circunstancial descrito é razoável exigir aos AA. – após cerca de cinco anos de ineficiência da Ré no cumprimento da sua prestação – que procedam a interpelação admonitória ou continuem a interpelar a Ré para eliminar os defeitos da obra?

Se assiste ao vendedor/empreiteiro o direito à execução específica da eliminação dos defeitos também assiste aos AA., enquanto compradores, o direito de fruírem a casa que compraram, em termos de comodidade, que os defeitos existentes não proporcionam. Os direitos do comprador não merecem menos tutela que os do vendedor.

Num agir de boa-fé seria de exigir da Ré a eliminação dos defeitos em tempo útil até pela pouca magnitude deles já que não se trata de defeitos estruturais.

Viver em casa que consente infiltrações de humidade não é compatível com as delongas de um prazo de cinco anos e de tentativas várias da Ré para eliminação dos defeitos pelo que nos parece que impor aos AA. o ónus de interpelar admonitoriamente a Ré, é fazer pender a balança do equilíbrio contratual das prestações, a favor de quem, reiterada e culposamente, não cumpre.

A doutrina e jurisprudência, nos casos excepcionais de urgência, admitem que o dono da obra e o comprador de coisa defeituosa auto tutelem o seu direito, sem que previamente haja condenação do empreiteiro ou do vendedor a eliminar os defeitos.

Pedro Romano Martinez, in “Contrato de Empreitada”, 1994, pág.206 – “Perante a recusa do empreiteiro, pode o dono da obra requerer a execução específica da prestação de facto, nos termos do art.828º do Código Civil, se ela for fungível”.

O mesmo tratadista, in “Cumprimento Defeituoso”, Colecção Teses, 1994, pág.389, defende que – “Em casos de manifesta urgência, e para evitar maiores prejuízos, é admissível que o credor, directamente e sem intervenção do poder judicial, proceda à eliminação dos defeitos, exigindo depois as respectivas despesas.

Esta ilação tem por base a princípio do estado de necessidade (art.339º do Código Civil)”.

O monopólio da eliminação dos defeitos pelo empreiteiro não é, assim, absoluto.

Aos casos de urgência na reparação dos defeitos não será de equiparar aqueloutros em que passado um prazo razoável o vendedor/empreiteiro não realiza a prestação a que está vinculado?

Deverão os AA. ficar à mercê da Ré, volvidos mais de cinco anos, e intentar acção judicial condenatória de execução específica para verem eliminados os defeitos?

Cremos que as regras da boa-fé, do agir diligente e com consideração pelos interesses da contraparte, impõem resposta negativa.

A Ré foi repetidamente interpelada para eliminar os defeitos, reconheceu a sua existência, não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impende, não almejando eliminá-los, pelo que a pretensão dos AA. neste quadro factual não se antolha violadora do espírito da lei, não merecendo menos protecção que a que se atribui à auto-tutela do dono da obra em casos de urgência.

Assim e entendendo o 1º pedido como exercício dessa auto-tutela e que os factos não repelem e o espírito da lei não contraria, reconhece-se que os AA., em função da grosseira desconsideração dos seus direitos pela Ré, têm jus a executar as obras visando a eliminação dos defeitos dentro dos limites da quantia peticionada”.

                No caso em apreciação não vemos razão para sufragar entendimento diverso, pelo que nenhuma censura, quanto a esta questão, há a fazer ao Acórdão recorrido.

            No que respeita aos danos não patrimoniais.

Dispõe o art. 496º do Código Civil:

“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

2. (...)

3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.”

“Danos não patrimoniais – são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” – Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, l. °-571.

São indemnizáveis, com base na equidade, os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” – nºs 1 e 3 do art. 496º do Código Civil.

            Não estando em causa que a compensação por danos não patrimoniais é de admitir no âmbito da responsabilidade contratual, e que apenas devem ser ressarcidos os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, não se nos afigura defensável a posição do Acórdão recorrido que, sem considerar provados quaisquer factos (nem sequer alegados) que possam ser qualificados como dano moral tenha mantido a compensação de € 2.000,00 (vinda da 1ª Instância) com o fundamento que é facto notório – art. 514º do Código de Processo Civil – esperar durante quatro anos pela reparação da casa que iria servir para repouso e lazer dos donos.

            Não se desconsidera que os factos tenham a virtualidade de ter causado contrariedade, perturbação e sofrimento, mas o Tribunal não pode, em termos absolutos e sem a pertinente alegação de factos, por parca que fosse, considerar provada a existência de dano não patrimonial afirmando que se trata de facto notório.

            O recurso procede em parte.

            Decisão.

           

            Nestes termos, acorda-se em conceder parcialmente a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, apenas na parte em que manteve a condenação da Ré por danos não patrimoniais – € 2.000,00 –, sendo agora absolvida desse pedido.

            Custas pelos AA. e pela Ré aqui e nas Instâncias na proporção do decaimento.

Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Junho de 2011

Fonseca Ramos (Relator)

Salazar Casanova

Fernandes do Vale