Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
14910/17.2T8SNT.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
Data do Acordão: 11/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / NOÇÃO E ÂMBITO / PRESUNÇÃO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 12.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, N.º 1.
DL N.º 49.408 DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-03-2013, PROCESSO N.º 3247/06.2TTLSB.L1.S1;
- DE 01-06-2017, PROCESSO N.º 470/13.7TTOAZ.P1.S1;
- DE 04-07-2018, PROCESSO N.º 1272/16.4T8SNT.L1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - Estando em causa uma relação jurídica estabelecida em data não apurada mas anterior a 1 de julho de 2002 e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os seus termos essenciais, à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969, não tendo aplicação as presunções previstas no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009.

II - Incumbe ao trabalhador, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, a alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque são constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.

III - Apesar de se ter provado que o trabalhador desempenhava as suas funções em instalações da Ré e com instrumentos de trabalho a esta pertencentes, em períodos de tempo por esta definidos e que o mesmo integrava a estrutura de traduções ao serviço daquela, o facto de os períodos de tempo de prestação da atividade serem definidos pelo trabalhador, que se podia fazer substituir sem qualquer intervenção da Ré, no desempenho das suas tarefas por outro membro daquela estrutura de traduções, conduz à não qualificação da relação existente entre ambos como um contrato de trabalho. 

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

Na sequência de participação que lhe foi dirigida pela Autoridade para as Condições do Trabalho, o Ministério Público instaurou a presente ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, com processo especial, contra a Rádio e Televisão de Portugal, S.A.

Pede que a ação seja julgada procedente e que, por via dela, a Ré seja condenada a reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre si e AA desde o dia 1 de julho de 2002.

Alega como fundamento, em síntese, que a Ré, que se dedica a atividades de televisão, celebrou com AA um contrato de prestação de serviços, nos termos do qual este passou a exercer, a partir de 1 de julho de 2002, as funções de tradutor, funções que compreendem a tradução e legendagem em língua portuguesa para informação enviada pelo AGS nas instalações da Ré, mais concretamente no Gabinete .../piso 0 do Edifício Principal da RTP.

O serviço do AA sempre foi feito diariamente naquelas instalações, com utilização dos equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré, nomeadamente secretária, cadeira, computadores (legendadores), televisão, etc., usando software específico disponibilizado pela Ré para a realização das suas tarefas, como seja o “poliscript”, observando uma organização do tempo ajustada aos projetos da equipa de tradutores em que se encontra a trabalhar, tendo os turnos organizados das 5 h às 12 h e 30m, das 12h e 30m às 21 h, e das 19 h às 24 horas durante a semana e, ao fim de semana, das 7 h às 13 horas, das 13 h e 30m às 21 h e das 19 h às 24 h.

Quando necessita de faltar, o AA tem de comunicar verbalmente ou por escrito (email) ao responsável da área e dispõe de um cartão magnético com a sua fotografia para acesso às instalações da RTP pela portaria, com torniquetes, ficando registadas as horas de entrada e saída do seu local de trabalho e sempre recebeu ordens, instruções e orientações de BB – Coordenadora de toda a área de tradução da Ré e pertencente ao seu quadro de pessoal – a quem reporta.

Como contrapartida do trabalho desenvolvido, o AA recebe todos os meses, por transferência bancária, uma quantia certa de € 2.800,00, independentemente do volume e da quantidade de trabalho.

O vínculo que existe entre o AA e a Ré reconduz-se, pois, a um verdadeiro contrato de trabalho, conforme o disposto nos artigos 11º e 12º do Código do Trabalho.

Citada a Ré, esta deduziu contestação, a que o Autor respondeu, pugnando, para além do mais pela improcedência das exceções ali invocadas.

O trabalhador interessado AA, notificado nos termos do disposto no art. 186.º-L n.º 4 do Código de Processo do Trabalho apresentou articulado próprio no qual, em síntese, alega que iniciou a sua relação profissional com a Ré em finais de 1999, após a conclusão da sua licenciatura em tradução e interpretação de língua inglesa e língua francesa, tendo sido convidado a colaborar com a Ré, passando, inicialmente, por uma formação em legendagem, após a qual começou a realizar a atividade de tradução de diversos trabalhos que lhe eram solicitados pela Ré, recebendo uma compensação pecuniária definida em função do número e duração dos trabalhos traduzidos e legendados, situação que se manteve até dezembro de 2001.

A partir de janeiro de 2002 as suas funções alteraram-se, passando a compreender a tradução para legendagem para língua portuguesa de peças jornalísticas e/ou informativas da área de informação diária e não diária, no âmbito da Direção de Informação da Ré, funções que se mantêm inalteradas desde a referida data, fazendo parte da equipa de tradução da Ré – da qual fazem parte o trabalhador e quatro outros colegas seus – exercendo todos as mesmas funções, seja em regime de contrato de trabalho ou de avença, usualmente designados por “recibos verdes”.

Desde janeiro de 2002 e até à presente data, recebe uma contrapartida financeira definida e que é composta por uma componente fixa e certa e por uma componente variável relativamente aos programas fora do âmbito da informação (filmes, séries e documentários), paga em função do volume e quantidade de trabalho, mediante valores definidos, aprovados e em vigor na RTP.

Executa o seu trabalho em instalações da Ré, dispondo de dois gabinetes, acesso e utilização de um endereço de eletrónico criado pela Ré para os serviços de tradução, é titular de cartão magnético que lhe foi fornecido pela Ré e que lhe permite aceder às instalações desta com validação em torniquetes, ficando registadas as horas de entrada e de saída.

Todo o material de trabalho, equipamentos e meios técnicos utilizados pelo trabalhador, são propriedade da Ré.

Exerce funções em turnos pré-definidos, durante sete dias por semana entre as 05h e as 24h durante os dias de semana e entre as 07h e as 24h durante os fins de semana, com semanas de folga intercaladas.

Recebe por e-mail indicações, instruções do Departamento de Informação e, por vezes, do Departamento de Produção quanto às questões relacionadas com procedimentos a adotar na legendagem das peças e exercício das suas funções, bem como comunicações quanto ao horário e ao número de tradutores que deveriam estar presentes nas instalações da Ré.

Quando exerce funções fora do horário de trabalho é-lhe paga pela Ré uma contrapartida pecuniária extraordinária.

Conclui que a ação deve ser julgada procedente e que a Ré deve ser condenada a reconhecer a existência de um contrato de trabalho, por tempo indeterminado, com o trabalhador AA, fixando-se a data do seu início em 1 de janeiro de 2002.

A ação instaurada prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença que a julgou improcedente, nos seguintes termos: «Face ao exposto julga-se a ação improcedente por não provada e, consequentemente, declara-se não existir um contrato de trabalho entre a ré RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, S.A. e AA.

Fixa-se o valor da ação: € 30.000,01.

Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público.»

Inconformados com esta decisão, dela apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa o Autor e o AA.

O Tribunal da Relação veio a conhecer dos recursos por acórdão de 9 de junho de 2018, que, com um voto de vencido, integrou o seguinte dispositivo: «Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar as apelações improcedentes, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo do Apelante AA, sendo que o Ministério Público está delas isento face ao disposto no n.º 1 al. a) do art. 4º do Regulamento das Custas Judiciais.»

Irresignados com esta decisão, dela recorreram o Ministério Público e o interveniente AA para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

Recurso do Ministério Público

«1 - A relação contratual teve início em 1 de Julho de 2002 e prolongou-se no tempo até à data, mantendo-se em vigor, tendo sido celebrados contratos de prestação de serviços em 2010, 2013 e 2014 com sucessivos aditamentos pelo que é aplicável o Código de Trabalho de 2009, face ao disposto no art. 7.º da Lei 7/2009 de 12.2.

2 - Tendo sido dado como provado que o AA prestou os seus serviços de tradução para língua portuguesa de filmes, séries, documentários, programas desportivos e outros, nas instalações e com equipamento pertencente à Ré, dentro de um horário fixo e estabelecido para todos os dias da semana e previamente definido por esta, auferindo o mesmo uma contrapartida pecuniária mensal igual e liquidada 12 meses ao ano, mostram-se preenchidos os requisitos das alíneas a) b) c) e d) do art. 129.º do C.T. de 2009.

3 - Mesmo que se entenda que tais indícios de laboralidade emergem da natureza da atividade desenvolvida pela Ré, não deixam de ter a relevância e significado conferido pelo legislador ao consagrar os mesmos no art. 12.º do CT de 2009.

4 - A doutrina e jurisprudência consideram como traço essencial distintivo entre um contrato de trabalho e um contrato de prestação de serviços, a existência ou não de subordinação jurídica entre os sujeitos da relação, sendo esta traduzida no poder de direção do empregador e no correspondente dever de obediência por parte do trabalhador e a integração numa organização própria.

5 - Em outros aspetos da atividade de tradução desenvolvida pelo AA emerge o carácter de subordinação jurídica, integração na estrutura organizativa da Ré, ausência de autonomia quanto ao modo tempo e organização empresarial da Ré

6 - Tais como o número de tradutores que devem estar presentes nas suas instalações em função das necessidades específicas de cada emissão que são definidas pela Ré.

 7 - A Ré fiscaliza o trabalho prestado através da responsável pelos serviços de tradução, sempre que o trabalho prestado não é satisfatório.

8 - A relação contratual entre as partes desenvolveu-se durante 15 anos sem interrupções e ainda perdura, o que é compatível com as características associadas ao contrato de trabalho como contrato de execução sucessiva ou continuada.

9 - A Ré aplicou os cortes salariais impostos pelos Orçamentos de Estado e fez a respetiva reposição, sem comunicação ou acordo prévio do AA, da mesma forma que o fez aos seus funcionários, no exercício de um poder hierárquico.

10 - Pelo que, a par dos indícios de laboralidade previstos nas alíneas a) b) c) e d) do n.º 1 do art. 12.º do CT de 2009, reconhecidos no acórdão, há evidências de subordinação jurídica, integração na estrutura organizacional da Ré e exercício do poder hierárquico, elementos caracterizadores de uma relação contratual de natureza laboral, o que se requer seja declarado.

11 - Ao não decidir desta forma, o acórdão recorrido violou os artigos 7.º, 11.º e 12.º n° 1 do CT de 2009 e art. 1152.º do C. Civil devendo o mesmo ser revogado e substituído por outro que declare a existência de um contrato de trabalho desde pelo menos desde 1 de Julho de 2002 entre a Ré RTP e o trabalhador AA, com o que farão Justiça!»

Recurso do AA

«- Da aplicação do CT2009 em detrimento da LCT

A. A decisão proferida pela 1.ª instância e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa suporta-se na LCT em detrimento da presunção de laboralidade do CT2009, contudo, aquela expressamente reconhece que "está em causa uma relação contratual que teve o seu início pelo menos em 1 de Julho de 2002, a qual sofreu posteriores aditamentos" (sublinhado do trabalhador).

Esses aditamentos, designadamente, os contratos de prestação de serviço reduzidos a escrito em 2010 (e seus aditamentos), 2013, 2014 (e seus aditamentos) - documento n.° 1 junto pelo trabalhador, consubstanciam alterações essenciais na relação entre as partes que não podiam deixar de ser devida e cronologicamente valoradas, as quais demonstram a existência  - nos anos de 2010, 2013 e 2014, ou seja, já no período de vigência da Lei n.° 7/2009, de factos determinantes para configuração da existência de um relação laboral, os quais ultrapassam e muito a vigência da LCT.

B. Não sendo aplicável o CT2009 observamos uma manifesta contradição ao disposto no artigo 7.° da Lei n.° 7/2009 de 12 de Fevereiro, que aprovou o CT2009. Ou seja, a regra é a aplicação do CT2009 aos contratos de trabalho celebrados antes da sua entrada em vigor. Tal bastaria para contrariar o entendimento sufragado na Sentença e no Acórdão.

C. A relação contratual ainda vigora - considerando-se que iniciou em 2002 ou 2010, pelo que não podemos falar em efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente a este momento.

D. Quando o contrato é celebrado em data anterior à entrada em vigor do CT2009 (já acontecia o mesmo com o CT2003) há que distinguir as situações em que a cessação ocorre, também ela, antes dessa data (caso em que não é aplicável o CT2003 ou o CT2009, pois se trata de efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento), daquelas em que a cessação será posterior a essa data; nestas situações, vale a regra geral contida no n.° 1 do Art. 7.° da Lei 7/2009, que é a da aplicabilidade do CT2009.

E. Daí que não se reconheça razão, ao entendimento sufragado pelos Tribunais a quo, devendo ser aplicada a presunção contida no artigo 12.° do CT2009, sob pena de estarmos perante uma gravíssima denegação dos mais elementares direitos do trabalhador quando comparativamente, por exemplo, a outra situação exatamente igual, mas cuja relação laboral se tenha iniciado, por exemplo, em 2010, o que não pode suceder, coartando uma tutela judicial efetiva aos direitos do trabalhador de forma violenta, injustificada, desproporcional e desequilibrada.

- O método indiciário

F. Como resulta da definição legal, a existência de contrato de trabalho implica a verificação cumulativa de dois elementos: a subordinação jurídica - que se traduz no facto de o trabalhador, no desempenho da sua atividade, estar sujeito às ordens, direção e fiscalização da entidade servida (ainda que em termos bastante ténues e sendo irrelevante que essa sujeição seja efetiva ou simplesmente potencial); e a subordinação económica do trabalhador ao dador de trabalho, que se revela pelo facto de aquele receber deste certa remuneração, com a qual, subsistirá.

G. Apesar disto, face à jurisprudência e doutrina dominantes e também no caminho apresentado até agora, somente a subordinação jurídica constitui elemento essencial do referido contrato.

H. Esta subordinação nem exige que as ordens, diretivas e instruções sejam efetivamente dadas ao trabalhador, bastando apenas que o possam ser, encontrando-‑se o trabalhador sujeito a recebê-las e a cumpri-las.

I. A subordinação jurídica pode comportar diversos graus, nomeadamente em função da especificidade técnica da tarefa a desempenhar, podendo atenuar-se ao ponto de constituir pouco mais do que uma genérica supervisão por parte da entidade patronal, que pode até nunca ser exercida, sendo meramente potencial.

J. É nestes casos que a doutrina e a jurisprudência recorrem ao chamado método indiciário que consiste em detetar na situação concreta factos que conduzam ao contrato de prestação de serviços ou ao contrato de trabalho.

K. No seguimento do entendimento do Professor Monteiro Fernandes, no elenco dos indícios de subordinação, é geralmente conferido especial destaque ao "método organizatório" da subordinação:

i) Vinculação a horário de trabalho e sua modalidade definidos pela entidade empregadora em função das necessidades desta (factos provados 16,17,18,19);

ii) A execução da prestação de trabalho em local definido pela entidade empregadora (factos provados 12 e 14);

iii) A obediência a ordens e a sujeição à disciplina da entidade empregadora (factos provados 25, 26, 27, 29, 30);

Apesar de devidamente provados e preenchidos estes indícios, mostram-se ainda provados:

i) A modalidade da retribuição (factos provados 11, 34, 36, 37,38, 39 e 40);

ii) A propriedade dos instrumentos de trabalho pertence à entidade empregadora (factos provados 14, 15, 44);

 iii) A integração do trabalhador na estrutura da entidade empregadora (pontos supra).

L. Nos casos duvidosos (o que não é a situação em apreço, como se demonstrou, mas, mesmo que o fosse), os factos disponíveis não permitem, em regra, confirmar direta e cabalmente todos os essencialia negotii do contrato de trabalho, pelo que - em articulação com o tradicional método conceptual/subsuntivo - há que lançar mão de uma abordagem indiciária (de cariz tipológico e analógico), baseada em todos os elementos e circunstâncias do caso, tendo em vista: (i) aferir do grau de aproximação do caso concreto ao paradigma contratual; (ii) em função de critérios de razoabilidade e adequada exigência, determinar se a proximidade existente é suficiente para reconduzir a imagem global do caso concreto, em sua complexidade, ao tipo normativo, temos provado:

a. A vontade real das partes quanto ao tipo contratual;

b. A prevalência da atividade;

c. O grau de determinação da prestação;

d. O grau de disponibilidade do trabalhador (lato sensu) relativamente às determinações e necessidades da Ré;

e. A pessoalidade da prestação: fazendo uso do contrato de equipa, a Ré contratou aquela a que chamou "unidade de tradução e legendagem" para exercer determinadas tarefas sob as suas ordens e instruções, fiscalizando o seu trabalho;

f. A dependência económica;

g. O tipo de remuneração (certo e duradouro);

h. O local de trabalho e a titularidade da totalidade dos instrumentos de trabalho são da Ré;

i. O tempo de trabalho é definido de acordo com as necessidades da Ré e por esta previamente definido;

j. O grau de inserção na estrutura organizativa da Ré é total e não merece dúvida: aferida em função da presença do trabalhador, conforme ficou provado e, ainda, dos seguintes fatores: obediência a ordens e instruções da chefe da unidade Senhora Dra. CC e da Direção de Informação da Ré, quanto ao modo de cumprimento/execução da prestação e sujeição a normas organizacionais.

Para além disto e apesar de se mostrar devidamente provado a existência do contrato de trabalho através do método indiciário:

- A presunção de laboralidade

M. Tal como já se identificou, desde a entrada em vigor do Código de Trabalho de 2003, a "pessoa que presta uma atividade" passou ainda a poder socorrer-se da presunção de laboralidade consagrada no seu artigo 12.°.

N. Na relação existente entre a pessoa que presta uma atividade e outra que dela beneficia, provada a existência de duas ou mais das circunstâncias caracterizadoras dessa relação previstas nas várias alíneas do n.° 1 do artigo 12.° do Código do Trabalho, presume-se a existência de contrato de trabalho.

O. A técnica da presunção da existência de contrato de trabalho, embora seja inspirada no modelo indiciário tradicional o qual supra já se demonstrou integralmente preenchido, altera radicalmente o cenário da prova dos elementos integrativos do contrato de trabalho.

P. Atendendo aos factos provados e ao artigo 12.° do CT, observamos:

i) Alínea a) - "A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado": factos provados 12 e 14;

ii) Alínea b) - "Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade": factos provados 14,15,44;

iii) Alínea c) - "O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma": factos provados 16,17,18,19;

 iv) Alínea d) - "Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma": factos provados 11, 34, 36, 37,38, 39 e 40.

Q. Encontra-se, assim, demonstrado que o trabalhador sempre desempenhou a sua atividade de tradutor legendador em instalações pertencentes à Ré e integrado nessa estrutura organizativa, utilizando para esse efeito recursos pertencentes a esta e por ela fornecidos e estava vinculado a observar o cumprimento de horas de início e termo da prestação daquela atividade de acordo com horários definidos pela Ré em função das suas necessidades e, ainda, auferia uma determinada retribuição mensal determinada e constante.

R. Beneficiando o trabalhador da presunção legal a seu favor, a circunstância que o dispensa da demonstração dos factos que a ela conduzissem [cfr. art. 350° n.° 1 do Código Civil), competiria à Ré o ónus de elisão de uma tal presunção mediante prova em contrário (cfr. n.° 2 deste preceito legal), sendo que, no caso em apreço, isso não se verificou.

S. Resultou ainda provado que o trabalhador dependia e depende economicamente da Ré; está sujeito, como os demais tradutores da sua unidade, ao cumprimento de regras implementadas pela Ré e, ainda, à sua disciplina e fiscalização - designadamente através da sua então Chefe, Senhora Dra. BB.

T. Circunstâncias que, inquestionavelmente reforçam que entre as partes existe uma relação laboral e não um mero contrato de prestação de serviços, contrariamente ao que se concluiu na Sentença e no Acórdão recorridos.»

Termina referindo que «Deve o Recurso ser julgado procedente, com as devidas consequências legais e, em consequência, ser julgada reconhecida a existência de contrato de trabalho, fixando o início da sua vigência em 1 de Julho de 2002 ou, em caso de dúvida, ao momento inicial da vigência do contrato de prestação de serviços, ou seja, 1 de Março de 2010, como é de lei, só assim se fazendo, JUSTIÇA!»

A recorrida RTP respondeu aos recursos interpostos integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1. A LCT é a lei aplicável à qualificação da realidade contratual em apreço nos autos atento o facto de que terá iniciado antes de julho de 2002, não denotando a matéria de facto assente que tenha existido qualquer alteração (mormente, por via da assinatura de instrumentos contratuais escritos) ao modo como o interveniente principal vinha exercendo a sua atividade em benefício da Ré.

2. Tal resulta da jurisprudência consolidada da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça.

3. Em todo o caso, atenta a natureza da ARECT, a presunção de laboralidade jamais poderia ter aqui aplicação.

4. O vínculo contratual entabulado entre o interessado e a ora Ré não consubstancia um contrato de trabalho à luz da factualidade apurada sob os n.ºs 11, 18 a 24, 31 a 33, 35 e 46 (conjugado com o facto não provado 6), 37 (b), 43, 44 e 47 a 50 do probatório.

5. Em especial, há que atentar que o vínculo em apreço é marcado pela fungibilidade (no que se demarca da pessoalidade ínsita ao contrato de trabalho) e, ainda, pelo facto de à Ré somente interessar a apresentação de produtos (resultados) de tradução (cfr., entre outros, facto provado 21).

6. O interessado não está sujeito a quaisquer poderes hierárquicos - cfr. redação restritiva do facto provado n.° 27, facto provado 30 e factos não provados 4 e 5, o que significa que falta, in casu, um elemento essencial e determinante de laboralidade.

7. A Ré não se imiscui na organização dos tradutores, não definindo sequer quem realiza as traduções e não aprovando períodos de descanso ou exigindo justificações quanto à ausência daqueles. É o próprio interveniente que elabora os horários que os tradutores observam, por acordo entre eles e sem intervenção da Ré.

8. Mesmo a parte fixa da remuneração (€ 2.800/ mês) é suscetível de ser partilhada entre os tradutores para a adequar aos serviços efetivamente prestados (cfr., de forma conjugada, factos assentes 23, 24 e 37.

9. O facto de os serviços de tradução serem prestados nas instalações da Ré e com recurso a equipamentos próprios desta colhe fundamento na natureza da atividade da Recorrida, degradando o seu poder para caracterizar o vínculo em estudo como um contrato de trabalho (pelo que não deve ser sobrevalorizado).

10. Acrescente-se que o interveniente não está sujeito a qualquer obrigação de exclusividade, tendo prestado serviços para terceiros.

11. Em todo o caso, a presente ação jamais poderia ser julgada procedente, dado que, nos termos do artigo 186.°-O do Código de Processo do Trabalho, o veredito final tem uma dupla dimensão: para além da declaração da existência de um contrato de trabalho, o juiz tem de fixar a data de início da relação laboral.

12. Ora, a matéria de facto assente é por demais incerta quanto à data de início da relação contratual ora em crise (não tendo o Autor nem o interveniente principal cuidado de impugnar o probatório de 1.ª instância, no sentido de precisar aquela notação temporal imprescindível na economia desta ARECT).

13. Sendo o probatório inconclusivo quanto a uma das dimensões inultrapassáveis de um veredito final de procedência da ação (a data de início da relação contratual), tal desfecho processual não pode ser deferido no caso vertente.

14. Impõe-se, pois, confirmar o Acórdão revidendo.»

 

Termina referindo que os recursos de revista devem ser julgados totalmente improcedentes.

 

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber: a) se à relação existente entre o interveniente AA e a Ré RTP é aplicável o disposto no artigo 12.º do Código de Trabalho de 2009; b) se essa relação deve ser considerada como de trabalho subordinado.


II

As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

«1. No dia 05 de Maio de 2017 a ACT- Autoridade para as Condições do Trabalho- efetuou uma ação inspetiva na sede e instalações da Ré;

2. No âmbito de tal inspeção verificou ter AA celebrado com a Ré contrato de prestação de serviços;

3. Constatou a ACT a existência de indícios de que as condições de trabalho de DD eram análogas às de um contrato de trabalho; (retificado o nome)

4. A ACT notificou a Ré, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º A n.º 1 da Lei 107/2009 de 14 de Setembro, na redação introduzida pela Lei 63/2013 de 27 de Agosto, para proceder à regularização da situação;

5. Decorrido o prazo legal previsto na citada norma, a Ré não regularizou a situação;

6. Apresentando a resposta que consta dos autos, nos termos da qual conclui pela existência de relações de prestação de serviços entre AA e a Ré e, caso assim não se entenda, a impossibilidade por parte desta em proceder à regularização através do simples reconhecimento da existência de contratos de trabalho à revelia do processo de regularização imposto pelo PREVPAP, que a RTP está obrigada a cumprir;

7. A Ré é uma entidade que se dedica a atividades de televisão;

8. AA iniciou a sua relação profissional com a Ré, em data não concretamente apurada mas anterior a 1 de Julho de 2002, após ter procedido a um teste de avaliação realizado por BB;

9. Após, em data não concretamente apurada, AA foi convidado a colaborar com a Ré, começando a realizar atividade de tradução de diversos trabalhos que eram solicitados pela Ré;

10. Os trabalhos realizados compreendiam a tradução de filmes, séries, documentários, programas desportivos e outros;

11. Como contrapartida pelo trabalho executado, a Ré pagava a AA, uma compensação pecuniária definida em função do número e duração dos trabalhos traduzidos e legendados;

12. Estes trabalhos eram executados, inicialmente, nas instalações que a Ré tinha sitas na Alameda das Linhas Torres, n.º 95, em Lisboa;

13. A Ré celebrou com AA um contrato que denominou de prestação de serviços, nos termos do qual este passou a exercer, pelo menos a partir de 1 de Julho de 2002 e sucessivos aditamentos, as funções de tradutor que compreendem a tradução para legendagem para língua portuguesa de peças jornalísticas e/ou informativas da área da informação diária e não diária, no âmbito da Direção de Informação da Ré, qualquer que seja a notícia, relato, acontecimento ou evento, rubrica ou serviço de programas (canal) a que se destinam, nomeadamente informação política, social, económica, cultural ou desportiva, enviada pelo AGS nas instalações da Ré sitas na Avenida do … nº …, …. em Lisboa, mais concretamente no Gabinete .../piso 0 do Edifício Principal da ré RTP;

14. O serviço feito pelo AA foi sempre prestado nas instalações pertencentes à Ré, com utilização dos equipamentos e instrumentos de trabalho da Ré nomeadamente: secretária, cadeira, computadores (legendadores), televisão, etc.;

15. Usando software específico para a realização das suas tarefas disponibilizado pela Ré, como seja o “poliscript”;

16. Os tradutores que integram a equipa de traduções e prestam a sua atividade à Ré exercem funções em turnos pré-definidos por esta, durante sete dias por semana, entre as 05h00 e 24h00 durante os dias de semana e entre as 07h00 e as 24h00 durante os fins-de semana;

17. Durante o referido horário, o trabalho é exercido em turnos organizados em função das necessidades de trabalho dos serviços de informação, nos termos definidos pela Ré:

a) Durante os dias de semana:

- das 05h00 às 12h30;

- das 12h30 às 21h00;

- das 19h às 24h00.

b) Durante os fins de semana:

- das 07h00 às 14h00;

- das 12h30 às 21h00;

- das 19h00 às 24h00.

18. Os turnos da prestação de serviços eram elaborados e organizados por AA em conjunto com os demais elementos que integram a equipa de traduções, e enviados a BB – enquanto Chefe da Unidade de Tradução e Legendagem;

19. A Direção de Informação comunica à equipa de tradutores o número de tradutores que devem estar presentes nas instalações da Ré durante certos horários específicos, nomeadamente durante os horários com maior número de programas noticiosos;

20. Para assegurar a prestação dos serviços relativamente à informação, a equipa de tradução organiza-se entre si, sem qualquer intervenção da Ré, de modo a assegurar a presença de um tradutor nas instalações desta que corresponda à urgência dos serviços que lhes é comunicado;

21. Os dias e horas a que os tradutores se apresentam na sala dos legendadores são definidos pelos interessados, que combinam entre si a respetiva presença nas instalações da Ré de forma a cumprir os serviços contratados, sem determinação individualizada por parte da Ré;

22. A Ré somente pretende que as traduções e legendagens sejam apresentadas a tempo e de modo a serem incorporadas nos serviços noticiosos da estação, independentemente da identidade do prestador;

23. De igual modo, os prestadores de serviços de tradução organizam-se entre si, de modo autónomo relativamente às traduções de programas estrangeiros, podendo comutá-las entre si, não decidindo a Ré quem executa os serviços;

24. Por vezes, os tradutores que integram a equipa de tradução partilham montantes pecuniários entre si de modo adequá-los à quantidade de serviços que cada um efetivamente prestou;

25. A equipa de tradutores recebe por e-mail, indicações, instruções e comunicações quanto ao horário e ao número de tradutores que devem estar presentes nas instalações da Ré;

26. As prioridades dos trabalhos a concluir são definidas pela Ré, que comunica e instrui a equipa de tradutores sobre que trabalhos são prioritários e as horas a que os mesmos deverão estar concluídos;

27. A equipa de tradutores recebe por parte da Ré indicações editoriais e funcionais, sem as quais o tradutor não conseguiria prestar os serviços contratados pela Ré;

28. A equipa de tradutores contacta diretamente com os jornalistas da Ré, que pedem diretamente ao tradutor que se encontra presente a tradução e legendagem de peças informativas;

29. Sempre que, por algum motivo, as peças não são traduzidas e legendadas a tempo de serem emitidas nos serviços informativos ou caso as legendagens sejam consideradas como “tecnicamente incorretas”, são solicitadas explicações pela Ré junto de BB e apuradas responsabilidades;

30. BB exercia até Agosto de 2017 as funções de Coordenadora de toda a área de tradução da Ré RTP e pertencente ao seu quadro de pessoal e estabelecia a ponte entre a equipa de tradução com a direção de informação;

31. Quando necessita de se ausentar, ou de gozar períodos de descanso, AA tem que o comunicar verbalmente ou por escrito (email) aos demais elementos que integram a equipa de tradutores, para garantir a respetiva substituição por pessoa que assegure a realização do mesmo serviço no horário que lhe está previamente atribuído;

32. Dando ainda conhecimento de tais ausências à Ré por uma questão de cortesia.

33. Tais ausências não são descontadas no valor mensal que recebe por parte da Ré, nem dependem de prévia autorização da Ré;

34. Quando AA exerce as suas funções fora do horário supra referido, é-lhe paga pela Ré uma contrapartida pecuniária extraordinária;

35. O AA dispõe de um cartão magnético para acesso às instalações da RTP;

36. AA nunca definiu o montante das contrapartidas financeiras pagas pela prestação das suas funções, nunca tendo apresentado qualquer orçamento ou proposto qualquer valor de honorários;

37. Pelo menos desde 01 de Julho de 2002 e de forma ininterrupta até à presente data, AA, recebe, como contrapartida, pela atividade prestada, uma compensação pecuniária definida pela Ré e que é composta:

a. Por uma componente fixa e certa – independentemente do volume e quantidade de trabalho – quanto às funções de tradução para legendagem para língua portuguesa de peças jornalísticas e/ou informativas da área da informação diária e não diária, no âmbito da Direção de Informação da Ré, e;

b. Por uma componente variável, relativamente aos programas fora do âmbito da informação (nomeadamente filmes, séries e documentários), paga em função do volume e quantidade de trabalho e mediante valores definidos, aprovados e em vigor na RTP;

38. A parte fixa da compensação pecuniária mensal paga pela Ré a AA, sofreu cortes na sequência das sucessivas Leis do Orçamento a partir de 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, Lei n.º 64/2011, de 30 de dezembro, e Lei n.º 66 B/2012, de 32 de dezembro);

39. Tais cortes foram aplicados e comunicados a AA, nos termos aplicados aos trabalhadores da Ré, não tendo sido objeto de qualquer negociação ou discussão com aquele;

40. Os referidos cortes foram repostos, em Janeiro de 2017 na sequência da Lei n.º 159/2015 de 30 de dezembro;

41. Sobre os valores que aufere, AA emite recibos, seguindo o regime específico dos rendimentos do trabalho autónomo ou independente;

42. AA é economicamente dependente da Ré; (eliminado)

43. Na Ré não existem trabalhadores subordinados ao serviço desta que executam o seu trabalho da mesma forma que AA;

44. O AA utiliza um endereço eletrónico criado pela Ré para toda a equipa de tradutores: ...@RTP.pt;

45. O AA e participa nas reuniões de equipa com os demais tradutores e com a responsável pela tradução da RTP – BB; (eliminada a conjugação “e” a seguir ao nome de AA)

46. AA é titular de um cartão magnético que lhe foi facultado pela Ré e que lhe permite aceder às instalações da mesma;

47. AA não consta dos mapas de férias elaborados pela Ré para os seus trabalhadores;

48. A Ré não impôs a AA um regime de exclusividade, podendo o mesmo prestar a sua atividade a terceiros, sem comunicação ou autorização prévia da Ré;

49. Como efetivamente fez nos anos de 2014, 2015 e 2016;

50. AA nunca recebeu subsídios de férias e de Natal.»

Por ter interesse para a decisão consigna-se que na sentença foram dados como não provados os seguintes factos:

«1 - AA iniciou a sua relação profissional com a Ré em finais de 1999, após a conclusão da sua licenciatura em Tradução e Interpretação de Língua Inglesa e Língua Francesa, altura em que procedeu à entrega de um currículo nas instalações da Ré.

2 - O AA está integrado na estrutura orgânica da Ré.

3 - O AA passou a exercer as funções referidas em 13), a partir de Janeiro de 2002.

4 - AA recebe instruções e orientações por parte de BB a quem reporta.

5 - AA recebe instruções do Departamento de Informação e, por vezes, do Departamento de Produção.

6 - No cartão magnético de acesso às instalações da Ré ficam registadas as horas de entrada e de saída das instalações.

7 - A Ré não controla a assiduidade de AA.

8 - Caso não tivesse qualquer tarefa para cumprir, o AA não era obrigado a estar presente e/ou permanecer na Ré.

9 - A Ré nunca exerceu qualquer ação ou advertência disciplinar sobre o AA.»

 


III

1 – A decisão recorrida afastou a aplicação ao caso dos autos do disposto no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, com os seguintes fundamentos:

«Antes de mais e tendo em consideração decorrer da matéria de facto provada que o mencionado relacionamento contratual se iniciou em data não apurada, mas anterior a 1 de julho de 2002 – altura em que, para além do Código Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344 de 24-11-1966, vigorava, em matéria laboral, a denominada LCT aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49408 de 24-11-1969 – relacionamento que perdura até aos dias de hoje – sendo que a este último diploma sucedeu, com efeitos a partir de 1 de dezembro de 2003, o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08, o qual sofreu alterações entre as quais se destacam as que lhe foram conferidas pela Lei n.º 9/2006 de 20-03 e, posteriormente, com efeitos a partir de 17 de fevereiro de 2012, o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02 –, importa determinar qual o regime jurídico a considerar na apreciação da questão em apreço.

A este respeito e tendo presente o verdadeiro “thema decidendum” da presente causa, ou seja, a qualificação jurídica a atribuir ao contrato estabelecido entre a Ré Rádio e Televisão de Portugal, S.A. e AA, em data não apurada mas anterior a 1 de julho de 2002 (v. ponto 8 dos factos provados) e sabendo-se, por outro lado, que esse contrato se foi desenvolvendo ao longo dos anos até aos dias de hoje, entendemos que não nos devemos ater apenas à legislação em vigor no momento da sua celebração, mas apreciar se da matéria de facto provada resulta a ocorrência de uma qualquer alteração que se possa reputar de substancial na configuração ou caracterização do contrato – isto tendo em consideração não só os objetivos que com a sua outorga se pretenderam inicialmente alcançar, como a forma como a atividade foi sendo desempenhada ao longo dos anos pelo sujeito passivo em benefício do sujeito ativo do contrato – e que, por si, seja determinante da aplicação de qualquer dos aludidos regimes jurídicos que se foram sucedendo no tempo e a que fizemos referência.

Acontece que, no caso em apreço e em face da matéria de facto demonstrada, se não descortina qualquer alteração que, de alguma forma, se possa reputar de substancial ou essencial na configuração ou caracterização do contrato estabelecido entre AA e a Ré Rádio e Televisão de Portugal, S.A., contrato que, como se referiu, foi celebrado em data não concretamente apurada mas anterior a 1 de julho de 2002, isto, como afirmámos, tendo em consideração quer os objetivos que com a sua outorga se pretenderam alcançar, quer a forma como a atividade foi sendo desempenhada ao longo dos anos por aquele em benefício desta, razão pela qual na apreciação da suscitada questão de recurso, levaremos apenas em consideração a já mencionado LCT aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49408 de 24-11-1969, a par do que também se estabelece no Código Civil, não se considerando, portanto, os regimes jurídicos introduzidos pelo Código de Trabalho, quer na sua versão de 2003, com a alteração introduzida em 2006, quer na sua versão de 2009, designadamente no que concerne às presunções de laboralidade aí estabelecidas. Ver neste sentido e entre outros, os doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05-03-2013 proferido no processo n.º 3247/06.2TTLSB.L1.S1 e de 01-06-2017 proferido no processo n.º 470/13.7TTOAZ.P1.S1, qualquer deles acessíveis em www.dgsi.pt.».

Merecem a nossa adesão estas considerações que aliás se inserem na linha de orientação da jurisprudência desta Secção há muito estabilizada.

Ainda recentemente esta Secção se voltou a debruçar sobre esta matéria no acórdão de 4 de julho de 2018, proferido no processo n.º 1272/16.4T8SNT.L1.S1[1], de que foi extraído o seguinte sumário:

«I. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça está consolidada de forma uniforme no sentido de que estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes, antes da entrada em vigor das alterações legislativas que estabeleceram o regime da presunção de laboralidade, e não se extraindo da matéria de facto provada que tenha ocorrido uma mudança na configuração dessa relação, há que aplicar o regime jurídico em vigor na data em que se estabeleceu a relação jurídica entre as partes.

II. A presunção de laboralidade é um meio facilitador da prova a favor de uma das partes, pelo que a solução de aplicar a lei vigente ao tempo em que se realiza a atividade probatória pode conduzir a um desequilíbrio no plano processual provocado pela impossibilidade de se ter previsto no momento em que a relação se estabeleceu quais as precauções ou diligências que deviam ter sido tomadas para assegurar os meios de prova, o que poderia conduzir à violação do direito a um processo equitativo e causar uma instabilidade indesejável em relações desde há muito constituídas.

III. Estando em causa uma relação jurídica estabelecida entre as partes em 2 de novembro de 1995, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os seus termos essenciais, à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969, não tendo aplicação as presunções previstas no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 e de 2009.

IV. Resultando da factualidade provada que o interesse de uma empresa era o resultado da atividade desempenhada por um colaborador, a quem era deixada margem de liberdade para organizar o serviço, e não existindo indícios de sujeição a ordens ou instruções, é de concluir que o autor não logrou provar, como lhe competia, que a relação contratual que vigorou entre as partes revestiu a natureza de contrato de trabalho.»

Não temos quaisquer razões para nos afastarmos da linha de orientação subjacente a este aresto, não se ignorando o debate doutrinário que esta orientação vem motivando e de que naquele aresto se faz eco.

Na verdade, as presunções de laboralidade estabelecidas no artigo 12.º do Código do Trabalho em vigor prendem-se intimamente com a demonstração do facto de que emerge a relação jurídica a que se referem. Deste modo nada têm a ver com o complexo de direitos e obrigações que são inerentes à situação jurídica em que ocorrem, mas estão ligadas à caracterização do facto que dá origem aquela situação jurídica. Visam a demonstração do título jurídico de que emerge a situação jurídica em causa e que a caracteriza.

Não podem, deste modo, ser desligadas desse facto, do que decorre que só possam ser aplicadas a situações jurídicas já iniciadas na vigência da norma que as consagrou.

Assim, relativamente a relações iniciadas na vigência daquela norma o legislador presume, juris tantum, que às mesmas está subjacente um contrato de trabalho, quando se mostrem preenchidos os pressupostos estabelecidos naquele artigo.

Estamos, deste modo, no âmbito da segunda parte n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, quando exceciona do âmbito de aplicação do novo código a «condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».

Lida esta norma no contexto do artigo 12.º, n.º 2 1.ª parte, do Código Civil, pode concluir-se que o que está em causa no âmbito das presunções de laboralidade são ainda «condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos».

Com efeito, o que se visa é caracterizar substancialmente um facto que dá origem a uma relação como contrato de trabalho, pelo que as presunções de laboralidade se terão de aplicar apenas aos factos novos, ou seja às relações constituídas na vigência da norma.

 Nem se diga, como fazem os recorrentes, que o afastamento das presunções de laboralidade na decisão recorrida é contrário ao disposto no artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.

Na verdade, assente que as presunções em causa nada têm a ver com o conteúdo da situação jurídica a cuja demonstração se dirigem, torna-se evidente que as mesmas não podem ser aplicadas a relações iniciadas antes da sua entrada em vigor.

Não está em causa, como se disse, o conteúdo das situações jurídicas iniciadas na vigência da legislação anterior, mas a caracterização de factos que dão origem situações jurídicas, o que se prende claramente com o direito do facto, só sendo aplicável aos factos novos.

Por outro lado, também não ocorreram durante a vigência da relação existente entre o AA e a Ré, nomeadamente depois da entrada em vigor do Código de Trabalho de 2009, quaisquer alterações na forma como a atividade prosseguida era levada a cabo que permitam afirmar que se constituiu uma relação jurídica entre as partes e, por essa via, fazer apelo à aplicação do mencionado artigo 12.º do referido código.

As assinaturas de novos contratos ou os aditamentos a contratos anteriores reivindicadas pelo Autor e pelo AA não implicaram qualquer alteração na forma como a atividade vinha sendo prosseguida e não provocaram qualquer mudança na relação anteriormente constituída, não tendo por isso qualquer relevo relativamente à aplicação ao caso dos autos do referido dispositivo.

2 – A decisão recorrida considerou que a relação existente entre o AA e a Ré não era uma relação de trabalho subordinado.

Tendo como base a matéria de facto dada como provada e a análise da mesma, a decisão recorrida ponderou um conjunto de factos que entendeu que podiam apontar para uma relação de trabalho subordinado, nomeadamente, os constantes dos pontos n.ºs 8 a 10, 12, 14, 15, 25 a 27, 36 a 40 e 44, da matéria de facto, tendo sobre o relevo dos mesmos referido o seguinte:

«Na verdade, em face dessa matéria de facto demonstrada, verifica-se que a relação profissional estabelecida entre aqueles foi precedida da realização de um teste de avaliação a AA levado a cabo por BB, chefe da unidade de tradução e legendagem e coordenadora de toda a área de tradução da Ré, verificando-se, para além disso que os trabalhos de tradução de filmes, séries, documentários, programas desportivos e outros eram e foram sempre realizados pelo AA em instalações pertencentes à Ré e com a utilização dos equipamentos (secretária, cadeira, computadores- legendadores – televisão, etc.) e instrumentos (software específico “poliscript”) de trabalho desta ou por esta disponibilizados, recebendo o AA, assim como os restantes tradutores, indicações, instruções e comunicações quanto ao horário e ao número de tradutores que deviam estar presentes nas instalações da Ré, bem como quais as prioridades dos trabalhos a concluir e as horas a que os mesmos deveriam estar concluídos e ainda indicações editoriais e funcionais, sem as quais o tradutor não conseguiria prestar os serviços contratados pela Ré, sendo que o AA utiliza um endereço eletrónico criado por aquela para toda a equipa de tradutores: ...@RTP.pt.

Por outro lado, este, para além de nunca ter definido o montante das contrapartidas financeiras pagas pela Ré pela prestação das suas funções, nunca tendo apresentado qualquer orçamento ou proposto qualquer valor de honorários, pelo menos desde 1 de julho de 2002 e de forma ininterrupta até à presente data, recebe, como contrapartida pela atividade prestada, uma compensação pecuniária definida pela Ré, a qual é composta por uma componente fixa e certa – independentemente do volume e quantidade de trabalho – quanto às funções de tradução para legendagem, para língua portuguesa, de peças jornalísticas e/ou informativas da área de informação diária e não diária no âmbito da Direção de Informação da Ré e por uma componente variável relativamente aos programas fora do âmbito da informação (nomeadamente filmes, séries e documentários), componente que é paga pela Ré em função do volume e quantidade de trabalho, mediante valores definidos, aprovados e em vigor na RTP.

Acresce ainda que a parte fixa da componente pecuniária mensal paga pela Ré a AA, a partir de 2011 sofreu cortes na sequência das sucessivas Leis de Orçamento de Estado (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, Lei n.º 64/2011, de 30 de dezembro, e Lei n.º 66 B/2012, de 32 de dezembro), nos termos em que esses cortes foram aplicados aos trabalhadores da Ré e sem que tal tivesse sido objeto de qualquer negociação ou discussão com aquele, cortes esses que foram repostos e janeiro de 2017 na sequência da Lei n.º159/2015 de 30-12.»

Seguidamente, a decisão recorrida debruçou-se sobre outro complexo de factos, nomeadamente, os constantes dos pontos n.ºs 9 a 11, 13, 16 a 24, 31 a 33, 41, 43 e 47 a 50, que entendeu que apontariam para uma relação de prestação de serviço, tendo nesta sede ponderado o seguinte:

«Na verdade, sabendo-se que a Ré celebrou com AA um contrato que, eles próprios, denominaram de prestação de serviços, nos termos do qual este passou a exercer, pelo menos a partir daquela data e sucessivos aditamentos, as funções de tradutor que compreendem a tradução para legendagem para língua portuguesa de peças jornalísticas e/ou informativas da área da informação diária e não diária, no âmbito da Direção de Informação da Ré – qualquer que seja a notícia, relato, acontecimento ou evento, rubrica ou serviço de programas (canal) a que se destinam, nomeadamente informação política, social, económica, cultural ou desportiva, enviada pelo AGS  nas instalações da Ré sitas na Avenida … nº …, … em Lisboa, mais concretamente no Gabinete .../piso 0 do Edifício Principal da Ré RTP –, demonstrou-se que o AA foi convidado a colaborar com esta, começando a realizar a atividade de tradução de diversos trabalhos que lhe eram solicitados pela mesma – trabalhos que compreendiam a tradução de filmes, séries, documentários, programas desportivos e outros – pagando-lhe a Ré, como contrapartida, uma compensação pecuniária definida em função do número e duração dos trabalhos traduzidos e legendados.

Para além disso, muito embora se tenha demonstrado que os tradutores que integram a equipa de traduções e prestam a sua atividade à Ré, exercem funções em turnos pré-definidos por esta, durante sete dias por semana, entre as 05h00 e 24h00 durante os dias de semana e entre as 07h00 e as 24h00 durante os fins-de semana e que durante o referido horário, o trabalho é exercido em turnos organizados em função das necessidades de trabalho dos serviços de informação, nos termos definidos pela Ré mencionados no ponto 17 dos factos assentes, também se provou que os turnos da prestação de serviços eram elaborados e organizados por AA em conjunto com os demais elementos que integram a equipa de traduções, e enviados a BB – enquanto Chefe da Unidade de Tradução e Legendagem – sendo que, embora a Direção de Informação comunique à equipa de tradutores o número de tradutores que devem estar presentes nas instalações da Ré durante certos horários específicos, nomeadamente durante os horários com maior número de programas noticiosos, o certo é que para assegurar a prestação dos serviços relativamente à informação, a equipa de tradução, organiza-se entre si, sem qualquer intervenção da Ré, de modo a assegurar a presença de um tradutor nas instalações desta que corresponda à urgência dos serviços que lhes é comunicado, isto para além de que os dias e horas a que os tradutores se apresentam na sala dos legendadores são definidos pelos interessados, que combinam entre si a respetiva presença nas instalações da Ré de forma a cumprir os serviços contratados, sem determinação individualizada por parte desta, a qual somente pretende que as traduções e legendagens sejam apresentadas a tempo e de modo a serem incorporadas nos serviços noticiosos da estação, independentemente da identidade do prestador.

Para além disso, também se demonstrou que, de igual modo, os prestadores de serviços de tradução organizam-se entre si, de modo autónomo relativamente às traduções de programas estrangeiros, podendo comutá-las entre si, não decidindo a Ré quem executa os serviços, sendo que, por vezes, os tradutores que integram a equipa de tradução partilham montantes pecuniários entre si de modo a adequá-los à quantidade de serviços que cada um efetivamente prestou.

Por outro lado, também se provou que, quando necessita de se ausentar, ou de gozar períodos de descanso, o AA tem que o comunicar verbalmente ou por escrito (email), não à Ré ou a BB, enquanto Chefe da Unidade de Tradução e Legendagem desta, mas aos demais elementos que integram a equipa de tradutores, para garantir a respetiva substituição por pessoa que assegure a realização do mesmo serviço no horário que lhe está previamente atribuído, dando apenas conhecimento de tais ausências à Ré por uma questão de cortesia, sendo que tais ausências não lhe são descontadas no valor mensal que recebe por parte da Ré, nem dependem da prévia autorização desta.

Para além disso, também se demonstrou que, sempre que, por algum motivo, as peças não são traduzidas e legendadas a tempo de serem emitidas nos serviços informativos ou caso as legendagens sejam consideradas como “tecnicamente incorretas”, são solicitadas explicações pela Ré junto de BB e apuradas responsabilidades, sem que, contudo, se haja provado que a Ré tivesse, alguma vez, exercido qualquer ação ou advertência disciplinar sobre qualquer dos tradutores designadamente sobre o AA.

A isto acresce a circunstância de se haver demonstrado que a Ré não impôs a AA um regime de exclusividade, podendo o mesmo prestar a sua atividade a terceiros, sem comunicação ou autorização prévia da Ré como efetivamente fez nos anos de 2014, 2015 e 2016, sendo que aquele não consta dos mapas de férias elaborados por esta para os seus trabalhadores, assim como o mesmo nunca recebeu subsídios de férias e de Natal, para além de se haver provado que sobre os valores que aufere da Ré o AA emite recibos, seguindo o regime específico dos rendimentos do trabalho autónomo ou independente.

Finalmente e com interesse, também se demonstrou que BB “estabelecia a ponte” entre a equipa de tradução e a Direção de Informação da Ré, sendo que nesta não existem trabalhadores subordinados ao seu serviço que executem o seu trabalho da mesma forma que AA.»

Ponderando depois globalmente os elementos decorrentes da matéria de facto dada como provada, a decisão recorrida inclinou-se no sentido do afastamento de uma relação de trabalho subordinado, com os seguintes fundamentos:

«Ora, todos estes aspetos atinentes a matéria de facto, com o realce que os mesmos assumem no conjunto dos factos provados, levam-nos a considerar e a concluir que preponderam, na medida em que assumem uma maior evidência os que revelam a existência de uma relação contratual de prestação de serviços entre AA e a Ré Rádio e Televisão de Portugal, S.A. – no caso, uma prestação de serviços de tradução para legendagem para língua portuguesa de peças jornalísticas e/ou informativas da área da informação diária e não diária, no âmbito da Direção de Informação da Ré, qualquer que seja a notícia, relato, acontecimento ou evento, rubrica ou serviço de programas (canal) a que se destinam, nomeadamente informação política, social, económica, cultural ou desportiva –, em detrimento da existência de uma relação contratual de natureza laboral. Com efeito, os serviços prestados por AA à Ré, tudo leva a crer, foram e continuam a sê-lo, aliás, no âmbito de uma equipa de tradução constituída igualmente por outros prestadores, sendo que, como se demonstrou, a Ré apenas pretende que as traduções e legendagens sejam apresentadas a tempo e de modo a serem incorporadas nos serviços noticiosos da estação, independentemente da identidade do prestador e, para além disso, não deixa de ser sintomático da existência da mencionada prestação de serviços, a circunstância demonstrada de haver uma funcionária da Ré, BB, para “estabelecer a ponte” entre a equipa de tradução e a Direção de Informação, não deixando, também, de ser revelador do que se mencionou que alguns dos contratos denominados de prestação de serviços formalmente subscritos por AA e pela Ré Rádio e Televisão de Portugal, S.A. ao longo dos anos, também tenham sido assinados, na mesma oportunidade, por vários outros tradutores integrantes da, ao que tudo indica, referida equipa de tradução (v. contratos juntos aos autos com o articulado deduzido por AA como doc. n.º 1).

Deste modo e não obstante alguns dos demonstrados indícios de subordinação anteriormente mencionados, somos levados a concluir que o serviço de tradução prestado por AA à Ré Rádio e Televisão de Portugal, S.A., o foi, ao longo dos anos e continua a ser, no âmbito de um contrato de prestação de serviços, não merecendo, por isso, censura a sentença recorrida ao haver concluído do mesmo modo.»

Merecem a nossa adesão estas considerações.

Na verdade, o sentido dominante dos elementos indiciários recolhidos inclina-‑se claramente para uma situação de prestação de serviço.

São expressivos desta realidade, os factos descritos nos pontos n.ºs 9, 10 e 11, a apontar para uma realização de tarefas individualizadas, o que não é revelador de trabalho subordinado, o facto de a atividade prosseguida ser levada a cabo em turnos organizados pelo AA – facto 18 -, sem qualquer intervenção da Ré – facto 20 -, do facto de serem os prestadores a definir quem integrava os turnos – facto 21 -, «sem determinação individualizada da Ré» e do facto de os vários prestadores partilharem entre si os montantes pecuniários auferidos – facto 24 -.

Têm ainda uma dimensão estruturante neste sentido de orientação a circunstância de os prestadores se substituírem, nos termos referidos no ponto n.º 31, dando conhecimento à Ré «por uma questão de cortesia», e sem que as ausências fossem descontadas – factos 31 e 32. No mesmo sentido releva ainda o facto descrito nos pontos n.º 48 e 49, relativamente à não existência de uma situação de exclusividade.

Acresce que a mera integração do AA na equipa de tradutores não permite afirmar a integração do mesmo na estrutura orgânica da Ré, atenta a autonomia de que esta estrutura beneficiava no âmbito da atividade prosseguida pela Ré, uma vez que não decorrem da matéria de facto dada como provada elementos que permitam afirmar que a atividade prosseguida por tal estrutura era efetivamente dirigida pela BB, que nos termos do ponto n.º 30 daquela matéria de facto apenas «exercia (…) as funções de coordenadora de toda a área de tradução» da Ré.

Na síntese global, o relevo dos elementos que apontam para uma relação de trabalho não subordinado são concludentes e decisivos.

Incumbia ao Autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, fazer prova dos factos que integrassem a subordinação jurídica que é elemento integrante do contrato de trabalho, o que não fez.


IV


Em face do exposto, acorda-se em negar as revistas e em confirmar a decisão recorrida.

Custas da revista do recorrente AA, a cargo do mesmo, sendo que o recorrente Ministério Público está isento de custas, nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Judiciais.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 27 de novembro de 2018

António Leones Dantas (Relator)

Júlio Gomes

Ribeiro Cardoso

_________________
[1] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.