Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6306/18.5T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I- Situando-se a intermediação financeira no domínio da responsabilidade civil contratual e pré-contratual, a imputação dessa responsabilidade ao intermediário financeiro pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, tais como: a demonstração do facto ilícito (traduzido, nomeadamente, na violação do dever de informação); a culpa (que se presume nos termos do artº. 799º nº. 1, do CC e artº. 304º-A, nº. 2, do CVM); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro, e/ou a outros prejuízos daí resultantes); e a existência de um nexo de causalidade (adequada) entre o facto e o dano.

II- O ónus da prova desses pressupostos, na linha da “doutrina” fixada pelo STJ no AUJ nº. 8/2022, impende sobre o cliente/investidor (que apenas está dispensado da prova da culpa do intermediário, por ser presumida).

III- Na intermediação financeira, para além dos deveres gerais de informação decorrentes do princípio geral da boa fé, o legislador (CVM) consagrou deveres específicos de informação, atenta a natureza da atividade, que incluem todas as informações necessárias para uma tomada de decisão (pelo investidor) esclarecida e fundamentada, nomeadamente as informações respeitantes aos instrumentos financeiros, às suas características e aos riscos especiais que envolve, devendo o intermediário fazê-lo de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita para que a informação possa ser compreendida pelo cliente/investidor.

IV- Este dever de informação deve, todavia, adequar-se sempre ao tipo de investidor, assumindo um conteúdo elástico, nomeadamente em função do maior ou menor grau de conhecimentos e de experiência do cliente, da sua literacia financeira, de modo a preservar a tutela da autodeterminação do investidor na decisão por si a tomar.

V- E daí que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa).

VI- É de responsabilizar o Banco, enquanto intermediário financeiro, que aplicou determinada quantia, que um cliente tinha depositada numa conta bancária de uma sua agência, na subscrição, em nome deste e que colocou na titularidade do mesmo, de determinado produto financeiro, sem para tal ter sido autorizado/mandatado por esse cliente, apesar deste último ter vindo posteriormente a ratificar e aceitar a manutenção dessa aplicação, o que apenas anuiu na altura fazer depois de o funcionário do banco lhe ter dito, sem que tal correspondesse à realidade e sem que lhe fornecesse qualquer outra explicação/informação sobre a natureza e característicos do produto, que se tratava de uma aplicação segura, em tudo equivalente a um depósito a prazo, com o reembolso de capital garantido pelo próprio banco, pois que que se soubesse que tal não correspondia à realidade jamais teria aceite proceder à ratificação e à manutenção da aplicação feita pelo referido banco.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I- Relatório


1. Os autores, AA e mulher BB, instauraram (em 2018) contra o réu, BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., todos com os demais sinais dos autos, ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que este último seja condenado a pagar-lhes: a) a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 09/05/20216 até integral pagamento, que em 29/10/2018 se contabilizam em € 4.947,95, como indemnização dos danos patrimoniais; e b) uma indemnização não inferior a € 1.500,00 para cada um deles, para reparação dos danos não patrimoniais sofridos, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a sentença até integral pagamento.

Para o efeito, e em síntese, alegaram:

O gestor da sua conta que tinham aberta na agência de ... do BPN - Banco Português de Negócios, S.A. (entretanto adquirido e incorporado, por fusão, no ora R.) - canalizou a quantia de € 50.000,00 que ali possuíam para a compra (em seu nome) de Obrigações SLN Rendimento Mais 2006, sem sua autorização e sem seu conhecimento.

Quando de tal tomaram conhecimento, dirigiram-se àquela agência para exigirem a devolução do referido montante, tendo-lhe então ali sido explicado que se tratava de uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, sem risco de perda de capital, pelo que, face ao que lhe foi dito, aceitaram manter tal aplicação.

Porém, só em 2008, aquando da nacionalização do BPN, é que tiveram conhecimento que aquele seu dinheiro não havia sido aplicado num depósito a prazo ou semelhante, mas sim numa aplicação de risco cuja responsável pela restituição era a Sociedade Lusa de Negócios (SLN) e não o BPN.

Nunca foram também informados sobre o significado da compra de Obrigações SLN Mais 2006, e nem lhes foi explicado o que eram Obrigações subordinadas, nem o que eram Obrigações SLN Mais 2006, bem como nenhuma informação lhes foi prestada quanto à entidade emissora, à liquidez do capital e ao vencimento da retribuição.

Acontece que nem na data de vencimento, nem posteriormente, lhes foi disponibilizada aquela quantia investida/aplicada, recusando-se o R. a restituir-lhes os € 50.000,00, o que, devido a isso, lhes vem também causando danos de natureza não patrimonial, para cujo ressarcimento reclamam a quantia de € 1.500,00 para cada um.


2. Contestou o réu, defendendo-se por exceção e por impugnação.

No que concerne àquela primeira defesa invocou, além do mais, prescrição do direito dos autores.

E no que concerne àquela segunda defesa, alegou, em síntese, que cumpriu para com os AA. os deveres a que estava vinculado, e particularmente o dever de informação, declinando qualquer responsabilidade pelos danos que o AA. alegam ter sofrido.

Concluiu pedindo a improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.


3. Os AA. responderam àquela matéria de exceção.


4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou o R. a pagar aos AA. a) a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros à taxa legal, desde 09/05/2016 e até integral pagamento; b) e ainda a quantia de € 750,00 (a título de indemnização por danos não patrimoniais) cada um dos AA., num total de € 1.500,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, calculados desde a data  da prolação dessa sentença e até integral pagamento.


5.  Inconformada como tal decisão, dela apelou o R. .


6. Na apreciação desse recurso, a Relação de Guimarães (TRG), por acórdão de 05/12/2019, decidiu, no final, e sem voto de vencido, julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.


7. Novamente irresignado com tal acórdão decisório, o R. dele interpôs recurso de revista excecional, tendo concluído as respetivas alegações nos seguintes termos (respeitando-se a ortografia):

«1. O douto acórdão da Relação de Évora violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da DirecKva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao A. (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido similar a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado ao A., sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exatamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro ... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2014, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à exceção de ser uma mera hipótese académica -, em 2004, dez anos antes!

9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspetiva da insolvência era também equivalente!

14. A única diferença consiste no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objetivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respetivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exatamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é suscetível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no art. 236º do CC uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exatas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

24. O grau de exatidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

25. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelo Autor, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26. Apesar do autor não ser investidor com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

27. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua atividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

31. Tal redação refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

33. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o DL 357-A/07 de 31/10, que aditou o art. 312º-E, nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

34. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

35. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na atual redação do CdVM.

36. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

37. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer fator extrínseco ao mesmo.

38. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respetiva rentabilidade.

39. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

40. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

41. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na atividade de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens.

42. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

43. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objetivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjetivação em função do emitente!

44. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da atividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

45. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao A. e o ato de subscrição.

46. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

47. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

48. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

49. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

50. Se em abstrato, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

51. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de receção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à receção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o A. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, suscetível de o caracterizar.

52. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

53. A única prestação principal neste contrato será a de receção e transmissão de ordens do cliente.

54. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

55. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

56. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

57. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no ato de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

58. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

59. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

60. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efetivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspetiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

61. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

62. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

63. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações e que é essa causa do seu dano!

64. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

65. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

66. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão.

67. E nada disto foi feito!

68. A origem do dano do A. reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco é alheio!

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido (…). »

7.1 Com essas alegações o R. juntou ainda dois pareceres subscritos por dois eminentes professores/jurisconsultos.


8. Contra-alegaram os AA. pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção integral do julgado.


9. Recurso esse que veio a ser admitido (como revista excecional) por acórdão da Formação (nºs. 3 e 4 do artº. 672º do CPC).


10. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir (após a instância ter estado suspensa a aguardar a prolação de AUJ(s) pendentes envolvendo matéria de direito em discussão nestes autos).


***

II- Fundamentação



A) De facto.

Pelas instâncias foram dados como provados os seguintes factos (mantendo-se a sua numeração e ortografia):

1. Os AA. eram clientes do Banco Português de Negócios (doravante apenas designado por BPN), na sua agência de ..., onde movimentavam parte dos seus dinheiros, realizavam pagamentos e efetuavam poupanças.

2. O BPN foi adquirido pelo BIC, incorporando-se neste por fusão, na sequência da qual todos os direitos e obrigações dos Autores perante o BPN passaram para a esfera do BIC.

3. A conta bancária dos AA. foi aberta na agência do BPN, na Rua ..., ..., freguesia e concelho ..., …após a fusão, nessa mesma morada ficou a ser explorada a sucursal do BIC para a qual transitaram as contas detidas pelos AA. no BPN.

4. O valor de 50.000,00€ encontra-se, ainda, aplicado em obrigações SLN Rendimento Mais 2006, as quais permanecem, por força da fusão do BPN com o BIC, depositadas nesta instituição bancária sob a conta nº.  ...01, recusando o BIC a entregar tal valor aos aqui AA.

5. Em data não concretamente, mas situada entre abril de 2007 e dezembro de 2008, o A. apercebeu-se que eram titulares de obrigações SLN Rendimento Mais 2006. (Nota: Esta redação resultou da alteração introduzida a este ponto pelo acórdão da Relação, na sequência da apreciação da impugnação deduzida pelo R., no seu recurso de apelação, à decisão facto proferida pela 1ª. instância e que inicialmente tinha a seguinte redação: “Em data não concretamente apurada, mas seguramente no mês de Maio de 2007, os AA. aperceberam-se de que eram titulares de obrigações SLN Rendimento Mais 2006.”)

6. Sem que para tal tivessem dado a qualquer ordem ou autorização.

7. Dirigiram-se, então, ao balcão e foram informados pelo seu gestor de conta, CC, que este havia investido parte das suas poupanças numa aplicação segura, em tudo equivalente a um depósito a prazo.

8. Nesse momento, o mencionado CC, explicou aos AA. que se tratava de uma aplicação com reembolso de capital garantido pelo banco BPN, com rentabilidade assegurada, denominado de obrigações SLN Rendimento Mais 2006.

9. Os AA. desconheciam, por completo, ao tempo da mencionada subscrição, a existência das obrigações SLN Rendimento Mais 2006, não tendo formação técnica que lhes permitisse conhecer este tipo de produto financeiro e avaliar os inerentes riscos.

10. Estando convencidos de que SLN Rendimento Mais 2006 era o nome comercial que o BPN havia atribuído aquele concreto depósito a prazo que, acreditaram, tinha sido constituído à revelia da sua vontade.

11. Os AA., quando se dirigiram à agência bancária do BPN, em ..., apenas tinham como intuito exigir a devolução dos seus 50.000,00 €.

12. Mas depois de lhe ter sido explicado que era uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, sem risco de perderem parte ou a totalidade do capital em causa e a sua rentabilidade, aceitaram manter a aplicação, ratificando-a que verbalmente.

13. Em data não concretamente apurada, os AA. tomaram conhecimento que o seu dinheiro não havia sido aplicado num depósito a prazo (ou numa aplicação semelhante sem risco), tendo-lhe sido transmitido pelo BPN que a entidade responsável pela restituição da quantia aplicada era, a final, a SLN e não o próprio banco BPN.

14. Os AA. não sabiam, à data da ratificação da subscrição, nem no momento em que receberam a informação referida no artigo precedente, o que era a SLN.

15. Desconheciam os AA., porque tal lhes foi omitido pelo BPN, que tinham adquirido uma aplicação de risco, muito diferente de um depósito a prazo.

16. E desconheciam que a entidade obrigada à restituição do capital investido não era o próprio Banco BPN que conheciam e em quem confiavam, mas era uma empresa gestora de participações que desconheciam por completo, nem sequer entendendo o seu objeto social.

17. Em momento algum, foram os AA. informados sobre o significado da compra de Obrigações SLN Mais 2006, nunca lhes tendo sido lido ou explicado o que eram Obrigações subordinadas, e o que eram as Obrigações SLN Mais 2006,

18. Não tendo havido de parte do banco um qualquer procedimento informativo, designadamente quanto à entidade emissora, à liquidez do capital e ao vencimento de retribuição.

19. Souberam, apenas, aquilo que então lhes foi transmitido e que os levou a aceitar a manutenção da aplicação abusivamente feita: o prazo de reembolso era garantido pelo próprio BPN ao fim de 10 anos e os juros a pagar nos primeiros 2 semestres eram à taxa anual nominal bruta de 4,5%, nos 8 semestres seguintes eram à taxa Euribor a 6 meses, acrescida de 1,15% e nos restantes semestres eram à taxa Euribor a 6 meses, acrescida de 1,50%.

20. Aos AA. nunca foi lido, entregue ou sequer explicado qualquer documento que contivesse o regime aplicável às sobreditas obrigações subordinadas SLN.

21. Aos AA. não foi dado sequer qualquer documento comprovativo da subscrição efetuada.

22. O Banco BPN comercializou o produto financeiro em causa como se de um depósito a prazo se tratasse, semelhante a um depósito a prazo, com restituição do capital e com retribuição de juros garantidas pelo BPN.

23. Fazendo os AA. acreditarem que nenhum risco corriam em ratificar a subscrição feita pelo gestor de conta.

24. Sabem agora os AA. que o banco havia dado instruções expressas aos seus funcionários para promoverem as vendas destas aplicações e lhes darem prioridade sobre qualquer depósito a prazo

25. Ordenando aos mencionados funcionários que os valores superiores a € 50.000,00 fossem sempre canalizados, mediante convencimento dos clientes com os falsos argumentos acima expostos, para estas aplicações em detrimento de quaisquer depósitos a prazo.

26. Na data de vencimento contratada, os AA. tentaram levantar os montantes que confiaram ao BPN, contudo tal quantia não lhes foi disponibilizada, nem então, nem posteriormente.

27. O capital de € 50.000,00 deveria ter sido restituído aos AA. na data da maturação do investimento que os AA, ou seja, em 9 de Maio de 2016.

28. De um momento para o outro, os AA. foram confrontados com a retenção dos seus 50.000,00€, vivendo na permanente incerteza da recuperação das suas poupanças, desde 09/05/2016.

29. Tendo sido impedidos de recuperar e usar o seu dinheiro da forma como bem entendessem.

30. O que causou, causa e continuará a causar, até à decisão definitiva do pleito, ansiedade aos AA., que os faz sentir nervosos, angustiados e preocupados,

31. Os AA. sentem-se enganados pela instituição bancária de que eram clientes, andando em permanente estado de “stress” e revoltados, sentindo-se desapossados das suas poupanças, sem perspetivas de futuro na sua restituição.

32. Não era previsível, e como tal nunca poderia ter sido comunicado ao cliente, era que em 2008 aconteceria uma nacionalização parcelar do grupo, que veio dividir o mesmo entre parte financeira e não financeira.

33. Foram sendo creditados em conta aos Autores os juros relativos aos cupões das obrigações, o que originava igualmente o competente registo nos seus extratos.

34. O Autor sempre foi pessoa cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património, preferindo sempre rentabilizar os seus fundos, mas exigindo sempre capital garantido pelo Banco.

35. O Autor é Presidente do Conselho de Administração da sociedade A... SGPS, S.A., Administrador Único da sociedade A..., S.A., Gerente da R..., Lda. e Administrador Único da sociedade S..., S.A.

36. O Autor é empresário experiente.

37. O Autor investiu, junto do banco Réu, em outros produtos que não os “vulgares” depósitos a prazo, como é o caso do ... produto no qual o Autor investiu em 20.09.2004, 19.09.2005, 18.09.2006 e 17.09.2007 - conforme extrato junto como documento ....

38. O A. foi informado de que a única forma de liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.

39. O que na altura era possível, comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura, atenta a sua elevada rentabilidade.


***


B) De direito.

1. Do objeto do recurso.

Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se afere, fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, 608º, nº. 2, e 679º do CPC).

Como vem, também, sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” a que se reporta o citado artº. 608º, e de que o tribunal deve conhecer, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes.

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do sobredito recurso do R. verifica-se que a única questão que aqui se nos impõe conhecer e apreciar traduz-se em saber se estão, ou não, verificados os pressupostos legais que permitem, no caso dos autos, responsabilizar civilmente o Banco réu pela sua conduta, nomeadamente quanto à ilicitude da sua conduta (vg. por violação dos deveres de informação a que estava vinculado) e quanto à existência do nexo causal.

As instâncias (bem como os recorridos) entenderam que sim.

O contrário defende o Réu/recorrente (refira-se, desde já, que calcorreando as conclusões do seu recurso, e bem assim as das alegações que as precedem se nos afigura, e salvo sempre o devido respeito, que as mesmas se mostram “standardizadas”, sem ter a conta as especificidades do caso concreto em análise nestes autos).

2. Apreciemos.

Importa, antes de mais, e tendo em conta o caso sub júdice, tecer algumas considerações (ainda que breves) de cariz teórico-técnico, sobre alguma das figuras de que gravitam à volta do setor bancário e do seu relacionamento com os seus clientes.

Como escreve José Engrácia Antunes (in “Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, pág. 483”), designa-se por «contrato de conta bancária, também designado correntemente “contrato de abertura de conta (…), o contrato celebrado entre um banco e um cliente através do qual usualmente se constitui, disciplina e baliza a respetiva relação jurídica bancária.»

Contrato esse que, por via de regra, constitui, por um lado, o contrato bancário primogénito, pois que é normalmente (embora não necessariamente) através dele que é instituída a chamada relação bancária que se carateriza “por ser uma relação económica-social e jurídica duradoura (destinada a prolongar-se no tempo) e multifacetada (consubstanciada numa pluralidade de negócios jurídicos individuais) que é estabelecida entre um banco e o respetivo cliente”, e, por outro lado, sendo ele um contrato bancário matriz, mais do simplesmente um entre os diversos negócios concluídos entre o banco e o cliente, “ele constitui a convenção bancária nuclear ou básica no sentido em que estabelece o quadro geral da regulação da maioria dos futuros negócios que venham eventualmente a ser celebrados entre as partes”, “sendo na sua órbita – enquanto eixo fundamental do comércio bancário – que gravitarão usualmente os contratos de depósito, cheque, emissão de cartões bancários, empréstimos, crédito ao consumo, e de todos e cada um dos demais contratos bancários individuais que porventura venham a existir subsequentemente.” (cfr. o mesmo Autor e Ob. cit., págs. 483 e 484”).

Ainda na esteira do mesmo Autor (in Ob. cit., pág. 492/493”), designa-se por depósito bancário “a convenção acessória do contrato de conta bancária através do qual o cliente (depositante) entrega uma quantia pecuniária ao banco (depositário), ficando este investido no direito, de dela dispor livremente e o dever de restituir outro tanto da mesma espécie e qualidade nos termos acordados.”

Depósito bancário que pode revestir-se em diferentes modalidades. Na verdade, e como decorre do DL nº. 430/91, de 02/11, eles podem ser à ordem (exigíveis a todo o tempo), a prazo (exigíveis no fim do prazo acordado, os quais podem admitir ou não convenção de mobilização antecipada) e em regime especial (categoria residual a que não pertencem todos os demais depósitos enquadráveis nalgumas das modalidades anteriores, na qual se encontram entre outros, os certificados de depósito, etc.).

Entre aqueles que gravitam, ou podem gravitar, à volta da sobredita relação bancária avultam também os chamados contratos de intermediação financeira.

Como se escreveu no Acórdão do STJ de 17/03/2016, (inCJ, Acs. do STJ, Ano XIV, T1, pág. 165), a intermediação financeira designa o conjunto de atividades destinadas a mediar o encontro entre a oferta e a procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular e eficaz funcionamento.

Trata-se de um negócio que está regulado no Código de Valores Mobiliários (CVM), aprovado pelo DL nº. 486/99 de 13/11.

Muito embora esse diploma não defina expressamente o conceito de intermediação, afirma, todavia, quem são os intermediários financeiros e quais são os serviços e atividades de investimentos.

Estabelece esse diploma que são atividades de intermediação financeira os serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros (artº. 289º, nº. 1 al. a)), enquanto que, por sua vez, intermediários são as instituições de crédito (e as empresas de investimento) que estejam autorizadas a exercer atividades de intermediação em Portugal (artº. 293º, nº. 1 al. a)), constituindo serviços e atividades de intermediação, em instrumentos financeiros, a receção e a transmissão de ordens por conta de outrem, bem como a execução de ordens por conta de outrem (artº. 290º, nº. 1 als. a) e b)).

Donde poder afirmar-se que os contratos de intermediação financeira são negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de serviços de intermediação financeira (aqui englobando esquematicamente operações por conta alheia, operações por conta própria e prestação de serviços) e tendo por objeto mediato, para além das ações, obrigações ou unidades de participação (valores mobiliários tradicionais), também bilhetes de tesouro ou obrigações de caixa (instrumentos financeiros), futuros, "swaps", opções, "caps", "forwards", "floors", "collars", etc. (instrumentos derivados). – cfr., por todos, José Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, pág. 573” e in “Os Contratos de Intermediação Financeira, BFDC, 2009, Vol. 85, pág. 282”.

Posto isto, importa também começar por lembrar este Supremo Tribunal de Justiça tem que se conformar com a matéria de facto que as instâncias apuraram, impondo-se aqui apenas subsumir-lhes o direito julgado adequado, à luz do caso concreto e tendo em conta o decidido pelas instâncias (e particularmente pela 2ª. instância) e o objeto do presente recurso (cfr. artº. 674º, nº. 3, e 682º, nº. 1, do CPC).

Da conjugação da materialidade factual apurada (embora reconhecendo que não se apresenta de todo clara a esse respeito), e à luz das regras da hermenêutica interpretativa fixadas no artº. 236º do C. Civil (CC), delas ressalta que entre o BPN – mais tarde, incorporado, por fusão, no BIC, e para o qual foram transferidos todos os direitos e obrigações daquele, e que por isso, e uma questão de comodidade, doravante apenas designaremos por Réu, quando a ele nos referirmos - os AA. foi instituída uma relação bancária, com a abertura de uma conta bancária (contrato de conta bancária), tendo os últimos como clientes do primeiro, e que terá perdurado durante alguns anos. E há luz desse contrato terão sido celebrados outros contratos, nomeadamente de depósito.

No decurso dessa relação o R. (através de um seu funcionário, gestor da conta dos AA.- cujo ato, nos termos disposto no artº. 800º do CC, adiante-se desse já responsabiliza o primeiro, responsabilidade essa que, aliás, aqui não se questiona) aplicou € 50.000,00, que os últimos tinham depositados numa conta duma das agências daquele, em Obrigações denominadas SLN Rendimento Mais 2006.

Aplicação essa que foi feita pelo R. (através do aludido funcionário) em nome dos AA. (e colocada na titularidade destes) sem que, todavia, estes tivessem, previamente, dado qualquer ordem ou autorização para o efeito.

Aplicação essa, feita pelo R. em tais condições, que configura um mandato sem representação, pois que o R. não tinha poderes para representar os AA. em tal negócio, não estando mandatado para o realizar, o que tornaria esse negócio ineficaz em relação aos últimos (cfr. artº. 268º, nº. 1, al. a) – 1ª. parte -, do CC).

Atuação essa do R. ilegal/ilícita, e que configura por si só uma grave violação da relação contratual que estabelecera com os AA. (num desrespeito ainda claro, além do mais, dos princípios da confiança e da boa fé).

Porém, os AA., quando se aperceberam dessa aplicação em tal produto financeiro e se dirigiram à respetiva agência bancária para exigir a devolução do respetivo capital que nele fora investido, vieram, posteriormente, a aceitar mesma e a sua manutenção, ratificando-a, e após as explicações que para o efeito ali lhe foram dadas (nomeadamente quanto à natureza do produto e às suas caraterísticas, e a que adiante nos referiremos mais em concreto).

Caraterizando a figura da ratificação de negócio, esclarecem os profs. Pires de Lima e A. Varela (in “Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª. Ed. revista e actualizada, Coimbra, Editora, pág. 424”) que a ratificação é o instrumento pelo qual o dono do negócio (dominus negotti) chama a si, à sua esfera jurídica, os efeitos do ato praticado pelo gestor.

E daí que, com tal ratificação e aceitação do negócio e da sua manutenção, o referido negócio, que consubstanciado na sobredita aplicação financeira, passou a ser eficaz em relação aos AA., com a produção de efeitos a relação a eles desde a data inicial em que foi celebrado, dada a eficácia retroativa da aludida declaração de retificação (cfr. artºs. 268º, nºs. 1- fine - e 2 do CC).

Aqui chegados, e tendo presente o se acabou de exaurir, da conjugação da materialidade factual apurada, e socorrendo-nos mais uma vez das regras da hermenêutica interpretativa fixadas no artº. 236º do CC (dado tal materialidade não se apresentar a esse respeito absolutamente clara), somos levados a concluir que, dentro da sobredita relação bancária, com a referida aplicação financeira (subscrição de Obrigações SLN Rendimentos 2006, emitidas por terceira entidade com o mesmo nome - a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., que então detinha o próprio banco R.) foi celebrado um contrato de intermediação financeira entre os AA. e o R., no qual os primeiros se assumem na qualidade de investidores e o segundo na qualidade de intermediário financeiro (ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 1º, nº. 1 al. b), 289º, nº. 1 al. a), e 290º, nº. 1 al. a), do Código de Valores Mobiliários, e artºs. 3º, alínea a), e 4º, nº. 1, do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL nº. 298/92 de 31/12, na redação em vigor ao tempo dos factos).

Muito embora não resulte, mais uma vez, claro da materialidade factual apurada qual a data precisa/concreta em que as referidas Obrigações foram subscritas (apenas se sabendo que os AA. só se aperceberam de, nas condições supra referidas, serem titulares das mesmas em data situada entre abril de 2007 e dezembro de 2008), iremos analisar o aludido contrato de intermediação financeira à luz do Código de Valores Mobiliários, aprovado pelo sobredito DL nº. 486/99, de 13/11, com as alterações vigentes imediatamente antes daquelas que lhe foram introduzidas pelo Decreto-lei nº. 357-A/2007, de 31/10, com a Declaração de Retificação que lhe foi feita com o nº. 117-A/2007, de 28/12 - que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva 2004/39/CE relativa aos mercados de instrumentos financeiros, conhecida como Diretiva MiFID “Markets in Financial Instruments Directive -, por da conjugação dos factos apurados tudo apontar que tal aplicação financeira tenha tido lugar antes da entrada em vigor deste último diploma legal alterativo, sendo certo ainda que mesmo que fosse de aplicar o regime com as alterações por ele introduzidas a solução final a que iremos chegar seria, in casu, sempre a mesma).

Estando, assim, nós perante um contrato de intermediação financeira, a responsabilidade dele emergente situa-se, por via de regra, no âmbito da responsabilidade contratual, quer ao nível da formação do contrato (responsabilidade pré-contratual), quer ao nível da sua execução e cumprimento (responsabilidade contratual).

Na fenomenologia dos contratos, a intersubjetividade vinculante ultrapassa o processo formativo, pois tratando-se de um negócio jurídico bilateral, rectius, um contrato sinalagmático, dele emergem direitos e deveres consubstanciados numa relação jurídica complexa. De tal forma que o direito positivo assevera que todo o negócio jurídico deve ser pontualmente cumprido e no cumprimento das obrigações como no exercício do direito correspondente devem as partes proceder de boa fé (artºs. 406º nº. 1 e 762º nº. 2 do CC).

Sobre a culpa na formação dos contratos, a lei estabelece que quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato, tanto nos preliminares como na formação dele, deve proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos causados à outra parte (artº. 227º nº. 1 do CC).

Agir de boa fé é fazê-lo com a lealdade, correção, diligência e lisura exigíveis às pessoas normais face ao circunstancialismo envolvente, abrangendo o comportamento integral, segundo o critério da reciprocidade, ou seja, por via de comportamento devido e esperado às partes nas relações jurídicas envolvidas, e a celebração do contrato ou a sua anulação (ou resolução), ou também a sua ineficácia, não afastam o espetro normativo do artº. 227º do CC, a qual é aplicável tanto no caso de se interromperem as negociações, como no de o contrato chegar mesmo a consumar-se (vide Eva Sónia da Silva, in “Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, pág. 30 e Ana Prata, in “Notas Sobre Responsabilidade Pré-Contratual, pág. 36 e segs.”).

Sobre as partes impendem, entre outros, os deveres de comunicação, informação e esclarecimento que abrangem, por um lado, a viabilidade da celebração do contrato e os obstáculos a ela previsíveis e, por outro, os elementos negociais e a própria viabilidade jurídica do contrato projetado.

Para que exista o dever de informação é necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos: a essencialidade da informação, assimetria informacional e a necessidade de proteção da parte não informada, a exigibilidade da transmissão da informação.

Por isso, tanto a doutrina, como a jurisprudência, vêm sustentando que a violação desses deveres de informação e de esclarecimento de todos os elementos com relevo direto ou indireto para o conhecimento da temática do contrato servem de fundamento quer para a responsabilidade pré-contratual, quer para responsabilidade contratual. Como elucida o prof. Sinde Monteiro (in “Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, págs. 47, 358 e 360”) “de entre os grupos de casos de responsabilidade por culpa na formação dos contratos, conta-se o da celebração de um contrato não correspondente às expectativas, devido ao fornecimento pelo parceiro negocial de informações erradas ou à omissão de esclarecimento devido”.

E mesmo nas situações de indução negligente em erro, ou seja, no erro provocado negligentemente pela contraparte através do fornecimento de informações inexatas cabe no âmbito da responsabilidade pré-contratual e contratual e corresponde à obrigação de indemnização. (Vide, a propósito, Paulo Mota Pinto, in “Falta e Vícios da Vontade – O Código Civil e os regimes mais recentes, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol. III, pág. 485”, e Eva Sónia da Silva, in “As Relações entre a Responsabilidade Pré-contratual por informações e os vícios da vontade (erro e dolo), o caso da indução negligente em erro, pág. 301 e segs.”).

É que, como se alude no acórdão STJ de 21/03/2019 (proc. nº. 6059/16.1T8VIS.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt), o objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no Código dos Valores Mobiliários, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, e daí que a violação desse dever de informação gera a ilicitude da conduta investidor.

Donde que (como se escreveu no Ac. do STJ de 06/11/2018, proc. nº. 6295/16.0T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) o dever de informação do intermediário financeiro seja “um pilar na avaliação do investimento em valores mobiliários e na eficiência do mercado, visando fundamentalmente proteger os interesses - prevalentes, face aos interesses do intermediário ou daqueles com eles relacionados – dos clientes/investidores, na observância do princípio da boa fé.”

E é precisamente por isso que na intermediação financeira, para além dos deveres (gerais) de informação decorrentes do princípio geral da boa fé, o legislador (CVM) consagrou deveres específicos de informação, atenta a natureza da atividade, que inclui “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” (artº. 312º), nomeadamente as informações respeitantes aos instrumentos financeiros e aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (artº. 312º, als. a), b) ), devendo o intermediário fazê-lo de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artº. 7º) para que a informação possa ser compreendida pelo destinatário médio.

Os deveres de informação do intermediário financeiro costumam ser divididos em dois grandes grupos: os deveres de informação pré-contratual e os deveres de informação contratual.

Os primeiros estão regulados nos artºs. 312º e segs. do CVM e visam levar o cliente investidor a tomar uma decisão esclarecida e fundamentada sobre os seus projetos de investimento, bem como também a criar o clima de confiança e segurança necessários para o mercado de capitais prosperar.

Os segundos encontram-se previstos nos artºs. 323º e segs. do CVM e incidem principalmente, sobre os deveres de informação nas operações de execução de ordens e sobre os resultados das operações.

Este dever de informação deve adequar-se, todavia, ao tipo de investidor, assumindo um conteúdo elástico, nomeadamente em função do maior ou menor grau de conhecimentos e de experiência do cliente, da sua literacia financeira, e este particular dever de informação por parte do intermediário financeiro visa, antes de mais, a tutela da autodeterminação por parte do investidor (princípio da transparência e da proteção dos investidores).

E daí que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa).

Compreende-se, por isso, a importância da informação, sobretudo no caso de um investidor não qualificado, porque a lei exige uma declaração livre e esclarecida, sendo que, nestes casos, o dever de informação incide sobre o risco do próprio produto financeiro, ou seja, “a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto” (vide, por ex., Acs. do STJ de 09/04/2019, proc. nº. 2296/17.0T8LRA.C2.S1, e de 10/04/2018, proc. nº. 753/16, disponíveis em www.dgsi.pt).

Donde importe reter que a relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente, como já se deixou referido, a uma informação objetiva, completa, verdadeira, atual, clara, e lícita, tendo em conta, sublinhamos, que entre clientes não qualificados a avaliação do risco está longe de ser tão informada quanto a da contraparte.

Encontrando-nos no domínio da responsabilidade civil contratual, e/ou pré-contratual, a imputação dessa responsabilidade ao intermediário financeiro pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, tais como: a demonstração do facto ilícito (traduzido na violação do dever de informação); a culpa (que se presume nos termos do artº. 799º nº. 1, do CC e artº. 304º-A, nº. 2, do CVM); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro, e/ou a outros prejuízos daí resultantes); e a existência de um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Como é do conhecimento “público” de todos aqueles que estão ligados ao “mundo” do direito, e muito em particular daqueles que têm como função a sua aplicação “nas barras dos tribunais”, nas situações em que se discute a responsabilidade das instituições bancárias, aquando da sua intervenção no âmbito da intermediação financeira, vinha constituindo objeto de controvérsia jurisprudencial (refletida também na própria doutrina) a questão relacionada com o ónus de prova sobre tais pressupostos, e com particular enfase no âmbito do deveres de informação (ilicitude) – a par da medida e alcance desses deveres informativos - e do nexo de causalidade.

Controvérsia essa que que este Supremo Tribunal de Justiça veio resolver/clarificar através do recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) nº. 8/2022, proferido, em 06/12/2021, no processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no DR, Iª Série, de 3/11/2022, fixando a seguinte orientação:

« 1 - No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2 - Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” -, informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir. »

A propósito dos deveres de informação (cuja violação consubstancia, como vimos, o pressuposto da ilicitude e que o recorrente questiona também neste seu recurso), refere-se, em fundamentação, no aludido AUJ – na linha e em reforço, aliás, do que supra já deixámos expendido a esse respeito -, que “a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.”

E mais adiante aduz-se “Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar.”

E igualmente na mesma linha de pensamento, antes afirmada, se expendeu no recente Acórdão do STJ de 08/11/2022 (proc. nº. 7457/17.7T8LSB.L1.S1, desta mesma secção, disponível em www.dgsi.pt), citando o exaurido naquele AUJ, “compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente).

Por outro lado, exige-se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.

Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.

Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão - desmobilização do investimento - do produto.

Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.

Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as “obrigações subordinadas”, isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.

Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) - atendendo ao seu nível de conhecimento -, o intermediário financeiro não possa socorrer-se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças. (…)”.

O que, diga-se, mais uma vez, está em sintonia com o sobredito AUJ, quando, a dado passo ali se afirma, na análise do caso concreto, que “(…) A informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações”.

“(…) A informação foi obscura, porque nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN”.

E em idêntica sintonia, e para terminar, cite-se ainda, ao nível da doutrina, António Pedro Azevedo Ferreira, quando afirma Em síntese, pois, parece poder concluir-se que a relação negocial estabelecida entre os bancos e os seus clientes determina, para aqueles e a favor destes, a configuração de uma obrigação de prestar informações segundo duas vertentes complementares:

Por um lado, o banco deve informar sempre que, no contexto negocial da relação estabelecida, tal comportamento se apresente como necessário ao desenvolvimento dessa relação, nomeadamente quando da informação prestada ao cliente possa depender uma correta execução das ordens recebidas ou um maior rigor técnico dos serviços prestados, tudo num quadro amplo de salvaguarda dos interesses do cliente.

Por outro lado, se e quando o banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respetiva atuação, no âmbito daquela relação, pelos vetores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes” (in “A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura, Quid Juris, 2005, págs. 652/654”).

Aqui chegados, ou seja, tendo presentes as considerações de cariz teórico-técnico atrás expendidas, e bem como a panóplia factual apurada, que dizer?

Será que o banco réu cumpriu para com os aA. o dever de informação a que estava contratual e legalmente obrigado, no âmbito do contrato de intermediação financeira que celebraram?

In casu, e pelas razões que acima se deixaram aduzidas, não houve negociação prévia entre o R. e os AA., com vista à aquisição por estes das sobreditas Obrigações SLN, pois que foi o R. (através de um seu funcionário) que por iniciativa própria - e sem que para tal estivesse mandatado para o efeito, isto é, sem que os AA. o tivessem autorizado e dado ordem para tal - aplicou € 50.000,00, que os últimos tinham depositados numa conta de uma das suas agências bancárias, em Obrigações denominadas SLN Rendimento Mais 2006. Aplicação essa feita pelo R. em nome do AA. (e colocada na titularidade destes). Ou seja, o R. consumou o negócio em nome dos AA. sem que para tal estivesse mandatado ou autorizado pelos AA. .

Atuação essa do R. ilegal/ilícita, suscetível de gerar, como vimos, a ineficácia do negócio.

E tal só não aconteceu devido ao facto de os AA., quando se aperceberam dessa aplicação em tal produto financeiro e se dirigiram à respetiva agência bancária para exigir a devolução do respetivo capital que nele investido, terem vindo a aceitar mesma e a sua manutenção, ratificando-a, após a informação que aí lhes foi prestada (pelo R., através do seu funcionário, gerente da conta daqueles) sobre a natureza e as caraterísticas da aplicação e do produto investido, que aqueles desconheciam por completo.

E qual foi essa informação que foi prestada aos AA.?

Que se tratava de uma aplicação segura, em tudo equivalente a um depósito a prazo, com o reembolso de capital garantido pelo próprio banco, sem que envolvesse qualquer risco de perderem a totalidade ou sequer parte capital investido aplicado em tal produto, e sua própria rentabilidade (cfr., nomeadamente, pontos 7., 8., 11. e 12., dos factos provados).

Informação essa que não foi correta, pois que não traduzia as reais caraterísticas do produto em causa, nomeadamente quanto à dimensão do risco que estava associado à sua subscrição.

Por outro lado, tratando-se de obrigações subordinadas, ressalta da matéria apurada que o R. na altura (ou em qualquer outro momento) não explicou aos AA. em que que consistiam ou se traduziam (cfr. pontos 17. e 20. dos provados), e nem os informou sobre a identidade da entidade emitente de tais Obrigações (cfr. ponto 18. dos factos provados), sendo certo que (pois que os factos dados como assentes - vg. ponto 37. - não permitem, só por si, extrair a conclusão de estarmos perante investidores categorizado, vg. profissional – cfr. artºs. 30º, 317º e 317º-B do CVM) não demostrou que a qualidade dos AA. dispensasse essa explicação/informação. Com efeito, para além do dever de os esclarecer sobre os riscos que estavam associados à sua subscrição, informar os autores da natureza subordinada das Obrigações era dar-lhes a saber que, por exemplo, em caso de insolvência ou liquidação da sociedade emitente, o direito de exigir o reembolso das quantias nelas aplicadas seria graduado depois dos restantes créditos sobre a insolvência (artºs. 48º e 177º do CIRE), ou seja, de que só seria pago depois de reembolsados os credores não subordinados. E não se diga, em desabono, não haver na altura ainda ideia de tal insolvência (da entidade emitente) poder ocorrer, pois que essa possibilidade terá sempre que ser equacionada em tais situações. E daí a relevância dessa informação.

Em suma, a informação prestada pelo R. aos autores, para além de não se mostrar correta - ou, pelo menos, totalmente correta, pois que, dada a natureza do produto (Obrigações subordinadas) o R. não poderia garantir, no final do prazo dos 10 anos de duração dessa aplicação, o reembolso do montante total do capital investido pelos AA., e como tal esse investimento apresentava-se, ao contrário do que foi referido aos últimos, com, pelo menos, alguma margem de risco (e isto independentemente das interpretações, mais benévolas, que se possam fazer/extrair de tais conceitos ou expressões, mas que, a nosso ver, a materialidade apurada não permite ir além daquela que fazemos) -, mostra-se também claramente, e de forma grosseira, incompleta/insuficiente.

Donde a conclusão, que o R. não cumpriu (pelo menos integralmente) o dever de informação a que estava (contratual e legalmente) obrigado (pois que não foi prestada toda a informação devida e aquela que o foi não correspondia inteiramente à verdade/realidade), praticando, assim, um ato ilícito.

E daí a ilicitude da conduta (estando, desse modo, demonstrado e preenchido o 1º. pressuposto legal da sua responsabilidade civil contratual).

Tudo isso fez o R. de forma culposa (pois que os factos apurados não permitem ilidir a presunção que sobre ele impende, a esse respeito, por força do disposto nos acima citados artigos do artºs. 799º, nº. 1, do CC, e 304º-A, nº. 2, do CVM), e que, in casu, se terá, no minino, de considerar - como supra se deixou referido, aquando da análise do pressuposto anterior - grosseiramente culposa, isto é, grave.

Mostra-se, assim, preenchido o 2º. pressuposto legal dessa responsabilidade, como igualmente preenchido se mostra o 3º. pressuposto, pois é claro (tal como ressalta da matéria apurada) que os AA. após subscreverem (ao ratificarem e aceitarem a manutenção do referido  negócio que a tal conduziu, nos termos supra descritos) o referido produto não mais reaveram (decorrido que foi o prazo de maturação de 10 anos estipulado para o seu reembolso) o respetivo capital investido na subscrição das referidas obrigações, nisso se traduzindo o dano por si sofrido (a par daqueles danos não patrimoniais que, por consequência, e por via indireta, também sofreram devido a tal conduta, e que o recorrente no seu recurso não questiona).

A questão que agora se coloca traduz-se em saber se essa condutado do R. (violadora do dever de informação pelos motivos que supra deixámos referidos) foi a causa (adequada) do referido dano, ou seja, e tendo em causa a particularidade do caso em apreço, se os AA. não teriam ratificado a aplicação feita, por iniciativa própria, do R. em tal produto financeiro (Obrigações SLN Mais 2066), aceitando manter a mesma (e a correspondente subscrição dessas Obrigações levada a efeito em seu nome por aquele), ou teriam deixado de o fazer, se soubessem ou tivessem tido conhecimento (e disso tivessem sido informados) de que o capital assim investido efetivamente que não era garantido, isto é, que o reembolso total do mesmo não estava isento de riscos?

Com isso estamos a indagar se se mostra também preenchido o último dos pressupostos legais daquela responsabilidade civil que impõem ao R. a obrigação de ressarcir os autores pelo referido dano e que se traduz na existência de um nexo causal entre aquele facto/conduta do R. ( com violação do dever de informação que levou os AA. a ratificarem e aceitarem manter a aplicação feita pelo R.) e o dano (perda do capital) sofrido com o investimento feito, o qual se mostra previsto no artº. 563º do CC, e no qual, como constitui comnunis opinio, o legislador consagrou a teoria da causalidade adequada (ao estabelecer ali que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”).

Na verdade, como constitui hoje entendimento prevalecente (e se escreveu no recente acórdão deste Supremo Tribunal de 06/12/2022, proc. nº. 842/17.8T8PVZ.P1.S1, desta secção), “para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado e depois que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo (nexo de adequação). Releva a causalidade adequada na sua formulação negativa: a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequado para esse dano.

A teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, admitindo não só a ocorrência de outros factos condicionantes, como ainda a chamada causalidade indirecta, na qual é suficiente que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.

Pressuposto esse, como atrás deixámos expresso, cujo ónus de prova impende sobre os autores (artº. 342º, nº. 1, do CC), a extrair da matéria factual apurada.

É isso mesmo que ressalta da doutrina orientadora inserta nos nºs. 3 e 4, acima transcritos (e cujo teor que aqui se dá por reproduzido), do segmento uniformizador do sobredito AUJ nº. 8/2022.

E que é reforçado na sua fundamentação ao afirmar-se que “incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.”

Posto isto, basta calcorrear e conjugar os pontos 11., 12. e 19. e 23. dos factos dados como provados para concluir também pelo preenchimento do aludido pressuposto/requisito do nexo causal entre a sobredita atuação (ilícita) do R. (através de um seu funcionário) e o dano que os AA. vieram a sofrer (ao ratificarem e ao aceitarem manter aplicação levada a efeito pelo R., subscrevendo em seu nome, sem para tal estar então mandatado para o efeito, as sobreditas Obrigações, e de onde resultou a perda do capital investido).

Na verdade, ressalta da conjugação de tais pontos factuais que os AA. só anuíram ratificar e aceitar a referida aplicação levada a efeito, em tais circunstâncias, pelo R. devido ao facto de terem sido informados pelo R. (através do aludido seu funcionário), que o capital investido era garantido (tal como se fosse um depósito a prazo), sem qualquer risco de o perderem, pois que se soubessem (e de tal fossem informados) que assim não era, isto é, de que tal não correspondia à realidade não teriam aceite ratificar e manter a aludida aplicação feita, em seu nome, pelo R., ou seja, e por outras palavras, se os AA. soubessem ou se tivessem apercebido que se tratava de um produto que era de risco e que o capital nele investido pelo R. não era garantido jamais teriam ratificado e aceitado manter tal aplicação (feita pelo R., ao subscrever em seu nome tais obrigações, nela investindo aquele seu dinheiro, sem para tal estar autorizado).

Estão, pois, assim, verificados todos os pressupostos legais da responsabilidade civil contratual, acima enunciados, que impõem ao ora R., enquanto “sucessor” do BPN, a obrigação de indemnizarem os AA. nos termos e pelos danos fixados pelas instâncias. (No sentido geral de que se deixou exposto, vide, entre muitos outros, embora não contendo em si a peculiaridade acima apontada de que se revestem os presentes autos, os recentíssimos Acórdãos deste Supremo Tribunal, proferidos após a prolação do sobredito AUJ nº. 8/2022, de 08/11/2022, proc. 7475/17.7T8LSB.L1.S1, 1ª. Sec., de 09/11/2022, proc. 1559/18.1T8LSB.L2.S1, 6ª. Sec., de 09/11/2022, proc. 3049/17.0T8STR.E1.S1, 6ª. sec., de 09/11/2022, proc. 26417/17.3T8LSB.L1. S1, 6ª. Sec., de 10/11/2022, proc. 5219/18.5T8CBR.C1.S2, 2ª. Sec., de 10/11/2022, proc. 3328/17.7T8STR.E2.S1, disponíveis em www.dgsi.pt, de 06/12/2022, proc. 2457/18.4T8STR.E1.S1, 1ª. Sec., e de 06/12/2022, proc. nº. 842/17.8T8PVZ.P1.S1, 1ª. Sec.).

Termos, pois, em que improcede a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.


***


III- Decisão

Assim, em face do que se deixou exposto, acorda-se em negar provimento à revista, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas do recurso pelo R./recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).





Lisboa, 2023/01/17


Relator: Cons. Isaías Pádua

Adjuntos:

Cons. Aguiar Pereira

Cons. Maria Clara Sottomayor