Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2325/15.1T8OAZ.P1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: ACÇÃO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
INSTÂNCIA
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
ALTA
CADUCIDADE
Data do Acordão: 02/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO PROCESSUAL LABORAL - PROCESSO / INSTÂNCIA - PROCESSOS ESPECIAIS / PROCESSOS EMERGENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. V, 143.
- Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, Almedina, 2000, 2.ª Edição, 151 e ss..
- José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 645 e ss..
- Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 1.º, 7 e ss.; Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, 96 e ss..
- Lopes do Rego, Comentários ao “Código de Processo Civil”, 16.
- Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 2.ª Edição, Lex, 1966, 555 e ss..
- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II Vol., Coimbra, 1972, 464.
- Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, Vol. V, “Parte Geral – Exercício Jurídico”, Almedina, 2ª Edição, 2015, 240 e ss., 263 e ss..
- Miguel Teixeira de Sousa, «A Legitimidade Singular em Processo Declarativo», in B.M.J., n.º 292, 79 e ss..
- Vaz Serra, in B.M.J., n.º 107, 230; na Rev. de Leg. e de Jur., Ano 107.º, 24.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 328.º, 329.º, 331.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 3.º, 6.º, 259.º, N.º 1
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 26.º, N.ºS 1, AL. E), 3 E 4, 99.º E SS..
LEI N.º 100/97, DE 13 DE SETEMBRO (LAT/97): - ARTIGOS 32.º, N.º1.
REGULAMENTO DA LEI DE ACIDENTES DE TRABALHO, APROVADO PELO DECRETO-LEI Nº 143/99, DE 30 DE ABRIL: - ARTIGOS 14.º, 15.º E 16.º, 18.º, 19.º, 20º, 67.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 21/04/1999, PROCESSO N.º 98S394, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 03/10/2000, PROCESSO N.º 00S062, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 11/10/2005, PROCESSO N.º 1695/05, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 10/07/2013, PROCESSO N.º 941/08.7TTGMR.P1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I – O princípio do contraditório, previsto no art. 3º, nº 3, do NCPC, consiste numa garantia de participação efectiva que é concedida à parte contrária para se pronunciar sobre o desenvolvimento de todo o litígio, permitindo-se o exercício do seu direito de defesa com a exposição das suas razões e a discussão acerca da matéria que considera relevante para se alcançar a justa composição do litígio e a efectivação em juízo dos seus direitos.

II – Participado o acidente de trabalho em juízo e tendo o Ministério Público promovido o arquivamento do processo respectivo, não é exigível, nesta fase inicial, o cumprimento do princípio do contraditório com a audição das partes contra quem a participação era dirigida.

III – No âmbito do direito processual civil a regra geral que vigora no domínio do começo e desenvolvimento da instância, e que assinala o momento processual em que a acção juridicamente se considera proposta, é a de que o seu início ocorre logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial.

IV – Porém, no processo de trabalho, para efectivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais, a instância não se inicia, nem se desenvolve nos mesmos termos que no processo civil, exigindo a lei a participação do acidente e só com a entrada e o recebimento em juízo dessa participação é que se considera a acção proposta.

V - De acordo com o nº 1, do art. 32º, da LAT/97 (Lei nº 100/97, de 13 de Setembro), a caducidade do direito de acção ocorre se a acção não for intentada com observância da triplicidade cumulativa que daí decorre: não ter sido proposta no prazo de um ano; a contar da data da alta clínica; alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado.

VI – Tendo a Sinistrada participado o acidente, cabia ao Tribunal proceder à realização das diligências necessárias para apurar a data da “alta clínica”, através da realização da respectiva perícia médica, porque só através desta poderão ser descritas as doenças ou lesões que forem encontradas à Sinistrada, a sintomatologia apresentada e a sua relação com o acidente alegado, bem como emitida a correspondente declaração médica sobre se as lesões se mostram curadas ou se apresentam como insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada.

VII - A falta da alta clínica – mesmo em situações em que não haja incapacidade ou lesões – impede qualquer juízo jurídico valorativo sobre tal matéria, pelo que, não estando fixada a data da “alta clínica  formalmente comunicada ao sinistrado” não pode ter início a contagem do referido prazo legal de caducidade do direito de acção estatuído na primeira parte do nº 1, do art. 32º, da LAT/97.
Decisão Texto Integral:


ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I – 1. AA apresentou, no dia 19/5/2015, participação de acidente que qualificou de trabalho, ocorrido em 03/07/2009, nas instalações da sua empregadora, em ..., contra:

1. BB, Lda. – sua entidade emprega-dora;
2. SEGURO CC – Sucursal Portugal – entidade seguradora, para a qual a 1ª Ré tinha transferido a responsabilidade por acidentes de trabalho.

2. Alegou em concreto, na referida participação, que:
No dia 03/7/2009, pelas 19h00, na Secção BD, quando a Autora exercia as suas funções como montadora de peças na empresa “BB, Lda.”, sofreu um acidente, que qualifica de trabalho, que consistiu no seguinte: ao pegar numa peça e após a entregar ao colega DD, sentiu um estalido no pescoço, não conseguindo mais mover-se.
A sua entidade empregadora, por intermédio do encarregado, chamou o INEM que a transportou para a Urgência do Hospital de ..., onde lhe foi diagnosticada uma contractura e prescrito descanso.
No dia seguinte, como não se conseguisse mexer, foi a consultas particulares de ortopedia, tendo-lhe sido diagnosticada “uma fractura na cervical”.
A sua empregadora tinha transferido para a Seguradora “SEGURO CC”, através da apólice n.º 0000507, a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores ao seu serviço, contudo, nunca participou tal acidente à Seguradora e nada lhe pagou.
Foi a própria Sinistrada quem procurou assistência médica, a título particular, tendo suportado todos os encargos correspondentes, tendo estado incapacitada de trabalhar nos seguintes períodos: de 09-07-2009 a 17-07-2009, 18-07-2009 a 01-08-2009, 2-08-2009 a 21-08-2009, 27-08-2009 a 07-09-2009, 08-09-2009 a 07-10-2009 e 08-10-2009 a 06-11-2009.
Só a Segurança Social subsidiou essa incapacidade e apenas durante dois meses.
Acontece que a Autora ainda não se encontra curada das lesões emergentes do aludido acidente, continuando a sofrer fortes dores na cervical, desconhecendo se padece de qualquer tipo de incapacidade.

Conclui pedindo que sejam ordenadas as diligências que se entender por convenientes e determinado que seja submetida a exame médico, por não se sentir curada, seguindo-se os ulteriores termos previstos nos arts. 99º e segts do CPT.

3. Recebida a participação pelo Exmº Magistrado do Ministério Público, pronunciou-se o mesmo, em síntese, nos seguintes termos:

(…) Dúvidas não há de que, quando a Sinistrada participou o acidente – no dia 20-5-2015 – já há muito havia expirado o prazo legal de 1 ano de que dispunha para o fazer, pelo que o seu direito de acção se encontrava então caducado”.
“A caducidade é uma excepção dilatória de que o Tribunal pode conhecer, portanto, oficiosamente e inexoravelmente conduz à absolvição da instância” (…)
Nesta conformidade, conclua os autos ao MMº Juiz, a quem se promove que, em virtude de o direito de acção da sinistrada se mostrar caducado, se absolvam as RR. Seguradora e Empregadora da instância e se ordene, subsequentemente, o arquivamento dos autos – (sublinhado nosso).

4. De seguida, o Tribunal de primeira instância proferiu decisão declarando a caducidade dos direitos da Autora/Sinistrada emergentes do acidente relatado na participação, porquanto, “não havendo comunicação da entidade patronal à seguradora, o início da contagem do prazo inicia-se com a data do acidente”, que há muito decorreu, tendo caducado o direito de acção e, em consequência, “absolveu as Rés da instância e determinou o arquivamento dos autos”.

5. Inconformada, a Autora:
a) Arguiu a nulidade da decisão por falta de fundamentação;
b) Apelou para o Tribunal da Relação invocando ter participado à sua entidade empregadora o acidente (que qualifica de trabalho), tendo sido esta quem depois não o participou à Seguradora, o que impediu a Sinistrada de receber qualquer assistência médica por parte da Seguradora, obrigando-a, assim, a ter de suportar todos os custos com a assistência médica decorrente desse acidente, por ainda não estar curada.

Mais invocou que, uma vez que ainda não tinha recebido alta médica e a lei prescreve que o prazo de caducidade se inicia com a alta clínica do sinistrado, facto não ocorrido, não pode dar-se por iniciada a contagem do prazo de um ano de caducidade e, por isso, está em tempo para efectuar a participação do acidente, pois não caducou o seu direito de acção.

E conclui nos seguintes termos:
“Assim, a decisão do Tribunal devia ter sido no sentido de “ser julgada improcedente a excepção da caducidade do direito de acção, prosseguindo a acção os ulteriores termos previstos nos artigos 99º e ss do CPT.

6. Contra-alegou a entidade empregadora sustentando que não se verificava a nulidade arguida pela Sinistrada e que o recurso de apelação deveria ser julgado improcedente.

7. O Tribunal da Relação do … decidiu nos seguintes termos:
a) Não se verifica a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação, pelo que improcede a arguida nulidade;
b) O acto impeditivo da caducidade é a participação do acidente no Tribunal de Trabalho competente, participação essa que podia e deveria ter sido efectuada pela Sinistrada; e não o tendo sido, dentro do prazo legal, caducou o direito de acção emergente do alegado acidente.

Nessa medida, proferiu Acórdão com o seguinte decisório:

Acordam os Juízes que integram esta Secção Social do Tribunal da Relação do … no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se[1] a decisão recorrida.”

Contudo, a decisão não foi unânime tendo sido exarado um voto de vencido com o conteúdo que se passa a transcrever:

Declaração de voto: Vencido. Daria provimento ao recurso.

Considero que a expressa previsão legal do início da contagem do prazo de caducidade, a partir do dia seguinte ao da comunicação do boletim de alta, não só exclui a aplicação da lei geral, como não autoriza a interpretação restritiva aos casos em que tenha sido emitido boletim de alta pela seguradora, por lhe ter sido devidamente participado o acidente pelo empregador.
Com efeito, não só o intérprete não está autorizado a distinguir onde a lei não distingue, como tal interpretação viola, em última análise, o direito constitucionalmente garantido da justa reparação infortunística laboral, como além do mais introduz uma aplicação casuística da lei.
Por outro lado, ao retirar da faculdade de participação do próprio sinistrado o argumento de que este deve presumir, na passagem do tempo, que o empregador não cumpriu o seu dever de participar obrigatoriamente, e através dessa presunção onerar o sinistrado com as consequências do omissão do comportamento devido do empregador – ou seja, com a preclusão do seu direito à reparação das consequências do acidente sofrido – viola o equilíbrio de interesses plasmado pelo legislador ordinário e constitucional, acarretando um ónus injusto e excessivo sobre o sinistrado, pois a solução adoptada nem sequer obedece ao princípio geral da contagem do prazo de caducidade – exercício do direito a partir do momento em que ele é possível – e pelo contrário, acaba a redundar na criação de uma outra norma: contagem do prazo de caducidade a partir da data do acidente. Ora, como a caducidade não se suspende nem interrompe, a norma assim criada não acautela a posição dos sinistrados que hajam, a partir do dia do acidente, sofrido períodos, mais ou menos longos, de incapacidade temporária absoluta, onerando-os, mesmo nessa condição de impossibilidade, com o dever de participarem eles mesmos o acidente, quando, voltamos a repetir, a participação prevista na lei é meramente facultativa“.

8. A Sinistrada, irresignada com tal Acórdão, interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Recorre-se do douto acórdão de 23-05-2016, que julgou a apelação improcedente e julgou verificada a excepção da caducidade do direito de acção declarada pelo Tribunal recorrido.
2. Em consonância com a tese defendida pela recorrente, na decisão recorrida houve um voto de vencido que daria provimento ao recurso.
3. E, no mesmo sentido sustentado pela ora recorrente, a Jurisprudência seguinte: "Não se verifica a caducidade de quaisquer direitos do sinistrado se a participação do acidente a juízo ocorreu antes da sua cura clínica" (Ac. RC, de 26.5.2004: CJ, 2004, 3º - 56) e "Se o sinistrado não recebeu assistência clínica através duma seguradora, mas apenas em hospitais do Estado, sem o acompanhamento ou a supervisão duma companhia de seguros, e se somente lhe foi comunicada a alta clínica aquando da notificação do resultado do exame médico efectuado no Tribunal não se verifica a caducidade do direito de acção respeitante às prestações legais resultantes do acidente (Ac. RE, de 7.3.2006: CJ, 2006, 2º - 247).
4. A ora recorrente apresentou participação de acidente de trabalho em 19-05-2015, porquanto, em 03-07-2009, no local e tempo do trabalho, sofreu um acidente ao serviço da empresa BB LDA.
5. A entidade patronal não efectuou a devida participação desse acidente à SEGURO CC, para a qual tinha a responsabilidade por acidentes de trabalho transferida através da apólice n.º 0000507.
6. A recorrente, desde então até ao presente, tem sido acompanhada por serviços médicos à sua conta e não recebeu alta médica desses serviços.
7. O Tribunal entendeu que se verificou a caducidade do direito de acção por o acidente de trabalho ter sido participado pela Sinistrada mais de um ano depois da ocorrência do acidente.
8. Sustenta que o prazo de caducidade começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido, por aplicação do artigo 329° do Código Civil.
9. Entende que nas situações de ausência de tratamento médico por parte da entidade responsável decorrente de lhe não ter sido participado o acidente, o termo inicial do prazo de caducidade deve fazer-se coincidir com o dia do próprio acidente de trabalho.
10.  A recorrente, por seu lado, considera estar em prazo para efectuar a participação do acidente em juízo, ao abrigo do disposto o n.º 1 do artigo 32° da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que prescreve expressamente "o direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da alta clínica ou, se do evento resultar a morte, a contar desta".
11.  A alta clínica da recorrente ainda não ocorreu, pelo que não se iniciou a contagem do prazo de um ano.
12. O artigo 32°, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, fixa expressamente a data para o início do prazo, a da alta clínica, o que exclui a aplicação da lei geral, nomeadamente do artigo 329° do CC.
13.  A legislação para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho tem subjacente relevantes interesses de ordem pública e assume-se como lei especial pelo que, nessa medida, afigura-se aplicável o disposto no artigo 7o, nº 3, do Código Civil, segundo o qual "A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do julgador".
14.  É intenção inequívoca por parte do julgador a protecção do trabalhador, presente em toda a amplitude da lei laboral.
15.  Acresce que a interpretação dada pelo Tribunal recorrido à previsão legal da LAT (artigo 32°/1) restringe a sua aplicação aos casos em que tenha havido a participação do acidente de trabalho à seguradora pela entidade patronal.
16.  Desta forma, o acórdão está a distinguir onde a lei não distingue e introduz uma aplicação casuística da lei, em violação, em última análise, do direito constitucionalmente consagrado da justa reparação infortunística laboral previsto no artigo 59.°, nº 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.
17.  Por outro lado, salvo o devido respeito, que é muito, tendo por certo que a participação do acidente de trabalho é uma faculdade do sinistrado e um dever da entidade patronal, a interpretação dada à referida lei é extremamente penalizadora para o sinistrado quanto às consequências do seu comportamento omissivo.
18. O entendimento plasmado na decisão recorrida penaliza os interesses da vítima de acidente de trabalho que não exerceu atempadamente o direito de acção, por qualquer motivo — imperfeito conhecimento dos seus direitos, receio de perda do emprego, expectativa de reparação do incumprimento do empregador, etc.
19. Assim como, na senda da declaração de voto vencido, "a norma assim criada não acautela a posição dos sinistrados que hajam, a partir do dia do acidente, sofrido períodos, mais ou menos longos, de incapacidade temporária absoluta, onerando-os, mesmo nessa condição de impossibilidade, com o dever de participarem eles mesmos o acidente, quando, voltamos a repetir, a participação prevista na lei é meramente facultativa”.
20. Ora, se por um lado o instituto da caducidade se justifica por razões de certeza jurídica de forma a salvaguardar o interesse público de definição das situações jurídicas das partes ao fim de certo lapso de tempo, por outro, a regulação jurídica das relações laborais, de interesse público e social, integra em si uma especialidade face à necessidade de proteger o trabalhador que cumpre ordens e se subjuga à entidade patronal que, por sua vez, o massifica ao ponto de o anular no seu poder de decisão e iniciativa.
21.  Esta realidade existe e a lei não lhe é alheia tendo facultado a hipótese de o trabalhador efectuar a participação do acidente.
22.  Porém, se bem apreciarmos a amplitude das hipóteses, é flagrante a injustiça que resulta da desproporção dos efeitos de uma mesma acção, ou neste caso, omissão.
23.  É injusto e contrário ao espírito do legislador a interpretação de que quando a entidade patronal não cumpra o dever de participar o acidente de trabalho à companhia de seguros se transferira para o trabalhador a obrigação de o fazer, sob pena de ver extinto esse direito.
24.  Assim, a participação facultativa prevista na lei passa a ser obrigatória subvertendo-se, mais uma vez, a letra e o espírito da lei.
25. Face a isto, é contraditório que o legislador imponha ao trabalhador o prazo de um ano a contar do acidente para participar ao tribunal o acidente de trabalho, contra a sua entidade patronal que não o participou conforme era a sua obrigação.
26.  Na melhor ponderação de tudo o que se disse, o teor do voto de vencido, com que se concorda na íntegra, refere que assim se viola o equilíbrio de interesses plasmados pelo legislador ordinário e constitucional, acarretando um ónus injusto e excessivo sobre o sinistrado, em que a solução adoptada nem sequer obedece ao princípio geral da contagem do prazo de caducidade – exercício do direito a partir do momento em que ele é possível – e, pelo contrário, acaba a redundar na criação de uma outra norma – contagem do prazo de caducidade a partir do acidente”.
27. Termos em que deve ser revogado o Acórdão do Tribunal da Relação do … e substituído por outro que atenda à pretensão exposta.


9. A entidade empregadora apresentou contra-alegações, nas quais:

1. Suscitou como questões prévias:
a) A violação do direito de contraditório – porquanto:
A Autora alegou na sua participação os factos que quis, dando a sua versão e qualificando o acidente como de trabalho, mas como foi declarada a caducidade do direito de acção tais factos nem sequer foram submetidos ao exercício do direito de contraditório por parte da aqui Recorrida empregadora.
Assim, a Recorrida não foi citada ou notificada para comparecer em tentativa de conciliação ou para se pronunciar sobre o enquadramento factual vertido pela Autora/Recorrente na participação do seu alegado acidente de trabalho. Nem tão pouco chegou a ser notificada do requerimento inicial.
Pelo que a descrição do acidente não pode ser atendida, sob pena de violação do seu direito de contraditório.

 b) A sua ilegitimidade passiva – referindo, sobre esta matéria, que:
Caso o presente recurso mereça provimento, e na eventualidade de a acção seguir a sua tramitação processual regular subsequente, terá de ser discutida a existência e caracterização do alegado acidente de trabalho da Autora.
E, em tal circunstância, todo e qualquer dever de reparação do acidente de trabalho descrito apenas poderá ser imputado à Seguradora e não à Recorrida, pois é a própria Autora que reconhece que “a entidade patronal tinha a responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a SEGURO CC, através da apólice nº 0000507”.
Nessa medida, qualquer pedido relacionado ou decorrente de um acidente de trabalho sofrido por um seu trabalhador terá de ser movido apenas contra a Seguradora.

2. Quanto ao conteúdo das alegações do recurso de revista interposto pela Autora, formulou, em síntese, as seguintes conclusões:

1. “O objecto do novo recurso de Revista ora em apreço circunscreve-se e limita-se à excepção de caducidade decretada pelo Tribunal da Comarca de Aveiro e confirmada pelo Tribunal da Relação do …;
2. Atendendo à tramitação processual associada à acção especial para efectivação dos direitos resultantes de acidente de trabalho, a análise de qualquer asserção de cariz factual relacionada com a descrição e caracterização de um alegado acidente de trabalho não merece nem deve ser nesta sede atendida, sendo que à Recorrida, não tendo chegado a ser notificada do requerimento inicial de participação de acidente de trabalho, apenas lhe cumpre, por dever de patrocínio, anunciar que não se revê, nem se conforma com a versão dos factos narrada pela Recorrente (que não tem por rigorosa, nem exacta), nem sequer aceita as imputações que a si lhe são dirigidas;
3. Tratando-se de processo para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, o mesmo é iniciado com a participação do acidente, sendo este o momento para marcar o início da instância, o qual impede a caducidade;
4. Pese embora não exista uma obrigatoriedade de participação de acidente de trabalho que impenda directamente sobre os sinistrados, a lei reconhece-lhes essa faculdade, precisamente para possibilitar que reajam perante uma alegada inércia das Seguradoras ou Empregadoras em cumprir a obrigação legal de participação no prazo legalmente previsto para esse efeito;
5. Caso um sinistrado verifique que, de facto, não existiu qualquer impulso processual necessário para a tramitação do processo de acidente de trabalho no prazo de um ano, é ao mesmo que cabe o ónus de o fazer, precisamente para evitar o efeito impeditivo de caducidade (neste sentido vide Acórdão STJ, de 11 de Dezembro de 2005, disponível em www.dgsi.pt);
6. No caso dos autos, pese embora a Recorrente: (i) alegue ter sido vítima de um acidente de trabalho; (ii) alegue ter ido a várias consultas de ortopedia a título particular; (iii) alegue ter sido submetida a vários exames complementares de diagnóstico e (iv) alegue continuar a sentir dores na cervical e pernas a falharem, apenas quase seis anos volvidos desde o alegado acidente decidiu avançar com a participação do acidente de trabalho;
7. Revela-se irrelevante a data da alta médica para efeitos de contagem do prazo de caducidade, uma vez que a mesma jamais poderia existir, para tal tendo em conta que, segundo a Recorrente, esta nem sequer chegou a ser seguida pela Seguradora;
8. O n.º 1, do artigo 32.°, da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, encontra-se restringido às situações em que existe uma alta médica, ou em que o sinistrado morre como consequência de acidente de trabalho, pelo que, nessa medida, não sendo o caso dos autos, nem se chega a colocar a questão de existência de norma especial que afasta norma geral, sob pena de existir vício quanto aos pressupostos;
9.  Outro caminho não poderia o Tribunal da Relação do … (em confirmação da sentença do Tribunal de Primeira Instância), que não o recurso ao artigo 329.° e seguintes do Código Civil – como bem o fez, não merecendo qualquer reparo;
10. Pese embora exista um douto voto de vencido no Acórdão ora posto em crise – cuja fundamentação e declaração será sempre de se respeitar – entende a Recorrida que o sentido da decisão maioritariamente expressa não merece qualquer reparo, sendo a que se afigura ser a que comporta a melhor interpretação e aplicação em Direito e a que exprime, aliás, o sentido claramente maioritário da nossa Jurisprudência;
11. A tese da Recorrente faz tábua rasa dos princípios jurídicos, nomeadamente os referentes à certeza e segurança jurídicas, abrindo a porta à possibilidade de serem avaliadas e valoradas questões tão importantes como perdas de capacidade de ganho e extensão de lesões apenas com base em exercícios desumanos de memória e em declarações prestadas pelos próprios sinistrados;
12. De acordo com o Acórdão do STJ, de 11 de Outubro de 2005 (Processo n.º 05S1695), "é ao sinistrado ou aos beneficiários das pensões e indemnizações atribuídas por lei que incumbe o ónus de desencadear o efeito impeditivo da caducidade, visto que são eles os que directamente beneficiam dos efeitos indemnizatórios e têm interesse no exercício do direito de acção ";
13. A decisão judicial recorrida procedeu, portanto, a uma correcta interpretação e aplicação do Direito.
14. Termos em que deve ser confirmada e integralmente mantida a decisão do Tribunal da Relação do …, devendo ser negado total provimento ao recurso da Autora/trabalhadora, absolvendo-se a Recorrida da instância em virtude da verificação da excepção de caducidade do direito de acção da Recorrente”.

10. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu pronúncia no sentido de ter caducado o direito da Sinistrada relativamente ao pagamento de qualquer indemnização derivada do alegado acidente de trabalho, porquanto:
 
· A Sinistrada teve uma atitude omissiva e não diligente relativamente ao que considerou tratar-se de um acidente de trabalho, pois só efectuou a participação desse acidente vários anos após o mesmo ter ocorrido;
· A falta de participação do acidente no prazo legal determina a caducidade do direito de acção da Autora/Recorrente.

11. O mencionado Parecer foi notificado às partes, que não apresentaram resposta.

12. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação da Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do Código de Processo Civil.
Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.[2]


II – QUESTÕES A DECIDIR:

- Está em causa, em sede recursória, a questão de saber se caducou, ou não, o direito de acção da Autora/Recorrente.
Porém, verifica-se que a Recorrida suscitou nas suas contra-alegações duas questões prévias: a violação do direito de contraditório e a sua ilegitimidade passiva.
Tratando-se de questões que intitulou de “prévias” importa, pois, que nos debrucemos sobre as mesmas.

Analisando e Decidindo.

2. Como se assinalou, as “questões prévias” suscitadas pela 1ª Ré/Recorrida, e entidade empregadora da Autora, circunscrevem-se:

a) À violação do direito de contraditório;
b) E à sua ilegitimidade passiva.

2.1. Relativamente à primeira questão refere a 1ª Ré, a tal propósito e em síntese, que:

“(…) A Recorrida jamais chegou a ser citada ou notificada para comparecer em Tentativa de Conciliação ou para se pronunciar sobre o enquadramento factual vertido pela Recorrente na sua participação do alegado acidente de trabalho.
(…)
Sem prejuízo do supra exposto, e pese embora a Recorrida se reserve e não abdique da faculdade de, em sede própria, vir a exercer o seu contraditório se a tanto for chamada, cumpre, por mero dever de patrocínio, anunciar que aquela não se revê nem se conforma com a versão dos factos (relacionados com a existência e caracterização de alegado acidente de trabalho) vertidos pela Recorrente nas suas alegações de recurso, nem sequer aceita as imputações que a si lhe são dirigidas.”   

Ora, da alegação da Recorrida resulta que esta, em bom rigor, não chega a invocar a violação do contraditório.
Limita-se, apenas, a fazer depender o exercício desse contraditório de um acontecimento futuro e eventual – o da procedência do recurso.
Pelo que, não obstante tal alegação ter sido suscitada com cariz de questão prévia, não assume essa natureza, porquanto depende da procedência do recurso.

Por outro lado, o exercício do contraditório em fase conciliatória só tinha que ser dado à própria Sinistrada, como efectivamente foi, dado que a decisão que ia ser proferida pelo Tribunal era prejudicial apenas e tão-só para a Sinistrada, uma vez que não lhe foi reconhecido o pretendido direito de acção.
Nessa medida, as aqui Recorridas – 1ª e 2ª Rés – nem sequer eram partes no processo, pois este estava ainda no início com a “participação” de um facto ao Tribunal, ao Ministério Público, não sendo exigível, nesta fase inicial em que a participação efectuada pela Sinistrada foi mandada arquivar, ter de dar cumprimento ao princípio do contraditório.
O contraditório impõe-se, sim, mas em momento posterior, com o recebimento da participação pelo MP, realização da tentativa de conciliação e com o eventual início da fase seguinte, contenciosa, quanto aos factos alegados pela Sinistrada e se, porventura, se considerar que não se verificou a caducidade do seu direito de acção.

Impor-se-á, também, como aconteceu no caso sub judice, em que o princípio do contraditório foi efectivamente cumprido, aquando da interposição do recurso por parte da Autora.

Atente-se que o princípio do contraditório, previsto no art. 3º, nº 3, do NCPC, consiste numa garantia de participação efectiva que é concedida à parte contrária para se pronunciar sobre o desenvolvimento de todo o litígio, “em termos de, em plena igualdade, poder influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa” e “que no processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.[3]

E explicita, ainda, o Autor citado – Lebre de Freitas – noutro excerto:

“O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.[4]

Permitindo-se à parte/contraparte, acrescentamos nós, o exercício do seu direito de defesa, com a exposição das suas razões e a discussão plena acerca da matéria que considera relevante para se alcançar a justa composição do litígio e a efectivação em juízo dos seus direitos.
 Facultando-lhe a possibilidade de se pronunciar – através dos direitos de oposição e de resposta – sobre a versão e interpretação dos factos em causa e do direito aplicável.[5]

Ora, como se disse supra, esse desenvolvimento da acção, in casu, ainda não ocorreu. E após a interposição do primeiro recurso pela Autora, a 1ª Ré teve conhecimento do mesmo, tendo sido notificada para, querendo, se pronunciar sobre o seu objecto, o que fez, apresentando as respectivas contra-alegações.

Por conseguinte, inexiste preterição do direito de contraditório.

2.2. Quanto à segunda questão préviada ilegitimidade passiva da Recorrida, constata-se que a 1ª R., entidade empregadora, suscitou tal questão nos seguintes termos:

Ainda a título de questão prévia, cumpre reiterar que o recurso ora interposto pela Recorrente, caso mereça provimento, e na eventualidade de a acção seguir a sua tramitação processual regular subsequente, será, porventura, discutida nos autos a questão relacionada com a existência e caracterização de um alegado acidente de trabalho.
Sucede, porém, que caso a hipótese ora evidenciada se efective, todo e qualquer dever de reparação do alegado acidente de trabalho apenas poderá ser, em termos potenciais, imputado à Seguradora, e não à aqui recorrida.
(…)
Tendo a Recorrida cumprido a obrigação de transferência de responsabilidade prevista no n.º 1, da anterior Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, todo e qualquer pedido relacionado e decorrente da alegada ocorrência de um acidente de trabalho sofrido por um seu trabalhador, terá de ser movido apenas e contra a Seguradora em apreço.

E não o tendo sido, carece de legitimidade passiva para intervir como Ré nos presentes autos.

Do que antecede verifica-se que, à semelhança do que se afirmou no ponto anterior, também nesta situação a questão da ilegitimidade passiva da Recorrida só se poderá colocar se o presente recurso merecer provimento e, consequentemente, os autos prosseguirem a sua tramitação processual.

Caso em que se configurará o momento processualmente adequado para a ora Recorrida, em sede de impugnação, alegar que a responsabilidade pelo eventual acidente de trabalho cabe tão só à Ré Seguradora a quem transferiu a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho relativamente a todos aqueles que, como a Autora, estão ao seu serviço.
Invocando, para declinar a sua responsabilidade, se assim o entender, a sua ilegitimidade passiva.

Seja como for, e sem prejuízo do que acabou de se afirmar, a verdade é que o conceito de legitimidade das partes, tendo em conta a posição processual que cada uma pode assumir na acção, é-nos dado pela segunda parte, do n.º 1, do art. 30.º, do NCPC, segundo o qual o réu é parte legítima quando tenha interesse directo em contradizer.

Explicitando-se, no nº 2 deste normativo, que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.

Para se concluir, no seu nº 3, que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito de legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.

Este conceito legal de legitimidade remonta à anterior redacção do art. 26º, nº 3, do então CPC, numa importante alteração efectuada a esta norma pelo Dec. Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, tendo o legislador decidido tomar expressa posição sobre a «vexata quaestio» do estabelecimento do critério de determinação da legitimidade das partes, visando a solução legislativa proposta para pôr termo a uma questão jurídico-processual que, há várias décadas, se debatia na nossa Doutrina e Jurisprudência, assente, agora, na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor da acção.[6]

Destarte, a posição sustentada por Teixeira de Sousa, que teve por base a lição de Barbosa de Magalhães, e que opunha este a Alberto dos Reis, triunfou.

Defendia este Autor, a propósito da análise do citado art. 26º do CPC[7], que “a legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou impro­cedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a po­sição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação material controvertida, tal como a apresenta o autor”.[8] 

Tudo isto para se concluir no sentido de que a legitimidade, enquanto pressuposto processual relativo às partes, entronca na titularidade da relação material controvertida tal como a configura o Autor.
Pelo que, para se apreciar a legitimidade das partes apenas releva aferir quais são os sujeitos dessa relação nos termos em que se mostra configurada pelo Autor, não sendo necessário, nesta fase, entrar no domínio da discussão do mérito da causa.

Nesta medida, quer a 1ª Ré quer a 2ª são partes legítimas, porquanto, no caso da procedência do recurso, isto é, de ser reconhecido o direito de acção à Sinistrada, qualquer uma delas terá interesse directo em contradizer para não sofrer o prejuízo que da instauração e procedência da respectiva acção de acidente de trabalho possa para si advir.

Razão pela qual improcede, também, a questão prévia suscitada pela Recorrida da sua ilegitimidade passiva.

3. Por conseguinte, a nossa análise incidirá, de seguida, sobre o objecto do recurso nos precisos termos em que se delimitou: quanto à verificação, ou não, da caducidade do direito de acção da Autora.

Posto isto, temos que:

III – FUNDAMENTAÇÃO:

1. Para a decisão do presente pleito relevam, em termos adjectivos, as normas dos regimes legais decorrentes:

a) Da actual redacção do Código do Processo do Trabalho (CPT), aprovado pelo Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro, e alterado pelos Decretos-Leis nº 323/2001, de 17 de Dezembro, nº 38/2003, de 8 de Março e nº 295/2009, de 13 de Outubro, que o republicou.
b) Do Novo Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

2. Uma vez que o acidente sobre que versa o recurso em análise, de acordo com a versão da Autora, terá ocorrido em 03/07/2009, aplicar-se-á o Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais decorrente da LAT de 1997, aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, conforme resulta da alínea a), do n.º 1, do seu artigo 41.º, conjugada com o disposto no n.º 1, do artigo 71.º, do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril: o Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A /99, de 22 de Setembro.

Com efeito, a LAT de 2009, aprovada pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, só é aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor, nos termos do disposto no art. 187.º, n.º 1, da referida Lei, o que aconteceu apenas em 1 de Janeiro de 2010.

Ora, constando dos autos que o acidente descrito está datado de 03/07/2009, não pode ser-lhe aplicado o regime jurídico mais recente no âmbito dos acidentes de trabalho.


A) DE FACTO

- Atendendo a que nos presentes autos nem sequer se chegou a discutir processualmente a factualidade alegada pela Sinistrada, relacionada com a descrição e caracterização do acidente participado por aquela, o acervo fáctico com relevância para a decisão a proferir – caducidade (ou não) do direito de acção da Autora/trabalhadora – é o que resulta do presente relatório.
Isto é, a sequência cronológica dos vários actos ocorridos tendo em atenção as datas indicadas pela Sinistrada e os documentos médicos relacionados com as “baixas” sofridas por esta.

Destarte, importa realçar a seguinte factualidade:

1. Em 19 de Maio de 2015, a Sinistrada participou ao Tribunal um acidente alegadamente sofrido em 03/07/2009, e que, na sua versão, deve ser qualificado como acidente de trabalho, pois terá ocorrido quando trabalhava subordinadamente para a empregadora, 1ª Ré.
2. Essa participação do acidente foi dirigida ao Exmº Procurador junto da comarca de …, do Tribunal do Trabalho de ….
3. Acidente que, de acordo com a sua versão, a sua entidade empregadora terá tido conhecimento logo na altura em que o mesmo ocorreu;
4. A 1ª Ré, entidade empregadora, tinha a responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a SEGURO CC, através da apólice nº 0000507.
5. Não terá sido feita, pela 1ª Ré, participação do aludido acidente à referida Seguradora, bem como esta também não fez qualquer participação ao Tribunal.
6. A Sinistrada não recebeu assistência clínica da Seguradora.
7. Resulta dos autos que foram juntos pela Autora diversos “Certificados por Incapacidade Temporária para o Trabalho por Estado de Doença”, todos emitidos pelo Centro de Saúde de ....
8. Extrai-se o seguinte desses “Certificados”: à Sinistrada foi conferida baixa médica por doença determinante de incapacidade para o exercício da sua actividade profissional, nos seguintes períodos:

i. Numa primeira fase, de 06-07-2009 a 17-07-2009, prorrogada de 18-07-2009 a 01-08-2009 e de 02-08-2009 a 21-08-2009, data em que cessou a baixa, classificando-se sempre como “doença natural” a situação determinante da incapacidade, sendo certo que do boletim que conferiu a prorrogação até 21-08-09, datado de 06-08-09, não consta qualquer razão pela qual se fixou em 21-08-09 a data da cessação da situação de doença motivadora da baixa médica por incapacidade;
ii. Numa segunda fase, de 27-08-2009 a 07-09-2009, prorrogada de 08-09-2009 a 07-10-2009 e de 08-10-2009 a 06-11-2009, data em que cessou a baixa, classificando-se sempre como “doença natural” a situação determinante da incapacidade, sendo certo que do boletim que conferiu a prorrogação até 06-11-09, datado de 13-10-09, não consta qualquer razão pela qual se fixou em 06-11-09 a data da cessação da situação de doença motivadora da baixa médica por incapacidade – (sublinhado nosso).

9. Não foi junto aos autos qualquer outro boletim clínico emitido pelo Centro de Saúde de ....
10. Em 28/09/09, 25/11/09 e 27/01/10, a Sinistrada foi sujeita a con-sultas médicas no Centro Hospitalar de ..., constando do diário referente a essas consultas o seguinte:
 
“28-09-2009 19:35:00 Dr. EE (... – Ortopedia):
“Doente com antecedentes de traumatismo da coluna cervical, que revelou fractura avulsa, que apesar do tratamento conservador mantém dor e impotência  funcional.
Peço RMN cervical.”

“25-11-2009 12:09:57 – Dr. FF (... – Ortopedia):
“RMN confirma ap. espinhosa de D1.
Mantém dor residual, mas sem sinais de comprometimento medular e ou radicular.
Fazer AINE em SOS + calor húmido”.

“27-01-2010  14:18:26 – Dr. EE (... –Ortopedia):
Doente vítima de acidente de trabalho, em Julho de 2009, de que resultaram queixas dorsal.”

11. A Sinistrada suportou as despesas médicas que realizou.
12. Recebida no Tribunal a participação efectuada pela Sinistrada, em 19/5/2015, o Exmº Magistrado do MP promoveu que fosse declarada a caducidade do direito de acção da Sinistrada, tendo sido acolhido esse entendimento pelo Juiz de 1ª instância e, posteriormente, pelo Acórdão do Tribunal da Relação do …, de 23 de Maio de 2016, foi igualmente declarada a caducidade desse direito de acção, com um voto de vencido, conforme consta dos autos a fls.55 e segts.


B) DE DIREITO:

1. A questão fulcral dos autos consiste em saber se caducou ou não o direito de acção da Sinistrada/Recorrente.
A este propósito, e conforme se mencionou supra, nas duas instâncias, quer os Magistrados do MP, quer os Juízes que intervieram nos autos, foram unânimes na declaração da caducidade do direito de acção da Autora, com ressalva do voto de vencido de um dos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do ….

A fundamentação para essa caducidade assentou, em síntese, no facto de se ter entendido que o prazo de caducidade de um ano previsto no art. 32º da LAT de 1997 (Lei nº 100/97, de 13 de Setembro), já há muito tinha decorrido, uma vez que o alegado acidente tivera lugar em 03/07/2009 e a Sinistrada só o participou em 19/05/2015.

Insurgiu-se a Autora contra tal entendimento defendendo que, uma vez que ainda não tinha recebido alta médica, e a lei prescreve, na referida norma, que o prazo de caducidade se conta da data da alta clínica do sinistrado (cf. nº 1, do art. 32º), facto que ainda não ocorrera, não pode dar-se por iniciada a contagem do prazo de um ano de caducidade.

E, por isso, está em tempo para efectuar a participação do acidente, não podendo ser declarada a caducidade do seu direito de acção.

Urge, pois, decidir o diferendo.

2. A posição antagónica vertida nos autos exige uma reflexão sobre as seguintes questões:
- Primo: Qual o momento a que se deve atender para que o direito da Autora possa ser legalmente exercido?
- Secundo: Quais os reais efeitos que emergem desse não exercício atempado?

A análise e decisão de ambas as questões entrecruzam-se e, por sua vez, repercutem-se noutras que serão igualmente abordadas à medida que se considerar oportuno.

Posto isto, temos que:

3. O Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e as suas especificidades processuais:

3.1. Assentou-se, ab initio, que a lei aplicável neste domínio é a Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, doravante designada de LAT/97.

Do seu regime jurídico salientam-se, pela relevância para o caso sub judice, as disposições gerais que serão decisivas para a solução final.

No âmbito dos seus princípios fundamentais, quanto ao sistema de protecção conferido aos sinistrados, destacam-se:
1. Têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho todos os trabalhadores por conta de outrem, e seus familiares, de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos, bem como os trabalhadores independentes nos termos fixados no referido regime e no seu art. 3º.
2. Acidente de trabalho será todo aquele que se mostre abarcado pelo seu conceito legal, conforme art. 6º, estando excluídos do conceito os preceituados nos arts. 7º e 8º.
Deve, igualmente, atender-se às normas previstas sobre esta matéria no Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho, Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril.
3. Prevê-se, ainda, a forma de reparação, com a fixação, em dinheiro, das indemnizações, que variam em função das diversas incapacidades sofridas pelo sinistrado, e as pensões devidas em caso de morte – cf. arts. 10º, 17º, 20º e 26º.
4. Integrando a reparação em espécie as prestações de natureza médica e cirúrgica, farmacêutica, hospitalar, etc., nos termos do art. 10º da LAT/97 e 23º do Decreto-Lei nº 143/99.                                           

3.2. Consagrando a lei estes direitos emergentes de acidentes de trabalho, a forma processual de os efectivar é através do respectivo processo regulado no art. 99º e segts do CPT, na redacção actual.

Processo constituído por duas fases distintas:
- Uma primeira fase, designada de fase conciliatória, muitas vezes apelidada de pré-contenciosa, que é presidida pelo MP, regulada nos arts. 99º a 116º, do CPT, e
- Uma segunda fase, denominada de fase contenciosa, sob a direcção do Juiz, assumindo o MP o patrocínio oficioso do sinistrado ou dos seus beneficiários, nos termos do art. 119º, nº 1, do CPT – cf. tb. arts. 117º e segts.

    

A este propósito assinalam-se, desde logo, as especificidades do processo de acidente de trabalho.

Para além de se poder desdobrar nas duas fases assinaladas, caso em que a fase contenciosa corre nos autos em que se processou a fase conciliatória, por força do preceituado no nº 3, do art. 117º, do CPT, o processo de acidente de trabalho não depende, em termos de início de instância, da propositura da acção que, usualmente, se concretiza pela instauração da acção com a entrada em juízo da petição ou requerimento inicial da própria parte.

Com efeito, no âmbito do direito processual civil, a regra geral que vigora no domínio do começo e desenvolvimento da instância e que assinala o momento processual em que a acção juridicamente se considera proposta é a que resulta do estatuído no nº 1, do art. 259º, do NCPC.

Segundo o qual, a instância inicia-se pela proposição da acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial.

Por conseguinte, nesse caso, caberá à própria parte, ressalvadas as situações legais de representação (arts. 22º e segts. do NCPC) e as acções para a tutela de interesses difusos (art. 31º do NCPC), o impulso processual inicial ficando, a partir desse momento, investida numa situação jurídica activa face à relação material controvertida por si configurada.

Trata-se, na sua essência, de uma exteriorização do princípio do dispositivo que vigora no processo civil e que, enquanto um dos seus princípios estruturantes e fundamentais, atribui às partes o poder de definir o objecto do litígio através da dedução das suas pretensões ao longo dos articulados.

A sua consagração legal assenta no art. 3º do NCPC, segundo o qual, o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes.

É, pois, sobre as partes que impende o ónus de iniciativa processual, traduzido no dever de carrear para os autos os factos em que fundamentam a sua pretensão, quer através da formulação do pedido quer quanto à defesa dos direitos que pretendem ver tutelados.

Ónus que, contudo, não pode ser exponenciado a ponto de o processo ficar dependente, na sua totalidade, desse impulso, porquanto cabe ao Juiz, no âmbito do seu dever de gestão processual, dirigir activamente o processo nos termos permitidos pelo actual art. 6º do NCPC.

E se esse dever foi norteado pela necessidade de assegurar a prevalência da verdade material sobre meras questões de forma, mais se imporá no domínio do processo do trabalho, a que se aplica subsidiariamente o processo civil, atenta a natureza dos processos emergentes de acidentes de trabalho que, por força da lei, revestem carácter urgente e correm oficiosamente – cf. nºs 1, alínea e), e 3, do art. 26º, do CPT.

Mas outras particularidades são de assinalar, maxime, quanto à questão do ónus do impulso processual.

3.3. Com efeito, no processo que aqui importa dilucidar, de efectivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais, a instância não se inicia, nem se desenvolve, nos mesmos termos.

O processo inicia-se por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público e tem por base a participação do acidente, face ao estipulado no nº 1, do art. 99º, do CPT.

Ou seja: a instância não se inicia com a apresentação da petição ou do requerimento inicial, mas sim com a participação do acidente na secretaria do Tribunal.

Regra que emerge do estatuído no nº 4, do art. 26º, do CPT.

Daqui decorre que:


1. Neste tipo de acções a participação do acidente constitui a primeira manifestação destinada ao exercício do direito que assiste ao sinistrado (ou aos seus beneficiários legais) de receber as prestações devidas como reparação por um acidente de trabalho;
2. E, iniciando-se a instância com o recebimento da participação, a acção só se considera proposta com a sua entrada e recebimento em juízo.[9]

É, pois, esse momento que constitui o marco exacto do começo da instância e do início do processo na sua fase conciliatória e, por conseguinte, será a esse preciso momento a que se deverá atender para efeitos de caducidade do direito de acção, salvo se a lei estatuir outro facto como elemento determinante e a partir do qual pretende ver desencadeados esses efeitos.

Quer isto dizer que os seus reflexos jurídicos se projectam no direito de acção relativo às prestações fixadas na Lei nº 100/97, de 13 de Setembro (LAT/97), com a caducidade a operar nos termos aí previstos e que serão por nós analisados, mais em pormenor, num dos pontos subsequentes.

4. Porém, antes disso, em matéria de participação dos acidentes de trabalho releva a questão de saber a quem incumbe efectuar essa participação.

Impõe-se, pois, dar resposta às seguintes questões:

- Quem tem o ónus do impulso processual?

- Em que prazo deve ser feita a participação do acidente?

- E quais as consequências para a omissão dessa participação?

Vejamos.

4.1. De acordo com o Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, a participação do acidente de trabalho deve ser efectuada:


1. Pelos Sinistrados e beneficiários legais nas 48 horas seguintesdevendo participá-lo à entidade empregadora, ou quem a represente, nos termos do seu art. 14º;
2. Pelas Entidades Empregadoras, com a responsabilidade transferida para uma empresa de seguros, ou sem responsabilidade transferida, que devem participar o acidente ao Tribunal competente, no prazo de oito dias contados a partir da data do acidente ou do seu conhecimento, conforme o disposto nos arts. 15º e 16º;
3. Pelas Seguradoras, que devem fazê-lo no prazo de oito dias a contar da cura clínica, relativamente aos acidentes de que tenha resultado incapacidade permanente, e no mesmo prazo de oito dias, a contar da sua verificação, em relação a todos os casos de incapacidades temporárias que ultrapassem os 12 meses, nos termos do art. 18º;
4. Pelos Directores dos estabelecimentos hospitalares, assistenciais ou prisionais, em caso de falecimento, devendo fazer a comunicação de imediato ao Tribunal competente – cf. art. 20º.

A omissão desse dever legal de participação nos casos identificados supra, nos pontos 2) a 4), é punível com coima, em processo contra-ordenacional, por força do disposto no nº 2, do art. 67º, do Decreto-Lei nº 143/99.

Mas a lei não se quedou pela instituição da obrigatoriedade de participação pelas entidades enunciadas.

A par do dever legal imposto àquelas, estabeleceu, também, a possibilidade de participação – facultativa – às pessoas que identifica no art. 19º do diploma legal citado.

Normativo no qual, sob a epígrafe “Faculdade de participação a Tribunal”, consignou expressis verbis que a participação do acidente ao Tribunal competente pode também ser feita:

a) Pelo sinistrado, directamente ou por interposta pessoa.

E, nesta circunstância, facultativa de participação, o legislador não fixou prazo para a apresentação de tal participação.

Assim sendo,

- Quid juris?

4.2. Conforme se referiu em ponto anterior, a instância inicia-se com a participação do acidente e é este momento – o de recebimento da participação – que se projecta no exercício do direito de acção, estando este direito sujeito às regras da caducidade e prescrição, nos termos estabelecidos no nº 1, do art. 32º, da LAT/97.[10]

Normativo que tem o seguinte conteúdo:

“O direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta” – (sublinhado nosso).

A remissão da norma para o instituto de caducidade impele-nos para a repercussão derivada do decurso do tempo e para a análise desta figura jurídica que, como é sabido, atribui efeitos ao não exercício de um direito decorrido que se mostre o lapso de tempo estabelecido na lei para esse efeito.

E consagra que, se a lei não fixar outra data, o prazo legal de caducidade começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido – cf. art. 329º do Código Civil.

Só impedindo a caducidade a prática, dentro do prazo legal, do acto a que a lei atribua efeito impeditivo – cf. art. 331º do CC.

Importa, por isso, analisar o regime legal da caducidade e os efeitos que se produzem nas situações jurídicas em geral e, em particular, no caso sub judice. Tendo subjacente que a causa legal impeditiva da caducidade é a prática do acto que, consequentemente, neutraliza o prazo em curso.

5. A Caducidade – regime legal e produção de efeitos:

5.1. O Código Civil enuncia o princípio geral da caducidade no seu art. 328º, segundo o qual o prazo da caducidade não se suspende, nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine.

Interpretando esta norma explicita Luís Carvalho Fernandes[11]:

“A lei não estabelece prazos gerais de caducidade ao contrário do que acontece com a prescrição.
A fixação do prazo de caducidade legal é casuística, ou seja, feita pelo legislador para cada caso concreto.
Daqui resulta, como é natural, uma grande diversidade de prazos, consoante as exigências de cada direito, não se tornando viável a sua redução a casos típicos. (…)

Na caducidade vale muito mais plenamente o princípio segundo o qual o tempo se conta ininterruptamente. (…)

Para concluir:

“Pelo que o prazo corre sempre sem intermitências de qualquer ordem”.

Daí a consequência supra enunciada: a única forma de evitar a caducidade é praticar, dentro do prazo correspondente, o acto que tenha o efeito impeditivo.

A este propósito, adverte Menezes Cordeiro[12]: a causa impeditiva da caducidade “terá de coincidir, na prática, com a efectivação do próprio acto sujeito à caducidade”.

Dissecando o conceito, o referido Mestre estabelece a distinção entre o que considera ser o sentido lato e o sentido estrito do conceito de caducidade, fazendo-o nos seguintes termos:

- “Em sentido lato, a caducidade corresponde a um esquema geral de cessação de situações jurídicas, mercê da superveniência de um facto a que a lei ou outras fontes atribuam esse efeito. Ou se quiser, traduz a extinção de uma posição jurídica pela verificação de um facto stricto sensu dotado de eficácia extintiva.
- Em sentido estrito, a caducidade é uma forma de repercussão do tempo nas situações jurídicas que, por lei ou por contrato, devam ser exercidas dentro de certo termo. Expirado o respectivo prazo sem que se verifique o exercício, há extinção”.

Ou seja: a extinção do direito.

Mas não se queda por aqui.
E dentro desta categoria da “caducidade estrita” distingue o ilustre Professor dois grandes grupos[13]:

  - O da caducidade simples,
  - E o da caducidade punitiva.

E decompõe cada um deles:
 
- Na caducidade simples, a lei limita-se a prever ou a referir a cessação de uma situação jurídica pelo decurso de certo prazo, como acontece, por exemplo, no caso do prazo de um ano estabelecido para se pedir a anulação de um negócio jurídico (cf. art. 287º, nº 1, do CC).
- Na caducidade punitiva, o Direito impõe a cessação de uma posição jurídica como reacção ao seu não exercício, no prazo fixado. Usando, por vezes, mesmo a expressão “sob pena de caducidade”.
(…)

A caducidade “punitiva” tem ainda um importante papel: determina, na esfera jurídica das pessoas contra quem possa actuar, o surgimento de encargos materiais: impele-as a exercer determinados direitos, de tipo potestativo, de modo a que eles não subsistam, pendentes na ordem jurídica, com as sequelas da indefinição e da incerteza”.[14]

Segundo tal Autor, subjacente a tais situações “punitivas” está a ideia de que “a ordem jurídica pretende que os direitos em causa, potencialmente desestabilizadores, sejam exercidos com prontidão ou cessem. Donde sujeitá-los a prazos”.

E a prazos curtos, ao contrário do que ocorre no regime legal da prescrição cujo prazo legal se estende até aos 20 anos – cf. art. 309º do CC.

São os efeitos da repercussão do tempo nas situações jurídicas pelo não exercício atempado do Direito, porquanto inerente ao instituto da caducidade subjaz o fundamento da rápida definição da situação jurídica”, salientado por Vaz Serra.

Com a ideia inerente de que na caducidade operam “razões objectivas de segurança jurídica, sem atenção à inércia ou negligência do titular, mas apenas com o propósito de garantir que, dentro do prazo nela estabelecido, a situação se defina”.[15]

Também Manuel de Andrade[16] corrobora este entendimento referindo expressamente que “o fundamento específico da caducidade é o da necessidade de certeza jurídica”.

5.2. Por conseguinte, daqui decorre, com o suporte dos normativos legais citados (arts. 329º e 331º do CC), que, se a lei não fixar outra data, o prazo de caducidade há-de começar a decorrer no momento distinguido pela norma: aquele em que o direito puder ser legalmente exercido.

Porém, se tal prazo existir na lei, estando fixado temporalmente para o exercício de um direito, através da propositura da competente acção judicial, a única forma de evitar a caducidade desse direito é propondo tal acção dentro do prazo correspondente.

Conforme sublinha Vaz Serra, a caducidade é estabelecida com o fim de, dentro de certo prazo, se tornar certa, se consolidar, se esclarecer determinada situação jurídica.[17]

6. A Caducidade e a Lei dos Acidentes de Trabalho:

6.1. De acordo com a norma da LAT/97 – nº 1 do art. 32º – a caducidade do direito de acção ocorre se a acção não for intentada observando a triplicidade cumulativa que se enuncia:

- não ter sido proposta no prazo de um ano;

- a contar da data da alta clínica;

- alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado.

Ou seja: o prazo de um ano só começa a contar a partir da alta clínica e desde que esta observe o último requisito assinalado – o da comunicação formal dessa alta clínica ao sinistrado.

A alta clínica, com a referida formalidade, assume aqui o elemento fulcral para que a contagem do prazo de um ano se inicie.

Esclarecendo o alcance desta exigência legal e o conceito de “alta clínica”, refere Carlos Alegre na anotação ao art. 32º da LAT/97:

O conceito de alta clínica deve ser entendido como “alta clínica devidamente notificada às partes interessadas (especialmente ao sinistrado) através da entrega de duplicado do boletim de alta. Somente a partir de então fica o sinistrado habilitado a exercer os seus direitos se não concordar, quer com a situação de cura clínica, quer com o grau de incapacidade que lhe tenha sido atribuído.

Neste sentido, o acto impeditivo da caducidade é a participação do acidente ao Tribunal de Trabalho competente (…). A referida participação a Tribunal implica o exercício oficioso do direito de acção, pondo cobro à contagem do prazo de caducidade que se vem fazendo desde a notificação da cura clínica. [18]

Da análise da referida norma ressalta, em nosso entender, que no âmbito do Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais apenas a alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado despoleta o início da contagem do prazo de caducidade estipulado no nº 1, do seu art. 32º (Lei nº 100/97, de 13 de Setembro).[19]

6.2. Este entendimento tem sido acolhido pela Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, desta Secção Social, em diversos Acórdãos, onde se pode ler que a caducidade do direito à acção de acidente de trabalho – e o respectivo prazo de um ano aí previsto – conta-se a partir da data da morte ou da cura/alta clínica, iniciando-se o prazo, neste caso, com a entrega do boletim da alta ao sinistrado.[20]

E assenta na interpretação do nº 1, do citado art. 32º, tendo subjacente a análise dissecada de 2 dos seus requisitos:

- a cura/alta clínica;

- e a sua comunicação (formal) ao sinistrado.

A este propósito consignou-se expressamente no citado Acórdão do STJ, de 03/10/2000, que:

  “I – A caducidade do direito à acção de acidente de trabalho – 1 ano – conta-se a partir da data da morte ou da cura clínica iniciando-se o prazo, neste caso, com a entrega do boletim de alta ao sinistrado.
    II – A declaração de cura clínica constitui um acto formal constante de um documento – boletim de alta – que tem de ser entregue ao sinistrado e às entidades responsáveis.
 III – A cura clínica corresponde às situações em que as lesões desapareceram ou se apresentam como insusceptíveis de modificação.
 IV – É à entidade responsável que compete a prova de que ao sinistrado foi entregue o boletim de alta ou que lhe foi comunicado que essa entidade declinou a sua responsabilidade”.

Igual entendimento sobre a caducidade e o seu início, a contar da alta clínica, mostra-se vertido noutros arestos desta Secção, nomeadamente no Acórdão do STJ, de 10/07/2013, Relatado por Pinto Hespanhol[21], onde se concluiu nos seguintes termos:

  
“1. Resulta dos conjugados artigos 32.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, 32.º, nºs 2 a 4, e 63.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, que o direito de acção respeitante às prestações fixadas naquela lei caduca no prazo de um ano a contar da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado, mediante a entrega de duplicado do boletim de alta, de modelo aprovado oficialmente”. (…)


Podendo ler-se, sobre a presente matéria, o seguinte:

“… Do texto dos aludidos preceitos legais não se extrai qualquer elemento interpretativo no sentido de que o prazo do direito de acção respeitante às prestações fixadas na lei se inicia com o mero conhecimento por parte do sinistrado de que lhe foi conferida a alta, antes resulta dos conjugados artigos 32.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, 32.º, nºs 2 a 4, e 63.º do Decreto-Lei n.º 143/99, que o direito de acção respeitante às prestações fixadas naquela lei caduca no prazo de um ano a contar da alta clínica comunicada formalmente ao sinistrado, mediante a entrega de duplicado do boletim de alta, de modelo aprovado oficialmente”.

Trata-se de Jurisprudência que, como se sabe, tem como pressuposto a existência de tratamento médico ministrado ao sinistrado e, por consequência, radica na suposição normal de que o alegado acidente de trabalho foi participado à respectiva seguradora e que esta, por sua vez, cumpriu os seus deveres contratuais de acordo com os termos estabelecidos na apólice do contrato de seguro celebrado com a entidade empregadora (que transferiu para aquela a sua responsabilidade), bem como os seus deveres legais em conformidade com a regulamentação dos acidentes de trabalho.

E, em tais circunstâncias, a Jurisprudência abundantemente firmada, deste Supremo e Secção, é clara no sentido de que não se verifica a caducidade do direito de acção se tal alta clínica não ocorreu ou se, tendo ocorrido, não foi formalmente comunicada ao sinistrado, mediante a entrega a este do duplicado do boletim de alta.[22]

6.3. Porém, naquelas situações em que tal participação apenas tenha sido despoletada pelo sinistrado, ao abrigo da faculdade instituída pelo art. 19º, do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, já não encontramos arestos do Supremo Tribunal de Justiça que, em igual número, versem sobre esta matéria.

Apenas é conhecido o Acórdão desta Secção, datado de 11/10/2005, que se pronunciou nos seguintes termos [23]:


“I – A caducidade do direito de acção respeitante às prestações indemnizatórias por acidente de trabalho, a que se refere a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, interrompe-se com a participação do acidente ao Tribunal, sendo irrelevante, para o efeito, que a entidade seguradora tenha incumprido o dever de comunicação que lhe é imposto pelo artigo 18º, do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.
II – É ao sinistrado ou aos beneficiários das pensões e indemnizações atribuídas por lei que incumbe o ónus de desencadear o efeito impeditivo da caducidade, visto que são eles os que directamente beneficiam dos efeitos indemnizatórios e têm interesse no exercício do direito de acção.
III – Para o efeito de assegurarem o exercício tempestivo do direito de acção, o sinistrado e os beneficiários dispõem da faculdade de efectuarem, por sua própria iniciativa, a participação do acidente, que lhes é conferida pelo artigo 19º, do Decreto-Lei n.º 143/99” – (sublinhado nosso).

Sendo de realçar que o caso que despoletou o citado aresto dizia respeito a uma situação completamente diferente, em que a factualidade provada diverge substancialmente da descrita nos presentes autos, estando ali em causa a morte do sinistrado ocorrida em consequência do acidente de trabalho, e uma vez que tal acidente não foi participado pela respectiva seguradora, o STJ entendeu que competia aos beneficiários das pensões e indemnizações atribuídas por lei – os familiares do sinistrado, viúva e filhos – efectuar essa participação.

O que então juridicamente estava em causa, quanto à caducidade do direito de acção, era a aplicação da segunda parte, do nº 1, do art. 32º, da LAT/97, que estabelece que o prazo de caducidade se conta a partir da data do evento morte.

Ao invés das restantes situações que incidem, v.g., sobre a necessidade de aferir qual o grau de redução da capacidade de trabalho ou ganho do sinistrado ou qual a natureza e extensão das lesões sofridas por este, em consequência do acidente de trabalho, e da necessidade, ou não, de se submeter aos tratamentos médicos e cirúrgicos adequados tendentes à cura de tais lesões.

E, em tais circunstâncias, carecendo de assistência e tratamento médico, a alta clínica surge, assim, como forma de definição da situação de cura clínica e/ou para uma eventual fixação do grau de incapacidade que possa ser atribuído ao sinistrado, nos termos exigidos pela primeira parte, do nº 1, do citado art. 32º.

Atente-se que o próprio art. 32º, do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, estatui que, quando terminar o tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar, quer por qualquer outro motivo, o médico assistente emitirá um boletim de alta, em que declare a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões (cf. seu n.º 2), que o referido boletim da alta é emitido em duplicado (n.º 3) e que, no prazo de 30 dias após a realização dos actos, é entregue um exemplar do boletim ao sinistrado (n.º 4).[24]

Donde, poder concluir-se que:
- Inexistindo esse tratamento ou submissão a perícia médica não pode ser emitido o respectivo boletim de alta nem ser declarada a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária do sinistrado.

7. O caso sub judice:

7.1. Posto isto, reportando-nos concretamente ao caso dos autos e tendo em conta a análise que antecede e o acervo fáctico assinalado, diremos que:

 De acordo com as normas legais citadas em ponto anterior, não se suscitam dúvidas sobre a clareza dos arts. 14º a 18º, e 20º, todos do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, que estabelecem quais as entidades que devem proceder à participação do acidente e qual o prazo em que o devem fazer.

Nesta matéria a primeira norma (art. 14º) é dirigida especificamente ao interessado por excelência: ao sinistrado. A quem a lei atribui o prazo de 48 horas para participar à entidade empregadora o acidente de trabalho ocorrido.
Só assim não será se o sinistrado estiver impedido de o fazer, começando, nesse caso, a contar-se o prazo a partir do momento em que cessar o impedimento, o que faz todo o sentido.

Outra excepção que a lei também prevê (no seu n.º 3), para a não comunicação no prazo de 48 horas, é aquela em que, na sequência do acidente de trabalho, o sinistrado não fica logo ciente de que sofreu uma lesão, consequência desse acidente. Caso em que o prazo para comunicação à entidade patronal, por parte do sinistrado, se inicia imediatamente após o conhecimento da referida lesão como consequência do acidente.
Será, pois, neste caso, a partir do conhecimento da lesão que se desencadeia a contagem do decurso do respectivo prazo.
O que bem se compreende, porquanto o legislador não quis que por impedimento da comunicação, ou desconhecimento da lesão, o sinistrado ficasse prejudicado na reparação do acidente de trabalho que sofreu.

A lei prevê também, no art. 14º, nº 4, do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, uma outra situação: a de que, por inércia ou negligência, o sinistrado possa não ter feito, tempestivamente, a comunicação do acidente ao empregador.
Estatuindo neste normativo uma cominação pela omissão se, por tal motivo, tiver sido impossível à entidade empregadora ou a quem a represente na direcção do trabalho prestar-lhe a assistência necessária.
E como consequência dessa falta estabeleceu que o sinistrado fica impedido de poder, depois, reclamar a atribuição do direito às prestações previstas na lei, relativamente às incapacidades judicialmente reconhecidas como consequência daquela falta e na medida em que dela tenham resultado.

Sendo embora certo que o sinistrado, pela falta de participação do acidente ao empregador não perde o direito a todas as prestações estabelecidas na lei.
Consequência que não pode deixar de se salientar e que é reveladora da específica natureza jurídica do processo especial emergente de acidente de trabalho, constituído por direitos indisponíveis e dominado por normas de interesse e ordem pública.

7.2. Ora, no caso dos autos, e de acordo com o que é invocado pela Sinistrada, o alegado acidente de trabalho terá ocorrido nas instalações da entidade empregadora, enquanto trabalhava, tendo aquela comunicado a esta o referido acidente.
Não obstante tal facto, e a entidade empregadora ter a sua responsabilidade infortunística transferida para a Seguradora, aqui 2ª R., o certo é que a 1ª Ré não terá participado a esta a ocorrência do aludido acidente, ao arrepio do que a lei a obrigava – cf. arts. 15º e 16º, do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril.

Consagrando a lei esse dever de participação por parte da entidade empregadora à empresa de seguros, nos termos plasmados nos citados arts. 15º e 16º, cabia, por conseguinte, à empregadora cumprir o estabelecido em tais normativos dando conhecimento à Seguradora do acidente.
Para que esta, por seu turno, em face do disposto no art. 18.º do mesmo diploma legal, pudesse participar o acidente ao Tribunal competente, nos termos aí previstos.

Contudo, não tendo existido essa participação, nem por parte da entidade empregadora, nem tão pouco pela Seguradora, não pode a Sinistrada ser penalizada por tal omissão.

Permitindo a lei, em tais circunstâncias, que tome a iniciativa de suprir essa omissão, com a comunicação desse facto, através da remessa da respectiva participação ao Tribunal competente.

Daí que, a coberto do preceituado no art. 19º do mesmo diploma legal, que prevê, como se assinalou, a “Faculdade de participação a Tribunal” pelo sinistrado, a Autora chamasse a si, e bem, o acto processual impulsionador da lide.
Dando início à instância, por esta via, com a entrega em juízo da participação do acidente – cf. art. 26º, nº 4, do CPT.

Faculdade legal outorgada para que, em situações similares às descritas nos autos, o Sinistrado não fique dependente, nem possa ser prejudicado pela falta de comunicação por parte de tais entidades.

Pretendeu o legislador, assim, com a consagração legal de tal faculdade, impedir que o Sinistrado seja privado do exercício dos seus direitos, pois ao colocar na disponibilidade deste a faculdade dessa iniciativa, está necessariamente a protegê-lo de omissões e da inércia da Entidade Empregadora e/ou da Seguradora.

Ora, in casu, tendo essa participação sido legalmente efectuada pela Autora, há que extrair as respectivas consequências.

7.3. Resulta dos autos que a Autora alegou, na sua participação, que ainda não se encontrava curada das lesões sofridas em consequência do acidente, que continua a sofrer fortes dores na cervical e que, por isso, tem dificuldades na locomoção, sentindo as pernas a tremer, desconhecendo se padece de qualquer tipo de incapacidade.
Sabe-se também que a Entidade Empregadora, porque não participou à Seguradora o alegado acidente, esta, por sua vez, não prestou qualquer tipo de assistência médica à Autora.

Por conseguinte, não existiu até à data qualquer “alta clínica”, sendo certo que, conforme a Sinistrada refere nos autos, nenhuma prestação infortunística devida por acidente de trabalho lhe estava a ser concedida, tendo a Segurança Social subsidiado apenas parcialmente os períodos de incapacidade para o trabalho da Autora.

Ora, a inexistência desse facto – da “alta clínica” – que a lei expressa-mente exige no nº 1, do citado art. 32º, da LAT/97, para a contabilização e início do prazo de um ano e a consequente caducidade do direito de acção, impede que o decurso do prazo opere.
Valem para tanto, as razões assinaladas nos pontos anteriores.

Não podiam, por isso, as instâncias considerar que o direito de acção da Autora caducara, porquanto a lei apenas permite que tal ocorra um ano após a data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado.

Esse momento – o da alta clínica – porque não fixado, impede a produção de tais efeitos.
E a falta desse pressuposto inviabiliza a contagem de qualquer prazo.

Entendemos assim, e ao contrário das instâncias, que, no caso sub judice, não há lugar ao decurso do prazo de caducidade, uma vez que este só se conta a partir da data de um facto que, neste caso, não existiu, não podendo, por isso, produzir efeitos jurídicos.

Não estando determinada a data da alta clínica, nem tendo esta sido formalmente comunicada ao sinistrado, não pode concluir-se no sentido de que “caducou o direito de acção”, porquanto a caducidade só começa a correr a partir desse momento, sendo a data da alta clínica o facto determinante a partir do qual pode ser exercido o direito, nos precisos termos estatuídos pela primeira parte do nº 1, do art. 32º, da LAT/97.

E sem essa determinação, pese embora o lapso de tempo decorrido entre a data do alegado acidente e a sua participação ao Tribunal, desconhece-se se a Autora ainda padece ou não de alguma lesão, se existe ou não cura clínica, resultante da assistência médica a que a Sinistrada foi submetida por sua iniciativa, ou quiçá se as queixas que apresenta são fruto do referido acidente de trabalho ou resultam antes de doença natural.

Só a alta clínica prevista na lei permite dar resposta a tais questões através da declaração médica correspondente.

Com efeito, só com os boletins de exame e de alta clínica da competente autoria médica poderão ser descritas as doenças ou lesões que forem encontradas à Sinistrada, a sintomatologia apresentada e a sua relação, ou não, com o acidente alegado, bem como emitida a respectiva declaração médica se as lesões desapareceram totalmente ou se apresentam como insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada.

A falta da alta clínica – mesmo em situações em que não haja incapacidade ou lesões – impede qualquer juízo jurídico valorativo sobre tal matéria.

Nessa medida, não pode a Autora/trabalhadora ser prejudicada pela inexistência da alta clínica, tanto mais que, ela própria, teve a iniciativa – através da participação efectuada ao Tribunal competente – de exigir a realização de exame médico para a fixação dessa data.

Deveria, por isso, ter sido determinada a realização judicial das diligências necessárias, com a respectiva perícia médica a ter lugar e a Autora a ser submetida a exame médico, nos termos previstos nos arts. 99º e segts do CPT.
O que não foi feito.

Por conseguinte, a alta clínica da Autora ainda não ocorreu e, assim sendo, não se pode dar por iniciada a contagem do prazo de um ano estipulado no nº 1, do art. 32º, da LAT/97.

8. Destarte, conclui-se que, neste caso, não caducou o direito de acção emergente do acidente versado nos presentes autos.

Razão pela qual o Acórdão recorrido não pode ser sufragado.

IV – Decisão:


- Termos em que se acorda em:

a) Indeferir as questões prévias suscitadas pela 1ª Ré;
b) Julgar procedente o recurso interposto pela Autora e, por consequência, revoga-se o Acórdão recorrido, determinando-se que baixem os autos à primeira instância para aí ter lugar a tramitação processual subsequente, prevista nos arts. 99º e segts do CPT.

- Custas pela 1ª Ré, parte vencida.


- Anexa-se o sumário do Acórdão.

Lisboa, 22 de fevereiro de 2017

Ana Luísa Geraldes - Relatora

Ribeiro Cardoso

Ferreira Pinto

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SUMÁRIO


      
       Acção emergente de acidente de trabalho
       Princípio do contraditório
       Instância
       Princípio do dispositivo
       Prazo de propositura da acção
       Alta
       Caducidade    


I – O princípio do contraditório, previsto no art. 3º, nº 3, do NCPC, consiste numa garantia de participação efectiva que é concedida à parte contrária para se pronunciar sobre o desenvolvimento de todo o litígio, permitindo-se o exercício do seu direito de defesa com a exposição das suas razões e a discussão acerca da matéria que considera relevante para se alcançar a justa composição do litígio e a efectivação em juízo dos seus direitos.

II – Participado o acidente de trabalho em juízo e tendo o Ministério Público promovido o arquivamento do processo respectivo, não é exigível, nesta fase inicial, o cumprimento do princípio do contraditório com a audição das partes contra quem a participação era dirigida.

III – No âmbito do direito processual civil a regra geral que vigora no domínio do começo e desenvolvimento da instância, e que assinala o momento processual em que a acção juridicamente se considera proposta, é a de que o seu início ocorre logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial.

IV – Porém, no processo de trabalho, para efectivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais, a instância não se inicia, nem se desenvolve nos mesmos termos que no processo civil, exigindo a lei a participação do acidente e só com a entrada e o recebimento em juízo dessa participação é que se considera a acção proposta.

V - De acordo com o nº 1, do art. 32º, da LAT/97 (Lei nº 100/97, de 13 de Setembro), a caducidade do direito de acção ocorre se a acção não for intentada com observância da triplicidade cumulativa que daí decorre: não ter sido proposta no prazo de um ano; a contar da data da alta clínica; alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado.

VI – Tendo a Sinistrada participado o acidente, cabia ao Tribunal proceder à realização das diligências necessárias para apurar a data da “alta clínica”, através da realização da respectiva perícia médica, porque só através desta poderão ser descritas as doenças ou lesões que forem encontradas à Sinistrada, a sintomatologia apresentada e a sua relação com o acidente alegado, bem como emitida a correspondente declaração médica sobre se as lesões se mostram curadas ou se apresentam como insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada.

VII - A falta da alta clínica – mesmo em situações em que não haja incapacidade ou lesões – impede qualquer juízo jurídico valorativo sobre tal matéria, pelo que, não estando fixada a data da “alta clínica  formalmente comunicada ao sinistrado” não pode ter início a contagem do referido prazo legal de caducidade do direito de acção estatuído na primeira parte do nº 1, do art. 32º, da LAT/97.

Data: 22 de Fevereiro de 2017.
Recurso nº 2325/15.1T8OAZ.P1.S1 – 4.ª Secção

Ana Luísa Geraldes (Relatora) *

Ribeiro Cardoso

Ferreira Pinto

_______________________________________________________
[1] É “confirmando-se” e não, como consta do Acórdão, “conformando-se”.
[2] Cf. neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 645 e segts., reiterando a posição anteriormente expressa por Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 143, e que se mantém perfeitamente actual nesta parte, em face dos preceitos correspondentes e que integram o Novo CPC.
[3] Neste sentido cf.  Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, págs. 7 e segts.
[4] Cf. , neste sentido, Lebre de Freitas, in “Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, págs. 96 e segts. Sublinhado nosso.
[5] Neste sentido, cf. Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 16.
[6] Cf., neste sentido, o relatório do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, a propósito do citado nº 3 do art. 26º, do CPC, sobre a formulação do conceito de legitimidade.
[7] Norma que, no anterior Código de Processo Civil, e tal como se referiu, consagrava o conceito de legitimidade com redacção similar ao actual art. 30º do Novo CPC.
[8]  Neste sentido cf. Miguel Teixeira de Sousa, in “A Legitimidade Sin­gular em Processo Declarativo”, in BMJ, nº 292, págs. 79 e segts.
[9] E não com a apresentação da petição inicial da fase contenciosa.
Neste sentido, cf. o Acórdão do STJ, datado de 21/04/1999, proferido no âmbito do processo nº 98S394, e disponível em www.dgsi.pt
[10] LAT/97= a Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, aprovado pela Lei nº 100/97, de 13 de Setembro.
[11] Cf. Luís Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral do Direito Civil”, Vol. II, 2ª Edição, Lex, 1966, págs. 555 e segts. Sublinhado nosso.
[12] Cf. Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, Vol. V, “Parte Geral – Exercício Jurídico”, Almedina, 2ª Edição, 2015, págs. 240 e segts. Sublinhado nosso.
[13] Neste sentido, cf. Menezes Cordeiro, Ibidem. Sublinhado nosso.
[14] Neste sentido, cf. Menezes Cordeiro, Ibidem, págs. 263 e segts. Sublinhado nosso.
[15] Neste sentido, cf. Vaz Serra, BMJ, nº 107, pág. 230. Sublinhado nosso.
[16] Cf. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II Vol., Coimbra, 1972, pág. 464.
[17] Neste sentido, cf. Vaz Serra, na Rev. de Leg. e de Jur., Ano 107º, pág. 24.
[18] Cf. Carlos Alegre, in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado”, Almedina, 2000, 2.ª Edição, págs. 151 e segts. Sublinhado nosso.
[19] Salienta-se que, embora a nossa análise incida sobre o referido Regime Jurídico da LAT/97 (Lei nº 100/97, de 13 de Setembro) o actual Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais (=NLAT), aprovado pela Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, é, nesta parte, substancialmente idêntico, com redacção similar, conforme se extrai do nº 1 do seu art. 179º, que regula igualmente a “caducidade e prescrição”, bem como os demais preceitos legais analisados ao longo do presente Acórdão.
Não existem, por isso, alterações normativas que, nesta matéria, possam sugerir ou permitir interpretação diversa.
[20] Neste sentido, cf. Acórdão do STJ, da Secção Social, de 03/10/2000, Relatado por José Mesquita, no âmbito do processo nº 00S062, e disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve de seguida. Sublinhado nosso.[21] Cf. Acórdão do STJ, proferido no âmbito do Proc. nº 941/08.7TTGMR.P1.S1, e disponível em www.dgsi.pt. Sublinhado nosso.
[22] Neste sentido, cf., por todos, o Acórdão do STJ, datado 10/07/2013, proferido no âmbito do processo nº 941/08.TTGMR.P1.S1, supra citado.
[23] Cf. Acórdão do STJ, proferido no âmbito do processo nº 1695/05, Relatado por Fernandes Cadilha, e disponível em www.dgsi.pt.
[24] Cf. também, o Acórdão do STJ, da Secção Social, de 10/07/2013, Relatado por Pinto Hespanhol, referido supra, e onde igualmente se enuncia esta norma.