Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | TIBÉRIO NUNES DA SILVA | ||
Descritores: | PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MATÉRIA DE FACTO PODERES DA RELAÇÃO LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA PROVA PERICIAL ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS EXECUÇÃO EMBARGOS DE EXECUTADO | ||
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Data do Acordão: | 03/21/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL) | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | I. No que se refere ao uso dos poderes pelo Tribunal da Relação na reapreciação da decisão de facto impugnada, poderá o tribunal de revista ajuizar se foram observadas as regras constantes do artigo 607.º, n.º 4, 1.ª parte, do CPC, mas não pode interferir na apreciação do mérito da análise probatória realizada nem aferir da sua consistência. II. Não cabe no âmbito do recurso de revista analisar a apreciação que as instâncias fizeram quanto à prova pericial produzida nos autos, por estar sujeita à regra da livre apreciação da prova. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I AA, por apenso à execução que lhe é movida (bem como a outros Executados) por Norgarante - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., veio deduzir embargos de executado, alegando, em resumo, que: A Exequente fundamenta a presente execução numa livrança no valor de €166.629,80 (cento e sessenta e seis mil, seiscentos e vinte e nove euros e oitenta cêntimos), que o ora Embargante teria avalizado. Sucede que o Embargante não avalizou a referida livrança, pois não a assinou nem nela apôs a menção "bom por aval à subscritora". A referida livrança foi abusivamente preenchida pela Embargada, sem que tenha existido qualquer acordo quanto ao preenchimento da mesma. O Embargante não celebrou qualquer contrato ou estabeleceu, como subscritor ou avalista, qualquer relação com a Embargada pelo valor constante da livrança, que justificasse o seu preenchimento e subscrição. Nada deve à Embargada. Contestou a Embargada, referindo, designadamente, que o Embargante se responsabilizou como avalista, por vontade própria e solidariamente com a empresa V... S.A., tendo assinado um contrato, que, na contestação, é identificado, bem como uma livrança em branco, naquela qualidade de avalista. Concluiu pela improcedência dos embargos. Foi proferido saneador tabelar, definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova. Foi determinada a realização de uma perícia às assinaturas imputadas do Embargante. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença, na qual se julgaram os embargos procedentes, com a consequente extinção da execução relativamente ao Embargante. Inconformada, recorreu a Exequente, tendo sido proferido acórdão, na Relação de Guimarães, que revogou a decisão recorrida, julgando os embargos improcedentes e determinando o prosseguimento da execução. Irresignado, recorreu, desta vez, o Embargante, concluindo as suas alegações pela seguinte forma: «1. Vem o presente recurso do douto acórdão de 29-09-2022 que decide “julgar o recurso procedente e, consequentemente, revoga a decisão recorrida e julga os presentes embargos totalmente improcedentes, determinando o prosseguimento da execução”. 2. Não concorda o executado nem pode concordar com a posição e fundamentação firmada no douto acórdão, motivo pelo qual recorre. 3. Há erro de interpretação e aplicação das normas jurídicas e princípios aplicáveis ao caso, constantes dos artigos 607.º, n.º 5 do CPC, 342º, 374º, 375.º, 376º, 388.º, 389º do CC. 4. Entendeu o douto acórdão no sentido exarado em desconsideração plena do princípio da livre apreciação da prova a que o direito processual civil obedece e que contempla a prova pericial. 5. Mais entendeu o referido acórdão que o executado se limitou a alegar que as assinaturas constantes do contrato e da livrança não eram do seu punho, o que não corresponde à verdade. 6. O executado alegou e provou a falsidade e impossibilidade das referidas assinaturas e reconhecimento de assinatura. 7. Impugnada a veracidade da assinatura, produzida que foi prova da sua falsidade – o executado não se encontrava em Portugal na data da assinatura dos documentos nem compareceu perante advogada para o referido reconhecimento que, ademais, não corresponde aos dados do executado, nomeadamente no NIF-, e não tendo o exequente, a quem incumbia o ónus de provar o contrário, logrado fazê-lo nem documentalmente, nem pela perícia nem através de testemunhas, só poderia a decisão ser a de procedência dos embargos, como doutamente foi proferido na sentença da 1ª instância. 8. Mal andou o douto acórdão recorrido na interpretação das normas, que fez “tábua-rasa” do princípio da livre apreciação da prova e seus corolários, oralidade, imediação, bem como das demais normas indicadas e vigentes no quem concerne às assinaturas, seus reconhecimento e prova grafológica. 9. Quando a esta, repare-se que produziu um mero juízo de probabilidade, que a jurisprudência amplamente considera que, não se tratando de um juízo técnico-científico claro e afirmativo sobre a questão proposta, mas tão só uma probabilidade, que exprime um estado de dúvida, se devolve inteiramente ao tribunal a decisão sobre a matéria de facto, conjugada com as demais provas produzidas – vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-10-2017, relator Maria Purificação Carvalho- entre os demais referidos nas alegações apresentadas. 10. Pela violação ou errada interpretação/aplicação das normas conjugadas suprarreferidas, pugna o executado pela imodificabilidade da matéria de facto dada como provada na sentença da primeira instância, revogando-se o douto acórdão proferido. Termos pelos quais: c) Deverá ser o presente recurso admitido; d) Deverá ser revogado o acórdão proferido que julgou o recurso procedente, revogou a decisão recorrida e julgou os embargos totalmente improcedentes, determinando o prosseguimento da execução, sendo substituído por decisão que julgue o recurso totalmente improcedente, mantendo a decisão da primeira instância que julgou os embargos totalmente procedentes e absolveu o executado embargante AA da execução contra si instaurada por Norgarante – Sociedade de Garantia Mútua, S.A.» Não houve contra-alegações. * Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, importará, in casu, verificar se, dentro dos poderes que cabem ao Supremo Tribunal de Justiça em sede de matéria de facto, deverá concluir-se pela manutenção da factualidade (que foi alterada pela Relação) tal como vinha da 1ª instância. II Na sequência da apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, o Tribunal da Relação deu por provados os seguintes factos: «3.1. A exequente é portadora do título denominado “Livrança”, com o montante inscrito de € 166.629,80, data de emissão de 11/01/2021, e de vencimento 21/01/2021. 3.2. No verso da livrança em sujeito e antecedido pela(s) frase(s) “Dou por aval à subscritora” encontram-se várias assinaturas. 3.3. Uma das assinaturas ids. em 3.2. foi aposta pelo punho do executado embargante”. III O Recorrente centra a sua discordância no modo como o Tribunal da Relação exerceu os seus poderes no que concerne à alteração da matéria de facto, defendendo que o Tribunal recorrido fez “tábua-rasa” do princípio da livre apreciação da prova e seus corolários, bem como das demais normas indicadas e vigentes no que concerne às assinaturas, seu reconhecimento e prova grafológica, baseando-se num mero juízo de probabilidade no que respeita ao apuramento da autoria das assinaturas. Entende que o Exequente não conseguiu provar, como lhe competia, ter sido o Embargante o autor das assinaturas que lhe são imputadas e, por outro lado, considera que ele, Embargante, alegou e provou a falsidade e impossibilidade das referidas assinaturas e reconhecimento de assinatura. Pugna pela imodificabilidade da matéria de facto dada como provada na sentença da primeira instância. Ora, a matéria que foi alterada foi a do ponto 3.3. que, na sentença, tinha a seguinte redacção: “Nenhuma das assinaturas ids. em 3.2. pertence ao punho do executado embargante.” Há que ter em conta os poderes do Supremo Tribunal de Justiça no que concerne à matéria de facto. Dispõe o art. 674º, nº3, do CPC: «O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.» E preceitua o art. 682º do CPC: «1 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado. 2 - A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º. 3 - O processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.» Conforme se exarou no Ac. do STJ de 15-12-2022, Rel. Oliveira Abreu, Proc. 524/20.3T8BJA.E1.S1, em www.dgsi.pt: «O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, podendo apenas intervir nos casos em que seja invocado, e reconhecido, erro de direito, por violação de lei adjetiva civil ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, ou que fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena.» No Ac. do STJ de 30-11-2021, Rel. Tomé Gomes, Proc. 212/15.2T8BRG-B.G1.S1, publicado em www.dgsi.pt, considerou-se que: «I. Em sede de sindicância sobre o uso dos poderes pelo Tribunal da Relação na reapreciação da decisão de facto impugnada, cabe ao tribunal de revista ajuizar se, em tal pronunciamento, foram observadas as diretrizes prescritas no artigo 607.º, n.º 4, 1.ª parte, do CPC, de modo que o tribunal de recurso estribe a formação da sua convicção sobre o invocado erro de julgamento através dos fatores decisivos para tal. II. Mas já não cabe ao tribunal de revista intrometer-se na apreciação do mérito da análise probatória realizada nem tão pouco na aferição da sua consistência, o que lhe está vedado por virtude do preceituado nos artigos 674.º, n.º 3, a contrario sensu, e 682.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. III. Em suma, ao tribunal de revista compete assegurar a legalidade processual do método apreciativo efetuado pela Relação, mas não sindicar o eventual erro desse julgamento nos domínios da apreciação e valoração da prova livre nem da livre e prudente convicção do julgador.» Abrantes Geraldes, em anotação ao art. 662º do CPC, na obra Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 358-359, explica que: «(…) é admissível recurso de revista quando sejam suscitadas questões relacionadas com o modo como a Relação aplicou as normas de direito adjetivo conexas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, maxime quando seja invocado pelo recorrente o incumprimento de deveres previstos no art. 662.°. Ao Supremo Tribunal de Justiça é ainda legítimo sindicar a decisão da matéria de facto nas circunstâncias referidas no art. 674.°, n.º 3, e apreciar criticamente a suficiência ou insuficiência da matéria de facto provada e não provada em conexão com a matéria de direito aplicável, nos termos do art. 682º, nº3. Deste modo: a) Se forem desconsiderados factos que se mostrem necessários para constituir base suficiente para a decisão de direito, o Supremo pode determinar a baixa do processo para o efeito, nos termos do art. 682º, nº3. b) O Supremo pode intervir quando, na circunscrição dos factos provados ou não provados, as instâncias tenham desatendido disposição expressa da lei que exija certa espécie de_prova (maxime, documento legalmente necessário para a prova de certo facto) ou tenham desconsiderado disposição igualmente expressa que defina a força de determinado meio de prova (art. 674º, nº 3), como ocorre com documentos autênticos, com a confissão ou com o acordo das partes estabelecido no processo e que seja relevante. c) O Supremo reiteradamente vem assumindo o entendimento de que, embora não possa censurar o uso feito pela Relação dos poderes conferidos pelo art. 662.° n.ºs 1 e 2, já pode verificar se a Relação, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites traçados pela lei para os exercer. Por isso, quando no âmbito da revista em que tal questão seja suscitada, se constate o incumprimento dos deveres legais nessa área, o processo deve ser remetido à Relação, a fim de lhes ser dado cumprimento.» O Tribunal recorrido considerou ser pacífico que quem tem de provar a veracidade da assinatura aposta nos títulos executivos é o Exequente. Citou o art. 374º do C. Civil e, em seguida, o Ac. do STJ de 16-06-2005, Rel. Lucas Coelho, Proc. 04B660, que se mostra publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «Embargada pelo executado a execução de livrança, com fundamento na falsidade da assinatura do título que lhe é imputada, incumbe ao exequente o ónus da prova da veracidade da mesma (artigos 374, n.º 2, e 343, n.º 1, do Código Civil).» Centrou-se a Relação na dilucidação da questão de saber se foi produzida prova que permita dar como provado que o título dado à execução foi assinado pelo punho do embargante/executado. Ponderou-se o seguinte: «Olhando para o requerimento inicial de execução, o que vemos é isto: a Exequente (e ora embargada) Norgarante- Sociedade de Garantia Mútua S.A, intentou acção executiva contra V... S.A., BB, AA, e CC. Vemos ainda que a finalidade da execução é o pagamento de quantia certa – dívida comercial, e que o título executivo é uma livrança. Além disso, vem apenas alegado que “A obrigação resulta expressa e exclusivamente do título dado à execução - uma livrança – não paga na data de vencimento (21.01.2021), sendo Executados a empresa subscritora e os Avalistas desta. Porém, na contestação aos embargos, a exequente veio acrescentar mais factos e juntar prova documental para os demonstrar. Dessa prova documental retiramos agora, no que interessa para a decisão do recurso, que a exequente, na qualidade de 1.ª Contraente, celebrou com a V... S.A., na qualidade de 2.ª Contraente, e com CC, este na qualidade de Avalista, um contrato destinado a regular os termos e condições em que a Embargada prestaria, em nome e a pedido da 2ª contraente, uma garantia autónoma, à primeira solicitação, a favor do Banco Comercial Português, S.A (fls. 366 e seguintes do histórico). Na sequência desse contrato, a exequente prestou efectivamente a garantia autónoma a favor do beneficiário acima identificado, no valor de € 150.000,00. Destinava-se a mesma a garantir o cumprimento das obrigações emergentes do Contrato de Empréstimo celebrado entre o banco beneficiário e a já identificada V.... Uma vez que esta não cumpriu as obrigações para com o BCP, este resolveu o contrato de mútuo, declarando vencidas todas as prestações, tendo solicitado à NORGARANTE, ao abrigo da referida garantia, o pagamento do valor de € 150.000,00. A NORGARANTE pagou aquele valor global, e após interpelou a V... para esta proceder ao pagamento dos valores em dívida. Para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração do referido contrato, a V... entregou à Exequente uma livrança em branco, por si subscrita e avalizada pelo ora Embargante, conforme resulta da Cláusula Quarta do contrato. De acordo com essa Cláusula Quarta, “o segundo contraente entrega, nesta data, à primeira, uma livrança em branco por si subscrita e avalizada pelos terceiros contraentes, que ficará em poder da primeira contraente ficando esta, desde já, expressamente autorizada, por todos os intervenientes, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicado como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre a segunda contraente.” (sublinhado nosso). E agora, essencial para a resolução deste recurso, é que o ora embargante assinou o referido contrato, na qualidade de avalista. Com efeito, no final do documento em causa, na parte destinada aos avalistas, surge o nome do ora embargante, e uma rubrica logo a seguir, como tendo sido aposta pelo seu punho (fls. 370 do histórico). E a fls. 375 do histórico surge-nos um reconhecimento de assinatura, feito em 21.5.2018, pelo qual DD, Advogada, titular da cédula profissional nº ..., declara que “reconhece a assinatura feita hoje, na minha presença, de AA …, que é semelhante e idêntica à aposta no documento de identificação acima referido, o qual me foi exibido e que restitui, aposta do documento anexo e dele fazendo parte integrante. Nos termos do artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006 de 29 de Março e da Portaria nº 657-B/2006, de 29 de Junho, foi atribuído ao presente Reconhecimento o registo online número 49...0P/6...73, no Registo Informático de Certificações e Autenticações da Ordem dos Advogados”. O art. 375º,1 CC dispõe que “Se estiverem reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e a assinatura do documento, ou só a assinatura, têm-se por verdadeiras”. O nº 2 acrescenta que “se a parte contra quem o documento é apresentado arguir a falsidade do reconhecimento presencial da letra e da assinatura, ou só da assinatura, a ela incumbe a prova dessa falsidade. Recorrendo novamente ao apoio de Luís Filipe Sousa, ob cit, fls. 160, “a autoria do documento particular pode ser fixada por reconhecimento presencial da assinatura, feita por notário ou por alguma das outras entidades legalmente habilitadas a tal. Quando assim sucede, o atestador enuncia um facto que foi objecto das suas percepções, qual seja o de que o autor do documento o assinou na sua presença. Deste modo, o termo de reconhecimento integra um acto autêntico, assistindo-lhe a força probatória do documento autêntico, no sentido de que fica feita a prova plena da autoria do documento. Essa prova plena só será afastada pela arguição e prova da falsidade do reconhecimento (cf. art. 372º), vg, que o mesmo não ocorreu na presença de quem atestou”. O art. 38º, 1 do DL 76-A/2006 de 29/3, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, com início de vigência em 18 de Janeiro de 2007, sob a epígrafe “extensão do regime dos reconhecimentos de assinaturas e da autenticação e tradução de documentos”, dá aos Advogados competência para fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março”. O nº 2 desse mesmo artigo dispõe que esses reconhecimentos conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial. E o nº 3 estabelece a obrigatoriedade de registo de tais actos, o que, como vimos, foi cumprido no caso dos autos. Ou seja, aqui chegados, já podemos ter como certo que para efeito destes autos o ora embargante assinou, na qualidade de avalista, o contrato junto aos autos, o qual prevê a emissão da livrança que serve de título executivo à execução apensa. A afirmação do embargante, no art. 5º do requerimento de embargos, de que “nunca assinou qualquer documento que sirva de base à presente execução, mormente a livrança junta como título executivo ou o contrato que motivou a existência desta e que inteiramente se desconhece”, não tem, pois, qualquer valor, pelo menos quanto ao contrato subjacente à livrança, pois a aposição da sua assinatura no mesmo está provada por documento autêntico. E como vimos, fica assim feita a prova plena da autoria de tal documento. Essa prova plena só poderia ser afastada pela arguição e prova da falsidade do reconhecimento (art. 372º CC), o que não sucedeu nos autos. Donde, a mera afirmação feita nos autos que não assinou tal documento vale zero. E aqui chegados, podemos aderir quase na íntegra ao que alega a embargada. Com efeito, estando demonstrado para efeito destes autos que o ora embargante se obrigou a assinar, como avalista, uma livrança com aquelas características, e tendo presente o acordo de preenchimento que ficou enunciado, e tendo sido instaurada uma execução com base nessa livrança, com datas e valores compatíveis com o contrato celebrado, torna-se normal e até legítimo presumir que foi mesmo o embargante quem assinou a livrança. Pelo menos, faria todo o sentido que a tivesse assinado. De tal forma que a negação pura e simples de ter aposto essa assinatura na livrança, sem uma explicação mais detalhada, não convence minimamente. Sobretudo porque sabemos que ele assinou o contrato subjacente.» Verifica-se que o Tribunal a quo lançou mão de prova documental, maxime no que concerne à análise do contrato no qual se previu a emissão da livrança em branco, “subscrita e avalizada pelas entidades abaixo assinadas”, surgindo reconhecida a assinatura do Embargante, na qualidade de avalista, pela Senhora Advogada Drª DD, ao abrigo do disposto no art. 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006 de 29 de Março e da Portaria nº 657-B/2006, de 29 de Junho, o que aparece documentado nas pp. 371 e segs, do histórico electrónico do processo, em especial p. 375 (assinatura do Embargante) e 380 (reconhecimento presencial dessa assinatura), vincando o Tribunal recorrido que teria de ser provada, pelo Embargante, a falsidade desse reconhecimento, ao abrigo do disposto no art. 375º, nºs 1 e 2, do C. Civil, e não foi. No sentido de que estas atestações são dotadas da força probatória de documento autêntico, provando plenamente a autoria do documento e contra elas só podendo ser dirigida a arguição de falsidade do reconhecimento presencial, pode ver-se a anotação ao art. 375º, feita por José Lebre de Freitas, in Ana Prata (Coord.) e Outros, Código Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, p. 498. Mas, o Tribunal da Relação não se ficou por aqui, pois procedeu também à apreciação da prova pericial, referindo o seguinte: «Este meio de prova, tal como resulta do art. 489º CPC, é livremente apreciada pelo Tribunal. Veja-se o que se decidiu no Acórdão do STJ de 27-09-2007 (Maria dos Prazeres Beleza): “Não cabe no âmbito dos recursos de revista analisar a apreciação que as instâncias fizeram quanto à prova pericial produzida nos autos, por sujeita à regra da livre apreciação da prova”. Atente-se ainda no que se escreve no acórdão do TRL de 11/3/2010 (Bruto da Costa): “1. No nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no art. 655º, nº 1, do Código de Processo Civil: o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. 2. O que está na base do princípio é a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal sem que entretanto se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra a prova; o sistema da prova livre não exclui, antes pressupõe a observância das regras de experiência e critérios da lógica. 3. A perícia é um meio de prova e a sua finalidade é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível. 4. O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação. 5. O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação. 6. Embora o relatório pericial esteja fundamentado em conhecimentos especiais que o juiz não possui, é este que tem o ónus de decidir sobre a realidade dos factos a que deve aplicar o direito. 7. A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal – artº 389º do Código Civil”. E, mais concretamente quanto à prova que resulta das perícias grafológicas, repare-se que os resultados da mesma são expressos em termos de probabilidade, e não dão uma certeza absoluta. Como se escreve no Acórdão do TRP de 20/9/2006 (Manuel Jorge França Moreira), proferido no âmbito de um processo penal mas cuja doutrina se pode aplicar ao processo civil, “por um lado é consabido que, na sua generalidade, os ditos exames de perícia grafológica conduzem a relatórios inconclusivos e que, na melhor das hipóteses, atribuirão uma certa probabilidade de ter sido, ou não, o arguido, o agente das falsificações; a prova pericial em causa não serve para colmatar a absoluta falta de prova pessoal, não a poderia dispensar nem substituir”. Sendo este o pano de fundo em que teremos de nos mover, recordemos que o relatório pericial junto aos autos conclui que “do exposto, consideradas todas as dificuldades que este exame apresenta, já referidas anteriormente, somos levados a concluir que as características exibidas por AA, na escrita das assinaturas genuínas, se encontram na da assinatura contestada, pelo que se considera que a escrita da assinatura contestada pode ter sido produzida pelo punho de AA”. Conjugada esta prova pericial com as considerações supra expendidas, sobretudo com o facto de sabermos que o embargante se obrigou, como avalista, a assinar uma livrança com aquelas características, chegamos sem qualquer dúvida à convicção de que a afirmação feita pelo embargado não corresponde à verdade. Ou, dizendo ao contrário, ficamos convencidos que foi o embargante quem apôs pelo seu punho a assinatura constante da livrança. Em nosso entender, a sentença recorrida errou porque apenas ponderou a prova pericial grafológica, desconsiderando tudo o resto. Mas queremos também afirmar que, se não houvesse qualquer outra prova circunstancial e indiciária a ponderar, então também esta Relação consideraria que um relatório pericial que conclui que a assinatura aposta na livrança “pode ter sido” aposta pelo punho do embargante, não seria suficiente para atribuir ao embargante a autoria da assinatura. Só que, ponderando essa prova pericial com a prova documental junta aos autos, que nos diz que foi o embargante quem assinou como avalista o contrato que está na base da emissão da dita livrança, e logo, que existia uma razão óbvia para ele assinar a livrança, e ainda que a negação que este apresenta é uma pura negação não motivada nem circunstanciada, e que, após a análise de toda a prova, não convence minimamente, só nos resta concluir dizendo que a embargada fez a prova que lhe competia, a da genuinidade da assinatura. Por outras palavras: estando demonstrada a relação subjacente, e a ligação do embargante (e já agora dos outros executados) a essa relação subjacente, na qual declarou (declararam) obrigar-se como avalista(s) a assinar uma livrança, e perante uma livrança com uma assinatura que lhe(s) é imputada, temos que todas as regras da experiência e da normalidade da vida e do senso comum apontam para que foi ele quem assinou pelo seu punho a dita livrança. Se a isso acrescentarmos que a prova pericial concluiu, apenas analisando cientificamente a escrita, que pode ter sido ele o autor da assinatura impugnada, então ficamos com a convicção segura de que essa assinatura foi aposta pelo embargante.» Conforme se exarou no Ac. do STJ de 27-09-2007, Rel. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Proc. 07B2028, em www.dgsi.pt (acórdão citado na decisão recorrida) não cabe no âmbito do recurso de revista analisar a apreciação que as instâncias fizeram quanto à prova pericial produzida nos autos, por sujeita à regra da livre apreciação da prova, explicitando-se, na fundamentação, ser necessário, para que o Supremo possa corrigir o erro na apreciação das provas, que o tribunal recorrido tenha ofendido “uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (o acórdão foi tirado no âmbito do CPC-61, mas o que nele se considera tem inteiro cabimento à luz do actual, visto o disposto no mencionado art. 674º, nº3, do CPC). É patente (os longos trechos citados evidenciam-no) que o Tribunal a quo analisou criticamente as provas, cumprindo os ditames do art. 607º, nº 4, do CPC, e não ofendeu disposição que exija certa espécie de prova nem que fixe a força de determinado meio de prova. No que toca ao exercício da livre apreciação da prova, na reapreciação da matéria de facto, não pode este Supremo Tribunal interferir, estando-lhe vedado aferir da consistência da análise efectuada (sem prejuízo de se constatar que essa análise foi minuciosa, tendo em conta os vários elementos disponíveis, não se ficando pela prova pericial). Não há, assim, fundamento, para se alterar a matéria de facto, na qual se estribou o Tribunal a quo para, assente que ficou a autoria da assinatura do Embargante – a questão em apreciação nos embargos –, julgar estes improcedentes. Improcede a revista. * Sumário (da responsabilidade do relator) I. No que se refere ao uso dos poderes pelo Tribunal da Relação na reapreciação da decisão de facto impugnada, poderá o tribunal de revista ajuizar se foram observadas as regras constantes do artigo 607.º, n.º 4, 1.ª parte, do CPC, mas não pode interferir na apreciação do mérito da análise probatória realizada nem aferir da sua consistência. II. Não cabe no âmbito do recurso de revista analisar a apreciação que as instâncias fizeram quanto à prova pericial produzida nos autos, por estar sujeita à regra da livre apreciação da prova. IV Pelo que se deixou exposto, nega-se provimento à revista, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente. * Lisboa, 21-03-2023 Tibério Nunes da Silva (Relator) Nuno Ataíde das Neves Sousa Pinto |