Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2294/12.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
DECLARAÇÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DECLARAÇÃO INEXACTA
DECLARAÇÃO INEXATA
LETRA
ASSINATURA
IMPUGNAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ANULAÇÃO
Data do Acordão: 02/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL - CONTRATOS COMERCIAIS / CONTRATO DE SEGURO.
DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO DE VIDA.
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Vol. I, 9.ª edição, 266, 271.
Legislação Nacional:
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 429.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 374.º, N.ºS 1 E 2, 376.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.º 5, 713.º, N.º 7, 726.º.
D.L. N.º 446/85, DE 25-10: - ARTIGOS 1.º, N.º1, 5.º, N.ºS 1 E 3, 6.º, 8.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 27 DE MAIO DE 2008, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
- Uma declaração de saúde inserta num contrato de seguro de vida não pode ser entendida como uma cláusula contratual geral, pois o seu conteúdo não tinha que ser, sem discussão, aceite pelo contratantes/segurados, antes pelo contrário, a estes competia, como explicitamente se mencionou nos termos no contrato, expressar a verdade em relação às respostas efectuadas.

- Não podendo a dita declaração de saúde ser inserida no regime das cláusulas contratuais gerais, a decisão recorrida (que anulou o contrato de seguro, por preenchimento dos pressupostos previstos no indicado art. 429º do Código Comercial, em razão da declaração inexacta por banda da falecida EE em relação ao seu estado de saúde) foi certa.

- Tendo a parte contrária impugnado o documento de fls. 156 e 157 quanto à letra e assinatura nele apostas e não tendo a R. Seguradora (a apresentante do escrito) efectuado a prova da sua veracidade, tal documento não pode fazer prova plena quanto ao conteúdo das declarações atribuídas ao autor nele constante, mas isto não significa que tal meio de prova não possa ser livremente apreciado pelo julgador.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                       

                       

I- Relatório:

1-1- AA e BB, propuseram a presente acção com processo ordinário contra a SEGURO CC, S.A. e BANCO DD, pedindo a conde­nação da 1ª R a pagar à 2ª R. a quantia de 87.930,00 euros correspondente à dívida dos contra­tos de mútuo celebrado entre o 1°A. e a 2a R., bem como a pagar aos AA. as quantias de 29.562,00 euros, correspondente aos pagamentos emergentes dos contratos de mútuo cele­brado entre o 1° A e a 2a R. efectuados pelos AA. desde Novembro de 2006, de 1.998,00 euros, relativa a juros de mora referentes a esses contratos, e daquelas quantias que venham a ser pagas pelos AA no âmbito desses contratos de mútuo, acrescidas de juros de mora à taxa referida nos autos.

Fundamentam este pedido, em síntese, dizendo que o 1° A. e a falecida mulher celebraram, com a 2a R., três contratos de mútuo, no valor global de 85.623,67 euros, cobertos por contrato de seguro celebrado com a 1a R. (Seguradora), garantindo o pagamento deste capital à 2a R. em caso de morte do mutuário. Apesar de terem comunicado a morte da falecida mulher e mãe dos AA. a 1a R recusou o pagamento do capital segurado, tendo os mesmos procedido ao paga­mento à 2a R das quantias cujo reembolso reclama nestes autos.

A 1ª R. (Seguradora) contestou, invocando a nulidade do contrato de seguro em virtude de falsas de­clarações da falecida tomadora que, à data da subscrição omitiu a existência da doença do foro oncológico que a vitimou.

O 2° R. (BANCO DD) contestou, afirmando ter dado conhecimento e explicado as respectivas cláusulas aos tomadores do seguro, tendo previamente à assinatura da proposta entregue um exem­plar das mesmas aos segurados.

Termina dizendo que se o contrato for considerado válido, sempre terá de ser pago o valor do mútuo.

Os AA. replicaram respondendo à excepção suscitada pela Seguradora dizendo, em síntese, que impugnam os arts.1º a 102° da contestação desta por não corresponder à verdade dos factos, sendo que nada sabiam do conteúdo dos contrato de seguro e respectivas apólices. À excep­ção das assinaturas do A. AA e mulher, a falecida EE, tudo o mais foi preenchido pela R. seguradora ou pelo R. banco. Se souBANCO FFsem das exclusões e limitações nunca teriam celebrado o contrato de mútuo nem o contrato de seguro e teriam mantido os já existentes com o BANCO FF e com a seguradora SEGURO GG. De qualquer modo, e hipotetica­mente, ainda que a falecida tivesse omitido a doença, o seguro sempre seria celebrado atenta a concessão do mútuo, provavelmente com agravamento do prémio. Impugnam ao conteú­do, a letra e a assinatura do relatório médico junto pela seguradora,

Replicaram à contestação do banco, reiterando parcialmente o alegado na réplica à contestação da seguradora.  

1-2- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu-se condenar a 1ª R. a pagar à 2ª R. a quantia correspondente à dívida dos contratos de mútuo celebrado entre o 1° A. e a 2ª R., até ao limite de 85 000,00 euros e a pagar aos AA. a quantia correspondente aos pagamentos emergentes dos contratos de mútuo celebrado entre o 1° A. e a 2ª R. efectuados pelos AA., desde Novembro de 2006 até ao trânsito da sentença, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal desde a data da citação.

Mais se absolveu a 1ª R. do demais peticionado.

                       

1-3- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram a R. SEGURO CC, S.A. e os AA., estes subordinadamente, de apelação para o Tribunal da Relação de …, tendo-se aí julgado procedente a apelação da Seguradora e, consequentemente, revogando-se a sentença recorrida, absolveu-se a mesma (SEGURO CC, S.A.) do pedido. Mais se julgou improcedente a apelação subordinada interposta pelos AA.

1-4- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os AA. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

                       

1-5- Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

1ª- Ao contrato de seguro dos presentes autos aplica-se o regime do Dec-Lei nº 446/85 de 25/10, com as alterações introduzidas pelos Decs-Lei nº 220/95 de 31/08, 249/99 de 07/07 e 323/2001 de 17/12;

2ª- Para além do dito na anterior conclusão, a omissão ou inexactidão das declarações da pessoa segura só poderá conduzir à invalidade/anulabilidade do contrato de seguro em causa caso a seguradora alegue e prove que tais omissões ou inexactidões influenciaram na formação do contrato em concreto e que se tivesse conhecimento das mesmas não contrataria ou que contrataria em moldes substancialmente diferentes do que contratou, o que manifestamente não está provado no presente processo;

3ª- Ao decidir como decidiu aplicou incorrectamente e logo violou o douto acórdão recorrido os arts. 5° e nº 8° aI. a) do Dec-Lei nº446/85 de 25/10, com as alterações dos Decs-Lei nº 220/95 de 31/08, 249/99 de 07/07 e 323/2001 de 17/12, o art.406° nº 1 do Código Civil e o art. 429° do Código Comercial;

4ª- Impõe-se assim revogar o douto acórdão da Relação de … e substituir-se por outro que confirme a sentença de primeira instância, devendo a acção ser julgada provada e proceden­te;

5ª- Independente e subsidiariamente às conclusões supra expostas sempre se dirá que o douto acórdão recorrido incorreu em violação de lei substantiva e também em violação de lei adjectiva ou processual, como já o tinha feito a primeira instância.

6ª- Com efeito a primeira instância valorou como meio de prova o documento de fls.156 e 157, o qual havia sido impugnado quanto à letra e assinatura nele apostas e cuja genuini­dade nunca foi estabelecida pela R. apelante como processualmente lhe competia, pelo que tal meio de prova nunca podia ter sido tido em conta para fundamentar qualquer res­posta a pontos de facto da base instrutória;

7ª- Ora apesar de reconhecer tal falta de genuidade ao documento, a Relação de … não supriu tal violação de lei substantiva e não alterou a decisão quanto à matéria de facto, erradamente, com o argumento de que os meios de prova utilizados para fundamentar a sentença de primeira instância não constavam do processo, quando efectivamente tais meios de prova, que eram os documentos dos autos e as depoimentos gravados das testemunhas, constam ou estão juntos aos autos ou, pelo menos quanto aos cds-r das gravações estavam e estão disponíveis para o efeito;

8ª- Desta forma manteve-se a violação de lei substantiva já vinda da primeira instância.

9ª- O douto acórdão recorrido não aplicou e logo violou o art. 374° nº 1 e nº 2 do Código Civil, bem como os arts. 544° e 545º do Código de Processo Civil anterior (correspon­dentes aos arts.444° e 445º do actual código);

10ª- Impõe-se assim, e a título subsidiário, revogar o douto acórdão da Relação de … e decretar a esta que supra, por si, ou por reenvio à primeira instância, tal violação de lei substantiva quanto ao meio de prova supra indicado, com a inerente modificação da matéria de facto derivada de tal suprimento, nomeadamente dos pontos 14°,15° e 16° da base instrutória.

A recorrida Segurador contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.

                       

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

II- Fundamentação:

2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (art. 639º nº 1 ex vi do art. 679º C.P.Civil)

Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:

- Se num contrato de seguro de vida, o questionário sobre o estado de saúde do segurado deve, ou não, ser inserido no regime das cláusulas contratuais gerais.

- Se na apreciação do documento de fls.156 e 157, foram violados pelas instâncias os arts. 374° nº 1 e nº 2 do C. Civil e os arts. 544° e 545º do C.P.Civil anterior.

                       

2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:

1- Em 13 de Fevereiro de 2004, AA e EE outorgaram com o Banco Réu dois acordos, com as seguintes condições:

a) Entrega de € 38.000,00, destinado a liquidação de empréstimo contraído junto do BANCO FF, à taxa nominal de 3.375%, fixada para o primeiro período de contagem, reembolsável em 34 anos (408 prestações mensais e sucessi­vas);

b) Entrega de € 30.000,00, destinado a fins diversos, à taxa nominal de 3.375%, fixada para o primeiro período de contagem, reembolsável em 34 anos (408 prestações mensais e sucessivas).

2- Em 8 de Outubro de 2004, novamente a pedido do Autor AA e do seu cônjuge, foi outorgado novo acordo com as seguintes características:

a) Entrega de € 17,623,67, destinado a fins diversos, à taxa nominal de 4.15%,apurada na data de aprovação do empréstimo em causa, reembolsável em 33 anos (396 prestações mensais e sucessivas).

3- Em 08-10-2004 foi constituída pelo primeiro Autor e por EE a favor do banco Réu hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra "B", correspondente ao primeiro andar, para habitação, uma escada interior no rés-do-chão e hall, uma arrecadação sob a escadaria, com acesso interior, uma escadaria exterior, passagem interior, que serve de garagem, logradouro e arrecadação; do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., em ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 2108 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 629-B/....

4- Consta da escritura pública relativa ao acordo referido em 1° a) uma cláusula com o seguinte teor:

"Os Mutuários obrigam-se:

a) A contratar um Seguro de Vida e um Seguro Multi-riscos do bem hipotecado em Companhia Seguradora idónea, pelas importâncias que o BANCO DD indicar, e em que o mesmo figure nas Apólices como beneficiário e/ou parte interessada;

b) A participar imediatamente ao BANCO DD quaisquer factos que afectem o valor, domínio ou posse do bem hipotecado, que deverá manter em bom estado de conservação;

c) A proceder ao averbamento de quaisquer construções, benfeitorias, melhoramentos e acessos que venham a realizar no futuro no bem hipotecado;

d) A trazer pontualmente pagas todas as contribuições, impostos e taxas respeitantes ao bem hipotecado, quaisquer outros débitos que gozem de privilégio creditório imobiliário e bem assim os prémios correspondentes aos seguros mencionados, e ainda a apresentar, quando solicitados, os documentos comprovativos de tais pagamentos, sem prejuízo do BANCO DD ficar desde já autorizado, com expressa subrogação, a efectuar na sua falta e por sua conta, os pagamentos em dívida;

e) A não dar de arrendamento o bem hipotecado, no todo ou em parte, salvo com conhecimento e autorização prévia do BANCO DD."

5- Consta da escritura pública relativa ao acordo referido em 1° b) uma cláusula com o seguinte teor: "Os SEGUNDOS OUTORGANTES obrigam-se ainda para com o BANCO DD:

a) A contratar (em) um Seguro de Vida relativo a si próprios e um Seguro Multi-riscos, do bem hipotecado em Companhia Seguradora idónea, pelas importâncias que o BANCO DD indicar, e em que o mesmo figure nas Apólices como beneficiário e/ou parte interessada;

b) A participarem imediatamente ao BANCO DD quaisquer factos que afectem o valor, domínio ou posse do bem hipotecado, que deverão manter em bom estado de conservação;

c) A procederem ao averbamento de quaisquer construções, benfeitorias, melhoramentos e acessos que ve­nham a realizar no futuro no bem hipotecado;

d) A trazerem pontualmente pagas todas as contribuições, impostos e taxas respeitantes ao bem hipotecado, quaisquer outros débitos que gozam de privilégio creditório imobiliário e bem assim os prémios correspondentes aos seguros mencionados, e ainda a apresentar, quando solicitados, os documentos comprovativos de tais pagamentos, sem prejuízo do BANCO DD ficar desde já autorizado, com expressa sub-rogação, a efectuar na sua falta e por sua conta, os pagamentos em dívida;

e) A não dar(em) de arrendamento o bem hipotecado, no todo ou em parte, salvo com conhecimento e autorização prévia do BANCO DD.".

6- O primeiro Autor casou com EE em 28-07-1990, casamento esse que veio a ser dissolvido por óbito do cônjuge mulher ocorrido em 19-10-2006.

7- O segundo Autor é filho do primeiro Autor e de EE.

8- No certificado de óbito relativo a EE consta que a causa directa da morte desta foi neoplasia cerebral.

9- O primeiro Autor e EE em 19-11-2003 apuseram a sua assinatura na última página de um conjunto de quatro páginas pré-impressas com a epigrafe "CRÉDITO A HABITAÇÃO BANCO DD, Boletim de Ade­são de Seguro de Grupo, RAMO VIDA", conforme cópia que consta de fls. 135 a 138 dos autos.

10- Consta da página 3 do documento referido no facto anterior, no campo "DADOS DA 2ª PESSOA SEGURA" o seguinte texto pré-impresso:

"DECLARAÇÃO DE SAÚDE Para Capitais iguais ou inferiores a 100.000 € e desde que a idade seja menor que 60 anos. Declaro NÃO:

- estar sob observação médica, ou tratamento médico regular;

- ter interrompido por mais de 15 dias consecutivos, nos últimos cinco anos, a minha actividade laboral, por motivos de saúde;

- ter sido operado ou internado num estabelecimento hospitalar;

- ter qualquer deficiência física ou funcional;

- sofrer de fármaco, dependência ou toxicomania".

11- Consta também da página 4 do documento referido no facto 9° o seguinte texto pré-impresso:

"DECLARAÇÃO DA(S) PESSOA(S) SEGURA(S) Na qualidade de Pessoa(s) Segura(s), decla­ro(declaramos), expressamente e sem reservas:

1- Que tomei (tomámos) conhecimento das Condições Gerais e Especiais do contrato de seguro a que vou (vamos) aderir.

2- Todas as respostas efectuadas às questões formuladas neste Boletim de Adesão, correspondem à ver­dade e tenho (temos) perfeito conhecimento de que quaisquer omissões ou declarações inexactas ou falsas que possam influir sobre a aceitação ou sobre as condições de adesão ao seguro, tornam-na nula.

3- Autorizo (autorizamos) a SEGURO CC a obter de qualquer entidade que me tenha tra­tado ou examinado, as informações necessárias acerca do meu estado de saúde. Assim e em virtude desta minha autorização, desobrigo para comigo do segredo profissional, todas as pessoas que possam ser consultadas, mesmo depois da minha morte.

4- Autorizo (autorizamos) igualmente a consulta de dados pessoais disponibilizados, sob regime de absoluta confidencialidade, às empresas do Grupo em que se integra a Seguradora, desde que compatível com a finalidade e recolha dos mesmos.

5- Autorizo (autorizamos) o Banco a proceder ao desconto mensal do prémio a favor da Seguradora, na mi­nha conta bancária indicada neste Boletim de Adesão".

12- Posteriormente ao preenchimento e assinatura daquele Boletim de Adesão vieram as pessoas seguras pro­por uma alteração do valor do capital seguro para 85.000,00.

13- Montante este que a 1ª Ré aceitou, tendo dado origem à adesão nº 00/000795 daquela apólice nº 00/0662, mantendo-se, em tudo o resto os termos e condições anteriores.

14- Com início em 13-02-2004 a Ré "SEGURO CC" emitiu a apólice 00/0662, adesão nº 00/000795, modalidade Crédito à Habitação BANCO DD, sendo tomador do Seguro AA, pessoas segu­ras AA e EE, com o capital garantido de € 85.000,00, em caso de morte ou invalidez absoluta definitiva.

15- Consta das Condições Gerais da referida apólice o seguinte: "6. CONDIÇÓES DE ELEGIBILIDADE: 6,1, O candidato a Pessoa Segura preencherá e assinará conjuntamente com o Tomador do Seguro o Boletim de Adesão fornecido pela Seguradora, respondendo com verdade e exactidão às questões nele formuladas, 6,2, Com vista à correcta avaliação do candidato a Pessoa Segura a Seguradora poderá exigir, para além da Declaração de Saúde, que esta lhe faculte informações ou elementos complementares e se submeta a exames médicos que lhe sejam solicitados, 6,3, Considera-se candidato a Pessoa Segura aquele que satisfaça os seguintes requisitos: Pertença ao Grupo segurável definido nas Condições Particulares do contrato; Não se encontre em situação de baixa por doença na data da sua adesão; Tenha idade inferior a 70 anos, 6.4. A Seguradora reserva expressamente o direito de recusar a admissão ao seguro de qualquer candidato a Pessoa Segura cujo estado de saúde não seja considerado satisfatório".

16- Dispõe o Ponto 5. das Condições Gerais do Contrato de Seguro, sob a epígrafe "INCONTESTABILIDADE": (. . .)  - As declarações inexactas ou incompletas prestadas pelo Tomador do Seguro e/ou pela Pessoa Segura e que teriam podido influir sobre a aceitação ou condições de adesão de qualquer Pessoa Segura tornam-na nula, sem que o Tomador do Seguro e/ou Pessoas Seguras (caso de um seguro contributivo) tenham direito a qualquer restitui­ção de prémios quando aquelas declarações hajam sido prestadas de má fé. Contudo a Seguradora pagará o valor de resgate sempre que a modalidade contratada comporte tal direito;  - Entende-se por má fé o conhecimento por parte do Tomador do Seguro ou da Pessoa Segura de que as declarações são inexactas ou incompletas".

17- Em 19-03-2007 o Réu "BANCO DD, SA" accionou o seguro acima referido enviando à Ré "SEGURO CC" o certificado de óbito de EE.

18- O seguro foi efectuado previamente à celebração e assinatura da escritura e documentos particulares que titulam o empréstimo atrás referido.

19- No balcão do 2° R. em ....

20- Por simples adesão a um seguro de vida/grupo da 1ª Ré com o nº de apólice 00/0662.

21- O Autor e a sua mulher assinaram os documentos que lhe foram apresentados pela 2ª Ré.

22- Foi-lhes dito por trabalhadores da 2" Ré que o contrato de seguro em causa cobria os riscos de morte ou de invalidez total, permanente, absoluta e definitiva por acidente ou doença do 1° Autor ou de sua mulher ou de ambos e que nesses casos a 1ª Ré pagaria ao 2° Réu o capital, juros e demais despesas resultantes dos contratos de mútuo que este último havia realizado com aqueles.

23- Os campos das propostas (boletim e adesão) não foram preenchidos pelo Autor nem pela sua mulher.

24- Após a assinatura do boletim de adesão pelo 1° Autor e pela mulher a 2ª Ré enviou-os à 1ª Ré.

25- A 2ª Ré emitiu a apólice descrita no facto 14.

26- Os primeiros sinais da neoplasia cerebral que vitimou EE foram detectados em 7/9/1995.

27- Em 7/9/1995 EE teve conhecimento de que sofria de neoplasia cerebral, foi operada e após essa cirurgia manteve-se sob vigilância clínica até que em 28/10/2003 quando ocorreu uma recidiva foi operada com remoção parcial do tumor.

28- A referida EE foi, pelo menos desde 2003, submetida a vários internamentos no IPO de … para cirurgia ou tratamentos da referida doença.

29- Face ao constante do boletim de adesão a 1ª Ré não exigiu o preenchimento de questionário clínico.

30- A Ré Seguradora só tomou conhecimento do estado de saúde de EE após a parti­cipação do sinistro e com a recepção de todos os documentos acima referidos.

31- A falecida EE deixou como únicos herdeiros os Autores. ---------------------------------------------------

                       

2-3- Os recorrentes sustentam no presente recurso que ao contrato de seguro dos presentes autos deve aplicar-se o regime do Dec-Lei nº 446/85 de 25/10, com as alterações introduzidas pelos Decs-Lei nº 220/95 de 31/08, 249/99 de 07/07 e 323/2001 de 17/12 (regime da cláusulas contratuais gerais) sendo que a omissão ou inexactidão das declarações da pessoa segura só poderá conduzir à invalidade/anulabilidade do contrato de seguro em causa caso a seguradora alegue e prove que tais omissões ou inexactidões influenciaram na formação do contrato em concreto e que se tivesse conhecimento das mesmas não contrataria ou que contrataria em moldes substancialmente diferentes do que contratou, o que manifestamente não está provado no presente processo. Assim, ao decidir-se como se decidiu, aplicou incorrectamente o douto acórdão recorrido os arts. 5° e nº 8° aI. a) do Dec-Lei nº446/85 de 25/10, com as alterações dos Decs-Lei nº 220/95 de 31/08, 249/99 de 07/07 e 323/2001 de 17/12, o art. 406° nº 1 do C.Civil e o art. 429° do Código Comercial.

Sobre o tema o douto acórdão recorrido referiu “começando pela declaração de saúde há que dizer o seguinte. É certo que os diversos campos se encontram pré-impressos. No entanto as respostas a estes campos não estão preenchidas, cabendo o seu preen­chimento ao proponente… o DL n.º 446/85 não é assim aplicável à declaração de saúde. O mesmo se aplica relativamente à declaração da pessoa segura quando se afirma que responderam com verdade às questões formuladas no Boletim de Adesão. E é irrelevante que as declarações estejam pré-impressas e os campos preenchi­dos, deixando apenas ao potencial segurado a faculdade de assinar… Ora a falecida segurada sabia, desde 07/09/1995, que padecia da doença que a veio a vitimar, tendo sido submetida a cirurgias e internamentos. No entanto assinou as ditas declaração de não estar sob observação médica, ou ter si­do operada, e a declaração que atestava a veracidade da primeira declaração quanto ao seu estado de saúde, declarações que determinaram que a seguradora não exigisse o preenchi­mento do questionário clínico. A falecida declarante prestou assim declarações inexactas que anulam o contracto de seguro que celebrou com a apelante, atento o disposto no art.429° do C Com, de acordo com o qual ora a falecida segurada sabia, desde 07/09/1995, que padecia da doença que a veio a vitimar, tendo sido submetida a cirurgias e internamentos. No entanto assinou as ditas declaração de não estar sob observação médica, ou ter si­do operada, e a declaração que atestava a veracidade da primeira declaração quanto ao seu estado de saúde, declarações que determinaram que a seguradora não exigisse o preenchimento do questionário clínico. A falecida declarante prestou assim declarações inexactas que anulam o contrato de seguro que celebrou com a apelante, atento o disposto no art.429° do C. Com, de acordo com o qual "Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tomam o seguro nulo § único. Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má-fé o segurador terá direito ao prémio"”. Termina afirmando que “anulado o contrato de seguro desaparece o fundamento de responsabilização da seguradora apelante”.

Vejamos:

Não se nos afigura qualquer dúvida que o contrato de seguro (ramo vida) que os RR. celebraram coma a R. Seguradora, é um contrato de adesão e como tal as respectivas cláusulas estão, em princípio, sujeitas ao regime estabelecido pelo Dec-Lei 446/85 de 25/10. Nos próprios termos do contrato referiu-se expressamente sob a epigrafe "CRÉDITO A HABITAÇÃO BANCO DD, Boletim de Ade­são de Seguro de Grupo, RAMO VIDA[1] (sublinhado nosso).

Por contrato de adesão deve entender-se “aquele em que um dos contraentes - o cliente, o consumidor - ... se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado” (in Das Obrigações em Geral, Prof. Antunes Varela, Vol. I, pág. 266, 9ª edição ). Neste tipo de contratos, o cidadão comum é forçado, pelas circunstâncias a aceitar o contrato no seu todo. É apenas livre de aderir ao modelo, tipo ou padrão do contrato que lhe é oferecido, ou de o rejeitar. A discussão tradicional e livre sobre a formação do contrato e respectivas cláusulas, está aqui ausente. Daí que se possa dizer que, na realidade, o contrato de adesão, constitui uma barreira à liberdade de contratação. O mais fraco (o cidadão comum), muitas vezes movido pela situação precária em que se encontra, é obrigado a aderir ao contrato e a todas as suas cláusulas, que o outro contratante, em bloco, lhe apresenta. Nestes contratos, a desigualdade das partes contratantes é real. O outro contratante fica, na prática, apenas com a liberdade (muitas vezes precária, pela necessidade em contratar) de aceitar ou rejeitar o contrato e já não com a liberdade de discutir a essência das soluções nele plasmadas.

Como contratos de adesão, costumam-se indicar, por serem os mais vulgares, os contratos de fornecimento de água, energia ou gás, de transporte, de certas operações bancárias, de seguro, como sucede no caso vertente. Existe nestes contratos um contratante forte, que prepara e impõe ao cidadão comum o clausulado das vinculações e um contratante fraco que apenas as pode aceitar ou rejeitar, em bloco.

Para garantir um certo equilíbrio entre as partes, desde há muito que, impulsionada pela doutrina portuguesa e estrangeira, se vinha sentindo a necessidade de se exercer um certo controlo sobre os contratos de adesão, quer a nível de verificação da vontade do aceitante, quer ao nível de uma superintendência sobre o conteúdo das condições gerais do contrato. Tentando cumprir este desiderato, foi publicado o mencionado Dec-Lei 446/85 de 25/10 que, seguindo o modelo da Lei Alemã de 9/12 de 1976 (sobre o regime das condições gerais dos negócios), se destinou a regular as chamadas cláusulas contratuais gerais.

E o que se deve entender por cláusulas contratuais gerais?

Estas serão “as elaboradas antes do contrato em que são insertas e que os proponentes ou destinatários indeterminados se limitam, respectivamente, a subscrever ou aceitar” (art. 1º da mencionada Lei Alemão, in mesma obra, pág. 271). No entender do Prof. Antunes Varela, “a definição não podia ser tomada ao pé da letra, porque o espírito do diploma abrangia também, e até de modo especial, as cláusulas que proponentes determinados (o Banco A, a Seguradora B, a Construtora C) elaboraram para serem subscritos por eles próprios, nos múltiplos contratos que celebrem com os clientes” (ob. citada, pág. 271).

Mas para o que aqui nos interessa, parece-nos ser aceitável aquela visão das coisas. De resto o art. 1º do Dec-Lei 446/85 ao estabelecer no seu nº 1 que “as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes e destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma”, perfilha aquele entendimento.

Nos termos do art. 5º nº 1 do Dec-Lei 446/85 de 31/8 as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na integra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, sendo que, nos termos do nº 3 da disposição, o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais. Acrescenta o art. 6º, quanto ao dever de informação, que “o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique” (nº 1) e “devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados” (nº2), sendo que nos termos do art. 8º nº 1 al. a) devem considerem-se excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º, dispositivos em que nos parece evidente a pretensão de protecção destinatário do contrato.

Postas estas noções teóricas vejamos a situação concreta.

A primeira questão que se nos coloca será a de saber se o item em questão constitui, ou não, uma cláusula contratual geral.

O douto acórdão recorrido, como se viu, entendeu implicitamente que o questionário em causa não constitui uma cláusula contratual geral e, por isso, o disposto no DL n.º 446/85 não será aplicável à situação, entendimento de que discordam os recorrentes pois, no seu prisma, estamos perante uma cláusula contratual geral, aplicando-se, consequentemente, ao caso o regime de tais cláusulas.

Recapitulemos os factos provados atinentes ao tema:

Provou-se que o 1º A. e EE, em 19-11-2003, apuseram a sua assinatura na última página de um conjunto de quatro páginas pré-impressas com a epigrafe "CRÉDITO A HABITAÇÃO BANCO DD, Boletim de Ade­são de Seguro de Grupo, RAMO VIDA". Consta da página 3 do documento referido no facto anterior, no campo "DADOS DA 2ª PESSOA SEGURA" o seguinte texto pré-impresso: "DECLARAÇÃO DE SAÚDE Para Capitais iguais ou inferiores a 100.000 € e desde que a idade seja menor que 60 anos. Declaro NÃO: - estar sob observação médica, ou tratamento médico regular; - ter interrompido por mais de 15 dias consecutivos, nos últimos cinco anos, a minha actividade laboral, por motivos de saúde; - ter sido operado ou internado num estabelecimento hospitalar; - ter qualquer deficiência física ou funcional; - sofrer de fármaco, dependência ou toxicomania". Consta também da página 4 do documento referido no facto 9° o seguinte texto pré-impresso: "DECLARAÇÃO DA(S) PESSOA(S) SEGURA(S). Na qualidade de Pessoa(s) Segura(s), decla­ro (declaramos), expressamente e sem reservas: 1- Que tomei (tomámos) conhecimento das Condições Gerais e Especiais do contrato de seguro a que vou (vamos) aderir. Todas as respostas efectuadas às questões formuladas neste Boletim de Adesão, correspondem à ver­dade e tenho (temos) perfeito conhecimento de que quaisquer omissões ou declarações inexactas ou falsas que possam influir sobre a aceitação ou sobre as condições de adesão ao seguro, tornam-na nula… Consta das Condições Gerais da referida apólice o seguinte: "6. CONDIÇÓES DE ELEGIBILIDADE: 6,1, O candidato a Pessoa Segura preencherá e assinará conjuntamente com o Tomador do Seguro o Boletim de Adesão fornecido pela Seguradora, respondendo com verdade e exactidão às questões nele formuladas… O A. e a sua mulher assinaram os documentos que lhe foram apresentados pela 2ª R., mas os campos das propostas (boletim e adesão) não foram preenchidos pelo A. nem pela sua mulher.

Quer dizer e de essencial que o boletim ou questionário de saúde (aqui em causa) pese embora tenha sido assinado pelo A. e pela sua mulher, não foi por eles preenchido. Mas claro que ao assinar o questionário, devidamente preenchido, a falecida EE subscreveu o conteúdo das respostas dadas, assumindo toda a responsabilidade daí resultante, independentemente de não ter sido ela a proceder ao seu (prévio) preenchimento. Nesse boletim foi exarado que os segurados (e particularmente a EE) não estavam sob observação médica, ou tratamento médico regular, não tinham interrompido por mais de 15 dias consecutivos, nos últimos cinco anos, a actividade laboral, por motivos de saúde, não tinham sido operados ou internados num estabelecimento hospitalar, não tinham qualquer deficiência física ou funcional e não sofriam de fármaco, dependência ou toxicomania.

Estas declarações foram inexactas em relação ao estado de saúde da subscritora EE, já que foi omitido que esta em 7-9-1995 teve conhecimento de que sofria de neoplasia cerebral, foi operada e após essa cirurgia manteve-se sob vigilância clínica até que em 28-10-2003 quando ocorreu uma recidiva e foi operada com remoção parcial do tumor, tendo sido, pelo menos, desde 2003, submetida a vários internamentos no IPO de … para cirurgia ou tratamentos da referida doença.

Por outro lado, a declaração de saúde, embora tenha sido previamente preenchida, não pode ser entendida como uma cláusula contratual geral, pois o seu conteúdo não tinha que ser, sem discussão, aceite pelos contratantes/segurados, antes pelo contrário, a estes competia, como explicitamente se mencionou nos termos no contrato, expressar a verdade em relação às respostas efectuadas. Pré-elaborado estava o questionário, mas os segurados não tinham que aderir a ele, mas sim fornecer à Seguradora os elementos (reais) relativos à sua saúde de forma a permitir a esta as condições de aceitação do contrato[2].

A declaração de saúde constitui, por conseguinte, um questionário ou inquérito sobre a saúde de cada um dos aderentes ao contrato, pelo que não pode ser entendida como uma condição contratual (sem prévia negociação individual) em que o destinatário (indeterminado) se limitou a subscrever ou aceitar.

Em caso semelhante ao dos presentes autos refere-se no acórdão deste STJ de 27 de Maio de 2008 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) “… como facilmente se intui, em contratos desta natureza (contratos de adesão) o segurado adere a uma proposta de seguro apresentada pela empresa seguradora. Só que, no caso dos presentes autos, estamos perante uma fase prévia à celebração do contrato. Consoante o conteúdo das respostas ao questionário sobre o estado de saúde do potencial segurado, a seguradora decide se, em definitivo, apresenta uma proposta de seguro e, na hipótese afirmativa, as condições que propõe para que seja celebrado o contrato de seguro, sendo que só então, nessa segunda fase, poderemos dizer que estamos perante um contrato de adesão. Como é óbvio, a seguradora não apresenta um contrato-tipo já com o questionário preenchido. As respostas – que devem reproduzir com inteira fidelidade a situação clínica do segurado – são forçosamente da responsabilidade deste. Daí que, antes da data e da aposição da sua assinatura, constem as declarações a que já fizemos referência, respeitantes à não ocultação de factos relevantes para a decisão de contratar por parte da seguradora, e à exactidão e sinceridade das mesmas[3].

Significa isto que não podendo o dito questionário ser inserido no regime das cláusulas contratuais gerais, o entendimento dos recorrentes é insubsistente, não tendo sido, assim, violados os arts. 5º, 6º e 8º nº 1 do Dec-Lei 446/85 de 25/10.

Nesta conformidade, a decisão recorrida (que anulou o contrato de seguro, por preenchimento dos pressupostos previstos no indicado art. 429º do Código Comercial, em razão da declaração inexacta por banda da falecida EE em relação ao seu estado de saúde) foi certa, pelo que aqui se confirma.

2-4- Sustentam depois os recorrentes que a 1ª instância valorou como meio de prova o documento de fls.156 e 157, o qual havia sido impugnado quanto à letra e assinatura nele apostas e cuja genuini­dade nunca foi estabelecida pela Seguradora como processualmente lhe competia, pelo que tal meio de prova nunca podia ter sido tido em conta para fundamentar qualquer res­posta a pontos de facto da base instrutória. Ora apesar de reconhecer tal falta de genuidade ao documento, a Relação de … não supriu tal violação de lei substantiva e não alterou a decisão quanto à matéria de facto, erradamente, com o argumento de que os meios de prova utilizados para fundamentar a sentença de primeira instância não constavam do processo, quando efectivamente tais meios de prova, que eram os documentos dos autos e as depoimentos gravados das testemunhas, constam ou estão juntos aos autos ou, pelo menos quanto aos cds-r das gravações estavam e estão disponíveis para o efeito. Desta forma manteve-se a violação de lei substantiva já vinda da 1ª instância, não aplicando e logo violando o art. 374° nº 1 e nº 2 do Código Civil, bem como os arts. 544° e 545º do Código de Processo Civil anterior (correspon­dentes aos arts.444° e 445º do actual código), pelo que se impõe, a título subsidiário, revogar o douto acórdão da Relação de … e decretar a esta que supra, por si, ou por reenvio à 1ª instância, tal violação de lei substantiva quanto ao meio de prova supra indicado, com a inerente modificação da matéria de facto derivada de tal suprimento, nomeadamente dos pontos 14°,15° e 16° da base instrutória.

Sobre o tema o douto acórdão recorrido referiu que “efectivamente, os AA impugnaram o conteúdo, a letra, e a assinatura, do relatório médico. É igualmente adquirido que o médico subscritor não foi ouvido em tribunal. E estando em causa um documento particular, estabelece o artigo 374° nº 1 do C.Civil … No tocante à força probatória do documento particular dispõe o artigo 376° do mesmo diploma que…, sendo que "os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante" (nº2)."A força probatória do documento particular circunscreve-se, assim, no âmbito das declarações (de ciência e de vontade) que nele constam como feitas pelo respectivo subscritor. A parte contra a qual o documento particular é apresentado pode impugnar a veracida­de da letra ou da assinatura ou declarar que não sabe se aquelas são verdadeiras, não lhe sendo imputadas, caso em que cabe à parte que o ofereceu fazer prova da veracidade da subscrição pela pessoa a cuja autoria é atribuído. A impugnação da genuinidade de documento particular faz-se nos termos previstos no artigo 444° nº 1 CPC, mediante declaração da parte contra o qual é oferecido, não carecendo de qualquer decisão judicial subsequente. Não ficando estabelecida a genuinidade do documento particular, porque impugnado e não demonstrada a sua veracidade pelo apresentante, o mesmo constitui apenas um meio de prova livremente apreciado pelo julgador, ficando arredada a sua força probatória plena. A convicção da Srª Juiz carecia assim de ser melhor fundamentada. No entanto cabe a este Tribunal analisar a posição dos apelados perante a excepção deduzida pela seguradora. No CPC, na versão anterior à reforma do citado DL nº 329-S/95, o art. 490º estipulava o seguinte … o contestante era assim onerado com o ónus de impugnação especificada. Ora com a entrada em vigor do DL nº 329-A/95, de 12 Dez, o ónus de impugnação es­pecificada foi maleabilizado de modo a que "a verdade processual reproduza a verdade material subja­cente" (cfr. Preâmbulo do citado DL e texto do art. 490º antes e depois da redacção conferida pelo diploma). Este entendimento também vigora no actual CPC como resulta do art. 574° nº 1, que estipula o seguinte…Mas tal não significa que o contestante possa limitar-se a impugnar genericamente os factos que lhe são imputados …Na réplica os AA. contestaram a excepção deduzida pela seguradora do modo re­ferido no relatório supra ou seja, no que à excepção propriamente dita interessa, impug­naram os factos na generalidade dizendo precisamente isso. Ora a seguradora afirma, nos artigos 26° a 35° e 85° a 87° da sua contestação, que à falecida foi diagnosticada uma neoplasia cerebral em 1994/1995,que esta foi submetida a in­tervenções e tratamentos, pelo que sabia que estava doente, doença que omitiu e ao assinar o boletim de adesão, com a declaração de saúde supra referida. Competia aos AA rebater a factualidade invocada, a fim de por em dúvida a alegação da seguradora. Impunha-se assim aos AA tomar posição definida quanto a estes factos, o que não ocorreu. A mera declaração de que se impugna o teor dos artigos por não corresponder à verdade é manifestamente insuficiente. Não existe pois fundamento para alterar a matéria de facto, o que conduz à improce­dência do recurso subordinado”.

Ou seja, os doutos julgadores entenderam, num primeiro momento, que não ficando estabelecida a genuinidade do documento particular (porque impugnado e não demonstrada a sua veracidade pelo apresentante) o mesmo constitui apenas um meio de prova livremente apreciado pelo julgador, ficando arredada a sua força probatória plena. Por isso, a convicção da Mª Juiz carecia de ser melhor fundamentada. Num segundo momento, todavia, analisando a posição das partes nos articulados quanto à excepção deduzida pela seguradora, consideraram que, pese embora o DL nº 329-A/95, de 12 Dez tenha maleabilizado o ónus de impugnação especificada de modo a que "a verdade processual reproduza a verdade material subja­cente" tal não significa que o contestante possa limitar-se a impugnar genericamente os factos que lhe são imputados abstendo-se de rebater a factualidade invocada. Devia, pois, a fim de por em dúvida a alegação da seguradora, tomar posição definida quanto aos factos em causa, o que não ocorreu. A mera declaração de que se impugna o teor dos artigos por não corresponder à verdade é manifestamente insuficiente. Por conseguinte, concluíram que não existia fundamento para alterar a matéria de facto em questão.

Esta posição é certa, pelo que aqui se confirma.

De sublinhar que os recorrentes nada contrapõem em relação a esta última argumentação, pelo que sendo a fundamentação certa[4], resulta, desde logo, que a posição dos recorrentes é inconcludente[5].

No tocante à argumentação dos recorrentes atinente à genuini­dade do documento[6] diremos sinteticamente o seguinte:

Tendo a parte contrária impugnado tal documento (de fls. 156 e 157) quanto à letra e assinatura nele apostas e não tendo a R. Seguradora (a apresentante do escrito) efectuado a prova da sua veracidade, é evidente que tal documento não pode fazer prova plena quanto ao conteúdo das declarações atribuídas ao autor nele constante (vide arts. 374º nºs 1 e 2 e 376º do C.Civil). Isto mesmo se referiu no douto acórdão recorrido. Mas isto não significa, como parecem pretender os recorrentes, que tal meio de prova não possa ser livremente apreciado pelo julgador, pois como decorre do art. 607º nº 5 do C.P.Civil[7], “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção a cada facto”, sendo que a prova da factualidade em questão não era susceptível de ser provada unicamente por documento (vide ainda a segunda parte do referido nº 5 do referido art. 607º). Encontrando-se perante a prova documental, o julgador pode dele retirar as ilações e inferências que julgue apropriadas e pertinentes face ao seu conteúdo, ou seja, avalia, estima e determina o seu valor probatório, fixando a materialidade adequada conforme a sua convicção (normalmente conjugada com os outros elementos probatórios produzidos).

Significa isto que não existiu, pelo tribunal recorrido, qualquer violação de lei substantiva quanto ao meio de prova indicado quanto os pontos 14°,15° e 16° da base instrutória, pelo que o recurso improcede.

III- Decisão:

Por tudo o exposto nega-se a revista.

Custas pelos recorrentes.

                       

Nos termos dos arts. 713º nº 7 e 726º do C.P.Civil, elabora-se o seguinte sumário:

- Uma declaração de saúde inserta num contrato de seguro de vida não pode ser entendida como uma cláusula contratual geral, pois o seu conteúdo não tinha que ser, sem discussão, aceite pelo contratantes/segurados, antes pelo contrário, a estes competia, como explicitamente se mencionou nos termos no contrato, expressar a verdade em relação às respostas efectuadas.

- Não podendo a dita declaração de saúde ser inserida no regime das cláusulas contratuais gerais, a decisão recorrida (que anulou o contrato de seguro, por preenchimento dos pressupostos previstos no indicado art. 429º do Código Comercial, em razão da declaração inexacta por banda da falecida EE em relação ao seu estado de saúde) foi certa.

- Tendo a parte contrária impugnado o documento de fls. 156 e 157 quanto à letra e assinatura nele apostas e não tendo a R. Seguradora (a apresentante do escrito) efectuado a prova da sua veracidade, tal documento não pode fazer prova plena quanto ao conteúdo das declarações atribuídas ao autor nele constante, mas isto não significa que tal meio de prova não possa ser livremente apreciado pelo julgador.

Lisboa, 14 de fevereiro de 2017

Garcia Calejo - Relator

Hélder Roque

Gabriel Catarino

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[1] Vide facto provado sob o nº 9.
[2] Evidentemente que a Seguradora acabou por celebrar o contrato de seguro no pressuposto de serem verdadeiras as afirmações prestadas na “declaração de saúde” pelas pessoas seguras. Tendo-se verificado a inexactidão da declaração sobre o estado de saúde da segurada EE, para além de terem sido violados os mais elementares princípios de boa fé contratual por parte da declarante, a vontade real da Seguradora foi viciada por patente erro.
[3] Ainda em sentido idêntico, vide também o acórdão deste STJ de 27-3-2014 (www.dgsi.pt/jstj.nsf).
[4] A impugnação dos factos alegados pela contrária, pese embora a maleabilidade introduzida pela reforma processual civil introduzida pelo DL nº 329-A/95, de 12/12, manteve-se (e foi mantida também no novo C.P.Civil - art. 574º nº 1-) impondo o art. 490ºnº 1 aplicável ao caso que “ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição
[5] Mesmo que a fundamentação dos recorrentes em relação à apreciação do documento em causa fosse pertinente e certa, sempre ficaria fora da impugnação recursal a segunda justificação usada pelo acórdão recorrido (não impugnação dos factos alegados pela parte contrária - os AA.-) para manter a posição assumida pelo tribunal de 1ª instância sobre a factualidade em questão.
[6] Única argumentação que os recorrentes contestam na revista.
[7] Antes art. 655º do C.P.Civil de 1961.