Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
146/08.7PTCSC.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SOUSA FONTE
Descritores: RECURSO PENAL
ALÇADA DO TRIBUNAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA EXCLUSIVA
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
PERDA DE CAPACIDADE DE GANHO
INDEMNIZAÇÃO
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 09/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS NORMAS DO PROCESSO CIVIL - SUJEITOS DO PROCESSO / PARTES CIVIS / PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL - RECURSOS.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL ( POR FACTOS ILÍCITOS ) / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, (1970), 425 e ss., 472 e ss..
- Mário Júlio Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 5ª Edição, 483 e 514 e ss..
- Sousa Dinis, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, Ano VII, n.º 9, 86 e 89.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 249.º, 483.º, N.º1, 496.º, N.º1, 503.º, 505.º, 564.º, N.º2, 566.º, N.ºS 2 E 3.
CODIGO DA ESTRADA (CE): - ARTIGOS 15.º, 18.º, 42.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPP): - ARTIGOS 609.º, N.º1, 671.º, N.º1, 674.º, N.º3, 682.º, N.ºS 2 E 3, 686.º, N.ºS 1 E 4.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 4.º, 71.º, 400.º, N.ºS 2 E 3, 401.º, 410.º, N.º2, 414.º, N.º2, 420.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B), 434.º, 487.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 09.01.1979, IN BMJ, 283,250.
-DE 05.05.1994, P.º N.º 84866 – 2.ªSECÇÃO, DE 07.02.2013, P.º N.º 3557/07.1TVLSB.L1.S, DE 20.03.2014, P.º N.º 207/2001.G1.S1 -7.ª SECÇÃO, DE 15.04.2015, P.º N.º 1248/07.2TBLGS.E1.S1 E JURISPRUDÊNCIA NELES CITADA.
-DE 11.02.1999 E DE 24.02.1999, CITADOS NO ACÓRDÃO DE 25.11.2009, P.º N.º397/03.0GEBNV.S1.
-DE 13.05.2004, P.º N.º 1845/03 – 2.ª SECÇÃO, E DE 20.11.2003, P.º N.º 3441/03- 6.ª SECÇÃO.
-DE 04.07.2007, P.º N.º 100/10.9YFLS.
-DE 04.10.2007, P.º 957/07- 7.ª SECÇÃO, E DE 19.05.2009, P.º N.º 298/06.0TBSJM.S1- 6.ª SECÇÃO.
-DE 23.10.2008, P.º N.º 2318/08 – 2.ª SECÇÃO, E DE 08.03.2005, P.º N.º 395/05 – 1.ª SECÇÃO.
-DE 19.02.2009, P.º N.º 3652/08 – 2.ª SECÇÃO,
-DE 03.03.2009, P.º N.º 9/2009 – 6.ª SECÇÃO.
-DE 19.05.2009, P.º N.º 298/06.0TBSJM.S1, DE 07.02.2013, P.º N.º 3557/07.1TVLSB.L1.S1 E DE 06.06.2013, P.º N.º 303/09.9TBVPA.P1.S1 E OUTROS NESTES INVOCADOS.
-DE 25.11.2009, P.º N.º 397/03.0GEBNV.S1.
-DE 18.03.2010, P.º N.º 1786/02.3SILSB.L1.S1, DE 19.02.2014, P.º N.º 129/09.0PBMTA.L1.S1 E OS NELES CITADOS.
-DE 06.10.2011, P.º N.º 733/06.8 TBFAF.G1.S1- 7.ª SECÇÃO.
-DE 26.01.2012, P.º N.º 220/2001-7.S1.
-DE 24.04.2012, P.º N.º 3075/05.2TBPBL.C1.S1.
-DE 06.06.2012, P.º N.º 303/09.9TBVPA.P1.S1.
-DE 08.12.2012, P.º N.º 26/09.9PTEVR.E1.S1.-3.ª SECÇÃO, DE 27.10.2010, P.º N.º 2519/06.0TAVCT.G1.S1, E DE 25.11. 2010, P.º N.º 397/03.0GEBNV.S1.
-DE 22.01.2013, P.º N.º 1092/08.0TBTMC.C1.S1, DE 20.01.2011, P.º N.º 520/04.8GAVNF.P2.S1, DE 11.11.2010, P.º N.º 270/04.5TBOFR.C1.S1, DE 06.12.2011, P.º N.º 52/06.0TBVNC.G1.S1, ENTRE OUTROS NELES CITADOS.
-DE 11.07.2013, P.º N.º 97/05.7TBPVI.G2.S1
-DE 24.09.2013, P.º N.º 1267/08.1TCSNT.L1.S1 -1.ªSECÇÃO, DE 20.03.2014, JÁ CITADO, E DE 07.10.2014, P.º N.º 1599/11.1TBVLG.P1.S1- 6.ª SECÇÃO, E JURISPRUDÊNCIA NELES CITADA.
-DE 19.02.2014, P.º N.º 1229/10.9TAPDL.L1.S1.
-DE 20.11.2014, P.º N.º 5572/05-0TVLSB.L1.S1.
*
ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 4/2002, DE 09.05.2002 (D.R., I SÉRIE-A, DE 27.06.2002).
Sumário :
I - Decorre do disposto no art. 400.º, n.º 2, do CPP, que é irrecorrível o acórdão do tribunal da Relação, na parte em que confirma a indemnização de €10.000,00, atribuída à demandante M por danos morais, uma vez que o valor da sucumbência da demandada fica aquém de metade do valor da alçada do tribunal recorrido.

II - Atento o disposto nos arts. 434.º, do CPP e 682.º, do CPC, não se vislumbrando que a decisão sobre a matéria de facto, tal como fixada pelas instâncias, enferme de algum dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP ou que se verifique qualquer das hipóteses dos n.ºs 2 e 3 daquele art. 682.º do CPC, não pode a demandada recorrente procurar discutir no recurso a matéria de facto dada como provada quanto à dinâmica do acidente, porquanto a argumentação aduzida não tem a virtualidade de autorizar o STJ a transformar um facto não provado em facto provado.

III - É de atribuir a culpa exclusiva na produção do acidente de viação ao condutor seguro pela demandada seguradora que, seguindo em via de trânsito paralela à do demandante, no mesmo sentido, sem previamente se certificar de que a via à sua direita – aquela por onde então circulava o veículo do demandante – se encontrava desimpedida e sem accionar o sinal luminoso de mudança de direcção, a invadiu, provocando o embate de veículos.

IV - Se o acidente teve como causa a conduta ilícita e culposa do arguido, fica prejudicada a pretensão da demandada seguradora de apelo às regras sobre responsabilidade civil pelo risco.

V - É justo e equitativo conceder uma indemnização autónoma a título de dano biológico, no valor de €60.000,00, ao demandante que sofreu drástica e irreversível limitação funcional – designadamente incapacidade permanente total, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e paraplegia completa que lhe retirou “toda e qualquer sensibilidade da linha mamilar para baixo, tendo nomeadamente perdido controlo sobre os esfíncteres” – que, se lhe permite estar vivo, não deixa, de facto, ter uma vida.

VI - Ainda que o demandante não peça expressamente indemnização a título de dano biológico, basta-se o princípio do dispositivo com a alegação e prova dos factos que integram aquela incapacidade para que a correspondente indemnização possa/deva ser arbitrada, sem que exista violação do princípio do n.º 1 do art. 609.º do CPC que, quantitativamente, apenas se refere ao pedido considerado como um todo, impondo apenas que o tribunal se mantenha dentro desse valor global.

VII - A idade a considerar para os efeitos do cálculo da indemnização por perda da capacidade de ganho é a do tempo médio de vida e não a do termo da vida activa, corresponda ou ultrapasse a idade da reforma.

VIII - O cálculo aritmético dos rendimentos previsivelmente perdidos, considerando os rendimentos que o demandante auferia, a incapacidade que o demandante sofreu (90% IPP), a idade de 56 anos à data do acidente e, nessa altura, uma esperança de vida de mais de 19 anos, corresponde a €920.937,60 [(€41.386,00, rendimento do trabalho independente + €12.470,00, rendimento do trabalho por conta de outrem) x 0,90 x 19] e tendo em conta que, aos rendimentos por conta própria, como trabalhador independente, não foi deduzida a contribuição obrigatória para a Segurança Social, entendemos ser equitativo fixar a indemnização pela perda de capacidade de ganho, em €800.000,00.

IX - Não é equitativo proceder a qualquer redução pelo recebimento da indemnização de uma só vez, não se traduzindo tal recebimento em qualquer enriquecimento ilegítimo porque o capital indemnizatório tal como foi calculado, não entrou em linha de conta com as naturais expectativas de majoração dos rendimentos do demandante, além de que os investimentos tradicionais vêm oferecendo taxas de juros relativamente baixas para aplicações com capital garantido, o que diminui com significado, e nalguns casos anula, o rendimento líquido eventualmente proporcionado por qualquer daqueles produtos financeiros.

X - Ainda que o demandante, no pedido que formulou, tenha deduzido ao produto que calculou 10% por recebimento da totalidade do capital de uma só vez, tal não impede o tribunal de concluir que, não se justifica esse desconto, não implicando qualquer ultrapassagem ao princípio consagrado no art. 609.º, do CPC. Por um lado, porque é ao tribunal que compete definir quais os factores legais do cálculo da indemnização; por outro, porque, ainda que a indemnização que venha a ser fixada por perda de capacidade de ganho ultrapasse a verba concretamente pedida, isso não importa violação da proibição contida no n.º 1 do referido preceito que se reporta ao valor global do pedido e não a cada uma das suas parcelas.

XI - É justa, equilibrada e equitativa a indemnização de €170.000,00 arbitrada pelo tribunal da Relação ao demandante a título de danos não patrimoniais, perante um quadro factual de dores, sofrimentos e angústias que o demandante sofreu, sofre e sofrerá enquanto estiver vivo: dores físicas e psíquicas durante os sucessivos tratamentos e internamentos; paraplegia completa e compromisso dos esfíncteres, com nula hipótese de recuperação total; perda “de toda e qualquer” sensibilidade da linha mamilar para baixo; perda de auto-estima, e da alegria de viver, passando a ser uma pessoa triste e amargurada, deprimida e revoltada; impotência sexual; dependência diária de 3.ª pessoa para cuidar de si e da sua higiene; dependência de cadeira de rodas para se movimentar e de impossibilidade de exercer qualquer actividade.

XII - Enferma de manifesta incongruência o acórdão em que se dá como provado, sem oposição da demandada, que, em consequência do acidente, foi necessário realizar obras de adaptação da casa do demandante e ai instalar uma plataforma elevatória para a cadeira de rodas em que ele se move, e se sublinhe que essas obras foram efectivamente executadas e, depois, não se condena a demandada no custo correspondente que, na economia da decisão de facto, não é outro senão o correspondente ao orçamento apresentado, havendo que ressarcir aquele dano de acordo com os valores apurados, como mandam os arts. 483.º, n.º 1 e 566.º, n.º 2, do CC, no valor de €70.783,88.

XIII - A observância do AFJ 4/2002, de 09-05-2002, obriga a determinar que os juros moratórios relativos ao montante da indemnização, se contam desde a data da sentença em 1.ª instância, e não como pretende o recorrente, desde a citação, excepto os relativos à indemnização por danos não patrimoniais, que se contarão a partir da data do acórdão agora em recurso.
Decisão Texto Integral:

            Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

            1. Relatório

            1.1.O arguido João António Soares Fróis, com os sinais dos autos, respondeu no processo em epígrafe, do 3º Juízo Criminal do extinto Tribunal da Comarca de Cascais, acusado de ter praticado um crime de ofensa à integridade física grave, por negligência, p. e p. pelos arts. 148º, nºs 1 e 3, do CPenal e três contraordenações estradais.

            1.2. Os demandantes Henrique Maria de Oliveira Brando Albino, também assistente, e Maria del Carmen Fernandez Lemos deduziram pedido civil contra Axa Portugal – Companhia de Seguros, SA (de ora em diante, “Axa”), fls. 907, pedindo a condenação desta no pagamento das seguintes importâncias indemnizatórias:

            a) para o Demandante:

                        a.1) a título de danos patrimoniais:

                                   a.1.1) – €825.023,88, por perda de capacidade de ganho (nº 67 de fls. 917);

                                   a.1.2) – €70.783,88, por despesas «que a sua enfermidade acarreta», decorrentes da necessidade de adptação da sua habitação (nºs 70 e 71 de fls. 917/918);

                                   a.1.3) – €100.000,00, para suportar as despesas exigidas pela carência da ajuda de terceira pessoa (nºs 73 a 75 de fls. 918);

                                   a.1.4) – a que acrescem €75.845,08, correspondentes aos juros de mora sobre a totalidade daquelas importâncias (= €995.807,76), à taxa de 4%, contados a partir da data do acidente, em 07.07.2008, até à «presente data», a data da dedução do pedido, em 02.06.2010 (nº 105 de fls. 922);

                        a.2) a título de danos não patrimoniais:

                                   a.2.1) – 30.000,00, pelo pânico muito intenso que sentiu «pela proximidade da morte» (nºs 77 a 79 de fls. 918/919);

                                   a.2.2) – 200.000,00, considerando «o “quantum doloris, o prejuízo sexual, o dano estético e o prejuízo de afirmação pessoal» (nºs 80 a 97 de fls. 919/921);

                                   a.2.3) – a que acrescem juros moratórios à referida taxa, desde a prolação da sentença até integral pagamento (nº 105 de fls. 922);  

                        a.4) «o pagamento de todas as despesas futuras com cirurgias, medicamentos, equipamentos e tratamentos que se venham a considerar necessários por força das lesões sofridas pelo demandante como consequência do acidente» (nº 72 de fls. 918);

            b) para a Demandante, € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais, a que  acrescerão juros moratórios à já referida taxa, desde a prolação da sentença até integral pagamento (nºs 104 de fls. 922).

c) «juros vincendos à taxa legal de 4% até integral pagamento», sobre as importâncias antes referidas (nº 106 de fls. 923).

[Valor total do pedido (liquidado): €1.351.682,84:

a) para o Denandante: €1.301.652,84;

b) para a Demandada: €50.000,00]       

Pelo requerimento de fls. 2135 e segs. o Demandante reduziu o seu pedido, nos termos seguintes:

            a) de €825.023,88 para €779.278,32, a verba que havia pedido a título de perda de capacidade de ganho, por, entretanto, ter recebido da Seguradora as quantias de €9.745,56+€36.000,00;

            b) de €70.783,88 para €61.711,88, a verba correspondente à indemnização do custo das obras de remodelação que, em consequência das lesões sofridas, teve de efectuar em sua casa, por ter recebido da Seguradora as quantias de €5.112,00+€3.960,00;

            c) de €100.000,00 para €76.000,00, a verba relativa à indemnização por despesas necessárias com a ajuda de terceira pessoa, por ter recebido da Seguradora a quantia de €24.000,00.

            1.3. Por sua vez, o Instituto da Segurança Social, IP, deduziu contra o Arguido e a AXA pedido de reembolso de prestações da segurança social pagas ao Demandante, no valor total de €1.949,40 e juros.

            1.4. A AXA contestou os pedidos deduzidos pelos Damandantes Henrique Albino e Maria del Carmen Lemos, fls. 1373 e segs.

            1.5. Realizado o julgamento, por tribunal singular, foi proferida a sentença de 22.03.2013, (fls. 2149 e segs.) em que foi decidido, além do mais (segue-se transcrição da  parte relevante do dispositivo):

            «1….

            2. condenar o arguido João … pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, por negligência, p. e p. pelos arts. 148º, nºs 1 e 3 e 144º – a) e b), do CP, na pena de 6 meses de prisão, pena que se substitui por igual período (…) de multa, a €8.00 diários, no total de €1.440,00;

            3…

            4…

            5. julgar o pedido civil deduzido por Maria del Carmen Lemos parcialmente procedente e condenar a “AXA…” a pagar à demandante a quantia de €10.000,00 (dez mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais;

            6. julgar o pedido civil deduzido pelo demandate Henrique Albino parcialmente procedente e condenar a “AXA…” a pagar ao demandante:

                        i) €420.000,00 (…) por dano biológico e perda de capacidade de ganho (…),[com o desconto do já recebido ao abrigo do acordo alcançado na acção por acidentede trabalho, caso opte pela indemnização agora fixada];

                        ii) €100.000,00 (cem mil euros) por dano patrimonial resultante de dependência de terceira pessoa (…) [descontado o já recebido ao abrigo do referido acordo, caso opte pela indemnização aqui fixada];

                        iii)  €100.000,00 (cem mil euros) por danos morais;

            7. e juros de mora contados sobre as quantias referidas em 5) e 6) , à taxa supletiva legal, desde a data do trânsito em julgado da sentença, até integral pagamento;

            8. no mais peticionado, pelos demandantes …., absolver a demandada do pedido;

            9. …».

            1.6. Inconformados, o demandante Henrique Maria de Oliveira Brando Albino[1] e a demandada AXA interpuseram recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo acórdão de 2 de Dezembro de 2014, fls. 2442 e segs., decidiu, no que para aqui interessa (segue-se transcrição do dispositivo, na parte relevante):

            «1. Julgar improcedente o recurso interposto pela … AXA…;

            2. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo demandante … e, em consequência, condenar a recorrida AXA… a pagar-lhe:

            a) a quantia de €600.000,00 (…) a título de indemnização por dano biológico e perda de capacidade de ganho;

            b) a quantia de €170.000,00 (…) a título de indemnização por danos não patrimoniais;

            c) o valor das despesas pelas obras de adaptação da casa do lesado às suas concretas exigências de mobilidade e a instalação de plataforma elevatória para cadeira de rodas, no qual deverá ser descontado o valor já pago a esse título no âmbito do processo por acidente de trabalho, acrescido de juros de mora desde a data da citação da recorrida, no pressuposto de que nessa data já havia sido suportado pelo lesado;

            d) o valor das despesas que o lesado vier a despender em ajudas técnicas, tratamentos médicos regulares e ajudas medicamentosas, em consequência do acidente;.

            3.  Manter, no mais, a decisão recorrida».

            1.7. Ainda inconformados, tanto o Demandante como a Demandada, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de cujas motivações extrairam as seguintes conclusões:

            1.7.1. o demandante Henrique Maria de Oliveira Brando Albino (fls. 2586 e segs.):

            «1. O recorrente peticionou, a título de perda de capacidade de ganho, a quantia de 825.023,88 €, tendo por base uma esperança de vida ativa de 18 anos (e não 19, por se ter erradamente considerado, no pedido cível que o recorrente tinha 57 e não 56 anos de idade à data do acidente), uma incapacidade parcial permanente de 90%, um rendimento anual de 56.586,00 € e, finalmente, uma redução do cálculo aritmético simples (916.693,20 €) de 10%, por recebimento antecipado.

                2. A tal valor, por requerimento de 7.2.2013, o recorrente deduziu as quantias recebidas por parte da recorrida, por força do acordo com aquela celebrado nos autos emergentes de acidente de trabalho, no valor de 45.745,56 €. O que implicou a redução de tal pedido para 779.278,32 €.

                3. Tal valor, como se disse, resulta de erro de cálculo, radicado em manifesto lapso de escrita, na indicação da idade do próprio recorrente à data do acidente, e deve considerar-se retificado, à luz do disposto no art.º 249º do CC, nos termos que infra se indicarão, e dentro dos limites do valor total do pedido de capital formulado nos presentes autos, naturalmente.

                4. O recorrente alegou os factos respeitantes à prova da existência e quantificação do dano biológico mas não discriminou tal como patrimonial ou não patrimonial. E, como assinalou o acórdão ora recorrido, a págs. 37, o dano biológico podia ter sido considerado como dano não patrimonial. Mas, como vimos, tal acórdão computou-o como dano patrimonial, sem, contudo, o quantificar.

                5. Se considerarmos, no caso concreto, a idade do sinistrado (56 anos, à data do acidente), uma esperança de vida de 75 anos e uma IPP de 90%, afigura-se ajustado um valor de 60.000,00 €, a título de dano biológico. Isto, considerando os valores arbitrados nos acórdãos elencados na douta sentença recorrida, a fls. 30 (acs. STJ de 20.1.2011, 20.5.2010 e 11.11.2010). De facto, aí foram arbitradas quantias, a tal título, de 40.000,00 €, 30.000,00 € e 5.000,00 €, em casos de IPPs de 40%, 45% e 10%, e esperanças de vida de 32, 20 e 41 anos, respetivamente.

                6. Não se ultrapassa o montante de 60.000,00 €, a título de dano biológico, para a eventualidade de vir o mesmo a ser considerado como dano moral, de modo a respeitar o valor peticionado a título de danos não patrimoniais, no total de 230.000,00 €, atendendo ao valor de 170.000,00 € já arbitrado pela Relação de Lisboa. Tal montante, contudo, caso não seja quantificado como dano moral, terá de acrescer, como dano patrimonial autónomo, ao valor respeitante à perda de capacidade de ganho.

                7. Não pode existir qualquer redução por recebimento antecipado relativamente ao valor referente ao dano biológico. De facto, tal redução apenas é considerada, pela jurisprudência, para os valores referentes à perda de capacidade de ganho.

                8. Ora, não discriminando os dois valores, o Tribunal da Relação procedeu a uma redução não quantificada, mas em qualquer caso injustificada, do valor referente ao dano biológico ao qual não se aplica a ratio da referida redução.

                9. Por outro lado, ao não discriminar os montantes referentes a perda de capacidade de ganho e dano biológico, reproduzindo assim o erro no qual em nosso entender a primeira instância incorreu, o douto acórdão recorrido impede uma cabal compreensão sobre o raciocínio subjacente ao valor encontrado, padecendo, pois, nessa medida, de nulidade, por obscuridade, nos termos do disposto no art.º 615º, nº 1, al. c), do CPC, ex vi art.º 4º do CPP.

                10. Por outro lado, no douto acórdão ora em crise, entendeu-se como determinantes para aferição do valor referente a perda de capacidade de ganho (e dano biológico) o seguinte conjunto de pressupostos que são explícitos e objetivos e que nos permitem o seguinte cálculo aritmético: (12.670,00 € (rendimentos auferidos por conta de outrem) x 9 (esperança de vida ativa) + (41.386,00 € (rendimentos como profissional liberal) x 19 (esperança média de vida)) x 90% (IPP). O que totaliza: 810.327, 60 €.

                11. Se a tal valor, como entende o tribunal recorrido, retirarmos 25% pelo recebimento antecipado, encontramos o valor de 607.745,70 €, que é superior aos 600.000,00 € atribuídos pela segunda instância.

                12. Ora, é manifesto que existe contradição entre o acórdão recorrido e os seus pressupostos, neste ponto específico, na medida em que tais pressupostos imporiam sempre um valor superior a 607.745,70 €, considerando o dano biológico (que as instâncias computaram como dano patrimonial não discriminado). O qual, como vimos supra, entendemos ser equitativo quantificar em 60.000,00 €.

                13. Finalmente, a segunda instância diverge do cálculo efetuado pelo recorrido ao não considerar o valor dos rendimentos por conta de outrem na totalidade da esperança de vida, mas tão só na esperança de vida ativa. É uma divergência que se traduz, no fundo, em 126.700,00 € (correspondente a 12.670,00 € x 10 (75 - 65) ) e cuja justificação se encontra no entendimento de que após atingido o limite de vida ativa remanesce uma capacidade de ganho, mas mais reduzida.

                14. Ora, pode-se sufragar tal entendimento para profissões mais “braçais”, ou físicas, como a de pedreiro, apenas para exemplificar. Mas, em profissões de natureza intelectual, há, isso sim, que considerar um incremento dos rendimentos resultantes da atividade profissional, pelo menos até à idade da reforma, decorrentes de acréscimo gradual de experiência, sabedoria e conhecimentos técnicos (como, aliás, se considerou, para um médico, no Ac. STJ de 3.3.2009 (Nuno Cameira), em www.dgsi.pt);

                15. Mas, tendo sido dado como provado que antes do acidente o recorrente era alegre, dinâmico, cheio de vida, e arquiteto dedicado, empenhado e competente (factos 43 e 44), é manifesto que se teria de considerar por referência à esperança média de vida de 75 anos não só a globalidade dos rendimentos auferidos enquanto arquiteto (12.670,00 € + 41.386,00 €), mas ainda o normal e expectável incremento de tais rendimentos até à idade da reforma. Consideração que se impunha e que em todo o caso neutraliza a eventual diminuição das capacidades de ganho após a idade de reforma.

                16. Nessa medida, no caso dos autos, impõe a experiência comum que não se considere qualquer incremento ou redução da capacidade de ganho, após os 65 anos, pois ambos serão equivalentes, anulando-se, consequentemente, não sendo de proceder à redução de 126.700,00 € a que a Relação procedeu, desconsiderando o valor dos rendimentos por conta de outrem no período compreendido entre os 65 e os 75 anos de vida do recorrente.

                17. Pelo que o valor indemnizatório respeitante a perda de capacidade de ganho, resultante da aplicação dos critérios objetivos é de 937.027,60 € (126.700,00 € + 810.327, 60 €).

                18. A necessidade de se evitar o enriquecimento sem causa em que, segundo parte da jurisprudência, se traduziria o recebimento antecipado, não pode significar um corte “cego”, desprovido de qualquer apelo à ponderação e alheio às concretas circunstâncias de cada caso, como se de uma taxa se tratasse. O acórdão recorrido reiterou o corte de 25%, efetuado em primeira instância, embora desta feita com uma singela e vaga referência à idade do recorrente.

                19. Ora, mesmo se considerarmos a idade do recorrente (56 anos), a redução de 25% é excessiva em face da jurisprudência em casos semelhantes: nos termos do Ac. STJ de 25.11.2009, Proc. nº 397/03.0GEBNV, Secção Criminal (www.dgsi.pt), a compressão do valor aritmético, a título de enriquecimento sem causa pelo recebimento antecipado, varia, na jurisprudência que aí se elenca, entre 25% e 10%, e “será tanto maior quanto mais baixa for a idade do ofendido.” E assim é por um motivo muito simples: a idade do lesado é a única variante segura para quantificar o enriquecimento sem causa decorrente do recebimento antecipado.

                20. Como vimos, a vida restante do demandante, à data do acidente, tendo aquele, em tal data, 56 anos de idade, era de 19 anos.

                21. Aqui chegados, e em face do que antecede, chamamos à colação o acórdão da Secção Criminal do STJ, de 15.3.2012, Proc. 870/07.1GTABF.E1.S1 (www.dgs.i.pt), no sentido de que:

                - A redução do capital calculado aritmeticamente não pode ser superior a 15%, num caso em que ao lesado restavam 35 anos de vida activa restante;

                - A actual crise económica e financeira não permite – sem “ousadia” – equacionar aplicações financeiras com rendibilidades sensivelmente superiores à taxa de inflação. Pelo que os resultados líquidos de uma aplicação financeira são “consumidos” pela inflação.

                22. Ora, atendendo a que a esperança de vida ativa no caso concreto (9 anos) é inferior a um terço (!!!) da que serviu de base àquele acórdão, não nos parece ser de admitir redução superior a 10% no caso presente. E, diga-se, o recorrente admitiu tal redução de 10%, no pedido de indemnização civil, porque à data de formulação do pedido, em 4.6.2010, apenas haviam decorrido dois anos sobre o acidente.

                23. Volvidos que se encontram 7 anos sobre a data do acidente, é caso para dizer que a existir benefício, o mesmo será da recorrida Axa, por pagamento diferido e não do recorrente por recebimento antecipado.

                24. E, a experiência comum aponta no sentido de que o recorrente, arquiteto cheio de vida, competente e empenhado (como ficou provado que o recorrente era à data do acidente), perdeu, por força das lesões sofridas (factos 26 a 29), a oportunidade de ver os seus rendimentos crescerem em função da maior experiência e conhecimento que advêm da idade.

                25. Ora, à luz do entendimento sufragado no acórdão do STJ de 6.6.2013, Proc. 303/09.9TBVPA.P1.S1 (em www.dgsi.pt), e nos acórdãos STJ de 10.10.2010, 24.10.2010 e 6.10.2011 (em www.dgsi.pt), a perda dessa oportunidade de obter expectável melhoria remuneratória compensa ou anula, no caso concreto, qualquer benefício decorrente do recebimento antecipado.

                26. Pelo que, não existindo qualquer diferença significativa nas restantes citadas “variantes dinâmicas” que caracterizam o presente caso e o que esteve na base de tal acórdão, é forçoso concluir não ser equitativo proceder a qualquer redução no caso presente. Isto porque, nos termos do acórdão desse Supremo Tribunal, de 31.1.2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias.”

                27. Dir-se-á, aliás, que a relevância jurídica e social desta questão, e a disparidade entre as decisões que proliferam nos tribunais superiores sobre esta matéria (a maior parte com deficiente ou nula fundamentação), impõe um esforço desse Supremo Tribunal, no sentido de melhor definir os critérios subjacentes à determinação dos valores indemnizatórios a título de perda de capacidade de ganho, nomeadamente, no sentido de se evitar que o julgador se afaste, sem fundamentação bastante, dos valores resultantes da aplicação dos critérios objetivos (grau de incapacidade, esperança de vida e remuneração).

                28. Como vimos, não sendo de proceder a qualquer compensação por recebimento antecipado, devemos considerar que o cálculo aritmético da perda de capacidade de ganho, de acordo com os factos assentes e relevantes (idade, esperança de vida, remuneração), é de 937.027,60 €. A tal valor têm de ser deduzidas as importâncias já recebidas, no âmbito da ação por acidente de trabalho, no total de 45.745,56 €. Ficamos com um valor de 891.282,04 €.

                29. É manifesto que em face da experiência dos tribunais superiores, um tal pedido é muito elevado. Ora, tal resulta apenas de um facto: o recorrente auferia rendimentos cinco vezes acima do salário médio nacional e dez vezes superiores ao salário mínimo. À luz do princípio da igualdade material, não pode deixar de ser tido em conta tal facto.

                30. E, não obstante o recurso à equidade, os critérios (valor dos rendimentos, grau de incapacidade e esperança de vida) para quantificação deste dano são objectivos.

                31. Pelo que, dentro dos limites do pedido de capital formulado (1.275.807, 76 €) e sendo retificado (à luz do disposto no art.º 249º do CC, e dentro dos limites do valor total do pedido de capital formulado nos presentes autos) o lapso que inquinou o cálculo do montante indemnizatório pelo recorrente (errada consideração de que este tinha 57 anos e não 56 anos à data do acidente) deve esta ser condenada no pagamento ao recorrente de uma indemnização por perda de capacidade de ganho não inferior a 891.282,04 €.

                32. Caso, por hipótese, assim se não entenda, não deverá tal valor ser reduzido em montante superior a 10% por benefício de recebimento antecipado.

                33. Na hipótese de não ser relevado o lapso de cálculo mencionado, e de se considerar admissível a referida redução de 10%, sempre deve a recorrida Axa ser condenada no pagamento de indemnização por perda de capacidade de ganho no valor de 779.278,32 €.

                34. Ao montante atribuído a título de perda de capacidade de ganho deverá acrescer quantia discriminada, referente ao dano biológico que, como vimos supra, se estima equitativo quantificar em 60.000,00 €.

                35. O acórdão recorrido entendeu, à luz do Ac. STJ de 9.5.2002, uniformizador de jurisprudência, que, à exceção da quantia referente às obras de readaptação da habitação do recorrente, todas as indemnizações fixadas se encontram atualizadas, à data do acórdão, apenas sendo devidos juros de mora, após o respetivo trânsito em julgado.

                36. É evidente que o que se pretendeu com tal uniformização de jurisprudência foi evitar que o credor somasse, em caso de mora do devedor, o valor da atualização monetária, nos termos do disposto no art.º 566º, nº 2, do CC, ao valor dos juros de mora, previstos pelo art.º 805º, nº 3, do CC. Mas o acórdão uniformizador de 9.5.2002 foi mais longe, fazendo tábua rasa do carácter indemnizatório dos juros de mora, que expressamente resulta do art.º 806º, nº 1, do CC.

                37. Não se vê, de resto, à luz do princípio constitucional da igualdade, consagrado no art.º 13º da Lei Fundamental, existir fundamento sério para suprimir a aplicação do disposto nos arts. 805º, nº 3, e 806º do CC, às situações previstas nos arts. 483º e 490º do mesmo Código, mantendo-se tal aplicação a todas as restantes situações de mora do devedor.

                38. E também nos parece legítimo afirmar que, doze anos volvidos sobre tal acórdão uniformizador, o que se conseguiu foi a consagração de uma fórmula “tabeliónica”, absolutamente genérica, e de aplicação a qualquer caso sem consideração das suas especificidades concretas, e que se esgota na afirmação de uma expressão vazia de significado real, e que acaba por beneficiar o infrator, anulando toda e qualquer consequência prática para a mora do devedor.

                39. Ora, este resultado prático, que se traduz em opacidade, incerteza e arbítrio incompatíveis com a segurança jurídica é a consequência do entendimento consagrado pelo referido Ac. de 9.5.2002.

                40. E tal acórdão contraria, de modo claro, o que a Lei sempre quis expressamente significar: o juro de mora não é um mecanismo para combater os efeitos da inflação, mas, isso sim, uma indemnização pela mora do devedor, como expressamente dispõe o art.º 806º, nº 1, do CC!

                41. A aberração alcançada por tal uniformização de jurisprudência é a de que entre a data da citação do devedor e o trânsito em julgado da condenação, o devedor não sofre qualquer penalização, podendo, aliás, obter a rentabilização do seu dinheiro, ainda que a existência da obrigação seja manifesta desde aquela data (como é no nosso caso).

                42. É, pois, por tal motivo que, nos termos do disposto no art.º 686º, nº 3, do CPC, ex vi art.º 4º do CPP, deverá ser proferido novo acórdão uniformizador, no sentido de que sobre o valor da indemnização decorrente de responsabilidade por facto ilícito (como é o caso) ou pelo risco, são devidos juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação do devedor, nos termos do disposto nos arts. 805º, nº 3, e 806º, nº 1, ambos do CC, devendo ser, em consequência, a recorrida Axa condenada no pagamento de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da citação, sobre o valor global da indemnização que vier a ser fixada.

                43. Assim se não entendendo, a atualização, nos termos do acórdão STJ, uniformizador de jurisprudência, de 9.5.2002, deve expressamente conter a discriminação do valor que está a ser atualizado, o momento a partir do qual tal atualização é feita e a indicação da(s) respetiva(s) taxa(s) atualizadora(s); e, à luz do Ac. STJ de 20.11.2014 (Maria dos Prazeres Beleza – www.dgsi.pt): a observância do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002 (Diário da República, I Série A, de 27 de Junho de 2002), segundo o qual “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação”, obriga a determinar que os juros se contam desde a data da sentença, em 1ª instância – e não desde o respetivo trânsito em julgado.

                44. Quanto aos danos morais, o valor foi elevado, pelo acórdão recorrido, para 170.000,00 €, embora sem discriminação de qualquer parcela e com justificação no facto de se ter considerado o dano biológico como uma vertente do dano patrimonial.

                45. O recorrente conforma-se com tal montante, caso se entenda que o mesmo se mostra justificado pelo facto de se computar o dano biológico como dano patrimonial, e pelo valor de 60.000,00 €.

                46. Ora, à cautela, e para a eventualidade de o dano biológico vir a ser considerado como dano moral, ou como dano patrimonial por valor inferior a 60.000,00 €, e tendo por limite o montante de 230.000,00 € peticionado a título de danos morais do recorrente, importa considerar o seguinte:

                47. A tal título, o recorrente peticionou, em primeiro lugar, 30.000,00 € pelo medo de morrer experimentado durante o acidente e dias de internamento que lhe seguiram.

                48. Consta dos factos assentes ns. 6. 7. 8. 20. 21. 22. e 38. que o recorrente sentiu medo de morrer ao perder o controlo do motociclo, embatendo no lancil de um passeio, sendo projetado com violência  brutal contra um gradeamento, sentido a coluna a quebrar-se e a vida a escapar, nesse momento. E de tais factos consta que o medo de morrer se manteve no mês que se seguiu ao acidente, enquanto o recorrente era sujeito a diversas intervenções cirúrgicas, respiração artificialmente assistida e, até, coma induzido.

                49. Este é um dano moral que tem vindo, de modo inequívoco, a merecer a tutela dos nossos tribunais superiores e o valor peticionado a este título está de acordo com a seguinte prática jurisprudencial em casos semelhantes: Ac. STJ de 12-03-2009, Processo n.º 611/09-3.ª (20.000,00 €, tendo presente que o sofrimento da vítima entre o acidente e o momento do decesso se prolongou por 2dias); Ac. STJ de 14-05-2009, Revista n.º 1240/07TBVCT-6.ª (15.000,00 €); Ac. STJ de 21-05-2009, Revista n.º 114/04.8TBSVV.C1.S1-1.ª (15.000,00 €); Ac. STJ de 14-10-2009, Processo n.º 3452/08 -5.ª (20.000,00 €); Ac. STJ de 27-09-2011, Revista n.º 425/04.2TBCTB.C1.S1-6.ª (20.000,00 €) e Ac. STJ de 19-04-2012, Revista n.º 569/10.1TBVNG.P1.S1-2.ª (35.000,00 €).

                50. Também a título de danos morais, o recorrente peticionou a quantia de 200.000,00 €, pela matéria constante dos factos 29 a 33, e 38 a 51.

                51. De tal factualidade, resulta que o recorrente era pessoa com um nível de vida muito acima da média, era feliz, e realizado a nível profissional, pessoal, social e familiar. E isto, na medida em que, como é sabido e aceite, a situação sócio - económica do lesado é um elemento essencial na determinação do quantum indemnizatório cuja função compensatória se mede pela dimensão do que é perdido pelo lesado (obviamente, tanto maior quanto melhor a qualidade de vida).

                52. E de tal factualidade resulta, também, um conjunto inconcebível de consequências brutais e dramáticas, que se traduziram num volte face atroz na vida do recorrente e na destruição de todo o seu projeto de vida. A gravidade de cada um dos danos é absolutamente devastadora em cada um dos domínios em que se alicerçava a qualidade de vida do recorrente.

                53. À luz da jurisprudência em casos semelhantes ao dos autos, o valor peticionado é razoável: no acórdão do STJ, de 16.2.2012, Proc. 1043/03.8TBMCN.P1.S1, entendeu-se equitativo o valor de 200.000,00 €; no Ac. do STJ, de 2.3.2011, proferido no P. 1639/03.8 TBBNV.L1, considerou-se justo atribuir uma indemnização de € 400 000 por danos morais a jovem, tetraplégica, com 19 anos de idade; finalmente, no Ac. STJ de 26.5.2009, Proc. 3413/03.2TBVCT.S1, atribuída indemnização por danos morais no valor de 200.000,00 €.

                54. O que antecede demonstra, à saciedade, que à luz dos factos dados como provados, e da jurisprudência em casos análogos, o valor peticionado a título de danos morais é equitativo e situa-se na média dos valores arbitrados em tais casos.

                55. Pelo que deve a recorrida ser condenada no pagamento ao recorrente de uma indemnização de 200.000,00 €, pelos danos morais ora descritos, a que acrescem os referidos 30.000,00 € (pelo medo de morrer), o que totaliza 230.000,00 €.

                56. Como resulta dos factos dados como provados, considerou-se assente que:

                - Em consequência das lesões sofridas pelo assistente, foi necessário proceder a obras de adaptação, da casa onde vivia, às suas concretas exigências de mobilidade, as quais foram orçamentadas em 62.805,88 € (facto 36);

                - E será necessária a instalação de plataforma elevatória para cadeira de rodas, orçamentada em 7.978,00 € (facto 37).

                57. De resto, deu-se ainda como provado que o recorrente recebeu da demandante, para fazer face a tais despesas, a quantia de 5.400,00 €, a título de subsídio por elevada incapacidade (facto 57. b)), e recebe anualmente, para o seu sustento, também da demandante, uma pensão vitalícia de 9.800,00 € (facto 57. a)), e uma prestação mensal suplementar para auxílio de terceira pessoa, no valor de 450,00 €.

                58. Pelo que é manifesto que não obstante a necessidade de tais obras o recorrente não tem meios para as pagar, mesmo descontados os valores para tal recebidos no âmbito do processo que correu termos no tribunal de trabalho (5.400,00 €), e, passados SETE anos sobre a data do acidente, as obras continuam a ser necessárias, e continuam por fazer, por impossibilidade financeira do recorrente.

                59. E enquanto tal dano vai sendo suportado, com dores, dificuldades e desespero acrescidos sofridos pelo recorrente, há, do outro lado, enriquecimento da seguradora enquanto rentabiliza o dinheiro que devia servir para atenuar o sofrimento do recorrente.

                60. Nesta sede, é assim manifesto o erro de julgamento, pois ao dar-se como provada a necessidade de obras, o seu valor, e bem assim a insuficiência dos montantes recebidos (para as obras em causa e para o próprio sustento do recorrente) para fazer face a tais despesas, impunha-se a condenação da demandada, nos termos do disposto nos arts. 483º e 562º do CC, no pagamento do valor dos dois orçamentos, após desconto do valor já recebido a tal título.

                61. O entendimento de que alguém numa situação de absoluta necessidade e precariedade tem de suportar as despesas para obter a condenação de quem está obrigado a suportá-las, parece-nos, na melhor das hipóteses, antijurídico (por violação dos citados artigos) e caucionador de um inaceitável benefício do infrator. Neste sentido, aliás, a título meramente exemplificativo, no Ac. STJ de 24.4.2012, no Proc. 3075/05.2TBPBL.C1.S2.

                62. Pelo que deve a demandada ser condenada no pagamento ao recorrente das quantias de 62.805,88 € (facto 36) e 7.978,00 € (facto 37), sem prejuízo de a tais montantes ser descontado o valor de 5.400,00 € já recebido nos autos emergentes de acidente de trabalho, o que totaliza o montante de 65.383,88 €, ao qual acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

                63. Uma última menção é devida, e respeita ao disposto nos arts. 494º e 496º, nº 3, do CC: ao abrigo do disposto no art.º 349º do CC, é de entender que a demandada possui amplos recursos financeiros, não carecendo, pois, de ser limitada a indemnização por insuficiência económica daquela.

                64. Por outro lado, não obstante a presunção de inocência ter afastado o dolo, certo é que os factos provados ns. 1. a 6. (em especial os factos ns. 3. e 5.) apontam para uma muito grave violação do dever de cuidado a que o arguido estava obrigado, cujas terríveis consequências estão à vista, e que afasta qualquer veleidade de limitação do valor da indemnização.

                Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso».

                1.7.2. A demandada AXA (fls. 2663 e segs.):

            «I. Mesmo com os factos dados como provados, o Tribunal não poderia ter efetuado o juízo que efetuou quanto à culpabilidade na produção do acidente, porque esse juízo desconsidera por completo a conduta estradal (a culpa) do assistente, tornando-a indiferente do resultado;

                II. Parece à Recorrente que, mesmo não tendo sido apuradas as razões pelas quais os veículos circulavam "lado a lado", o Tribunal não poderia deixar de considerar que o dever do condutor de uma viatura que circulava na faixa da direita atrás da linha (imaginariamente) traçada perpendicularmente à via na continuidade da linha traseira do veículo que circulava na faixa da esquerda é o dever de evitar ultrapassar essa linha (imaginária); ou, dito de forma mais simples e transposta para o caso dos autos, que a circulação do motociclo dos [?] envolve o dever de evitar a ultrapassagem ou o dever de evitar "ficar lado a lado" com o veículo automóvel;

                III. Na opinião da Recorrente, não está minimamente demonstrado nos autos que o assistente não pudesse, apesar da surpresa, ter evitado guinar o motociclo para a direita e perder respetivo controlo, nomeadamente travando ou chegando-se à sua direita sem guinar o motociclo;

                IV. Com efeito, a manobra de evasão deve ser adequada a evitar um resultado ou inevitável perante um perigo;

                V. No caso em concreto, não se verifica nenhum dessas condições;

                VI. Assim, mesmo com a matéria dada como provada, não será possível ignorar que o assistente violou o disposto no artigo 14º e no nº2 do artigo 18º do Código da Estrada, assim contribuindo para o fatídico acidente;
VII. Ainda que assim não se entenda, o tribunal deverá fazer apelo às regras sobre a responsabilidade pelo risco, em particular o disposto no artigo 503º, considerando que no caso concreto, os "riscos próprios" de uma motorizada são, inevitavelmente, superiores aos de uma viatura automóvel na medida em que, não havendo colisão entre os veículos, os danos decorrem, necessariamente, da perigosidade estradal da viatura em causa;
VIII. Ao entender diversamente, o Tribunal Recorrido violou o disposto nos artigos 14º e no nº2 do artigo 18º do Código da Estrada e artigos 503º e 570º do Código Civil;
IX. Assim, deve o Acórdão em crise ser revogado no sentido de, quanto à repartição de culpa, ser atribuída pelo menos em 1/3 ao assistente, assim se reduzindo proporcionalmente todas as indemnizações arbitradas a pagar pela Demandada, ora Recorrente;
X. A revogação parcial da decisão da primeira instância quanto ao dano patrimonial futuro do lesado assenta no pressuposto, absolutamente indemonstrado, de que naquela decisão se havia ponderado, apenas, o tempo a decorrer até ao termo da vida ativa do lesado;
XI. A Recorrente não consegue vislumbrar - nem no Acórdão em crise se procurou evidenciar, de resto - quais as razões que terão levado o Tribunal Recorrido a essa conclusão, tudo parecendo ser de molde a concluir que o terá feito por "intuição";
XII. Nada há, na decisão de primeira instância, que permita que Tribunal Recorrido intua o que intuiu sobre aquela; pelo contrário, resulta expressamente do seu texto que o tribunal Recorrido atendeu à esperança média de vida (Sentença, 4ª linha da página 31);
XIII. Inexiste, a este título, qualquer razão para alterar o montante arbitrado pela sentença de primeira instância, sendo a decisão Recorrida absolutamente carecida de fundamentação, inadmissível e incompreensível nessa parte;
XIV. Por outro lado que a Decisão Recorrida padece de manifesta contradição interna, na medida em que não é possível afirmar-se, como se afirma no Acórdão em crise, que "O lesado auferia também um rendimento anual como profissional liberal, que previsivelmente iria continuar a receber muito para além da idade da reforma, ainda que de valor mais reduzido em resultado da menor capacidade de trabalho decorrente da idade." (destaque nosso) e depois ignorar esse facto - que decorre da experiência das coisas - ao considerar previsível que o lesado continuaria a auferir aquele rendimento enquanto profissional liberal até aos 75 anos ("e aqueles que, para além desse período e até ao limite da esperança média de vida (75 anos) podia continuar a receber enquanto profissional liberal (41.386€)" diz-se no Acórdão Recorrido - página 33);
XV. A Recorrente não sabe - porque no Acórdão em crise não se procurou que soubesse - qual a medida da contribuição da quantia que o lesado "podia continuar a receber enquanto profissional liberal (41.386€)" depois dos 65 e até aos 75 anos; mas, na lógica do Acórdão Recorrido, é de presumir que esse - na ausência de outros - foi o único critério que presidiu à alteração do julgado;
XVI. O próprio Acórdão admite, desde logo, que o lesado  "podia continuar a receber enquanto profissional liberal" (destaque nosso), ie, tem pejo em afirmar que o lesado continuaria, "previsivelmente" (artigo 564º do Código Civil), a auferir essa quantia até aos seus 75 anos e deu por bom - na pura lógica das coisas, baseado em saber de experiência feito que nunca poderia ser ignorado pelo Tribunal da Relação de Lisboa - que o lesado, por certo, iria sofrer uma diminuição nos seus ganhos, no futuro, "em resultado da menor capacidade de trabalho decorrente da idade.";
XVII. Se o tribunal recorrido dá por adquirido que o lesado iria deixar de auferir as quantias que auferia enquanto trabalhador dependente ("considerando o rendimento líquido anual auferido pelo lesado durante o seu período de vida ativa (rendimentos por conta de outrem no valor anual de 12670€ e 41.386€ como profissional liberal) e aqueles que, para além desse período e até ao limite da esperança média de vida (75 anos) podia continuar a receber enquanto profissional liberal (41.386€),", diz-se no Acórdão Recorrido) e, por outro lado, que o lesado poderia continuar a auferir quantias enquanto profissional liberal mas que estas decresceriam, por certo, "em resultado da menor capacidade de trabalho decorrente da idade.", mister é concluir que a revogação da Sentença de 1ª instância sofre, nessa parte, de contradição insanável, requerendo urgente correção por este Supremo Tribunal;
XVIII. Em qualquer caso, a Recorrente entende que a quantia arbitrada em primeira instância, a esse título, é manifestamente desadequada à realidade dos autos e à Jurisprudência de casos semelhantes, pois que, mesmo considerando o rendimento líquido auferido pelo Demandante é possível obter cálculos matemáticos (por exemplo, os usados na esteira do Acórdão da Relação de Coimbra de 4 de Abril de 1995) que levam a indemnizações por perda da capacidade de ganho na ordem dos 390.000€, a que haverá que descontar uma quantia não entre 1/4 e 1/3 do valor obtido, alcançando-se assim um valor indemnizatório líquido na entre os 260.000€ e os 292.000€, mais consentâneos com a tradição jurisprudencial nacional;
XIX. Ao entender diversamente, o Acórdão Recorrido viola o disposto nos artigos 562º e 564º do Código Civil;
XX. A questão da indemnização por dependência de terceira pessoa convoca, necessariamente, a aplicação do artigo 564º do Código Civil, devendo constar da decisão Recorrida a fundamentação jurídica que permita à Recorrida compreender por que razão o Tribunal da Relação entende aplicável aquele dispositivo legal, isto é, por que razão entende, em primeiro lugar, que o dano é previsível e, em segundo lugar, por que razão entende que o mesmo é determinável;
XXI. O Acórdão em crise não explicita nenhuma dessas razões de forma capaz, sendo, por isso, nula (CPC, alínea d) do nº 1 do artigo 668º), sob pena de a mera referência a um dispositivo legal ser equivalida, para efeitos de validade da sentença, à apreciação das matérias sob juízo;
XXII. No caso em concreto, o Tribunal da Relação era chamado a pronunciar-se sobre se a necessidade de terceira pessoa equivalia a um dano patrimonial futuro autonomamente indemnizável, porque previsível; e, na afirmativa, se este dano era determinável, tendo o tribunal omitido tal pronúncia, limitando-se a referir, por um lado, que o Recorrente não impugnou os factos acima reproduzidos (25 e 32 da matéria dada como provada) e, por outro, que a Recorrente já aceitou pagar ao lesado tal indemnização no âmbito do processo por acidente de trabalho e reconheceu que a mesma é devida na sua contestação, sendo nesse ponto incompreensível a sua pretensão";
XXIII. A primeira consideração é errada porque, salvo melhor opinião, o facto de a Recorrente aceitar o julgamento da matéria de facto (25 e 32 da matéria dada como provada) nada diz quanto à circunstância - e era essa circunstância que a Recorrida trazia a juízo no Recurso e que o Tribunal da Relação optou por não analisar - de a necessidade de terceira pessoa equivaler a um dano futuro indemnizável;
XXIV. O que está em questão é um direito de natureza patrimonial: e, por isso, o lesado tinha de ter demonstrado - e não o fez - que essa necessidade implicava um empobrecimento da sua parte, ie, que a comparação da sua situação patrimonial posterior ao acidente com a situação patrimonial anterior ao acidente se iria degradar em virtude dessa nova necessidade;
XXV. Esse facto é constitutivo do direito e, por isso, o ónus da prova sobre essa matéria incumbia ao lesado, que o omitiu;
XXVI. Mas mesmo que assim não se entendesse, sempre cumpriria ao Tribunal Recorrido fundamentar a sua decisão no sentido de o dano não ser indeterminável, na medida em que, sendo-o (como a AXA entende que é), a sua fixação deve ser relegada para decisão ulterior.
XXVII. Ora, salvo melhor opinião, não há nos autos qualquer elemento que permita ao Julgador apurar o quantum do dano em questão. Também esse facto é constitutivo do direito e, por isso, o ónus da prova sobre essa matéria incumbia ao lesado, que o omitiu;
XXVIII. Ao não se pronunciar sobre as questões supra, o Acórdão em crise é nulo, por falta de fundamentação e nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC; e viola o disposto nos artigos 342º, 562º e 564º do Código Civil;
XXIX. Para a eventualidade de se entender que o recurso sobre esta matéria não é admissível em virtude da dupla conforme, a Recorrente invoca em seu benefício o Acórdão STJ de 20.10.2011;
XXX. A Recorrente entendia, e continua a entender, que a indemnização arbitrada à Demandante não é devida, por falta de fundamento legal, já que a Demandante é um terceiro relativamente à lesão, louvando-se em decisões no mesmo sentido desse STJ;
XXXI. Nos autos, nada há que permita concluir como ligeiramente se concluiu no Acórdão em crise, pelo que o mesmo deve ser revogado e substituído por um outro que considere e pondere, além do mais e do supra referido, a relevância de o casal em causa se ter separado 2 anos após o acidente;
XXXII. Assim, não é minimamente comparável a situação dos autos como uma situação em que os assistentes continuassem a partilhar a vida conjugal;
XXXIII. Para a eventualidade de se entender que o recurso sobre esta matéria não é admissível em virtude da dupla conforme, a Recorrente invoca em seu benefício a Jurisprudência atrás citada, referindo que se trata de matéria em que está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;  e estão em causa interesses de particular relevância social;
XXXIV. A relevância jurídica da questão da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais do cônjuge vítima de acidente de viação é patente; e a intervenção estabilizadora do Supremo Tribunal de Justiça é aconselhada pela incerteza jurídica atual;
XXXV. Ao entender diversamente, o Tribunal Recorrido violou o disposto no artigo 496º do Código Civil:
XXXVI. No que concerne aos danos não patrimoniais sofridos pelo Demandante, o Tribunal Recorrido entendeu declarar procedente o Recurso interposto pelo Demandante e elevar a quantia arbitrada a esse título de 100.000€ para 170.000€, no que a Recorrente não se conforma, quando é certo que a Recorrente se havia conformado com o montante arbitrado em 1ª instância.
XXXVII. Sem colocar minimamente em causa o sofrimento sofrido pelo Autor - posição, aliás, que determinou que a Recorrente não interpusesse recurso da decisão nessa parte - crê-se que no Acórdão Recorrido se desrespeitou ao imperativo de equidade traçado pelo artigo 496º do Código Civil e que recomenda, de forma inequívoca, alguma uniformidade das decisões proferidas em casos semelhantes e, no caso concreto, a manutenção da decisão de 1ª instância.
XXXVIII. Ao entender diversamente, o Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 496º do Código Civil».

            1.7.3. Recebidos os recursos, os Demandantes, na oportunidade conferida pelos arts. 411º, nº 6 e 413º, ambos do CPP, responderam à motivação da Demandada e concluíram que (fls. 2738 e segs.):

            «1. Sob a veste de impugnação do acórdão da Relação quanto a matéria de direito – grau de culpa de cada um dos condutores – pretende a recorrente, na realidade, que esse Supremo Tribunal dê como provado um facto: o recorrido ultrapassou o arguido pela direita.

                2. Para tanto, a recorrente não alega qualquer erro na apreciação das provas, e muito menos um erro que tenha subjacente uma violação de disposição expressa que a lei exija para a prova de tal facto (ao invés do que lhe é exigido pelo art.º 674º, nº 3, do CPC). Pelo que, à luz do disposto no art.º 434º do CPP, tal pretensão cai fora do âmbito dos poderes de cognição desse Supremo Tribunal.

                3. De todo o modo, tal pretensão nem se mostra alicerçada em qualquer meio probatório, mas, tão-só, em extrapolações sem qualquer suporte factual.

                4. Ora, com base EM PROVA PRODUZIDA, a primeira e segunda instâncias entenderam que, em primeiro lugar, foi dado como provado (facto 4) que “decorridos alguns instantes, o assistente desistiu então de efetuar a ultrapassagem ao carro conduzido pelo arguido e mudou para a faixa mais à direita onde permaneceu”. E, por ambas as instâncias, foi dado como não provado (alínea M) que “o assistente quis ultrapassar o arguido pela direita”.

                5. Vem, pois, agora, a recorrente, numa sede em que apenas é admitido o exame sobre os fundamentos de direito da decisão recorrida, tentar alcançar aquele resultado que não alcançou na sede própria e que a lei processual agora lhe veda. E fá-lo, aliás, sem invocar meios probatórios mas, tão-só, com base em extrapolações conclusivas

                6. Ora, contrariamente ao pretendido pela recorrente, o facto de os veículos terem circulado lado a lado é, desde logo, insuficiente para daí se concluir pela existência de uma ultrapassagem.

                7. E, em face daquela factualidade dada como provada e como não provada, tal facto é, em qualquer caso, irrelevante pois que as duas instâncias entenderam, unanimemente, não ter existido ultrapassagem pela direita.

                8. A pretensão da recorrente é, finalmente, inconcebível pois pressupõe que se dê simultaneamente como provado que o recorrido desistiu de ultrapassar, como não provado que o recorrido ultrapassou pela direita e como provado que ultrapassou pela direita. Ou seja, a recorrente pretende que o mesmo facto seja simultaneamente considerado como provado e não provado e que seja dado como provado o facto e o seu contrário.

                9. Em qualquer caso, sobre a recorrente impendia o ónus da prova de que o lesado agiu com culpa, por força da presunção legal de culpa estatuída pelo art.º 503º, nº 3, do CC, que sobre si recai, e que não é afastada no pedido cível enxertado na ação penal. Não obstante, não carreou para os autos qualquer meio de prova no sentido de que o motociclo aumentou a velocidade em relação ao veículo conduzido pelo arguido, vindo apenas, em sede de recurso, tentar extrair tal conclusão apenas porque não ficou provado o motivo pelo qual os veículos passaram a circular lado a lado. O que de modo algum nos parece ser consentâneo com o disposto no art.º 342º do CC.

                10. E o simples facto de, por hipótese, o motociclo do assistente ter ficado lado a lado com o automóvel conduzido pelo arguido não significa que tenha existido qualquer intenção de ultrapassar, mas, tão-só, a observância da exigência de circulação pela direita, prevista pelo arts. 13º, nº 1, e 14º, nº 1, do Código da Estrada.

                11. Da aplicação conjugada dos arts. 14º, 15º e 42º, do CE, temos que dentro de localidade, existindo duas faixas de rodagem, o veículo que circula mais à direita pode “ultrapassar” o que circule pela esquerda, sem que tal manobra configure uma infração.

                12. Ora, é preciso não esquecer que atendendo à presunção legal de culpa que sobre si recai, é sobre a recorrente que impende o ónus de provar que existiu culpa do lesado, o que, na circunstância, equivale a dizer que era a recorrente que tinha de provar que a ter existido uma manobra de ultrapassagem pela direita por parte do recorrido, tal manobra foi ilegal e, ainda, determinante para a produção do dano.

                13. Ou seja, para além de demonstrar que existiu uma ultrapassagem pela direita, tinha a recorrente que provar que tal manobra ocorreu fora de uma localidade. E a própria recorrente produziu prova no sentido de que a manobra que alega ter sido executada pelo recorrido, por ocorrer dentro de localidade, não seria considerada “ultrapassagem”, e muito menos ilegal, por força do disposto no art.º 42º do Código da Estrada.

                14. E sempre se dirá, que numa hipótese uma vez mais académica e em caso algum admitida, a culpa do recorrido sempre seria muito inferior à do arguido, pois dos factos resulta que o recorrido se encostou à direita e o acidente não ocorreria se não tivesse o arguido invadido bruscamente e sem sinalização prévia a faixa onde circulava -o recorrido, que perdeu o controlo do motociclo ao tentar evitar ser abalroado e esmagado pelo arguido. Em termos tais que, caso vingasse a peregrina tese da recorrente, a culpa do recorrido não seria superior a 1%.

                15. A recorrente sugere ainda que culpa do recorrido sempre decorreria (independentemente de qualquer ultrapassagem pela direita) da inobservância de um não tipificado “dever de evitar ficar lado a lado”, cuja violação implicaria uma presunção iuris tantum de culpa do recorrido.

                16. Ora, o recorrido não foi arguido em qualquer processo de contra-ordenação com tal fundamento. E seria essa a sede para discutir a prática, ou não, de uma tal infração, à luz, nomeadamente, da presunção de inocência que em tal sede assistiria ao ora recorrido. E, caso o recorrido tivesse, por decisão transitada em julgado, sido condenado, com tais fundamentos, após ter exercido o contraditório e não obstante a presunção de inocência, aí sim, julgamos que poderia a recorrente invocar uma presunção iuris tantum.

                17. Mas isso não aconteceu nem poderia nunca acontecer quanto ao dever de circular lado a lado, porquanto existe um princípio, que por ora ainda norteia o processo crime e, também, o ilícito de mera ordenação social (veja-se o disposto no art.º 2º do DL 433/82, de 27.10), que é o princípio da legalidade, na vertente do nullum crimen nulla poena sine lege.

                18. E, para além de aberrante e potencialmente perigoso em situação real, este “dever de circular lado a lado” sempre estaria excluído pelo disposto nos arts. 14º e 42º do Código da Estrada, que, como vimos, têm plena aplicação no presente caso, em face dos factos provados.

                19. Finalmente, a presunção iuris tantum que da violação (quando não condenação em processo contra-ordenacional) desse mirífico dever resultaria, sempre estaria elidida pela circunstância de se ter dado como não provado o motivo pelo qual os veículos se encontraram lado a lado e como provado que o recorrido desistiu de ultrapassar, se encostou à direita, e o arguido invadiu, de forma brusca e não sinalizada, a totalidade da faixa da direita, cortando o sentido da marcha do motociclo de modo adequado a abalroá-lo e provocando o despiste deste.

                20. Uma vez mais com total tábua rasa dos limites ao poder cognitivo do Supremo Tribunal de Justiça, e, sem invocar qualquer violação de disposição legal relativa à prova exigida para a determinação de existência daquele facto, pretende a recorrente que o Supremo Tribunal considere como não provado que “que o assistente não pudesse, apesar da surpresa, ter evitado guinar o motociclo para a direita e perder o respetivo controlo, nomeadamente travando ou chegando-se à sua direita sem guinar o motociclo.”

                21. Para além de tal pretensão violar o disposto no art.º 434º do CPP, não podendo, consequentemente, ser apreciada, cabia à recorrente, à luz do disposto no art.º 342º, do CC, alegar os factos concretos, extintivos do direito do recorrido, no sentido de que este poderia ter evitado o despiste. O que a recorrente não fez.

                22. Pelo contrário, o recorrido fez a prova que lhe cabia: perdeu o controlo do motociclo na sequência da invasão, repentina e não sinalizada, pelo arguido, da faixa de rodagem onde circulava o recorrente, quando ambos se encontravam lado a lado, a cerca de 50 km/h (cfr. factos 2., 5. e 6.).

                23. Sobre o recorrido não recaía qualquer ónus de provar o facto, negativo, de que não poderia ter evitado o despiste. E, diga-se, dos factos 5º e 6º, dados como provados, sempre resulta evidente que o recorrido não poderia ter evitado o acidente.

                24. Pelo que, em face das referidas regras sobre repartição do ónus da prova e, também, da referida factualidade dada como provada, não pode o Supremo Tribunal de Justiça entender que o recorrido é (parcialmente) responsável pelo acidente por não se ter demonstrado que o não poderia ter evitado.

                25. Por outro lado, a recorrente não esclarece, de todo, quais sejam os “riscos próprios do motociclo”, e muito menos em que medida os mesmos concorreram para a produção do acidente e dos danos sofridos pelo recorrido.

                26. O que os factos demonstram, de modo inequívoco, é que o recorrido praticou uma condução segura e defensiva, a partir do momento em que desistiu de ultrapassar e que os danos por este sofridos resultaram exclusivamente de uma manobra ilícita por parte do arguido e não, por exemplo, de qualquer aceleração repentina ou perda de equilíbrio fortuita do motociclo (aí sim, poderíamos falar de acidente causado por um risco próprio da potência e da estrutura do motociclo). Nada nesse sentido foi sequer alegado e muito menos resultou da prova produzida.

                27. A recorrente tenta reescrever a história do acidente, numa fase em que nem sequer é permitida a reapreciação da prova e da matéria de facto, sem qualquer suporte factual ou probatório, “esquecendo-se”, aliás, que da prova produzida haveria suficientes motivos para qualificar como dolosa a conduta do arguido, sem necessidade, em qualquer caso de se entrar em efabulações como a ultrapassagem pela direita, o dever de circular lado a lado ou, ainda, os riscos próprios do motociclo.

                28. Quanto ao montante indemnizatório, não há qualquer erro de julgamento na revogação da sentença de primeira instância, apesar do mérito do arrazoado nela descrito, porquanto o resultado final ali alcançado se mostra em contradição com tal arrazoado: tudo aponta, de facto, para que o tribunal de primeira instância não tenha tido em consideração a esperança média de vida, não obstante ter-se aí afirmado que a mesma era considerada.

                29. Por outro lado, o acórdão da Relação de Lisboa não padece de qualquer contradição – muito menos insanável – porquanto aí claramente se pretendeu afirmar que os vencimentos auferidos pelo recorrido, globalmente considerados (na qualidade de trabalhador dependente e profissional liberal), estariam sujeitos a decréscimo com o aumento da idade, por via do qual o recorrido iria manter um rendimento de valor semelhante ao auferido apenas enquanto profissional liberal.

                30. Sempre se reitera, em qualquer caso, o que, sobre esta matéria, já ficou dito em sede de alegações de recurso do ora recorrido no sentido de que não é de proceder à redução de 126.700,00 € a que a Relação procedeu, desconsiderando o valor dos rendimentos por conta de outrem no período compreendido entre os 65 e os 75 anos de vida do recorrente.

                31. Finalmente, os valores entre os 260.000,00 € e os 292.000,00 €, para os quais a recorrente pretende ver reduzida a indemnização arbitrada a título de perda de capacidade de ganho, não têm qualquer suporte nos elementos fatuais do caso concreto e que são, aliás, objetivos: 90% de incapacidade, esperança média de vida de 19 anos, 9 anos de esperança de vida ativa, rendimentos anuais por conta de outrem de 12.670,00 €, e rendimentos anuais, como profissional liberal, de 41.386,00 €.

                32. Dando por reproduzido o teor do capítulo II) das suas alegações de recurso, mostra-se aí amplamente justificado o total desfasamento do valor miserabilista proposto pela recorrente, em face da factualidade assente e da mais recente jurisprudência desse Supremo Tribunal em casos semelhantes, que impõem, no presente caso, uma indemnização por perda de capacidade de ganho não inferior a 891.282,04 €

                33. Quanto ao valor arbitrado a título de ajuda de terceira pessoa, em face da factualidade constante dos pontos 25º, 32º e 39º da matéria assente, mostra-se cabalmente demonstrada a previsibilidade do dano.

                34. Pelo que, nesse primeiro ponto, o acórdão recorrido não padece de qualquer erro, e, muito menos de nulidade por falta de fundamento, pois que este – com o qual a recorrente pode não concordar – existe e mostra-se bem explicitado no excerto transcrito pela própria recorrente.

                35. É incompreensível que a recorrente discorde do facto de essa terceira pessoa ter de ser remunerada. Isto, na medida em que o tempo da escravatura já acabou. À luz do disposto no art.º 6º do CC, a recorrente pode desconhecer, mas não se pode prevalecer do desconhecimento do disposto no art.º 59º, nº 1, al. a), da Lei Fundamental (todo o trabalhador tem direito a remuneração…), e no art.º 159º do Código Penal (escravidão).

                36. Em todo o caso, tendo em conta os factos 34º, 35º e 57º, dados como provados, o assistente, ora recorrido, em resultado das lesões sofridas teve uma perda de rendimentos anual na ordem dos 40.000 €, e não recebe rendimentos que lhe permitam pagar a terceira pessoa, pois a pensão anual apenas lhe permite, a custo, sobreviver.

                37. Motivo pelo qual, a prova de que o recorrido, de seu bolso, paga a terceira pessoa, era impossível, em termos tais, aliás, que a invocação de um tal argumento, quando não de mau de gosto, configura um manifesto abuso de direito na vertente de venire contra factum proprium.

                38. Tal prova, em todo o caso, por se referir a despesas futuras, não é exigível, bastando, à luz do disposto no art.º 564º, nº 2, do CC, a prova da sua previsibilidade.

                39. Por outro lado, à luz do que vem sendo defendido pela jurisprudência, que se dá por sintetizada no douto acórdão do STJ, 6ª Secção, de 9.9.2014, Proc. 654/07.7TBCBT.G1.S1 (em www.dgsi.pt), “o facto de serem familiares do lesado quem, conjunturalmente, presta a este a assistência tornada imprescindível apenas em consequência do acidente não justifica que aquele não deva ser indemnizado do correspondente dano, certo como é que, além do mais, aquela pode cessar a qualquer momento, quer por causas naturais (morte ou impossibilidade de quem a presta), quer por esmorecimento ou apagamento do inerente afecto e solidariedade familiar, repugnando, por outro lado, ao sentimento dominante da colectividade que, em tal situação, o lesado fique privado dos meios materiais que lhe permitam retribuir, minimamente, os serviços de que beneficia.”

                40. Vem ainda a recorrente invocar que “não há nos autos qualquer elemento que permita ao julgador apurar o quantum do dano em questão”.

                41. Ora, o montante de 100.000,00 € foi determinado, pela primeira instância, de acordo com critério que não foi posto em crise pela recorrente: “tendo por base a data da alta hospitalar, o valor do salário mínimo nacional x 14, e a esperança de média de vida do demandante considera-se justo e adequado fixar o valor devido, nesta sede, em 100.000,00 €, devendo descontar-se, caso o demandante venha a optar pela indemnização fixada na presente sentença, os valores que, por este mesmo dano já recebeu por via do acordo celebrado no Tribunal do Trabalho”.

                42. Na medida em que a recorrente não impugnou este ponto da sentença de primeira instância, o acórdão recorrido entendeu não merecer qualquer censura o critério ali seguido.

                43. Finalmente, a recorrente não justifica minimamente em que medida o modo de ressarcimento do mesmo dano (em prestações ou de uma só vez) possa influenciar o juízo sobre a respetiva previsibilidade e determinabilidade. E, de facto, a posição agora defendida pela recorrente vai totalmente contra aquilo que a mesma reconheceu nos arts. 15º, 22º e 37º da sua contestação, onde declarou que aceitou pagar, e paga, a ajuda com terceira pessoa, apenas recusando pagar duas vezes o mesmo dano, exigindo – o que o recorrido aceita, obviamente – que os valores pagos no âmbito do tribunal de trabalho sejam descontados no valor aqui arbitrado.

Tal posição acarreta, evidentemente, o reconhecimento de que a não existe a distinção que a recorrente pretende entre os fatos subjacentes aos dois valores.

                44. Pelo que nada há a apontar ao decidido por ambas as instâncias nesta matéria.

                45. Quanto à indemnização pelos danos morais sofridos pela demandante Carmen Lemos, a recorrente não impugna os factos relevantes dados como provados e não contesta o valor arbitrado, mas o direito ao mesmo.

                46. Ora, a indemnização deste tipo de dano é hoje aceite, na medida em que a sua gravidade o justifique, nos termos do disposto no art.º 496º, nº 1, do CC.

                47. Neste sentido, entre outros, o Ac. STJ de 8.9.2009, proferido nos autos nº  2733/06.9TBBCL.S1 – 6ª Secção (www.dgsi.pt), Ac. STJ de 26.5.2009, proferido nos autos nº 3413/03.2TBVCT.S1 – 1ª Secção (www.dgsi.pt), Acs. da Relação de Lisboa de 20.9.2012 (Proc. 285/06.9TCSNT.L1.2) e da Relação de Coimbra, de 22.1.2013 (Proc. 3/09.0TBOBR.C1), em www.dgsi.pt.

                48. Na doutrina, contra a posição defendida pela recorrente: VAZ SERRA (RLJ, ano 104.º, p. 14), RIBEIRO DE FARIA (Direito das Obrigações, vol. 1.º, p. 491, nota 2) AMÉRICO MARCELINO (Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 6.ª ed., p. 380) ABRANTES GERALDES, Temas da Responsabilidade Civil, II, pp. 9-90, e em “Ressarcibilidade dos danos não patrimoniais de terceiro em caso de lesão corporal”, em Estudos em Homenagem ao Prof Dr Inocêncio Galvão Teles, IV, 263 e ss, e o CONS. SOUSA DINIS (“Dano Corporal em acidentes de viação”, CJ, ano IX, tomo I, pp.11 e 12) sustentam a possibilidade de uma interpretação diversa.

                49. Finalmente, no sentido defendido pela recorrida, e num caso em tudo semelhante ao dos presentes autos, por esse Supremo Tribunal de Justiça foi proferido Ac. Uniformizador de Jurisprudência, em 16.1.2014, Proc. 6430/07.0TBBRG.S1 (em www.dgsi.pt), no sentido de que são indemnizáveis os danos morais da esposa que passou a viver, trise e amargurada, para o marido, vítima de acidente de viação, porquanto“ os artigos 483.º, n.º1 e 496.º, n.º1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.”

                50. Pelo que nada há a apontar, também aqui, à douta decisão recorrida.

                51. Finalmente, a recorrente insurge-se contra a elevação do valor arbitrado pela primeira instância a título de danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido, de 100.000,00 €, para 170.000,00 €.

                52. A recorrente não se insurgiu contra o valor arbitrado pela primeira instância, mas, pretende, agora, que o valor de 170.000,00 €, arbitrado pela Relação de Lisboa, viola o imperativo de equidade previsto pelo art.º 496º do CC.

                53. A discordância da recorrente quanto a este último valor é meramente sumária, não nos sendo fornecido qualquer justificação ou motivo pelo qual a mesma entende que tal valor é exagerado. Nessa medida, o recorrido remete para o capítulo III) das suas alegações de revista – cujo teor dá por reproduzido – e onde se mostra, em seu entender, plenamente demonstrada a equidade do pedido formulado, a título de danos morais, no total de 230.000,00 €.

                54. Pelo que nada há a apontar, também aqui, à douta decisão recorrida.

                Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela demanda AXA Portugal, S.A.».

         1.8. A Senhora Procuradora-geral Adjunta do Supremo Tribunal de Justiça teve vista no processo.

           

            Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

            2. É do seguinte teor a decisão sobre a matéria de facto tal como fixada no acórdão do Tribunal da Relação (fls. 2451 e segs.):

            a) Factos julgados provados

            «1. No dia 7.7.2008, entre as 9h e as 9h20m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 31-AL-81 pela Avenida Marginal, no sentido Estoril/Cascais, sentido este que tem duas faixas de trânsito, seguindo na faixa mais à esquerda, atento o seu sentido de marcha;

                2. Em iguais circunstâncias de tempo e de lugar, seguia, imediatamente atrás do arguido, o assistente Henrique Maria de Oliveira Brando Albino, ao volante do motociclo Yamaha 600 de matrícula 98-AC-02, a cerca de 50 km/h;

                3. Ao chegar ao Monte Estoril, encontrando-se a via mais à direita desimpedida e pretendendo ultrapassar o veículo conduzido pelo arguido, o assistente efetuou avisos luminosos e sonoros, que o arguido ignorou, não tendo cedido a passagem ao motociclo conduzido pelo assistente;

                4. Decorridos alguns instantes, o assistente desistiu então de efetuar a ultrapassagem ao carro conduzido pelo arguido e mudou para a faixa mais à direita, onde permaneceu;

                5. Por motivos não apurados, instantes depois, os dois veículos ficaram lado a lado, momento em que, sem que nada o fizesse prever, o arguido, sem previamente se certificar que a via à sua direita se encontrava desimpedida e sem acionar o sinal luminoso de mudança de direção, mudou para a faixa da direita, na qual se encontrava o motociclo conduzido pelo assistente;

                6. Surpreendido pela manobra do arguido, o assistente tentou desviar o motociclo que conduzia, guinando-o para a direita, em consequência do que perdeu o controlo do mesmo, tendo o motociclo embatido no lancil do passeio da berma e tendo, o corpo do assistente, sido projetado contra as grades de proteção de peões ali existentes;

                7. Em consequência do que o assistente sofreu traumatismo vertebro-medular com fratura do corpo da 3ª vértebra dorsal e fissura do corpo da 6ª vértebra dorsal, fratura bilateral do colo da omoplata, fratura do 1°, 2°, 3° e 6° arcos costais direitos, contusão pulmonar à direita com derrame pleura) homo lateral, fratura completa do 4° metacarpo e fratura incompleta do 5° metacarpo, ambos da mão esquerda, lesão medular alta com paraplegia completa e compromisso dos esfíncteres, com possibilidade nula de recuperação total;

                8. Estas lesões determinaram um período de 358 dias de doença com incapacidade permanente para o trabalho habitual, tendo, a paraplegia delas resultante para o assistente, afetado de forma significativa as suas capacidades de trabalhar, de fruição sexual, de procriação e de utilização do seu corpo, tendo ficado dependente da utilização de uma cadeira de rodas para se deslocar e de terceira pessoa para assegurar, entre outras atividades da rotina diária, a sua higiene pessoal;

                9. Bem sabia o arguido que, pretendendo mudar para a faixa da direita, estava obrigado a assinalar essa manobra acionando a luz de mudança de direção, o que não fez;

                10. Bem sabia o arguido que, ao mudar para a via da direita sem se certificar, previamente, que aquela se encontrava desimpedida, poderia vir a embater noutros veículos que nela circulassem ou provocar acidente do qual resultassem feridos, conforme veio a suceder, resultado esse que, contudo, não previu nem quis;

                11. O arguido podia e devia ter verificado, antes de mudar para a faixa da direita, se aquela se encontrava desimpedida;

                12. Ainda assim, agiu como descrito, o que foi causa do acidente referido e, consequentemente, das lesões físicas sofridas pelo assistente;

                13. O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo agir em desconformidade com a lei;

                14.  O veículo AL, à data, era propriedade de "Progesed - Promoção e Gestão de Educação e Saúde, Lda", da qual o arguido era sócio gerente, e era por ele utilizado diaria e exclusivamente;

                15. A responsabilidade civil emergente de acidente de viação em que fosse interveniente o veículo AL havia sido transferida para a "Axa Portugal - Companhia de Seguros, SA";

                16. Nuno Castro, condutor que seguia ao volante de um veículo atrás do motociclo e que presenciou todo o acidente, constatando que o arguido não parara na sequência do mesmo, seguindo a sua marcha, seguiu atrás deste até à rotunda do "Jumbo" de Cascais, onde o trânsito os obrigou a parar;

                17. Aí, o referido Nuno Castro interpelou o arguido, alertando-o para o acidente que acabara de provocar;

                18. Tendo o arguido reagido com incredulidade e seguido o seu caminho;

                19. O assistente tinha 56 anos à data do acidente e era uma pessoa saudável;

                20. Em consequência do acidente descrito, o assistente foi assistido pelo INEM, tendo sido conduzido para a Urgência do Hospital de S. Francisco Xavier, onde ficou internado na Unidade de Cuidados Intensivos;

                21. Durante esse internamento (de 7.7.2008 até 11.8.2008), o assistente foi objeto de intubação oro-traqueal, ligado a prótese ventilatória e esteve em coma induzido, foi submetido a intervenção cirúrgica para fixação posterior com barras e parafusos transpediculares e a toracontese com drenagem bilateral de líquido sorohemático;

                22. A 11.8.2008, o assistente foi transferido para os Cuidados Intermédios do Hospital Egas Moniz, onde ficou até 9.9.2008;

                23. A 9.9.2008, o assistente foi transferido para o Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, onde ficou até 8.4.2009, data em que teve alta com prescrição para continuar, em ambulatório, o tratamento para treino das capacidades funcionais remanescentes (enfermagem, fisioterapia, terapia ocupacional);

                24. A 8.4.2009 (data da alta de Alcoitão), o assistente apresentava o quadro clínico de fls. 934 e foram-lhe prescritas as ajudas técnicas de fls. 935, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos;

                25. O assistente precisa da ajuda permanente de terceiro, uma vez que não consegue, entre outras ações, levantar-se, deitar-se, sentar-se na cadeira de rodas e sair dela, vestir-se e tratar da sua higiene pessoal sózinho;

                26. No Processo por Acidente de Trabalho que correu termos no Tribunal de Trabalho de Cascais, a incapacidade permanente do assistente foi fixada em 100%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual;

                27. Em consequência do descrito acidente, lesões e tratamentos, o assistente sofreu:

                a) período de défice funcional temporário total de 276 dias;

                b) período de défice funcional temporário parcial de 82 dias;

                c) repercussão temporária na atividade profissional total de 358 dias;

                28. A data de consolidação das lesões ocorreu a 30.6.2009 e o assistente apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 75 pontos;

                29. O assistente, à data, trabalhava como arquiteto e as sequelas que o mesmo atualmente apresenta são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, incompatíveis com o exercício da sua atividade profissional habitual;

                30. Em virtude do acidente, o assistente sofreu dores físicas e psíquicas de grau 6, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, e um dano estético permanente de grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;

                31. Mais sofreu o assistente, em consequência do acidente, prejuízo de afirmação pessoal de grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, e prejuízo sexual fixável no grau 6, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;

                32. O assistente depende de ajudas técnicas, de apoio permanente de terceira pessoa, de tratamentos médicos regulares e de ajudas medicamentosas, tudo conforme Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal realizado pelo INML, junto a fls. 1733 a 1744 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;

                33. Em consequência do acidente e lesões dele resultantes, o assistente sofre de perturbação de adaptação com reação depressiva prolongada, com consequências diretas e moderadas no funcionamento e autonomia pessoais (incluindo atividades lúdicas e de lazer), profissional e socio-familiar, o que acarreta incapacidade funcional permanente fixável em 15 pontos (cfr. Relatório de Perícia Psiquiátrica de fls. 1900 a 1908, aqui dado por reproduzido para todos os legais efeitos);

                34. Como trabalhador por conta de outrem, o assistente, à data do acidente, auferia a remuneração mensal ilíquida de € 1.000,00, acrescida de € 100,00 de subsídio de alimentação, a que correspondia € 905.00 mensais líquidos;

                35. E, como trabalhador independente, auferiu, em 2008, € 41.386,00;

                36. Em consequência das lesões sofridas, pelo assistente, foi necessário proceder a obras de adaptação da casa onde vivia às suas concretas exigências de mobilidade, as quais foram orçamentadas em € 62.805,88;

                37. E instalação de plataforma elevatória para cadeira de rodas, orçamentada em € 7.978,00;

                38.  Durante o acidente e nos dias que se lhe seguiram, o assistente sentiu dores muito intensas, angústia e teve medo de morrer;

                39. A paraplegia completa de que passou a padecer, retirou-lhe toda e qualquer sensibilidade da linha mamilar para baixo, tendo nomeadamente perdido controlo sobre os esfíncteres;

                40. Atualmente e em consequência das lesões sofridas e sequelas que apresenta, sofre de cefaleias, insónias, dores generalizadas, espasmos dos membros inferiores, cansaço e não tem qualquer tipo de atividade sexual;

                41. Antes do acidente sofrido, para além da arquitetura, o assistente trabalhava como modelo fotográfico senior;

                42. Em consequência da paraplegia completa que para ele resultou do acidente descrito, o assistente deixou de ser solicitado como modelo e perdeu autoestima;

                43. O assistente era, antes do acidente de que foi vítima, alegre, dinâmico e pessoa cheia de vida;

                44. Trabalhava como arquiteto e era um profissional dedicado, empenhado e competente;

                45. Fazia vela de cruzeiro como desporto nos tempos livres, viajava e convivia regularmente com os amigos;

                46. Depois do acidente e em consequência das lesões que deste para ele resultaram, passou a ser uma pessoa triste, amargurada, que se isola muito, deprimido e muito revoltado;

                47. Mais deixou de exercer arquitetura, por incapacidade física (desequilíbrio na execução nos programas informáticos específicos) e por dificuldade em, nomeadamente, fazer visita de obra;

                48. O que o entristece e lhe retirou realização profissional;

                49. À data do acidente, o assistente era casado com Maria del Carmen Fernandez Lemos e viviam com os dois filhos do casal;

                50. Em consequência do acidente e das lesões sofridas pelo assistente, o casal deixou de ter vida sexual ativa, o que desestabilizou emocionalmente a demandante e lhe causou desgosto, angústia e insatisfação;

                51. Em data não concretamente apurada do Verão de 2010, o assistente e a demandante Maria dei Carmen separaram-se um dooutro, tendo o assistente saído de casa, situação que se mantém na presente data;

                52. Em consequência do acidente de viação descrito, o "Instituto da Segurança Social, IP" pagou ao assistente, pelo período decorrido entre 7.7.2008 e 10.10.2008, a título de subsídio por doença, a quantia de € 1.949,40;

                53. À data do acidente, o arguido, médico, trabalhava como Delegado de Saúde em Cascais;

                54. É pessoa estimada por quem o conhece, reputado como sério e cumpridor dos seus deveres;

                55. Mais é reconhecido como médico competente, educado e generoso;

                56. Padece, atualmente, de doença degenerativa não concretamente identificada;

                57. No Processo por Acidente de Trabalho que correu termos no Tribunal de Trabalho de Cascais - n° 22/09.6TTCSC - a demandada Axa aceitou o acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre este e as lesões apuradas no exame médico nesse âmbito realizado e, em consequência, aceitou pagar as seguintes prestações ao assistente:

                a) uma pensão anual e vitalícia de € 9.800,00 desde o dia seguinte ao da alta definitiva, ocorrida a 30.6.2009;

                b) subsídio por elevada incapacidade permanente, no montante de € 5.400,00;

                c) uma prestação suplementar para auxílio de terceira pessoa no valor mensal de €450.00;

                58. Mais pagou equipamentos e tratamentos de reabilitação efetuados pelo assistente e € 9.072,56 de adaptação da residência do mesmo;

                59. Atualmente, os valores anuais pagos pela Axa ao assistente a título de pensão e de prestação suplementar para auxílio de terceira pessoa são, respetivamente, de € 10.041,57 e de € 6.650,00;

                60. O arguido não tem antecedentes criminais nem rodoviários».

            b) Factos julgados não provados:

            «A. Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 1 dos factos provados, o arguido ripostou, buzinando, aos sinais do assistente, o que fez numa atitude provocatória;

                B. O arguido virou bruscamente e de forma intencional o carro que conduzia para a faixa da direita;

                C. O arguido, percebendo que Nuno Castro vinha atrás de si, tentou fugir;

                D. O arguido agiu com dolo direto (cfr. art. 22 do pedido civil deduzido pelo assistente);

                E. O arguido não teve qualquer participação no acidente de que o assistente foi vítima;

                F. O arguido não se encontrava no local e hora referidos em 1 dos factos provados;

                G. O arguido chegou ao Centro de Saúde de Cascais, no dia 7.7.2008, às 9h30m;

                H. A 7.7.2008, no local e hora referidos em 1 dos factos provados, o trânsito fazia-se de forma lenta e com frequentes paragens;

                I. À data, decorriam obras no antigo Hotel Estoril Sol, com consequente condicionamento do trânsito;

                J. O acidente não se deveu a nenhuma conduta do arguido;

                L. O assistente não pediu passagem ao arguido nem efetuou, para esse fim, sinais sonoros;

                M. O assistente quis ultrapassar o arguido pela direita;

                N. O condutor Nuno Castro é falso e contraria a verdade;

                O. O condutor Nuno Castro, durante o seguimento que fez ao carro conduzido pelo arguido, perdeu o contacto visual com o mesmo;

                P. O carro conduzido pelo arguido não tinha danos compatíveis com o acidente;

                R. [tal como no original: omissão da letra “Q”] O assistente circulava a velocidade superior a 50 km/h».

            3. Objecto dos recursos

            Como decorre do disposto no nº 1 do artº 412º do CPP, são as conclusões que encerram a motivação que definem o objecto dos recursos interpostos.

            Analisando as conclusões da motivação de cada um dos Recorrentes, são as seguintes as questões por eles suscitadas:

            3.1. Pelo Demandante:

                        - autonomização e determinação da indemnização pelo dano biológico e a determinação da indemnização por perda de capacidade de ganho (conclusões 1 a 34);

                        - a incidência dos juros moratórios (conclusões 35 a 43);

                        - a determinação da indemnização por danos morais (conclusões 44 a 55);

                        - a exigibilidade e determinação da indemnização pela necessidade de realização de obras de adaptação na sua casa (conclusões 56 a 62)     

            3.2. Pela Demandada:

                        - a repartição de culpas na produção do acidente (conclusões I a IX);

                        - a determinação da indemnização por dano patrimonial futuro (conclusões X a XIX);

                        - a atribuição de indemnização por dependência de terceira pessoa (conclusões XX a XXIX);

                        - a indemnização atribuída à Demandante (conclusões XXX a XXXV);

                        - o montante da indemnização atribuída ao Demandante por danos não patrimoniais (conclusões XXXVI e segs.)

           

            4. Julgamento/fundamentação

            4.1. Questão Prévia: inadmissibilidade do segmento do recurso da Demandada na parte em que impugna a indemnização atribuída à Demandante

            Uma das questões submetidas ao exame do Supremo Tribunal de Justiça pela “AXA” é a da confirmação pelo Tribunal da Relação da indemnização de €10.000,00 atribuída à demandante Maria del Carmen por danos morais (conclusões XXX a XXXV).

            Em sua opinião, tal indemnização não é devida, por falta de fundamento legal (cfr. conclusão XXX).

            Mas alegou ainda, fls. 2661/2662, que, «para a eventualidade de se entender que o recurso sobre esta matéria não é admissível em virtude da dupla conforme, … invoca em seu benefício a Jurisprudência atrás citada, referindo que se trata de matéria em que está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; e estão em causa interesses de particular relevância social;… e a intervenção estabilizadora do Supremo Tribunal de Justiça é aconselhada pela incerteza jurídica actual».

            Para além daquela concreta impugnação, invocou, pois, os pressupostos da revista excepcional definidos nos arts. 671º, nº 3 e 672º, ambos do CPC actualmente em vigor, aplicáveis ao recurso do pedido civil deduzido em processo penal por força das disposições conjugadas dos arts. 400º, nºs 2 e 3, e 4º do CPP.

            A fls. 2763, o Relator proferiu o seguinte despacho, na parte que para agora interessa:

            «…

            1. Os demandantes Henrique Maria de Oliveira Brando Albino e Maria del Carmen           Fernandez Lemos deduziram, … contra a demandada “Axa Portugal – Companhia de Seguros, SA., pedidos de indemnização civil emergente de acidente de viação, de que o primeiro saiu gravemente ferido, em que

            a) o primeiro pediu, … e

            b) a segunda pediu, a título de danos morais, a indemnização de €50.000,00 (…).

            2. O tribunal do 3º Juízo Criminal da Comarca de Cascais, por sentença de 22.03.2013, decidiu, no que para agora interessa:

            2.1. …

            2.2. julgar parcialmente procedente o pedido civil deduzido pela Demandante e, em consequência, condenar a Demandada a pagar-lhe a quantia de €10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

            3. Desta sentença interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa o Demandante e a Demandada.

            Ao desta foi negado provimento;

            O do Demandante foi julgado parcialmente procedente;

            No mais, a sentença recorrida foi confirmada. O mesmo é dizer que foi confirmada a condenação da Demandada a pagar à demandante Maria del Carmen a quantia de €10.000,00, a titulo de danos morais (fls.2484).

            4. Deste acórdão recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça o Demandante e a Demandada (fls. 2549 e 2641)

            A Demandada impugna, além do mais,

            a) … ;

            b) a confirmação da sua condenação a pagar à Demandante aquela quantia de €10.000,00 (fls. 2661 e conclusão XXXIII, fls. 2669), também com o argumento, entre outros, do sentido da jurisprudência que citou e da relevância jurídica da questão e «a particular relevância social» dos interesses em causa, para a eventualidade de se entender não ser o recurso admissível em virtude da dupla conforme.

            Invoca, pois, substantivamente, os pressupostos da revista excepcional, um dos recursos previstos em matéria de processo civil e, como tal, definidos no respectivo Código, concretamente nos arts. 671º,            nº 3 e 672º, ambos do CPC actualmente em vigor[2] [Nota 1, no original].

            Ora bem.

            5. O caso em apreço é o de pedidos civis deduzidos, por força do princípio da adesão imposto pelo artº 71º do CPP, no processo penal aberto em consequência da prática do mesmo crime, por dois Demandantes contra a mesma Demandada.

                Nestes casos, coexistem, no mesmo processo, duas acções, em sentido material: uma penal, iniciada, em regra, com a abertura do inquérito; outra civil, cujo início coincide com a dedução dos pedidos, o equivalente à petição inicial.

            Interessa-nos, agora a segunda.

            Nos termos do nº 2 do artº 400º do CPP, introduzido pela Reforma de 1998 (Lei 59/98, de 25 de Agosto), o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

            Por sua vez, o nº 3 do mesmo artigo, introduzido pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, cortando com o princípio da adesão e com a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2002 dele derivada, veio estabelecer que, mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença/acórdão relativa à indemnização civil – preceito aqui aplicável, de acordo com a doutrina que emana do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2009, de 18.02.2009, publicado no DR, 1ª Série, de 19.03.2009, por o acórdão recorrido ter sido proferido na vigência daquela Reforma.

            O apelo a requisitos próprios do processo civil e à autonomização referidos vem sendo entendido, na sequência, de resto, dos trabalhos preparatórios daquela Reforma (de 2007), como tendo sido intenção do legislador «alinhar o regime do recurso da questão cível com o regime do processo civil, estabelecendo que as possibilidades de recurso do pedido de indemnização civil são as mesmas, independentemente da acção civil aderir ao processo penal ou de ser proposta e seguir autonomamente como processo civil».

            Mas se essas possibilidades são as mesmas, então terá de se ter também em linha de conta, desde logo por força do artº 4º do CPP, as normas do CPC que regem sobre a admissibilidade do recurso de revista – a espécie que para aqui interessa (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22.06.2011, Pº nº 444/06.4TASEI, de 15.12.2011, Pº nº 53/04.2IDAVR.P1.S1, de 25.01.2012, Pº nº 360/06.0PTSTB, de 06.03.2014, Pº nº 89/01.5IDLSB.L1.S1, de 10.04.2014, Pº nº 378/08.8JAFAR.E3.S1 e jurisprudência neles citada).

            Por outro lado, a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção, no caso, na data em que foi deduzido o pedido – cfr. arts. 24º, nº 1, da Lei 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ), na redacção que lhe foi dada pelo artº 5º do DL 303/2007, de 24 de Agosto ou o artº 44º, da Lei 62/2013, de 26 de Agosto, que, uma e outra, fixaram a alçada da Relação em €30.000,00.

            6. Posto isto, regressemos ao caso concreto.

            6.1. Os pedidos dos Demandantes, como disse, foram deduzidos em 04.06.2010.

            A alçada da Relação é, pois, de €30.000,00, nos termos daquela Lei 3/99, a vigente à data da dedução dos pedidos (a Lei actual, de resto, manteve esse valor).

            Os pedidos têm os valores de … e de €50.000,00, como vimos.

            A Recorrente/demandada vem condenada a pagar … à Demandante €10.000,00.  

            Pois bem.

            6.2. Os pedidos dos Demandantes, apesar de deduzidos em conjunto, no mesmo requerimento, têm total autonomia, apesar de fundados no mesmo crime.

            Ora,

            6.2.1. relativamente ao Demandante, …

            6.2.2. relativamente à Demandante, o valor do pedido, €50.000,00, excede o valor da alçada.

            Todavia, o valor da sucumbência da Demandada, €10.000,00, fica aquém de metade desse valor.

            Consequentemente, o segmento do seu recurso relativo ao pedido da Demandante não é admissível, por força do nº 2 do artº 400º do CPP.

            E não sendo admissível o recurso, não se coloca a questão da consideração da alegada dupla conforme.

            7. Face ao exposto, não há lugar, no caso, a apreciação preliminar sumária por parte da “formação” (artº 672º, nº 3, do CPC).

            Assim,

            8. Notifique a Demandada e os Demandantes nos termos e para efeitos do disposto no artº 655º do CPP [o preceito pertence ao CPC], aplicável ao recurso de revista por força do disposto no artº 679º do mesmo Código».

            Não houve resposta.

            Ora, pelos fundamentos invocados nesse despacho que acabamos de transcrever e que reiteramos, o segmento do recurso da Demandada relativo ao pedido formulado pela Demandante não é efectivamente admissível, atento o disposto no artº 400º, nº 2, do CPP.

            Como assim, é rejeitado, nos termos do artº 420º, nº 1, alínea a), do mesmo código – o que naturalmente prejudica a intervenção da “formação”.

            Posto isto, vejamos o mérito dos recursos nos restantes segmentos.

            Uma vez que algumas das questões decididas pelo acórdão recorrido são impugnadas simultaneamente pelo Demandante e pela Demandada, conheceremos em simultâneo, nessa parte, de ambos o srecursos.

           

            4.2. A pretendida (pela Demandada), co-responsabilização do Demandante na produção do acidente.

            4.2.1. Recordemos, seguindo o relato do acórdão recorrido:

            No recurso para o Tribunal da Relação, a Demandada começou por impugnar a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo a alteração dos nºs 4 e 5 dos “Factos Provados”, no sentido de que se julgasse provado que:

            «4. Decorridos alguns instantes, o assistente mudou para a faixa da direita (Recordemos que foi julgado provado que, «Decorridos alguns instantes, o assistente desistiu então de efetuar a ultrapassagem ao carro conduzido pelo arguido e mudou para a faixa mais à direita, onde permaneceu);

                5. Em virtude da manobra do assistente, instantes depois, os dois veículos ficaram lado a lado, momento em que, sem que nada o fizesse prever, o arguido, sem previamente se certificar que a via à sua direita se encontrava desimpedida e sem acionar o sinal luminoso de mudança de direção, mudou para a faixa da direita, na qual se encontrava o motociclo conduzido pelo assistente» (Foi julgado provado que, «por motivos não apurados, instantes depois, os dois veículos ficaram lado a lado, momento em que, sem que nada o fizesse prever, o arguido, sem previamente se certificar que a via à sua direita se encontrava desimpedida e sem acionar o sinal luminoso de mudança de direção, mudou para a faixa da direita, na qual se encontrava o motociclo conduzido pelo assistente);.

                Como disse o Tribunal da Relação, a Recorrente pretendeu, com a alteração que propôs, «evidenciar que o assistente mudou para a faixa da direita com a intenção de fazer a manobra de ultrapassagem ao carro do arguido e não porque desistisse da manobra de ultrapassagem pois, no seu entender, só essa intenção justifica que circulassem lado a lado» (cfr. fls. 2462).

            Essa sua alegação foi, no entanto, julgada improcedente e a decisão sobre a matéria de facto foi confirmada.

            Mas a Demandada alegou mais. Alegou também que «mesmo com os factos dados como provados, o tribunal desconsiderou por completo a conduta estradal do assistente, tornando-a indiferente ao resultado e que o tribunal não poderia deixar de considerar, por presunção judicial assente nos factos 3 e 5, que o assistente já havia iniciado a manobra de ultrapassagem do arguido pela direita e, como tal, considerar que o mesmo não agiu com o cuidado que lhe era exigível, tendo contribuído para a produção do acidente» (cfr. fls. 2466).

            Porém, o acórdão recorrido, depois de invocar os nºs 1 a 7 dos “Factos Provados” e a fundamentação da sentença, considerou que «apesar de não ter ocorrido qualquer embate entre o veículo e o motociclo, não podemos deixar de concordar e subscrever a conclusão do tribunal recorrido e de atibuir a culpa exclusiva do acidente ao condutor do veiculo».

            E justificou:

            «…  conforme resulta claramente dos factos provados, o despiste do condutor do motociclo  deu-se em consequência de um acto voluntário do condutor do veículo que, circulando na via à esquerda da faixa de rodagem, sem que nada o fizesse prever e sem previamente se certificar que a via à sua direita se encontrava desimpedida e sem accionar o sinal luminoso de mudança de direcção, mudou para a via da direita da mesma faixa de rodagem, na qual se encontrava a circular, nesse momento, mesmo ao seu lado, o motociclo cujo condutor, ao ser surpeeendido pela manobra do arguido, guinou para a direita perdendo controlo do motociclo e embatido no lancil do passeio da berma.

                Ao actuar da forma descrita o condutor do veículo violou, tal como considerou o tribunal recorrido, o art.º 21º n.º1 do Cód. da Estrada que prescreve que quando o condutor pretende mudar de via de trânsito, deve assinalar com a necessária antecedência a sua intenção e o art.º 35º, nº1 do mesmo Código que impõe ao condutor o dever de só efetuar as manobras de mudança de via de trânsito em local e por forma que, da sua realização, não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.

                Além disso, tratando-se de uma faixa de rodagem com duas vias de trânsito no mesmo sentido, com regras próprias para a circulação dos veiculos, circulando o condutor do veículo pela via de trânsito mais à esquerda, ao “ultrapassar” o condutor do motociclo pela via de trânsito à direita, onde este circulava, violou também o art.º 14º, nº 1 do mesmo diploma que determina que, sempre que no mesmo sentido sejam possíveis duas ou mais filas de trânsito este deve fazer-se pela via de trânsito mais à direita, podendo, no entanto utilizar-se outra se não houver lugar naquela e, bem assim para ultrapassar ou mudar de direcção.

                O despiste do condutor do motociclo, pese embora não tenha ocorrido qualquer embate, não pode deixar de ser imputado subjectivamente ao condutor do veiculo na  medida em que sendo-lhe exigível para o exercício da condução o conhecimento das regras por ele violadas, não usou dos cuidados e cautelas que lhe eram exigíveis, para fazer a manobra de mudança de via de trânsito com segurança para os restantes condutores que circulavam nesta mesma via.

                O comportamento do condutor do veículo foi, portanto, claramente, violador do dever (objectivo e subjectivo) de cuidado e, por isso, negligente, não podendo deixar de lhe ser imputado o resultado que adveio para o assistente em consequência do acidente.

                Pese embora o alegado pela recorrente e o facto de antes de circular pela via mais à direita da faixa de rodagem o condutor do motociclo ter tentado ultrapassar o condutor do veiculo pela via de trânsito onde este circulava, como é aliás imposto pelo referido art.º 14.º, nº1, este foi alheio à dinâmica do acidente uma vez que circulava na sua mão de trânsito, pela via de trânsito mais à direita, quando de repente vê um veículo cortar-lhe a sua marcha vindo da via de transito mais à esquerda, não concorrendo, portanto, no processo causal do acidente que não conseguiu evitar.

                Não sendo legítimo presumir para afastar tal imputação de culpa do condutor do veiculo, tal como pretende a recorrente, um facto que não se provou – que o condutor do motociclo depois de ter tentado ultrapassar o condutor do veículo pela via da esquerda, passou para a via de trânsito mais à direita para fazer tal ultrapassagem – uma vez que se provou que o condutor do motociclo passou a circular pela via de trânsito mais à direita porque desistiu de ultrapassar o condutor do veiculo, passando a circular nos termos determinados no nº 1 do art.º 14º do C. da Estrada, isto é, de acordo com o que é exigido aos condutores, sempre que no mesmo sentido sejam possíveis duas ou mais filas de trânsito.

                Não merece, pois, qualquer censura o decidido pelo tribunal recorrido quanto à imputação da culpa exclusiva ao condutor do veiculo, segurado da recorrente, pela produção do acidente que vitimou o assistente, sendo por isso o recurso, nesse ponto, improcedente».

            A Demandada, porém, continua inconformada.

            E, no recurso agora em julgamento, insiste  em que, «mesmo com os factos dados como provados, o Tribunal não poderia ter efectuado o juízo que efectuou quanto à culpabilidade na produção do acidente, porque esse juízo desconsidera por completo a conduta estradal (a culpa) do assistente, tornando-a indiferente do resultado».

            Argumenta, para o demonstrar, que, não tendo ficado provado que tenha havido embate entre os dois veículos e não tendo ficado esclarecido por que motivo os dois veículos ficaram lado a lado (cfr. nº 5 dos “Factos Provados”), isso deveria ter obrigado o Tribunal a ponderar diferentemente os factos em causa, porquanto, (a) «se o motociclo ia, previamente ao sinistro, atrás do automóvel», e se (b) «os veículos andaram lado a lado (….), é de concluir [que] a ultrapassagem se havia iniciado (mesmo que o assistente não a tivesse – o que se admite sem conceder – desejado)», pela direita, em contravenção com as regras do CEstrada, designadamente o seu artº 36º, tanto mais que a situação dos autos não se enquadra em nenhuma das circunstâncias previstas no artº 42º.

            E acrescenta que, «mesmo não tendo sido apuradas as razões pelas quais os veículos circulavam “lado a lado”, o Tribunal não poderia deixar de considerar que o dever do condutor de uma viatura que circulava na faixa da direita atrás da linha (imaginariamente) traçada perpendicularmente à via na continuidade da linha traseira do veículo que circulava na faixa da esquerda é o dever de evitar ultrapassar essa linha (imaginária); ou, dito de forma mais simples e transposta para o caso dos autos, que a circulação do motociclo dos [sic] envolve o dever de evitar a ultrapassagem ou o dever de evitar "ficar lado a lado" com o veículo automóvel»;

            Por outro lado, prossegue, em sua opinião «não está minimamente demonstrado nos autos que o assistente não pudesse, apesar da surpresa, ter evitado guinar o motociclo para a direita e perder [o] respetivo controlo, nomeadamente travando ou chegando-se à sua direita sem guinar o motociclo»», pois que «a manobra de evasão deve ser adequada a evitar um resultado ou inevitável perante um perigo» e, «no caso em concreto, não se verifica nenhum dessas condições».

            Argumentação toda ela dirigida à demonstração de que «mesmo com a matéria dada como provada, não será possível ignorar que o assistente violou o disposto no artigo 14º e no nº 2 do artigo 18º do Código da Estrada, assim contribuindo para o fatídico acidente».

            De qualquer modo, diz ainda, «se se entender que a conduta do assistente não representa a violação de uma norma de conduta, então sempre teremos de a considerar como um risco contido na circulação do assistente [e] nesse caso, o tribunal deverá fazer apelo às regras sobre a responsabilidade pelo risco, em particular o disposto no artigo 503º,… considerando que, no caso concreto, os "riscos próprios" de uma motorizada são, inevitavelmente, superiores aos de uma viatura automóvel na medida em que, não havendo colisão entre os veículos, os danos decorrem, necessariamente, da perigosidade estradal da viatura em causa».

            E conclui que «deve o Acórdão em crise ser revogado no sentido de, quanto à repartição de culpa, ser atribuída pelo menos em 1/3 ao assistente, assim se reduzindo proporcionalmente todas as indemnizações arbitradas a pagar pela Demandada, ora Recorrente».

            4.2.2. Apreciemos.

            Nos termos do artº 483º, nº 1, do CCivil são pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (a) o facto voluntário do agente; (b) a sua ilicitude; (c) a culpa; a imputação do facto ao agente, a título de dolo ou mera culpa; (d) o dano; (e) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

            Como vimos, a Demandada entende que o Demandante deve ser co-responsabilizado pelo acidente por (também) ter agido ilicitamente e com culpa ou, quando assim não se entenda, pelo risco inerente ao veículo que tripulava.

            Antes de entrarmos na apreciação desses pressupostos, importa balizar os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de recurso, no âmbito do processo penal, o ramo do direito que rege os recursos aqui interpostos (cfr. os arts. 71º e 400º, nºs 2 e 3, do CPP).

            Ora, nos termos do artº 434º do CPP, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, «sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410º, … visa exclusivamente o reexame de matéria de direito». Relativamente à decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto, o Supremo Tribunal de Justiça só a pode alterar no caso excepcional do nº 3 do artº 674º, por remissão do nº 2 do artº 682º, ambos do CPC, aplicáveis ao processo penal por via do artº 4º do respectivo Código.

            No âmbito dos acidentes de viação, entende-se que a determinação da culpa constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias, limitando-se a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça à apreciação do critério estabelecido no nº 2 do artº 487º do CCivil: se o juízo de censura a formular se alicerça na violação das regras de prudência, perícia ou diligência (cfr., por exemplo, os Acórdãos de 05.05.1994, Pº nº 84866-2ª, de 07.02.2013, Pº nº 3557/07.1TVLSB.L1.S, de 20.03.2014, Pº nº 207/2001.G1.S1-7ª, de 15.04.2015, Pº nº 1248/07.2TBLGS.E1.S1 e jurisprudência neles citada).  

            Por outro lado, também vem sendo entendido pela jurisprudência que o estabelecimento do nexo de causalidade, o nexo naturalístico, entre a conduta ilícita e o dano, consubstancia matéria de facto da competência das instâncias e, por isso, também não sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça. Como se diz no Acórdão de 19.02.2009, Pº nº 3652/08-2ª, citando jurisprudência anterior, «o nexo de causalidade apenas pode ser apreciado pelo Supremo na sua vertente jurídica – a questão da adequação, ou normalidade, desse nexo …; o nexo material de causalidade, como questão respeitante aos factos que ainda é, escapa à sindicância do STJ». Ou, como diz o Acórdão 03.03.2009, Pº nº 9/2009-6ª, «matéria de direito – …– é o segundo momento da causalidade referente ao nexo de adequação, de harmonia com o qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais ou extraordinárias».

            Ao Supremo Tribunal de Justiça cabe, pois, apenas verificar se, à luz da doutrina da causalidade adequada, o facto concreto pode ou não ser considerado, em abstracto, causa idónea do dano produzido; ou, noutra perspectiva, se para a produção do dano contribuíram decisivamente circunstâncias anormais ou extraordinárias, caso em que o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como sua causa adequada (cfr., entre outros, além dos já citados, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.09.2013, Pº nº 1267/08.1TCSNT.L1.S1-1ª, de 20.03.2014, já citado, e de 07.10.2014, Pº nº 1599/11.1TBVLG.P1.S1-6ª e jurisprudência neles citada).

            Feitas estas considerações, debrucemo-nos sobre a motivação da Recorrente “AXA” relativa a este segmento do recurso:  

            Da alegada co-responsabilidade do Demandante por ter (também) agido ilícita e culposamente

            Não está em causa no presente recurso, note-se, a decisão sobre a questão penal, matéria, de resto, que a Demandada não teria legitimidade para discutir (artº 401º do CPP). E a Demandada também não pretende desculpabilizar o seu segurado em termos de responsabilidade meramente civil pois até alega que «… não o exclui evidentemente – que o condutor do veículo seguro também contribuiu para a produção do acidente …».    

            O que a Recorrente pretende é que o Demandante seja co-responsabilizado, por ter também infringido culposamente regras de trânsito que também contribuíram para o acidente e suas consequências.

            Pois bem.

            A Recorrente iniciou a sua motivação com a afirmação de que se conforma, «necessariamente», com a matéria de facto fixada pelas Instâncias. E, do ponto de vista legal, não podia, realmente, pensar ou dizer de outro modo, atento o disposto nos atrás referidos arts. 434º do CPP e 682º do CPC.

            Por outro lado, também não vem alegado nem nós vislumbramos que a decisão sobre a matéria de facto, tal como fixada pelas Instâncias, enferme de algum dos vícios previstos no nº 2 do artº 410º do primeiro daqueles diplomas ou que se verifique qualquer das hipóteses dos nºs 2 e 3 daquele artº 682º.

            Apesar disso e como que esquecendo aquela declaração de princípio, a Demandada insiste em discutir pura matéria de facto quando, logo depois, alega que o motociclo iniciou a ultrapassagem do automóvel do Arguido pela direita…

            Mas é evidente que essa argumentação esbarra frontalmente com a dinâmica do acidente tal como estabelecida designadamente pelos  nºs 1 a 7 dos “Factos Provados” que acima transcrevemos. E despreza a alínea M) dos “Factos Não Provados”: não ficou provado que «o assistente quis ultrapassar o arguido pela direita».

            Em suma, considerando aqueles poderes de cognição, a argumentação aduzida não tem a virtualidade de autorizar o Supremo Tribunal de Justiça a transformar um facto julgado não provado em facto provado quando, como no caso, não ocorre nenhuma das hipóteses previstas no artº 682º, nº 2, do CPC. 

            Esta sua tese não pode, pois, vingar, por ser manifestamente improcedente.

            Como não procede o argumento do dever de evitar  ultrapassar “essa linha (imaginária)” – «a linha (imaginariamente) traçada perpendicularmente à via na continuidade da linha traseira do veículo que circulava na faixa da esquerda»­  –, também ele ainda tributário da pretensão de que o Demandante ultrapassou ou intentou ultrapassar o Arguido pela direita.

            – A motivação não se fica, no entanto,  pela mera impugnação dos factos. A Demandada alega também que o Demandante infringiu o disposto no artº 18º do CEstrada[3].

            Não sufragamos, porém, o seu entendimento/fundamento de que o dever de conservar distância de segurança para o veículo precedente [sublinhado nosso], não sendo aplicável aos casos em que o veículo precedente circula na faixa esquerda, numa situação de trânsito em filas paralelas, equivale à negação da ratio da própria norma.

            E explicamos porquê:

            O nº 1 do artº 18º previne a segurança de circulação de veículos que seguem na mesma via de trânsito[4], no mesmo sentido, uns atrás dos outros.

            E esse não é, manifestamente, o caso dos autos. Os factos provados dizem-nos, com efeito, que o Demandante, depois de ter desistido de ultrapassar o Arguido, retomou a via da direita, permanecendo este na via esquerda e que, instantes depois, ficaram lado a lado.  

            Ora, quando os veículos seguem no mesmo sentido, em vias de trânsito paralelas, a prevenção da colisão entre eles é acautelada, não pela norma do nº 1, mas pela do nº 2 do mesmo artº 18º que manda que «o condutor de um veículo em marcha deve manter distância lateral suficiente para evitar acidentes entre o seu veículo e os que transitam na mesma faixa de rodagem[5], no mesmo sentido ou em sentido oposto». E, quando, existindo mais do que uma via de trânsito, os veículos, devido à intensidade da circulação ocupam toda a faixa de rodagem destinada a esse sentido, o facto de os veículo de uma fila circularem mais rapidamente que os da outra, não é tido como ultrapassagem (arts. 42º e 15º, do CEstrada).

            Foi, porém, o Arguido, como esclarece o nº 5 dos “Factos provados”, quem, sem previamente se certificar de que a via à sua direita – aquela por onde então circulava o veículo do Demandante – se encontrava desimpedida e sem accionar o sinal luminoso de mudança de direcção, a invadiu.

            Não vemos, pois, que os factos provados autorizem que se atribua ao Demandante a prática de qualquer infracção, desde logo a invocada pela Recorrente, susceptível de o constituir co-responsável pelo acidente e suas consequências.

            Por outro lado, de acordo com o nº 12 dos “Factos Provados” a causa do acidente reside apenas na conduta ilícita e culposa do Arguido.

            Vimos acima quais os poderes de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria. Em resumo, apenas lhe cabe sindicar o nexo de adequação, podendo afastá-lo quando para a produção do dano tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais ou extraordinárias.

            Será esta a perspectiva da Demandada quando, sem embargo de reconhecer que o veículo seguro também contribuiu para a produção do resultado, alega que «não está minimamente demonstrado nos autos que o assistente não pudesse, apesar da surpresa, ter evitado guinar para a direita e perder [o] respectivo controlo … [porquanto] a manobra de evasão deve ser adequada a evitar um resultado ou inevitável perante um perigo».

            A este propósito, uma primeira regra se impõe: quem tripula um veiculo na via publica não é obrigado a contar com a conduta ilícita e culposa de outros utentes da mesma via.

            Por isso entendemos que, face às circunstâncias em que a decisão sobre a matéria de facto nos diz ter ocorrido o acidente, face a inopinada (por isso que o nº 5 dos “Factos Provados” refere «sem que nada o fizesse prever») invasão da «sua» via de trânsito, a guinada do motociclo para a direita surge como uma manobra perfeitamente compreensível, adequada, normal, para evitar a colisão lateral, que o Demandante teve certamente como iminente e, por isso, eventualmente efectuada sem a frieza reclamada pela Recorrente. Mas essa concreta manobra, foi, repetimos, causada pela conduta ilícita e culposa do Arguido pelo que as consequências dela decorrentes terão de ser imputadas a esta conduta.

            Nos termos expostos, concluímos, pois, que o acidente se deveu a culpa exclusiva do Demandado e que essa conduta foi a causa dos danos sofridos pelo Demandante.

            – Quanto à pretendida responsabilidade pelo risco:        

            Se, por regra, a ilicitude e a culpa são as fontes da responsabilidade civil extracontratual, como estabelecido no artº 483º do CCivil, a verdade é que este diploma não deixa de sancionar situações excepcionais de responsabilidade pelo risco, em que é dispensada a culpa do agente ou responsável.   

            Entre essas situações, prevê o artº 503º do CCivil a da responsabilidade pelos danos causados por veículos de circulação terrestre.

            Todavia, logo o artº 505º seguinte estabelece que, «sem prejuízo do disposto no artigo 570º, a responsabilidade fixada pelo nº 1 do artigo 503º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo».

            Isto é, a responsabilidade objectiva é excluída:

            (a) – quando o acidente é devido a facto culposo do lesado; quando a conduta censurável do próprio lesado constitua a causa única do acidente;

            (b) – quando o acidente se ficar a dever, em termos de ligação causal, tão-só a facto de terceiro, terceiro que, no caso sub judice, por não haver mais intervenientes, será o Arguido;

            (c) – quando o acidente tiver sido produzido por causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.

            A verificação de alguma destas circunstâncias, de acordo com a posição tradicional da jurisprudência, quebra o nexo de causalidade entre os riscos próprios do veículo e o dano. Se houver culpa de algum dos intervenientes, apenas o culpado é responsável pelo dano – entendimento este que, como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2013, Pº nº 97/05.7TBPVI.G2.S1, «perdurou largos anos, como tese clássica, sendo quase constante essa a perspectiva jurisprudencial, no sentido da impossibilidade da

concorrência das duas responsabilidades»[6], o qual foi, porém, quebrado pelo  Acórdão de 04.07.2007, Pº nº 100/10.9YFLS e, depois, retomado por vários outras decisões.

             Ora, no caso, como concluímos acima, o acidente teve como causa a conduta ilícita e culposa do Arguido, razão por que fica naturalmente prejudicada a pretensão do apelo às regras sobre responsabilidade pelo risco.

            Improcede, pois, nesta parte, o recurso da demanda AXA.    

           

            4.3. Da indemnização por perda de capacidade de ganho. Danos futuros; O “dano biológico” – sua autonomização.

            O Demandante alega que o acórdão recorrido, na parte relativa à determinação da perda de capacidade de ganho, enferma de deficiente fundamentação, por obscuridade, na medida em que se lhe afigura ininteligível o montante correspondente ao dano biológico, indispensável para compreender o modo como alcançou o valor de €600.000,00.

            De qualquer modo, entende que o dano biológico, «ainda que enquadrado nos danos patrimoniais», deve ser autonomamente quantificado, em valor não inferior a €60.000,00.

            Alega, por outro lado,  

                        (a) – que os critérios acolhidos pelo acórdão recorrido para chegar àquele valor estão em contradição com o montante atribuído e

                        (b) – que é injustificado, por arbitrário ou discricionário, o desconto de 25% sobre aquela indemnização, «para evitar um “benefício injustificado” pelo recebimento da totalidade da indemnização de uma só vez.

            E conclui que a Demandada deve ser condenada a pagar-lhe uma indemnização por perda de capacidade de ganho não inferior a €891.282,04 (de €779.278,32, caso não seja considerado o erro de cálculo em que assentou o pedido, relativo à sua idade à data do acidente, e se considere admissível o desconto de 10% por recebimento antecipado de todo o capital), a que deve acrescer «quantia discriminada, referente ao dano biológico», que, como vimos, pretende que não seja inferior a €60.000,00.

            4.3.1. A questão do dano biológico

            A dado passo, o acórdão recorrido (fls.2471), depois de afirmar que é «… hoje pacífico que o chamado dano biológico … constitui um dano indemnizável per si, independentemente de se verificarem, ou não, consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado (…)», observa que, «no caso dos autos, o dano biológico não foi peticionado nem autonomizado pelo lesado, tendo, ainda assim, sido considerado na sentença recorrida, no valor arbitrado a título de indemnização pela perda de capacidade de ganho». E, corrigindo o valor alcançado pela 1ª Instância fixou «a indemnização pela perda da capacidade de ganho e dano biológico em €600.000,00».

            No pedido que deduziu contra a Demandada (fls. 907 e segs), o Demandante efectivamente não se refere ao dano biológico. E o valor final peticionado (€1.225.807,60) corresponde à soma das parcelas que identificou como «Perda de Capacidade de Ganho» (€825.023,88), «Despesas Futuras» (€62.805,88+7.978,00+100.000,00), «Danos Morais» (€230.000,00) e «Juros moratórios» (€75.845,48).  

            Argumenta agora que, embora não tenha discriminado o dano biológico como patrimonial ou não patrimonial, «alegou os factos respeitantes à prova da [sua] existência e quantificação – [os dos nºs 30, 31, 32, 39 e 40 dos “Factos Provados”, arrolados uns parágrafos antes, fls. 2555] – que, de resto, … foram dados como provados».       

            E prossegue:

            «Nas suas alegações de recurso interposto da primeira instância, tentando “adivinhar” o raciocínio do decisor da primeira instância, o recorrente calculou o valor arbitrado a título de dano biológico, como dano autónomo, em 66.146,40€, conformando-se com tal quantia», que arredondou para €60.000,00, «para a eventualidade de vir o mesmo a ser considerado como dano moral, de modo a não ser ultrapassado o valor peticionado a esse título (€230.000,00), tendo em conta os €170.000,00 já arbitrados pela Relação».

            Mas se não dever ser considerado como dano moral, a referida quantia terá de acrescer, como dano patrimonial autónomo, ao valor respeitante à perda de capacidade de ganho, sem qualquer redução pelo recebimento antecipado, que só para os valores daquela é considerada pela jurisprudência.

            Pois bem.

            Não vem posta em causa a ressarcibilidade do dano biológico, considerado como diminuição somático-psíquica e funcional do indivíduo, com inerente repercussão na vida de quem o sofre.

            O que vem discutido é a sua natureza, isto é, se deve ser integrado na categoria de dano patrimonial ou de dano não patrimonial e se deve ser ressarcido, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento numa daquelas categorias normativas.

            Relativamente a sua ressarcibilidade autónoma, o Acórdão de 26.01.2012, Pº nº 220/2001-7.S1, depois de ter concluído que «a conceptualização do dano biológico não veio “tirar nem pôr” ao que, em termos práticos, já vinha sendo decidido pelos tribunais, quanto a indemnização pelos danos patrimoniais de carácter pessoal ou compensação pelos danos não patrimoniais», e que, «onde releva é na fundamentação para se chegar a tal indemnização, afastando as dúvidas que poderiam surgir perante a não diminuição efectiva de proventos, apesar da fixação da IPP ou em casos … em que o lesado já estava totalmente incapacitado para o trabalho antes do evento danoso ou … em que ficou definitivamente incapacitado para ter consciência e sofrer com a sua situação», decidiu que, no caso aí em julgamento, em que o A. pedia, «para além da indemnização pela IPP e ainda que contendo-a [a fixação de] indemnização por dano biológico, não procedia esta sua pretensão em obter indemnização autónoma e acrescida com base no dano biológico.            

            E o Acórdão de 24.04.2012, Pº nº 3075/2TBPBL.C1.S1, citando, entre outros, o anterior, afirmou que «como tem entendido a jurisprudência maioritária deste Supremo o dano biológico não tem que ser ressarcido autonomamente.

            Porém, os Acórdãos de 22.01.2013, Pº nº 1092/08.0TBTMC.C1.S1, de 20.01.2011, Pº nº 520/04.8GAVNF.P2.S1, de 11.11.2010, Pº nº 270/04.5TBOFR.C1.S1, de 06.12.2011, Pº nº 52/06.0TBVNC.G1.S1, entre outros neles citados, consideraram que o dano biológico é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial, ou misto.

            Por outro lado, relativamente à sua natureza, se encontramos decisões que o definem como um dano patrimonial (cfr., p. ex., os Acórdãos de 19.05.2009, Pº nº 298/06.0TBSJM.S1 e de 04.10.2007, Pº nº 957/2007-2ª), outros o encaram como dano de natureza mista, eventualmente “tertium genus”, «como dano de natureza autónoma e específica».

            O Demandante sofreu drástica e irreversível limitação funcional – designadamente incapacidade permanente total, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e paraplegia completa que lhe retirou «toda e qualquer sensibilidade da linha mamilar para baixo, tendo nomeadamente perdido controlo sobre os esfíncteres» – que, se lhe permite estar vivo, não o deixa, de facto, ter uma vida normal… (cfr. designadamente os nºs 40, 41,42, 43, 44, 45, 46, 50 dos “Factos Provados”). Por isso que não pode deixar de ser indemnizado autonomamente pelo correspondente dano biológico, com vista a compensá-lo adequadamente dessa perda de capacidades que, para além de ter importado a cessação da sua capacidade de ganho – e nessa medida será considerada –, afasta igualmente qualquer hipótese de requalificação ou reconversão profissional, enquanto fonte de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pela incapacidade que definitivamente o vai afectar e implicam acrescida penosidade e esforço no exercício de qualquer actividade diária e corrente (cfr. o citado Acórdão de 06.12.2011).       

              Não pode pois, a indemnização pelas lesões sofridas assentar apenas na perda dos rendimentos que auferia. A lesão à integridade psicofísica, o “dano biológico”, é independente da sua incidência na capacidade de produção de rendimentos do lesado (cfr. o Acórdão de 26.01.2012, atrás citado) e, como tal, justificadora de uma indemnização autónoma.  

            Certo que o Demandante não pediu expressamente indemnização a título de dano biológico. Mas arrolou os factos que o integram. E cremos que o princípio dispositivo se basta com a alegação e prova dos factos que integram aquela incapacidade para que a correspondente indemnização possa/deva ser arbitrada (cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.1999 e de 24.02.1999, citados no Acórdão de 25.11.2009, Pº nº397/03.0GEBNV.S1)

            Por outro lado, a circunstância de se atender e se arbitrar uma verba a título de dano biológico não autonomizada pelo Demandante não viola, só por si, o princípio do nº 1 do artº 609º do CPC que, quantitativamente, apenas se refere ao pedido considerado como um todo, impondo apenas que o tribunal se mantenha dento desse valor global.

            Nestes termos, entendemos que o Demandante tem razão quando reclama uma indemnização autónoma a título de dano biológico, para o que pede €60.000,00.

            Tendo presentes as consequências devastadoras do acidente, como acima referimos, consideramos justo e equitativo esse valor, notando que, por exemplo, no Acórdão de 20.01.2011 acima referido e também invocado pelo Recorrente, tendo o lesado ficado com uma IPG de 40%, embora com menos 18 anos que o Demandante, lhe foi atribuída, por dano biológico, a indemnização de €40.000,00.  

            Procede, pois, nesta parte, o recurso do Demandante.

            4.3.2. A indemnização por perda de capacidadede ganho. O “desconto” por recebimento antecipado

            4.3.2.1. Recordemos:

                        – o Demandante pediu, por perda de capacidade de ganho, €825.023,88 que reduziu para €779.278,32;

                        a 1ª Instância fixou a indemnização correspondente a esse dano e  dano biológico em €420.000,00;

                        o Tribunal da Relação, na improcedência do recurso da Demandada  e na procedência parcial do recurso do Demandante, fixou-a em €600.000,00, incluindo também a indemnização pelo dano biológico.

                        os referidos montantes, tanto o fixado pelo Tribunal da 1ª Instância como arbitrado pelo Tribunal da Relação, correspondem a 75% do «total matemáticamente obtido», por ambos os Tribunais terem descontado ¼ daquele valor, considerando que a indemnização ia ser recebida de uma só vez – o que, disseram, representaria um enriquecimento injustificado do Demandante.   

            No recurso agora interposto, o Demandante alega: 

                        (a) – que o valor por si peticionado enferma de um erro de cálculo, porquanto considerou que à data do acidente tinha 57 anos de idade e não 56, como efectivamente tinha, o que determinou a consideração de 18 anos de esperança de vida e não 19 – razão por que aquele cálculo deve ser corrigido, nos termos do artº 249º do CCivil;

                        (b) – que, considerando os factores numéricos com que entende o acórdão recorrido ter operado – {[€12.670,00 (rendimento líquido por conta de outrem) x 9 (esperança de vida activa, até aos 65 anos, idadedareforma) + €41.386,00 (rendimento da profissão liberal) x 19 (esperança média de vida, até aos 75 anos)] x 90% (IPP) x 75% (desconto de 1/4)} – o valor que se alcança é o de €607.745,70, superior ao atribuído e, ainda assim, sem conter a indemnização por dano biológico que, reafirma, «ser equitativo quantificar em 60.000,00€»;

                        (c) – que, no cálculo a efectuar, o rendimento por conta de outrem também deve ser considerado relativamente à esperança de vida (75 anos) e não, como considerou o acórdão recorrido, à esperança de vida activa (65 anos) – o que se traduz numa diferença de €126.700,00 <€12.670,00 x 10 (<75 anos - 65 anos)[7] – porquanto, nas «profissões de natureza intelectual», deve considerar-se um incremento dos respectivos rendimentos pelo menos até à idade da reforma, decorrentes de acréscimo gradual da experiência, sabedoria e conhecimentos técnicos (incoca a propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.03.2009, Pº nº 9/2009-6ª). Consequentemente, considerando as suas condições pessoais (vd. os nºs 43 e 44 dos “Factos Provados), «é manifesto que se teria de considerar por referência à esperança média de vida de 75 anos não só a globalidade dos rendimentos auferidos enquanto arquiteto (…), mas ainda o normal e expectável incremento de tais rendimentos até à idade da reforma. Consideração que se impunha e que em todo o caso neutraliza a eventual diminuição das capacidades de ganho após a idade de reforma».             «Nessa medida, continua, no caso dos autos, impõe a experiência comum que não se considere qualquer incremento ou redução da capacidade de ganho, após os 65 anos, pois ambos serão equivalentes, anulando-se, consequentemente, não sendo de proceder à redução de 126.700,00 € a que a Relação procedeu, desconsiderando o valor dos rendimentos por conta de outrem no período compreendido entre os 65 e os 75 anos de vida do recorrente».                 E conclui que «o valor indemnizatório respeitante à perda de capacidade de ganho, resultante da aplicação dos critérios objetivos é de 937.027,60 € (126.700,00 € + 810.327, 60 €)»[8];                         (d) – Relativamente ao “desconto” de 25%, reconhecendo embora que parte da jurisprudência entende ser de operar essa redução ao capital indemnizatório, para afastar o enriquecimento sem causa derivado do recebimento antecipado de tudo o que viria a receber ao longo da vida, entende que esse corte não pode ser “cego”, como se de uma taxa se tratasse e que, no caso, a redução de 25% operada pelas instâncias não foi minimamente justificada. O Tribunal da Relação, diz, «reiterou o referido corte de 25%, … com uma singela e vaga referência à idade do recorrente».             Considerando a sua idade à data dos factos, 56 anos, tem por excessivo, face à orientação da jurisprudência em caos semelhantes, esse desconto, pois dela ressalta a ideia de que o «corte» «será tanto maior quanto mais baixa for a idade do ofendido» (cita, a propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.2009, Pº nº 397/03.0GEBNV).             Aliás, invocando o Acórdão de 15.03.2012, Pº nº 870/07.1GTABF.E1.S1, entende que, num «quadro de crise estrutural, que é notório», não é equitativo admitir uma rentabilidade dos depósitos semelhante à que era previsível em 2007.             Por isso, conclui que, restando-lhe, à data do acidente, 9 anos de vida activa, não lhe parece que o “desconto” possa ultrapassar os 10% – redução que, aliás, considerou no pedido. Só que, então, apenas tinham decorrido 2 anos sobre a data do acidente. Agora – quando apresentou o presente recurso – «volvidos que se encontram 7 anos sobre a data do acidente, é caso para dizer que a existir benefício, o mesmo será da Axa, por pagamento diferido e não do recorrente por recebimento antecipado» (invoca, a propósito, o Acórdão de 06.06.2013, Pº nº 303/09.9TBVPA.P1.S1). Acresce que, tendo perdido, em consequência do acidente, a «oportunidade de expectável melhoria dos seus rendimentos, por via de uma incapacidade de 90%, com consequências devastadoras, brutais e totalmente incapacitantes para o trabalho (factos 26 a 29), … a perda dessa oportunidade de obter expectável melhoria remuneratória compensa ou anula, no caso concreto, qualquer benefício decorrente do recebimento antecipado», pelo que, no caso, não é equitativo proceder a qualquer redução.                         (e) – considerando o erro de cálculo referido, e tomando em consideração a redução das importâncias oportunamente recebidas (€45.745,56), o valor aritmético da perda de capacidade de ganho é de €891.282,04 (<€937.027,60 - 45.745,56)[9], reduzido para €802.153,84, se se entender dever descontar 10% por «mirífico» enriquecimento sem causa.                         Por sua vez, a Demandada, contra esta verba indemnizatória atribuída pelo Tribunal da Relação, alega:                         (a) que, tendo considerado excessiva a indemnização arbitrada pela 1ª Instância, discorda agora «abertamente» da decisão recorrida, porquanto assenta no pressuposto indemonstrado de que o Tribunal de Cascais apenas ponderou o tempo a decorrer até ao termo da vida activa do Demandante, quando na respectiva decisão nada há que permita essa conclusão; pelo contrário na 4ª linha de fls. 31 da sentença vê-se que aquele Tribunal atendeu à esperança de vida;                         (b) que o acórdão recorrido padece de manifesta contradição interna, «na medida em que não é possível afirmar-se, como se afirma no Acórdão em crise, que "O lesado auferia também um rendimento anual como profissional liberal, que previsivelmente iria continuar a receber muito para além da idade da reforma, ainda que de valor mais reduzido em resultado da menor capacidade de trabalho decorrente da idade" (…) e depois ignorar esse facto – … – ao considerar previsível que o lesado continuaria a auferir aquele rendimento enquanto profissional liberal até aos 75 anos ("e aqueles que, para além desse período e até ao limite da esperança média de vida (75 anos) podia continuar a receber enquanto profissional liberal (41.386€)"»;                         (c) que o valor indemnizatório líquido deve ser fixado entre €260.000,00 e €292.000,00, considerando o rendimento líquido auferido pelo Demandante[10].                      4.3.2.2. Apreciemos             4.3.2.2.1. O invocado erro de cálculo             O Demandante, no pedido que deduziu, considerou 75 anos como esperança de vida para os homens. E que a sua esperança de vida era de 18 anos, «reportada à data do acidente». E foi com estes 18 anos que procedeu ao cálculo da perda de capacidade de ganho que peticionou – €825.023,88 <[(15.200+41.386,00)x90%x18x0,90].             A verdade é que, como refere o nº 19 dos “Factos Provados”, o Demandante tinha, à data do acidente, 56 anos de idade, pelo que a sua esperança de vida, com referência aos 75 anos, era, então, de 19 anos.              A operação aritmética que realizou está, assim, não há dúvida, errada, por errado estar um dos seus factores. E, como mero erro de cálculo, aceitamos a sua correcção, nos termos do artº 249º do CCivil, sem prejuízo, obviamente, da apreciação do mérito da sua alegação quanto à idade relevante, quando tivermos de nos pronunciar sobre o montante desta parcela da indemnização.             Aceitando e relevando o erro, nos precisos termos em que o relevamos, não comprometemos, parece-nos evidente, o princípio do pedido. Apenas consideraremos no cálculo, se de facto viermos a considerar, um factor que foi incorrectamente usado pelo Demandante por ter errado uma subtracção (No mesmo sentido, cfr. o Acórdão deste Tribunal de 19.02.2014, Pº nº 1229/10. 9TAPDL.L1.S1).                 4.3.2.2.2. O valor da indemnização por perda de capacidade de ganho             Estando em causa, como estão, danos futuros, o critério fundamental a ter em consideração na concretização da teoria da diferença, imposta pelo nº 2 do artº 566º do CCivil, é o da equidade, como prescreve o nº 3 do mesmo preceito.              Foi para o ressarcimento destes danos que, como refere Sousa Dinis[11], a nossa jurisprudência acolheu, «de forma unânime», a partir do Acórdão de 09.01.1979 (BMJ, 283,250), a solução de que a indemnização a pagar ao lesado deve representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.             Entende, todavia, que, relativamente àquele limite da vida activa, não deve seguir-se aquela orientação, porquanto, «vida activa não deve corresponder exactamente à idade da reforma já que o facto de se atingir a idade da reforma não significa que o trabalhador a obtenha e sobretudo que deixe de trabalhar… na medida das suas forças e necessidades». E conclui que o capital a ser encontrado deve extinguir-se no fim do tempo médio de vida.             O capital assim encontrado deverá, então, ser corrigido, para mais ou para menos, pela consideração de factores como a idade do lesado, a sua condição de vida, a natureza da profissão, o rendimento auferido e perspectivas da sua evolução ao longo da vida activa, a inflação, as taxas de juros do mercado financeiro, e outros que ao caso couberem, tudo com base em critérios de previsibilidade, verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta as regras da boa prudência e do senso prático.             O Demandante acha que a indemnização que lhe foi atribuída peca por defeito, desde logo porque entende que o Tribunal da Relação, no cálculo que efectuou, considerou o rendimento por conta de outrem apenas com referência à vida activa e não com referência à esperança de vida.             Por isso, seguindo as contas feitas pelo Tribunal a quo, mas corrigindo, além desse factor, o erro na idade considerada (19 anos de esperança de vida e não 18), chegou ao valor de €937.027,60 (sem qualquer desconto por recebimento antecipado e sem a redução que fez ao pedido inicial, correspondente ao que entretanto recebeu da Demandada).             Por sua vez, a Demandada acha exagerado o montante fixado.             4.3.2.2.2.1. Relativamente à questão da idade relevante para o efeito, a jurisprudência tem oscilado entre a idade da reforma, o termo da vida activa e o tempo médio de vida que, em 2008, data do acidente de que tratamos, era em Portugal, à nascença e para os homens, 75,8 anos[12].             Assim é que o Acórdão de 25.11.2009, Pº nº 397/03.0GEBNV.S1 sublinha que «o recurso a determinados factores de cálculo tem vindo a sofrer inflexões, o que se verifica igualmente em torno da consideração do termo do período de vida activa do lesado», vindo a ser discutida, «neste aspecto … a prevalência da “idade de reforma”, a estrita observância do limite de vida activa, ou diversamente, a esperança média de vida dos cidadãos deste País», tudo se reconduzindo «a distinguir expectativa de vida activa e expectativa de vida, que acresce (valor acrescido) para além daquela. A consideração dos 65 anos de idade, como limite etário da vida activa, rigidamente considerado durante muito tempo, passou a ser questionada pela jurisprudência». E entende que «há que projectar a previsível duração de vida, o tempo provável da vida, não só enquanto “trabalhador”, portador de força de trabalho [do lesado], fonte produtiva de património, geradora de rendimentos, mas também enquanto “pessoa” e “cidadão”, que vive para lá do tempo da vida activa, além do tempo da reforma». E demonstrando aquela divergência, arrola uma longa lista de decisões sobre a questão, que bem a evidenciam: consideração dos 65 anos como limite da vida activa, mesmo em decisões mais próximas da data do acórdão em referência; reserva à consideração desse limite; consideração, não da esperança média de vida activa, mas antes da esperança média de vida, «uma vez que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma»; consideração «do acréscimo da taxa de longevidade e da capacidade de permanecer activo, sendo que a média de vida activa ultrapassa os 70 anos – a vida activa, diz um dos Acórdãos, «é mais longa que a laboral, prolongando-se, em alguns casos, para além dos 70 anos». Termina com «uma outra indicação [que] neste plano é dada por via legislativa»: o artº 7º, nº 1, alínea b), da Portaria 377/2008, de 26-05, «ao estabelecer as regras e critérios a que deve obedecer a proposta razoável para indemnização dos danos patrimoniais futuros nas situações de incapacidade permanente absoluta, prescreve que para cálculo do tempo durante o qual a prestação se considera devida, presume-se que o lesado se reformaria aos 70 anos de idade».             Também os Acórdãos de 19.05.2009, Pº nº 298/06.0TBSJM.S1, de 07.02.2013, Pº nº 3557/07.1TVLSB.L1.S1 e de 06.06.2013, Pº nº 303/09.9TBVPA.P1.S1 e outros nestes invocados, perfilham o entendimento de «a perda de capacidade de ganho constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente activo do lesado, e durante todo o seu tempo de vida»; que é a esperança de vida do lesado que tem de ser considerada. Neste sentido, cfr. também o Acórdão de 19.02.2014, Pº nº 1229/10.9TAPDL.L1.S1 em que foi justamente arbitrada indemnização correspondente à diferença entre a idade da reforma e o limite da expectativa de vida (75 anos).               O acórdão recorrido, relativamente ao rendimento por conta doutrem, tomou em consideração a longevidade do Demandante até ao limite da vida activa – que considerou nos 65 anos –, como se vê do último parágrafo de fls. 2474: «… considerando o rendimento anual auferido pelo lesado e até ao limite de vida activa (rendimentos por conta de outrem no valor anual de …e … como profissional liberal) e aqueles que para além desse período e até ao limite da esperança média de vida (…) podia continuar a receber enquanto profissional liberal…».             Pela nossa parte, entendemos que a idade a considerar para os efeitos de que tratamos é a do tempo médio de vida e não a do termo da vida activa, corresponda ou ultrapasse a idade da reforma. Essencialmente porque, depois da reforma, diz-nos a experiência da vida, as pessoas continuam geralmente a trabalhar, muitas vezes até para compor a pensão que lhes foi atribuída.             Aliás, relativamente aos rendimentos provenientes do trabalho por conta própria, a mesma experiência também nos mostra que o trabalhador independente, o arquitecto, como é o Demandante, não deixa de trabalhar e de continuar a auferir rendimentos da sua profissão depois dos 65 anos e para além dos 70 anos. É verdade que, com o andar dos anos, aceitemos que depois dos 70, a capacidade de trabalho diminui. Mas, como alega o Demandante, cintando o Acórdão deste Tribunal de 03.03.2009, há que considerar um incremento dos rendimentos resultantes da actividade profissional, pelo menos até à idade da reforma – idade de que o Demandante ainda estava longe, à data do acidente – decorrentes de acréscimo gradual de experiência, sabedoria e conhecimentos técnicos, que contrabalançará seguramente a redução de proventos inerentes ao avançar da idade. É este, aliás, o sentido que atribuímos ao excerto da fundamentação do acórdão recorrido destacado pela Demandada na conclusão XIV, por ela considerado eivado de contradição interna.             E, quanto aos rendimentos por conta doutrem que o Demandante auferia como gerente da sociedade “Arquigest” (nº 34 dos “Factos Provados”, com referência ao nº 62 do pedido, fls. 816), não é seguro que, pela natureza da função e do negócio da empresa, a avaliar pela firma, perdesse esse salário quando atingisse a idade prevista para a reforma. Mas perdeu-o, em resultado das lesões decorrentes do acidente. Por isso que, também em relação a esta parte do rendimento se deve considerar a esperança de vida e o seu montante líquido, afinal o que continuaria a receber, não fosse o acidente, como impõe a teoria da diferença.             O período a considerar para efeitos do cálculo da indemnização por perda de capacidade de ganho é, pois, o de 19 anos relativamente às duas verbas do rendimento apurado (e não 18, como por mero erro aritmético o Demandante considerou no pedido deduzido).             Deste modo o cálculo aritmético dos rendimentos previsivelmente perdidos, considerando os rendimentos que auferia segundo os “Factos Provados”, a incapacidade que o Demandante sofreu, a idade de 56 anos à data do acidente e, nessa altura, uma esperança de vida de mais 19 anos, corresponde a €920.937,60 [(€41.386,00, rendimento do trabalho independente + €12.470,00[13], rendimento do trabalho por conta doutrem) x 0,90 x 19].                                       4.3.2.2.2.2. O Desconto             Tanto a 1ª Instância (fls. 2179) como a Relação (fls. 2474/2475) entenderam reduzir em ¼ o capital matematicamente alcançado por entenderem que o recebimento da indemnização de uma só vez se traduzia em enriquecimento ilegítimo.             O Demandante, quando deduziu o pedido civil, também considerou um desconto a esse título, embora de 10% (cfr. nº 67 de fls. 917) e manteve-o, nesta percentagem, no recurso para a Relação (cfr. conclusão i) de fls. 2228).             Porém, agora, admitindo que operou esse desconto de 10%, justifica-o «porque à data de formulação do pedido, …, apenas haviam decorrido dois anos sobre o acidente». E alega, por um lado, que «volvidos que se encontram 7 anos sobre a data do acidente, é caso para dizer que a existir benefício, o mesmo será da Axa, por pagamento diferido e não do recorrente por recebimento antecipado»; por outro, que «a experiência comum aponta no sentido de que o recorrente, arquiteto cheio de vida, competente e empenhado (como ficou provado que o recorrente era à data do acidente), perdeu, por força das lesões sofridas (factos 26 a 29), a oportunidade de ver os seus rendimentos crescerem em função da maior experiência e conhecimento que advêm da idade» e que «à luz do entendimento sufragado no acórdão do STJ de 6.6.2013, Proc. 303/09.9TBVPA.P1.S1 (em www.dgsi.pt), e nos acórdãos STJ de 10.10.2010, 24.10.2010 e 6.10.2011 (em www.dgsi.pt), a perda dessa oportunidade de obter expectável melhoria remuneratória compensa ou anula, no caso concreto, qualquer benefício decorrente do recebimento antecipado». E conclui não ser equitativo proceder a qualquer redução no caso presente.             Como refere o Acórdão de 08.12.2012, Pº nº 26/09.9PTEVR.E1.S1.-3ª Secção, transcrevendo os anteriores do mesmo Relator, de 27.10.2010, Pº nº 2519/06.0TAVCT.G1.S1 e de 25.11. 2010, Pº nº 397/03.0GEBNV.S1, «tratando-se de operação a efectuar após determinação do capital, a razão para operar este “desconto” está em que o lesado perceberá a indemnização por junto, que o capital a receber pode ser rentabilizado, produzindo juros, e que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado». E cita diversos outros acórdãos no mesmo sentido em que a taxa de redução variou entre os 10% e os 33%.             Aponta, no entanto, decisões em que o capital não foi diminuído, como os Acórdãos de 13.05.2004, Pº nº 1845/03.2ª e o de 20.11.2003, Pº nº 3441/03-6ª, este com o argumento de que, «não obstante a vantagem do A. em receber de uma só vez o que auferiria ao longo da vida, não se levou em conta os normais e futuros aumentos dos salários».             Mas, para além dos citados pelo Demandante, também o Acórdão de 06.10.2011, Pº nº 733/06.8 TBFAF.G1.S1-7º recusou qualquer desconto, porque, disse, o recurso a tal critério como factor de correcção de um enriquecimento sem causa, não pode servir de base à equidade. E justificou: «…o facto de o A. receber de uma só vez o capital fixado, não lhe traz qualquer enriquecimento injustificado. O quantum indemnizatório reporta-se a uma perda de ganhos do A. que se protela nos anos, o qual, …, está totalmente incapacitado… A forma como irá fazer uso da indemnização arbitrada (gastando o montante indemnizatório de uma só vez ou dispondo dele ao longo da vida) só a ele diz respeito e não lhe confere qualquer enriquecimento, pois se dissipar o capital que lhe foi atribuído nem por isso terá direito a qualquer outro recebimento futuro».             A justificação apontada para este desconto assenta essencialmente, como vimos, na possibilidade que o recebimento do capital indemnizatório de uma só vez confere ao lesado de o «pôr a render», na expressão de Sousa Dinis[14], e, assim, produzir juros, com o que ultrapassaria o que é exigido pela teoria da diferença.             Salvo o devido respeito, discordamos.             Por um lado, porque, como alega o Demandante, o capital indemnizatório, tal como foi calculado, não entrou em linha de conta com as naturais expectativas de majoração dos rendimentos, pelo menos, dizemos nós, relativamente a uma boa parte do período tempo que ainda virá, depois de ultrapassada a crise em que ainda vivemos[15] – o que certamente poderia compensar e seguramente ultrapassar a pretendida rentabilização do capital.             Por outro lado, cremos que não está no pensamento dos defensores daquela tese a ideia de que a invocada rentabilização possa de modo algum advir do investimento do capital em produtos especulativos, «tóxicos» …. O tempo que vivemos, ainda sem perspectivas de, neste particular, grandes melhorias, mostra que esse tipo de aplicações tem redundado na falência dos investidores.             Ora, o que chamamos de investimentos tradicionais – os depósitos a prazo, os PPR’s, os Certificados de Aforro, os Certificados de Tesouro Poupança Mais – vêm oferecendo taxas de juros relativamente baixas que, para aplicações com capital garantido, variam entre os -1,65% e os 4,4%[16]. Mas para o corrente ano, segundo as previsões do Banco de Portugal a taxa de inflação esperada andará por 1%, com previsão de subida em 2016[17], o que diminui com significado, e nalguns casos anula, o rendimento líquido eventualmente proporcionado por qualquer aqueles produtos financeiros. Como diz o Acórdão de 25.11.2009, Pº 397/03.0GEBNV, já citado, «quanto mais baixa for a remuneração do capital, o que hoje é patente em face da continuada descida das taxas de juro, maior quantidade daquele será necessária para alcançar um montante que resista ao paulatino desgaste».             De resto, como nota o citado Acórdão de 06.10.2011, o destino a dar ao dinheiro a que o Demandante tem indiscutivelmente direito, correspondente ao que previsivelmente deixou de receber devido ao acidente, só a ele diz respeito. Assim como se o dissipar nada pode reclamar à Demandada, também nos parece que não tem que prestar contas dos eventuais ganhos que lhe possa proporcionar.             Finalmente, ainda que se aceite aquele fundamento de evitar o enriquecimento pelo investimento do capital, no caso concreto, estando quase atingido metade do tempo considerado no seu cálculo (mais concretamente 8/19 desse período), as eventuais mais-valias que obteria/obterá depois de o receber sempre teriam de compensar o Demandante pelos gastos até agora feitos compatíveis com o nível de vida proporcionado pelos rendimentos que deixou de usufruir e que as quantias que vem recebendo de modo algum cobrem. Por isso que também teria de se atender à diminuição de eventuais economias que possuísse, ao endividamento a que possa ter recorrido para manter aquele nível de vida ou ao sacrifício de ter de suportar um nível de vida inferior ao que que lhe era habitual.             Não vemos, pois, razões, para, no caso sub judice, proceder a qualquer desconto ao valor aritmético que acima calculamos.             Como referimos, o Demandante, no pedido que formulou, deduziu ao produto que calculou 10% por recebimento da totalidade do capital de uma só vez.             Acabamos de concluir que, neste caso, não se justifica esse desconto.             E cremos que, com isso e por isso, não ultrapassamos o princípio consagrado no artº 609º do CPC. Por um lado, porque é ao Tribunal que compete definir quais os factores legais do cálculo da indemnização; por outro, porque, ainda que a indemnização que vier a ser fixada por perda de capacidade de ganho ultrapasse a verba concretamente pedida, isso não importa violação da proibição contida no nº 1 do referido preceito que se reporta, como é sabido, ao valor global do pedido e não a cada uma das suas parcelas.             4.3.2.2.2.3. Nesta conformidade, considerando os factores elencados no início, as duas últimas conclusões a que chegámos e o valor aritmético calculado, e tendo em conta que, aos rendimentos por conta própria, como trabalhador independente, não foi deduzida a contribuição obrigatória para a Segurança Social (cfr. arts. 132º, 143º e 162º e segs, Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (Lei 110/2009, de 16 de Setembro), entendemos ser equitativo fixar a indemnização pela perda de capacidade de ganho, em €800.000,00, a que terá de ser retirada a verba de €45.745,56, correspondente à redução do pedido.             Consequentemente, procede parcialmente, nesta parte, o recurso do Demandante e improcede o correspondente segmento do recurso da demandada “AXA”.                         4.4. Os danos não patrimoniais             4.4.1. Recordemos:             O Demandante pediu a título de indemnização por danos não patrimoniais €230.000,00;             A 1ª Instância fixou essa parcela do pedido em €100.000,00;             O Tribunal da Relação, na procedência parcial do recurso do Demandante, aumentou-a para €170.000,00.             Alega agora o Demandante que se conforma com este montante, «caso se entenda que o mesmo se mostra justificado pelo facto de se computar o dano biológico, como dano patrimonial e pelo valor de 60.000,00€» Mas, «para a eventualidade de o dano biológico vir a ser considerado como dano moral, ou como dano patrimonial por valor inferior a 60.000,00€, e tendo por limite o montante de 230.000,00€ peticionado a título de danos morais», então, atendendo aos factos provados, com especial destaque para o «conjunto inconcebível de consequências brutais e dramáticas, que se traduziram num volte face atroz na [sua] vida e na destruição de todo o seu projecto de vida», à circunstância de o dano pelo medo de morrer dever ser autonomamente quantificado, para cuja indemnização pediu €30.000,00 e que deve ser confirmada, ao sentido da jurisprudência em casos semelhantes, de que cita diversas decisões do Supremo Tribunal de Justiça (Acórdãos de 16.02.2012, de 02.03.2011, de 19.09.2009, de  26.05.2009 e de 03.03.2009),       a Demandada deve ser condenada a pagar-lhe os reclamados €200.000,00 (a que deverão acrescer aqueles €30.000,00).             A Demandada, por sua vez, embora não ponha minimamente em causa o sofrimento do Demandante, não se conforma com o decidido por entender que no «Acórdão Recorrdido se desrespeitou o imperativo de equidade traçado pelo artigo 496º do Código Civil e que recomenda, de forma inequivoca, alguma uniformidade das decisões proferidas em casos semelhantes e, no caso concreto, a manutenção da decisão da 1ª instância».             4.4.2. Não está em causa, como se vê, a verificação de danos não patrimoniais indemnizáveis, nos termos do nº 1 do artº 496º do CCivil. A Demandante, como vimos, não põe em causa «o sofrimento sofrido pelo Autor».             A querela está na sua quantificação.             Nos termos do nº 1 daquele preceito, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos morais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito». Por sua vez, a 1ª parte do nº 4, também do artº 496º, prescreve que «o montante indemnizatório é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstancias referidas no artº 494º».             Embora o dinheiro e as dores físicas ou morais, os vexames, as inibições, os complexos criados por certas deformações estéticas, sejam grandezas heterogéneas e sendo certo que o primeiro não pode indemnizar os malefícios daquela natureza, a prestação pecuniária a cargo do lesante, além de constituir uma sanção adequada, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado. A indemnização por danos morais não visa pagar o dano, antes tem apenas o intuito de atenuar o mal consumado, «sabendo-se que a composição pecuniária pode servir para satisfação das mais variadas necessidades»[18]. E mais vale proporcionar à vítima essa satisfação do que deixá-la sem qualquer amparo»[19].                    Esta ideia da função mista da indemnização por danos não patrimoniais, compensatória mas com componente sancionatória, punitiva, tem sigo acolhida de forma pacífica pela jurisprudência, como pode ver-se, a título de exemplo, pelos Acórdãos deste Tribunal de 04.10.2007, Pº 957/07-7ª e de 19.05.2009, Pº nº 298/06.0TBSJM.S1-6ª.             Uma outra ideia a reter, em termos de quantificação da indemnização, é a de que os correspondentes montantes, a determinar, já vimos, segundo critérios de equidade, devem ser fixados segundo padrões de dignidade humana, devendo, por isso, ter alcance significativo e não meramente simbólico, ou seja, devem ser adequados à compensação do dano sofrido mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro (cfr., por exemplo, o acórdão de 11.02.09, Pº 3980/08-3ª).             Em discussão, como antes dissemos, está o cômputo da indemnização compensatória que implica, obviamente, a consideração dos factos julgados provados.                     E basta ler o arrepiante quadro que nos é revelado pelo conjunto dos factos dos nºs 7, 8 e 29 a 33 para ficarmos com uma ideia das terríveis e horríveis dores, sofrimentos e angústias que o Demandante sofreu, sofre e sofrerá enquanto estiver vivo: dores físicas e psíquicas durante os sucessivos tratamentos e internamentos; paraplegia completa e compromisso dos esfíncteres, com nula hipótese de recuperação total; perda «de toda e qualquer» sensibilidade da linha mamilar para baixo; perda de auto-estima, e da alegria de viver, passando a ser uma pessoa triste e amargurada, deprimida e revoltada; impotência sexual; dependência diária de 3ª pessoa para cuidar de si e da sua higiene; dependência de cadeira de rodas para se movimentar; impossibilidade de exercer qualquer actividade. Como reconheceu o acórdão recorrido, estamos realmente perante uma situação em que o lesado sofreu, sem dúvida danos «muitíssimo graves, que afectam de forma irremediável e dramática a qualidade de vida pessoal, social, sexual e de realização profissional do recorrente, cuja reparação se não compadece, a nosso ver, com a indemnização arbitrada pelo acórdão recorrido».              Ora, como atrás dissemos, vivemos uma época em que é muito baixa, para não dizer insignificante, a rentabilidade do dinheiro, remunerado que está a ser com juros pouco ou nada atraentes. As aplicações lucrativas do passado não muito distante não existem de momento, ao menos no mercado oficial, tradicional, não especulativo.             Deste modo, a compensação condigna dos danos não patrimoniais reclama nos dias de hoje quantias de dinheiro substancialmente superiores às que para tanto eram adequadas ainda não há muito tempo. Por isso que, sem quebra de respeito pelos critérios jurisprudenciais de um passado não muito distante, entendemos que, em plena crise, os valores então praticados têm de ser revistos em alta.             Aliás, já o têm sido, como é exemplo o Acórdão deste Tribunal, de 23.10.08, Revista nº 2318/08-2ª, que, a par de ter continuado a ideia de que as quantias usualmente atribuídas para compensar o dano vida não podem funcionar como limite à indemnização por danos não patrimoniais[20], fixou para a compensação desta categoria de danos, face à sua «impressionante gravidade», a quantia de €180.000,00. E no mesmo sentido, vão as decisões que o Demandante cita na sua motivação.             Nesta conformidade, considerando a gravidade das dores e sofrimentos do Demandante, a ponderação das realidades da vida, e aquelas soluções jurisprudenciais, entendemos que é justa, equilibrada e equitativa a indemnização de €170.000,00 arbitrada pelo Tribunal da Relação ao Demandante a título de indemnização por danos não patrimoniais, que assim confirmamos.             Aliás, sendo a indemnização fixada segundo critérios de equidade, os poderes de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para alterar aquele montante, quer para o desejado pelo Demandante quer o pretendido pela Demandada (reposição da quantia fixada pela 1ª Instância) sempre estariam limitados à hipótese de o tribunal recorrido ter afrontado, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, o que efectivamente não vemos que tenha acontecido (cfr. Acórdãos de 18.03.2010, Pº 1786/02.3SILSB.L1.S1, de 19.02.2014, Pº nº 129/09.0PBMTA.L1.S1 e os neles citados).             Nesta parte improcedem, pois, os recursos tanto do Demandante como da Demandada.             4.5. A exigibilidade do valor das obras de readaptação             4.5.1. A 1ª Instância julgou improcedente esta parte do pedido por o Demandante, embora tendo apresentado orçamentos, como consta dos nºs 36 e 37 dos “Factos Provados”, «não apresentou, contudo, quaisquer facturas dos pagamentos efectuados, como podia e devia» (cfr.fls. 2180).                 O Tribunal da Relação, entendeu, por sua vez, que, «tendo apenas ficado provado o valor que foi orçamentado para a execução daquelas obras e não o seu custo efectivo, sob pena de poder haver um enriquecimento ilegítimo, o que deverá ser pago pela Seguradora é o valor exacto da execução de tais obras, no qual deverá ser descontado o valor já pago a esse título no âmbito do processo por acidente de trabalho».             Ora, alega o Demandante,             - que «a alusão a um putativo enriquecimento ilegítimo apenas se devrá a mero lapso e não a humor negro deslocado e de mau gosto»;             - que foi dado como provada a necessidade das obras, essenciais à sua mobilidade;             - que ficou igualmente provado que viu os seus rendimentos anuais reduzidos de €54.056,00 para €9.800,00;             - que o valor dos orçamentos foi dado como provado, não tendo a Demandada apresentado outro valor;             - que é manifesto não ter meios para pagar essas obras indispensáveis.             É, pois, evidente, diz, o erro de julgamento, porquanto se impunha a condenação da Demandada, «nos termos do disposto nos arts. 483º e 562º do CC, no pagamento do valor dos orçamentos, após desconto do valor já recebido a tal título».             E conclui que a Demandada deve ser condenada a pagar-lhe a esse título a quantia de  €65.383,88[21] (A favor da sua tese, incoca o Acórdão deste Tribunal de 24-04.2012; Pº nº 3075/05.2TBPBL.C1.S1).             4.5.2. A este propósito disse o acórdão recorrido, fls. 2479/80:             «Ora, resultando do disposto nos art.ºs 483º, n.º1, 562º, n.º1 e 563º, todos do C. Civil, a obrigação de reparação dos danos provenientes da lesão e que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, não oferece dúvidas que se traduz num dano (patrimonial) emergente do acidente, merecedor de tutela, a readaptação da casa onde o lesado vivia às suas concretas exigências de mobilidade e a instalação de plataforma elevatória para cadeira de rodas, que o tribunal deu como provado terem sido executadas, facto que não foi impugnado.             Porém, tendo apenas ficado provado o valor que foi orçamentado para a execução daquelas obras e não o seu custo efectivo, sob pena de poder haver um enriquecimento ilegítimo, o que deverá ser pago pela Seguradora é o valor exacto da execução de tais obras, no qual deverá ser descontado o valor já pago a esse título no âmbito do processo por acidente de trabalho (facto provado sob o ponto 58).                Salvo o devido respeito, este raciocínio enferma de manifesta incongruência.             Não comprendemos, de facto, que se afirme ter ficado provado, como efectivamente ficou (nº 36 dos “Factos Provasdos”), sem oposição da Demandada, que, em consequência, do acidente foi necessário realizar obras de adaptação da casa do Demandante e aí instalar uma plataforma elevatória para a cadeira de rodas em que ele se move,  e se sublinhe que essas obras foram  efectivamente executadas e, depois, não condenar a Demandada no custo correspondente que, na economia da decisão de facto, não é outro senão o correspondente ao orçamento apresentado. Se o valor efectivo da realização das obras era outro, cabia à Demandada contrapô-lo àquele e prová-lo. Mas não foi isso o que sucedeu. As obras já foram realizadas, o dano é real e actual. Há que ressarci-lo de acordo com os valores apurados, como mandam os arts. 483º, nº 1 e 566º, nº 2, do CCivil.             Assim, na procedência deste segmento do recurso, condena-se a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de €61.711,88, correspondente ao valor das obras realizadas (€70.783,88), subtraído do valor da redução do pedido (€9.072,00)                             4.6. Indemnização por dependência de terceira pessoa             4.6.1. Questão preliminar             Relativamente a esta questão a Demandada alegou, a dado passo – fls. 2659 e conclusão XXIX – que, «para a eventualidade de se entender que o recurso sobre esta matéria não é admissível em virtude da dupla conforme, a recorrente invoca em seu benefício o Acórdão  STJ de 20.10.2011 … [e], adicionalmente, que se trata de matéria em que está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; e que estão em causa interesses de particular relevância social [e que] … a intervenção estabilizadora do Supremo Tribunal de Justiça é aconselhada pela incerteza jurídica actual»;             No despacho de fls. 2773, o Relator, considerando designadamente que, «relativamente ao Demandante, tanto o valor do pedido como o da sucumbência da Demandada ultrapassa em larga medida aqueles requisitos de admissibilidade da revista» e que «para esse efeito, tem de atender-se a valor global do pedido e não a cada uma das parcelas que o compõem», concluiu que o Tribunal da Relação de Lisboa não confirmou a decisão da 1ª Instância; que a agravou, em termos globais. Por isso que conclui não se colocar aqui a questão da inadmissibilidade da revista por dupla conforme (artº 671º, nº 1, do CPC).             Ratificamos, também agora, esse entendimento.             4.6.2. Posto isto, vejamos qual o objecto da discordância da Demandada neste capítulo.             No pedido inicial, o Demandante alegou, além do mais,  que:                         «…                                73. Finalmente, como supra se referiu, o demandante carece, no dia a dia, da ajuda de              terceira pessoa para a realização das tarefas mais básicas;                                74. Considerando que essa ajuda e consequente dispêndio terá lugar até ao fim da vida            presumível do demandante (presumindo-se que viva até aos 75 anos, por essa ser a média                 nacional para os homens) o montante é fácil de encontrar e ascende a 113.400,00€ (450,00€            (salário mínimo nacional para os trabalhadores do serviço doméstico em 2009)x14x18 (vida             restante).                                75. Mas também aqui, não deixam de funcionar factores correctivos, o principal dos    quais se reporta ao recebimento antecipado de todo o montante, e que justifica a redução      daquele montante para 100.000,00€».                  As instâncias deram como provado designadamente, no que para aqui interessa, o que consta dos nºs 25 – «O assistente precisa da ajuda permanente de terceiro, uma vez que não consegue, entre outras ações, levantar-se, deitar-se, sentar-se na cadeira de rodas e sair dela, vestir-se e tratar da sua higiene pessoal sózinho» – 32 – «O assistente depende de ajudas técnicas, de apoio permanente de terceira pessoa, …» –, e 57, alínea c) – «No Processo por Acidente de Trabalho que correu termos no Tribunal de Trabalho de Cascais - n° 22/09.6TTCSC - a demandada Axa aceitou o acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre este e as lesões apuradas no exame médico nesse âmbito realizado e, em consequência, aceitou pagar as seguintes prestações ao assistente: …c) uma prestação suplementar para auxílio de terceira pessoa no valor mensal de €450.00» – dos “Factos Provados”.             Ora, face aos factos dos nºs 25 e 32, a 1ª Instância considerou ser inequívoco que o Demandante tinha direito a ser ressascido das despesas que, em conseqência da dependência em que ficou, passou a suportar. E fixou a respectiva indemnização em €100.000,00, tendo em conta o s.m.n. durante 14 meses (a receber pela”terceira pessoa”) e a esperança de vida do Demandante (fls. 2180/81).             A Demandada impugnou, no recurso para a Relação, essa decisão, alegando que não há nos autos prova de que o lesado remunere qualquer terceira pessoa pelo auxílio que lhe prestou, preste ou venha a prestar.             O Tribunal da Relação, no entanto, julgou improceente o recurso com base (a) na doutrina do artº 564º, nº 2 do CCivil; (b) porque a Demanda não impugnou aqueles factos nem a forma como o Tribunal alcançou aquele valor; (c) porque já aceitou pagar, no âmbito do processo laboral, indemnização a esse título, tendo reconhecido, na contestação, que a mesma é devida.             Reconhecendo embora que a dependência de terceira pessoa convoca a aplicação do artigo 564º do Código Civil, entende que devia  constar da decisão recorrida a fundamentação jurídica que permitisse à Recorrida compreender por que razão o Tribunal da Relação entende aplicável aquele dispositivo legal, isto é, por que razão entende, em primeiro lugar, que o dano é previsível e, em segundo lugar, por que razão entende que o mesmo é determinável. Não o tendo feito, afirma que o acórdão recorrido enferma de nulidade por falta de fundamentação, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC e viola o disposto nos artigos 342º, 562º e 564º do Código Civil.             Os fundamentos em que assentou a decisão – por um lado, que a Recorrente não impugnou os factos dos nºs 25 e 32; por outro, que a Recorrente já aceitou pagar ao lesado tal indemnização no âmbito do processo por acidente de trabalho e reconheceu, na contestação, que a mesma é devida, sendo nesse ponto incompreensível a sua pretensão" – não procedem, afirma. O primeiro, porque é errado, pois o facto de a Recorrente aceitar o julgamento da matéria de facto, nada diz quanto à circunstância – e era essa circunstância que a Recorrida trazia a juízo no Recurso e que o Tribunal da Relação optou por não analisar – de a necessidade de terceira pessoa equivaler a um dano futuro indemnizável. E explica: «o que está em questão é um direito de natureza patrimonial: e, por isso, o lesado tinha de ter demonstrado – e não o fez – que essa necessidade implicava um empobrecimento da sua parte, ie, que a comparação da sua situação patrimonial posterior ao acidente com a situação patrimonial anterior ao acidente se iria degradar em virtude dessa nova necessidade»; e esse facto é constitutivo do direito e, por isso, o ónus da prova sobre essa matéria incumbia ao lesado, que o omitiu.             De qualquer modo, prossegue, «mesmo que assim não se entendesse, sempre cumpriria ao Tribunal Recorrido fundamentar a sua decisão no sentido de o dano não ser indeterminável, na medida em que, sendo-o (como a AXA entende que é), a sua fixação deve ser relegada para decisão ulterior. E não há nos autos qualquer elemento que permita ao Julgador apurar o quantum do dano em questão. Também esse facto é constitutivo do direito e, por isso, o ónus da prova sobre essa matéria incumbia ao lesado, que o omitiu.             4.6.3. Apreciemos.             Vimos o teor relavante do pedido formulado pelo Demandante e o sentido da decisão de facto relativa a esta parcela do recurso.             Na sequência da alegação de que «não há qualquer prova de que o lesado remunere terceira pessoa pelo auxílio que lhe prestou, preste ou venha a prestar», a Recorrente argui, como vimos, a nulidade do acórdão recorrido porque não explicita, por um lado, por que razão entende que o dano aqui em causa é previsível; por outro, por que entende que o mesmo é determinável, isto é por que entende estarem verificados os pressupostos do nº 2 do artº 564º do CCivil.             A alegação é, porém, com o devido respeito, manifestamente improcedente, face aos factos provados acima elencados, conjugados com aquilo que é notório, inerente à experiência da vida. De facto, se o Demandante necessita de ajuda permanente de terceira pessoa para a realização das tarefas mais básicas; se todos sabemos, por constituir facto notório, que esse indispensável auxílio não é gratuito, tanto marisque vive sozinho (como facto excepcional, cumpria à Demandada alegá-lo e prová-lo – o que não aconteceu), custa-nos a compreender que se questione a previsibilidade do dano patrimonial daí decorrente, correspondente à retribuição desse auxílio. E, sendo incontestável, também era determinável, em função dos factores propostos pelo Demandante, e acabou determinado pelo julgamento das Instâncias. O argumento da Demandada de que «é completamente irrelevante que a AXA tenha aceitado a existência dessa necessidade em sede de “processo por acidente de trabalho”, na medida em que, ai, a prestação é vitalícia, anual, mas não é paga antecipadamente», só demonstra a falência da sua tese. Por um lado, esse acordo tem pressuposta a verificação, e não já a simples previsibilidade do dano; por outro, a sua determinação no âmbito do processo laboral só mostra que é determinável, ainda que com base em pressupostos quantitativamente diferentes.                 Este segmento do recurso é, pois, manifestamente improcedente e, nessa medida, rejeitado (artº 420º, nº 1, alínea), do CPP).                              4.7. A incidência dos juros moratórios                                             Alega o Demandante que o acórdão recorrido, à luz da doutrina do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 09.05.2002 (DR. I Série-A, de 27.06.2002), decidiu que, «à excepção da quantia referente às obras de readaptação da casa do recorrente, todas as indemnizações fixadas se encontram actualizadas, à data do acórdão, apenas sendo devidos juros de mora, após o respectivo trânsito em julgado» (sublinhado nosso).             E, tecendo críticas a essa doutrina, socorrendo-se inclusivamente do sentido de um dos votos de vencido, conclui, como vimos (conclusão 42) que «nos termos do disposto no art.º 686º, nº 3, do CPC, ex vi art.º 4º do CPP, deverá ser proferido novo acórdão uniformizador, no sentido de que sobre o valor da indemnização decorrente de responsabilidade por facto ilícito (como é o caso) ou pelo risco, são devidos juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação do devedor, nos termos do disposto nos arts. 805º, nº 3, e 806º, nº 1, ambos do CC, devendo ser, em consequência, a recorrida Axa condenada no pagamento de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da citação, sobre o valor global da indemnização que vier a ser fixada».             De qualquer maneira, prossegue o Recorrente, nos termos do referido acórdão uniformizador, «a actualização … deve expressamente conter a discriminação do valor que está a ser actualizado, o momento a partir do qual tal actualização é feita e a indicação da(s) respectiva(s) taxa(s) actualizadora(s); além de que a sua «observância … obriga a determinar que os juros se contam desde a data da sentença, em 1ª instância – e não desde o respectivo trânsito em julgado» (cita, a propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.11.2014, Pº nº 5572/05.0TVLSB.L1.S1.             4.7.1. Da pretensão de novo acórdão uniformizador             Face ao pedido de prolação de novo acórdão uniformizador, o processo foi naturalmente presente ao Senhor Conselheiro Presidente deste Tribunal nos termos e para efeitos do artº 686º, nº 1, do CPC, na sequência do despacho do Relator de 27.05.2015, fls. 2774.             Sua Excelência considerou, no entanto, não existir fundamento para determinar, nos termos do referido preceito, o julgamento do recurso com intervenção do pleno das secções cíveis (despacho de 03.06.2015, fls. 2776).             A sua decisão é definitiva, nos termos do nº 4 daquele preceito.             Consequentemente, ficou prejudicada a referida pretensão.             4.7.2. O Acórdão nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002, DR, I Série-A, de 27.06.2002., «tendo em vista a uniformização de jurisprudência» fixou a seguinte norma interpretativa:                         «Sempre que a indemnização pecuniária, por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do       artigo 566º, do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto    nos artigos 805º, nº (interpretado restritamente) e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir dadecisão actualizadora, e não a partir da citação» ,               Pressuposto da aplicação desta doutrina é, pois, que aquela indemnização tenha sido objecto de cálculo actualizado, nos termos daquele nº 2 do artº 566º.             E assim é que, por exemplo, o Acórdão deste Tribunal de 04.10.2007, P nº 2957/07-7ª, decidiu que, «de harmonia com o acórdão de uniformização de jurisprudência nº 4/2002…, se na sentença proferida no tribunal da primeira instância ou no acórdão da Relação não constar a referência ao cálculo da indemnização por via de actualização à data da referida sentença, os juros de mora devidos pela entidade responsável são contados desde a data da citação». E esclareceu: «a prolação dessa decisão actualizadora, …, tem de ter alguma expressão nesse sentido,… [pressupondo], em rigor, que sobre algo já quantificado incida algum elemento ou índice de actualização, situação que não se reconduz necessariamente ao cálculo da indemnização com base no princípio da diferença da esfera patrimonial ou em danos não patrimoniais»                  E o acórdão de 06.06.2012, Pº nº 303/09.9TBVPA.P1.S1. também discorreu no sentido de se impôr a interpretação da decisão condenatória em ordem a determinar se actualizou ou não o cálculo que fez, considerando que, no caso sobre que se debruçou, «da interpretação do acórdão recorrido não resultam sinais de ter optado pela actualização dos montantes indemnizatórios fixados…».             No caso sub judice, o acórdão recorrido diz, na parte final da fundamentação, fls. 2483 o seguinte:             «Por último, considerando que todas as indemnizações fixadas, com excepção dos  valores referentes às obras de readaptação da habitação do lesado, se encontram atualizadas à presente data, serão devidos juros de mora sobre a totalidade das quantias fixadas (descontados os montantes pagos ao abrigo do acordo celebrado em sede de ação por acidente de trabalho para os respetivos danos), desde a data do trânsito em julgado da presente decisão e até efetivo pagamento, à taxa legal supletivamente em vigor. Sobre aquelas outras quantias os juros são devidos desde a data da citação da recorrida Axa- Portugal, no pressuposto de que nessa data já haviam sido suportados pelo lesado».                 Porém, não descortinamos nele o apelo a qualquer indíce de actualização dos valores considerados na decisão da 1ª instância – que, por força do citado artº 566º, nº 2, tem de atender à situação patrimonial do lesado, à data em que é proferida – excepto o valor atribuído a título de danos não patrimoniais. O valor designadamente da verba indemnizatória referente à perda de capacidade de ganho foi majorado, é verdade, não em função de qualquer actualização das despesas consideradas suportadas ou dos rendimentos julgados perdidos pelo Demandante, mas antes em consequência da rectificação/correcção dos factores reclamados pela teoria da diferença, no caso, o tempo de vida relevante.             E, como nos termos do nº 2 do artº 566º, a indemnização tem como referência «a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal», entendemos, na esteira do Acórdão de 20.11.2014, Pº nº 5572/05-0TVLSB.L1.S1, que «a observância do Acórdão … nº 4/2002, … obriga a determinar que os juros moratórios relativos ao montante da indemnização, se contam desde adata da sentença em 1ª Instância…» e não, como pretende o Recorrente, em primeira linha, desde a citação, excepto os relativos à indemnização por danos não patrimoniais, que se contarão a partir da data do acórdão agora em recurso.                         Consequentemente, julgamos parcialmente procedente este segmento do recurso.                         5. Dispositivo             Nos termos e pelas razões expostas, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:             5.1. Relativamente ao recurso do Demandante:             5.1.1. julgá-lo improcedente no segmento em que impugna a indemnização por danos não patrimoniais;             5.1.2. no parcial provimento do segmento em que questiona o valor do dano patrimonial por perda de capacidade de ganho, condenar a Demandada na indemnização em €800.000,00 (oitocentos mil euros) – a que terão de ser descontadas as verbas entretanto recebidas, constantes do requerimento de redução do pedido (€45.745,56) – e, em consequência, revogar o correspondente segmento decisório do acórdão recorrido;             5.1.3. no provimento do segmente em que reclama uma indemnização autónoma pelo dano biológico, condenar a Demandada na indemnização de €60.000,00 (sessenta mil euros) e, nessa medida, alterar o acórdão recorrido;             5.1.4. no provimento do segmeto em que exige a fixação de indemnização por necessidade de obras de adaptação na casa, condenar a Demandada na indemnização de €70.783,88 (setenta mil, setecentos e oitenta e três euros e oitenta e oito cêntimos) – a que terá de ser deduzida a quantia entretanto recebida pelo Demandante, nos termos do requerimento de redução do pedido (€9.072,00) – e, em consequência revogar o correspondente segmento decisório do acórdão recorrido;             5.1.5 no parcial provimento do segmento sobre a incidência dos juros moratórios, determinar:             5.1.5.1. que, relativamente à indemnização fixada para os danos não patrimoniais (€170.000,00), os juros se contam a partir da data da decisão do Tribunal da Relação;             5.1.5.2. que, relatavimente às restantes quantias indemnizatórias, os juros se contam a partir da data da decisão da 1ª Instância, com a correspondente alteração do acórdão recorrido.             5.2. Quanto ao recurso da Demandada AXA:             5.2.1. rejeitá-lo, por não ser admissível, quanto ao segmento em que discute a indemnização atribuída à Demandante, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 420, nº 1, alínea b) e 414º, nº 2, 1ª hipótese, do CPP;             5.2.2. rejeitá-lo, por ser manifestamente improcedente, quanto ao segmento em que impugna a atribuição ao Demandado de indemnização por dependênciade terceira pessoa, nos termos da alínea a) do nº 1 daquele artº 420º;             5.2.3. negar-lhe, no mais, provimento.             5.3. confirmar, no mais não abrangido nas alíneas anteriores, o acórdão recorrido.             Custas pelo Demandante e pela Demandada na proporção do vencido, nos termos dos arts. 523º do CPP, 527º do CPC, 6º do RCP e tabela I-B, anexa.               A Demandada/recorrente pagará ainda a soma de 6 (seis) UC’s, nos termos do nº 3 do citado artº 420º.                                                                                        Lisboa, 25 de Fevereiro de 2015 Processado e revisto pelo Relator Sousa Fonte (Relator) ----------- [1] De facto, só o Demandante figura, no cabeçalho do requerimento/motivação, como recorrente. Aliás, a fls. 2203, § 4º, afirma-se que a demandante Maria Del Carmen se conforma com o valor da indemnização que lhe foi atribuída.                 [2] O Novo CPC, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, está em vigor desde 1 de Setembro de 2013 (cfr. o seu artº 8º).                 Como o Código de 1961, também o Novo Código não contém norma de direito transitório geral sobre a aplicação da lei no tempo.                 Mas constitui princípio geralmente aceite pela doutrina e pela jurisprudência que a nova lei processual, como, de resto, qualquer outra lei, só vale para o futuro, como preceitua o artº 12º do CCivil, com respeito, todavia, pelos actos validamente praticados à sombra da lei antiga.                 Concretamente sobre a questão da admissibilidade dos recursos, ensina a mesma doutrina processualista, no que para a situação concreta interessa, que a nova lei deve aplicar-se a todas as decisões que venham a ser proferidas depois da sua entrada em vigor, em causas pendentes, quer admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue o recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis (Cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 48; Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol.I, 61; Antunes Varela e Outros, “Manual de Processo Civil, 52; Luso Soares, “Direito Processual Civil, 202).                 Certo que a Lei nº 41/2013 contém uma norma de direito transitório especial, a do nº 1 do seu artº 7º, nos termos da qual «aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em acções instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações agora introduzidas, com excepção do disposto no nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente Lei».                 Mas, no caso sub judice, o pedido foi deduzido em 04.06.2010, portanto depois de 1 de Janeiro de 2008, e o recurso em apreciação foi interposto do acórdão da Relação proferido em 2 de Dezembro de 2014.                 A norma em causa não afasta, pois, a aplicação do Novo CPC ao caso sub judice.                 [3] Seguiremos a 11ª versão deste Código, decorrente das alterações introduzidas pelo DL 113/2008, de 01/07, vigente à data dos factos (cfr. o artº 5º deste DL).   [4] A «zona longitudinal da faixa de rodagem destinada à circulação de uma única fila de veículos», como a define a alínea u) do artº 1º do CEstrada [5]  A «parte da via pública especialmente destinada ao trânsito de veículos», como a define a alínea h) do nº 1 do CEstrada. [6] Neste sentido, cfr. Mário Júlio Almeida e Costa, “Direito das Obrigações”, 5ª Edição, 514 e segs e Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, (1970), 472 e segs. [7] O cálculo desta diferença, considerando os pressupostos que enunciou, enferma, também ele, de erro por não ter considerado  90% dos €126.700,00 ditos em falta, correspondentes à IPP de 90%, e não ter procedido, como o acórdão recorrido procedeu,  ao “desconto” de 25%. Consequentemente, a diferença, nesse contexto, será  de €85.522,50 (<€12.670,00x90%x10 anosx75%) ou, não considerando o “desconto”, de €114.030,00). [8] O cálculo, volta a enfermar do erro referido na nota anterior [(€12.670,00+41.386,00)x19 anosx90%=924.357,60. Sem “desconto”. Com o “desconto” de 25% operado pelo acórdão recorrido, o total seria de €693.268.20. E não entrou em linha de conta com o que já recebeu. [9] Como vimos na nota anterior, está errado o valor indicado de €937.027,60. O valor real é, como também vimos, €924.357,60 – razão por que o «valor aritemético», descontado o já recebido, será de €878.612,04, sem qualquer “desconto”.    [10] Aos rendimentos por trabalho  por conta própria (€41.386,00) abateu 20%, sem especificar a que título. [11] Na “Revista Portuguesa do Dano Corporal”, Ano VII, nº 9, 86. [12] Dado colhido em http//WWW.pordata.pt [13] Quantia que corresponde a [(1.000,00 de saláriox14 meses)+100 de subsídio refeiçãox12 meses]­-[195,00 de descontos para a Segurança Social(100,00) e Retenção na  fonte (95,00)x14] ou [1000,00-(100,00+95,00)x14+(100,00x12). Errada, pois, aritmeticamente, a consideração de €12.670,00. Note-se, por outro lado, que, com os cálculos que efectuamos, não nos afastamos do valor fixado no nº 34 dos “Factos Provados, isto é, que a remuneração líquida mensal que o Demandante recebia  por conta doutrem não seja, como aí se diz, a de €905,00. Só que neste valor está incluído o vencimento mensal, auferido 14 meses por ano e o subsídio de alimentação percebido 12 meses por ano. Daí que o rendimento global anual não possa ser o produto de 905,00x14, mas sim o que resulta do cálculo que efectámos.   [14] Ob. cit. 89. [15]  Como vimos, quase 80% dos rendimentos do Demandante provêm da arquitetura, actividade que está particularmente ligada à construção – sector que segundo o jornal “Público” de 03.09.2015, pág. 18, citando dados do INE, apresenta indicadores que reforçam, no segundo trimestre, a tendencia positiva iniciada nos três meses anteriores, dando mostras de que o sector está a sair da crise em que esteve mergulhado durante anos.    [16]  Os melhores depósitos a prazo para novos clientes, oferecem taxas de juros que variam entre 1,512% (6 meses) e 2,016% (3 meses) – em www.deco.proteste.pt/dinheiro/depósitos a prazo, julho de 2015; os seguros PPR renderam em média, durante o ano de 2013, 2,8% (um, rendeu -1,65); os fundos PPR, renderam em média 4,4% no mesmo ano – em www.jornal de negócios.pt/análises_deco/detalhe/reforma, estudo relativo a Outubro de 2014; a taxa de juro bruta, para novas subscrições de CA foi fixada, no corrente mês de Setembro, em 0, 971%; os CTPM subscritos no corrente mês conferem uma taxa efectiva ilíquida entre 1,25%, no primeiro ano, e 2,23 no quinto – em www.igcp.pt/gca/index. [17] Cfr. http://economiafinanças.com/2014. [18] Cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações Em Geral” ed. 1970, 425 e segs. [19] Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 5ª edição, 483.   [20] Neste sentido, cfr. o Acórdão de 08.03.2005, Pº nº 395/05-1ª onde se lê que «embora o bem ‘vida’ seja o bem supremo tal não significa que necessariamente tenha de ser maior a compensação a atribuir pela sua perda nem que ela constitua o limite máximo da que possa ser atribuído por outro dano não patrimonial. Se bem que, por regra, a compensação pela perda da vida deva merecer uma expressão maior há casos que oferecem um cunho de especialidade requerendo que haja um desvio a fazer» [21] Nos termos do pedido e da sua posterior redução, o valor em causa é de €61.711.88 (Cfr. nºs 4 e 5 de fls. 2135 e 2136).