Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
22041/18.1T8LSB.L2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: CONDOMÍNIO
PARTES COMUNS
REPARAÇÕES URGENTES
OBRIGAÇÃO PROPTER REM
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
REEMBOLSO DE DESPESAS
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I — O problema do ónus da prova consiste na atribuição dos resultados da incerteza da prova.

II — As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino.

III — A obrigação de os condóminos pagarem as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e os serviços de interesse comum é uma obrigação propter rem.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recorrentes: AA; BB, CC, DD, EE e FF, herdeiros habilitados de GG; HH; II, JJ e KK; Associação ...; L..., Unipessoal, Lda.; LL e MM

Recorrido: NN

I. — RELATÓRIO

1. NN intentou no Julgado de Paz de ... a presente acção, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 9.° da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, contra AA, GG e HH; II, JJ e KK; OO; Associação ...; L..., Unipessoal, Lda.; LL e MM, pedindo que o tribunal reconheça o direito de propriedade do Autor sobre a dependência para arrecadação sita no imóvel descrito sob o n.º 46 da freguesia do ..., na Conservatória do Registo Predial de ..., ou, em alternativa, condene os Réus a proceder ao pagamento da quantia despendida pelo Autor na realização das obras nas áreas comuns do prédio, de acordo com as suas permilagens.

2. Os Réus AA, GG e HH; Associação ...; L..., Unipessoal, Lda.; LL e MM deduziram reconvenção, pedindo a condenação do Autor no pagamento da quantia de 14000 euros pelo valor das rendas recebidas pelo Autor pelo arrendamento da arrecadação.

3. Em sede de audiência de julgamento no Julgado de Paz de ..., foi fixado o valor da causa em € 57.231,35 e, em consequência, foi declarado incompetente o Julgado de Paz de Lisboapara conhecer do mérito da causa, , em razão do seu valor, e foram remetidos os autos ao presente Juízo Central Cível de ....

4. Em despacho-saneador sentença, não foi admitida a reconvenção, foi julgada improcedente a acção e foi julgado improcedente o pedido de condenação dos Réus como litigantes de má fé.

5. Interposto recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, foi determinado o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido alternativo — direito de crédito.

6. O Autor apresentou nova peça processual e os Réus responderam-lhe, defendendo-se por impugnação e por excepção.

7. Invocaram a excepção peremptória de prescrição do direito alegado pelo Autor.

8. O Tribunal de 1.º instância julgou a acção improcedente, absolvendo os Réus dos pedidos.

9. Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação.

10. O Tribunal da Relação de Lisboa julgou parcialmente procedente o recurso de apelação.

11. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:

a) Revoga-se a sentença de improcedência proferida pelo tribunal a quo;

b) Condena-se os réus a pagar, segundo a sua permilagem no imóvel dos autos, ao autor quantia a liquidar em execução de sentença, com o limite máximo de € 46.643,56 (soma global dos réus), correspondendo o valor a liquidar ao custo das obras (instalação elétrica das zonas comuns; substituição do teto de entrada com colocação de novo teto falso; colocação de apliques ao longo da escada desde a entrada até ao último andar; colocação de sistema de intercomunicadores nos andares) realizadas entre 1998 e 2003.

Custas pelo apelante e pelos apelados, na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil), sendo o autor desde já na proporção de 18,5% e, quanto aos demais 81,5%, as custas são fixadas provisoriamente em partes iguais, sem prejuízo dos acertos a efetuar na subsequente liquidação.

12. Inconformados, os Réus AA, BB, CC, DD, EE e FF, herdeiros habilitados de GG, HH, II, JJ e KK; Associação ...; L..., Unipessoal, Lda.; LL e MM interpuseram recurso de revista.

13. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

A) Vem o presente recurso de revista, interposto do acórdão, aliás, douto que decidiu julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:

i) revogar a sentença de improcedência proferida pelo tribunal a quo;

ii) condenar os réus a pagar, segundo a sua permilagem no imóvel dos autos, ao autor quantia a liquidar em execução de sentença, com o limite máximo de € 46.643,56 (soma global dos réus), correspondendo o valor a liquidar ao custo das obras (instalação elétrica das zonas comuns; substituição do teto de entrada com colocação de novo teto falso; colocação de apliques ao longo da escada desde a entrada até ao último andar; colocaçãodesistemadeintercomunicadores nos andares) realizadas entre1998e2003;

iii) Condenar em custas pelo apelante e pelos apelados, na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil), sendo o autor desde já na proporção de 18,5% e, quanto aos demais 81,5%, as custas são fixadas provisoriamente em partes iguais, sem prejuízo dos acertos a efetuar na subsequente liquidação.”

B) Ora, para além da perplexidade e absoluta surpresa que o teor do acórdão do Tribunal “a quo”, aliás, douto, provoca em qualquer cidadão comum, que somos todos e convém nunca esquecer (inclui os titulares dos órgãos de soberania), o que subjaz do mesmo com particular acuidade é a total e inexistente falta de fundamentação probatória (excepto as declarações de parte do Autor (?!) e a citação das obras do próprio Relator), para extrair as conclusões que extraiu!

C) Com efeito, ao arrepio do mais prudente exercício das respectivas funções, o Tribunal “a quo”, socorrendo-se de aparências, eufemisticamente apelidadas de - existem corroborações periféricas às suas declarações - e tergiversações - suficiente consistência -, que aliás, confessa acolher: “Todos estes meios de prova instrumentais corroboram a versão do autor e dão-lhe suficiente consistência, pese embora os efeitos da erosão do tempo na memória de quem foi ouvido quanto à linha temporal dos factos, sendo ainda certo que o autor poderia ter sido bem mais cuidadoso quanto a documentar as obras e, sobretudo, os pagamentos que fez.” (sublinhados e negritos nossos), podia e deveria ter ordenado a remessa dos autos à 1.ª instância -determinando novasdiligências probatórias adequadasao esclarecimento de tais factos;

D) Mas, a verdade é que, para além das citações de obras do próprio Relator (todas elas muito doutas) para fundamentar a decisão (citações essas, que, apesar de tudo, ainda não constituemfundamento de uma decisão judicial de segunda instânciacondenatória), e sem qualquer respaldo legal no que tange aos presentes autos, o Tribunal “a quo” ao arrepio do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 662.º do C.P.C., com as dúvidas que teve e mantém, poderia e deveria ter ordenado a remessa dos autos à 1.ª instância -determinando a renovação da produção da prova adequada ao esclarecimento de tais factos - credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento (declarações de parte);

Mas, não o fez!

E) Ou, mesmo que assim não fosse considerado,o que se admite sem conceder,a verdade é que, para além das citações de obras do próprio Relator, para fundamentar a decisão (o que, apesar de tudo, ainda não constitui fundamento de uma decisão judicial de segunda instância condenatória), sem qualquer respaldo legal no que tange aos presentes autos, o Tribunal “a quo” ao arrepio do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 662.º do C.P.C., se tinha e (e manifesta-as) dúvidas fundadas sobre a prova realizada, poderia e deveria ter ordenado a remessa dos autos à 1.ª instância - para produção de novos meios de prova;

Também quanto a esta hipótese, o Tribunal “a quo” não o fez!

F) Ou, mesmo que assim não fosse considerado,o que se admite sem conceder,a verdade é que, para além das citações de obras do próprio Relator, sem qualquer respaldo legal no que tange aos presentes autos, o Tribunal “a quo” ao arrepio do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do C.P.C., se considerava que não constavam do processo todos os elementos probatórios que permitissem a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, por que considerada deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta, deveria ter ordenado a remessa dos autos à 1.ª instância - para esse efeito.

Sucede que, também quanto a esta hipótese, o Tribunal “a quo” não o fez!

G) Ou, mesmo que assim não fosse considerado,o que se admite sem conceder,a verdade é que, para além das citações de obras do próprio Relator, sem qualquer respaldo legal no que tange aos presentes autos, o Tribunal “a quo” ao arrepio do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º do C.P.C., se considerava (e considerou), que não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, a 1.ª instância a deveria fundamentar, de acordo com os depoimentos gravados ou registados.

Ora, também quanto a esta hipótese, o Tribunal “a quo” não o fez!

H) Ao não o fazer, o Tribunal “a quo” violou um autónomo poder-dever de indagação oficiosa, ao qual está vinculado, violando o artigo 411.º do C.P.C. e um dos princípios orientadores da reforma do processo civil - o princípio do inquisitório - actuação que consubstancia uma nulidade, que aqui se invoca para os devidos feitos legais;

I) Na verdade, entre os muitos aspectos sui generis do acórdão, aliás, douto, aqui impugnado, é que em face – das dúvidas – “pese embora os efeitos da erosão do tempo na memória de quem foi ouvido quanto à linha temporal dos factos, (…) sendo certo que o autor poderia ter sido bem mais cuidadoso quanto a documentar as obras e, sobretudo, os pagamentos que fez” - (sublinhados e negritos nossos), cujo esclarecimento, estava e estará ao alcance do Autor, Recorrente, aqui Recorrido, tal incerteza não poderia deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (o autor), como decorre do artigo 414.° do C.P.C.;

J) Ora, o princípio do inquisitório é um princípio democrático (não corporativo e por essa razão sindicável de forma aberta, transparente e não restritiva) que neste âmbito, corresponde à função jurisdicional civil, enquanto função do Estado ao serviço da justa composição de litígios, de acordo com a verdade material efectiva e concreta, visto que a sua descoberta envolve os mais altos interesses do Estado e, assim se pretende promover a confiança e a justiça dos tribunais;

K) Se o Tribunal “a quo” estava com dúvidas quanto à prova de vários factos (e como resulta das transcrições, estava e continua a estar, ainda que tal não tenha constituído qualquer limitação para uma condenação sem nenhum suporte documental), deveria ter ordenado a baixa do processo à 1.ª instância para que, em qualquer dos casos supra expostos, tais factos fossem esclarecidos!

Trata-se de um poder-dever.

L) Neste sentido, a título meramente exemplificativo, veja-se:

“I – O princípio do inquisitório adquire plena eficácia na fase da instrução do processo, constituindo um poder-dever que se impõe ao juiz com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio.

II – Este poder-dever cabe com particular acuidade ao juiz de 1ª instância, mas estende-se igualmente às Relações, tribunais que, comoos de 1ªinstância, conhecemda matéria de facto em recurso que para eles seja interposto contra a decisão proferida neste campo.

III – Tendo o objeto do seu conhecimento delimitado pelos concretos pontos de facto que o recorrente, ao abrigo do princípio do dispositivo, tenha indicado como incorretamente julgados, já no tocante à averiguação desses mesmos factos o Tribunal da Relação não tem de limitar a sua análise aos meios de prova indicados pelo recorrente, dispondo, aqui, de amplo poder inquisitório no âmbito do qual pode recorrer à renovação da prova ou à produção de novos meios de prova.” (AC. STJ, de 18.10.2018: Processo n.º 1295/11.0TBMCN.P1.S2- ROSA RIBEIRO COELHO -disponível em www.dgsi.pt - (sublinhados nossos).

“IV- O STJ não pode sindicar, em princípio, o uso feito das competências probatórias atribuídas pelo art. 662º, 1 e 2, tendo em conta a regra de insindicabilidade do n.º 4 do art. 662º. Porém, esta solução não impede, abrigado no fundamento da revista previsto no art. 674º, 1, b), do CPC, que se verifique se a Relação, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites configurados pela lei para esse exercício e/ou verificar se a Relação omitiu oexercíciodetais poderes, que se impunham relativamente a aspectos relevantes para a decisão. Isto é, por um lado, a verificação-censura do mau uso (deficiente ou patológico) desses poderes; por outro lado, a verificação-censura ao não uso dos poderes. Serão sempre situações manifestas e objectivas de vício processual; mas são situações que, mesmo que residuais e muito limitadas, atentos os poderes do STJ, não podem ser ignorados, se assim for, na sindicabilidade da revista.” (AC. STJ, de 15.06.2023: Processo n.º 6132/18.1T8ALM.L1.S2 - RICARDO COSTA - disponível em www.dgsi.pt - (sublinhados nossos).

M) Ao não o ter feito, o Tribunal “a quo” transformou a sua aparente percepção da prova (inexistente e à qual voltaremos sem prejuízo da proibição não democrática e indefensável do recurso em matéria de prova para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, não ser objecto de revista…), numa narrativa desconexa e sem qualquer respaldo na realidade concreta (a nossa vida), para extrair uma conclusão absurda, o que configura uma nulidadedo acórdão, aliás, douto, que aqui sesuscitaparaos devidos feitos legais!

N) Termos em que, padece o acórdão, aliás, douto, de enfermidade que resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 674.º do C.P.C., por violação do artigo 411.º do C.P.C., com as consequências legais;

Para além disso,

P) O acórdão, aliás, douto, aqui impugnado, como se disse, revela as manifesta dúvidas – “pese embora os efeitos da erosão do tempo na memória de quem foi ouvido quanto à linha temporal dos factos, (…) sendo certo que o autor poderia ter sido bem mais cuidadoso quanto a documentar as obras e, sobretudo, os pagamentos que fez” -(sublinhados e negritos nossos), cujo esclarecimento se impunha ao Tribunal “a quo”, suprir, ou pelo menos, ajudar a suprir, através do Autor, Recorrente, aqui Recorrido!;

Q) Todavia, por razões desconhecidas, ainda que para um autor tão prolixo e douto na matéria, o Tribunal “a quo” inverteu de forma inusitada e ilegal o princípio estruturante do processo civil português do ónus da prova tal como decorre do artigo 414.°doC.P.C.;

R) Destarte, à boleia das declarações de parte do Autor, Recorrente, aqui Recorrido, onde não existem documentos nem comprovativos dos pagamentos considerou provados factos sem qualquer suporte probatório!

S) Documentalmente provado está que as alegadas obras realizadas pelo Autor, Recorrente, ora Recorrido, foram – dois apliques colocados na escada - instalação eléctrica das zonas comuns – (com o contador na arrecadação que ocupa sem qualquer título ou direito) - “sem solicitar qualquer autorização ou sequer efectuar comunicação aos restantes condóminos” - “à conta de ter realizado obras que não lhe foram solicitadas, nem autorizadas, o condómino do 2.º andar apropriou-se da arrecadação existente no rés-do-chão e que era comum a todos os condóminos”, mas que nunca foram decididas pelos condóminos, Réus, Recorridos, ora Recorrentes, nem poderiam ser;

T) Nem poderiam ser, pois, pasme-se na sua maioria nem sequer respeitam ao imóvel dos autos e, por maioria de razão às partes comuns do mesmo!

U) Ou seja, na incerteza de que obras foram efectivamente efectuadas, não poderia deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (o autor), como resulta da lei de processo - artigo 414.° do C.P.C.;

Mas, nada disso foi feito! Aliás, foi o inverso!

V) E, para além disso, por absurdo e outras razões que se prefiguram, mas não são pronunciáveis, nunca foram apresentados prévia ou posteriormente aos condóminos, Réus, Recorridos, ora Recorrentes:

i. Os orçamentos das mesmas;

ii. Os documentos denominados de relação de contas, que corresponderão as contas correntes abertas entre o Autor, Recorrente, ora Recorrido e o seu emissor (entretanto encerrado em sem actividade).

W) Ora, para além desses documentos de suporte, essenciais para estabelecer a alegada relação creditícia, em relação aos quais, os condóminos, Réus, Recorridos, ora Recorrentes, desconhecem e não tem obrigação de conhecer, a verdade é que Tribunal “a quo” também não os conhece!

X) Debalde, uma vez mais, sem qualquer apresentação do seu itinerário cognitivo, o acórdão, aliás, é douto, quanto a este propósito é totalmente omisso!

Y) Todavia, apesar da inexistência desses documentos, mesmo que fossem meros guardanapos de papel, por absurdo, o Tribunal “a quo” não poderia deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (o autor), como decorre da lei do processo artigo 414.° do C.P.C.

Z) E não poderia deixar de se pronunciar, pois, são esses os documentos que constituem o fundamento para o alegado reconhecimento da existência de um alegado direito de crédito!

AA) Mas, por absurdo e outras razões que se prefiguram, mas não são pronunciáveis, nas suas tergiversações o Tribunal “a quo”, consegue o feito, em pleno século XXI, 3.º Milénio (por que inexistente):

i. De não provar ou até demonstrar que o Autor, Recorrente, ora Recorrido, pagou as quantias que alegadamente gastou nas obras, ainda que de outros imóveis, é certo:

a. Nem demonstrar a existência das respectivas facturas;

b. Nem demonstrar a existência do comprovativo do pagamento das mesmas;

c. Nem demonstrar a existência da quitação dos alegados pagamentos.

BB) Ou seja, em pleno século XXI, 3.º Milénio, o Tribunal “a quo”, pretende com base única e exclusivamente nas declarações de parte do Autor, Recorrente, ora Recorrido (cuja 1.ª instância bem dissecou e avaliou in loco) reconhecer a existência de um alegado direito de crédito em relação a obras, que não dizem respeito aos autos, a serem pagas pelos Réus, Recorridos, ora Recorrentes, sem qualquer documento de suporte!;

CC) A não ser que o Tribunal “a quo”, em violação do disposto no artigo 129.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.), aceite como admissíveis pagamentos em numerário superiores a € 500, 00 – quinhentos euros – e aceite como fundamento para constituição de um qualquer direito de crédito sobre outros: a seguinte passagem: “pagou ao empreiteiro em várias tranches, sendo que a maior fatia foi em“cash”a pedido do empreiteiro. Afirma que “não foi checar” os pagamentos que fez”! (admitimos que a língua utilizada seja a Portuguesa, mas as partes sublinhadas são nossas e não conseguimos descortinar o significado, nem o alcance).

Como acertadamente escreveu Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, em “O Crime e Castigo”: “Cem coelhos nunca fizeram um cavalo, como cem presunções não fazem uma prova.”

DD) Todavia, apesar da inexistência desses documentos, mesmo que fossem mensagens de telemóvel ou de correio electrónico, por absurdo contemporâneo que fosse, o Tribunal “a quo” não poderia deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (o autor), como decorre da lei do processo artigo 414.° do C.P.C.

EE) Demais a mais, chega-se ao paradoxo de em pleno século XXI, 3.º Milénio, o Tribunal “a quo”, acolher e dar como provado que as obras alegadamente realizadas no imóvel entre 1998 a 2003 (seis anos de obras em zonas comuns….obras urgentes….; afinal, as obras de “Santa Engrácia” , também eram urgentes), alegadamente decorrentes de documentos de 2003, 2004, 2005 e 2006 e que resultam apenas das declarações de parte!

FF) Acresce que, o inverosímil é tal que o Tribunal “a quo”, mesmo quanto a esses documentos juntos pelo Autor, Recorrente, ora Recorrido, os mesmos não se referem às partes comuns do edifício, mas à residência do próprio ou às residências do próprio…!

GG) Ora, imputar aos Réus, Recorridos, ora Recorrentes, sem qualquer documento de suporte, a responsabilidade pelo pagamento de obras, que não dizem respeito aos autos, afigura-se-nos indefensável e injustificável!

HH) Todavia, apesar do teor desses documentos, o Tribunal “a quo” não poderia deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (o autor), como decorre da lei do processo artigo 414.° do C.P.C.

Uma vez mais, fez o inverso!

II) Isto posto, cabia ao Autor, Recorrente, ora Recorrido fazer prova dos factos constitutivos do seu alegado direito de crédito, como resulta do princípio geral do artigo 342.º do Código Civil (C.C.) e, não tendo feito, aliás, mal andou o Tribunal “a quo” em concluir que (à medida):

23. A Família PP, através de QQ, transmitiu ao autor que não comparticiparia nas despesas das obras que o autor mandou realizar, referidas em 24.

24. O autor encomendou a empreiteiro, e este realizou, obras no prédio dos autos consistentes em: instalação elétrica das zonas comuns; substituição do teto de entrada com colocação de novo teto falso; tratamento da madeira da escada incluindo corrimão e rodapés, sendo a madeira recuperada, tratada e polida; pintura geral das escadas; colocação de apliques ao longo da escada desde a entrada até ao último andar; colocação de sistema de intercomunicadores nos andares.

25. As obras referidas em 24 decorreram entre 1998 e 2003, não se tendo apurado o custo efetivo das mesmas.”

JJ) O Tribunal “a quo” não consegue fundamentar com base em que documento ou depoimento, ou qualquer outro meio de prova legalmente admissível para extrair a conclusão resultante do “novo” artigo 23.º, que para mais, está ligado ao artigo 24.º!, para além das declarações de parte!

KK) O Tribunal “a quo” não consegue fundamentar com base em que documento ou depoimento, ou qualquer outro meio de prova legalmente admissível para extrair a conclusão resultante do “novo” artigo 24.º, que para mais, está ligado ao artigo 23.º! para além das declarações de parte!

LL) Por último, de forma inusitada e nunca vista, o Tribunal “a quo” não consegue fundamentar com base em que documento ou depoimento, ou qualquer outro meio de prova legalmente admissível para extrair a conclusão resultante do “novo” artigo 25.º, que para mais, está ligado ao artigo 24.º! para além das declarações de parte!

MM) No domínio do recurso de revista, como o presente, ao Supremo Tribunal de Justiça compete apenas aplicar o Direito aos factos materiais fixados pelas instâncias (artigo 682.º do C.P.C.), pelo que também por esta importante razão se impõe proceder – nos seus aspectos determinantes – a uma completa, clara e inequívoca discriminação da factualidade provada;

NN) Deste modo, e tendo ainda em conta que os documentos não são factos, mas meios de prova de factos, in casu, nos pontos 23.° a 25.° da factualidade provada, sendo certo que praticamente nada se explicita quanto ao essencial do seu conteúdo.

OO) Vale por dizer que, a nova matéria de facto dada como provada (ainda que sem qualquer fundamento) de forma alguma constitui fundamento suficiente para a decisão segura do processo sub judicie, sendo omissa, nomeadamente quanto às seguintes questões:

Como é possível que as obras, mesmo admitindo as descritas no novo facto 24.º, em partes comuns de um edifício em propriedade horizontal com 8 (oito) condóminos, tenham decorrido entre 1998 e 2003, ou seja, durante 6 anos, se possam considerar provadas:

I. Sem qualquer autorização dos condóminos;

II. Sem nenhum dos condóminos as aceitar como realizadas;

III. Sem nenhuma descrição dos trabalhos;

IV. Sem nenhum orçamento de suporte;

V. Sem nenhuma factura de suporte;

VI. Sem nenhum documento comprovativo do pagamento.

PP) Debalde, apesar dessas dívidas existenciais e concretas, o Tribunal “a quo” não poderia deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (o autor), como decorre da lei do processo artigo 414.° do C.P.C.

Contudo, por razões insondáveis, uma vez mais, fez o inverso! Como escreveu Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, em “O Crime e Castigo”: “Não se faz nada sem forças, e essas forças é preciso conquistá-las à força.”

QQ) Mas, o acórdão, aliás, douto, ainda nos reserva mais uns trechos do denominado racionalismo jurídico no seu esplendor, quando dá como provado em relação às obras que “não se tendo apurado o custo efetivo das mesmas.”!

RR) Ora, essa afirmação por si só nos deixa inquietos e perplexos, pois, para além da respectiva obscuridade, é com base nessa singela e anódina conclusão que, de seguida irá permitir ao Tribunal “a quo” condenar os condóminos, Réus, Recorridos, ora Recorrentes no pagamento de um valor que o próprio não consegue dar como provado!

SS) Demais a mais, o Tribunal “a quo” omite em absoluto que os 4.º, 5.º, 6.º, 9.º, 10.º e 11.º Réus, Recorridos, ora Recorrentes, não eram proprietários das fracções à data das alegadas obras, pelo que também nada lhes pode ser exigido!

TT) Com efeito, muitos anos após a aquisição dos imóveis, por parte dos 4.º, 5.º, 6.º, 9.º, 10.º e 11.º Réus, Recorridos, ora Recorrentes, os mesmos estão confrontados com a hipótese de terem de pagar obras cujo valor desconhecem, a sua realização e, que constituirão um encargo absolutamente incomportável e imprevisível para qualquer um eles!

UU) Ora essa insegurança jurídica é indefensável, incomportável e desproporcional e, resulta da omissão do Autor, Recorrente, ora Recorrido!

VV) Ou seja, na incerteza de que obras foram efectivamente efectuadas, não poderia deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (o autor), como resulta da lei de processo artigo 414.° do C.P.C. e, não Réus, Recorridos, ora Recorrentes, com particular acuidade quanto aos 4.º, 5.º, 6.º, 9.º, 10.º e 11.º Réus, Recorridos, ora Recorrentes!

Como escreveu Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, em “O Crime e Castigo”: “Um erro original vale muito mais do que uma verdade banal.”

WW) Ora, em face desse valor que desconhece, por factos estritamente imputáveis ao Autor, Recorrente, ora Recorrido, o Tribunal “a quo” não poderia deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (o autor), como decorre da lei do processo artigo 414.° do C.P.C.

XX) Neste sentido, a título meramente exemplificativo, veja-se:

“I. As regras do ónus da prova (arts. 342.º e ss. do CC) não têm a ver com o julgamento de facto pois neste, independentemente da sua natureza constitutiva, impeditiva, modificativa ou extintiva, cumpre ao juiz apreciar e valorar os factos de harmonia com as provas produzidas à luz do princípio da liberdade de julgamento (art. 655.º do CPC); tais regras têm a ver, sim, com questão de direito de saber em que sentido deve o tribunal decidir no caso de não se provarem determinados factos.

II. Quando o art. 516.º do CPC prescreve que "a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita", a dúvida que aqui se considera não é a dúvida do juiz no julgamento sobre a ocorrência de um facto atenta a prova produzida, pois, em caso de dúvida, impõe-se-lhe decidir no sentido de o facto não se considerar provado. A dúvida aqui equivale ao estado de incerteza sobre a existência do facto que não foi julgado provado a impor a repartição do ónus da prova contra a parte a quem o facto aproveita” (AC. STJ, de 29.5.2012: Proc. 4146/07- disponível em www.dgsi.pt - (sublinhados nossos).

“I. Não é toda a dúvida, lançada em abstracto, que legitima o funcionamento do princípio plasmado no citado art. 516.º do CPC — estando em causa factos pretéritos existe sempre uma dúvida abstractamente possível sobre a sua verificação e/ou autoria, na certeza de que quem os aprecia não os presenciou.

II. Apenas a dúvida argumentada que, em concreto — após a produção e análise crítica de todos os meios de prova relevantes e sua valoração de acordo com os critérios legais — deixa o julgador (objectivo e distanciado do objecto do processo) num estado em que permanece como razoavelmente possível mais do que uma versão do mesmo facto (AC. RG, de 18.9.2012: Proc. 7477/10.4TBBRG.Gl. disponível em www.dgsi.pt -(sublinhados nossos).

“I. O reconhecimento do direito constitui uma contra- excepção à excepção de prescrição, cujo ónus de prova impende sobre os titulares do direito exercido na acção. II. Subsistindo dúvida sobre a verificação do momento concreto em que ocorreu o reconhecimento do direito, deve a mesma ser resolvida contra os titulares do direito exercido na acção, em obediência ao disposto no art. 414.º do CPC (AC. ST.J. de 9.7.2015. Proc. 46/ 1 2: Sumários, 2015. p. 396).”

YY) Termos em que, padece o acórdão, aliás, douto, de enfermidade que resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 674.º do C.P.C., por violação do artigo 414.º do C.P.C., com as consequências legais;

Acresce que,

ZZ) Recorrendo agora à mesma técnica anteriormente utilizada, mas agora com intervenientes distintos, através de transcrições de sumários de acórdãos de Tribunais da Relação, aliás, doutos, para acto contínuo, sem qualquer ponderação da realidade em causa, concluir que – et voilá – as alegadas obras eram urgentes, mesmo que por absurdo o próprio consiga dar como provado que as mesmas duraram 6 (seis) anos!

Contra ineptiam, silentium!

AAA) Ora, qualquer cidadão médio concluirá com meridiana singeleza que, é impossível obras que, alegadamente duraram 6 (seis) anos, possam ser consideradas urgentes, independentemente das doutas decisões dos Tribunais superiores nacionais ou europeus, resultantes do acórdão, aliás, douto;

BBB) Por outro lado, constitui facto público e notório que - mesmo que correspondesse à verdade, o que jávimos não ter qualquer respaldo probatório – obras que, alegadamente duraram 6 (seis) anos, possam ser consideradas urgentes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 412.º do C.P.C.;

CCC) Neste sentido, a título meramente enunciativo, vejam-se:

“I. Os factos notórios são do conhecimento geral, assim elegendo o conhecimento, e não os interesses, como critério de notoriedade, fazendo a lei apelo a uma ideia de publicidade, implicando a extensão e difusão do conhecimento à grande maioria dos cidadãos, de modo que o facto apareça revestido de um carácter de certeza.” (AC. RL, de 11.05.2023: Proc. 61098/21.0YIPRT.L1-6 – GABRIELA FAÁTIMA MARQUES disponível em www.dgsi.pt - (sublinhados nossos).

“I. Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos.” (AC. RC, de 22.06.2010: Proc. 1803/08.3TBVIS.C1 – CARVALHO MARTINS -disponível em www.dgsi.pt - (sublinhados nossos).

“3. Factos notórios são apenas aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação.” (AC. STJ, de 23.02.2005: Proc. 04S3165 – SOUSA PEIXOTO -disponível em www.dgsi.pt” -(sublinhados nossos);

DDD) O que, em consequência, enferma o acórdão, aliás, douto, do que decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 674.º do C.P.C., por violação do n.º 1 do artigo 412.º do C.P.C., com as consequências legais;

EEE) Para além disso, constitui facto público e notório que - mesmo que correspondesse à verdade, o que jávimos não ter qualquer respaldo probatório – obras que, alegadamente duraram 6 (seis) anos, possam ser consideradas urgentes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1427.º do C.C.

FFF) Ou seja, enferma o acórdão, aliás, douto, do que resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 674.º do C.P.C., por violação do artigo 1427.º do C.P.C., com as consequências legais;

Por último,

GGG) Resulta ainda do acórdão, aliás, douto, que:

“Ao contrário do que é sustentado pelos Réus, não colhe aplicação o disposto no Artigo 498º, nº2, do Código Civil, o qual rege sobre o direito de regresso e não para a subrogação legal. O Artigo 498º, nº2, constitui norma inserida em sede de responsabilidade civil extracontratual, não sendo esse o caso.

Assim, o prazo de prescrição aplicável ao direito do autor é o ordinário de vinte anos (Artigo 309º do Código Civil), o qual se inicia “quando o direito puder ser exercido” (nº1 do Artigo 306º do Código Civil).” (sublinhado nosso);

HHH) No caso concreto dos autos, o que temos é o Autor, Recorrente, ora Recorrido a pedir ao Tribunal que: em alternativa ao pedido principal, “que condene os Demandados “a proceder ao pagamento da quantia despendida pelo Demandante na realização das obras nas áreas comuns do prédio, de acordo com as suas permilagens.”

III) Ou seja, de acordo com a causa de pedir formulada pelo Autor, Recorrente, ora Recorrido, estamos no domínio de um alegado contrato de empreitada (ainda que inexistente), no âmbito do qual um dos devedores (um dos condóminos) alegadamente (por que não provado) suportou a quantia que diria respeito a todos (os condóminos) (ainda que as obras em causa tenham sido apenas na sua residência ou residências e não nas partes comuns) e, nessa medida, ao abrigo do artigo 524.º e 592.º ambos do C.C. teria direito de regresso sobre os outros condóminos (devedores).

JJJ) O alegado interesse próprio do Autor, Recorrente, ora Recorrido, a existir, será sempre igual ao dos outros condóminos, aqui Réus, Recorridos, ora Recorrentes, nunca distinto, razão pela qual, salvo melhor opinião, nunca se poderá admitir que: “o autor custeou as obras nas partes comuns perante o credor/empreiteiro, tendo o autor um interesse direto na satisfação desse crédito na medida em que o autor era também condómino e, como tal, tinha interesse na reparação/melhoria das partes comuns do prédio que fruía.”

KKK) Porquanto, o Autor, Recorrente, ora Recorrido, tinha e tem a mesma posição que os Réus, Recorridos, ora Recorrentes em relação ao empreiteiro, ou seja, de devedor e, ao alegadamente suportar esses custos com obras nas zonas comuns, terá direito de regresso sobre os mesmos, cujo prazo de prescrição é de três e, nunca de 20 anos;

LLL) Ora, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 498.º do C.C., o direito do Autor, Recorrente, ora Recorrido, a ser pago pelas quantias despendidas na realização das obras nas áreas comuns do prédio, de acordo com as suas permilagens pelos outros condóminos, Réus, Recorridos, ora Recorrentes, prescreve ao fim de três anos a contar do alegado cumprimento, que de acordo com acórdão, aliás, douto, aqui recorrido terá sido entre 1998 e 2003, o respectivo direito prescreveu em 2008;

MMM) “O objectivo de tal opção foi o de impulsionar uma rápida resolução do conflito que envolve uma complexa articulação de factos, por seu lado reconduzidos a uma série de pressupostos normativos: para além do evento, o direito de indemnização supõe a verificação da ilicitude, da culpa ou do risco, dos danos e do nexo de causalidade entre o evento e os danos.

O sistema jurídico, quando impõe regras como as referentes ao prazo prescricional postula uma correcta e justa composição de interesses contrapostos, procurando satisfazer o direito de crédito do lesado e acautelar o agente relativamente a situações de arrastamento excessivo geradoras de insegurança ou do maior risco de decisões materialmente injustas provocadas pelo funcionamento dos mecanismos probatórios.

NNN) Como é explicado por Vaz Serra, no BMJ 87º, pág. 38, o regime prescricional da responsabilidade civil extracontratual procura compatibilizar os interesses do credor da indemnização e os do devedor, dando prevalência, através da redução do prazo normal, ao factor da segurança jurídica. Também Menezes Cordeiro afirma que o prazo especialmente curto visa, por um lado, pôr rapidamente cobro a situações de insegurança que é representado pela existência de danos imputáveis, cujo ressarcimento, dependente do lesado, se encontra em dúvidas quanto à realização e, por outro, incitar os lesados à realização pronta dos seus direitos (Direito das Obrigações, vol. II, pág. 430).

OOO) O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.” (AC. RE, de 25.06.2020: Proc. 2478/17.4T8PTM.E1 – FLORBELA MOREIRA LANÇA - disponível em www.dgsi.pt -(sublinhados nossos).

PPP) O que, em consequência, enferma o acórdão, aliás, douto, do que decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 674.º do C.P.C., por violação do n.º 2 do artigo 498.º do C.C.

QQQ) Nestes termos e nos demais de Direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá ser revogado o douto acórdão, e determinada a verificação das enfermidades suscitas e imputadas ao mesmo, absolvendo Réus, Recorridos, ora Recorrentes do pedido formulado pelo Autor, Recorrente, ora Recorrido.

RRR) Ser, de todo o modo, o douto acórdão recorrido, ser revogado e substituído por outro que a absolva os Réus, Recorridos, ora Recorrentes do pedido formulado pelo Autor, Recorrente, ora Recorrido, o que se requer, por ser conforme o Direito e de plena JUSTIÇA.

14. O Autor, agora Recorrido, não contra-alegou.

15. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigo 608.º, n.º 2, por remissão do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

I. — se o acórdão recorrido violou os artigos 411.º e 662.º do Código de Processo Civil;

II. — se o acórdão recorrido violou as regras sobre o ónus da prova, designadamente a regra do artigo 414.º do Código de Processo Civil,

III. — se as obras dadas como provadas devem ser qualificadas como reparações urgentes;

iV. — se o direito ao reembolso das despesas realizadas com as reparações urgentes está sujeito ao prazo de prescrição do artigo 498.º, n.º 2, do Código Civil .

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

16. O Tribunal de 1.ª instância deu como provados os factos seguintes:

1. O Autor NN adquiriu a fração D, correspondente ao segundo andar, com entrada pelo n.º 15 do ..., em ..., facto levado a registo em 1993.

2. Os Primeiro, Segundo e Terceiro Réus são proprietários da fração A, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, com entrada pelo n.º 11 do ..., em ....

3. Os Quarto, Quinto, Sexto Réus são proprietários da fração B, correspondente ao rés-do-chão frente, com entrada pelo n.º 15 do ..., em ....

4. A Oitava Ré é proprietária da fração C, correspondente ao primeiro andar, com entrada pelo n.º 15 do ..., em ....

5. A Nona Ré é proprietária da fração E, correspondente ao terceiro andar, com entrada pelo n.º 15 do ..., em ....

6. Os Décimo e Décimo Primeiro Réus são proprietários da fração F, correspondente ao quarto andar, com entrada pelo n.º 15 do ..., em ....

7. À data da aquisição da fração D pelo Autor, os espaços comuns do prédio estavam muito degradados.

8. O prédio estava em total degradação, com particular ênfase no hall de entrada.

9. Não havia luz no hall de entrada do prédio e ao longo de todas as escadas até ao telhado, onde existe uma claraboia.

10. De tal modo que os ocupantes dos últimos andares subiam as escadas de lanterna na mão.

11. Apenas o primeiro andar tinha uma lâmpada, que era acesa de manhã pelo Sr. RR e adjuntos, de modo a evitar que os sócios da Oitava Ré caíssem na escuridão e no tapete "cairo", que forrava as escadas de alto a baixo

12. Em 1992 existiam apenas quatro condóminos: QQ, a Associação ... (representada pelo Sr. RR), o Engenheiro SS (que arrendava a fração do terceiro andar a um atelier de arquitetura e que, por sua vez, residia na fração do quarto andar) e o Autor.

13. Após a aquisição da fração, o Autor iniciou vários contactos com os demais proprietários e os inquilinos (que eram dificultadas pelas más relações entre o Sr. QQ e o Engenheiro SS), tendo tido lugar várias reuniões de condóminos na fração correspondente ao primeiro andar e sede da Oitava Ré, as quais visavam a "gestão" do condomínio e a realização de futuras obras nas zonas comuns do prédio.

14. À data, apesar de constituída a propriedade horizontal, o condomínio não funcionava regularmente: não existia administração nem livro de atas e não eram pagas quotas condominiais.

15. Apenas a Oitava Demandada assumiu o pagamento das obras na proporção da permilagem que lhe cabia.

16. O Engenheiro SS, proprietário das frações do terceiro e quarto andares, assumiu apenas o pagamento dos dois apliques colocados na escada, junto à sua entrada e inicialmente adquiridos pelo Autor.

17. Existia à data uma arrecadação no prédio que a família PP arrendava a um terceiro, já há largo tempo desconhecido no prédio, descrita no título constitutivo da propriedade horizontal como "uma dependência para arrecadação dos inquilinos”.

18. O Autor procedeu à instalação elétrica das zonas comuns, tendo instalado nesse contexto o contador na arrecadação, para que não ficasse à vista dos transeuntes por meros motivos estéticos.

19. Na Assembleia de Condóminos de 8 de Outubro de 2013, na presença de um representante do Autor, foi mencionado que o Autor realizou obras "sem solicitar qualquer autorização ou sequer efetuar comunicação aos restantes condóminos”.

20. Nessa Assembleia foi ainda referido que o Autor "à conta de ter realizado obras que não lhe foram solicitadas, nem autorizadas, o condómino do 2.° andar apropriou-se da arrecadação existente no rés-do-chão e que era comum a todos os condóminos”.

21. Na Assembleia de Condóminos de 24 de Fevereiro de 2014, com o voto contra do representante do Autor, foi deliberado "escrever uma carta ao condómino da fração “D", dando um prazo de 8 dias para entrega da chave da arrecadação, sob pena de a porta da mesma ser arrombada para se poder ter acesso ao quadro elétrico do prédio.”.

22. Na Assembleia de Condóminos de 4 de Maio de 1999, foi eleita por unanimidade a Administração, sendo constituída pelo Dr. TT e pelo Dr. NN, ora Autor.

17. O Tribunal da Relação aditou ao elenco de factos dados como provados os seguintes:

23. A Família PP, através de QQ, transmitiu ao autor que não comparticiparia nas despesas das obras que o autor mandou realizar, referidas em 24.

24. O autor encomendou a empreiteiro, e este realizou, obras no prédio dos autos consistentes em: instalação elétrica das zonas comuns; substituição do teto de entrada com colocação de novo teto falso; tratamento da madeira da escada incluindo corrimão e rodapés, sendo a madeira recuperada, tratada e polida; pintura geral das escadas; colocação de apliques ao longo da escada desde a entrada até ao último andar; colocação de sistema de intercomunicadores nos andares.

25. As obras referidas em 24 decorreram entre 1998 e 2003, não se tendo apurado o custo efetivo das mesmas.

18. Em contrapartida, o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação deram como não provados os factos seguintes:

a) Foram realizadas algumas reuniões entre os então quatro proprietários.

b) Ficou decidido que o Autor diligenciaria pela obtenção de orçamentos para as obras de reparação das zonas comuns do prédio, o que efetivamente fez e levou ao conhecimento dos demais proprietários, pessoalmente e via fax.

c) Logo após obtidos os orçamentos para realização dos primeiros trabalhos, em data que não consegue concretizar, mas que situa em 1995, o Autor deu início aos trabalhos de reparação mais urgentes.

d) Em virtude do estado de degradação do imóvel e do investimento a que a sua recuperação obrigava, os trabalhos desenrolaram-se durante mais de dez anos.

e) Trabalhos que o Autor fazia questão de dar a conhecer aos proprietários das restantes frações, com regularidade e mediante a apresentação de orçamentos.

f) Quer o prédio em si, quer a entrada e escadaria do mesmo, encontravam-se em bastante mau estado, motivo que levou o Autor, logo após a aquisição da sua fração, a reunir com os demais proprietários das restantes frações, com o propósito de discutir a realização de futuras obras naquelas zonas comuns.

g) A Família PP, através do seu legal representante à data, esclareceu logo desde o início que não pretendia “gastar um tostão no prédio" - até porque não queria sentar-se à mesa com o Eng.° Crespo, proprietário das frações do terceiro e quarto andares.

h) Concedido um prazo ao inquilino para entrega do espaço, QQ, em reunião de condóminos que teve lugar no escritório do seu advogado, o Dr. UU, sugeriu que o Autor tomasse para si a dita arrecadação, como compensação dos encargos suportados quase na íntegra com as obras de recuperação do prédio.

i) O que o Autor aceitou.

j) Com esta solução concordaram todos os então proprietários.

k) Nomeadamente a Família PP, que recebia as rendas da referida arrecadação.

l) Apenas então o seu empreiteiro entrou na arrecadação, que limpou e restaurou na íntegra.

m) O Autor organizou, estruturou e custeou todas as obras de recuperação das áreas comuns do prédio, desde a entrada até à claraboia.

n) Foi totalmente restaurada a entrada do prédio, incluindo a escadaria, cuja madeira original foi recuperada, colocada a nu, devidamente tratada e polida.

o) Instalou e custeou um novo sistema de campainhas/intercomunicadores e de câmaras na porta de entrada e em cada andar.

p) Em virtude de um incêndio que destruiu o teto da entrada, o Autor custeou a reparação e aplicou um novo teto falso na entrada, com pontos anti-incêndio.

q) O Autor custeou totalmente a instalação de um armário no hall de entrada do prédio onde pudessem ser guardados os caixotes do lixo, baldes e produtos de limpeza do condomínio.

r) Só na recuperação das partes comuns do prédio, o Autor suportou despesas na ordem dos € 57.231,35.

O DIREITO

19. A primeira questão suscitada pelos Réus, agora Recorrentes, consiste em averiguar se o acórdão recorrido violou o artigo 411.º e / ou o artigo 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

20. Os Réus, agora Recorrentes, alegam que

F) […] o Tribunal “a quo” ao arrepio do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do C.P.C., se considerava que não constavam do processo todos os elementos probatórios que permitissem a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, por que considerada deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta, deveria ter ordenado a remessa dos autos à 1.ª instância - para esse efeito.

Sucede que, também quanto a esta hipótese, o Tribunal “a quo” não o fez!

G) Ou, mesmo que assim não fosse considerado, o que se admite sem conceder, a verdade é que, para além das citações de obras do próprio Relator, sem qualquer respaldo legal no que tange aos presentes autos, o Tribunal “a quo” ao arrepio do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º do C.P.C., se considerava (e considerou), que não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, a 1.ª instância a deveria fundamentar, de acordo com os depoimentos gravados ou registados.

Ora, também quanto a esta hipótese, o Tribunal “a quo” não o fez!

H) Ao não o fazer, o Tribunal “a quo” violou um autónomo poder-dever de indagação oficiosa, ao qual está vinculado, violando o artigo 411.º do C.P.C. e um dos princípios orientadores da reforma do processo civil - o princípio do inquisitório - actuação que consubstancia uma nulidade, que aqui se invoca para os devidos feitos legais;

I) Na verdade, entre os muitos aspectos sui generis do acórdão, aliás, douto, aqui impugnado, é que em face – das dúvidas – “pese embora os efeitos da erosão do tempo na memória de quem foi ouvido quanto à linha temporal dos factos, (…) sendo certo que o autor poderia ter sido bem mais cuidadoso quanto a documentar as obras e, sobretudo, os pagamentos que fez” - (sublinhados e negritos nossos), cujo esclarecimento, estava e estará ao alcance do Autor, Recorrente, aqui Recorrido, tal incerteza não poderia deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (o autor), como decorre do artigo 414.° do C.P.C.;

J) Ora, o princípio do inquisitório é um princípio democrático (não corporativo e por essa razão sindicável de forma aberta, transparente e não restritiva) que neste âmbito, corresponde à função jurisdicional civil, enquanto função do Estado ao serviço da justa composição de litígios, de acordo com a verdade material efectiva e concreta, visto que a sua descoberta envolve os mais altos interesses do Estado e, assim se pretende promover a confiança e a justiça dos tribunais;

K) Se o Tribunal “a quo” estava com dúvidas quanto à prova de vários factos (e como resulta das transcrições, estava e continua a estar, ainda que tal não tenha constituído qualquer limitação para uma condenação sem nenhum suporte documental), deveria ter ordenado a baixa do processo à 1.ª instância para que, em qualquer dos casos supra expostos, tais factos fossem esclarecidos!

Trata-se de um poder-dever.

L) Neste sentido, a título meramente exemplificativo, veja-se:

“I – O princípio do inquisitório adquire plena eficácia na fase da instrução do processo, constituindo um poder-dever que se impõe ao juiz com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio.

II – Este poder-dever cabe com particular acuidade ao juiz de 1ª instância, mas estende-se igualmente às Relações, tribunais que, como os de 1ªinstância, conhecem da matéria de facto em recurso que para eles seja interposto contra a decisão proferida neste campo.

III – Tendo o objeto do seu conhecimento delimitado pelos concretos pontos de facto que o recorrente, ao abrigo do princípio do dispositivo, tenha indicado como incorretamente julgados, já no tocante à averiguação desses mesmos factos o Tribunal da Relação não tem de limitar a sua análise aos meios de prova indicados pelo recorrente, dispondo, aqui, de amplo poder inquisitório no âmbito do qual pode recorrer à renovação da prova ou à produção de novos meios de prova.” (AC. STJ, de 18.10.2018: Processo n.º 1295/11.0TBMCN.P1.S2- ROSA RIBEIRO COELHO -disponível em www.dgsi.pt - (sublinhados nossos).

“IV- O STJ não pode sindicar, em princípio, o uso feito das competências probatórias atribuídas pelo art. 662º, 1 e 2, tendo em conta a regra de insindicabilidade do n.º 4 do art. 662º. Porém, esta solução não impede, abrigado no fundamento da revista previsto no art. 674º, 1, b), do CPC, que se verifique se a Relação, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites configurados pela lei para esse exercício e/ou verificar se a Relação omitiu o exercício de tais poderes, que se impunham relativamente a aspectos relevantes para a decisão. Isto é, por um lado, a verificação-censura do mau uso (deficiente ou patológico) desses poderes; por outro lado, a verificação-censura ao não uso dos poderes. Serão sempre situações manifestas e objectivas de vício processual; mas são situações que, mesmo que residuais e muito limitadas, atentos os poderes do STJ, não podem ser ignorados, se assim for, na sindicabilidade da revista.” (AC. STJ, de 15.06.2023: Processo n.º 6132/18.1T8ALM.L1.S2 - RICARDO COSTA - disponível em www.dgsi.pt - (sublinhados nossos).

M) Ao não o ter feito, o Tribunal “a quo” transformou a sua aparente percepção da prova (inexistente e à qual voltaremos sem prejuízo da proibição não democrática e indefensável do recurso em matéria de prova para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, não ser objecto de revista…), numa narrativa desconexa e sem qualquer respaldo na realidade concreta (a nossa vida), para extrair uma conclusão absurda, o que configura uma nulidade do acórdão, aliás, douto, que aqui se suscita para os devidos feitos legais!

N) Termos em que, padece o acórdão, aliás, douto, de enfermidade que resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 674.º do C.P.C., por violação do artigo 411.º do C.P.C., com as consequências legais.

21. O artigo 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil determina que

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

22. Como se escreve, p. ex., nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 — proferido no processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1 —, de 12 de Julho de 2018 — proferido no processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1 — e de 12 de Fevereiro de 2019 — proferido no processo n.º 882/14.9TJVNF-H.G1.A1 —,

“… o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa escapa ao âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigos 674º nº 3 e 682º nº 2 do Código de Processo Civil), estando-lhe interdito sindicar a convicção das instâncias pautada pelas regras da experiência e resultante de um processo intelectual e racional sobre as provas submetidas à apreciação do julgador. Só relativamente à designada prova vinculada, ou seja, aos casos em que a lei exige certa espécie de prova para a demonstração do facto ou fixa a força de determinado meio de prova, poderá exercer os seus poderes de controlo em sede de recurso de revista” 1;

“… está vedado ao STJ conhecer de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas lhe sendo permitido sindicar a actuação da Relação nos casos da designada prova vinculada ou tarifada, ou seja quando está em causa um erro de direito (artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, nº 2)” 2.

22. Os Réus, agora Recorrente, alega que o Tribunal da Relação deveria ter exercido a faculdade prevista no artigo 411.º 3, determinando a realização de diligências probatórias adicionais ou suplementares, ou, em todo o caso, devia ter exercido as faculdades previstas no artigo 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil 4.

23. Ora o juízo sobre se o exercício das faculdades previstas nos artigos 411.º e 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil é necessário ou conveniente está relacionado com a apreciação das provas disponíveis.

24. Estando relacionado com a apreciação das provas disponíveis, não pode ser sindicado em recurso de revista.

25. O artigo 662.º, n.º 4, do Código de Processo Civil confirma-o, ao dizer que “[d]as decisões da Relação previstas [no n.º] 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.

26. Esclarecido que a primeira questão não pode ser conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça, deve apreciar-se e decidir-se a segunda — se o acórdão recorrido violou as regras sobre o ónus da prova, designadamente a regra do artigo 414.º do Código de Processo Civil:

27. Os Réus, agora Recorrentes, alegam que

P) O acórdão, aliás, douto, aqui impugnado, como se disse, revela as manifesta dúvidas – “pese embora os efeitos da erosão do tempo na memória de quem foi ouvido quanto à linha temporal dos factos, (…) sendo certo que o autor poderia ter sido bem mais cuidadoso quanto a documentar as obras e, sobretudo, os pagamentos que fez” -(sublinhados e negritos nossos), cujo esclarecimento se impunha ao Tribunal “a quo”, suprir, ou pelo menos, ajudar a suprir, através do Autor, Recorrente, aqui Recorrido!;

Q) Todavia, por razões desconhecidas, ainda que para um autor tão prolixo e douto na matéria, o Tribunal “a quo” inverteu de forma inusitada e ilegal o princípio estruturante do processo civil português do ónus da prova tal como decorre do artigo 414.°doC.P.C.;

R) Destarte, à boleia das declarações de parte do Autor, Recorrente, aqui Recorrido, onde não existem documentos nem comprovativos dos pagamentos considerou provados factos sem qualquer suporte probatório!

S) Documentalmente provado está que as alegadas obras realizadas pelo Autor, Recorrente, ora Recorrido, foram – dois apliques colocados na escada - instalação eléctrica das zonas comuns – (com o contador na arrecadação que ocupa sem qualquer título ou direito) - “sem solicitar qualquer autorização ou sequer efectuar comunicação aos restantes condóminos” - “à conta de ter realizado obras que não lhe foram solicitadas, nem autorizadas, o condómino do 2.º andar apropriou-se da arrecadação existente no rés-do-chão e que era comum a todos os condóminos”, mas que nunca foram decididas pelos condóminos, Réus, Recorridos, ora Recorrentes, nem poderiam ser;

T) Nem poderiam ser, pois, pasme-se na sua maioria nem sequer respeitam ao imóvel dos autos e, por maioria de razão às partes comuns do mesmo!

U) Ou seja, na incerteza de que obras foram efectivamente efectuadas, não poderia deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (o autor), como resulta da lei de processo - artigo 414.° do C.P.C.;

Mas, nada disso foi feito! Aliás, foi o inverso!

V) E, para além disso, por absurdo e outras razões que se prefiguram, mas não são pronunciáveis, nunca foram apresentados prévia ou posteriormente aos condóminos, Réus, Recorridos, ora Recorrentes:

i. Os orçamentos das mesmas;

ii. Os documentos denominados de relação de contas, que corresponderão as contas correntes abertas entre o Autor, Recorrente, ora Recorrido e o seu emissor (entretanto encerrado em sem actividade).

W) Ora, para além desses documentos de suporte, essenciais para estabelecer a alegada relação creditícia, em relação aos quais, os condóminos, Réus, Recorridos, ora Recorrentes, desconhecem e não tem obrigação de conhecer, a verdade é que Tribunal “a quo” também não os conhece!

X) Debalde, uma vez mais, sem qualquer apresentação do seu itinerário cognitivo, o acórdão, aliás, é douto, quanto a este propósito é totalmente omisso!

Y) Todavia, apesar da inexistência desses documentos, mesmo que fossem meros guardanapos de papel, por absurdo, o Tribunal “a quo” não poderia deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (o autor), como decorre da lei do processo artigo 414.° do C.P.C.

Z) E não poderia deixar de se pronunciar, pois, são esses os documentos que constituem o fundamento para o alegado reconhecimento da existência de um alegado direito de crédito!

AA) Mas, por absurdo e outras razões que se prefiguram, mas não são pronunciáveis, nas suas tergiversações o Tribunal “a quo”, consegue o feito, em pleno século XXI, 3.º Milénio (por que inexistente):

i. De não provar ou até demonstrar que o Autor, Recorrente, ora Recorrido, pagou as quantias que alegadamente gastou nas obras, ainda que de outros imóveis, é certo:

a. Nem demonstrar a existência das respectivas facturas;

b. Nem demonstrar a existência do comprovativo do pagamento das mesmas;

c. Nem demonstrar a existência da quitação dos alegados pagamentos.

BB) Ou seja, em pleno século XXI, 3.º Milénio, o Tribunal “a quo”, pretende com base única e exclusivamente nas declarações de parte do Autor, Recorrente, ora Recorrido (cuja 1.ª instância bem dissecou e avaliou in loco) reconhecer a existência de um alegado direito de crédito em relação a obras, que não dizem respeito aos autos, a serem pagas pelos Réus, Recorridos, ora Recorrentes, sem qualquer documento de suporte!;

CC) A não ser que o Tribunal “a quo”, em violação do disposto no artigo 129.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.), aceite como admissíveis pagamentos em numerário superiores a € 500, 00 – quinhentos euros – e aceite como fundamento para constituição de um qualquer direito de crédito sobre outros: a seguinte passagem: “pagou ao empreiteiro em várias tranches, sendo que a maior fatia foi em “cash”a pedido do empreiteiro. Afirma que “não foi checar” os pagamentos que fez”! (admitimos que a língua utilizada seja a Portuguesa, mas as partes sublinhadas são nossas e não conseguimos descortinar o significado, nem o alcance).

Como acertadamente escreveu Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, em “O Crime e Castigo”: “Cem coelhos nunca fizeram um cavalo, como cem presunções não fazem uma prova.”

DD) Todavia, apesar da inexistência desses documentos, mesmo que fossem mensagens de telemóvel ou de correio electrónico, por absurdo contemporâneo que fosse, o Tribunal “a quo” não poderia deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (o autor), como decorre da lei do processo artigo 414.° do C.P.C.

EE) Demais a mais, chega-se ao paradoxo de em pleno século XXI, 3.º Milénio, o Tribunal “a quo”, acolher e dar como provado que as obras alegadamente realizadas no imóvel entre 1998 a 2003 (seis anos de obras em zonas comuns….obras urgentes….; afinal, as obras de “Santa Engrácia” , também eram urgentes), alegadamente decorrentes de documentos de 2003, 2004, 2005 e 2006 e que resultam apenas das declarações de parte!

FF) Acresce que, o inverosímil é tal que o Tribunal “a quo”, mesmo quanto a esses documentos juntos pelo Autor, Recorrente, ora Recorrido, os mesmos não se referem às partes comuns do edifício, mas à residência do próprio ou às residências do próprio…!

GG) Ora, imputar aos Réus, Recorridos, ora Recorrentes, sem qualquer documento de suporte, a responsabilidade pelo pagamento de obras, que não dizem respeito aos autos, afigura-se-nos indefensável e injustificável!

HH) Todavia, apesar do teor desses documentos, o Tribunal “a quo” não poderia deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (o autor), como decorre da lei do processo artigo 414.° do C.P.C.

Uma vez mais, fez o inverso!

II) Isto posto, cabia ao Autor, Recorrente, ora Recorrido fazer prova dos factos constitutivos do seu alegado direito de crédito, como resulta do princípio geral do artigo 342.º do Código Civil (C.C.) e, não tendo feito, aliás, mal andou o Tribunal “a quo” em concluir que (à medida):

23. A Família PP, através de QQ, transmitiu ao autor que não comparticiparia nas despesas das obras que o autor mandou realizar, referidas em 24.

24. O autor encomendou a empreiteiro, e este realizou, obras no prédio dos autos consistentes em: instalação elétrica das zonas comuns; substituição do teto de entrada com colocação de novo teto falso; tratamento da madeira da escada incluindo corrimão e rodapés, sendo a madeira recuperada, tratada e polida; pintura geral das escadas; colocação de apliques ao longo da escada desde a entrada até ao último andar; colocação de sistema de intercomunicadores nos andares.

25. As obras referidas em 24 decorreram entre 1998 e 2003, não se tendo apurado o custo efetivo das mesmas.”

JJ) O Tribunal “a quo” não consegue fundamentar com base em que documento ou depoimento, ou qualquer outro meio de prova legalmente admissível para extrair a conclusão resultante do “novo” artigo 23.º, que para mais, está ligado ao artigo 24.º!, para além das declarações de parte!

KK) O Tribunal “a quo” não consegue fundamentar com base em que documento ou depoimento, ou qualquer outro meio de prova legalmente admissível para extrair a conclusão resultante do “novo” artigo 24.º, que para mais, está ligado ao artigo 23.º! para além das declarações de parte!

LL) Por último, de forma inusitada e nunca vista, o Tribunal “a quo” não consegue fundamentar com base em que documento ou depoimento, ou qualquer outro meio de prova legalmente admissível para extrair a conclusão resultante do “novo” artigo 25.º, que para mais, está ligado ao artigo 24.º! para além das declarações de parte!

MM) No domínio do recurso de revista, como o presente, ao Supremo Tribunal de Justiça compete apenas aplicar o Direito aos factos materiais fixados pelas instâncias (artigo 682.º do C.P.C.), pelo que também por esta importante razão se impõe proceder – nos seus aspectos determinantes – a uma completa, clara e inequívoca discriminação da factualidade provada;

NN) Deste modo, e tendo ainda em conta que os documentos não são factos, mas meios de prova de factos, in casu, nos pontos 23.° a 25.° da factualidade provada, sendo certo que praticamente nada se explicita quanto ao essencial do seu conteúdo.

OO) Vale por dizer que, a nova matéria de facto dada como provada (ainda que sem qualquer fundamento) de forma alguma constitui fundamento suficiente para a decisão segura do processo sub judicie, sendo omissa, nomeadamente quanto às seguintes questões:

Como é possível que as obras, mesmo admitindo as descritas no novo facto 24.º, em partes comuns de um edifício em propriedade horizontal com 8 (oito) condóminos, tenham decorrido entre 1998 e 2003, ou seja, durante 6 anos, se possam considerar provadas:

I. Sem qualquer autorização dos condóminos;

II. Sem nenhum dos condóminos as aceitar como realizadas;

III. Sem nenhuma descrição dos trabalhos;

IV. Sem nenhum orçamento de suporte;

V. Sem nenhuma factura de suporte;

VI. Sem nenhum documento comprovativo do pagamento.

PP) Debalde, apesar dessas dívidas existenciais e concretas, o Tribunal “a quo” não poderia deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (o autor), como decorre da lei do processo artigo 414.° do C.P.C.

Contudo, por razões insondáveis, uma vez mais, fez o inverso! Como escreveu Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, em “O Crime e Castigo”: “Não se faz nada sem forças, e essas forças é preciso conquistá-las à força.”

QQ) Mas, o acórdão, aliás, douto, ainda nos reserva mais uns trechos do denominado racionalismo jurídico no seu esplendor, quando dá como provado em relação às obras que “não se tendo apurado o custo efetivo das mesmas.”!

RR) Ora, essa afirmação por si só nos deixa inquietos e perplexos, pois, para além da respectiva obscuridade, é com base nessa singela e anódina conclusão que, de seguida irá permitir ao Tribunal “a quo” condenar os condóminos, Réus, Recorridos, ora Recorrentes no pagamento de um valor que o próprio não consegue dar como provado!

SS) Demais a mais, o Tribunal “a quo” omite em absoluto que os 4.º, 5.º, 6.º, 9.º, 10.º e 11.º Réus, Recorridos, ora Recorrentes, não eram proprietários das fracções à data das alegadas obras, pelo que também nada lhes pode ser exigido!

TT) Com efeito, muitos anos após a aquisição dos imóveis, por parte dos 4.º, 5.º, 6.º, 9.º, 10.º e 11.º Réus, Recorridos, ora Recorrentes, os mesmos estão confrontados com a hipótese de terem de pagar obras cujo valor desconhecem, a sua realização e, que constituirão um encargo absolutamente incomportável e imprevisível para qualquer um eles!

UU) Ora essa insegurança jurídica é indefensável, incomportável e desproporcional e, resulta da omissão do Autor, Recorrente, ora Recorrido!

VV) Ou seja, na incerteza de que obras foram efectivamente efectuadas, não poderia deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (o autor), como resulta da lei de processo artigo 414.° do C.P.C. e, não Réus, Recorridos, ora Recorrentes, com particular acuidade quanto aos 4.º, 5.º, 6.º, 9.º, 10.º e 11.º Réus, Recorridos, ora Recorrentes!

Como escreveu Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, em “O Crime e Castigo”: “Um erro original vale muito mais do que uma verdade banal.”

WW) Ora, em face desse valor que desconhece, por factos estritamente imputáveis ao Autor, Recorrente, ora Recorrido, o Tribunal “a quo” não poderia deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (o autor), como decorre da lei do processo artigo 414.° do C.P.C.

XX) Neste sentido, a título meramente exemplificativo, veja-se:

“I. As regras do ónus da prova (arts. 342.º e ss. do CC) não têm a ver com o julgamento de facto pois neste, independentemente da sua natureza constitutiva, impeditiva, modificativa ou extintiva, cumpre ao juiz apreciar e valorar os factos de harmonia com as provas produzidas à luz do princípio da liberdade de julgamento (art. 655.º do CPC); tais regras têm a ver, sim, com questão de direito de saber em que sentido deve o tribunal decidir no caso de não se provarem determinados factos.

II. Quando o art. 516.º do CPC prescreve que "a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita", a dúvida que aqui se considera não é a dúvida do juiz no julgamento sobre a ocorrência de um facto atenta a prova produzida, pois, em caso de dúvida, impõe-se-lhe decidir no sentido de o facto não se considerar provado. A dúvida aqui equivale ao estado de incerteza sobre a existência do facto que não foi julgado provado a impor a repartição do ónus da prova contra a parte a quem o facto aproveita” (AC. STJ, de 29.5.2012: Proc. 4146/07- disponível em www.dgsi.pt - (sublinhados nossos).

“I. Não é toda a dúvida, lançada em abstracto, que legitima o funcionamento do princípio plasmado no citado art. 516.º do CPC — estando em causa factos pretéritos existe sempre uma dúvida abstractamente possível sobre a sua verificação e/ou autoria, na certeza de que quem os aprecia não os presenciou.

II. Apenas a dúvida argumentada que, em concreto — após a produção e análise crítica de todos os meios de prova relevantes e sua valoração de acordo com os critérios legais — deixa o julgador (objectivo e distanciado do objecto do processo) num estado em que permanece como razoavelmente possível mais do que uma versão do mesmo facto (AC. RG, de 18.9.2012: Proc. 7477/10.4TBBRG.Gl. disponível em www.dgsi.pt -(sublinhados nossos).

“I. O reconhecimento do direito constitui uma contra- excepção à excepção de prescrição, cujo ónus de prova impende sobre os titulares do direito exercido na acção. II. Subsistindo dúvida sobre a verificação do momento concreto em que ocorreu o reconhecimento do direito, deve a mesma ser resolvida contra os titulares do direito exercido na acção, em obediência ao disposto no art. 414.º do CPC (AC. ST.J. de 9.7.2015. Proc. 46/ 1 2: Sumários, 2015. p. 396).”

YY) Termos em que, padece o acórdão, aliás, douto, de enfermidade que resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 674.º do C.P.C., por violação do artigo 414.º do C.P.C., com as consequências legais;

28. O artigo 414.º do Código de Processo Civil pronuncia-se sobre o problema do ónus da prova, dizendo que

A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.

29. O problema do ónus da prova consiste "na atribuição dos resultados da incerteza da prova; noutros termos, trata-se de decidir qual é a parte que perderá o processo se o juiz — que deve pronunciar uma decisão — não pôde formar a sua convicção por não dispor de provas suficientes” 5.

30. O sentido de uma teoria da atribuição / da distribuição do ónus da prova é, por isso, o sentido de uma "teoria das consequências jurídicas da falta de prova” 6os critérios de atribuição / distribuição do ónus da prova dizem-nos qual a parte que corre o risco de perder o processo quando o juiz não possa formar a sua convicção 7.

31. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2021 — processo n.º 2998/11.4TVLSB.L1.L1.S1 —, dir-se-á que “no nosso direito processual, ter o ónus da prova significa sobretudo determinar qual a parte que suporta a falta de prova de determinado facto, mais do que saber qual a parte que tem de efectuar a prova de determinado facto”.

32. Ora, em concreto, o Tribunal da Relação considerou os meios de prova disponíveis suficientes para dar como provados os factos n.ºs 23, 24 e 25.

33. O problema do ónus da prova pura e simplesmente não se põe — “não tendo ocorrido [uma] situação de dúvida insanável sobre a realidade dos factos e tendo sido feita prova efectiva […], não há que recorrer às regras de distribuição ou repartição do ónus da prova” 8.

34. Em resposta à segunda questão dir-se-á que o acórdão recorrido não violou as regras sobre o ónus da prova e, em especial, não violou a regra do artigo 414.º do Código de Processo Civil.

35. A terceira questão consiste em averiguar se as obras dadas como provadas deviam ser qualificadas como reparações urgentes.

36. Os Réus, agora Recorrentes, alegam que

ZZ) Recorrendo agora à mesma técnica anteriormente utilizada, mas agora com intervenientes distintos, através de transcrições de sumários de acórdãos de Tribunais da Relação, aliás, doutos, para acto contínuo, sem qualquer ponderação da realidade em causa, concluir que – et voilá – as alegadas obras eram urgentes, mesmo que por absurdo o próprio consiga dar como provado que as mesmas duraram 6 (seis) anos!

Contra ineptiam, silentium!

AAA) Ora, qualquer cidadão médio concluirá com meridiana singeleza que, é impossível obras que, alegadamente duraram 6 (seis) anos, possam ser consideradas urgentes, independentemente das doutas decisões dos Tribunais superiores nacionais ou europeus, resultantes do acórdão, aliás, douto;

BBB) Por outro lado, constitui facto público e notório que - mesmo que correspondesse à verdade, o que jávimos não ter qualquer respaldo probatório – obras que, alegadamente duraram 6 (seis) anos, possam ser consideradas urgentes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 412.º do C.P.C.;

CCC) Neste sentido, a título meramente enunciativo, vejam-se:

“I. Os factos notórios são do conhecimento geral, assim elegendo o conhecimento, e não os interesses, como critério de notoriedade, fazendo a lei apelo a uma ideia de publicidade, implicando a extensão e difusão do conhecimento à grande maioria dos cidadãos, de modo que o facto apareça revestido de um carácter de certeza.” (AC. RL, de 11.05.2023: Proc. 61098/21.0YIPRT.L1-6 – GABRIELA FAÁTIMA MARQUES disponível em www.dgsi.pt - (sublinhados nossos).

“I. Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos.” (AC. RC, de 22.06.2010: Proc. 1803/08.3TBVIS.C1 – CARVALHO MARTINS -disponível em www.dgsi.pt - (sublinhados nossos).

“3. Factos notórios são apenas aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação.” (AC. STJ, de 23.02.2005: Proc. 04S3165 – SOUSA PEIXOTO -disponível em www.dgsi.pt” -(sublinhados nossos);

DDD) O que, em consequência, enferma o acórdão, aliás, douto, do que decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 674.º do C.P.C., por violação do n.º 1 do artigo 412.º do C.P.C., com as consequências legais;

EEE) Para além disso, constitui facto público e notório que - mesmo que correspondesse à verdade, o que já vimos não ter qualquer respaldo probatório – obras que, alegadamente duraram 6 (seis) anos, possam ser consideradas urgentes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1427.º do C.C.

FFF) Ou seja, enferma o acórdão, aliás, douto, do que resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 674.º do C.P.C., por violação do artigo 1427.º do C.P.C., com as consequências legais”.

37. O artigo 1427.º do Código Civil, na sua antiga redacção, aplicável ao caso sub judice, determinava que

As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino e, na sua nova redacção, resultante da Lei n.º 8/2022, de 10 de Janeiro, determina que

1. — As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino.

2. — São indispensáveis e urgentes as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas.

38. As obras realizadas pelo Autor, agora Recorrido, estão descritas nos factos dados como provados sob os n.ºs 18 e 24.

18. O Autor procedeu à instalação elétrica das zonas comuns, tendo instalado nesse contexto o contador na arrecadação, para que não ficasse à vista dos transeuntes por meros motivos estéticos.

24. O autor encomendou a empreiteiro, e este realizou, obras no prédio dos autos consistentes em: instalação elétrica das zonas comuns; substituição do teto de entrada com colocação de novo teto falso; tratamento da madeira da escada incluindo corrimão e rodapés, sendo a madeira recuperada, tratada e polida; pintura geral das escadas; colocação de apliques ao longo da escada desde a entrada até ao último andar; colocação de sistema de intercomunicadores nos andares.

39. O juízo sobre se as reparações eram ou não indispensáveis e urgentes há-de fundar-se nos factos dados como provados sob os n.ºs 7, 8, 9, 10 e 11:

7. À data da aquisição da fração D pelo Autor, os espaços comuns do prédio estavam muito degradados.

8. O prédio estava em total degradação, com particular ênfase no hall de entrada.

9. Não havia luz no hall de entrada do prédio e ao longo de todas as escadas até ao telhado, onde existe uma claraboia.

10. De tal modo que os ocupantes dos últimos andares subiam as escadas de lanterna na mão.

11. Apenas o primeiro andar tinha uma lâmpada, que era acesa de manhã pelo Sr. RR e adjuntos, de modo a evitar que os sócios da Oitava Ré caíssem na escuridão e no tapete "cairo", que forrava as escadas de alto a baixo.

40. Em consonância com os factos dados como provados sob os n.ºs 7, 8, 9, 10 e 11 deve subscrever-se, sem qualquer reserva, a fundamentação do acórdão recorrido no sentido de que

“devem ser qualificadas como obras indispensáveis e urgentes as seguintes obras realizadas a mando do autor: instalação elétrica das zonas comuns; substituição do teto de entrada com colocação de novo teto falso; colocação de apliques ao longo da escada desde a entrada até ao último andar; colocação de sistema de intercomunicadores nos andares”,

com a explicação de que são obras “atinentes a uma boa conservação e fruição das partes comuns, sendo ainda urgentes na precisa medida em que, a não serem realizadas ou manter-se o status quo ante, a segurança e tranquilidade dos condóminos fica em risco”.

41. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão recorrido, dir-se-á que

“não é aceitável que inexista eletricidade e iluminação nas zonas comuns, que o teto de entrada possa cair sobre os condóminos, bem como que o acesso ao prédio não seja mediado pela existência de intercomunicadores”.

42. Estando preenchido em causa reparações indispensáveis e urgentes, o preenchimento do requisito da falta do administrador resulta do facto dado como provado sob o n.º 14:

14. À data, apesar de constituída a propriedade horizontal, o condomínio não funcionava regularmente: não existia administração nem livro de atas e não eram pagas quotas condominiais.

43. Em resposta à terceira questão, dir-se-á que as obras dadas como provadas devem ser qualificadas como reparações urgentes, no sentido do artigo 1427.º do Código Civil.

44. A quarta questão consiste em averiguar se o direito ao reembolso das despesas realizadas com as reparações urgentes está sujeito ao prazo de prescrição do artigo 498.º, n.º 2, do Código Civil.

45. Os Réus, agora Recorrentes, alegam que

HHH) No caso concreto dos autos, o que temos é o Autor, Recorrente, ora Recorrido a pedir ao Tribunal que: em alternativa ao pedido principal, “que condene os Demandados “a proceder ao pagamento da quantia despendida pelo Demandante na realização das obras nas áreas comuns do prédio, de acordo com as suas permilagens.”

III) Ou seja, de acordo com a causa de pedir formulada pelo Autor, Recorrente, ora Recorrido, estamos no domínio de um alegado contrato de empreitada (ainda que inexistente), no âmbito do qual um dos devedores (um dos condóminos) alegadamente (por que não provado) suportou a quantia que diria respeito a todos (os condóminos) (ainda que as obras em causa tenham sido apenas na sua residência ou residências e não nas partes comuns) e, nessa medida, ao abrigo do artigo 524.º e 592.º ambos do C.C. teria direito de regresso sobre os outros condóminos (devedores).

JJJ) O alegado interesse próprio do Autor, Recorrente, ora Recorrido, a existir, será sempre igual ao dos outros condóminos, aqui Réus, Recorridos, ora Recorrentes, nunca distinto, razão pela qual, salvo melhor opinião, nunca se poderá admitir que: “o autor custeou as obras nas partes comuns perante o credor/empreiteiro, tendo o autor um interesse direto na satisfação desse crédito na medida em que o autor era também condómino e, como tal, tinha interesse na reparação/melhoria das partes comuns do prédio que fruía.”

KKK) Porquanto, o Autor, Recorrente, ora Recorrido, tinha e tem a mesma posição que os Réus, Recorridos, ora Recorrentes em relação ao empreiteiro, ou seja, de devedor e, ao alegadamente suportar esses custos com obras nas zonas comuns, terá direito de regresso sobre os mesmos, cujo prazo de prescrição é de três e, nunca de 20 anos;

LLL) Ora, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 498.º do C.C., o direito do Autor, Recorrente, ora Recorrido, a ser pago pelas quantias despendidas na realização das obras nas áreas comuns do prédio, de acordo com as suas permilagens pelos outros condóminos, Réus, Recorridos, ora Recorrentes, prescreve ao fim de três anos a contar do alegado cumprimento, que de acordo com acórdão, aliás, douto, aqui recorrido terá sido entre 1998 e 2003, o respectivo direito prescreveu em 2008;

MMM) “O objectivo de tal opção foi o de impulsionar uma rápida resolução do conflito que envolve uma complexa articulação de factos, por seu lado reconduzidos a uma série de pressupostos normativos: para além do evento, o direito de indemnização supõe a verificação da ilicitude, da culpa ou do risco, dos danos e do nexo de causalidade entre o evento e os danos.

O sistema jurídico, quando impõe regras como as referentes ao prazo prescricional postula uma correcta e justa composição de interesses contrapostos, procurando satisfazer o direito de crédito do lesado e acautelar o agente relativamente a situações de arrastamento excessivo geradoras de insegurança ou do maior risco de decisões materialmente injustas provocadas pelo funcionamento dos mecanismos probatórios.

NNN) Como é explicado por Vaz Serra, no BMJ 87º, pág. 38, o regime prescricional da responsabilidade civil extracontratual procura compatibilizar os interesses do credor da indemnização e os do devedor, dando prevalência, através da redução do prazo normal, ao factor da segurança jurídica. Também Menezes Cordeiro afirma que o prazo especialmente curto visa, por um lado, pôr rapidamente cobro a situações de insegurança que é representado pela existência de danos imputáveis, cujo ressarcimento, dependente do lesado, se encontra em dúvidas quanto à realização e, por outro, incitar os lesados à realização pronta dos seus direitos (Direito das Obrigações, vol. II, pág. 430).

OOO) O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.” (AC. RE, de 25.06.2020: Proc. 2478/17.4T8PTM.E1 – FLORBELA MOREIRA LANÇA - disponível em www.dgsi.pt -(sublinhados nossos).

PPP) O que, em consequência, enferma o acórdão, aliás, douto, do que decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 674.º do C.P.C., por violação do n.º 2 do artigo 498.º do C.C.

46. A obrigação de os condóminos pagarem as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e os serviços de interesse comum é uma obrigação de conteúdo positivo, qualificável como uma obrigação propter rem 9.

47. Ora, as obrigações propter rem são estruturalmente relações creditórias — e, “por serem, estruturalmente, relações creditórias, devem considerar-se aplicáveis, com as adaptações impostas pela natureza e pelo regime da relação jurídica de que derivam, os princípios dos direitos do crédito” 10.

48. Entre os princípios dos direitos de crédito aplicáveis às obrigações propter rem dos condóminos está o prazo de prescrição de 20 anos do artigo 309.º do Código Civil.

49. Os Réus, agora Recorrentes, alegam que o facto constitutivo do direito do Autor, agora Recorrido, é a responsabilidade civil extracontratual e que o direito que o Autor, agora Recorrido, pretende exercer é um direito de regresso.

50. Ora, não se encontra nenhuma razão para qualificar o direito do autor como um direito de regresso ou a responsabilidade dos condóminos como uma responsabilidade extracontratual — em lugar de uma responsabilidade extracontratual existirá sim uma responsabilidade contratual pelo não cumprimento de uma obrigação propter rem.

51. Esclarecida a natureza da responsabilidade dos condóminos, deve subscrever-se, sem qualquer reserva, a fundamentação do acórdão recorrido no sentido de que

“o prazo de prescrição aplicável ao direito do autor é o ordinário de vinte anos (Artigo 309º do Código Civil), o qual se inicia ‘quando o direito puder ser exercido’ (nº1 do Artigo 306º do Código Civil). A expressão «quando o direito puder ser exercido tem que ser interpretada no sentido de a prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular poder exercitá-lo, portanto, desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação. O critério adotado é, pois, o da exigibilidade da obrigação’ […]. Considerando que está provado que as obras decorreram entre 1998 e 2003, só em 2003 é que o autor estava habilitado a exercer o seu direito de exigir dos demais condóminos a sua parte nas obras que suportou em regime de sub-rogação legal. Só em 2003 é que se definiu o âmbito do direito do autor, só nessa altura era possível a sua quantificação, em suma, só nessa altura é que o crédito se tornou exigível. Tendo esta ação dado entrada em 4.10.2018, infere-se que não ocorreu a invocada prescrição”.

52. Em resposta à quarta questão, dir-se-á que o direito ao reembolso das despesas realizadas com as reparações urgentes está sujeito ao prazo de prescrição do artigo 498.º — e sim ao prazo ordinário de prescrição do artigo 309.º do Código Civil.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes AA; BB, CC, DD, EE e FF, herdeiros habilitados de GG; HH; II, JJ e KK; Associação ...; L..., Unipessoal, Lda.; LL e MM.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2024

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

José Maria Ferreira Lopes

Nuno Ataíde das Neves

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1. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 — processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1.

2. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2018 — processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1.

3. Cujo teor é o seguinte: “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.

4. Cujo teor é o seguinte: “A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.

5. Walther J. Habscheid, Droit judiciaire privé suisse, 2.ª ed., Georg — Librairie de l'Université, Genebra, 1981, pág. 425.

6. Leonardo Prieto-Castro y Ferrándiz, Derecho procesal civil, vol. I, 3ª ed., Tecnos, Madrid, 1975, pág. 138.

7. José Alberto dos Reis, anotação ao artigo 519.º, in: Código de processo civil anotado, vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 1981 (reimpressão), págs. 272-274; Manuel de Andrade (com a colaboração de João de Matos Antunes Varela), Noções elementares de proesso civil (nova edição, revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves), Coimbra Editora, Coimbra, 1979, págs. 203-204; ou João de Matos Antunes Varela / José Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, págs. 461-463; Nuno Manuel Pinto Oliveira, “Ónus da prova e não cumprimento das obrigações”, in: Scientia Juridica, tomo 49 (2000), págs. 173-207 = in: Estudos sobre o não cumprimentos das obrigações, 2.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2009, págs. 109-148.

8. Expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2021 — processo n.º 2998/11.4TVLSB.L1.L1.S1.

9. Cf. Manuel Henrique Mesquita, “A propriedade horizontal no Código Civil português”, in: Revista de direito e de estudos sociais, ano 23.º (1976), págs. 79-152 (151-152), ou Armindo Ribeiro Mendes, “A propriedade horizontal no Código Civil de 1966”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 30 (1970), págs. 5-78 (esp. nas págs. 65 ss.).

10. Cf. Manuel Henrique Mesquita, “A propriedade horizontal no Código Civil português”, cit., pág. 152.