Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3622/15.1T8STS.P1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
PRESSUPOSTOS
DOAÇÃO
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
PATRIMÓNIO DO DEVEDOR
INSUFICIÊNCIA DO ACTIVO
INSUFICIÊNCIA DO ATIVO
AVAL
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES / CONSERVAÇÃO DA GARANTIA PATRIMONIAL / IMPUGNAÇÃO PAULIANA.
Doutrina:
- António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, X, Direito das Obrigações, Garantias, Almedina, 2015, p. 352 e ss.;
- João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, 7.ª Edição, p. 446 e 447 a 451;
- José Carlos Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, p. 411 a 414;
- Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, Almedina, 2002, p. 294 ; Garantia das Obrigações, 2012, 4.ª Edição, p. 58, 59 e 63 a 69;
- Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª Edição, Almedina, p. 857 e 861 a 867.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 610.º, 611.º E 612.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 22-01-2004, PROCESSO N.º 03B3854;
- DE 09-10-2006, PROCESSO N.º 06A2368;
- DE 14-12-2006, PROCESSO N.º 06B388;
- DE 29-11-2011, PROCESSO N.º 7288/07.4TBVNG.P1.S1;
- DE 12-03-2015, PROCESSO N.º 4023/11.6/TCLRS.L1.S;
- DE 01-10-2015, PROCESSO N.º 903/11.7TBFND.C1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Na impugnação pauliana estão em causa actos que se repercutem em termos negativos no património do devedor, quer em virtude do aumento do seu passivo, quer da diminuição do seu activo, entre eles avultando, como é pacificamente reconhecido, a doação de bens, por envolver decréscimo do activo patrimonial do devedor, caso em que a má fé é dispensada.

II - A procedência deste instrumento jurídico conferido aos credores depende da verificação cumulativa dos pressupostos enunciados nos arts. 610.º a 612.º do CC.

III - Para o efeito de preenchimento do pressuposto da insuficiência patrimonial, não devem ser considerados os patrimónios dos devedores solidários. Só releva a suficiência patrimonial do devedor de cujo património saíram os bens doados e sujeitos à impugnação

IV - O crédito, em relação ao avalista, constitui-se no momento em que presta o seu aval.

Decisão Texto Integral:    

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Relatório

I AASA intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, CC, DD, EE e FF, alegando, em síntese, que:

É credor da ré BB no montante de 1.236.990,45 euros, desde 19/11/2012, referente a uma livrança que a mesma avalizou e que na data de vencimento, em 08/09/2009, não liquidou, pese embora interpelada para esse efeito.

Intentou acção executiva contra a mesma, em 05/08/2013, com base na livrança, no âmbito da qual descobriu que aquela, juntamente com o réu CC, seu marido, doaram os dois imóveis que identificou, por escrituras de 15/04/2011 e de 27/02/2013, aos restantes réus, seus filhos.

Tais imóveis constituíam os únicos bens da ré BB, com os quais poderia assegurar o pagamento daquela divida ao A. e as referidas doações impediram a satisfação integral do crédito daquele.

Os réus agiram de má fé, conscientes dos prejuízos que aquelas doações causavam ao A.

Com tais fundamentos, concluiu por pedir a ineficácia, em relação a si, das doações realizadas entre os réus, declarando-se o direito de obter a satisfação do seu crédito à custa dos referidos imóveis, podendo executá-los no património dos donatários.

Os réus contestaram, sustentando, em resumo, que as doações não foram realizadas, com o fim de impedir a satisfação do crédito do A. e delas não resultou a impossibilidade de recebimento do crédito daquele, tanto mais que o mencionado crédito estava e está garantido por hipotecas voluntárias, sendo que, ao tempo, a ré BB era comproprietária de outros bens, assim como eram proprietários de outros bens os demais obrigados perante o A., concluindo, desse modo, pela improcedência da acção.

Na audiência prévia, foi proferido saneador tabelar, seguido da definição do objecto do litigio, com enunciação dos factos já assentes e dos temas da prova.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver os réus do pedido.

Apelou o autor, com total êxito, tendo a Relação do Porto revogado a sentença e, na total procedência da acção, por considerar verificados os requisitos da impugnação pauliana, “declarou ineficaz em relação ao autor as doações identificadas em 4º e 5º do elenco factual provado, declarando o direito de o autor obter a satisfação do seu crédito à custa dos referidos imóveis, podendo executá-los no património dos donatários».

Agora, inconformados, interpuseram os réus recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as seguintes conclusões:

1. O Tribunal de 1ª instância absolveu os RR. porquanto concluiu pela inexistência de fundamento para a impugnação dos negócios jurídicos de doação que foram realizados entre os réus, uma vez que os mesmos, conforme alegaram, demonstraram que à data dos actos impugnados, o crédito do autor estava garantido por hipotecas, sendo que a obrigada 1ª ré ainda possuía bens de valor superior ao do montante do crédito reclamado;

2. O Venerando Tribunal da Relação do Porto revogou tal decisão com base em Jurisprudência deste Ilustríssimo e respeitadíssimo Supremo Tribunal segundo a qual para os fins do disposto no art.° 610°, alínea b), do C. Civil, ou seja, para verificar se das doações dos autos resulta perspectivada a impossibilidade ou o agravamento da impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, apenas releva a suficiência patrimonial do devedor de cujo património saiu o bem doado (Ac. de 22/01/2004, www.dgsi.pt. proc.° n.° 03B3854, entre outros);

3. Os recorrentes, realçando todo o respeito pelo critério utilizado pelo Tribunal recorrido, de resto inspirado nos sábios arestos deste Ilustríssimo Tribunal, considera que a jurisprudência citada, bem como o entendimento que lhe subjaz, não têm aplicação, pelo menos, ao caso concreto;

4. Por um lado, as garantias do Banco credor, ora recorrido, por força das hipotecas constituídas sobre bens de co-devedores solidários para suporte do mesmo crédito, mantiveram-se incólumes, não se verificando, em relação a ele (Banco credor) a previsão ínsita na alínea b) do art.° 610.° do C. Civil;

5. Por outro lado, não obstante as doações, o património da recorrida mostra-se suficiente para garantir o crédito do Banco autor;

6. Mostra-se provado nos autos o seguinte:

a) Em 05 de Agosto de 2013, o crédito do Banco autor ascendia a € 1.280.197,14 (FP-3.°);

b) O Banco autor goza de hipotecas, correspondendo aos primeiros ónus constituídos sobre os bens (FP - 6.° a 9.°);

c) O imóvel (para referir apenas este) dado de hipoteca inscrito na matriz sob o artigo n.° 10623 (anterior 4685), tem o valor patrimonial de € 1. 374.161,75, determinado em 2014, e o valor de mercado, estimado à data de 03/11/2010. em € 3.395.761,00 (FP-10.°);

d) Através de execução hipotecária, intentada para esse efeito contra outros co-devedores. foram adjudicados ao Banco autor bens no valor total € 755.000,00;

e) à data das doações a ré (doadora) BB era proprietária de um imóvel, livre de ónus ou encargos, avaliado em € 72.500,00 (FP - 13.a);

f) à data da doação a ré (doadora) BB era proprietária de um 1/6 do imóvel, livre de ónus ou encargos) identificado na alínea c), que antecede (FP — 14.°);

g) à data da doação a ré (doadora) era proprietária de dois imóveis, livres de ónus ou encargos, avaliados no seu conjunto em € 75.000,00 (FP- 18.°, 19.°, e 20.3).

7. A matéria de facto acima enunciada, e a demais que consta da sentença proferida em 1ª instância, mas que em nada releva para o recurso em apreço, é a única que pode ser tomada em linha de conta, porquanto não foi posta em causa ou alterada pelo Tribunal da Relação;

8. Quer em sede de produção de prova, quer nas alegações que dirigiu ao Tribunal da Relação do Porto, o Banco recorrido teceu, no entanto, considerações baseadas em factos hipotéticos, na medida em que não foram alegados em sede própria, leia-se na fase de articulados;

9. Tais considerações - créditos de terceiros com eventual e incerto privilégio, ou especulação sobre o valor dos imóveis hipotecados - não foram, por isso, apreciadas pelo Tribunal a quo (vd. págs. 8, 9 e 12 da sentença proferida em 1ª instância), nem os factos em que se materializam foram aditados à matéria provada pelo Tribunal da Relação, não podendo ser avaliados pelas instâncias superiores;

10. Não estão em causa a anterioridade do crédito em relação aos actos impugnados, nem a má fé - art.° 610.°, alínea a), e art.° 612.°, n.° 1, do C. Civil;

11. É inquestionável, todavia, que as doações dos autos não impossibilitaram, agravaram, ou puseram em risco a possibilidade de satisfação integral do seu crédito, não se verificando, em concreto, e por um lado, a previsão do art.° 610.°, do C. Civil;

12. Por outro lado, a existência de garantias especiais mais que suficientes para satisfação do crédito exclui a aplicação ao caso sub júdice da jurisprudência deste Supremo Tribunal invocada pelo Banco autor, a que o Venerando Tribunal da Relação do Porto aderiu, e com base na qual o revogou a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância;

13. De outro modo, isso constituiria, além do mais, e no contexto referido, uma limitação ilegal permanente criada na pessoa do devedor relativamente à disposição do seu acervo patrimonial, e um ataque aos direitos de terceiros adquirentes, v.g., por doação, de um ou mais bens do devedor;

14. O citado art.° 610.°, do C Civil não se destina ao devedor especificamente considerado, esteja ele, ou não esteja, numa relação de solidariedade passiva, e põe a tónica na garantia geral patrimonial de que beneficia junto de um ou mais devedores;

15. O risco de o credor ver diminuída ou agravada a garantia de que o respectivo crédito dispõe, tem de ser sério, prático e inegável;

16. No caso dos autos, tal não sucede, pois que a(s) hipoteca(s) sobre o imóvel fabril e sobre outros bens dos devedores garantem, de longe, e em todo o caso, o reembolso do crédito;

17. De resto, em prol dos direitos do devedor, sendo, ou não avalista, e do(s) terceiro(s) adquirente(s), não repugna à sensibilidade jurídica, no domínio da impugnação pauliana, o recurso à analogia com o regime da fiança, v.g., através da aplicação ao caso concreto - onde há garantias hipotecárias suficientes - do disposto no art.° 638.° do C. Civil;

18. A jurisprudência em apreço não é unânime neste Ilustríssimo Tribunal, como se extrai, entre outros, do Ac. de 28/05/1992, in BMJ, n.° 417, pág. 630, onde é admitido que o devedor solidário possa fazer prova - como fizeram os RR. de que os outros co-devedores gozam de uma situação patrimonial que continua a garantir a satisfação do crédito;

19. No mesmo sentido existe doutrina (Maffei Alberti, em L' eventus damni nella revocatoria ordinária, em R.D.C., Ano XV, pág. 501-508, e Angelo Barba, em In tema di azione revocatoriae di solidarietàpassiva, em G.I., Ano 140, parte primeira, pág. 91-94, e em Espanha, Manuel Albaladejo, em Derecho civil R, pág 234);

20. Sem conceder, será mister salientar que após as doações, a 1ª ré, a recorrente BB, ficou com um património imobiliário orçado em € 650.910.167 [(3.395.761,00 + € 75.000,00):6 + € 72.500,00] - cfr. factos provados - 10 - 13 - 18 -19 - 20 - o qual suplanta em larga escala o crédito, no montante de € 525.197,14 (€ 1.280.197,14 - € 755.000,00), do Banco autor, não estando verificado, também por esta via, o pressuposto previsto na alínea b) do art.° 610.°, do C. Civil.

Pedem em consequência a revogação do acórdão recorrido e a subsistência do sentenciado na primeira instância.

Foi oferecida contra-alegação a pugnar pelo insucesso da revista e, colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II -  Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte:

1. O autor concedeu financiamento bancário à sociedade “............, Lda “, com sede e estabelecimento no lugar da G... da freguesia de São ...., do concelho da ..., de que a 1.ª ré era um dos sócios gerentes.

2. A 1.ª ré prestou aval na livrança - emitida a 26 de Maio de 2006 e vencida a 8 de Setembro de 2009 - subscrita pela referida sociedade comercial, garantia pessoal em que foi acompanhada, designadamente, pelos demais sócios, seus familiares directos, GG, HH e II.

3. Em 05 de Agosto de 2013, o autor accionou judicialmente a supra mencionada Livrança, através do processo que se encontra a correr os seus termos sob o n.º 2836/13.3TBSTS, Maia - Instância Central - 2ª Secção de Execução - J2, da Comarca do Porto, em que peticionou o pagamento da quantia de € 1.280.197,14.

4. Através de escritura de doação, outorgada no Cartório Notarial de JJ, em 15/04/2011, do livro 1... A, fls. ..., a 1ª ré e 2º réu, declararam doar aos ora 3º, 4º e 5º Réus DD, EE e FF, seus filhos, pelo valor declarado de € 452.350,00, o imóvel descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de ... sob o n.º ..........., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4685.

5. Através de escritura de doação, outorgada no Cartório Notarial de KK, em 27/02/2013, do livro 155 G, fls. 67, a 1ª ré e 2º réu, doaram aos ora 3º, 4º e 5º réus, pelo valor declarado de € 4.050,00, o imóvel descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de ... sob o n.º .........., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3880.

6. Para garantia do crédito objecto do financiamento aludido em 1., que, em 31/03/2011, montava a € 1.399,763,98, foram constituídas hipotecas voluntárias sobre o prédio urbano, destinado a indústria, com a área coberta de 2.879,9 m2 e área descoberta de 8.820,1 m2, no total de 11.700 m2, composto por edifício de c...e e ........... com logradouro, sito no lugar da ........, da freguesia de São ......., do concelho da ..., descrito na C.R.P. da ... sob o n.º ........., actualmente registo n.º ...e ..., da União das freguesias de B......... (S............).

7. A primeira hipoteca foi registada provisoriamente em 10/05/2006, através da apresentação 10, e convertida em definitiva em 14/07/2006, através da apresentação 12, garantindo o capital de € 1.500.000,00, e o montante máximo de € 1.965.000,00.

8. A segunda hipoteca foi registada definitivamente em 11/06/2008, mediante a apresentação 4, garantindo, por sua vez, o capital de € 112.863,00, e montante máximo de € 154.141,51.

9. Uma e outra correspondem aos primeiros ónus constituídos sobre aquele imóvel.

10. O imóvel dado de hipoteca acha-se inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º 10623 (anterior 4785), com o valor patrimonial de € 1.374.161,75, determinado em 2014, e com valor de mercado, estimado à data de 03/11/2010, em € 3.395.761,00.

11. No âmbito do processo de insolvência da sociedade ............e no cumprimento do plano que aí foi aprovado, por escritura pública de 03/11/2010, a sociedade ............transmitiu para a sociedade Tempo de Tendências Lda. todo o seu activo e passivo, tendo esta aceite essa transmissão, tendo assim transmitido os seguintes imóveis:

- prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 767 e descrito na CRP da ..., São M........... sob o nº.....

- prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 768 e descrito na CRP da T..., São ..., sob o nº5...0.

- prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 694 e descrito na CRP da T..., S.........., sob o nº... sob o qual recaia uma penhora de 06/02/2009.

- prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 3788 e descrito na CRP da ..., ..., sob o nº1..6.

- prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 4785 e descrito na CRP da ..., ..., sob o nº 3...2, sobre o qual recaia o registo das duas hipotecas de 10/05/2006 e 11/06/2008, referidas em 7º e 8º, e uma penhora de 10/02/2009.

12. Está registada a favor da ré BB, desde 07/06/1996, na Conservatória sob o número .., e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6943, a aquisição do imóvel correspondente a um T2, fracção autónoma com a letra X, sito no .... do prédio em regime de propriedade horizontal, com entrada pelo n.º .., da Rua dos ... gaveto com a Av. d..., do lugar de P....., da União das Freguesias de AVer-O-Mar, Amorim e Terroso, do concelho da Póvoa de Varzim.

13. Tal imóvel tem o valor patrimonial de 59.150,00 euros e um valor de mercado, avaliado em 2005, de 72.500,00 euros.

14. Encontrava-se registada desde 28/04/1998 a aquisição do imóvel denominado de Quinta do ............., descrita na CRP de Ponte de ....., freguesia da Correlhã, com a área total de 24.0261, a favor de GG, LL, MM, HH, NN, BB e II.

15. Foi registada sobre este imóvel:

- Em 19/10/2012, penhora para garantia das obrigações contraídas com a Caixa Leasing e Factoring Instituição Financeira de Crédito, pelo valor de 108.954,60 euros

- Em 20/11/2012, penhora para garantia de uma dívida para com OO, PP e QQ Administradores de Condomínio, pelo valor de 14.609,47 euros.

16. Este imóvel incluía o rústico inscrito na matriz sob o artigo 3868 e os urbanos inscritos na matriz sob os artigos 220, 238, 242, 278, 426 e 467, com os valores patrimoniais, em 1989, de 3.474,90, em 2011, de 20.480,00 euros, 9.130,00 euros, 15.910,00 euros, 139.580,00 euros, e em 2012, de 320,00 euros e 120.757,20 euros, respectivamente.

17. Este conjunto de imóveis foi avaliado em 2005 em 2.289.482,36 euros.

18. Estava registada em nome da ré BB e ainda de LL HH, II, MM e NN desde 19/04/2000, a aquisição do imóvel descrito na CRP de Vila Nova de Famalicão sob o nº ..., freguesia de Lousado, correspondente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 675, com a área total de 21.783 m2, com o valor patrimonial de € 720,02, atribuído em 1992.

19. Estava registada em nome da ré BB e ainda de LL, HH, II, MM e NN desde 19/04/2000, a aquisição do imóvel descrito na CRP da ... sob o n º..., ..., correspondente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1197, com a área total de 15.000 m2, com o valor patrimonial de 169,32 euros, atribuído em 1989.

20. Os imóveis inscritos na matriz predial rústica sob os nºs ... e 675 foram avaliados, em conjunto, em 75.000,00 euros, em Dezembro de 2015.

21. O autor desfrutava, ainda, da garantia hipotecária decorrente dos seguintes bens pertencentes aos restantes avalistas, GG e II, sitos na freguesia de São Martinho do Bougado, do concelho da ...:

a) Prédio urbano, composto por casa de habitação de ..., andar e quintal, sito na Rua......, ......, descrito na competente Conservatória sob o número ..........., e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 5067, no valor de € 255.000,00;

b) Prédio urbano, composto por casa de habitação de cave, .... e andar, quintal, sito na Rua D. ... descrito na competente Conservatória sob o número ....., e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 4684, no valor de € 500.000,00.

Tais prédios foram vendidos em execução, sendo adjudicados ao ali reclamante e aqui autor AA pelos indicados valores, num total de € 755.000,00.

22. Os imóveis, objecto das doações em causa nos autos, correspondem à casa de morada da família do casal formado pela 1.ª ré e pelo 2.º réu, e a um terreno contíguo à dita casa, sendo que este último era totalmente alheio à devedora “............, Lda.”, a cujos órgãos sociais não pertencia, em cujo capital não participava, e cujo passivo, não avalizou.

23. Os donatários, filhos da 1.ª ré e do 2.º réu, não tinham à data das doações qualquer actividade profissional, sendo, a par do 2.º réu, seu pai, de todo estranhos à organização e funcionamento da “Adifil”, não se imiscuindo nos negócios desta empresa, nem na actividade aí desenvolvida pelos seus sócios e gerentes, nomeadamente pela sua mãe.

III – Fundamentação de direito

A apreciação e decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil), passam pela análise e resolução da única questão jurídica por eles colocada a este tribunal e que consiste em determinar se existem fundamentos para a procedência da impugnação pauliana em relação às doações de imóveis feitas pelos réus BB e CC aos outros réus, seus filhos, recaindo especial enfoque sobre a alegada suficiência do património da primeira para a satisfação do crédito - alínea b) do artigo 610.º do Código Civil - e a relevância da suficiência do património dos restantes devedores.

Como se sabe, a impugnação pauliana (azione revocatória, acción revocatória, action paulienne, gläubigeranfechtung), referida nos artigos 610.º e ss. do Cód. Civil, permite aos credores, mesmo de direitos ainda não exigíveis, reagir contra actuações jurídicas do devedor que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito[1]. Constitui um instrumento jurídico conferido aos credores, com vista à conservação da garantia geral do cumprimento de obrigações, com ele se tutelando o interesse dos credores contra o desvio do património pelo devedor que implique obstáculo absoluto à satisfação dos seus créditos ou o seu agravamento[2].

A sua procedência depende, segundo os artigos 610.º a 612.º do Cód. Civil, da verificação cumulativa dos seguintes requisitos[3]:

- realização pelo devedor de um acto que diminua a garantia patrimonial do crédito (eventus damni) e não seja de natureza pessoal;

- anterioridade do crédito em relação ao acto ou, sendo ele posterior, prática do acto dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;

- natureza gratuita do acto ou, sendo ele oneroso, que alienante e adquirente tenham agido de má fé; e

- impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do seu crédito ou agravamento dessa impossibilidade.

Na impugnação pauliana estão em causa actos que se repercutem em termos negativos no património do devedor, quer em virtude do aumento do seu passivo, quer da diminuição do seu activo, entre eles avultando, como é pacificamente reconhecido, a doação de bens[4], por envolver decréscimo do activo patrimonial do devedor, o que sucede com as duas doações realizadas entre os réus e aludidas nos pontos 4. e 5. do acervo factual. Além disso, o crédito tem que ser anterior ao acto impugnado ou, sendo ele posterior, o acto seja dolosamente praticado, com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor.

Compreende-se que assim seja, pois que, no momento da constituição do crédito, o credor toma normalmente em consideração a situação patrimonial do devedor, sendo com essa situação que deve poder contar para efeitos da garantia geral, e sendo o acto posterior, não poderá dizer-se que se alterou a garantia patrimonial com que o credor contava, quando o crédito se constituiu. Daí a ressalva da hipótese do acto anterior ao crédito, mas dolosamente praticado com a finalidade de “impedir a satisfação do direito do futuro credor” - parte final da alínea a) do artigo 610.º do Código Civil – eventualidade que aqui não há que conjecturar, dado que o crédito do autor derivado do aval prestado pela ré BB data de 26/05/2006 (cfr. ponto 2. dos factos provados), sendo, portanto, anterior às impugnadas doações.

É sabido que o dador de aval em livrança garante o pagamento desse título cambiário, sendo responsável da mesma maneira que a subscritora, a pessoa afiançada (artigos 30.º a 32.º e 77.º da LULL). A sua responsabilidade é solidária (e não apenas subsidiária) e, como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal, de 12 de Março de 2015, www.dgsi.pt, proc. nº 4023/11.6/TCLRS.L1.S (e que se crê ser jurisprudência pacífica) “o crédito, em relação ao avalista, constitui-se no momento em que presta o seu aval”.

Tendo tal ocorrido a 26/5/2006 (cfr. ponto 2. dos factos provados) e datando as doações objecto de impugnação de 15/04/2011 e 27/02/2013 (cfr. pontos 4. e 5. dos factos provados), encontra-se preenchido o requisito da anterioridade do crédito, previsto na primeira parte da alínea a) do artigo 610.º do Código Civil.

É óbvio que se o acto impugnado for gratuito não se exige que o alienante e o adquirente estejam conluiados porque os interesses subjacentes a um acto gratuito cedem perante os direitos do credor. Diferentemente, se a alienação é a título oneroso, a impugnação pauliana só procede se o devedor e o terceiro adquirente tiverem agido de má fé (o chamado consilium fraudis), como tal se entendendo a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.

No caso, revestindo as doações operadas entre os réus natureza gratuita, uma vez que no património da devedora, a ré BB, não entrou qualquer contraprestação, é irrelevante, como bem refere o acórdão recorrido, apurar da existência de má fé.

Terá que verificar-se ainda a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do seu crédito ou agravamento dessa impossibilidade. Estão aqui abrangidos não apenas os casos em que o acto implique a colocação do devedor numa situação de insolvência ou agrave essa situação, se ela já se verificava, mas também os casos em que, embora não ocorrendo essa insolvência, o acto produza ou agrave a impossibilidade fáctica de o credor obter a execução judicial do crédito[5]. Por outro lado, o juízo sobre a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito deve reportar-se à data do acto impugnado.

Enunciados os requisitos de que depende a procedência da impugnação, importa sublinhar que, no tocante ao ónus da prova, em desvio ao regime geral sobre a sua distribuição, cabe ao credor a prova do montante do crédito que tem contra o devedor, da anterioridade dele em relação ao acto impugnado, e ao devedor e ou ao terceiro adquirente existência de bens penhoráveis de valor igual ou superior na titularidade do obrigado (artigo 611.º do Cód. Civil).

Decorre da factualidade provada (cfr. pontos 1. a 5. do elenco factual provado) que o autor era credor da ré BB e que esse crédito é anterior à dos actos impugnados, as duas doações referidas em 4. e 5. desse elenco. Têm-se, assim, por verificados esses dois requisitos, restando apenas o relativo à impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do seu crédito ou agravamento dessa impossibilidade, já que, como antes se salientou, a má fé não se coloca, dada a natureza gratuita das doações impugnadas.

No que toca à impossibilidade de o autor obter a satisfação do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade, os recorrentes sustentam que, contrariamente ao que decidiu o acórdão recorrido, está provado que, à data relevante (prática dos actos impugnados), tanto no seu património como nos patrimónios dos restantes devedores solidários existiam bens de valor suficiente para satisfação do crédito da autora.

A tal propósito, cabe esclarecer que, conforme decidiu o acórdão recorrido, com o abono da jurisprudência que abundantemente citou, para o efeito de preenchimento do pressuposto da insuficiência patrimonial, não devem ser considerados os patrimónios dos devedores solidários. Só releva a suficiência patrimonial do devedor de cujo património saíram os bens doados, no caso o da ré BB.

Como evidencia o acórdão deste Tribunal Supremo de 01-10-2015, proc. nº 903/11.7TBFND.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt., tal «questão já por diversas vezes foi analisada pelo Supremo Tribunal de Justiça, que concluiu no sentido de não poderem ser tidos em conta os patrimónios dos (outros) devedores solidários (cfr., por exemplo, os acórdãos de 22 de Janeiro de 2004, www.dgsi.pt, proc. nº 03B3854 – “Existindo uma pluralidade de devedores solidários, a garantia patrimonial não é constituída pela mera soma dos respectivos patrimónios, mas sim pela cumulação dos mesmos patrimónios, responsáveis, cada um de per si, pela totalidade do crédito. Por outras palavras, a garantia patrimonial global do crédito deriva da existência duma pluralidade delas, funcionando autonomamente. Tal garantia resulta, por isso, não apenas do montante dos patrimónios obrigados, mas também da sua articulação. Quando um destes patrimónios deixa de poder responder pela totalidade do crédito, o sistema de garantia patrimonial fica afectado, independentemente dos restantes patrimónios poderem ser suficientes para o cumprimento da obrigação. Desta forma, a impugnação pauliana tem como objecto unicamente o património do autor do acto impugnado, porque, como se disse, mesmo estando em causa apenas a solvabilidade de um só devedor, está diminuída a garantia geral do crédito”, e de 9 de Outubro de 2006, www.dgsi.pt, proc. nº 06A2368 – “No caso de existirem devedores solidários, apenas importa a situação em que ficou o património no qual se integrava o bem sobre o qual recai o acto impugnado, pois é característica da solidariedade a existência de várias garantias patrimoniais autónomas, respondendo cada um dos devedores pela prestação integral (artº 512º, nº 1 do CC), podendo o credor atacar com a impugnação pauliana os actos praticados sobre qualquer um dos patrimónios-garantes e que ponham em risco a possibilidade de obter a satisfação do seu crédito pelos bens desse património, independentemente da situação dos restantes.” ou de 14 de Dezembro de 2006, www.dgsi.pt, proc. nº 06B3881, e jurisprudência nele citada).

Esta tem sido a jurisprudência deste Tribunal que aqui também se sufraga, sendo por isso de refutar a interpretação que os recorrentes fazem para concluir, com recurso à analogia do regime da fiança, que a impossibilidade da satisfação do crédito ou o seu agravamento se deve aferir, em conjunto, pelos patrimónios não só da ré BB como dos restantes devedores solidários. Neste campo, só releva, portanto, a suficiência ou insuficiência patrimonial da primeira ré, à data das doações impugnadas e, não havendo prova dessa suficiência, cuja contabilização avançada pelos recorrentes não se acolhe, por misturar dados e valores de diferentes datas (anteriores e posteriores), quando tal deveria ser aferido em relação à data de cada uma das doações, considera-se preenchido o pressuposto previsto na alínea b) do artigo 610.º do Código Civil.

Em suma, vindo provada a constituição do crédito identificado na lista de factos provados, demonstrada a sua anterioridade em relação às datas das doações impugnadas e não havendo prova clara e segura de que a doadora tinha no seu património, à data de cada doação, bens penhoráveis de maior valor, há que concluir que, contrariamente ao sustentado pelos recorrentes, estão preenchidos os pressupostos necessários para a procedência da impugnação.

Nesta conformidade, improcedem ou mostram-se deslocadas todas as conclusões dos recorrentes, a quem não assiste razão para se insurgirem contra o decidido pela Relação, que não merece os reparos que lhe apontam, nem viola as disposições legais que indicam.

IV – Decisão

Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar consequentemente o acórdão recorrido.

 Custas pelos recorrentes.


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Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663º, n.º 7, e 679º, ambos do CPC).

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Lisboa, 13 de Setembro de 2018

António Joaquim Piçarra (Relator)

Fernanda Isabel Pereira

Olindo Geraldes

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[1] Cfr. José Carlos Brandão Proença, in Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, pág. 411, e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 2002, pág. 294.
[2] Cfr., neste sentido, João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, pág. 446, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Garantia das Obrigações, 2012, 4ª edição, págs. 58 e 59, e Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, pág. 857.
[3] Cfr., para maior desenvolvimento, João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, págs. 447 a 451, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Garantia das Obrigações, 2012, 4ª edição, págs. 63 a 69, José Carlos Brandão Proença, in Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, págs. 411 a 414,António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, X, Direito das Obrigações, Garantias, Almedina, 2015, págs. 352 e ss, e Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, págs. 861 a 867.
[4] Cfr., neste sentido, João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, pág. 447, e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Garantia das Obrigações, 2012, 4ª edição, pág. 63.
[5] Cfr, neste sentido, a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2011, proc. nº 7288/07.4TBVNG.P1.S1, e de 01-10-2015, proc. nº 903/11.7TBFND.C1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.