Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6640/12.8TBMAI.P2.S2
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
REQUERIMENTO
PRAZO
TRÂNSITO EM JULGADO
DECISÃO FINAL
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 06/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. No Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2022, proferido em 10.10.2021 (Proc. 1118.16.3T8VRL-B.G1.S1-A), consagrou-se o seguinte segmento uniformizador: “a preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.

II. Estando transitada em julgado a decisão final dos autos aquando da apresentação do requerimento de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, deve este requerimento ser indeferido.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



1. Notificados do Acórdão proferido, em 10.03.2022, por este Supremo Tribunal de Justiça, que julgou improcedeu o recurso e confirmou o Acórdão recorrido, vieram Tejo - J. J. Tomé - Sousa Pedro – Pinto & Cruz - Instalações Electromecânicas Centro Comercial Dolce Vita Tejo, A. C. E.; João Jacinto Tomé, SA; Sousa Pedro - Projectos e Gestão de Instalações Técnicas, S.A.; e Pinto & Cruz, Lda.nos termos e para os efeitos do nº 7º do artigo 6º do Regulamento das Custas Judiciais”, requerer a dispensa do pagamento do valor do remanescente da taxa de justiça.

Para tal, alegam o seguinte:

1º Conforme preceituado no artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

2º Nos termos do n.º 7, da mesma disposição legal, nas causas de valor superior a €275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

3º A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, depende, assim, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da menor complexidade ou simplicidade da causa e da cooperação das partes durante o processo.

4º Como refere Salvador da Costa “A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes” (Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4ª edição, pag. 236).

5º A este propósito refere o artigo 530, nº.7, do Código de Processo Civil que “Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as cautelares que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.”

6º Questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, de um modo geral, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr. Acórdão T.C.A. Sul-2ª. Secção, 13/3/2014, proc.7373/14, citado na promoção que antecede).

7º No que concerne à conduta processual das partes deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual previsto no artigo 8.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual as partes devem pautar a sua conduta processual pelos princípios da cooperação e da boa-fé.

8º Decorre, pois, do exposto, que a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do citado artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais permite obstar a que a uma ação de elevado valor que fique aquém dum padrão de elevada complexidade corresponda uma tributação desproporcionada e desadequada ao trabalho efetivamente prestado e aos custos que acarretou para o sistema judicial, visando-se, com recurso a tal mecanismo, alcançar um equilíbrio o pagamento de taxa "versus" o serviço de administração de justiça.

9º Mas para além destes requisitos, outro se coloca, e prende-se com a oportunidade de apresentação de tal pedido, tendo-se entendido maioritariamente que tal pedido deve ser formulado antes de elaborada a conta, sendo desajustado e extemporâneo fazê-lo em sede de reclamação da conta – neste sentido, entre outros, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.05.2018, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.07.2017, ambos acessíveis em www.dgsi.pt .

10º Com efeito, concorda-se com tal situação porquanto, ao ser elaborada a conta é tida em consideração a situação existente aquando da realização de tal ato, sendo que o incidente de reclamação da conta apenas tem por objeto obviar a situações em que a conta não tenha sido elabora corretamente, afigurando-se que o incidente de reclamação da conta sempre foi reportado à existência de erros ou ilegalidades na elaboração material da conta de custas, não sendo – perante os princípios definidores da tramitação do processo civil -instrumento processual adequado para enunciar, pela primeira vez, questões ou objeções que têm a ver com a decisão judicial sobre as custas (e não com a sua materialização ou execução prática) – Acórdão do STJ citado.

11º Ademais, até por uma questão de otimização dos recursos, já que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida quando concedida após a elaboração de conta implica a inutilização da conta devidamente elaborada.

12º No que aos presentes autos diz respeito, é manifesto que a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça está em tempo.

13º Em tais hipóteses, não é só em nome de um inaceitável comprometimento do acesso à justiça que a dispensa deve ser admitida, mas essencialmente em nome do princípio do Estado de direito democrático consagrado no art.º 2.º da Constituição, e a que está submetido funcionalmente o relacionamento impositivo do Estado no confronto dos cidadãos. Pois que, como significam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., p. 206), o preceito do Estado de direito democrático também assegura a proteção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça, especialmente por parte do Estado.

14º Podemos dizer que o preceito garante também a decência nas relações funcionais impositivas do Estado (neste caso o sistema de justiça) para com os cidadãos. Este será o último subsídio para o evitamento de graves injustiças.

15º No caso concreto, a tramitação processual da presente ação não revestiu carácter complexo, não foram suscitadas questões jurídicas de grande complexidade, não podendo os recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça configurar-se como tal, não foram suscitados incidentes ou questões dilatórias tendentes a dificultar a normal prossecução dos autos com vista à decisão final nem há indicação de censura à atuação processual das partes.

16º Contudo, há que atender às várias sessões de julgamento agendadas, e ao tempo total de duração do processo.

17º Face às considerações acima tecidas quanto à complexidade dos autos e respetiva tramitação, entende-se que, efetivamente, o montante da taxa de justiça final fixado será manifestamente desproporcional em função do serviço prestado, pelo que em termos de juízo de proporcionalidade, razoabilidade e adequação, face à tramitação processada, ao comportamento processual das partes, aos valores da ação, das taxas de justiça já pagas, e ao valor do remanescente da taxa de justiça, mostra-se materialmente justificado o exercício do poder de conformação casuística do valor das custas, dispensando-se o pagamento da parte excedente ao valor tributário de €275.000,00.

18º Por conseguinte, atendendo ao referido princípio da proporcionalidade que subjaz à solução legal consagrada no n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais, solicita-se a dispensa do pagamento do valor remanescente da taxa de justiça”.


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Atendendo à jubilação da Senhora Conselheira originariamente titular do processo, foi o presente requerimento concluído à ora Relatora, que desempenhava a função de 1.ª Adjunta aquando da prolação do Acórdão de 10.03.2022.

Cumpre decidir.


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Dispõe-se no artigo 6.º. n.º 7, do Regulamento das Custas Judiciais (doravante RCP):

Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Não havendo dúvidas de que o valor da causa é superior a € 275.000, passe-se à oportunidade do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Neste ponto, não pode deixar de se ter presente o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2022, proferido em 10.10.2021 (Proc. 1118.16.3T8VRL-B.G1.S1-A), onde se consagrou o seguinte segmento uniformizador:

A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.

Ora, verifica-se que a decisão final do processo (proferida, como se disse, em 10.03.2022) já há tempo transitou em julgado (mais precisamente, em 24.03.2022).

Sendo aplicável ao presente caso a jurisprudência uniformizada acima referida, não resta senão concluir que o direito que os requerentes pretendem fazer valer (de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça) ficou precludido.


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DECISÃO

Pelo exposto, indefere-se o presente requerimento.


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Custas do incidente pelos requerentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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Catarina Serra (relatora)

Rijo Ferreira

Cura Mariano