Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
365/13.4TTVNG.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: TRANSPORTES INTERNACIONAIS DE MERCADORIAS POR ESTRADA - TIR
CLÁUSULA 74ª. Nº 7 DA CCT
TRABALHO SUPLEMENTAR
SUSPENSÃO DA CLÁUSULA 40ª
Data do Acordão: 02/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO / APLICAÇÃO DAS LEIS NO TEMPO.
DIREITO DO TRABALHO -CONTRATO DE TRABALHO / RETRIBUIÇÃO E OUTRAS PRESTAÇÕES PATRIMONIAIS / PAGAMENTO DO TRABALHO SUPLEMENTAR - DIREITO COLECTIVO / INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO / CONVENÇÃO COLECTIVA.
Doutrina:
- MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho – Parte III – Situações Laborais Colectivas, Almedina, 2012, p. 288.
- MENEZES CORDEIRO, Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Julho de 1998”, in O Direito, ano 121.º, 1989 I (Janeiro- Março), pp. 193, 194.
- PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 2010, 5.ª Edição, Almedina, p.p. 1222 e 1223.
Legislação Nacional:
CCTV CELEBRADO ENTRE A ANTRAM E A FESTRU, PUBLICADO NO BTE N.º9, 1.ª SÉRIE, DE 08.03.1980 E NO BTE N.º16, 1.ª SÉRIE, DE 29.04.1982 (ALTERAÇÕES PUBLICADAS NOS BTE Nº18/86, 20/89, 10/90, 18/91, 25/92, 25/93, 24/94, 20/96 E 30/97): - CLÁUSULAS 40.º, 74.º, N.º7.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, 10.º, 12.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 129.°, N.º 1, ALÍNEA D), 268.º, N.º1.
DECRETO-LEI N.º 409/71, DE 27 DE SETEMBRO: - ARTIGO 22.º, N.ºS 1 E 2.
DECRETO-LEI N.º 421/83, DE 2 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 7.º, N.º 1.
LEI N.º 23/2012, DE 25/6: - ARTIGO 7.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 602/2013, DE 20 DE SETEMBRO DE 2013, EM WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- N.º 7/2010, PUBLICADO NO DR, 1ªSÉRIE, DE 9.7.2010
-DE 05.02.2009, PROCESSO N.º 08S2311, PUBLICADO EM WWW.DGSI.PT
Sumário :
1- O nº7 da clª74ª do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE nº9, 1ª série, de 08.03.1980, prevê uma retribuição especial que acresce à retribuição normal devida aos trabalhadores TIR, e que se destina a compensá-los pela sua disponibilidade para desempenhar funções nos transportes internacionais, e em condições de maior penosidade e isolamento em que são efectivadas.

2- Tal retribuição, embora seja calculada com referência a duas horas de “trabalho extraordinário” por dia, não pressupõe nem exige a efectiva prestação de qualquer trabalho suplementar, respeitando tal referência apenas ao seu modo de cálculo.

3. As alterações ao Código do Trabalho operadas pela Lei 23/2012 de 25/6, visaram flexibilizar o horário de trabalho através do regime do “banco de horas”, e também embaratecer a prestação de trabalho suplementar, quer através da eliminação do descanso compensatório, quer através da redução, para metade, dos acréscimos remuneratórios que lhe correspondiam.

4-Por isso, a suspensão da cláusula 40ª do referido CCT operada pelo artigo 7º, nº4, alínea a) daquela Lei, reporta-se apenas ao pagamento da remuneração devida pela efectiva prestação de trabalho suplementar.

5-Assim, não visando a retribuição especial da cláusula 74ª, nº 7 o pagamento de qualquer trabalho suplementar, a suspensão da clª40ª do CCT deixa intocável tal retribuição, não sendo legítimo ao empregador baixá-la para os valores do nº 1 do artigo 268º do Código do Trabalho, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei 23/2012.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
1----
STRUN – Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos do Norte instaurou uma acção de defesa de direitos respeitantes aos interesses colectivos dos trabalhadores que representa, contra

AA – Transportes, S.A, pedindo que sejam declarados ilícitos os cortes impostos pela Ré, desde Agosto de 2012, à retribuição prevista no nº7 da clª74ª do CCT, e que a mesma seja condenada a devolver os valores retirados à remuneração em causa a cada um dos seus trabalhadores que são filiados no sindicato Autor.
            Alegou para tanto que é uma associação sindical constituída para defesa dos trabalhadores nela associados que exercem a actividade profissional no sector dos transportes rodoviários e urbanos, encontrando-se filiada na FECTRANS – Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações/CGTP, que sucedeu à FESTRU, enquanto a Ré se encontra filiada na ANTRAM.
Na sua relação de trabalho com esta, os trabalhadores associados do A estão abrangidos pelo CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE nº9, de 08.03.1980 e no BTE nº16, de 29.04.1982 e posteriores alterações, estando classificados como motoristas dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias. Por isso, têm direito a uma retribuição mensal que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia, conforme resulta da clª74º, nº7 do mencionado CCT.
É hoje matéria assente na Jurisprudência que a referida retribuição é devida mensalmente em relação a 30 dias, devendo também ser paga nos meses em que os trabalhadores se encontrem em gozo de férias e incluída nos subsídios de férias, conforme acórdão do STJ de 09.06.2010.
Acontece porém que, a partir de Agosto de 2012, a Ré começou a pagar aos motoristas do serviço TIR, uma importância abaixo do que vinha pagando a título da retribuição prevista no nº7 da clª74ª, quando a mesma nada tem a ver com a remuneração a título de trabalho suplementar, significando, tão só, que a remuneração não pode ser inferior à correspondente ao pagamento de duas horas de trabalho, uma com o adicional de 50% sobre o valor de uma hora normal, e outra com o adicional de 75% sobre o valor de uma hora normal.
            A Ré contestou, sustentando que o valor estabelecido na clª74ª, nº7 deve oscilar em função das variações legal ou contratualmente definidas para a remuneração do trabalho suplementar, pelo que, tendo em conta o estabelecido no artigo 268º do CT, na redacção dada pela Lei nº23/2012 de 25.06, conjugado com o artigo 7º, nº4, al. a) da mesma Lei, conclui pela improcedência da acção[1].
O A respondeu pugnando pela procedência do pedido[2].
            Foi proferido despacho saneador/sentença, vindo a julgar-se a acção procedente, pelo que, e considerando ilícitos os «cortes» impostos pela Ré, desde Agosto de 2012, ao valor da retribuição prevista no nº7 da clª74ª da CCT celebrada entre a ANTRAM e a FESTRU, publicada no BTE de 08.03.1980, se condenou aquela a devolver aos seus motoristas TIR, filiados no Autor, os valores deduzidos desde Agosto de 2012 até à reposição da retribuição anteriormente paga a título de clª74ª, nº7 da CCT, a liquidar, se necessário, oportunamente.
            A Ré, inconformada, apelou da sentença, pedindo a sua revogação e substituição por acórdão que a absolva dos pedidos, mas o Tribunal da Relação do Porto julgou a apelação improcedente, confirmando integralmente a decisão recorrida.

Novamente inconformada, interpôs a R revista excepcional, que foi admitida pela formação a que se refere o n.º3 do art. 672.ºdo C.P.C.
E rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“…..

J) A cláusula 74ª/7 do CCTV estipula que: "O trabalhador dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias tem direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia", acrescentando o n°8 da mesma cláusula que "A estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido no número anterior, não lhes é aplicável o disposto nas cláusulas 39ª (Retribuição de trabalho nocturno) e 40ª (Retribuição de trabalho extraordinário) ".

K) Este Venerando Tribunal fixou já, no douto acórdão n.º 7/2010, o sentido e alcance da referida norma convencional, determinando, nomeadamente, que: "A retribuição mensal prevista no nº 7 da cláusula 74ª do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a ANTRAM - Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FESTRU - Federação dos Sindicatos dos Transportes Rodoviários Urbanos, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, nº16, de 29 de Abril de 1982, tendo como base mínima de cálculo o valor equivalente a duas horas extraordinárias, é devida em relação a todos os dias do mês do calendário".

L) Por via do disposto na cláusula 74ª do CCTV firmado entre a Antram e a Festru, as partes outorgantes conferiram aos trabalhadores deslocados no estrangeiro o direito a um acréscimo remuneratório e definiram como critério para a sua quantificação o equivalente a duas horas de trabalho extraordinário.

M) As partes outorgantes do CCTV, podendo estipular um qualquer outro valor a atribuir à retribuição especial em causa (poderiam, desde logo, tão só, ter previsto uma percentagem da própria retribuição base), optaram expressa e deliberadamente por fazer corresponder a sua quantificação por referência à retribuição do trabalho extraordinário.

N) À formulação do preceito em causa (quer numa perspectiva literal, quer numa perspectiva de unidade do sistema) não foi alheia a intenção de se vir a remunerar efectivamente os trabalhadores abrangidos segundo os critérios de quantificação definidos para o cálculo do trabalho extraordinário.

O) Não há razão para não fazer oscilar o valor da cláusula 74ª do CCTV em função das variações legal ou contratualmente definidas para a remuneração de trabalho suplementar.

P) E a remissão feita na cláusula 74ª/7 para a remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia, há-de ser encarada, necessariamente, como urna remissão dinâmica, abstraindo da concreta retribuição existente à data da criação da norma, numa intenção clara de que a retribuição especial dos trabalhadores acompanhasse a evolução salarial dos demais trabalhadores no que concerne à prestação de trabalho suplementar, isto porque, manifestamente, não seria possível sustentar que uma posterior alteração da cláusula 40ª do CCTV - no sentido de aumentar os acréscimos ali previstos - também não tivessem o correspectivo acréscimo na cláusula 74ª/7.

Q) O legislador, deliberadamente, assumiu o propósito de ver reduzidas as retribuições por trabalho suplementar, no âmbito de aplicação do regime ínsito no artigo 7º da Lei na 23/2012, de 25 de Junho.

R) À oscilação do valor da cláusula 74ª/7 do CCTV, em função das variações legal ou contratualmente definidas para a remuneração de trabalho suplementar, também não obstará o princípio da irredutibilidade da retribuição, ínsito no artigo 129°/nº1, alínea d) do Código do Trabalho, isto porque conforme resulta do referido preceito legal, o que se visa proibir é a diminuição de retribuição por acto unilateral do empregador e sem ressalvar a possibilidade de diminuição da retribuição, quer por imperativo legal, quer por força de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

S) A solução mais conforme à vontade do legislador - quer partindo da análise do texto, quer ponderando o elemento decisivo de interpretação (unidade do sistema jurídico), no confronto com o princípio da igualdade, ínsito na Constituição da República Portuguesa) será aquela que aponta no sentido da redução deliberada do valor de trabalho suplementar se vir a repercutir igualmente em todas as componentes retributivas dele dependentes, como é o caso da cláusula 74ª/7.

T) A redução operada pela Recorrente no valor da retribuição da cláusula 74ª/7 devida aos representados do autor/recorrido é, assim, amplamente lícita.

U) Ao decidir como decidiu, violou o acórdão recorrido o disposto nos artigos 268°, nº 1 e 129, nº1, d) ambos do Código do Trabalho, nos artigos 9° e 12° do Código Civil, no artigo 7° da Lei 23/2012, e a cláusula 74ª, n.º 7 do CCTV., pelo que deverá ser o mesmo revogado e substituído por outro que absolva a Recorrente do pedido deduzido na petição inicial.”

O Autor não alegou.
Cumprido o disposto no nº 3 do artigo 87º do CPT, proferiu o Ex.mº Procurador Geral Adjunto parecer no sentido da confirmação do acórdão recorrido, argumentando para tanto que, integrando os valores atribuídos pela cláusula 74ª, nº 7 do CCTV aplicável a retribuição do trabalhador, tal como é jurisprudência firme deste Supremo Tribunal, a sua diminuição ofende o princípio da irredutibilidade consagrado no artigo 129º, nº1, alínea d) do Código do Trabalho.
Não tendo havido resposta das partes, cumpre decidir.

2----    

Para tanto, as instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

1.  O Autor, STRUN – Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos do Norte, é uma Associação Sindical constituída pelos trabalhadores nele filiados que exerçam a sua actividade profissional no sector de transportes rodoviários e urbanos.
2. Assim, representa vários trabalhadores seus associados que exercem a sua actividade profissional remunerada, por conta e sob a direcção e fiscalização da Ré.
3. A qual se dedica ao transporte rodoviário, nacional e internacional, de mercadorias.
4. O Autor encontra-se, actualmente, filiado na FECTRANS – Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações/CGTP, que sucedeu, para todos os efeitos, à FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos/CGTP, conforme consta dos Estatutos, publicados no BTE nº47, 1ª série, de 22.12.2007.
5. A Ré encontra-se filiada na ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias.
6. Os associados do Autor, que estão classificados pela Ré como motoristas dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias e que, efectivamente, exercem as funções inerentes a tal categoria, têm recebido, de acordo com o disposto no nº7 da clª74ª do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU «uma retribuição mensal, não inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia».
7. Por isso, e a tal título, todos os associados do Autor que estejam classificados pela Ré como motoristas dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias recebem, desde as datas das suas respectivas admissões, uma importância regular, periódica e constante.
8. A qual tem reflexo no planeamento económico/financeiro da família do trabalhador.
9. Sucede, porém, que a Ré, a partir de Agosto de 2012, começou, sem qualquer aviso prévio, a pagar aos seus trabalhadores classificados como motoristas TIR, uma importância abaixo da que vinha pagando a título de retribuição prevista no nº7 da clª74ª.
10. De facto, até Julho de 2012, os trabalhadores auferiam, consoante terem vencido o direito a uma, duas, três, quatro ou cinco diuturnidades, as seguintes importâncias, respectivamente: € 323,87; € 332,31; € 340,75; € 349,18 e € 357,62.
11. E, a partir de Agosto de 2012, os trabalhadores passaram a auferir, consoante terem vencido o direito a uma, duas, três, quatro ou cinco diuturnidades, as seguintes importâncias, respectivamente: € 261,60; € 268,50; € 274,80; € 282,00 e € 289,20.

3----                 

E decidindo:

A cláusula 74ª, nº7 do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE nº9, 1ª série, de 08.03.1980 e no BTE nº16, 1ª série, de 29.04.1982 e que manteve idêntica redacção nas posteriores alterações publicadas nos BTE nº18/86, 20/89, 10/90, 18/91, 25/92, 25/93, 24/94, 20/96 e 30/97, estabelece para os trabalhadores deslocados no estrangeiro o direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia.
Assim, a R pagava àqueles trabalhadores uma retribuição mensal equivalente ao valor de duas horas de trabalho extraordinário por dia, com os acréscimos de 50% para a primeira hora e de 75% para a segunda (conforme alteração da cláusula 40ª operada no BTE, nº19, 1ª série, de 22.05.1990).
           .
Acontece porém, que a Lei nº23/2012 de 25.06 veio reduzir o valor do trabalho suplementar prestado em dia útil, ao alterar os acréscimos de retribuição estabelecidos no nº 1 do artigo 268º do CT/2009 e fixando-os em 25% para a primeira hora e em 37,5% para as restantes.
Mas não se ficando por aqui, veio ainda estabelecer na alínea a) do nº4 do seu artigo 7º, que ficam suspensas durante dois anos, contados a partir da sua entrada em vigor, as disposições de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e as cláusulas de contratos de trabalho que disponham sobre acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho.
Na linha deste normativo, e a partir de Agosto de 2012, a R passou a pagar aos seus motoristas TIR deslocados no estrangeiro uma retribuição correspondente ao nº 7 da cláusula 47ª de duas horas extraordinárias por dia (30 dias no mês), mas com os acréscimos de 25% para a primeira hora e de 37,5% para a segunda, baixando assim, unilateralmente, os valores que lhes vinha pagando a este título.
Discute-se se este comportamento é legal, tendo as instâncias convergido no sentido da sua ilegalidade, a que contrapõe a recorrente que o legislador assumiu, deliberadamente, o propósito de ver reduzidas as retribuições por trabalho suplementar, no âmbito de aplicação do regime ínsito no artigo 7º da Lei na 23/2012, de 25 de Junho, não havendo assim qualquer razão para não fazer oscilar o valor da cláusula 74ª do CCTV em função das variações legal ou contratualmente definidas para a remuneração do trabalho suplementar, pois a remissão feita na cláusula 74ª/7 para a remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia, há-de ser encarada como uma remissão dinâmica, abstraindo da concreta retribuição existente à data da criação da norma, numa intenção clara de que a retribuição especial dos trabalhadores há-de acompanhar a evolução salarial dos demais trabalhadores no que concerne à prestação de trabalho suplementar.

Sustenta assim, que a oscilação do valor da cláusula 74ª/7 do CCTV em função das variações legal ou contratualmente definidas para a remuneração de trabalho suplementar não viola o princípio da irredutibilidade da retribuição ínsito no artigo 129°, nº1, alínea d) do Código do Trabalho, pois o que o referido preceito legal quis proibir foi uma diminuição da retribuição do trabalhador por acto unilateral do empregador, ressalvando a norma a possibilidade desta diminuição da retribuição poder ocorrer, quer por imperativo legal, quer por força de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Colocando-se a questão a decidir nos termos acabados de referir, vejamos como resolver.

3.1---
O Contrato Colectivo de Trabalho a que nos vimos referindo dispõe, na



Cláusula 74.ª

(Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados no estrangeiro)



1 — Para que os trabalhadores possam trabalhar nos transportes internacionais rodoviários de mercadorias deverá existir um acordo mútuo para o efeito. No caso de o trabalhador aceitar, a empresa tem de respeitar o estipulado nos números seguintes.

2 — Os trabalhadores que iniciem o seu trabalho neste regime devem ter uma formação técnica adequada.

3 — Após acordo prévio, entre o trabalhador a empresa, e desde que se verifique que o trabalhador não disponha de formação profissional adequada para o desempenho da sua função, o mesmo deixará de a exercer.

4 — Nenhum trabalhador que complete 50 anos de idade ou 20 anos de serviço neste regime poderá ser obrigado a permanecer nele.

5 — Qualquer trabalhador que comprove, através de atestado médico reconhecido pelos serviços de medicina no trabalho, a impossibilidade de continuar a trabalhar neste regime, passa imediatamente a trabalhar noutro tipo de trabalho, dentro das possibilidades da empresa.

6 — No caso referido no n.º 4 desta cláusula, a empresa colocará o trabalhador noutro tipo de trabalho ou noutra função, mesmo que para tal haja necessidade de reconversão, nunca podendo o trabalhador vir a receber remuneração inferior.

7 — Os trabalhadores têm direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia.

8 — A estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido no número anterior, não lhes é aplicável o estabelecido nas cláusulas 39.ª (Retribuição de trabalho nocturno) e 40.ª (Retribuição de trabalho extraordinário).

9 — O número de cargas e descargas das mercadorias transportadas neste regime não pode ser superior ao estabelecido na lei.

Consagrou-se portanto no seu n.º 7 o direito dos trabalhadores dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias, deslocados no estrangeiro, a uma retribuição mensal que não pode ser inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia.

Sobre a natureza jurídica deste direito tem a jurisprudência entendido, com foros de consensualidade, que se trata de uma retribuição especial que tem por objectivo compensar aqueles trabalhadores pela maior penosidade e esforço que lhes é exigido pelo desempenho de tal actividade, prestada em condições de grande isolamento por, normalmente, terem de trabalhar sozinhos e longe do respectivo agregado familiar e do seu círculo de amigos.

E assim se firmou doutrina no sentido de que é devida em relação a todos os dias do mês, independentemente da prestação efectiva de qualquer trabalho, acrescendo à retribuição de base que é devida. Mas não pressupõe uma efectiva prestação de trabalho extraordinário, pelo que, e revestindo carácter regular e permanente, integra a retribuição.

Foi esta a posição do acórdão deste Supremo Tribunal com o nº7/2010 (publicado no DR, 1ªsérie, de 9.7.2010) donde se colhe que “[A] retribuição mensal prevista no nº7 da cláusula 74ª, do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários Urbanos, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ªsérie, nº9, de 8 de Março de 1980, e no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ªsérie, nº16, de 29 de Abril de 1982, tendo como base mínima de cálculo o valor equivalente a duas horas extraordinárias, é devida em relação a todos os dias do mês do calendário”.

Para tanto argumentou-se que “[A] especial característica de retribuição mensal, supra-‑assinalada, de compensação de uma acordada disponibilidade, tornando-a alheia à efectiva prestação de trabalho extraordinário, não tem qualquer ligação com o período normal de trabalho, que compreende os dias úteis do mês; por outro lado, diversamente da remuneração por trabalho extraordinário, é uma atribuição patrimonial regular que radica na possibilidade do exercício da actividade em particulares condições de penosidade e risco, e não em situações excepcionais referidas ao tempo normal de trabalho. O elemento sistemático, assente nos distintos regimes, correspondentes às distintas características da retribuição mensal especial e da remuneração por trabalho extraordinário, aponta, por conseguinte, no sentido da primeira, apesar de ter como base mínima pecuniária de cálculo o mesmo valor diário da última, nada mais ter em comum com esta (…)”.
Seguiu-se portanto a doutrina que já vinha do acórdão deste Supremo Tribunal de 05.02.2009 – proferido no processo 08S2311 e publicado em www.dgsi.pt – onde se decidiu que “A retribuição especial prevista no nº7 da cláusula 74ª do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU” (…) “destina-se a compensar o trabalhador pela maior penosidade e risco decorrentes da possibilidade de desempenho de funções no estrangeiro, certo que esse desempenho implica uma prestação de trabalho extraordinário de difícil controlo, não dependendo, pois, de uma efectiva prestação deste tipo de trabalho extraordinário. Assim, o direito à aludida compensação não exige um efectivo e ininterrupto desempenho de funções no estrangeiro, bastando a vinculada disponibilidade do trabalhador para esse efeito”.

Trata-se pois duma retribuição mensal, paga em relação a 30 dias, haja ou não prestação de trabalho, e que se destina a compensar o trabalhador pela sua disponibilidade para desempenhar funções como motorista de transportes internacionais.
Efectivamente, e conforme advém do nº 1 da cláusula em causa, para que os trabalhadores tenham que exercer essas funções no serviço dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias tem que haver um acordo prévio das partes nesse sentido. E no caso daqueles aceitarem, a retribuição consagrada no seu nº 7 constitui a contrapartida por esta disponibilidade para exercerem funções em condições mais penosas do que se fossem exercidas no país, face ao isolamento em que são, normalmente, efectivadas.
Doutro modo, também advêm benefícios para a empresa, pois a estes trabalhadores não é devido o acréscimo de 25% pela prestação de trabalho nocturno estabelecido na cláusula 39ª, nem qualquer outra retribuição por trabalho extraordinário eventualmente prestado, conforme clausulado no nº 8.

 Concluímos portanto que se trata duma retribuição especial devida pelas empresas do sector aos seus trabalhadores que aceitem exercer funções nos transportes internacionais, nada tendo a ver com o pagamento de qualquer trabalho suplementar prestado para além do seu horário de trabalho.

3.2 ----
Como já se referiu, decorre do n.º 7 da cláusula 74.ª do CCT acima mencionado que “os trabalhadores têm direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia”, referência que se compreende por este instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ter sido negociado no domínio da vigência do DL nº 409/71, de 27 de Setembro, que considerava como trabalho extraordinário o que era prestado fora do período normal de trabalho, conforme resultava do seu artigo 16º, e que com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, passou a designar-se por trabalho suplementar.
De notar, no entanto, que estamos claramente perante uma norma remissiva, uma vez que o valor do limite mínimo desta retribuição não resulta directamente do n.º7 da dita cláusula, mas de uma outra norma para que este remete, concretamente, a que determina o valor das duas horas de trabalho extraordinário, sendo tal norma chamada, por esta via, a integrar a disciplina desta remuneração.
A norma chamada é, no caso, a cláusula 40.ª, que na versão anterior à do CCT publicada no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) n.º 19, de 22 de Maio de 1990, era do seguinte teor:

Cláusula 40.ª
(Retribuição do trabalho extraordinário)
O trabalho extraordinário será remunerado com os seguintes adicionais sobre o valor da hora normal: a) 50% para as quatro primeiras horas extraordinárias; b) 75% para as restantes.

No entanto, com as alterações daquele CCT publicadas no mencionado BTE, o teor daquela cláusula passou a ser o seguinte: “o trabalho extraordinário será remunerado com os seguintes adicionais sobre o valor da hora normal: a) 50% na primeira hora e, al. b) 75% nas horas ou fracções subsequentes.”

De qualquer modo, para apurar o montante da retribuição mensal estabelecida no referido n.º 7 da cláusula 74.ª temos que determinar o sentido da remissão operada e as respectivas consequências jurídicas.

3.3 ---

A doutrina tem classificado as normas remissivas de acordo com vários critérios, relevando no caso a sua divisão entre remissões estáticas (também designadas materiais), e dinâmicas (também designadas formais), “em função do sentido da remissão: no primeiro caso, remete-se para uma norma concreta, tal como existe no momento do apontar da norma a quo; no segundo, a remissão faz-se para um lugar normativo formal, seja qual for a configuração que ele vá assumindo”[3].
Noutros termos, uma remissão estática liga a norma que determina a remissão ao concreto conteúdo da norma chamada; numa remissão dinâmica o apelo é feito para o espaço no sistema jurídico que é ocupado pela norma chamada, de forma a que as alterações supervenientes da disciplina nela consagrada acabam por ser igualmente importadas pela norma que determina a remissão.
No caso dos autos, se entendermos que estamos perante uma remissão dinâmica, as alterações supervenientes à versão original do regime de retribuição do trabalho suplementar serão chamadas à determinação do valor mínimo da retribuição em causa; caso contrário, se considerarmos que estamos perante uma remissão estática, então o valor em causa será aquele que vigorava no momento em que o CCT entrou em vigor.
Ora, a determinação da natureza em concreto de uma norma remissiva parte da interpretação da norma em causa, a fazer caso a caso, apontando a doutrina alguns critérios que podem apoiar o intérprete na busca de uma resposta a esta questão.
Assim, MENEZES CORDEIRO sintetiza alguns desses critérios doutrinários nos termos seguintes:

«Segundo Castro Mendes “a remissão na lei é em regra formal (= dinâmica), nos negócios jurídicos em regra material (= estática). Na verdade, quando façam remissões, as partes escolhem uma lei que conhecem: a escolha é material e logo estática. Pelo contrário, o legislador remete para a melhor solução existente: a escolha é formal e logo dinâmica, variando as normas ad quem.”
Por seu turno, escreve Dias Marques “[…] a remissão genérica traduzida pela referência a um dado instituto será quase sempre dinâmica. Quando a lei remete para o regime de certo instituto não visa, em geral, a sua regulamentação originária, mas antes o regime que existir no momento em que haja de proceder-se à aplicação”.
E continua esse mesmo autor: “Quando a remissão é específica, isto é dirigida a um preceito concreto, a um artigo da lei designada pelo seu número, já o problema pode revestir maior dúvida. Em todo o caso, ainda aí, na maior parte das vezes, haverá de considerar-se dinâmica a remissão”». [4]
Contudo, como refere, ainda, MENEZES CORDEIRO «não devem ser estabelecidas regras rígidas no domínio da interpretação das normas de remissão; apenas em cada caso será possível determinar o seu sentido e, designadamente, a natureza estática ou dinâmica da remissão efectuada».[5]

3.4----

No caso dos autos, estamos perante uma norma inserta numa convenção colectiva de trabalho, o que introduz algumas especificidades na abordagem da questão.
Na verdade, apesar de a norma em causa ter natureza regulamentar e não se suscitarem dúvidas de fundo no sentido de sujeitar a sua interpretação aos critérios gerais do sistema jurídico, consagrados nos artigos 9.º e 10.º do Código Civil, o certo é que a natureza do instrumento normativo que a integra não deixará de se reflectir no processo tendente à determinação do conteúdo daquela norma.
De facto, as convenções colectivas de trabalho têm base negocial e resultam de um encontro de vontades das partes no sentido de estabelecer uma específica disciplina para concretos segmentos da relação de trabalho abrangidos.
Esta matriz negocial das normas que integram uma convenção colectiva de trabalho situa-as num patamar bem diverso daquele em que se encontra o legislador que define, de forma geral e abstracta, uma disciplina para certos segmentos do sistema jurídico.
Efectivamente, e conforme refere PEDRO ROMANO MARTINEZ “partindo do pressuposto de que as convenções colectivas de trabalho, na parte regulativa, como produzem efeitos em relação a terceiros, se aproximam da lei, quanto à sua interpretação deve recorrer-se ao art. 9.º do CC. Mas é preciso ter em conta que a convenção colectiva de trabalho se distingue da lei, não tendo as mesmas características; por outro lado, as normas de uma convenção colectiva de trabalho provêm de negociações entre sujeitos privados (…) não emanando unilateralmente do poder central ou regional. Por isso das negociações havidas podem em alguns casos, retirar-se elementos importantes para a interpretação das regras constantes da convenção colectiva de trabalho”[6].
Na mesma linha de raciocínio se encontra a posição de MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, que, embora defenda a superação da dicotomia dualista na interpretação das convenções colectivas de trabalho, sustenta uma interpretação daquelas estruturas normativas de acordo com os critérios gerais dos artigos 9.º e 10.º do C. C., referindo que “a sujeição da convenção colectiva de trabalho aos parâmetros de interpretação da lei, nos termos apontados, não impedirá a ponderação de factores subjectivos – nomeadamente, no tocante ao conteúdo obrigacional da convenção -, que serão atendíveis no contexto dos elementos históricos de interpretação da lei”[7].

3.5---

Relativamente à determinação do sentido da norma do n.º 7 da cláusula n.º 74.ª do referido CCT interessa a evolução da fórmula de cálculo do valor da retribuição do trabalho suplementar no tempo.
Na data em que foi aprovada e entrou em vigor a versão originária do sobredito CCT, o valor da retribuição do trabalho suplementar, então designado trabalho extraordinário, estava disciplinado pelo artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro, que estabelecia no seu n.º 1 que “a primeira hora de trabalho extraordinário será remunerada com um aumento correspondente a 25 por cento da retribuição normal e as horas subsequentes com um aumento correspondente a 50 por cento”.
Por sua vez resultava do n.º 2 deste artigo que “os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho podem estabelecer aumentos superiores em função do número de horas de trabalho extraordinário”.
Com a entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1984, do Decreto-lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, e de acordo com o seu artigo 7.º, n.º 1, a retribuição do trabalho suplementar passou a ser feita de acordo com a seguinte fórmula: “o trabalho suplementar prestado em dia normal de trabalho será remunerado com os seguintes acréscimos mínimos: a) 50% da retribuição normal na primeira hora; b) 75% da retribuição normal nas horas ou fracções subsequentes”.
Esta fórmula passou para o n.º 1 do artigo 258.º do Código do Trabalho de 2003 e manteve-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 268.º do Código do Trabalho de 2009, na sua versão inicial.

3.6---

Assentes os enunciados parâmetros interpretativos, cumpre tentar uma aproximação à natureza da remissão operada pelo n.º 7 da referida cláusula 74.ª do CCT para a remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia.
Esta cláusula é originária da revisão do CCT de 1982, publicada no BTE n.º 16, de 29 de Abril de 1982, não resultando sequer da versão original daquele instrumento de regulamentação colectiva do trabalho.
A referência à remuneração de trabalho extraordinário feita nesta cláusula tem forçosamente de se entender como feita para a cláusula 40.ª do referido CCT, conforme acima se referiu.
Na verdade, integrando a convenção colectiva de trabalho dispositivo específico sobre a remuneração do trabalho extraordinário, não podemos deixar de considerar que era essa a norma destinatária da remissão decorrente do referido n.º 7 da cláusula 74.ª
Trata-se de normas que integram a mesma estrutura normativa, o contrato colectivo de trabalho, em relação às quais não pode deixar de funcionar o critério da unidade de sistema como elemento relevante no processo de determinação do sentido da norma.
Por outro lado, as alterações supervenientes da referida cláusula 40.ª do CCT, resultantes da alteração de 1990, terão de se entender como aplicáveis à determinação do valor do suplemento previsto no n.º 7 da cláusula 74.ª, por força do regime de sucessão de leis no tempo consagrado no artigo 12.º do Código Civil e dos corolários do mesmo derivados.
Deste modo, é a versão daquele instrumento de regulamentação colectiva em vigor no momento em que se constituem os direitos à remuneração do trabalho suplementar que define o regime aplicável.
De facto, não encontramos no texto daquele contrato colectivo de trabalho, nem em quaisquer outros elementos relevantes no processo de interpretação, dados que permitam afirmar que a referência feita no n.º 7 da cláusula 74.ª se fixou na versão que estava em vigor na data da alteração daquela cláusula, ou seja, a versão inicial da cláusula 40.ª.
Por isso, na ausência destes elementos, a partir da entrada em vigor das alterações de 1990, é o novo teor da cláusula 40.ª o destinatário daquela remissão, pois a inserção das alterações sucessivas daquele CCT na versão inicial e o facto de se integrarem no contexto da mesma estrutura normativa, bem como a necessidade de respeitar o elemento sistemático na interpretação daquele contrato, impedem que se possa ficcionar que a versão originária daquela cláusula seja o objecto da remissão.
Estamos, assim, perante uma remissão dinâmica, pelo que as alterações supervenientes da cláusula são abrangidas pela remissão sobre que nos debruçamos.
Em suma: a remissão decorrente do n.º 7 da cláusula 74.ª é uma remissão para a norma da cláusula 40.ª do mesmo CCT, na versão em vigor na data em que ocorre a prestação do trabalho, sendo deste modo as normas relativas à aplicação da lei no tempo que definem a versão aplicável desta última cláusula.

3.7 ---
            Assente a norma destinatária daquela remissão, cumpre agora ponderar as alterações introduzidas no Código de Trabalho de 2009, nomeadamente no seu artigo 268º. E, sobretudo, entender o reflexo do estabelecido no n.º 4 do artigo 7.º da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, na medida em que suspendeu por dois anos as disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho relativas à retribuição do trabalho suplementar.

As alterações introduzidas no Código do Trabalho pela referida Lei nº 23/2012 visaram satisfazer as directivas do Memorando da “Troika”, que em 17/5/2011, o Governo de então, com o acordo dos principais partidos da oposição, negociou e subscreveu, donde resultaram uma série de obrigações assumidas pelo Estado Português.
No respeitante ao mercado do trabalho, para além da redução das compensações devidas aos trabalhadores pela cessação do contrato de trabalho, o Governo assumia a obrigação de preparar um plano de acção para promover a flexibilidade dos tempos de trabalho, de molde a vir a adoptar-se um regime de “banco de horas” por acordo entre empregador e trabalhador. E assumia também o compromisso de rever a retribuição especial devida pela prestação de trabalho suplementar, quer em dia normal de trabalho, quer em dia de descanso semanal ou complementar, bem como a eliminação do descanso compensatório que lhe correspondia.     
Da execução destas medidas, e após a realização de negociações com os parceiros sociais, resultou, em Janeiro de 2012, o Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego, que foi obtido no âmbito da Comissão Permanente de Concertação Social, e que visou concretizar as obrigações assumidas pelo Estado Português perante a Troika.
Foi neste enquadramento que surgiram as alterações ao Código do Trabalho, introduzidas pela Lei nº 23/2012 de 25 de Junho, por força das quais os acréscimos de retribuição estabelecidos no nº 1 do artigo 268º do CT/2009 foram fixados em 25% para a primeira hora e em 37,5% para as restantes.
E nos termos do nº4 do artigo 7º da referida Lei, ficavam também suspensas, durante dois anos, contados a partir da entrada em vigor do diploma, as disposições de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e as cláusulas de contratos de trabalho que dispusessem sobre acréscimos de pagamento de trabalho suplementar em montantes superiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho - alínea a).
E em matéria de evolução salarial, o Governo comprometia-se a que qualquer aumento do salário mínimo só teria lugar se fosse justificado pela evolução económica e do mercado.
É assim inequívoco que com as alterações ao Código do Trabalho operadas em 2012 se visou flexibilizar o horário de trabalho através do regime do “banco de horas”. E pretendeu-se também embaratecer a prestação de trabalho suplementar, quer através da eliminação do descanso compensatório, quer através da redução para metade dos acréscimos que lhe correspondiam.
Além disso, estas medidas abrangiam os trabalhadores de todos os sectores produtivos, o que se concretizou através do mecanismo da suspensão, durante dois anos, das disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e das cláusulas de contratos de trabalho que estabelecessem acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho.
Por outro lado, é também inequívoco que não se visou um abaixamento dos salários dos trabalhadores do sector privado, pois o único compromisso assumido pelo Governo em matéria salarial foi o da contenção do salário mínimo.
 
3.8 ---

Sob a epígrafe “relações entre fontes de regulação”, o artigo 7.º da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, nos seus n.ºs 1 e 2, declarava a nulidade das cláusulas dos instrumentos de regulamentação colectiva, celebrados antes da entrada em vigor das alterações que aquela Lei introduziu no Código do Trabalho “relativas a: a) Compensação por despedimento colectivo ou de que decorra a aplicação desta, estabelecidas no Código do Trabalho; b) Valores e critérios de definição de compensação por cessação de contrato de trabalho estabelecidos no artigo anterior e que disponham sobre descanso compensatório por trabalho suplementar prestado em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado”.
Por sua vez, no n.º 3 do mesmo dispositivo, determinava-se que “as majorações ao período anual de férias estabelecidas em disposições de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho ou cláusulas de contratos de trabalho posteriores a 1 de Dezembro de 2003 e anteriores à entrada em vigor da presente lei são reduzidas em montante equivalente até três dias”.
No n.º 4 do mesmo artigo referia-se que “4 -Ficam suspensas durante dois anos, a contar da entrada em vigor da presente lei, as disposições de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e as cláusulas de contratos de trabalho que disponham sobre: a) Acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho; b) Retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia”.
Finalmente, resultava do n.º 5 daquele artigo que “decorrido o prazo de dois anos referido no número anterior sem que as referidas disposições ou cláusulas tenham sido alteradas, os montantes por elas previstos são reduzidos para metade, não podendo, porém, ser inferiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho”.
Decorre assim do citado artigo 7º que se declaram desde logo nulas e de nenhum efeito as cláusulas referidas nos n.ºs 1 e 2 dos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho anteriores à entrada em vigor daquela Lei e que se reduzem os valores das majorações previstas no n.º 3 daquele dispositivo.
Para além disso, suspendeu-se a vigência por dois anos das cláusulas dos instrumentos de regulamentação colectiva referidos no n.º 4, relativas a “acréscimos de pagamento de trabalho suplementar” e à retribuição de trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia.
Por seu turno, o n.º 5 daquele artigo determinava que, decorrido aquele prazo de suspensão, “sem que as referidas disposições ou cláusulas tenham sido alteradas, os montantes por elas previstos são reduzidos para metade, não podendo, porém, ser inferiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho”.
Assim, por força deste número 5, se o mesmo se tivesse consolidado na ordem jurídica, os valores da retribuição do trabalho suplementar fixados na cláusula 40.ª do CCT em análise teriam sido reduzidos nos termos assinalados, ou seja, por via legislativa consolidar-se-ia uma alteração dos valores constantes desta cláusula, pormenor que é particularmente importante na análise da questão sobre que nos debruçamos.
 
A verdade porém, é que, tendo sido suscitada a apreciação da constitucionalidade do artigo 7.º da referida Lei n.º 23/2012, o Tribunal Constitucional veio a declarar com força obrigatória geral a inconstitucionalidade dos n.ºs 2, 3 e 5 daquele artigo, tendo igualmente decidido não declarar a inconstitucionalidade dos n.º 1 e 4 do mesmo dispositivo, nos seguintes termos:

“Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a)  a j) (…);
k) Não declarar a inconstitucionalidade da norma do artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, na parte em que se reporta às disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho;
l) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, na parte em que se reporta às disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, por violação das disposições conjugadas dos artigos 56, n.os 3 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição;
m) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, na parte em que se reporta às disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, por violação das disposições conjugadas dos artigos 56, n.os 3 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição;
n) Não declarar a inconstitucionalidade da norma do artigo 7.º, n.º 4, da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, na parte em que se reporta às disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho;
o) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 7.º, n.º 5, da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, na parte em que se reporta às disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, por violação das disposições conjugadas dos artigos 56, n.os 3 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição”[8].

Está em causa no presente processo saber se a suspensão decorrente do n.º4 daquele dispositivo relativamente ao pagamento de trabalho suplementar também é aplicável à remuneração do trabalho a que se refere o n.º 7 da cláusula 74.ª do CCT em análise.
A resposta a esta questão vai depender da interpretação que se faça do âmbito daquela medida, nomeadamente, se a mesma abrange também a remuneração do trabalho a que se refere aquela cláusula.
Importa, como ponto de partida, ter presente tudo aquilo que acima se referiu relativamente à natureza do trabalho prestado a coberto do nº 7 da dita cláusula 74.ª, bem como a autonomia que o mesmo tem relativamente ao regime do trabalho suplementar.
Esta autonomia é relevante para definir o âmbito da suspensão decretada, uma vez que esta se refere apenas aos acréscimos de pagamento de trabalho suplementar.
Por isso, não tendo o trabalho prestado a coberto do mencionado nº 7 da dita cláusula 74.ª a natureza de trabalho suplementar, como há muito se consolidou na jurisprudência desta Secção, líquido se torna que a retribuição prevista naquele nº 7 não pode ser abrangida pela suspensão imposta pelo nº 4 do artigo 7º da Lei nº 23/2012.
Efectivamente, estamos perante uma medida de natureza transitória e excepcional, não podendo as normas que a consagram ver o seu âmbito de aplicação alargado.

No caso dos autos, mau grado se possa fazer apelo a critérios de igualdade na distribuição dos sacrifícios, a verdade é que com este suplemento se visa a remuneração das particulares condições em que o trabalho é prestado pelos trabalhadores abrangidos e não a contrapartida pelo esforço derivado da prestação de trabalho suplementar.
Deste modo, as realidades que estão subjacentes a este suplemento remuneratório e ao trabalho suplementar são diversas, não sendo operativos os critérios de igualdade invocados.

Por outro lado, o n.º 4 do artigo 7.º da Lei em causa não revogou as disposições das convenções colectivas de trabalho que se mantiveram vigentes no sistema jurídico, apenas com a sua eficácia suspensa no que se refere ao pagamento de trabalho suplementar.
É exactamente por esta razão que decorrido aquele prazo de suspensão tais dispositivos assumem a plenitude da sua vigência no sistema jurídico.

Por isso, a suspensão da vigência no que se refere ao trabalho suplementar não atinge a remissão que no caso dos autos é feita para a referida norma da cláusula 40.ª do CCT, pelo que ela continua a ser objecto da remissão que lhe é dirigida pelo n.º 7 da cláusula 74.ª, continuando a definir os limites mínimos da retribuição correspondente ao serviço abrangido por aquela cláusula.
 
Nesta conformidade, não se pode aplicar os valores do artigo 268º do CT a uma componente fixa da retribuição mensal que, em essência, não corresponde à prestação de trabalho suplementar.
Temos de concluir portanto, pela ilegalidade da diminuição remuneratória a que a R procedeu, pois ainda que a cl.ª40ª do CCT aplicável, e com base na qual havia sido calculado tal componente remuneratória, tenha ficado suspensa, por força do nº4 do artigo 7º da Lei nº23/2012 de 25.06, esta suspensão apenas podia operar em relação ao pagamento de trabalho suplementar efectivamente prestado.

            Pelo exposto, e improcedendo as razões invocadas pela recorrente, temos de manter a decisão recorrida que vai portanto integralmente confirmada.
           
4----
            
Termos em que se acorda nesta Secção Social em negar a revista e confirmar, embora com fundamentação diversa, a decisão recorrida.
           
Custas a cargo da R.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2015


Gonçalves Rocha (Relator)


Leones Dantas


Melo Lima

  

___________________
[1]Juntou um parecer elaborado pelo Professor Doutor António Menezes Cordeiro, que vai no mesmo sentido.
[2] Juntou três sentenças proferidas pelos Tribunais do Trabalho de Coimbra, Aveiro e Oliveira de Azeméis, todas no sentido por si propugnado.
[3] Menezes Cordeiro, Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Julho de 1998”, in O Direito, ano 121.º, 1989 I (Janeiro- Março), p. 193.
[4] Ibidem pág. 193
[5] Ibidem, pág. 194
[6] Direito do Trabalho, 2010, 5.ª Edição, Almedina, p.p. 1222 e 1223.
[7] Tratado de Direito do Trabalho – Parte III – Situações Laborais Colectivas, Almedina, 2012, p. 288.
[8] Acórdão n.º 602/2013, de 20 de Setembro de 2013.