Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
23592/11.4T2SNT.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
DEVER DE INFORMAÇÃO
CONSENTIMENTO
PERDA DE CHANCE
NEXO DE CAUSALIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
ACTO MÉDICO
ATO MÉDICO
DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA
LEGES ARTIS
ORDEM DOS MÉDICOS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
VALOR PROBATÓRIO
Data do Acordão: 11/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / NORMAS DE CONFLITOS – RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS / DIREITO DE PERSONALIDADE – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS.
DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL / DEVER DE ESCLARECIMENTO.
Doutrina:
-André Gonçalo Dias Pereira, O dever de esclarecimento e a responsabilidade médica, Responsabilidade Civil dos Médicos, Coimbra, 2005, 435 e ss., 496;
-Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10.ª Edição, Coimbra, 2000, 900;
-Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, Coimbra, 1982, 337;
-Rui Cardona Ferreira, A perda de chance na responsabilidade civil por acto médico, sep. da Revista de Direito Civil, II (2017), 1, 131-155.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 640.º, 674.º, N.º 3, 682.º, N.º 2 E 683.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 25.º, N.º 1, 70.º, N.ºS 1 E 2, 81.º, 496.º, N.ºS 1, 2 E 3, 540.º, 563.º E 798.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 157.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 25.º, N.º 1 E 26.º, N.º 1.
ESTATUTO DA ORDEM DOS MÉDICOS, APROVADO PELO DECRETO-LEI Nº 282/77, DE 5 DE JULHO, REPUBLICADO EM ANEXO À LEI Nº 117/2015, DE 31 DE AGOSTO: - ARTIGOS 11.º E 135.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DO HOMEM E A BIOMEDICINA, CONVENÇÃO DE OVIEDO, IN WWW.GDDC.PT: - ARTIGO 5.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 25-06-2002, PROCESSO N.º 02A1321;
- DE 03-04-2003, PROCESSO N.º 03B809;
- DE 05-07-2007, PROCESSO N.º 07A1734;
- DE 04-03-2008, PROCESSO N.º Nº 08A183;
- DE 24-09-2009, PROCESSO N.º 09B0368;
- DE 05-11-2009, PROCESSO N.º 381-2002.S1;
- DE 07-07-2010, PROCESSO N.º 1399/06.OTVPRT.P1.S1;
- DE 28-10-2010, PROCESSO N.º 272/06.7TBMTR.P1.S1;
- DE 07-06-2011, PROCESSO N.º 3042/06.9TBPNF.P1.S1;
- DE 23-11-2011, PROCESSO N.º 90/06.2TBPTL.G1.S1;
- DE 31-01-2012, PROCESSO N.º 875/05.7TBILH.C1.S1;
- DE 31-05-2012, PROCESSO N.º 14143/07.6TBVNG.P1.S1;
- DE 14-03-2013, PROCESSO N.º 78/09.1TVLSB.L1.S1;
- DE 29-10-2013, PROCESSO N.º 62/10.TBVZL.C1.S1;
- DE 09-10-2014, PROCESSO N.º 3925/07.9TVPRT.P1.S1;
- DE 14-05-2015, PROCESSO N.º 1248/07.2TBLGS.E1.S1;
- DE 01-10-2015, PROCESSO N.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S1;
- DE 08-06-2017, PROCESSO N.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT;
Sumário :
I - Não cabe na competência do STJ controlar a decisão sobre a matéria de facto, enquanto fundada em provas sujeitas ao princípio da livre apreciação, ou seja, sem valor legalmente tabelado.

II - Quanto à apreciação das provas livremente apreciadas pelo julgador existe apenas um grau de recurso, tendo a Relação o poder de alterar a decisão da 1.ª instância, desde que a decisão de facto tenha sido regularmente impugnada (cfr. arts. 674.º, n.º 3, 682.º, n.º 2 e 640.º do CPC); quanto a apreciação das provas com valor legalmente pré-definido, tal como o STJ tem repetida e uniformemente observado pode haver dois graus de recurso, porquanto, na verdade, controlar a interpretação e a aplicação das normas que fixam o valor probatório ou a admissibilidade dos meios de prova é ainda uma questão de direito (n.º 3 do art. 674.º e n.º 2 do art. 682.º do CPC).

III - Quer a lei portuguesa (cfr., em especial, os arts. 70.º, 81.º e 540.º do CC, bem como o art. 157.º do CP ou o n.º 11 do art. 135.º do Estatuto da Ordem dos Médicos), quer diversos instrumentos internacionais (cfr. o art. 5.º da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina – Convenção de Oviedo) exigem, como regra e como condição da licitude de uma ingerência médica na integridade física dos pacientes – por exemplo, através de uma cirurgia, como no caso presente – que estes consintam nessa ingerência; e que o consentimento seja prestado na posse das informações relevantes sobre o acto a realizar, tendo em conta as concretas circunstâncias do caso, sob pena de não poder valer como consentimento legitimador da intervenção.

IV - Estando em causa uma cirurgia de extracção de um siso incluso efectuada numa clínica dentária (1.ª ré) por um médico estomatologista (2.º réu), por conta desta e seu sócio-gerente, era exigível ao 2.º réu que desse a conhecer à autora que a extracção a realizar, ainda que efectuada com observância de todas as leges artis, podia provocar a lesão do nervo lingual – como provocou – e quais as consequências possíveis de tal lesão.

V - Em primeiro lugar, porque a obrigação de informação do acto médico a realizar, não só resulta da lei, mas também decorre especificamente do contrato celebrado, como dever acessório do dever principal, que, no caso, era o de realizar a cirurgia de extracção de um siso incluso; em segundo lugar, porque as concretas circunstâncias da realização da extracção (não se tratou de uma cirurgia realizada em situação de urgência, tendo sido agendada com tempo suficiente para a autora ponderar as vantagens e os riscos da extracção) e da pessoa da autora (paciente do 2.º réu há bastante tempo e com uma profissão fisicamente exigente) justificam que se inclua no dever de informação o risco de lesão do nervo lingual e a ocorrência das consequências dessa lesão, sendo certo que o conteúdo concreto do dever de informação de actos médicos a realizar não é sempre o mesmo, variando com as circunstâncias do caso.

VI - Muito embora, naturalisticamente, não tenha sido a falta de informação que provocou “a lesão do nervo lingual direito” e demais danos que vêm provados, nem se tenha provado que a autora só aceitou submeter-se à intervenção porque não foi devidamente informada quanto aos respectivos riscos, porque, se tivesse sido, não a teria aceitado, a perspectiva jurídica correcta para avaliar da existência do direito a uma indemnização, no caso concreto, é antes a de determinar se deve ser ressarcido o concreto dano consistente na perda da oportunidade de decidir correr o risco da lesão do nervo e das suas consequências.

VII - Tal perda de oportunidade, em si mesma, enquanto dano causado pela falta de informação devida é, em abstracto, susceptível de ser indemnizada, tendo a sua protecção como sustentação material o direito à integridade física e ao livre desenvolvimento da personalidade (arts. 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1, da CRP e art. 70.º, n.º 1, do CC), incluindo-se no seu conteúdo, nomeadamente, o poder do titular de decidir em que agressões à sua integridade física consente, assim afastando a ilicitude das intervenções consentidas (cfr. n.º 2 do art. 70.º e art. 81.º do CC).

VIII - Nesta perspectiva, tendo ficado provado que: “Os RR. nunca informaram a A. da existência de algum risco na cirurgia a realizar, fosse ao nível de lesão de algum nervo ou qualquer outra, nem sequer mencionaram à A. que fosse uma cirurgia, uma extracção especialmente complicada”, está ostensivamente demonstrado o concreto nexo de causalidade naturalístico, questionado pelos recorrentes, e preenchido o requisito da causalidade adequada (art. 563.º do CC).

IX - Tendo o acórdão recorrido ponderado, designadamente, que a lesão do nervo lingual provocou dores, encortiçamento da hemilíngua direita e limitações da vida habitual da autora que se mantiveram por bastante tempo e tendo em conta que o critério essencial de aferição da indemnização equitativa, segundo o disposto no n.º 1 do art. 496.º do CC, é o da gravidade do dano, é de manter o valor de € 18 000, calculado pela Relação, a título de danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA instaurou uma acção conta a Clinica Dr. BB, Lda. e contra CC, pedindo a sua condenação solidária no pagamento de uma indemnização de € 35.498,08 (€ 498,08 por danos patrimoniais e € 35.000,00 por danos não patrimoniais), com juros calculados desde a citação e até integral pagamento, bem como no montante que vier a apurar-se “no decurso da acção como correspondente aos danos sofridos”, patrimoniais e não patrimoniais, com juros contados desde a condenação.

Para o efeito, e em síntese, alegou ter sido submetida em 10 de Outubro de 2008 a uma extracção de um dente do siso incluso da qual resultaram “sintomatologia (…), dores e limitações (…) de que não padecia antes da exodontia”, incapacidade para o trabalho, para o treino físico e para progressão na carreira de militar – a autora é militar da força aérea, no activo –, causadas por lesões resultantes de falta de cuidado do segundo réu na realização da referida extracção e cuja possibilidade de ocorrência não lhe fora previamente comunicada. Disse ainda que nunca os réus assumiram que tivesse havido qualquer erro de execução na extracção ou que os danos que invoca tivessem sido sua consequência.

Concluiu estarem reunidos os pressupostos da responsabilidade civil por erro médico, por ter sido celebrado um contrato de prestação de serviços médicos com a clínica, a cujo serviço se encontra o segundo réu, aliás sócio e gerente da primeira.

Os réus contestaram. O segundo réu, por entre o mais, afirmou ter informado a autora “sobre o diagnóstico e procedimentos adequados ao caso” e dos “potenciais riscos” da extracção, que foi realizada segundo as regras técnicas devidas e com toda a diligência, e precedida da “análise cuidada dos exames complementares de diagnóstico efectuados previamente à cirurgia”; e ainda que algumas das sequelas atribuídas pela autora à extracção não podem resultar de tal tipo de intervenção. Não houve assim qualquer acto ilícito, nem nexo de causalidade, entre a extracção e os danos invocados, nem culpa na sua verificação.

A acção foi julgada improcedente, pela sentença de fls. 410: “Sem descurar de modo algum a lesão sofrida pela A. [«lesão do nervo lingual direito (…), decorrente do acto cirúrgico levado a cabo pelo 2º R.»], conclui o tribunal, na senda do relatório pericial, que a mesma é uma sequela do próprio acto cirúrgico não imputável ao 2º R., nem a título extracontratual, nem a título contratual, mas decorrente dos riscos próprios da ciência médica, a qual não é uma ciência exacta e como qualquer actividade humana comporta riscos inerentes, não estando no nosso ordenamento jurídico, por ora consagrada a responsabilidade médica objectiva, ou decorrente do mero risco. Pelo exposto, concluiremos pela inexistência de responsabilidade imputável ao 2º R., pela lesão que sobreveio à A.

A conclusão a que chegámos quanto ao 2º R. implica idêntica conclusão quanto à 1ª R., tanto por força do disposto no artigo 500º do Código Civil, como por força do disposto no artigo 798º do mesmo diploma legal, dado que, atenta a forma como a A. configurou a relação material controvertida, a eventual responsabilidade desta R. sempre decorreria da imputação de responsabilidade aquiliana ou contratual ao 2º R.”.

A autora recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, pelo acórdão de fls. 485, concedeu provimento parcial à apelação e julgou a acção procedente em parte. Os réus foram condenados, solidariamente, no pagamento de uma indemnização de € 18.000,00 por danos não patrimoniais, com juros vincendos, e de € 427,98 por danos patrimoniais, com juros contados à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.

Para assim decidir, a Relação deferiu parcialmente a impugnação da matéria de facto e, em breve síntese, considerou que, apesar de estar provado que o segundo réu ”realizou os procedimentos adequados ao acto cirúrgico em causa” e que “ocorreu uma vicissitude, própria do acto em questão, que por vezes pode suceder, sem que deva ser ou possa ser imputada a imperícia do médico, que foi a lesão do nervo lingual direito”, a verdade é que a autora “foi atingida na sua integridade física, sofrendo sequelas que não haviam sido contratadas, para cuja ocorrência não havia consentido e de cuja possibilidade de ocorrência não havia sido informada”, sendo que a “seriedade das consequências danosas inerentes à cirurgia em causa” e a “taxa de frequência com que podem ocorrer” impõe a conclusão de que “os RR. tinham o dever de esclarecer a A. sobre as mesmas, dever esse que incumpriram.

Assim, ocorreu violação de um dos deveres decorrentes do particular contrato de prestação de serviços celebrado entre a A. e a 1.ª R. (prestação de serviços médicos), o dever de prestar informação a fim de se obter do cliente-paciente um consentimento informado, dever esse que também é imposto por lei e protege os direitos absolutos da integridade físico-psíquica e da liberdade de vontade do paciente (…).

No caso destes autos estamos perante uma mulher saudável, militar no activo, que na sequência do que lhe foi apresentado como um acto de medicina dentária inofensivo (extracção do siso), sofreu lesão no nervo lingual direito, o que no imediato e durante pelo menos um ano lhe provocou fortes dores, grande dificuldade em comer e em falar, sensação de encortiçamento e de formigueiro na língua e perda de sensibilidade na língua. Em virtude dessas limitações a A. não conseguiu praticar treino físico e não conseguiu realizar as provas físicas exigidas pela sua condição militar nos anos 2009 a 2011, por inaptidão médica, sofrendo a angústia inerente ao facto de tanto a progressão na carreira militar como a manutenção no activo dependerem de aprovação em testes de condição física. Ainda hoje, decorridos oito anos após a extracção do aludido dente, a A. mantém dor permanente no pavimento da cavidade oral à direita e na hemilíngua direita, com sensação de formigueiro, com parestesia, com sensação de encortiçamento, com grande dificuldade e dor na mastigação, não consegue mastigar com o lado direito, continua a acontecer-lhe morder a língua inadvertidamente, mantendo a insensibilidade na hemilíngua direita, mantém a dificuldade em articular a fala e em pronunciar correctamente algumas palavras.

De notar ainda que o 2.º R., médico experiente e que tratava a A. já havia bastantes anos, consultado por ela no período a seguir à cirurgia, nunca diagnosticou correctamente as causas das suas queixas, situação que se manteve mesmo após a propositura desta acção.

Tudo ponderado, atendendo aos valores jurisprudencialmente acima referidos, que se reportam a um tempo já algo longínquo, e às circunstâncias supra expostas, afigura-se-nos adequada a atribuição à A., a título de indemnização por danos não patrimoniais, actualizada à data presente, da quantia de € 18 000,00, pela qual são solidariamente responsáveis ambos os RR. (artigos 500.º, 497.º, 800.º n.º 1 do Código Civil).

No que concerne a danos patrimoniais, os RR. deverão indemnizar a A. pela quantia de € 427,98, referente às despesas provadas nas alíneas k) e ddd) da matéria de facto, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da citação, conforme requerido.”

2. Os réus recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas alegações de recurso, formularam as seguintes conclusões:


1. A sentença da 1.ª instância não merece qualquer censura, pois mostra-se correcta a apreciação do direito aos factos que foram provados na audiência de julgamento;

2. O Acórdão recorrido viola o disposto no artigo 607.º, n.º 4, aplicável por via do estabelecido no artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC, porquanto não se mostra haver compatibilização da matéria de facto dada como provada;

3. É contraditório dar como provado, na alínea iii) dos factos provados na versão da Relação, que nem sequer foi mencionado à A. que tivesse de ser submetida a uma cirurgia, quando o diagnóstico que lhe havia sido dado a conhecer era no sentido de que o siso inferior, do lado direito, se encontrava incluso.

4. Atendendo a que o significado de incluso é que está incluído ou contido, um dente que está incluso apenas pode ser extraído, pela natureza das coisas, através de cirurgia.

5. O que a A. compreendeu, bem como qualquer outra pessoa na sua situação e com a sua formação, compreenderia.

6. Com efeito, a A. é oficial da Força Aérea e tem uma licenciatura em ….

7. Conhece, portanto, o significado das palavras e não é lógico, nem coerente, que se dê como provado que alguém a quem é comunicado que tem um siso incluso que necessita de ser extraído, que não alcance que tal extracção será feita cirurgicamente.

8. Por outro lado, não é ainda lógico que alguém com a diferenciação da A., não coloque as questões que sejam necessárias ao seu completo esclarecimento no âmbito de uma relação médico doente que já havia sido estabelecida há anos, como se vê da matéria provada.

9. É certo que o paciente tem o direito a ser informado do que se passa com o seu corpo, das alternativas de tratamento a serem seguidas, com as respectivas vantagens e inconvenientes, sendo chamado a participar nas decisões atinentes à terapêutica a seguir, com respeito, obviamente, pela independência e autonomia técnica do médico.

10. Mas também é verdade que se não está esclarecido tem o dever de informar o médico sobre as suas dúvidas, para que este as possa esclarecer.

11. A intervenção do STJ na decisão da matéria de facto está limitada aos casos previstos nos artigos 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 3, do CPC, o que exclui a possibilidade de interferir no juízo da Relação sustentado na reapreciação de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como são os depoimentos testemunhais e documentos sem força probatória plena.

12. Pode, contudo, este douto Tribunal controlar as decisões sobre a matéria de facto ao nível, nomeadamente, da sua coerência e logicidade.

13. Consequentemente, no âmbito deste controlo, cabe-lhe sanar as contradições que se verificam e que se deixaram assinaladas.

14. Considerou o Acórdão sob recurso que o contrato celebrado entre a sociedade, primeira R., e a A. não foi pontualmente cumprido por não ter sido prestada informação completa sobre os riscos da intervenção a que esta iria ser submetida.

15. O Tribunal da Relação interpretou e aplicou incorrectamente o artigo 563.º do Código Civil, de acordo com o qual a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão;

16. De acordo com a matéria dada como assente, o que está em causa como facto ilícito consiste na não prestação de informação sobre os riscos inerentes à cirurgia realizada, nomeadamente os concernentes com lesões de nervos, o que originou, na tese recorrida, a não obtenção de consentimento para a intervenção cirúrgica.

17. Cirurgia que, ao que tudo indica e as instâncias confirmaram, foi feita de acordo com as regras técnicas aplicáveis, mas da qual decorreu como complicação uma lesão de um nervo.

18. Do ponto de vista naturalístico, não existe nexo de causalidade entre a falta de consentimento e os danos que a A. sofreu.

19. Tais danos são devidos a uma complicação que não é previsível, pois não se sabe quando surge e em quem.

20. Trata-se de uma complicação fortuita, não imputável a uma concreta acção incorrecta e por isso provocada por circunstâncias anormais ou anómalas.

21. Ao imputar à falta de consentimento da A. os danos verificados, foram violados os artigos 798.º e 563.º do CC, por flagrante desrespeito da doutrina da causalidade adequada.

22. Impõe-se, pois, decisão inversa à que foi tomada, relativamente aos danos supostamente indemnizáveis, com a consequente absolvição dos RR. do pedido.

23. Sem conceder, cabe ainda ter presente que nas indemnizações por danos não patrimoniais, estando em causa critérios de equidade, devem ser seguidas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida.

24. Ademais, os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização.

25. O recurso à equidade não obsta à ponderação, como termo de comparação, dos valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judicias relativas a casos semelhantes, transitadas em julgado, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso concreto.

26. Assim, na fixação dos danos não patrimoniais, deve lançar-se mão das indemnizações fixadas pelos Tribunais a propósito do dano morte, pois todos os outros, naturalmente, serão sempre de montante inferior.

27. No que respeita ao dano morte, que representa o bem mais valioso da pessoa e simultaneamente o direito de que todos os outros dependem, a compensação atribuída pelo STJ tem oscilado, nos últimos anos, entre € 50 000 e € 80 000, com ligeiras e raras oscilações para menos ou para mais – por todos, ver o Acórdão do STJ de 31.1.2012.

28. Os aludidos valores mantém actualidade, em virtude da crise económica e financeira que assolou o país desde, pelo menos 2008.

29. Donde, a atribuição do montante de € 18.000,00 é desajustado da realidade pois que é quase metade do valor mais baixo atribuído pelo dano morte.

30. Terá, pois de considerar-se que foi violado o disposto no artigo 496.º, n.º 4 do Código Civil.

31. Assim, caso se entenda que é devida qualquer indemnização por danos não patrimoniais, o que apenas como mera hipótese de raciocínio se concebe, a mesma deve ser de valor inferior.

32. A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa violou, pois, o disposto nos artigos 607.º, n.º 4, aplicável por via do estabelecido no artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC, bem como os artigos 563.º e 496.º, n.º 4, estes do Código Civil.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso de revista ser julgado procedente e, a final, absolvendo os RR. do pedido, mantendo assim a decisão proferida pela primeira instância. Assim decidindo, será feita a costumada Justiça!


A autora contra-alegou, concluindo desta forma:


1. A decisão objecto da presente revista não merece qualquer censura, devendo ser mantida na sua plenitude.

2. O Acórdão em crise não contém quaisquer contradições ao nível da matéria dada como provada, não se verifica qualquer incompatibilidade na matéria provada, a decisão de facto é absolutamente coerente e lógica, encontra-se devidamente exposta e fundamentada permitindo uma precisa e correta compreensão da decisão proferida.

3. Os Recorrentes não logram sequer concretizar devidamente a matéria que consideram estar em contradição, o que pretendem e efectivamente demandam é a alteração da matéria de facto julgada pela Relação de modo a vê-la apreciada a seu favor, o que, para além de não lhe assistir razão, bem sabe estar vedado a este Supremo Tribunal, pois que apenas pode conhecer de questões de Direito e outros casos muito excepcionais que não inclui o vertente.

4. Ainda na defesa da tese da alegada contradição, verifica-se que fazem os Recorrentes uma análise segmentada, trazendo apenas expressamente a jogo as alíneas iii) e n), as quais, sem prejuízo de não levantarem qualquer questão de contradição entre si, não podem ser apreciadas de forma isolada e carecem de uma análise conjugada com, nomeadamente, as alíneas bbb) e bbbb), estas aditadas pela Relação, que fez uma análise inatacavelmente coerente e lógica.

5. Pior, arvoram os Recorrentes uma tese, salvo devido respeito, absurda, segundo a qual a Recorrida terá especiais conhecimentos advindos da sua licenciatura em …. e da sua função de … oficial da Força Aérea que a habilitaria ao nível de estomatologia e medicina dentária.

6. O próprio Acórdão recorrido explora os conhecimentos da Recorrida e de outras testemunhas igualmente oficiais da Força Aérea e resulta evidente que qualquer uma delas nada sabia sobre extracção de sisos ou outros dentes.

7. Se, como dizem os Recorrentes, incluso é estar incluído ou contido, dir-se-á que todos os dentes estão contidos e incluídos na boca, mas nem por isso todos têm que ser retirados por meio de cirurgia e ainda menos todos envolvem riscos e nem todos os mesmos, cabia ao médico explicar e esclarecer e não é sério vir imputar ao paciente que lhe cabia a ele perguntar se dúvidas tivesse, quando o especialista nada abordou.

8. Resulta claro e definitivamente julgado no Acórdão recorrido que a Recorrida não foi devidamente esclarecida sobre a extracção e forma da mesma por meio de cirurgia e riscos associados, uma intervenção com 23% de probabilidades de lesão do nervo em causa, facto este aditado pela Relação e que os Recorrentes convenientemente omitem na sua argumentação, e esta questão não é passível de reapreciação ou alterações.

9. A responsabilização dos Recorrentes pelos danos sofridos pela Recorrida, com fundamento no incumprimento do dever de informação e na falta de consentimento livre e esclarecido não viola qualquer teoria da causalidade adequada, nem qualquer norma legal, vem devida e vastamente fundamentada no Acórdão em crise e está de acordo a lei.

10. A tese dos Recorrentes de que esse incumprimento ou cumprimento defeituoso não representa facto ilícito e por isso não é causador do dano, levaria ao absurdo de não ter consequências e não ser passível de responsabilização.

11. A isto acrescentam os Recorrentes a ideia de que os danos seriam devidos a uma complicação não previsível, não se sabendo quando surge e em quem, bem sabendo que não corresponde à verdade, fazendo, uma vez mais, tábua rasa do facto aditado bbbb) segundo qual existir 23% de probabilidade de lesão do nervo lingual naquela cirurgia, algo que como profissional experiente deveria ter valorizado e informado a paciente desse risco para que esta então decidisse se pretendia ou não fazer a cirurgia e, em caso afirmativo, então assumiria livre e esclarecidamente os danos que adviessem da aludida complicação se surgisse.

12. O Acórdão da Relação, como de resto todo ele, é inatacavelmente esclarecedor, num raciocínio lógico e coerente, concluindo com uma decisão devidamente fundamentada, não se reconhecendo razão alguma aos Recorrentes nos reparos que lhe vem fazer.

13. O quantum indemnizatório, pese embora bem abaixo do inicialmente peticionado pela aqui Recorrida, afigura-se equitativo e justo, conforme às regras legais vigentes, sendo de manter a condenação talqual vem no Acórdão da Relação.

Termos em que, pugna pela total improcedência desta revista, mantendo-se intocada a, aliás, douta e justa decisão do Tribunal da Relação de Lisboa. Confiando-se, como sempre, a Vossas Excelências a realização da Justiça!

3. Vêm provados os seguintes factos, com as alterações introduzidas na Relação:


a) A 1ª R. dedica-se à prestação de serviços de estomatologia.

b) O 2º R. é médico estomatologista e presta sua actividade profissional na clínica da 1ª R., por conta desta, além de ser seu sócio e gerente.

c) A A. foi a essa clínica em 10 de Agosto de 2008, tendo sido atendida e consultada pelo 2º R..

d) Em 12/09/2008 a A. fez uma ortopantomografia, na qual é visível o terceiro molar inferior direito incluso.

e) Em 24/09/2008, a A. fez destartarização bimaxilar na 1ª R.

f) E a extracção do aludido dente do siso foi agendada para dia 10/10/2008.

g) Em 10/10/2008, antes do início da cirurgia no âmbito da exodontia, cerca das 11h00, o 2º R. examinou a película da ortopantomografia realizada pela A..

h) Administrou-lhe anestesia local, mediante injecção, e a cirurgia iniciou-se sem que a A. sentisse qualquer dor.

i) No decurso da cirurgia, o 2º Réu efectuou reforço da anestesia.

j) Quando a cirurgia terminou, a A. foi suturada com pontos e o 2º R. receitou-lhe antibiótico e analgésicos, concretamente Cipamox 1g, Profenid 100 mg e Zaldiar 37,5 + 325 mg, cuja toma iniciou ainda nesse dia, e aconselhou a utilização de perio-aid colutório antissético e escova de dentes sensitive.

k) A A. pagou à 1ª R. a quantia de €250,00 pela exodontia realizada.

l) A A. nasceu em 26 de Outubro de 1973 e tem o posto de … da Força Aérea Portuguesa.

m) Na ocasião referida em c), a A. sentia como se os seus dentes estivessem a abanar, não sentindo no entanto qualquer dor.

n) O 2º R. examinou a boca da A., dizendo-lhe então que tal sintomatologia se devia ao facto do seu dente do siso no maxilar inferior, do lado direito, estar incluso e a empurrar os demais dentes, provocando-lhe o abanar dos mesmos.

o) Durante a cirurgia referida em h), a A. sentiu dor.

p) Foi neste contexto que o 2º Réu efectuou o reforço de anestesia referido em j).

q) Em 16/10/2008, a A. teve que recorrer ao Posto Médico da sua Unidade da Força Aérea, pois continuava com muitas dores e dificuldade em falar.

r) Tendo logo então feito terapêutica injectável para alívio das dores, sendo medicada ainda com Cipamox 1g, Nolotil e Dualgan cp. Rev. 300 mg.

s) No dia seguinte a A. regressou ao mesmo Posto Médico, pois as dores mantinham-se.

t) Tendo ficado com atestado médico que a dispensou do trabalho por um período de 5 dias.

u) E no dia 24/10/2008 voltou a recorrer ao atendimento no mesmo Posto Médico, referindo dor, dificuldade em alimentar-se [aditado na Relação] e sensação de encortiçamento da língua, do lado direito.

v) A A. manteve dores constantes na hemilíngua direita, como se de um formigueiro muito doloroso se tratasse, ao mesmo tempo sentindo encortiçamento da língua, com perda de sensibilidade na face direita e com grande dificuldade em articular a fala.

w) Por vezes a A., de forma inadvertida e não intencional mordia o lado direito da língua.

x) A A. sentia ainda uma sensação de inchaço na língua, que fazia piorar as dores e aumentava a dificuldade em falar.

y) No início de 2009, a A. iniciou programa de reabilitação definido por Médica Fisiatra do Hospital da Força Aérea, em virtude de quadro clínico caracterizado por parestesias e dor da hemilíngua e hemi-cave bucal direitas e queixas de alteração de sensibilidade ao frio e ao calor, dificuldade na fala e na mastigação.

z) Perante a descrita sintomatologia que persistia, não cedendo perante os tratamentos e medicação administrados, no início de 2009 o 2º R. fez uma placa de relaxamento flexível para o maxilar superior da A., com vista a aliviar-lhe as dores.

aa) Contudo, a aludida placa não só não produziu o efeito desejado, como provocava dores no maxilar superior da A..

bb) O 2º R. ainda “aparou” a dita placa, numa tentativa de a tornar tolerável à A., mas tal não resultou.

cc) A A. para tratamento das queixas que apresentava após a realização da aludida exodontia na 1ª R., foi seguida no Posto Médico do GAEMFA, em consultas de estomatologia, medicina física e de reabilitação e de neurologia no Hospital das Forças Armadas.

dd) Com uma avaliação clínica especializada que veio acompanhando o seu quadro clínico.

ee) Em 16 de Outubro de 2008 à A. foi-lhe prescrito cipamox 1 g, nolotil e dualgan 300 mg.

ff) Em 16 de Junho de 2009 à A. foi-lhe prescrito lyrica 25 mg.

gg) Em 22 de Junho de 2009 foi-lhe prescrita terapêutica com neurotin 300 mg, em substituição de lyrica 25 mg.

hh) Em 7 de Setembro de 2009 à A. foi diagnostica intolerância ao neurotin, voltando a ser prescrita lyrica 25 mg.

ii) Em 11 de Novembro de 2009 à A. foi mantida a prescrição de lyrica 25 mg e zaldiar.

jj) A A. realizou uma ressonância magnética crânio encefálico, sob prescrição do médico neurologista, que não revelou nada com relevância ou influência no seu quadro.

kk) Actualmente, a A. ainda mantém dor permanente no pavimento da cavidade oral à direita e na hemilíngua direita, com sensação de formigueiro, com parestesia, com sensação de encortiçamento, com grande dificuldade e dor na mastigação.

ll) Em virtude do aumento da intensidade da dor que tal provoca, a A. não consegue sequer mastigar com o lado direito.

mm) Continua a acontecer-lhe morder a língua inadvertidamente, mantendo a insensibilidade na hemilíngua direita.

nn) Bem assim, mantendo a dificuldade em articular a fala e em pronunciar correctamente algumas palavras, algo que antes da aludida exodontia não sucedia.

oo) A A. quando come não mastiga com o lado direito do maxilar, devido às dores ainda mais intensas que tal provoca.

pp) E, por regra, não come alimentos duros, como seja a côdea de pão de trigo, nem como alimentos mais rijos à dentada, como seja um pero, nem mastiga pastilha elástica.

qq) A A. não padecia de qualquer desta sintomatologia, dores e limitações antes da exodontia realizada pelos RR. no dia 10/10/2008, resultando estas apenas desta mesma cirurgia.

rr) A A. tem dificuldades no acto de mastigação e de lavar os dentes.

ss) A progressão na carreira militar, em geral, depende de aprovação em testes de condição física.

tt) Na Força Aérea os testes referidos em ss) são realizados anualmente, aferindo-se daí a respectiva aptidão física, implicando aprovação em provas compostas de extensões de braços, abdominais, corrida de 2400 m ou marcha de 3200 m, tudo com distâncias, tempos e repetições previamente definidas.

uu) Na Força Aérea os testes referidos em tt) são de realização obrigatória para os militares até aos 49 anos de idade.

vv) A A. auferia em 3 de Julho de 2012 a retribuição mensal ilíquida de € 2.265,72.

ww) A A. é jurista de formação.

xx) A A. foi incorporada na Força Aérea em 11/09/2000.

yy) A A. sente-se profissional e pessoalmente realizada na vida militar, sempre desejou ingressar na carreira militar, ter a ela acedido traduziu a realização de um sonho, tendo-se sempre dedicado completamente à sua profissão, tomando-a como um modo de vida.

zz) Ao longo dos anos de serviço militar mereceu públicos louvores dos seus superiores, que publicamente reconheceram em si “excelentes qualidades pessoais e profissionais, das quais se destacam a sua facilidade de relacionamento que lhe granjeou a estima e consideração de todos os que com ela trabalham, a sua boa formação jurídica e competência técnica, o seu profissionalismo, dedicação e disponibilidade”, apontando a sua “competência, extraordinária dedicação e empenho, excelentes qualidades militares e pessoais, evidenciados no desempenho das suas funções”.

aaa) Descrevendo-a como “Oficial prendada com um notável rigor intelectual, exemplar bom senso e marcada sobriedade, destaca-se por uma invulgar capacidade de trabalho e elevada competência técnica (…) A jovialidade, o entusiasmo e a afabilidade que empresta às relações interpessoais, estimulam um profícuo e salutar clima de trabalho, concorrendo indubitavelmente, para enfrentar dificuldades e superar obstáculos”.

bbb) Do ato terapêutico cirúrgico referido em g) resultou, como complicação do próprio ato cirúrgico, a lesão do nervo lingual direito.

ccc) A extracção do dente de siso incluso envolve riscos especiais face aos dentes normalmente nascidos e posicionados, uma vez que requer especial cuidado para evitar atingir os nervos que se encontram próximos, impondo uma prévia avaliação de toda área a intervencionar e adjacente com recurso a exames complementares de diagnóstico.

ddd) Em exame complementar de diagnóstico e medicamentos, directamente relacionados com a situação supra descrita e para a ela obviar, despendeu até ao momento a A. a quantia de € 177,98.

eee) Na consulta indicada em c), a A. referiu ao 2º R. desconforto, sensação de pressão e de dentes a abanar na zona inferior direita da mandíbula.

fff) Na observação o 2.º R. constatou a presença de gengivite, apresentando-se a gengiva ligeiramente hemorrágica e edemaciada, com placa bacteriana.

ggg) Foi feito Rx, que revelou presença de siso incluso.

hhh) Perante as queixas da A. o 2.º R. pediu uma ortopantomografia, sugeriu destartarização e propôs a extracção [eliminado o termo cirúrgica] do referido siso.

iii) Os RR. nunca informaram a A. da existência de algum risco na cirurgia a realizar, fosse ao nível de lesão de algum nervo ou qualquer outra, nem sequer mencionaram à A. que fosse uma cirurgia, uma extracção especialmente complicada [A 1ª instância considerara provado que “O 2.º R. prestou à A. informação sobre o diagnóstico e procedimentos adequados ao caso, bem como forneceu à A. informações sobre a intervenção e o pós-operatório” e não provado que 44. Não se provou que os RR. nunca informaram a A. da existência de algum risco na cirurgia a realizar, fosse ao nível de lesão de algum nervo ou qualquer outra, nem sequer mencionaram à A. que fosse uma cirurgia, uma extração, especialmente complicada. Este ponto 44 foi eliminado].

jjj) A higienista oral que efectuou a destartarização à A. em 24/9/2008 referiu dificuldade na execução dada a excessiva sensibilidade dos dentes.

kkk) Só posteriormente foi realizada a extracção do dente incluso.

lll) Antes do inicio da cirurgia, o 2.º R. examinou a ortopantomografia como referido em h) e confirmou os dados já obtidos pelo Rx-periapical efectuado na consulta anterior.

mmm) De seguida, efectuou a preparação do campo operatório em condições de assepsia e procedeu à anestesia.

nnn) Não foram registadas quaisquer intercorrências ou complicações durante a cirurgia, para além do reforço de anestesia referido em j).

ooo) No período compreendido entre os dias 10 e 23 de Outubro, exclusive, a A. jamais contactou os RR..

ppp) Apenas em 23 de Outubro de 2008 a A. foi observada pelo 2.º R..

qqq) Em 28 de Outubro de 2008, ou seja ainda no período de pós operatório imediato, a A. foi de novo observada pelo 2.º R., tendo este prescrito um analgésico para as queixas dolorosas zaldiar, referindo que os sintomas eram resultado da anestesia e desapareceriam com o tempo.

rrr) A cirurgia a que a A. foi submetida é susceptível de afectar o nervo lingual, o nervo alveolar inferior, também chamado nervo dentário inferior e o nervo bucal.

sss) Mesmo que os nervos supra referidos sejam atingidos numa cirurgia daquele tipo, tal não implica perda de sensibilidade na face direita.

ttt) O nervo lingual e o nervo alveolar inferior são nervos sensitivos e não nervos motores.

uuu) A diminuição da força muscular não pode ter origem na afectação de tais nervos.

vvv) Quando em Janeiro de 2009, o 2.º R. voltou a observar a A. aplicou-lhe uma goteira de relaxamento.

www) É anatomicamente impossível atingir os nervos maxilar e oftálmico na cirurgia a que a A. se submeteu.

xxx) A primeira consulta da A. com o 2º R. ocorreu em 31/5/1984, tendo efectuado tratamentos e consultas com o mesmo para além da data referida em c) ainda em 30/8/2000, 1/9/2000, 4/6/2004, 22/12/2005, 24/1/2007, 19/2/2007, 27/2/2007, 6/3/2007, 24/9/2008, 10/10/2009, 23/10/2008, 28/10/2008 e 23/1/2009.

yyy) (Aditado na Relação) O 2º R. é um médico estomatologista experiente.

zzz) (Aditado pela Relação) Em virtude da situação referida em kk) a nn) a A. não conseguia praticar treino físico e não conseguiu realizar as provas físicas referidas em tt) nos anos 2009 a 2011 por inaptidão médica.

aaaa) (Aditado pela Relação) A manutenção em funções na carreira militar depende de aprovação em testes de condição física.

bbbb) (Aditado pela Relação) A incidência do traumatismo do nervo periférico lingual em tratamentos cirúrgicos dos 3ºs molares é de 23%.


E a Relação manteve como não provados estes factos:

1 - Não se provou que o 2º R. tivesse dito à A. que tinha extrair o dente do siso.

2- Não se provou que durante a cirurgia a A. sentiu uma forte dor, gemendo.

3- Não se provou que o 2º R. ao ouvir o gemido da A., parou o que estava a fazer e perguntou-lhe se estava a sentir dor ao que esta retorquiu que sim, guturalmente e abanando a cabeça em sentido afirmativo.

4- Não se provou que o reforço de anestesia não tivesse resultado.

5- Não se provou que o 2º R. prosseguiu com a cirurgia, enquanto a A. continuava sempre com dores e gemendo.

6- Não se provou que a dada altura o 2º R. deu à A. a tomar um comprimido de Zaldiar (medicamento analgésico).

7- Não se provou que durante o resto da cirurgia a A. sentiu sempre dores, gemendo, dando conta aos presentes, médico estomatologista e assistente, de tal situação.

8- Não se provou que a A. saiu da clínica da 1ª R. com muitas dores e dificuldade em falar.

9- Não se provou que em 16 de Outubro de 2008 a A. ao recorrer ao Posto Médico da sua Unidade (da Força Aérea), apresentasse dificuldade em alimentar-se, mesmo com dieta à base de líquidos, purés e gelados, nem falta de sensibilidade na hemilíngua direita.

10- Não se provou que no dia 24 de Outubro de 2008 voltasse a recorrer ao Posto Médico mantendo as mesmas queixas referidas em q).

11- Não se provou que para além do referido em xxx) a A. tivesse mantido outros contactos com os RR..

12- Não se provou que ao longo dos seis meses que se seguiram à exodontia se verificou ainda diminuição da força muscular facial.

13- Não se provou que o facto referido em w) decorresse da diminuição da força muscular facial, nem que a A. não sentisse qualquer dor ao morder o lado direito da língua, nem que só desse conta pelo sabor a sangue.

14- Não se provou que a A. passasse a inclinar a cabeça para o lado esquerdo, com o propósito de assim procurar afastar a língua dos dentes do lado direito e desse modo evitar mordê-la e feri-la.

15- Não se provou que ocasionalmente a A. sentisse que a dor se espalhava pelo fundo do ouvido em direcção à parte superior do olho direito e para trás na nuca, provocando-lhe dores intensas.

16- Não se provou que a dada altura, a A. se apercebesse que sempre que fazia um esforço físico maior, ou se enervava, a língua parecia inchar, as dores aumentavam e se espalhavam.

17- Não se provou que no início de 2009, a A. tivesse iniciado programa de reabilitação definido por Médica Fisiatra do Hospital da Força Aérea por lesão do nervo alveolar inferior.

18- Não se provou que em 03/06/2009, a A. fez nova ortopantomografia.

19- Não se provou que o seguimento médico referido em cc) se tivesse ficado apenas a dever ao quadro clínico iniciado no dia em que lhe foi realizada a aludida exodontia na 1ª R..

20- Não se provou que a A. tivesse sido submetida a terapêutica com a introdução de profenid 100 mg, neurobion e clonix 300 mg para tratamento dos sintomas em causa nos presentes autos.

21- Nada se provou quanto aos concretos efeitos secundários sofridos pela A. provocados pelos medicamentos Lyrica e Neurotin.

22- Não se provou que a A. tivesse realizado outros exames complementares para além do referido em jj).

23- Não se provou que quando faz esforço físico ou é sujeita a estados de tensão, a A. tenha a sensação de inchaço da língua, com intensificação da dor, espalhando-se até à cabeça, espalhando-se pelo fundo do ouvido em direção à parte superior do olho direito e para trás na nuca, provocando dores intensas, nem que essas dores cheguem a manter-se durante vários dias, não obstante a toma de analgésicos.

24- Não se provou que o simples bocejar cause dor à A..

25- Não se provou que o referido em kk) a nn) impeçam a A. de praticar certos actos, como correr e saltar.

26- Não se provou que a A. tivesse outro rebate para o exercício da sua profissão para além do referido em nn).

27- Não se provou que a A. tenha uma incapacidade para o seu trabalho.

28- Não se provou que o referido em kk) a nn) dificulte a A. em outras situações para além das referiras em rr), nem que em certos casos a impeçam de praticar actos físicos normais, quotidianos e essenciais do dia a dia e o exercício físico de lazer.

29- Não se provou que a A. sofra limitações de prazeres do dia-a-dia, nem que consequentemente, tal lhe possa causar sofrimento.

30- Não se provou que em virtude da situação referida em kk) e nn) a A. não consiga praticar treino físico, nem que por isso não tem conseguido realizar com aproveitamento as provas físicas referidas em tt).

31- Eliminado na Relação. Tinha o seguinte teor: Não se provou que a manutenção em funções na carreira militar depende de aprovação em testes de condição física.

32- Não se provou que por força do referido em kk) a nn) a A. se mantenha numa situação de inaptidão física, nem quais as consequências que dessa situação poderiam advir para a A..

33- Não se provou que a A. evite a prática de outros actos para além dos referidos em oo) e pp).

34- Não se provou que ainda que utilize o lado esquerdo do maxilar para mastigar, tal provoque à A. dores intensas na área afectada.

35- Nada se provou quanto ao cancelamento da inscrição da A. na Ordem dos Advogados.

36- Não se provou que a A. se sente, física e psicologicamente, diminuída nas suas capacidades para desempenhar as suas funções, o que lhe causa grande sofrimento e angústia.

37- Não se provou que a A. vive agora ainda profundamente angustiada, ansiosa e aterrorizada, pelo facto de poder vir ser dada incapaz para o trabalho por junta médica da Força Aérea, em virtude dos factos em causa nos autos.

38- Não se provou que a A. se sente triste e angustiada também pelo facto de não conseguir praticar exercício físico com os seus “camaradas” da Força Aérea, sentindo-se assim arredada dos seus pares e até com sentimento de inferioridade perante eles, em virtude dos factos em causa nos presentes autos.

39- Não se provou que durante a exodontia (cirurgia de extracção do terceiro molar inferior direito), o 2º R., ao serviço da 1ª R., ao manusear os instrumentos cirúrgicos e anestésicos atingiu e lesionou o nervo trigémio da A..

40- Não se provou que tivessem sido atingidos e lesionados os nervos mandibular, oftálmico e maxilar e alveolar inferior.

41- Não se provou que o 2º R. não tivesse feito, segundo as melhores técnicas da ciência médica, a avaliação técnica cuidada da posição do dente a extrair face ao posicionamento dos nervos envolventes de modo a não os atingir.

42- Não se provou que a exodontia em causa era possível ser feita sem lesão de qualquer nervo na zona, desde que feita uma correta avaliação médica prévia à cirurgia da posição daqueles nervos e se atentasse na mesma durante a intervenção cirúrgica.

43- Não se provou que o 2º R. não tivesse atentado na posição de tais nervos durante a cirurgia.

44- Eliminado na Relação. Tinha o seguinte teor: Não se provou que os RR. nunca informaram a A. da existência de algum risco na cirurgia a realizar, fosse ao nível de lesão de algum nervo ou qualquer outra, nem sequer mencionaram à A. que fosse uma cirurgia, uma extracção, especialmente complicada.

45- Não se provou que, pelo contrário, sempre foi dito à A. que era uma extracção dentária normal, idêntica à de qualquer outro dente.

46- Não se provou qual a técnica e abordagem cirúrgica realizada pelo 2.º R., nem que não seja possível que o nervo lingual seja lesionado.

47- Nada se provou em concreto quanto aos conhecimentos dos RR., nem quanto à experiência e reconhecido no seu meio profissional do 2º R..

48- Nada se provou quanto ao detalhe das informações prestadas pelo 2º R. à A., nem se o mesmo informou a A. sobre potenciais riscos da extracção daquele dente.

49- Não se provou quando é que a A. decidiu extrair o dente do siso incluso.

50- Não se provou o modo como foi executado o procedimento de anestesia, nem qual o anestésico utilizado.

Não se provou que uma vez anestesiado o local a intervencionar, o 2.º R. procedeu a incisão com levantamento de retalho total vestibular, seguindo-se osteotomia executada com cirurgia óssea ultra-sónica de modo a expor o dente.

51- Não se provou que o 2º R. fez odontotomia e remoção dos fragmentos dentários; osteoplastia para arredondamento dos bordos do alvéolo; curetagem do alvéolo e por fim, fez sutura do retalho com poliamida revestida não reabsorvível 4 zeros.

52- Não se provou que a cirurgia correu bem, sem quaisquer intercorrências ou complicações e sem que tivessem sido detectados intraoperatoriamente quaisquer sinais clínicos que permitissem suspeitar de qualquer complicação.

53- Não se provou que em 23 de Outubro de 2008 o 2º R., face às queixas apresentadas pela A., tivesse colocado como hipótese diagnóstica a nevralgia do trigémio.

54- Não se provou que as queixas apresentadas pela A. fossem atípicas, nem que fossem compatíveis com problemas nas articulações temporomandibulares anteriormente referidas numa das consultas anteriores à cirurgia.

55- Não se provou que a cirurgia a que a A. foi submetida é susceptível de afectar apenas o nervo lingual e o nervo alveolar inferior, também chamado nervo dentário inferior.

56- Não se provou que a afectação dos nervos referidos em ttt) é incompatível com o referido em x).

4. Estão em causa neste recurso as seguintes questões:

– Contradição na matéria de facto provada;

“Nexo de causalidade entre a falta de consentimento e os danos que a A. sofreu”;

– Montante da indemnização por danos não patrimoniais.

5. Como os recorrentes recordam, não cabe na competência do Supremo Tribunal de Justiça controlar a decisão sobre a matéria de facto, enquanto fundada em provas sujeitas ao princípio da livre apreciação, ou seja, sem valor legalmente tabelado. Quanto à apreciação das primeiras – provas livremente apreciadas pelo julgador – existe apenas um grau de recurso, tendo a Relação o poder de alterar a decisão da 1ªInstância, desde que a decisão de facto tenha sido regularmente impugnada (cfr. artigos 674º, nº 3, 682º, nº 2 e 640º do Código de Processo Civil); quanto às segundas – provas com valor legalmente pré-definido – pode haver dois graus de recurso, como resulta do disposto no nº 3 do artigo 674º e no nº 2 do artigo 682º do Código de Processo Civil citados, e o Supremo Tribunal de Justiça tem repetida e uniformemente observado – cfr., apenas a título de exemplo, o acórdão de 14 de Maio de 2015, www.dgsi.pt, proc. nº 1248/07.2TBLGS.E1.S1 e a jurisprudência nele citada). Na verdade, controlar a interpretação e a aplicação das normas que fixam o valor probatório ou a admissibilidade dos meios de prova é ainda uma questão de direito.

O que acaba de ser dito não proíbe o Supremo Tribunal de Justiça de detectar contradições na decisão de facto, também como os recorrentes afirmam, desde que essas contradições impeçam a decisão jurídica. Se tal acontecer, o Supremo Tribunal de Justiça deve anular a decisão de facto nos pontos em que ocorre a contradição e determinar que a Relação a desfaça (nº 3 do artigo 682º e nº 1 do artigo 683º do Código de Processo Civil).

No caso, porém, não se verifica a contradição descrita pelos recorrentes nas alegações de recurso. O que a Relação passou a considerar provado no ponto iii) foi que “Os RR. nunca informaram a A. da existência de algum risco na cirurgia a realizar, fosse ao nível de lesão de algum nervo ou qualquer outra, nem sequer mencionaram à A. que fosse uma cirurgia, uma extracção especialmente complicada”, e não apenas que “nem sequer foi mencionado à A. que tivesse de ser submetida a uma cirurgia”. No contexto desta acção, o que é relevante é a informação (ou falta dela) sobre o carácter especialmente complicado da extracção e dos riscos respectivos.

E trata-se de matéria fora do âmbito da revista saber se a autora deveria ou não ter compreendido que a extracção de um siso incluso tem de ser feita através de cirurgia, ou ter feito as perguntas que os recorrentes têm em vista, de modo a que a prova tivesse um resultado diferente quanto a este ponto.


6. Os recorrentes alegam que não há nexo de causalidade naturalístico entre o facto ilícito consistente “na não prestação de informação sobre os riscos inerentes à cirurgia realizada, mormente os concernentes com lesões de nervos” e “os danos que a A. sofreu”, provocados por “circunstâncias anormais ou anómalas”, tendo assim sido violados os artigos 798º (responsabilidade do devedor) e 563º (nexo de causalidade), “por desrespeito da doutrina da causalidade adequada”. Daqui concluem que não se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar.

Entende-se, todavia, que a perspectiva em que os recorrentes se colocam não é a mais correcta, como se verá depois de determinar se o segundo réu estava ou não obrigado a prestar a informação que omitiu.

Ora a resposta não pode deixar de ser positiva: o segundo réu estava obrigado a informar a autora do risco de lesão do nervo lingual e das implicações de uma eventual lesão, por força da lei e do contrato que os ligava.

Com efeito, foi celebrado um contrato de prestação de serviços médicos (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Março de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 08A183) de estomatologia, com função curativa, entra a autora e os réus, a executar pelo segundo réu, “estomatologista experiente” (yyy)),“por conta da 1ª” ré (ponto b)), tendo como finalidade a extracção do terceiro molar incluso (ponto f)), extracção que foi efectivamente realizada.

Não estão em discussão os procedimentos seguidos na cirurgia; nem tão pouco se coloca qualquer hipótese de negligência do segundo réu, ou, de forma mais geral, de desrespeito das boas práticas da medicina, de erro médico, contrariamente ao que a autora alegou como primeira causa de pedir.

Vem provado que se tratou de uma cirurgia que não foi realizada numa situação de urgência (nem se sabe se era necessária, pois apenas vem provado que o siso incluso fazia com que os outros dentes abanassem), que “envolve riscos especiais “ (ponto ccc)) e conhecidos, pois que se sabe é de 23% “a incidência do traumatismo do nervo periférico lingual em tratamentos cirúrgicos dos 3ºs molares” (ponto bbbb)); e vem provado ainda que o segundo réu “prestou à autora informação sobre diagnóstico e procedimentos adequados ao caso, bem como “informações sobre a intervenção e o pós-operatório”, mas que não a informou, nem da complexidade da intervenção (iii), nem do risco que implicava (lesão do nervo lingual), nem da frequência com que ocorria a referida lesão nem, naturalmente, das eventuais consequências dessa hipotética lesão.

Ora a lesão veio efectivamente a verificar-se, no decurso e “como complicação do próprio acto cirúrgico” bbb)) de extracção do 3º molar (siso incluso), com as consequências que também se não discutem neste recurso, e que estão amplamente provadas. Os recorrentes não as põem em causa: apenas discordam (1) de que fosse exigível ao médico mais informação, salientando mesmo que a autora a deveria ter pedido, (2) de que se verifique o nexo de causalidade quanto ao acto ilícito identificado pelo Tribunal da Relação – omissão de informações suficientes para um consentimento suficientemente informado quanto à realização da cirurgia –, qualificada como cumprimento imperfeito ou defeituoso do contrato, e (3) do montante indemnizatório arbitrado pela Relação a título de danos não patrimoniais.


7. Quer a lei portuguesa (cfr., em especial, os já citados artigos 70º, 81º e 540º do Código Civil, bem como o artigo 157º do Código Penal ou o nº 11 do artigo 135º do Estatuto da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 282/77, de 5 de Julho, republicado em anexo à Lei nº 117/2015, de 31 de Agosto (“O médico deve fornecer a informação adequada ao doente e dele obter o seu consentimento livre e esclarecido”), quer instrumentos internacionais citados no acórdão recorrido (cfr. o artigo 5º da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina (Convenção de Oviedo), in www.gddc.pt,) exigem, como regra e como condição da licitude de uma ingerência médica na integridade física dos pacientes – por exemplo, através de uma cirurgia, como é o caso – que estes consintam nessa ingerência; e que o consentimento seja prestado na posse das informações relevantes sobre o acto a realizar, tendo em conta as concretas circunstâncias do caso, sob pena de não poder valer como consentimento legitimador da intervenção.

      Não se levantam dúvidas de que, no caso, era exigível ao segundo réu que desse a conhecer à autora que a extracção a realizar, ainda que efectuada com observância de todas as leges artis, podia provocar a lesão do nervo lingual, e quais as consequências possíveis de tal lesão.

     Em primeiro lugar, porque a obrigação de informação do acto médico a realizar, não só resulta da lei, mas também decorre especificamente do contrato celebrado, como dever acessório do dever principal, que, no caso, era o de realizar a cirurgia de extracção do 3º molar (cfr., num caso de perfuração do intestino durante a realização de uma colonoscopia, no qual foi tratada esta ligação intrínseca entre os deveres principais e os deveres acessórios de conduta, o acórdão de 1 de Outubro de 2015, www.dgsi.pt, pro. nº 2104/05.4TBPVZ.P1.S1.no qual se escreveu, transcrevendo Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, reimp, Coimbra, 1982, pág.337 e segs.,. que se trata “deveres de protecção, de conduta ou laterais (para referir algumas das designações que têm sido utilizadas) caracterizados “por uma função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de protecção à pessoa ou aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes”, resultantes da sua “conexão com o contrato”. Recorde-se especialmente que vem provado que a lesão se verificou “como complicação do próprio acto cirúrgico” – bbb) e que o objecto específico do recurso de revista relativo ao acórdão de 1 de Outubro de 2015 versava sobre questões diferentes, mas também relativas a responsabilidade por actos médicos)

   Em segundo lugar, porque as concretas circunstâncias da realização da extracção e da pessoa da autora, paciente do segundo réu há bastante tempo, justificam que se inclua no dever de informação o risco de lesão do nervo lingual e da ocorrência das consequências dessa lesão: não se tratou de uma cirurgia realizada em situação de urgência, foi agendada com tempo suficiente para a autora ponderar as vantagens e os riscos da extracção, e a autora tinha uma profissão fisicamente exigente. No sentido de que o conteúdo concreto do dever de informação de actos médicos a realizar não é sempre o mesmo, variando naturalmente com as circunstâncias do caso, cfr. o acórdão de 9 de Outubro de 2014, www.dgsi.pt, proc.nº 3925/07.9TVPRT.P1.S1, no qual se decidiu que “O conteúdo do dever de informação é elástico, não sendo, nomeadamente, igual para todos os doentes na mesma situação; Abrange, salvo ressalvas que aqui não interessam e além do mais, o diagnóstico e as consequências do tratamento; Estas são integradas pela referência às vantagens prováveis do mesmo tratamento e aos seus riscos; Não se exigindo, todavia, uma referência à situação médica em detalhe; Nem a referência aos riscos de verificação excepcional ou muito rara, mesmo que graves ou ligados especificamente àquele tratamento.”

8. É exacto que não se pode afirmar que, naturalisticamente, foi a falta de informação – que, no caso, está provada (pontos ccc), iii), bbbb)) e tem como objecto a comunicação do risco que a extracção do siso incluso implica para o paciente –, que provocou “a lesão do nervo lingual direito” (bbb)) e demais danos que vêm provados; desde logo, nem sequer vem demonstrado que, se conhecesse o risco que a intervenção implicava, a autora não teria consentido na sua realização; se essa prova tivesse sido feita, poder-se-ia estabelecer uma cadeia naturalística de causas, assim contrariando a alegação dos recorrentes, como é manifesto.

Não estando provado que a autora só aceitou submeter-se à intervenção porque não foi devidamente informada quanto aos respectivos riscos, porque, se tivesse sido, não a teria aceitado, a perspectiva jurídica que se nos afigura correcta é antes a de determinar se deve ser ressarcido o concreto dano consistente na perda da oportunidade de decidir correr o risco da lesão do nervo e das suas consequências; perda de oportunidade que, em si mesma, é um dano causado pela falta de informação devida, em abstracto susceptível de ser indemnizado, e cuja protecção tem como sustentação material o direito à integridade física e ao livre desenvolvimento da personalidade (artigos 25º, nº 1 e 26º, nº 1 da Constituição e artigo 70º, nº 1 do Código Civil). No seu conteúdo inclui-se, nomeadamente, o poder do titular de decidir em que agressões à sua integridade física consente, assim afastando a ilicitude das intervenções consentidas (cfr. nº 2 do artigo 70º e artigo 81º do Código Civil).

Nesta perspectiva, está ostensivamente demonstrado o concreto nexo de causalidade naturalístico, questionado pelos recorrentes; e preenchido o requisito da causalidade adequada (art. 563º do Código Civil), consagrado na lei portuguesa no âmbito da responsabilidade civil (contratual ou extracontratual): para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Julho de 2010, www.dgsi.pt, proc. 1399/06.OTVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ªed., Coimbra, 2000, pág. 900).

No fundo, pode entender-se que ocorre ainda a hipótese descrita por André Gonçalo Dias Pereira, O dever de esclarecimento e a responsabilidade médica, in “Responsabilidade Civil dos Médicos, Coimbra, 2005, pág. 435 e segs., pág. 496: “a falta de informação impossibilitou o paciente de tomar uma decisão informada em termos de ponderação adequada de riscos e benefícios”, apta a gerar responsabilidade civil do médico, através da sua inserção no círculo de protecção das normas que exigem o consentimento informado; embora se entenda, com Rui Cardona Ferreira A perda de chance na responsabilidade civil por acto médico, sep. da Revista de Direito Civil,  II (2017), 1, pág. 131-155, que o dano da perda de oportunidade tem autonomia, para efeitos indemnizatórios. Assim se decidiu, aliás, no acórdão de 14 de Março de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 78/09.1TVLSB.L1.S1.


 9. Finalmente, cumpre considerar o montante da indemnização por danos não patrimoniais arbitrada pelo acórdão recorrido, e que, segundo os recorrentes, a ter-se como devida, tem de ser reduzido. Nomeadamente, segundo alegam, deve ser confrontado com as indemnizações geralmente atribuídas por morte do lesado (perda do direito à vida).

Esclareça-se desde já que, quanto à ressarcibilidade destes danos, não releva situar a responsabilidade dos réus no âmbito da responsabilidade contratual ou extra-contratual, pois o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que os danos não patrimoniais podem ser indemnizados, quando se trata de responsabilidade contratual. Como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 24 de Setembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 09B0368, citado no acórdão de 8 de Junho de 2017, também tirado no processo nº 2104/05.4TBPVZ.P1.S1 e disponível igualmente em www.dgsi.pt , «o Código Civil português, embora trate em conjunto da obrigação de indemnizar (artigos 562º e segs.), regula separadamente a responsabilidade extra-contratual (artigo 483º e segs.) e a responsabilidade contratual (artigo 798º e segs.); e inclui naquela o regime da indemnização por “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. É no entanto igualmente certo que não exclui do âmbito possível da responsabilidade contratual a responsabilidade por danos desta natureza; como se observa por exemplo no acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Abril de 2003 (www.dgsi.pt, proc. nº 03B809), “as mencionadas normas dos artº798º, e segs., não o prevendo, também o não excluem”».

Tal como no acórdão de 8 de Junho de 2017, que se segue de perto quando a proximidade das situações o justifica, não se levanta nenhuma dúvida de que estão provados danos com gravidade suficiente para serem indemnizáveis, como se exige quando se trata de danos não patrimoniais (nº 2 do artigo 496º do Código Civil).

Ora, como por diversas vezes se recordou neste Supremo Tribunal (acompanha-se de perto o que se escreveu, por exemplo, no acórdão de 23 de Novembro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 90/06.2TBPTL.G1.S1), citado nomeadamente no acórdão de 31 de Maio de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 14143/07.6TBVNG.P1.S1, para a determinação da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais, ressarcíveis desde “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1 do artigo 496º do Código Civil), o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º). Este recurso à equidade não afasta, no entanto, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. Cumpre “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes” acórdão de 25 de Junho de 2002 (www.dgsi.pt, proc. nº 02A1321); nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal, de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição.”

Tratando-se de uma indemnização fixada segundo a equidade, e como o Supremo Tribunal da Justiça também observou em outras ocasiões (cfr., por exemplo, o acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 381-2002.S1), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se o Supremo Tribunal da Justiça é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio».

De modo mais impressivo, escreveu-se no acórdão de 7 de Junho de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 3042/06.9TBPNF.P1.S1: “Mais do que discutir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis (…)”.

Confronto esse que o acórdão recorrido efectuou, em termos que que não merecem qualquer reparo e que se subscrevem.


10. Não procede o confronto com os valores que vêm sendo atribuídos por perda do direito à vida (na maioria dos casos, entre € 50.000,00 e € 80.000,00) –  cfr. acórdãos de 31 de Janeiro de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1, de 29 de Outubro de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 62/10.TBVZL.C1.S1 ou de 8 de Junho de 2017, www.dgsi.pt, proc. nº 2104/05.4TBPVZ.P1.S1 , que continua a seguir-se de perto.

Com efeito, o fundamento e o objectivo da indemnização pela perda do direito à vida não é o mesmo que preside à indemnização por danos não patrimoniais de que beneficia o próprio lesado; embora seja exacto que o direito à vida é o mais valioso de todos os direitos pessoais (“representa o bem mais valioso da pessoa e simultaneamente o direito de que todos os outros dependem”, escreveu-se no acórdão de 31 de Janeiro de 2012), nem é limitativo o valor habitualmente atribuído por morte (cfr., por exemplo, o acórdão de 5 de Julho de 2007, www.dgsi.pt, proc. nº 07A1734), nem é frequentemente adequado e equitativo apelar a esse valor para calcular os montantes adequados a compensar os próprios ofendidos por lesões, sofrimentos ou sequelas que os afligiram ou ficam a afligir ou a limitar por um tempo maior ou menor, ou em grau mais ou menos elevado.

Não é seguramente equitativo, no caso concreto.

Como o acórdão recorrido ponderou, a lesão do nervo lingual provocou dores, encortiçamento da hemilíngua direita e limitações da vida habitual da autora que se mantiveram por bastante tempo: a autora, “mulher saudável, militar no activo (…), não conseguiu praticar treino físico e não conseguiu realizar as provas exigidas pela sua condição de militar nos anos 2009 a 2011 (…). Ainda hoje, decorridos oito anos após a extracção do (…) dente, a A. mantém dor permanente no pavimento da cavidade oral à direita e hemilíngua direita, com sensação de formigueiro, com parestesia, com sensação de encortiçamento , com grande dificuldade e dor na mastigação, não consegue mastigar com o lado direito, continua a acontecer-lhe morder a língua inadvertidamente, mantendo a insensibilidade na hemilíngua direita, mantém a dificuldade em articular a fala e em pronunciar correctamente algumas palavras” .

Mantém-se, assim, o valor de € 18.000,00, calculado pela Relação. O enquadramento do dano e do nexo de causalidade na perda de oportunidade de decidir sobre a realização da extracção não implica, nem um enquadramento jurídico relevantemente diferente do que foi seguido no acórdão recorrido, nem uma alteração no montante indemnizatório, pois cumpre ter em conta que o critério essencial de aferição da indemnização equitativa, segundo o disposto no nº 1 do artigo 496º do Código Civil, é o da gravidade do dano.

12. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

13. Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 02 de Novembro de 2017

Maria dos Prazeres Beleza Pizarro Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Távora Victor