Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5007/14.8TDLSB.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: CORREIO ELECTRÓNICO
TELECÓPIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO INTERLOCUTÓRIO
INDEMNIZAÇÃO CIVIL
DUPLA CONFORME
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
COMPETÊNCIA MATERIAL
REVISTA EXCEPCIONAL
Data do Acordão: 01/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO DE PENAL E CÍVEL E ADMITIDO O RECURSO DE REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – ACTOS PROCESSUAIS / COMUNICAÇÃO DOS ACTOS E DA CONVOCAÇÃO PARA ELES – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / ACTOS PROCESSUAIS / ACTOS DAS PARTES / ACTOS ESPECIAIS / CITAÇÃO E NOTIFICAÇÕES / NOTIFICAÇÕES EM PROCESSOS PENDENTES / NOTIFICAÇÕES DA SECRETARIA / NOTIFICAÇÕES ENTRE OS MANDATÁRIOS DAS PARTES – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
-Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, p. 1002, 1007 e 1008 ; 4.ª Edição, Abril de 2011, p. 1042 e 1049.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 4.º, 113.º, N.º 2, 400.º,N.º 1, ALÍNEA E), 414.º, N.ºS 2 E 3, 420.º, N.º 1, ALÍNEA B) E 432.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 137.º, 144.º, 248.º, 255.º, 671.º, N.º 3, 672.º, N.ºS 1, ALÍNEA A) E 2.º, ALÍNEA A), 674.º,
DECRETO-LEI N.º 54/90, DE 13 DE FEVEREIRO DE 1990.
DECRETO-LEI N.º 28/92, DE 27 DE FEVEREIRO DE 1992.
LEI N.º 59/98, DE 25 DE AGOSTO E 1988.
DECRETO-LEI N.º 320-C/2000, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2000.
LEI N.º 41/2013, DE 26 DE JUNHO DE 2013.
PORTARIA N.º 280/2013, DE 26 DE AGOSTO.
PORTARIA N.º 170/2017, DE 25 DE MAIO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 15-10-1997, PROCESSO N.º 1316/96;
-DE 21-05-2003, PROCESSO N.º 4403/02;
-DE 17-04-2008, PROCESSO N.º 2030/07;
-DE 25-01-2012, PROCESSO N.º 360/06.0PTSTB.E1.S1;
-DE 15-11-2012, PROCESSO N.º 1187/09.2TDLSB.L2-A.S1, IN DR, 1.ª SÉRIE, N.º 4, DE 7 DE JANEIRO DE 2013, P. 44 A 74;
-DE 06-02-2014, PROCESSO N.º 315/11.2JACBR.C1.S1;
-DE 13-02-2014, PROCESSO N.º 789/11.1JAPRT.P1.S1;
-DE 06-03-2014, PROCESSO N.º 3/2014, IN DIÁRIO DA REPÚBLICA, 1.ª SÉRIE, N.º 74, DE 15-04-2014, P. 2440 A 2447;
-DE 26-11-2014, PROCESSO N.º 957/96.4JAFAR.E3.S1;
-DE 28-01-2015, PROCESSO N.º 4608/04.7TDLSB.L2.S1;
-DE 12-03-2015, PROCESSO N.º 724/01.5SWLSB.L1.S1;
-DE 12-03-2015, PROCESSO N.º 40/11.4JAAVR.C2.S1;
- DE 09-09-2015, PROCESSO N.º 342/10.7JALRA-A.C1.S1;
-DE 24-09-2015, PROCESSO N.º 539/09.2TATMR.C1.S1;
-DE 08-10-2015, PROCESSO N.º 18.068/11.2TDPRT.P1.S1;
-DE 27-01-2016, PROCESSO N.º 2522/11.9TBVFX.L1.S1;
-DE 06-04-2016, PROCESSO N.º 521/11.0TASCR.L1-A.S1;
-DE 03-11-2016, PROCESSO N.º 17112/01.6TDLSB.L2.S1;
-DE 24-11-2016, PROCESSO N.º 2/15.2PJSNT.L1-B.S1;
-DE 25-01-2017, PROCESSO N.º 231/11.8IDLSB.L2.S1;
-DE 09-03-2017, PROCESSO N.º 32/13.9SFPRT.P1.S1;
-DE 29-03-2017, PROCESSO N.º 33/13.7GBLRA.C1.S1;
-DE 30-03-2017, PROCESSO N.º 83/13.3GBCNF.C1.S1-5;
-DE 27-04-2017, PROCESSO N.º 261/10.7JALRA.E2.S1;
-DE 10-05-2017, PROCESSO N.º 122/13.8TELSB-AH.L1.S1;
-DE 10-05-2017, PROCESSO N.º 232/15.7JDLSB.E1.S1;
-DE 24-05-2017, PROCESSO N.º 1262/09.3TAVIS.C1;
-DE 18-01-2018, PROCESSO N.º 141/13.4GCALQ.L1.S1.


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ACÓRDÃOS TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:



- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.º 442/2012, DE 26 DE SETEMBRO, PROCESSO N.º 618/11, IN DR, 2.ª SÉRIE, N.º 222, DE 16 DE NOVEMBRO DE 2012;
- ACÓRDÃO N.º 399/2013, DE 15 DE JULHO DE 2013, PROCESSO N.º 171/13;
- ACÓRDÃO N.º 398/2015, DE 17 DE AGOSTO DE 2015, PROCESSO N.º 738/15.
Sumário :

I - A jurisprudência fixada no AFJ 3/2014, de 06-03-2014, mantém plena actualidade, na medida em que a Portaria 280/2013, de 26-08, continua a ter um âmbito de aplicação restrito às acções referidas no seu artigo 2.º, ficando desta forma excluídos de tal regulamentação, os processos de natureza penal, mantendo-se assim plenamente válidos os fundamentos invocados para fundamentar o referido acórdão de fixação de jurisprudência.
II - Deve, em consonância com o mencionado AFJ 3/2014, de 06-03-2014, considerar-se admissível, em processo penal, a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no art. 150.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, do CPC de 1961, na redacção do DL 324/2003, de 27-12, e na Portaria 642/2004, de 16-06, aplicáveis conforme o disposto no art. 4.º do CPP.
III - Face ao disposto no art. 10.º da Portaria 642/2004, de 16-06, tratando-se da apresentação de um requerimento de interposição de recurso e respectiva motivação por correio electrónico simples e sem validação cronológica, haverá que aplicar ao caso concreto o estatuído no DL 28/92, de 27-02, que, disciplina o regime do uso da telecópia na transmissão de documentos entre tribunais, entre tribunais e outros serviços e para a prática de actos processuais.
IV - Verificando-se que, através do email o Mandatário do recorrente enviou cópia em formato PDF do requerimento de recurso interposto para este STJ e respectiva motivação, no prazo de que este dispunha para o recurso e que tal email foi efectivamente recebido, naquela data, no Tribunal da Relação, dando o recorrente cabal cumprimento ao disposto no art. 4.º, n.º 5, do DL 28/92, de 27-02, juntando aos autos os originais no prazo de 10 dias aí estabelecido, conclui-se que o recurso apresentado em juízo, por meio de correio electrónico simples, é válido e tempestivo.
V - É irrecorrível para o STJ a decisão do Tribunal da Relação que julgou improcedente o recurso interlocutório interposto do despacho, que julgou improcedente a arguição de invalidades processuais suscitadas pelo arguido/demandado, pronunciando-se sobre uma questão adjectiva, dado tratar-se de uma decisão interlocutória, intermédia, incidental, versando sobre questão processual avulsa, que não põe termo à causa, e como tal, abrangida pela irrecorribilidade constante da al. c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP.
VI - Face ao regime resultante da actual redacção da al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, é inadmissível o recurso para o STJ de acórdãos proferidos em recurso pelas Relações que apliquem (ou confirmem) pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos de prisão.
VII - Constatando-se que o pedido de indemnização cível, a decisão condenatória do tribunal de 1.ª instância e que o acórdão recorrido do Tribunal da Relação foram deduzidos ou proferidos entre 11-12-2014 e 12-09-2016, no âmbito do período de vigência do NCPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26-06, iniciada no dia 01-09-2013, forçoso é concluir que a admissibilidade do recurso de revista assente na noção de dupla conforme civil deve ser apreciada à luz do art. 671.º, n.º 3, do actual CPC (versão da Lei 41/2013).
VIII - Mostrando-se confirmada, em sede de recurso, a decisão singular relativa ao pedido de indemnização civil proferida na Secção Criminal da Instância Local da Comarca, ocorrendo unanimidade por parte dos Juízes Desembargadores que apreciaram o recurso interposto e sem fundamentação essencialmente diferente das duas decisões, estamos perante uma situação de dupla conforme total/absoluta, não sendo admissível o recurso para o STJ do impugnado acórdão do Tribunal da Relação.
IX - Porém, os casos previstos no art. 629.º, n.º 2, do CPC, nomeadamente, a questão de violação de regras da competência em razão da matéria - são susceptíveis de recurso de revista (dita normal), mesmo que estejamos perante uma situação de dupla conforme.
X - O tribunal criminal é competente para em sede de enxerto cível apreciar pedido de indemnização civil tendo por base causação de lesão determinada por crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.
XI - Relativamente ao recurso de revista excepcional cabe à formação constituída pelos três juízes Conselheiros das Secções Cíveis, a que alude o n.º 3 do art. 672.º do CPC pronunciar-se sobre as questões alegadas e da admissibilidade do mesmo ou não, pelo que, deverão os autos ser remetidos à referida formação, nos termos e para os efeitos de apreciação preliminar sumária do recurso de revista extraordinária interposto.
Decisão Texto Integral:       

No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 5007/14.8TDLSB, da Comarca de Lisboa – Instância Local, Secção Criminal – Juiz …, foi submetido a julgamento o arguido AA, divorciado, …, nascido a .... de 1958, natural da freguesia de ..., residente na Rua …, n.º …, Lisboa.


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       Pela peculiaridade do caso concreto, assentemos no específico devir processual, o que não é, de todo, anódino, em função do que, já mais à frente, por mor do que pela defesa invocado foi, se verá. 


       Os presentes autos tiveram início com a “Participação de Notícia Crime”, datada de 24 de Junho de 2014, formulada pela Directora do Núcleo de Gestão da Dívida – Unidade de Identificação, Qualificação e Contribuições – do Centro Distrital de Lisboa, do Instituto da Segurança Social, I. P., por da análise efectuada pelos serviços competentes à situação contributiva do contribuinte BB - Artes Gráficas, Lda, resultar que o mesmo entregou às instituições de Segurança Social as declarações de remunerações dos trabalhadores ao seu serviço, não tendo liquidado, nos prazos legais, nem nos noventa dias posteriores, o valor total das cotizações, deduzidas ao valor das remunerações devidas aos respetivos trabalhadores, no período de Junho de 2006 a Novembro de 2009, ascendendo a 122.118,01 €.

       Mais participou a predita entidade “que o referido contribuinte também não procedeu à liquidação das quantias em dívida no decurso do prazo de 30 dias após a notificação que lhe foi efectuada para cumprimento do disposto no n.º 4 – alínea b) do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, pelo que o comportamento do contribuinte indicia poder ser susceptível de integrar a prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido no art.º 107.º do RGIT”.


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       O inquérito foi realizado pelo Núcleo de Investigação CriminalServiço de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo do Departamento de Fiscalização do Instituto da Segurança Social, I. P. –, procedendo a Exma. instrutora nomeada, a inquirição de testemunhas, v. g., a fls. 162/3/4, fls. 179/180/1 e fls. 182/3/4, dirigindo pedidos de constituição de arguido e sujeição a TIR e notificação para comparência, a entidades policiais (ut fls. 188/9/190), e elaborando o parecer final, de fls. 191 a 199, tendo em conta a participação e o mapa de apuramento das cotizações elaborado pelo Núcleo de Gestão da Dívida do Centro Distrital de Lisboa do ISS, I.P., propondo o arquivamento quanto ao arguido CC, Pai do co-arguido AA, por este não ter sido notificado nos termos do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, e a dedução de acusação contra a sociedade BB - Artes Gráficas, Lda, e, cumulativamente, contra o seu responsável AA, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 107.º do RGIT e artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal, e manifestando a intenção de deduzir pedido de indemnização cível contra os arguidos  e a oportuna constituição como assistente.

       No final, mais determinou o envio do processado para “Despacho Superior” e posterior remessa dos autos ao DIAP.

       Como se vê de fls. 191, foi proferido despacho superior, concordando com a proposta constante do parecer elaborado pela predita instrutora, e foi ordenada a remessa do processo aos Serviços do Ministério Público competentes.

       Remetido o processo ao DIAP de Lisboa, o Ministério Público deduziu acusação contra a sociedade BB - Artes Gráficas, Lda e o arguido AA, conforme fls. 205 a 211, do 1.º volume, imputando a prática de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 107.º, n.º 1, 105.º, n.º 1, n.º 4, alíneas a) e b), e n.º 5, e artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT) e artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal.

         A anteceder a acusação, a fls. 202 a 204, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, relativamente ao arguido CC, Pai do co-arguido AA, por no período em causa, de Junho de 2006 a Novembro de 2009, não ter exercido funções efectivas de gestão da sociedade, limitando-se a ser gerente apenas de direito e não já de facto, não tendo qualquer domínio funcional para vincular a sociedade arguida, mormente, para incorrer e fazê-la incorrer na prática de crime de natureza fiscal.

       No final consta:

       “Comunique ao Núcleo de Investigação Criminal do Departamento de Fiscalização da Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 50.º, n.º 2, do RGIT”.

       O Instituto da Segurança Social, I. P., deduziu pedido de indemnização civil (PIC) em 11 de Dezembro de 2014, conforme consta de fls. 225 a 232, e em original, de fls. 236 a 243 do 1.º volume.

       O arguido AA apresentou requerimento de abertura de instrução (RAI), nos termos de fls. 245 a 262, do volume 1.º, e, em original, de fls. 277 a 294, do volume 2.º.

      Finda a instrução, foi elaborada decisão instrutória de pronúncia, datada de 24 de Fevereiro de 2015, sendo a arguida sociedade e o arguido AA pronunciados pelos factos e disposições legais referidos na acusação, cujo teor dá por integralmente reproduzido, como consta de fls. 335 a 344.

     O arguido AA apresentou contestação à acusação e ao PIC, conforme consta de fls. 366 a 379.

       Por despacho de 27 de Maio de 2015, fazendo fls. 391 a 399, foram indeferidas várias invalidades processuais suscitadas pelo arguido na referida contestação, tendo sido abordada a questão dos efeitos de declaração da insolvência da sociedade arguida, entendendo que não se pode dar por verificada a condição objectiva de punibilidade prevista no art.º 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, aplicável ex vi do disposto no n.º 2 do art.º 107.º do mesmo diploma, na medida em que estava legalmente vedado ao agente dar-lhe cumprimento e, assim, obstar à punibilidade da sua conduta, concluindo por declarar extinto o procedimento criminal contra a sociedade arguida, determinando o arquivamento dos autos quanto à mesma. 

       Inconformado com esta decisão de arquivamento, o demandante Instituto de Segurança Social (ISS, I.P.) interpôs recurso, conforme fls. 406 a 420, e, em original, de fls. 421 a 435, “circunscrito à questão de direito”, tendo o seu âmbito objectivo a ver “com o facto de o Tribunal “a quo” ter julgado extinto o procedimento criminal deduzido contra a sociedade arguida, determinando o arquivamento dos autos”.

       Tal recurso foi admitido por despacho de fls. 436, restrito “à vertente cível implícita do despacho de fls. 391 a 399 – art.º 403.º, n.º 1 e 2, alínea b), do Código de Processo Penal”, com efeito devolutivo, subindo imediatamente e nos próprios autos”. (SIC).

       O arguido AA apresentou a resposta ao recurso do demandante, como consta de fls. 484 a 499, do volume 2.º, considerando que o Instituto da Segurança Social não tem legitimidade para se constituir assistente nos processos por abuso de confiança contra a segurança social e não ter qualquer legitimidade para recorrer da decisão sub judice.

      Igualmente inconformado, o arguido AA em 6-07-2015, interpôs recurso em separado do despacho de fls. 391 a 399, apresentando a motivação de fls. 441 a 480 (2.º volume), que remata com 61 conclusões.

       Tal recurso foi admitido por despacho proferido em 9-10-2015, a fls. 504/5, do volume 2.º, sendo atribuído efeito devolutivo, para “subir a final, conjuntamente com o recurso que venha a ser interposto da decisão que ponha termo à causa”.

       De seguida, no mesmo despacho, o Exmo. Juiz, face ao recurso interposto pelo Instituto de Segurança Social, sustentou a decisão recorrida, e contrariando o expresso no despacho de fls. 436, no que toca ao tempo e ao modo de subida do recurso, ordenou a formação de apenso com peças que indicou e a remessa do mesmo ao Tribunal da Relação de Lisboa, o que foi cumprido com “Recurso Independente em Separado” com o n.º 5007/14.8TDLSB-A, como consta de fls. 509 e 510 do volume 2.º. 

      O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, nos termos de fls. 519 a 531, do volume 3.º, entendendo dever ser negado provimento ao mesmo e confirmada a decisão recorrida.

       Por acórdão da 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Novembro de 2015, constante de fls. 99 a 106 do apenso “Recurso Independente em Separado”, foi negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente Instituto de Segurança Social, I.P, e mantida a decisão recorrida.                    


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        Realizado o julgamento em duas sessões, por sentença proferida em 4 de Fevereiro de 2016, constante de fls. 584 a 610, e depositada na mesma data, conforme declaração de depósito de fls. 612, o arguido AA foi condenado pela prática, em autoria material e sob a forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelo artigo 107.º, n.º 1, do RGIT, na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos).

      Foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência, condenado o demandado AA a pagar ao Instituto de Segurança Social, I.P., a quantia de 121.130,82 €, relativos a contribuições deduzidas a trabalhadores e gerentes reportadas aos meses de Junho de 2006 a Novembro de 2009, acrescida de juros já vencidos sobre tais quantias e contados desde as datas de vencimento de cada uma, bem como nos vincendos, à taxa prevista no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, até integral pagamento.

       A anteceder a apreciação da acusação e pedido cível, foram apreciadas excepções invocadas no início da audiência de julgamento, sendo indeferido o pedido de extinção da responsabilidade criminal, indeferida a excepção de ilegitimidade processual no plano da instância cível conexa, por preterição superveniente de litisconsórcio necessário, decorrente da absolvição da instância da sociedade BB, Lda. – cfr. fls. 586/7 – e decidindo-se não tomar conhecimento da questão da competência material do tribunal para conhecer do pedido de indemnização civil, considerando que a questão deveria ter sido suscitada na contestação ao pedido de indemnização civil, sendo a invocação extemporânea – fls. 587/8.


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       Inconformado com esta decisão, o arguido/demandado AA interpôs recurso da sentença para o Tribunal da Relação de …, apresentando a motivação de fls. 624 a 738, e, em original, de fls. 742 a 856, do volume 3.º, que remata com 281 conclusões, requerendo a realização de audiência, declarando na conclusão 1.ª, nos termos do artigo 412.º, n.º 5, do CPP, manter interesse no recurso apresentado em 6-07-2015, de fls. 441 a 480.

       Entretanto, é proferido despacho datado de 14-04-2016, a fls. 872/3, a propósito do requerimento de interposição de recurso pelo arguido, estando em causa pagamento de multa por falta de assinatura digital e de validação cronológica do envio da mensagem, sendo convocado o regime do artigo 10.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho e do artigo 4.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, tendo sido considerada como válida a data de entrada na secretaria judicial, fixada nos carimbos apostos em 9-03-2016, e julgada improcedente a reclamação apresentada pelo arguido, seguindo-se, a fls. 874, a admissão do recurso da sentença interposto pelo arguido, tendo o Ministério Público apresentado a resposta de fls. 878 a 882 do volume 4.º.


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       Realizada a requerida audiência de julgamento, conforme consta da acta de fls. 903, o Tribunal da Relação de …, pelo acórdão proferido em 12 de Outubro de 2016, constante de fls. 905 a 955 verso, foi negado provimento ao recurso interlocutório e ao recurso interposto pelo arguido da decisão final.

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       O processo foi devolvido à Comarca em 14-11-2016 e depois pedido pela Relação de … o seu retorno, face a presença de recurso interposto pelo arguido/demandado AA, como consta de fls. 962/3/4, 1009 e 1044.

       Do recurso interposto pelo arguido/demandado, consta a motivação de fls. 976 a 1008, e em original, de fls. 1010 a 1042, do 4.º volume, que remata com as seguintes “conclusões”, transcritas na íntegra, incluindo realces, apenas com excepção das notas de rodapé apostas nas conclusões 89.ª, 90.ª, 121.ª, 125.ª, 153.ª, 175.ª e 189.ª, anotando-se que a conclusão 242.ª repete o teor da conclusão 235.ª:

1. O acórdão sob recurso (que mantém a condenação do Arguido numa pena de duzentos e quarenta dias de multa, á taxa diária de 6,50€ e no pagamento ao ISS, I.P. da quantia de 121.130,82€, acrescida de juros vencidos e vincendos) é nulo, por (Cfr. FIs. 67 daquela decisão) remeter para o disposto no artigo 425°, n.º 5 do CPP (que prevê - inconstitucionalmente - a desnecessidade de fundamentação da decisão, facultando ao decisor a possibilidade de se limitar a remeter para os fundamentos da decisão impugnada) olvidando-se (com o devido respeito) estar em causa uma condenação e não uma absolvição.

2. O referido artigo 425°, n.º 5 do CPP apenas é aplicável em casos de acórdãos absolutórios o que não é manifestamente o caso dos autos, onde o Arguido é severamente condenado.

3. O acórdão sob recurso violou assim o dever de fundamentação imposto no artigo 374, n.° 2 do CPP, ao remeter para outra decisão (anteriormente tomada) de conden[a]ção, sendo por conseguinte nulo face ao disposto no artigo 379°, n.º 1 do CPP, devendo essa nulidade ser reconhecida em recurso, conforme o disposto no n.º 2 deste último preceito legal, in casu, por via do disposto no artigo 433° do CPP.

4. Ainda que assim não se entenda - o que apenas por mera cautela de patrocínio se invoca, sem conceder - o próprio artigo 425°, 5 do CPP é inconstitucional por violar os artigos 2°, 13°, 20°, n.º 1 e 32°, n.º 1 da CRP e o artigo 6°, n.º 1 da CEDH, na medida em que fere o direito de participação e de reacção constitucionalmente consagrados.

5. Sem prejuízo do exposto, para que o ilícito imputado ao Arguido pudesse/possa ser punível, é indispensável que o mesmo fosse formalmente notificado para proceder ao pagamento das quantias supostamente em dívida, nos termos previstos pelo artigo 105°, n.° 4, al.b) do RGIT (na remissão do artigo 107°, n.º 2 do mesmo diploma legal).

6. Efectivamente, conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2008, de 9/4/2008, no âmbito do Proc. n.º 4080/07 (publicado no D.R. Iª Série de 15/5/2008, pág. 2672): “A exigência prevista na alínea b) do n.° 4 do artigo 105.° do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, configura uma nova condição objectiva de punibilidade que, por aplicação do artigo 2.°, n.º 4, do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, e tendo sido cumprida a respectiva obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo [alínea b) do n.º 4 do artigo 105.° do RGIT] (Sublinhados nossos) - SIC;

7. O incumprimento desta exigência legal (indispensável para o preenchimento do ilícito em causa) equivale à nulidade do termo de constituição de Arguido, já que na data em causa ainda não era possível assumir o mesmo essa qualidade (de Arguido) porquanto ainda não havia sido deduzida contra os mesmos qualquer acusação, nem requerida qualquer instrução. Cfr. artigo 57°, n.º 1 do CPP.

8. O inquérito então em curso não pendia sobre alguém contra quem pudesse existir uma suspeita fundada da prática de um crime, atenta (no caso dos autos) a regra geral da condição de punibilidade consagrada na al. b) do n.º 4 do artigo 103° do RGIT (na remissão do artigo 107°, n.º 2 do mesmo diploma legal), ou seja, ainda não haviam decorridos os 30 (trinta dias) durante os quais pagando-se o tributo supostamente em falta, a conduta supostamente em causa não é punível. Cfr. artigo 58°, n.° 1, al. a) do CPP.

9. Não havia, em decurso daquela realidade a exigência, nem a necessidade de aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial. Cfr. artigo 58°, n.º 1, al. b) do CPP.

10. Não havia sido detido qualquer suspeito, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 234° a 261°. Cfr. artigo 58°, n.º 1, al. c) do CPP.

11. Apesar de ter sido levantado um auto de notícia (que dava uma pessoa como suposto agente de um crime), tal situação ainda não lhe havia sido comunicada e a notícia em causa era manifestamente infundada, já que a regra geral da condição de punibilidade consagrada na al. b) do n.º 4 do artigo 105° do RGIT (na remissão do artigo 107°, n.º 2 do mesmo diploma legal), ainda não se encontrava verificada, ou seja, se ainda não haviam decorridos os 30 (trinta dias) durante os quais pagando-se o tributo supostamente em falta, a conduta supostamente em causa não é punível. Cfr. artigo 58°, n.º 1, al. c) do CPP;

12. Ora, na prática nem sequer podia haver lugar a um inquérito contra o Arguido.

13. Nos termos do artigo 262°, n.º 1 do CPP: «O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação».

14. Questiona-se: pode haver lugar a um inquérito que visa proceder à investigação de um crime que ainda não ocorreu, desde logo atenta a disposição da al. b) do n.º 4 do artigo 105° do RGIT (na remissão do artigo 107°, n.º 2 do mesmo diploma legal) ???

15. Parece-nos claramente que não e o contrário ultrapassaria o bom senso, a razoabilidade e a própria presunção de inocência. Cfr. artigo 32°, n.º 2 da CRP.

16. Tal conjunto de considerações implica que todo o inquérito (relativamente ás repercussões da notificação compreendida na al. b) do n.º 4 do artigo 105° do RGIT (na remissão do artigo 107°, n.º 2 do mesmo diploma legal) é flagrantemente nulo, implicando uma verdadeira falta de inquérito, não se podendo considerar com válidos quaisquer actos de suposto inquérito promovidos. Cfr. artigo 119°, al. d) e 122°, n.º 1, ambos do CPP.

17. Entender e/ou decidir em sentido contrário é ilegal, violador da citada al. d) do artigo 119° e do n.º 1 do artigo 122° do CPP, devendo mesmo ser reconhecido como inconstitucional, por violação do princípio da presunção de inocência, consagrado no n.º 2 do artigo 32° da CRP.

18. Concretizando-se, é ilegal (por violação do disposto nos artigos 57°, 58°, 262°, 119°, al. d) e 122°, n.º 1, todos do CPP e al. b) do n.º 4 do artigo 105° do RGIT, na remissão do artigo 107°, n.º 2 do mesmo diploma legal) e inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32°, n.º 2 da CRP (quanto à violação do princípio da presunção de inocência) e por violação do disposto no artigo 32°, n.º 5 (por violação do princípio do contraditório do processo penal), entender-se que os artigos 57° e 58° do CPP permitem a constituição de arguido contra alguém relativamente a quem ainda não possa ser deduzida qualquer acusação, nem requerida qualquer instrução (Cfr. artigo 57°, n.º 1 do CPP), já que sendo a al. b) do n.º 4 do artigo 105° do RGIT uma condição objectiva de punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal, não pode (sem a existência de uma notificação validamente concretizada nos termos daquele preceito legal) considerar-se que possa existir uma suspeita fundada da prática de um crime (Cfr. artigo 58°, n.º 1, al. a) do CPP), que seja necessária a aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial (Cfr. artigo 58°, n.º 1, al. b) do CPP) que seja detido qualquer suspeito, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 254° a 261° (Cfr. artigo 58°, n.º 1, al. c) do CPP), que apesar de ter sido levantado uma auto de notícia (que dava uma pessoa como suposto agente de um crime), tal situação ainda não lhe havia sido comunicada e a notícia em causa era manifestamente infundada, já que a regra geral da condição de punibilidade consagrada na al. b) do n.º 4 do artigo 105° do RGIT (na remissão do artigo 107°, n.º 2 do mesmo diploma legal), ainda não se encontrava verificada, ou seja, se ainda não haviam decorridos os 30 (trinta dias) durante os quais pagando-se o tributo supostamente em falta, a conduta supostamente em causa não é punível. Cfr. artigo 58°, n.º 1, al. d do CPP;

19. Questão que é ainda mais evidente atenta a falta de notificação do verdadeiro administrador de facto e de direito da BB, Lda., tal como supra exposto e evidenciado a fls. 20 dos autos.

20. Para além do mais, está demonstrado nos autos que a BB, Lda., encontra-se insolvente, de onde resulta uma repartição de responsabilidades de representação da insolvente, expurgando-se do âmbito da gerência os actos de natureza patrimonial que são nesta fase da responsabilidade da Adm. de Insolv. Cfr. artigo 81°, n.° 4 do CIRE.

21. Desconhecendo-se, nomeadamente se a massa insolvente da BB, Lda., ou os créditos que a mesma tenha por reclamar perante os seus devedores, suprirá a pretensa obrigação para com a Seg. Social supostamente em falta, para os efeitos do pagamento consignado na al. b) do n.º 4 do artigo 103° do RGIT na remissão do n.º 2 do artigo 107º do mesmo diploma legal, o que por si só redunda na improcedência total do pedido cível formulado.

22. Sucede que a notificação formulada à Adm. de Insol. (Cfr. Fls. 97 dos autos), sem A/R, não cumpre os requisitos do disposto no artigo 113° do CPP, desconhecendo-se se a mesma tomou, ou não, conhecimento da mesma, ainda para mais quando não foi concretizada a notificação ao gerente de facto da BB, Lda. (CC. Cfr. Fls. 20 dos autos) o que também invalida mais uma vez a Acusação. Cfr. artigo 120°, n.º 2, al. cl) do CPP;

23. Para além do exposto, a notificação em causa dirigida á insolvente (devolvida, Cfr. os próprios autos), sendo uma questão de âmbito criminal, não se coaduna com o âmbito de competências, exclusivamente patrimoniais, da Adm. de Insolv.

24. Aliás, por mera cautela de patrocínio sempre se diga que caso assim não se entenda, sem conceder, a notificação em causa não deveria ter sido feita na pessoa daquela entidade (Adm. de Insolv.), já que a mesma não poderia efectuar o pagamento solicitado pela Seg. Social, em detrimento dos demais credores, mormente atento o disposto nos artigos 97° do CIRE e 229° do CP e que releva, nomeadamente, para os efeitos do disposto no artigo 36° do CP (conflito de deveres).

25. A este propósito veja-se o Ac. TR Coimbra n.º 123/09.OIDSTR.C1 de 28/9/20 11, consultável em www.dgsi.pt.

26. Cabe ainda indagar qual a verdadeira responsabilidade criminal em causa nos presentes autos, já que o suposto valor em dívida à Seg. Social não pode/poderia ser pago por todos os responsáveis da Insolvente (BB, Lda., aí não se incluindo o ora Arguido atento o supra exposto) já que sendo mais de um (CC e a massa insolvente) o valor relatado no labelo acusatório não poderia ser pago igualmente por todos, sob pena da própria violação do princípio ne bis in idem (Cfr. artigo 29°, n.º 5 da CRP) e que torna inconstitucionais as notificações exaradas pelo Instituto da Segurança Social, I.P. e nulas nos termos do disposto no artigo 120°, n.º 2, al. d) do CPP.

27. Cabendo aqui discordar igualmente do entendimento do Tribunal a quo a considerar extinto o procedimento criminal contra a Co-Arguida (BB, Lda.), já que aquela instância desconhece (por falta de prova para tal nos autos) se a insolvência da dita sociedade já se encontra encerrada e por conseguinte extinta aquela Sociedade Comercial.

28. Só com aquele apuramento, se pode concluir pela extinção do procedimento criminal contra aquela entidade. Cfr. artigo 127° do Código Penal.

29. Inexistindo o respectivo apuramento (do encerramento da liquidação no âmbito daquele processo de insolvência), não pode o procedimento criminal contra aquela sociedade ser declarado extinto.

30. Neste mesmo sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido por unanimidade em 12/10/2006, no âmbito do proc. n.º 06P2930 e disponível em www.dgsi.pt.: “1 - Pese embora a declaração de falência, resta um espesso «substrato» da sociedade falida, circunstância que, à saciedade, impede que se defenda que da pessoa jurídica, nada mais resta, tal como de pode afirmar da pessoa do ser humano após a morte. II - De resto, por força do disposto no art.º 141’; n° 1, e), art.º 146; n° 2 e art.º 160’; n° 2, todos do CSC, se é certo que as sociedades comerciais se dissolvem pela declaração de falência, o certo é que, ao invés das pessoas singulares cuja personalidade cessa com a morte - art.º 68.°, n.º 1, do Código Civil - aquelas mantêm a personalidade jurídica na fase da sua liquidação, considerando-se apenas extintas pelo encerramento dessa liquidação.

31. Acresce ainda que, os factos relatados no labelo acusatório remontam ao período de tempo decorrido entre Junho de 2006 e Novembro de 2009.

32. Os presentes autos foram iniciados em 20 de Junho de 2014. Cfr. FIs. 1 dos autos.

33. Consabidamente, as retenções (com a pretensa ausência de pagamento dos respectivos valores) são efectuados tendo por base os pagamentos das retribuições dos trabalhadores, os quais são pagos invariavelmente no final do mês a que respeitam, sendo os respectivos descontos legais efectuados automaticamente e logo de seguida.

34. Dispõe aliás o artigo 278°, n.º 4 do C.T., que: «O montante da retribuição deve estar à disposição do trabalhador na data do vencimento ou em dia útil anterior.».

33. Valem estes considerandos para ressalvar, segundo as regras da experiência comum (exemplificativamente) que os descontos efectuados no mês de Dezembro de 2006 se reportam ao mês de Novembro de 2006.

36. Ou seja, os pretensos ilícitos constantes e relatados nos presentes autos até Junho de 2009 estão prescritos, atendendo a que nos termos do artigo 21°, n.º 1 do RGIT: «O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos» (Sublinhado nosso) – (SIC).

37. Não poderá considerar-se que se esteja na presença de um crime continuado, visto que sendo os seus pressupostos a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico, homogeneidade da forma de execução, lesão do mesmo bem jurídico, unidade de dolo e a persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa (Cfr. Ac. STJ de 14/2/2007, proferido no âmbito do Proc.º n.º 4100/06 - 3.º Secção) inexistem elementos objectivos e subjectivos que atestem tal realidade, com execepção de um elemento (certidão) informática, automática e robotizada emitida para efeitos de sinalização do pretenso incumprimento de pagamento dos descontos para a Seg. Social.

38. Nenhum elemento probatório adicional existe, que não seja o tal levantamento documental informático, que possa sistematizar e corroborar a tese do crime continuado, de modo até que permita a própria defesa do Arguido.

39. Sem prejuízo do exposto, quer no período temporal cujos pretensos factos não se encontram prescritos (posterior a Junho de 2009 e até Novembro de 2009), quer no período temporal em que os pretensos factos se encontram prescritos (entre Junho de 2006 e Junho de 2009), importa ainda ressalvar que o apuramento informático (automático e robotizado) do montante global de 122.118,01€, supostamente em dívida e relativo a retenções de contribuições à Seg. Social, foi feito tendo por referência o disposto no artigo 107°, n.º 1 do RG1T.

40. Prevê essa norma que: «As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.°s 1 e 5 do artigo 105°».

41. Sucede que, o artigo 105°, n.º 1 do RGIT (na Redacção conferida pela Lei n° 64-A/2008, de 31-12) prevê que: «Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena ...»; (Sublinhado nosso) – (SIC).

42. Ou seja, só existe crime quando cada prestação tributária em causa for superior a 7.500€, visto que o n.º 7 do aludido artigo 1050 do RGIT prevê expressamente que: «Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária».

43. Pelo que todas as contribuições independentes identificadas (ainda que anteriores à nova redacção do aludido artigo 105°, n.º 1 do RGIT) na tabela anexa à Acusação que sejam inferiores a 7.500€ não são puníveis, de harmonia aliás com o disposto no artigo 2°, n.º 2 do Código Penal, subsidiariamente aplicável por força do previsto no artigo 3°, al. a) do RGIT.

44. Devendo por conseguinte reconhecer-se esta realidade visto que todas as contribuições mensais em causa são de valor inferior a 7.500€.

45. O que a não suceder (como ocorreu com a decisão sub judice) importa a violação dos preceitos constitucionais que impõe o princípio da legalidade e tipicidade penal consagrados no artigo 29° da CRP, violando-se igualmente os preceitos constitucionais dos artigos 13° e 20°, n.º 4 da CRP e que por si só invalida mais uma vez a Acusação. Cfr. artigo 120°, n.º 2, al. d) do CPP.

46. Acresce que, por imperativos de melhor aplicação do direito (Cfr. artigo 672°, n.º 1, al. a) do CPC) e atenta a respectiva relevância jurídica, importa reter que no caso dos autos o ISS, I.P. deduziu pedido de indemnização cível contra o ora Recorrente e contra a BB, Lda.

47. Porém na componente cível, o Tribunal a quo apenas condenou o Recorrente, não se pronunciando a esse respeito relativamente à dita BB, Lda. igualmente demandada pelo ISS, I.P.

48. Pelo que se apontam as seguintes razões pelas quais é claramente necessária uma melhor aplicação do direito (Cfr. artigo 672, n.º 2, al. a) do CPC), apesar de aquela sociedade comercial ter sido declarada insolvente isso não implica a impossibilidade de a mesma ser condenada na componente cível do pedido formulado pela Assistente: ISS, I.P.

49. O artigo 35.º do CIRE não determina sequer a suspensão da parte cível da acção em causa, pelo que é inconcebível a falta de pronúncia da sentença a respeito da matéria indemnizatória que impende sobre a BB, Lda.

50. Para além do exposto, é igualmente inconcebível que na componente cível da decisão sub judice, o Tribunal a quo tenha deixado de condenar CC, quando deu como provado que: “… ambos (leia-se, o ora Recorrente e aquele outro. Cfr. ponto 4° do factos dados como provados) geriam efectivamente tal sociedade, dispondo qualquer um deles de poderes e capacidade para tomar decisões concernentes à mesma, designadamente decidir pagar ou não à Segurança Social o Arguido e CC decidiram não entregar à Segurança Social as quantias que retiveram a título de contribuições para a Segurança Social, nesse lapso temporal, no montante de 122.118,01€ Cfr. ponto 5º do factos dados como provados na 1ª instância.

51. E bem assim quando se deu como não provado que “Era o arguido quem exclusivamente praticava todos os actos de gestão da sociedade, designadamente o único responsável pela entrega à Segurança Social das contribuições que lhe eram legalmente devidas...”

52. E igualmente quando referiu que: “A não prova da gerência exclusiva do arguido decorreu do depoimento dos trabalhadores que também identificaram de forma clara, CC como um dos seus “patrões”.

53. Termos em que, por força do artigo 379°, n.º 1, al. c) do CPP, a decisão proferida é nula porquanto o Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre a responsabilidade cível da BB, Lda. e de CC, ainda para mais quando o Arguido foi indevidamente condenado, tal como infra se detalhará.

54. Conforme supra exposto, o artigo 379°, n.º 1, al. c) do CPP consagra a nulidade da decisão quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

55. Nos artigos 56° a 60° da contestação apresentada, o Arguido invocou que o ISS I.P. (ao mesmo tempo) conduziu a investigação, na qualidade de OPC e considerando-se lesado, veio a constituir-se Assistente, deduzindo PIC.

56. A este respeito e nos citados artigos da contestação o Arguido suscitou aquela questão, arguindo a sua ilegalidade processual.

57. Foi ainda invocada a correspondente nulidade insanável, em face do disposto no artigo 119°, al. b) do CPP, por falta de promoção do processo pelo Ministério Público que, in casu, torna inválido o acto em que se verificarem (todo o processo), bem como os que dele dependerem (todo o processo) e aquelas puderem afectar (todo o processo).

58. Mais pugnou o Arguido naqueles artigos (56° a 600) da contestação que entender e/ou decidir em sentido contrário é ilegal, violador da citada al. b) do artigo 119° e do n.° 1 do artigo 122° do CPP, devendo mesmo ser reconhecido como inconstitucional, sendo violadora do princípio da presunção de inocência (consagrado no n.º 2 do artigo 32° da CRP) a investigação promovida pelo lesado: Instituto da Segurança Social, I.P.

59. Concluíndo então o Arguido que face àquela realidade processual os presentes autos, não asseguraram e violaram o direito do Arguido a um processo equitativo (Cfr. artigo 20°, n.º 4 da CRF) ao constituir como OPC, dominador da investigação o próprio lesado: Instituto da Segurança Social, I.P.

60. Porém, o Tribunal a quo não se pronunciou (tal como era o seu dever processual) a respeito da citada e invocada nulidade insanável, nem tão pouco a respeito da arguida inconstitucionalidade.

61.Termos em que e em consequência do supra exposto, tendo por presente a redacção do artigo 379°, n.º 1, al. c) do CPP, aquela sentença é nula, já que o Tribunal deixou pendentes questões sobre as quais se impunha a sua pronuncia: nulidade insanável e inconstitucionalidade, invocadas nos artigos 56° a 60° da contestação.

62. Acresce que, aquela nulidade equivale à própria falta de inquérito, já que o mesmo é completamente nulo por ter sido levado a cabo por entidade sem competência legal para tal (Instituto da Segurança Social, I.P.), comportando esta circunstância a nulidade insanável prevista no artigo 119°, al. d) do CPP.

63. 0 Instituto da Segurança Social, I.P. não é um OPC, nem pode sê-lo, quer por força do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 1° do CPP, quer por força do disposto na al. w) do n.º 2 do artigo 3° do Dec-Lei n.º 83/2012, de 30 de Março, quer ainda por força do disposto nos artigos 1º, 3° e 16° do Dec-Lei, n.º 276/2007, de 31 de Julho.

64. Sem prejuízo do exposto, aquele Dec-Lei n.º 83/2012, de 30 de Março é inconstitucional, já que foi concretizado pelo Governo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198° da CRP.

65. Ora, tal alínea a) do n.º 1 do artigo 198° da CRP, versa sobre matérias não reservadas á Assembleia da República.

66. Atento o disposto no artigo 165°, n.º 1, al c) da CRP, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar (salvo autorização ao Governo que não teve lugar e desde logo afastada pela invocação da alínea a) do n.º 1 do artigo 198° da CRP no próprio texto do Dec. Lei n.º 83/2012, de 30 de Março) sobre a definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal.

67.Ora, a competência atribuída ao ISS, I.P. pela al. w) do n.º 2 do artigo 3° do Dec. Lei n.º 83/2012, de 30 de Março, de assegurar nos termos da lei, as acções necessárias à eventual aplicação dos regimes sancionatórios referentes a infrações criminais praticadas por beneficiários e contribuintes no âmbito do sistema de segurança social, só poderia ter sido conferida por Lei da Assembleia da República ou pelo Governo, desde que este tivesse para tal sido autorizado por aquela mesma Assembleia da República, nos termos do artigo 165°, n.º 1 da CRP e ainda assim com prévia definição do seu objecto, sentido, extensão e a duração da autorização. Cfr. artigo 165°, n.º 2 da CRP.

68. O mesmo se diga da intervenção processual criminal do ISS, I.P, no âmbito dos artigos 1°, 3° e 16° do Dec. Lei, n.º 276/2007, de 31 de Julho, já que foi concretizado pelo Governo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198° da CRP.

69. Repita-se que aquela alínea a) do n.º 1 do artigo 198° da CRP, versa sobre matérias não reservadas à Assembleia da República.

70. Por força do disposto no artigo 165°, n.º 1, al c) da CRP, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar (salvo autorização ao Governo que não teve lugar e desde logo afastada pela invocação da alínea a) do n.º 1 do artigo 198° da CRP no próprio texto do Dec. Lei, n.º 276/2007, de 31 de Julho) sobre a definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal.

71. Ora, a competência atribuída ao ISS, I.P. pelos artigos 1°, 3° e 16° do Dec. Lei, n.º 276/2007, de 31 de Julho, só poderia ter sido conferida por Lei da Assembleia da República ou pelo Governo, neste caso desde que este tivesse para tal sido autorizado por aquela mesma Assembleia da República, nos termos do artigo 165°, n.° 1 da CRP e ainda assim com prévia definição do seu objecto, sentido, extensão e a duração da autorização. Cfr. artigo 165°, n.º 2 da CRP.

72. A actuação do ISS, IP. enquanto OPC é ainda inconstitucional por violar princípio da separação de poderes consagrado nos artigos 2°, 111° da CRP e por infringir o próprio funcionamento e o estatuto do M.P., face ao disposto nos artigos 219° da CRP.

73. Assim sendo, toda a actuação do ISS, I.P. em sede de inquérito e todos os actos de inquérito que lhe foram delegados, são inconstitucionais (por violação do disposto nos artigos 2°, 111°, 165°, n.º 1, al. c) 3 e 219° da CRP) e insanavelmente nulos, atento o disposto no artigo 119°, al. d) do CPP (tornando igualmente nula a Acusação e a sentença que sobre a mesma se pronunciou) já que aquele Instituto é uma entidade cujas competências lhe foram atribuídas por diplomas sem legitimidade e força constitucional para tal, levando a cabo o inquérito e respectivos actos sem poderes para tal.

74. Sendo nula toda a prova constante da acusação.

75. Tal como tempestivamente invocado em momento anterior, existindo falta de promoção pelo M.P, para os efeitos do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 1° e do artigo 270º do CPP, a Acusação é inválida/nula à luz do artigo 119°, al. d) do CPP) e inconstitucional, por violação do disposto no artigo 219º, n.º 1 da CRP, já que compete apenas ao M.P. exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade, princípio constitucional igualmente violado em decurso da actução do ISS, I.P. no inquérito, atento o disposto no artigo 3°, n.º 3 da CRP face à inconstitucionalidade dos citados diplomas (Dec. Lei n.º 83/2012, de 30 de Março e Dec. Lei, n.º 276/2007, de 31 de Julho) atento o disposto no artigo 165°, n.º 1, al c) da CRP, que atribuí competência exclusiva competência à Assembleia da República para legislar sobre o processo criminal, o que não tendo sido respeitado viola igualmente o princípio da separação de poderes consagrado nos artigos 2°, 111º da CRP.

76. Mesmo que assim não fosse, o lesado (Instituto da Segurança Social, I.P. Cfr. PIC apresentado) está confinado (por força do artigo 74°, n.º 2 do CPP) a ter a sua intervenção processual restringida ã sustentação e à prova do pedido de indemnização civil e nunca à investigação, como ocorreu nos autos, ainda para mais de forma exclusiva.

77. O ofendido tem o direito constitucional de intervir no processo (Cfr. artigo 32°, n.º 7 da CRP) mas não pode fazê-lo na posição de investigador, já que tal posição/poder lhe está vedado pela própria Constituição da República Portuguesa conforme supra exposto.

78. Sem prejuízo do exposto, foi dado como provado que: A sociedade arguida obrigava-se com a intervenção de um gerente. Cfr. Ponto 3 dos factos dados como provados; Ambos (Recorrente e CC) geriam efectivamente a sociedade, dispondo de capacidade para tomar decisões concernentes à mesma, designadamente decidir pagar ou não à Segurança Social. Cfr. Ponto 4 dos factos dados como provados; No período compreendido entre Junho de 2006 a Novembro de 2009, o Arguido e CC decidiram não entregar à Segurança Social as quantias que retiveram a título de contribuições à Segurança Social. Cfr. Ponto 7 dos factos dados como provados; Embora tenha comunicado tais retenções à Segurança Social, nos prazos devidos, a sociedade e o Arguido não procederam à sua entrega àquela instituição. Cfr. Ponto 8 dos factos dados como provados; Valores esses que ficaram na posse e disponibilidade do arguido e da sociedade. Cfr. Ponto 9 dos factos dados como provados; Tendo sempre actuado no exercício das suas funções de gerente da sociedade arguida e com o intuito de a beneficiar. Cfr. Ponto 13 dos factos dados como provados;

79. Conforme infra se detalhará o Arguido impugna aquela prova, considerando que face ao decurso da audiência de julgamento (audição do Arguido e inquirição de testemunhas) conjugado com os documentos dos autos, o Tribunal a quo não podia ter dado como provada a intervenção daquele nos ilícitos que lhe foram imputados.

80. Em síntese, o Tribunal a quo reconheceu no Arguido a figura do gerente de direito e do gerente de facto, condenando-o nesse contexto probatório.

81. Porém, tal como foi amplamente detalhado pelo Arguido nos autos (Cfr. artigos 13° e 14° do R.A.I. e respectivos Docs. 2 e 3 e Fis. 368 a 390 dos autos):

i. Foram designados como gerentes da BB, Lda. os sócios.

ii. A VMJF, Lda. apenas se obrigava com a intervenção de um gerente, in casu, ex: CC.

iii. Em 6 de Março de 2007 o Arguido cedeu a sua quota da BB, Lda. à sociedade DD - CAPITAL, SGPS, SA.

82. Ao decidir como decidiu, desde logo identificando o Arguido como gerente da BB, Lda. no período compreendido entre Junho de 2006 a Novembro de 2009, o Tribunal a quo fez tábua rasa daqueles três factos indesmentíveis e cabalmente provados por registo comercial que de resto não foi impugnado nem colocado em causa.

83. Em síntese, o registo comercial e o pacto social da BB, Lda. (Cfr. Docs. 2 e 3 juntos com o R.A.I, identificados nos artigos 13° e 14° daquela peça processual e a Fls. 388 a 390 dos autos) atestam (sem margem para quaisquer dúvidas) que a ser verdade que o Arguido era verdadeiramente (o que se refuta, demonstrando-se infra o oposto) o gerente da mesma, só o foi até 6 de Março de 2007, data em que cedeu a sua quota a outra sociedade, deixando de ser seu gerente de direito (nunca o tendo sido de facto), visto que conforme atesta o pacto social daquela, foram designados como gerentes da BB, Lda. os sócios.

84. Ora, se o Arguido deixou de ser sócio da BB, Lda. em 6 de Março de 2007 e se o pacto social previa serem gerentes os sócios, aquele deixou de ser o seu gerente de direito, passando a sê-lo a entidade a favor de quem cedeu a sua quota: DD, SGPS, S.A.

85. Aliás, nem a dita BB, Lda. ficou em situação irregular, já que apenas se obrigava com a intervenção de um gerente, in casu, ex: CC.

86. Sendo certo que no caso das sociedades por quotas e relativamente à composição da gerência, estabelece o n.º 1 do artigo 232.° do CSC que «a sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes, que podem ser escolhidos de entre estranhos à sociedade e devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena».

87. E consequentemente, a nomeação ou a eleição por deliberação dos sócios de uma pessoa coletiva padeceria de nulidade, nos termos do artigo 294.° do Código Civil («CC») e da al. d) do n.°1 do artigo 56.° do CSC, por violação de um preceito legal imperativo, respetivamente.

88. Contudo, rejeita-se esse entendimento, tal como o faz diversa doutrina (de relevo em matéria de Direito das Sociedades Comerciais) advogando a possibilidade de nomeação de uma pessoa coletiva para a gerência de uma sociedade por quotas, ficando a referida pessoa coletiva investida no dever de nomeação de uma pessoa singular para, em nome próprio, exercer o cargo.

89. Nesta corrente de pensamento integram-se Diogo Pereira Duarte, Ricardo Costa e João Labareda.

90. Em primeiro lugar e no que respeita à letra da lei («[...] devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena»), nota-se a existência de um preceito de redação semelhante aplicável às sociedades anónimas.

91. O n.º 3 do artigo 390º do CSC estabelece, precisamente, que «os administradores [...] devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena».

92. A referida norma convive, de forma harmónica, com o n.º 4 do mesmo artigo, o qual prevê que «se uma pessoa coletiva for designada administrador, deve nomear uma pessoa singular para exercer o cargo em nome próprio».

93. Não pode retirar-se da letra do n.º 3 do artigo 390° do CSC – a qual, tal como referido, é também a letra do n.º 1 do artigo 252.° do CSC – uma proibição de designação de uma pessoa coletiva, porquanto o n.º 4 do mesmo artigo prevê precisamente o caso de designação de uma pessoa coletiva para o cargo de administrador, devendo ser nomeada uma pessoa singular para o exercício do cargo em nome próprio.

94. Por outro lado, o legislador não utilizou qualquer expressão (tal como «sem prejuízo do disposto no n.º 3») que pudesse configurar a existência de uma regra geral e de uma exceção nesta matéria.

95. Em segundo lugar, o n.º 1 do artigo 233.° do CSC, segundo o qual «se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes», tem duas consequências: confirma não ser contrária à natureza das sociedades por quotas a assunção da gerência por pessoas coletivas (no caso em que os sócios são pessoas coletivas) e não configura qualquer exceção para o caso de o(s) sócio(s) ser(em) pessoa(s) coletiva(s).

96. Caso não fosse permitida a designação de uma pessoa coletiva para o cargo de gerente, estaria a criar-se uma diferenciação injustificada e sem apoio na lei, no caso em que existissem sócios pessoas singulares e sócios pessoas coletivas ou uma impossibilidade de aplicação do preceito, também injustificada e inclusivamente prejudicial para os sócios e para a sociedade, caso todos os sócios fossem pessoas coletivas.

97. O contrato da sociedade em causa (Pacto social da BB, Lda.) consagra a regra de que a gerência da sociedade é atribuída a todos os sócios (previsto no n.º 3 do artigo 252.° do CSC), tendo havido a cessão de uma quota (do Arguido) a um terceiro, no caso, uma sociedade comercial, pelo que é a esta que incumbe a gerência ou maxime o dever de nomeação de uma pessoa singular como gerente.

98. Rejeitar a admissibilidade de designar pessoas coletivas para o cargo de gerente e consequentemente a possibilidade de estas nomearem uma pessoa singular, só poderia ter um de dois resultados: ou entender que essa disposição no contrato de sociedade é ilegal, caso alguns (ou todos) os sócios da sociedade por quotas sejam pessoas coletivas (por violação do n.º 1 do artigo 252.° do CSC), ou então que nesse caso só as pessoas singulares que sejam sócias é que poderiam ser gerentes, criando-se uma desigualdade entre sócios insuprível, ou caso todos os sócios sejam pessoas coletivas, a gerência não poderia ser formada.

99. O contrato de sociedade da dita BB, Lda. (consagrando que são gerentes, os sécios) não foi considerado inválido (demonstra-o o registo comercial, aceite pela Conservatória do Registo Comercial), pelo que nenhuma ressalva pode ser feita à legitimidade da assunção da gerência de direito daquela entidade pela referida DD, SGPS, S.A.

100. Veja-se assim, que nas sociedades em nome coletivo, em que, se consagrou a regra de que “são gerentes todos os sócios” (n.º 1 do artigo 191.° do CSC), mas por outro lado não se admitiu que uma pessoa coletiva sócia fosse gerente (n.º 3 do artigo 191.0 do CSC) — situação em tudo semelhante à descrita – se vem permitir que a pessoa coletiva sócia possa nomear uma pessoa singular, para em nome próprio exercer esse cargo.

101. Por conseguinte, no pressuposto (anteriormente explicado) de que o n.º 1 do artigo 252.° do CSC não configura uma proibição expressa de designação de uma pessoa coletiva e que, por conseguinte, a lei é omissa relativamente a esta questão, deve recorrer-se à analogia, nos termos do artigo 10.º do CC, aplicando-se, às sociedades por quotas, a solução consagrada para as sociedades anónimas ou para as sociedades em nome coletivo, nos termos da qual uma pessoa coletiva deve designar uma pessoa singular para exercer o cargo em nome próprio.

102. A exigência da capacidade jurídica própria das pessoas singulares não serve para afastar a validade da designação de uma pessoa colectiva como gerente.

103. A pessoa coletiva designada fica com o poder-dever de «nomear uma pessoa singular para exercer o cargo em nome próprio», relativamente à qual, se exige, desde logo, a referida capacidade jurídica plena para aceder ao cargo e se fiscalizam as incompatibilidades legais ou estatutárias.

104. É a pessoa singular indicada quem, de direito e de facto, goza os direitos, quem exerce os poderes (de gestão, técnicos e representativos) e há-de cumprir os deveres que incumbem ao órgão de administração da sociedade (e do seu interesse).

105. Não pode o Arguido ficar vinculado e ligado a uma sociedade da qual, validamente, se desvinculou.

106. Apenas restará responsabilidade solidária da pessoa coletiva designada com a pessoa por ela indicada, nos termos que resultam do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 83.º do CSC.

107. Nestes termos o Arguido só pode ser considerado gerente – de direito – da BB, Lda., até 6 de Março de 2007, impugnando-se o ponto 2° dos factos dados como provados, segundo o qual desde a data da sua constituição que se encontra registado como gerente da sociedade o Arguido.

108. Atento o exposto e a respeito da gerência de direito o Tribunal a quo errou ao considerar que o Arguido foi responsável pelos factos que lhe eram imputados na acusação no período compreendido entre Junho de 2006 a Novembro de 2009 (de retenção e não entrega de valores de contribuições à Segurança Social).

109. Maxime, e meramente a título de gerência de direito, o Arguido apenas poderia ter relação jurídica subjectiva com factos verificados até 6 de Março de 2007, pelo que a haver crime continuado (que se rejeita) o mesmo só pode ser imputado àquele até à mencionada data e nunca daí em diante, mormente até Novembro de 2009 como consta da acusação e da sentença.

110. No caso das contribuições devidas por trabalhadores e membros dos órgãos sociais que tenham sido deduzidas ao valor das remunerações a estes devidas, a sua entrega à Segurança Social é devida até ao 15° dia do mês subsequente ao pagamento das remunerações. Cfr. Artigos 5°, n.°s 3 e 6 do D.L. 103/80, de 9 de Maio, 18° do D.L. 140-D/86, de 14 de Junho, 10°, 11.02 do D.L. 199/99, de 8 de Junho e 59°, n.°1 da Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro.

111. Pelo que, entre 6 de Março de 2007 e 6 de Março de 2012 decorreu o prazo de 5 anos consagrado no artigo 21°, n.º 1, do RGIT.

112. Tendo o Arguido sido apenas notificado, nos termos do artigo 105°, n.º 4, al. B) do RGIT, em 27 de Maio de 2014 e tendo o respectivo procedimento criminal prescrito em 6 de Março de 2012, aquela notificação é irrelevante, não suspendendo, nem interrompendo a prescrição, visto que o procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos. Cfr. Artigo 21°, n.º 1 do RGIT.

113. Neste mesmo sentido, veja-se o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 8 de Janeiro de 2015, no âmbito do Proc. n.° 398/09.STALGS.E1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt: “No crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 107°, número 1, e 105°, números 1 e 5, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), o prazo de prescrição do procedimento criminal começa a contar-se no dia imediato ao termo do prazo legalmente estabelecido para a entrega das prestações contributivas devidas, conforme dispõe o artigo 5°, número 2, do mesmo diploma”. (Sublinhados nossos) – (Não há sublinhados).

114. O Tribunal a quo não distinguiu, como lhe competia, a matéria da gerência de facto v.s. gerência de direito.

115. Com o devido respeito - que é muito - o Tribunal a quo, tratou (indevidamente) aquelas figuras como se de uma só se tratassem.

116. O Tribunal a quo partiu, erradamente, do pressuposto que o Arguido foi gerente de facto e de direito da BB, Lda., impugnando-se a decisão sobre a matéria de facto.

117. Tal como arguido na contestação a fls. 162 a 182, respeitantes às declarações, dos Senhores EE, FF e GG, identificam o Arguido em declarações lavradas num texto totalmente idêntico entre si e em todos os casos datado do mesmo dia 23 de outubro de 2011, com um intervalo horário de lh30!!!

118. Não podendo ser mais flagrante a falta de genuinidade daquelas declarações e daqueles documentos que são uma autêntica cópia integral, uns dos outros, demonstrativa da ausência de isenção, independência, fidedignidade, liberdade e espontaneidade dos respectivos depoimentos e do modo como os mesmos foram recolhidos.

119. Aliás, como se veio a confirmar face às declarações da testemunha EE, prestadas em julgamento.

120. Tudo apontando, com elevado grau de certeza e de probabilidade, de estarmos perante documentos previamente redigidos e apresentados para serem assinados, sem qualquer tomada de declarações orais prévias e/ou espontâneas.

121. Aqueles autos de declarações (documentos que deveriam ser autênticos. Cfr. artigo 169° do CPP) são completamente inválidos e nulos, já que atento o teor daqueles “autos de fé”, tudo aponta para que os mesmos tenham sido previamente redigidos por quem os tenha preparado para posterior subscrição (tudo sem qualquer isenção e independência de discurso dos subscritores), já que o respectivo texto é um verdadeiro pacto de adesão, sem quaisquer nuances de discurso significativas e/ou de relevo.

122. Quaisquer autos de inquirição de testemunhas identificam, obrigatoriamente, as pessoas (todas, sem excepção) que intervenham no acto. Cfr. artigo 99º, n.º 3, al. a) do CPP.

123. No presente processo aqueles autos de inquirição de testemunhas apenas identificam as mesmas, sem qualquer menção à identificação do Inquiridor, de modo a que se possa confirmar a sua identidade, correspondente autoridade/competência do mesmo e correspondente autenticidade e fidedignidade do respectivo documento.

124. A não ser que o Inquiridor seja uma máquina, a sua identificação deveria (obrigatoriamente, por imposição legal) constar daqueles autos de inquirição de testemunhas, o que não sucede no caso dos autos.

125. Por força deste circunstancialismo aqueles autos são nulos (Cfr. artigo 120°, n.º 2, al. d) do CPP), estando-se na prática perante documentos que devem ser considerados inexistentes, correspondendo a falta do auto à falta da diligência (de inquirição de testemunhas) a que o mesmo diz respeito.

126. Tornando a citada nulidade “inválido o acto em que se verificaram, bem como os que dele dependerem e aquelas que puderem afectar.” Cfr. Artigo 122°, n.° 1 do Código de Processo Penal.

127. Fica assim afectada por nulidade a própria Acusação.

128. E a decisão tomada é nula, visto que conheceu questões de que não podia tomar conhecimento. Cfr. artigo 379°, n.º 1, al. c) do CPP.

129. Em julgamento não foi produzida uma única prova documental, nem uma única prova testemunhal que cabalmente e sem margem para quaisquer dúvidas pudesse fornecer ao Tribunal a quo elementos sólidos e credíveis aptos a reconhecer no Arguido a figura da gerência de facto da BB, Lda., condenando-o nessa qualidade.

130. Conforme supra exposto, não se nega que o Arguido tenha sido gerente de direito da dita sociedade, até 6 de Março de 2007 e com as inerentes repercussões jurídicas já assinaladas.

131. Porém, o Arguido não reconheceu qualquer gerência de facto e nenhuma prova documental foi produzida em audiência de julgamento, sendo que a prova testemunhal confere, indubitavelmente, a gerência de facto a CC, contrariando qualquer ideia a esse respeito relativamente ao Recorrente.

132. E todas as alusões proferidas pelas testemunhas inquiridas em julgamento contrariam a tese da acusação sobre gerência de facto pelo Arguido, ou, maxime (sem conceder) não facultam ao Tribunal bases sólidas que permitam condená-lo, nem tão pouco permitem afectar decisivamente a convicçâo do julgador.

133. Diz a lei criminal que a prova é apreciada segundo as regras de experiência e da livre convicção do juiz.

134. A livre apreciação da prova, que estrutura a formulação da convicção do julgador, o seu juízo crítico e rigoroso sobre toda a prova produzida em julgamento, não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e imotivável.

135. A valoração da prova para a convicção de condenação tem de ser racional, objectiva e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos.

136. Só assim permite ao julgador objectivar a apreciação dos factos para efeitos de garantir uma efectiva motivação da decisão.

137. O juízo crítico e rigoroso sobre a prova e a sua ligação a cada facto a provar, sendo a tarefa mais difícil do julgador, é o momento determinante para termos uma decisão que respeite o direito constituído e os direitos de defesa e de presunção de inocência constitucionalmente consagrados para os arguidos.

138. A fundamentação da matéria de facto, (provada ou não provada) e o grau de certeza e de convicção na motivação são os ingredientes indispensáveis de qualquer sentença.

139. O princípio da livre apreciação da prova não é absoluto, sofrendo limitações decorrentes do grau de convicção exigido para a decisão, da proibição dos meios de prova, da observância da presunção de inocência e da salvaguarda do princípio in dubio pro reo.

140. Na busca da verdade material, da verdade possível que baste, existem vários graus de convicção.

141. No crime de abuso de confiança contra a Segurança Social e nos presentes autos, não estamos perante uma situação de difícil prova, desde logo porque há documentação e há testemunhas.

142. A prova testemunhal, a sua credibilidade e os indícios têm de ser fortes.

143. Não podem ser suficientes, nem muito menos insuficientes, tal como supra se demonstrou.

144. Condenar alguém por este tipo de crime com base, apenas, em convicções (como sucedeu in casu) é um erro judiciário.

145. Existem limites à livre apreciação da prova.

146. A doutrina em geral, quanto aos factos designados extra processuais, tem-se manifestado pela sua não admissibilidade.

147. Não esqueçamos que “as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos”. Cfr. artigo 341.º do C.Civil.

148. A prova produzida deve, necessariamente, ser analisada sob três ópticas diferentes: como actividade probatória, como meio de prova e como resultado daquela actividade.

149. Sendo certo que a prova produzida não é, um fim em si mesmo, mas um meio conducente a formar e justificar a valoração do julgador em que assenta a decisão, contudo toda a actividade probatória deve evidenciar um juízo e um percurso lógico para que possa ser apreendida e, quiçá, compreendida pela comunidade envolvente.

150. A decisão do julgador é enformada e parametrizada pelos juízos que o mesmo foi construindo ao longo do processo, partindo dos factos, seleccionando-os em termos de relevância e valorando-os em termos de comportamento, repreensível ou não, dentro e de acordo com o sistema jurídico em causa.

151. Sabemos que o legislador português optou por uma construção do processo penal assente numa estrutura acusatória.

152. Daí as duas grandes fases do processo: a preparatória e a de julgamento.

153. Situando-nos na segunda fase, diremos que ao julgador não são fornecidos critérios legais que se pré-imponham à valoração da prova.

154. Partindo de um pensamento silogístico, diremos: O julgador, produzida a prova durante a audiência de julgamento, apreciando as circunstancias concretas, decidirá com base nas regras da experiencia e de acordo com a sua convicção.

155. Ao decidir deve fundamentar a sua decisão em critérios objectivos.

156. Logo, a decisão tem de ser controlável.

157. O princípio da livre apreciação da prova, norteador de todos os actos processuais, comporta, porém, limites e reservas.

158. Limites, quanto a determinados meios de prova e, reservas, relativamente à sentença.

159. Porque no processo em análise se privilegiou a prova testemunhal caber-nos-ão as seguintes considerações: para este meio de prova, via da regra, aplica-se o princípio da livre apreciação, à excepção do testemunho do “ouvir dizer” - depoimento indirecto. Cfr. artigos 129° e 128°, n.º 1 do CPP.

160. É no âmbito da prova testemunhal que os princípios da imediação e da oralidade ganham dimensão.

161. A convicção do julgador é formada não só pelo que a testemunha fala, mas pelas declarações implícitas nos seus gestos, nas atitudes face às questões colocadas e nos seus modos de reacção.

162. Ora, a liberdade de apreciação da prova não significa que o julgador possa, no momento valorativo da mesma, tomar uma decisão consoante o seu livre arbítrio, sem que aquela corresponda materialmente a um suporte probatório.

163. Porém, o julgador, de acordo com o disposto no artigo 126° do CPP, encontra-se limitado pelos métodos proibidos de prova, abrangendo estes os meios de prova e os meios de obtenção da prova.

164. O legislador, com o intuito de proteger os direitos dos cidadãos, proíbe certos meios, configurando, assim, meios de tutela legais.

165. Os meios de obtenção são os previstos nos artigos 171° a 190° do CPP.

166. Não poderemos deixar de sublinhar as proibições de prova relacionadas com o princípio da imediação e, como tal, decorrentes do Estado de Direito e das garantias de defesa.

167. Falamos, principalmente, das convicções pessoais. Cfr. Artigo 130° do CPP.

168. Conforme diz Paulo Pinto de Albuquerque, “a proibição de prova relacionada com a violação do princípio da imediação constitui um vício do modo de convicção do tribunal, cuja repercussão é a nulidade da prova proibida quando ela venha a ser valorada na sentença (artigo 32°, n° 8, da CRP).”

169. Ora, é precisamente isso que se passa nos presentes autos.

170. Face aos diversos testemunhos produzidos a sentença valorou indevidamente prova, interpretando-a em sentido completamente oposto à sua produção.

171. Conforme supra sindicado, nenhuma testemunha identificou o Arguido como gerente de facto da BB, Lda.

172. Pelo que em consonância teria de dar-se como NÃO PROVADO que:

O Arguido (Recorrente) geria efectivamente a sociedade (BB, Lda.), dispondo de capacidade para tomar decisões concernentes à mesma, designadamente decidir pagar ou não à Segurança Social.

No período compreendido entre Junho de 2006 a Novembro de 2009, o Arguido decidiu não entregar à Segurança Social as quantias retidas a título de contribuições à Segurança Social.

O Arguido não procedeu à entrega das retenções efectuadas à Segurança Social.

Aqueles valores ficaram na posse e disponibilidade do arguido.

O Arguido sabia que aquelas quantias não lhe pertenciam e decidiu não as entregar à Segurança Social.

O Arguido actuou sempre no exercício das suas funções de gerente da sociedade arguida e com o intuito de a beneficiar.

173. A gerência de facto tem de ser apurada em consequência da prova testemunhal e da recolha de elementos documentais.

174. Ninguém viu o Arguido, em representação da BB, Lda., a assinar um cheque, uma qualquer documentação fiscal relevante, uma carta, um contrato, um qualquer outro documento e dos autos não consta um único documento que prove tal realidade.

175. A maioria da doutrina e da jurisprudência tem considerado que apenas são sujeitos da responsabilidade tributária subsidiária das pessoas colectivas, as pessoas que exercem efectivamente as funções de administração ou gestão, independentemente de terem sido para tal designados.

176. Trata-se da gerência de facto que como já se viu não encaixa no Arguido.

177. Acresce que, conforme referido na contestação, o Pai do Arguido (que consta da Certidão do Registo Comercial como sócio-gerente da dita BB, Lda. constante dos autos) não foi constituído arguido o que torna os presentes autos nulos (Cfr. artigo 120°, n.°2, al. d) do CPP), por insuficiência do inquérito, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, in casu, a constituição de CC, como arguido, desde logo atento o teor e as consequências dos documentos de Fls. 20 e segs. para os efeitos do disposto no artigo 107°, n.º 2 do RGIT na remissão para o n.º 4, al. b) do artigo 105° do mesmo diploma legal, aplicando-se necessariamente o disposto no artigo 58° do CPP.

178. Sendo inconcebível e inadmissível, desde logo por força do princípio da igualdade, que para o Arguido possa valer a citada al. b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT na remissão para aí formulada pelo artigo 107°, n.º 2 do mesmo diploma legal e para o legal representante da citada BB, Lda. (CC) já não valer, ainda para mais atento o teor do artigo 58° do CPP, confrontado com a certidão do registo comercial da BB, Lda.

179. A citada nulidade invalida “... o acto em que se verificaram, bem como os que dele dependerem e aquelas que puderem afectar.” Cfr. Artigo 122°, n.º 1 do Código de Processo Penal.

180. Fica assim afectada por nulidade a própria acusação, a sentença e todo o processo por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13° da CRP e por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20°, n.º 4 da CRP.

181. O mesmo é dizer que se o verdadeiro e único legal representante da Sociedade Arguida (BB, Lda.) não foi constituído Arguido, o ora Recorrente nunca poderia tê-lo, sido, já que o inverso (ocorrido nos autos) é inconstitucional por violação dos citados princípios da igualdade e da tutela jurisdicionai efectiva. Cfr. artigos 13º e 20°, n.º 4 da CRP.

182. Sem prejuízo do exposto, segundo o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência STJ, n.º 398/09.5TALGS.E1-A.S1, proferido em 8/1/2015: No crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 107°, número 1, e 105°, números 1 e 5, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), o prazo de prescrição do procedimento criminal começa a contar-se no dia imediato ao termo do prazo legalmente estabelecido para a entrega das prestações contributivas devidas, conforme dispõe o artigo 5°, número 2, do mesmo diploma.

183. Segundo o n.º 2 do artigo 5° do RGIT: As infracções tributárias omissivas consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários.

184. Ou seja, até no 16° dia do mês seguinte ao pagamento das remunerações. Cfr. artigos 5°, n.º 3 e 6° do D.L. n.º 103/80, de 9 de Maio, 18° do D.L. n° 140-D/86, de 14 de Junho, 10°, n.º 2 do D.L. n.° 199/99, de 8 de Junho e 59°, n.º 1 da Lei n. ° 4/2007, de 16 de Janeiro.

185. O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos. Cfr. artigo 21°, n.º 1 RGIT.

186. Tal como determinado anteriormente, por despacho proferido em 27/5/2015, entendeu-se que o último acto de execução em causa nos autos está datado de 15/12/2009, tendo os arguidos sido constituídos nessa qualidade em 24/9/2014.

187. O Pleno da Secção do CT do Supremo Tribunal Administrativo decidiu em Acórdão proferido no âmbito do Proc. n.º 0148 1/13, em 26/02/2014 que:

“188. I - Por norma as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.

189. II - Mas nem sempre é assim. Casos há, como o previsto no art.º 33º do Decreto-lei n° 8-B/2002”, em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Segurança Social em suprimento das obrigações dos contribuintes.

III - Nestas situações a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem um verdadeiro acto administrativo declarativo de liquidação de um tributo.

190. IV- Sendo assim, ao direito de liquidar tais contribuições é aplicável, por força do disposto nos artigos 1.°, 2° 3° da Lei Geral Tributária, o regime de caducidade do direito á liquidação previsto no art.º 45.° do mesmo diploma legal, uma vez que o regime específico das quotizações e contribuições à Segurança Social não fixa um prazo especial de caducidade do direito de liquidação”.

191. O prazo especial de caducidade em causa é o fixado no artigo 45° da LGT: 4 anos.

192. E o prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação. Cfr. artigo 21°, n.º 3 RGIT.

193. Conjugando aquelas decisões jurisprudências está aberta a porta para que um arguido cumpridor e zeloso do seu dever de efectuar os descontos devidos à Seg. Social e de proceder à respectiva comunicação, ficar sujeito ao prazo de prescrição do procedimento criminal, in casu, de 5 anos, quando - por comparação - um arguido que para além de não proceder aos pagamentos devidos à Seg. Social ainda somar a esse incumprimento a omissão de proceder aos descontos legais, fica brindado e blindado com a vantagem jurídica de lhe ser aplicado um prazo de caducidade de 4 anos quanto à obrigação de liquidação do tributo pela Seg. Social, permitindo-lhe beneficiar ainda (como prémio final e face ao n.º 3 do artigo 21° do RGIT) da redução do prazo de prescrição do procedimento criminal ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária.

194. Tal constatação não pode deixar de relevar para efeitos criminais, porquanto um arguido que proceda conforme o supra citado 1° exemplo apenas “beneficiará” da prescrição do procedimento criminal ao fim de 5 anos, enquanto um arguido que proceda conforme o supra citado 2° exemplo conseguirá “beneficiar” da prescrição do procedimento por aplicação subsidiária da figura jurídica da caducidade logo que se achem decorridos 4 anos.

195. Significa isto que um arguido que se enquadre no 1° exemplo, como é o caso do Arguido (sem conceder quanto à sua responsabilidade criminal e cível) ora Recorrente estará em pé de desigualdade perante o arguido do 2° exemplo, quando este último tem, salvo melhor opinião, um comportamento ainda mais censurável.

196. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Cfr. artigo 13°, n.º 1 da CRP. Nestes termos qualquer interpretação contrária ao entendimento de que o arguido ora requerente deverá beneficiar do citado regime do artigo 21°, n.º 3 do RGIT, por aplicação do prazo especial de caducidade consagrado no artigo 45°, n.º 1 da LGT, em face do teor do citado acórdão proferido pelo pleno da Secção do CT do Supremo Tribunal Administrativo (no âmbito do Proc. n.º 01481/13, em 26/02/2014), será contrária ao citado princípio da igualdade, previsto no artigo 13°, n.º 1 da CRP sendo por conseguinte inconstitucional qualquer decisão que não considere dever ser aplicado o citado prazo de prescrição mais curto decorrente dos citados normativos legais.

197. Quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (Cfr. artigo 72°, n.º 1 do C.P), o Tribunal atenua especialmente a pena, consagrando a al. d) do n.º 2 daquele preceito legal que uma dessas situações ocorre quando tiver decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.

198. Estamos perante factos cujo último acto de execução se reporta a Março de 2007 (face ao já exposto) ou, maxime, a Novembro de 2009.

199. Ou seja, até à data da conclusão do julgamento (Janeiro de 2016) decorreram, correspondentemente, 9 anos, ou 7 anos.

200. E o Arguido não tem qualquer averbamento no seu registo criminal. Cfr. consta de fls. dos autos.

201. Sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, nos termos do artigo 73°, n.º 1, al. c) do C.P., o limite máximo da pena de multa é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal.

202. O limite máximo em causa (360 dias, nos termos do artigo 103°, n.º 1 do RGIT, na remissão do artigo 107° do mesmo diploma legal) deverá assim situar-se em 120 dias, tendo como limite mínimo 10 dias. Cfr. artigo 47°, n.º 1 do C.P.

203. Acresce que, o Tribunal a quo deu como provado que o Arguido está desempregado e tem a seu cargo 2 (dois) filhos menores.

204. Pelo que deveria igualmente ter recorrido ao critério previsto no n.º 2 do artigo 47° do C.P., segundo o qual a multa é fixada em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

205. Sendo o quantitativo mínimo de 5 (cinco) euros aquele que deveria ser aplicado ao Arguido.

206. Igualmente por imperativos de melhor aplicação do direito (Cfr. artigo 672°, n.º 1, al. a) do CPC) e atenta a respectiva relevância jurídica, constata-se, atento o teor da acusação que no período compreendido entre Junho de 2006 e Fevereiro de 2007, encontram-se contabilizados 14.921,74€ de valores de contribuições à Segurança Social supostamente em falta.

207. Pelo que por ser claramente necessária uma melhor aplicação do direito (Cfr. artigo 672, n.º 2, al. a) do CPC), ainda que não se conceda (visto que o Arguido sempre foi, única e exclusivamente um gerente de direito e de favor, no supra citado contexto), o último acto de execução que lhe pode ser imputável remonta a Fevereiro de 2007 e ao montante global de 14.921,74€, pelo que nunca a sua condenação poderia ascender ao quantum global de 121.130,82€.

208. A condenação de um arguido em indemnização civil ocorre no processo crime, em decurso do prévio pedido, sempre que o mesmo vier a revelar-se fundado. Crf. artigo 377° do CPP.

209. Face à gerência de direito e sem conceder, ao Arguido apenas poderiam ser imputados factos e dívida à Segurança Social até à data em que a mesma cessou (6 de Março de 2007. Cfr. supra exposto) e nunca até Novembro de 2009.

210. Estamos perante um caso de responsabilidade extra-contratual, para a qual o artigo 498° do C. Civil, prevê um prazo de prescrição de apenas três anos. Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido por unanimidade, em 2/10/2007, no âmbito do Proc. n.º 2502/05.3 TBCBR. Cl, disponível em www.dgsi. pt.

211. Ou seja, o Arguido tinha de ter sido demandado pelo ISS, I.P, maxime, até Novembro de 2010 (partindo da data de cessação da gerência, até Novembro de 2012, na acepção do no 3° do artigo 498°, n.º 3 do C. Civil, por força do artigo 21º do RGIT) ou até Novembro de 2014 (lá na acepção mais alargada do no 3° do artigo 498°, n.º 3 do C. Civil, por força do artigo 21° do RGIT) partindo do términus dos factos njm supostamente geradores de direito indemnizatório, o que não ocorreu em nenhum dos casos, dando lugar à prescrição de toda a divida peticionada.

212. Prescrição que deverá, necessariamente, ser reconhecida por Vªs Ex.ªs, facto extintivo extensível aos juros peticionados, atento o disposto no artigo 310°, al. d) do C. Civil.

213. Mesmo que assim não fosse o Arguido nunca foi gerente de facto da VMJF, pelo que não se encontram reunidos os pressupostos de facto e de direito que presidem à sua responsabilização civil, inexistindo dolo e mera culpa, tal como inexiste qualquer intervenção daquele apta a contribuir para o suposto prejuízo da Segurança Social.

214. Nenhuma prova foi produzida em sentido inverso e se na componente criminal ainda se poderia admitir a submissão da convicção do julgador (sem conceder, conforme supra exposto) já na componente cível a mesma não pode, de todo, produzir quaisquer efeitos.

215. Além do mais, face à prova produzida, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado que:

O Arguido manteve a sociedade em actividade, apesar do débito para com a Segurança Social;

O Arguido sabia que lesava os interesses do Estado, com a não entrega de contribuições;

O Arguido sabia e tinha consciência que objectivamente lesava a Segurança Social e bem assim que não entregou à demandante a quantia de 121.130,82€.

216. Adiantar-se-á igualmente que da prova documental constante dos autos inexiste um único elemento apto a demonstrar que a divida à Segurança Social seja reportada ao valor de 121.130,82€.

217. Foram juntos aos autos pelas testemunhas inquiridas algumas folhas/recibos de vencimento mensal.

218. Aqueles são os únicos documentos aptos a demonstrar a concretização dos respectivos pagamentos integrantes do dever de retenção de contribuições à Segurança Social e concomitante dever de entrega daqueles à referida entidade.

219. Nenhuma prova foi produzida (documental e/ou testemunhal) apta a credibilizar a dívida peticionada de 122.118,01€, mas tão só a que respeita aos recibos/folhas de vencimentos constantes dos autos, relativos às testemunhas inquiridas em julgamento e apenas nos períodos temporais correspondentes.

220. O inverso - como o fez a sentença - é arbitrário e contrário ao direito e à prova produzida, revelando um instinto persecutório inaceitável.

221. A alínea a) do número 1 do artigo 8° do RGIT consagra a responsabilidade subsidiária dos sujeitos singulares desde que se prove que foi por culpa deles que o património da sociedade ou da pessoa coletiva se tornou insuficiente para pagamento.

222. Nada disto foi provado e nada disto consta do decidido.

223. Ninguém testemunhou contra o Arguido imputando-lhe qualquer culpa no suposto não pagamento de contribuições à Segurança Social pela BB, Lda.

224. Deixando-se totalmente reproduzida, para os devidos efeitos legais, a impugnação da matéria de facto supra alegada.

225. Igualmente, nenhuma prova documental constante dos autos indicia sequer a culpa do Arguido naquela matéria.

226. A responsabilidade civil subsidiária dos administradores, dos gerentes e de outras pessoas que tenham exercido, ainda que apenas de facto, funções de administração, pressupõe sempre a prova de que a impossibilidade de pagamento derivou de uma actuação culposa desse agente.

227. Nada foi revelado nos autos a esse respeito, pelo que o Tribunal a quo proferiu também a este propósito uma sentença nula, conhecendo de questões das quais não podia tomar conhecimento. Cfr. artigo 3 79°, n.º 1, al c) do CPP.

228. A responsabilidade civil subsidiária a que alude o artigo 8º nº 1 do RGIT tem de ser declarada na sentença e actuada pelo mecanismo da reversão fiscal, o que não ocorreu, nem poderia suceder por via de uma decisão proferida pelo Tribunal a quo.

229. Aliás, importa destacar que no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de …, datado de 11/11/2015, no âmbito dos presentes autos (e do qual, nem o Arguido, nem o ora signatário foram, até ao momento notificados) pode ler-se no 2° parágrafo da pág. 11ª o seguinte: “de harmonia com o disposto no artigo 90º do CIRE: os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente código, durante a pendência do processo de insolvência”, credores esses entre os quais se conta a Seg. Social por dívidas de contribuições. Cfr. artigo 47°, n.º 1 do CIRE.

230. Adianta ainda o referido acórdão (no 3° parágrafo da pág. 11ª) que: “quer isto dizer que à data em que foi notificada para proceder ao pagamento das quantias em dívida, nos termos do artigo 105°, n.° 4, al. b) do RGIT, aplicável, ex vi do n.º 2 do artigo 107° do RGIT do mesmo diploma legal, já a sociedade, por si, pelo administrador de insolvência ou pelos seus gerentes, estava impedida de proceder a tal pagamento.”

231. Acrescentando-se no 4° parágrafo da pág. 11ª daquela Decisão que: “Na verdade, se bem vemos, o mesmo somente poderia ser obtido no processo de insolvência, depois de reconhecido ou verificado e graduado”. Cfr. artigo 173º do CIRE.

232. Ora se como supra se transcreveu, o Acórdão em causa reconhece a impossibilidade de os gerentes da sociedade procederem ao pagamento das quantias em dívida (não tendo ficado provado que o Recorrente era gerente de facto da BB, Lda.), está assim reconhecida, salvo melhor opinião, a inexistência da condição objectiva da punibilidade do ilícito em presença, daí derivando também a necessária e imediata absolvição daquela pessoa singular, quer quanto à parte criminal, quer quanto á parte cível, na medida em que ao mesmo estava vedado dar cumprimento à notificação exarada pela Seg. Social, desde logo porque (igualmente conforme decidido por aquela instância superior. Cfr. 1° parágrafo da pág. 10ª) “com o decretamento da insolvência da sociedade arguida em 28/5/2012, dá-se por força da lei, a perda pela sociedade do poder de administração dos bens que integram a massa insolvente”.

233. De resto, nem sequer pode ter-se por verificada a condição objectiva de punibilidade da al. b) do n.º 4 do artigo 1050 do RGIT (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2008, de 9/4/2008, no âmbito do Proc. n.º 4080/07 (publicado no D.R. 1ª Série de 15/5/2008, pág. 2672): “A exigência prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, configura uma nova condição objectiva de punibilidade que, por aplicação do artigo 2.°, n.° 4, do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, e tendo sido cumprida a respectiva obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo [alínea b) do n.º 4 do artigo 105.° do RGITJ]”) visto que o Arguido/pessoa singular foi notificado para o efeito em 2 7/5/2014 quando já nada podia concretizar/fazer face ao decretamento da insolvência em 28/5/2012.

234. Aliás, o próprio n.º 4 do artigo 81° do ORE nem permite qualquer actuação aos até então administradores de qualquer entidade entretanto declarada insolvente visto que: «O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial...»

235. Sem prejuízo do exposto e mesmo que assim não se entenda - sem conceder - relativamente á matéria penal, importa também quanto à componente cível (atenta a absolvição da instância da arguida BB, Lda. confirmada pelo Tribunal da Relação de …) invocar supervenientemente, face à redacção taxativa do artigo 33°, n.º 1 do CPC (segundo o qual: “Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade”) e às consequências do citado entendimento jurisprudencial (que remete para o consagrado no supra indicado artigo 173° do CIRE) a ilegitimidade do arguido pessoal singular, face á superveniente preterição de litisconsórcio necessário (visto que o pedido cível também tinha que ter por intervenção a pessoa colectiva) devendo aquele por conseguinte ser absolvido da instância face à verificação da correspondente excepção dilatória. Cfr. artigos 33°, n.º 1, 577°, al. e) e 576°, n. °2, todos do CPC.

236. De resto quanto à dedução do pedido de indemnização cível o processo penal não é o meio idóneo para exigir valores correspondentes a contribuições e impostos, porque existem modos próprios e específicos de obtenção da sua cobrança voluntária ou coerciva pelo devedor, mormente através da reversão fiscal aos gerentes (de facto).

237. O processo penal não é o meio próprio, não só para o sujeito passivo atacar a legalidade de tal suposta dívida, mas também para o Tribunal conhecer da eventual exigibilidade da mesma ao contribuinte.

238. Face ao exposto e sem prejuízo da absolvição da instância quanto à arguida VMJF e da absolvição da instância superveniente ora alegada quanto ao arguido pessoa singular, importa concluir que a instância criminal é ainda materialmente incompetente, para conhecer do pedido cível formulado pelo IGFSS, I.P., competência que nos termos da 2ª parte do artigo 10º do CPP assiste aos Tribunais Administrativos e Fiscais (Cfr. artigo 144°, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário: Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) e mais especificamente aos Tribunais Tributários, nos termos do artigo 49° do E.T.A.F.

239. Por se tratar de pedido cível, a incompetência em razão da matéria, gera a incompetência absoluta, requerendo-se também neste caso a absolvição da instância cível. Cfr. artigos 96°, al. a), 577°, al. a) e 576°, n. ° 2, todos do CPC na aplicação analógica do artigo 4° do CPF, por força do disposto na 2ª parte do artigo 10° do mesmo diploma legal, atento o artigo 144°, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) e nos termos do artigo 49° do E.T.A.F.

240. Para além do exposto, o número 2 do artigo 8° do RGIT prevê ainda a responsabilidade solidária quando tenham sido várias as pessoas a exercer os cargos referidos e se prove que todas elas praticaram os actos ou omissões culposos que tenham determinado a insuficiência do património da pessoa coletiva.

241. Mais uma vez e a respeito do Arguido (Recorrente) nada se provou e o que levou à convicção do Tribunal resulta de um erro judiciário supra exposto.

242. Sem prejuízo do exposto e mesmo que assim não se entenda - sem conceder - relativamente à matéria penal, importa também quanto à componente cível (atenta a absolvição da instância da arguida BB, Lda.) invocar supervenientemente, face à redacção taxativa do artigo 33°, n.º 1 do CPC (segundo o qual: “Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade”) e às consequências do citado entendimento jurisprudencial (que remete para o consagrado no supra indicado artigo 173° do CIRE) a ilegitimidade do Arguido (pessoa singular) face à superveniente preterição de litisconsórcio necessário (visto que o pedido cível também tinha que ter por intervenção a pessoa colectiva) devendo aquele por conseguinte ser absolvido da instância face à verificação da correspondente excepção dilatória. Cfr. artigos 33°, n.º 1, 577°, al. e) e 576°, n. °2, todos do CPC.

243. Concluindo-se, sempre se referirá que pese embora o disposto na 2ª parte do n.º 4 do artigo 77° do CPP, não poderá deixar de se apontar que o PIC formulado é redundante, conclusivo, vago, genérico, infundado e indeterminado.

244. A alegação de factos meramente conclusivos, vagos e genéricos, não concretizam a causa de pedir e impedem o Tribunal de conhecer do pedido, o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

245. O suposto lesado estava vinculado a expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção. Cfr. al. d) do n.º 1 do artigo 552° do CPC, na remissão do artigo 4° do CPF.

246. Independentemente das repercussões da nova redacção da lei processual civil (relativamente ao que se encontrava vertido na al. d) do n.º 1 do artigo 467° do anterior CPC) certo é que sobre o suposto lesado não deixou de impender o ónus de alegar os factos que deveriam concretizar a sua causa de pedir, sendo que que tal ónus não se cumpre com a articulação de factos conclusivos, vagos, genéricos e indeterminados.

247. O que sobra do PIC e que ainda não foi referenciado, mais não é do que um conjunto de conclusões factuais ou de direito e/ou meras transcrições de legislação, as quais não importam a articulação de factos que componham a causa de pedir e o pedido e sobre as quais não compete ao Arguido pronunciar-se, até por se tratar de matéria genérica, abstracta e infundada quanto ao que daí o suposto lesado pretende fazer crer.

       Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, com o reconhecimento do supra alegado.



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       Por despacho proferido pelo Tribunal da Relação de … de 13-12-2016, a fls. 1047, foi admitido o recurso interposto pelo arguido “relativo à parte cível” para o Supremo Tribunal de Justiça.

        Notificados da admissão do recurso, o demandante Instituto da Segurança Social, I. P. e o Ministério Público no Tribunal da Relação de … silenciaram.


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       A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça, na vista a que alude o artigo 416.º, n.º 1, do CPP, emitiu douto parecer (de fls. 1055 a 1058), concluindo no sentido da rejeição do recurso por extemporaneidade, em termos abaixo explicitados, bem como, pela inadmissibilidade do recurso relativo à parte penal, pugnando igualmente pela improcedência do recurso, no que tange à matéria cível, e pela manutenção nos seus precisos termos do acórdão recorrido.  



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      Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente silenciou.



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      Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com o julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

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       Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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         Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série – A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

       Como assinalava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 118/96, in BMJ 458, pág. 98, as conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso.

       As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502).

       E como referia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1998, processo n.º 1444/97, da 3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 480, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de se pronunciar sobre questões de conhecimento oficioso; as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação.


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       Apreciando Fundamentação de facto.


                                                      

       Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a verificação de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências no domínio factual, erros de apreciação, ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, congruente, harmonioso, e devidamente fundamentado.

      O que tudo, passando pelo crivo da Relação, mereceu inteira aquiescência, sendo que é de todo impossível a intromissão deste Supremo Tribunal no domínio fáctico nos termos propostos pelo recorrente, maxime, nas “conclusões” 78.ª a 176.ª e 213.ª a 225.ª, não se justificando a intervenção oficiosa – única admissível neste domínio – em demanda de verificação dos vícios decisórios previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.     


        Factos provados

       Da acusação pública:

1. A sociedade BB – Artes Gráficas, Ld.ª era uma sociedade comercial por quotas com (SIC) Rua …, …, Lisboa, registada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o n.º … e que tinha por objecto social o comércio e indústria de artes gráficas, publicidade, marketing e comunicação, encontrando-se inscrita como contribuinte da Segurança Social com o nº 2…7.

2. Desde a data da sua constituição que se encontram registados como gerentes da sociedade o arguido AA e seu pai CC.

3. De acordo com o pacto social, a sociedade arguida obrigava-se com a intervenção de um gerente.

4. Não obstante a relação entre o arguido e o seu pai CC ser conflituosa, sendo por vezes tomadas decisões contraditórias entre ambos na gestão da sociedade, ambos geriam efectivamente tal sociedade, dispondo qualquer um deles de poderes e capacidade para tomar as decisões concernentes à mesma, designadamente decidir pagar ou não à Segurança Social.

5. No exercício da sua actividade e no período compreendido entre Junho de 2006 a Novembro de 2009, a sociedade arguida empregava vários trabalhadores a quem, nas respectivas retribuições mensais, efectuava as retenções das contribuições, por estes devidas, à Segurança Social.

6. As contribuições devidas à Segurança Social são calculadas à taxa de 34,75% correspondendo o percentual de cotizações a 11% relativamente ao regime geral dos trabalhadores por conta de outrem.

7. No período compreendido entre Junho de 2006 a Novembro de 2009, o arguido e BB decidiram não entregar à Segurança Social as quantias que retiveram a título de contribuições à Segurança Social, nesse lapso temporal, no montante total de 122.118,01 euros, distribuídos nos termos seguintes:

8. Mês de ReferênciaTotal de RemuneraçõesTaxasMontante DeclaradoMontante PagoSaldo em dívida
ContribuiçõesCotizaçõesTotalCotizaçõesTotalTotal da conta correnteCotizações
Ent.PatronalTrabalhadorTrabalhadorTrabalhador
Jun-069.779,1734,75%2.322,551.075,713.398,260,000,003.398,261.075,71
Jul-0614.091,1934,75%3.346,661.550,034.896,690,000,004.896,691.550,03
Ago-0614.737,1834,75%3.500,081.621,095.121,170,000,005.121,171.621,09
Set-0614.112,8934,75%3.351,811.552,424.904,230,000,004.904,231.552,42
Out-0615.840,2934,75%3.762,071.742,435.504,500,000,005.504,501.742,43
Nov-0617.131,6034,75%4.068,751.884,485.953,230,000,005.953,231.884,48
Dez-0628.106,7334,75%6.675,353.091,749.767,090,000,009.767,093.091,74
Jan-0719.182,4734,75%4.555,842.110,076.665,910,000,006.665,912.110,07
Fev-0720.973,2134,75%4.981,142.307,057.288,190,000,007.288,192.307,05
Mar-0722.793,2134,75%5.413,392.507,257.920,640,000,007.920,642.507,25
Abr-0722.853,5334,75%5.427,712.513,897.941,600,000,007.941,602.513,89
Mai-0728.068,4934,75%6.666,273.087,539.753,800,000,009.753,803.087,53
Jun-0735.447,1134,75%8.418,693.899,1812.317,870,000,0012.317,873.899,18
Jul-0733.911,2834,75%8.053,933.730,2411.784,170,000,0011.784,173.730,24
Ago-0730.536,0634,75%7.252,313.358,9710.611,280,000,0010.611,283.358,97
Set-0730.766,2734,75%7.306,993.384,2910.691,280,000,0010.691,283.384,29
Out-0731.609,2934,75%7.507,213.477,0210.984,230,000,0010.984,233.477,02
Nov-0731.909,3834,75%7.578,483.510,0311.088,510,000,0011.088,513.510,03
Dez-0753.373,2734,75%12.676,155.871,0618.547,210,000,0018.547,215.871,06
Jan-0830.743,7734,75%7.301,653.381,8110.683,460,000,0010.683,463.381,81
Fev-0833.412,2634,75%7.935,413.675,3511.610,760,000,0011.610,763.675,35
Mar-0836.794,9434,75%8.738,804.047,4412.786,240,000,0012.786,244.047,44
Abr-0837.148,2934,75%8.822,724.086,3112.909,030,000,0012.909,034.086,31
Mai-0843.500,8934,75%10.331,464.785,1015.116,560,000,0015.116,564.785,10
Jun-0838.082,9934,75%9.044,714.189,1313.233,840,000,0013.233,844.189,13
Jul-0841.711,3734,75%9.906,454.588,2514.494,700,000,0014.494,704.588,25
Ago-0835.423,4834,75%8.413,083.896,5812.309,660,000,0012.309,663.896,58
Set-0833.220,2934,75%7.889,823.654,2311.544,050,000,0011.544,053.654,23
Out-0826.930,4234,75%6.395,972.962,359.358,320,000,009.358,322.962,35
Nov-0824.755,8834,75%5.879,522.723,158.602,670,000,008.602,672.723,15
Dez-0844.577,8434,75%10.587,244.903,5615.490,800,000,0015.490,804.903,56
Jan-0922.995,7434,75%5.461,492.529,537.991,020,000,007.991,022.529,53
Fev-0923.382,0134,75%5.553,232.572,028.125,250,000,008.125,252.572,02
Mar-0925.486,2734,75%6.052,992.803,498.856,480,000,008.856,482.803,49
Abr-0926.964,9234,75%6.404,172.966,149.370,310,000,009.370,312.966,14
Mai-0931.370,9634,75%7.450,603.450,8110.901,410,000,0010.901,413.450,81
Jun-0931.099,1934,75%7.386,063.420,9110.806,970,000,0010.806,973.420,91
Jul-0930.985,0934,75%7.358,963.408,3610.767,320,000,0010.767,323.408,36
Ago-097.142,9934,75%1.696,46785,732.482,190,000,002.482,19785,73
Set-092.318,9434,75%550,75255,08805,830,000,00805,83255,08
Out-092.122,0434,75%503,99233,42737,410,000,00737,41233,42
Nov-094.770,4734,75%1.132,99524,751.657,740,000,001.657,74524,75
TOTAL1.110.163,68263.663,87122.118,01385.781,880,000,00385.781,88122.118,01

9. Embora tenha comunicado tais retenções à Segurança Social, nos prazos devidos, a sociedade e o arguido não procederam à sua entrega àquela instituição até ao 15.º dia do mês seguinte ao período a que diziam respeito, nem nos 90 dias subsequentes ao termo de tais prazos.

10. Valores esses que ficaram na posse e disponibilidade do arguido e da sociedade e que foram usados para prosseguir outros fins e interesses desta, nomeadamente o pagamento a fornecedores e o pagamento de outras dívidas a outros credores que não a Segurança Social.

11. Após ter sido notificado para o efeito, o arguido não efectuou o pagamento da quantia em falta, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias.

12. Em 16-04-2014, através de processo de reversão fiscal, foram pagos 4.471,10 euros por conta dos valores supra descritos, encontrando-se ainda em dívida 121.130,82 euros.

13. Ao actuar da forma descrita, o arguido sabia que as quantias citadas não lhe pertenciam e que a elas a sociedade não tinha direito e, não obstante, decidiu não entregar tais valores à Segurança Social.

14. Tendo sempre actuado no exercício das suas funções de gerente da sociedade arguida e com o intuito de a beneficiar.

15. O arguido sabia que tal conduta era proibida e punida por lei.


     Do pedido de indemnização cível (na parte em que não reproduz a acusação pública):

16. Apesar do débito para com a Segurança Social, o arguido manteve a sociedade em actividade.

17. O arguido sabia que era lesiva dos interesses do Estado a não entrega das contribuições.

18. O arguido sabia e tinha consciência que objectivamente lesava a Segurança Social, contando mensalmente com descontos feitos nas remunerações dos seus trabalhadores, como se de receitas próprias da empresa se tratasse.

19. Até à data da presente sentença, o arguido não entregou à demandante a quantia de 121.130,82 euros.

            Mais se apurou:

20. A sociedade BB – Artes Gráficas, Ld.ª foi declarada insolvente por sentença proferida em 28-05-2012.

21. O arguido encontra-se desempregado desde 2012.

22. Vive com a sua companheira, empresária, que o sustenta.

23. O casal vive com dois filhos, de 15 e 17 anos de idade.

24. O arguido é licenciado em gestão ….

25. O arguido não tem antecedentes criminais.

       Factos não provados

1. Era o arguido quem exclusivamente praticava todos os actos de gestão da sociedade, designadamente sendo o único responsável pela entrega à Segurança Social das contribuições que lhe eram legalmente devidas, resultantes de contribuições deduzidas das remunerações dos trabalhadores da sociedade arguida.



*****



   Apreciando. Fundamentação de direito.


   Fora do quadro de apreciação da impugnação directa da deliberação recorrida, exuberantemente traçado pelo arguido/demandado recorrente, que mais à frente se revelará, e só então, por uma questão de metodologia, imposta pela lógica do precedente, e face à questão adrede suscitada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, apreciar-se-á, em linha primeira, a questão prévia da tempestividade do recurso, ponto que sempre seria cognoscível oficiosamente, já que nos situamos no terreno da matéria de direito, para cuja sindicância o Supremo Tribunal de Justiça tem plena competência (assim resulta do disposto no artigo 434.º do Código de Processo Penal e do artigo 46.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 163, de 26-08-2013, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 42/2013, in Diário da República, 1.ª série, n.º 206, de 24 de Outubro e alterada e republicada, conforme o artigo 11.º, pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 244, de 22 de Dezembro, e pela segunda alteração operada pelo artigo 17.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 164, de 25 de Agosto – aprova e regula o procedimento especial de acesso a dados de telecomunicações e Internet pelos oficiais de informações do Serviço de Informações de Segurança e do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa – alterando os artigos 47.º, n.º 4 e 54.º, n.º 3).


     Abordar-se-á, também, previamente, a questão da repetição/transposição para as conclusões, de forma praticamente integral do texto da motivação, bem como a (in) admissibilidade relativamente ao recurso interlocutório e a (in) admissibilidade de recurso da parte penal e a verificação de dupla conforme, na vertente cível.


       Assim definida a “antecâmara” da presente reapreciação em sede de recurso, há que começar exactamente pela apreciação da questão prévia que, a ser provida, fará (ia) implodir a apreciação, não só das demais questões prévias, todas elas, porque respeitantes a admissibilidade do recurso, a dilucidar no plano, por ora, do adjectivo, e necessariamente, a jusante, na improcedência dos preliminares, a apreciação da questão de fundo, proposta a cognição em sede de revista excepcional.

 

       Por constituir um prius em termos cronológicos, pois que o recurso interposto fora de tempo não é de admitir, sendo que a decisão de admissão do recurso não vincula o tribunal superior, devendo em tal caso ser rejeitado, nos termos dos artigos 411.º, n.º 1, 414.º, nºs 2 e 3, 417.º, n.º 6, alínea b) e 420.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, começar-se-á pela abordagem da


    Questão prévia I – (In)Tempestividade do recurso


  Como se viu, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça, na vista a que alude o artigo 416.º do CPP, pronunciou-se no sentido da intempestividade do recurso interposto pelo arguido, argumentando nos termos que se transcrevem: 

       “4.2. (In)Admissibilidade do recurso por extemporaneidade.

       O recorrente foi notificado do acórdão recorrido, na pessoa do seu mandatário, por ofício datado de 13.10.2016, via postal registado.

       Nos termos do art. 113º, nº 2, do CPP, e conforme Jurisprudência pacífica deste Venerando Tribunal, tem-se por notificado o arguido em 18.10.2016.

       Sendo certo que o recorrente enviou a respectiva motivação e conclusões de recurso por email, certo é também que não cumpriu os comandos impressos nos arts. 150º, nºs 1, al. d) e 2, do CPC e na Portaria 642/2004, aplicável por força do art. 4º do CPP, nem a jurisprudência fixada por este STJ, pelo Ac. 3/2014, de 06.03.2014, in DR, 1ª Série, nº 74 de 15.04.2014.

       Dando aqui por inteiramente reproduzida a fundamentação do despacho proferido pelo Sr. Juiz no Tribunal de 1ª instância, a fls. 872 e 873, concluímos que o Ilustre mandatário subscritor do pedido de interposição do recurso para este STJ não assinou digitalmente o pedido de entrada do recurso, que não subscreveu digitalmente, também, nem validou cronologicamente o envio daquele email, pelo que não existe MDDE, nem assinatura electrónica certificada (fls. 975 e segs.).

       Haverá, então, que atentar à data de entrada do recurso no Tribunal da Relação de …, devidamente comprovado pelo carimbo de entrada respectivo (fs. 1010), ou seja a 22.11.2016.

       O prazo para interposição do recurso terminava a 17.11.2016 e, com os três dias a que se reporta o disposto no art. 107º, do CPP, a 21.02.2016.

       É extemporâneo o recurso ora sub judice, pelo que deve ser liminarmente rejeitado”. 


   Apreciando.


     Como resulta do § 4.º do texto citado, o parecer invoca, ao jeito de recopilação, a fundamentação constante do despacho do Juiz da primeira instância de fls. 872/3, datado de 14-04-2016, proferido a propósito da tempestividade do recurso da sentença da primeira instância interposto pelo arguido para o Tribunal da Relação de …, estando em causa reclamação por pagamento de multa por falta de assinatura digital e de validação cronológica do envio da mensagem, sendo convocado o regime do artigo 10.º da Portaria n.º 642/2004, de 16-06 e do artigo 4.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, tendo sido entendido valer a data de entrada na secretaria judicial, fixada nos carimbos apostos em 9-03-2016, e assim julgada improcedente a reclamação.

       Tal despacho foi proferido em diversa ambiência e contexto outro, até porque salvaguardada/ressalvada a tempestividade da impugnação pelo pagamento de redentora multa, ao abrigo do disposto no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 107.º, n.º 5, do CPP.


    Concretizando.


    Através do emailfm@ferreiramorais.com, o Ilustre Mandatário do recorrente AA enviou ao Tribunal da Relação de …, por meio de correio electrónico, cópia em formato PDF do requerimento de recurso interposto para este Supremo Tribunal e respectiva motivação, do qual consta uma assinatura não certificada electronicamente, e como data de envio, 17-11-2016 (cfr. fls. 975 a 1008).

      Por carta registada expedida em 21-11-2016 (cfr. fls. 1043) e entrada em juízo em 22-11-2016 (cfr. fls. 1010), o Ilustre Mandatário do recorrente juntou aos autos o original do requerimento de recurso interposto para este Supremo Tribunal e respectiva motivação, por este assinado manualmente (cfr. fls. 1009 a 1042).

      A 13-12-2016 o Tribunal da Relação de … proferiu despacho de admissibilidade do recurso “relativo à parte cível” para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 1046 a 1047).

     O demandante civil Instituto de Segurança Social, I. P. e o Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de …, notificados da admissão do recurso, não apresentaram contra-alegações de recurso.


      Da consulta dos dados constantes dos presentes autos e da consulta efectuada no sistema Citius, resultam demonstrados os seguintes elementos de facto, com relevo para apreciar a questão prévia suscitada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, versando a extemporaneidade do recurso interposto pelo recorrente arguido/demandado AA:

1) O recorrente AA foi notificado na pessoa do seu Ilustre Mandatário do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de …, por carta registada enviada no dia 13 de Outubro de 2016 (cfr. fls. 959);

2) Através do emailfm@ferreiramorais.com, o Ilustre Mandatário do recorrente AA enviou ao Tribunal da Relação de …, por meio de correio electrónico, cópia em formato PDF do requerimento de recurso interposto para este Supremo Tribunal e respectivas alegações, do qual consta uma assinatura não certificada electronicamente e como data de envio o dia 17 de Novembro de 2016 – 12:53 (cfr. fls. 975);

3) A mensagem de correio electrónico referida em 2) foi recebida no Tribunal da Relação de … no dia 17 de Novembro de 2016 (cfr. data certificada no sistema Citius);

4) Por carta registada expedida em 21 de Novembro de 2016 – 16:37:33 (cfr. fls. 1043) e entrada no Tribunal da Relação de … em 22 de Novembro de 2016, conforme carimbo aposto a fls. 1010, o Ilustre Mandatário do recorrente AA juntou aos autos o original do requerimento de recurso interposto para este Supremo Tribunal e respectivas alegações, por este assinado manualmente.


       Posto isto, face a estes dados factuais, cumpre apreciar da tempestividade do recurso interposto pelo recorrente AA, ora questionado pelo Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça.


     Sobre “Regras gerais sobre notificações” estatui o artigo 113.º do Código de Processo Penal:

      

    11 - As notificações ao advogado ou ao defensor nomeado, quando outra forma não resultar da lei, são feitas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 1, ou por telecópia.

      

    (Anteriormente a 2013 a mesma regra constava do n.º 8, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, cujo texto dizia:

“8 - As notificações ao advogado ou ao defensor nomeado, quando outra forma não resultar da lei, são feitas nos termos do n.º 1, alíneas a), b) e c), ou por telecópia”.

        Este texto passou a constar do n.º 10, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro.

       A Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, entrada em vigor em 24-03-2013, deu nova redacção ao n.º 5, passando os anteriores n.ºs 5 a 12 aos actuais n.ºs 6 a 13, respectivamente).


      O recorrente foi notificado do acórdão ora recorrido, na pessoa do seu Ilustre Mandatário, por carta registada expedida em 13 de Outubro de 2016 (fls. 959), que foi quinta-feira.


       Dispõe o artigo 113.º, n.º 2, do CPP (redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro Diário da República –I Série-A, n.º 288, de 15 de Dezembro de 2000, na sequência da Lei de autorização n.º 27-A/2000, de 17 de Novembro e rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 9-F/2001, Diário da República, 2.º Suplemento, de 31 de Março de 2001):

       2 - Quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3.º dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação.


       Na redacção anterior dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1999 e que republicou o CPP, constava:

       “ 2 - Quando efectuadas por via postal, as notificações presumem-se feitas no 3.º ou no 4.º dia útil posterior ao do envio, consoante haja ou não registo, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação”.


      Como é sabido, tem havido divergências na interpretação do que seja o terceiro dia útil para efeitos processuais penais, porquanto, segundo uma corrente (que se crê ser maioritária), todos os dias terão que ser úteis, mas segundo outra corrente, que adopta uma interpretação mais próxima da redacção da norma do Código de Processo Civil constante do anterior artigo 254.º e do actual artigo 249.º, n.º 1, do NCPC (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), o chamado terceiro dia útil quer significar o dia útil imediato posterior ao terceiro dia do registo, quando este não seja útil.

 

      Seguindo esta última corrente, decidiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-05-2003, no processo n.º 4403/02, da 3.ª Secção: 

   “I - A referência feita pelo art. 113.º, n.º 2, do CPP (redacção do DL n.º 320-C/2000, de 15-12), ao “3.º dia útil posterior ao do envio” não comporta uma interpretação no sentido de todos os três dias serem úteis, mas, sim, que o último dia dos três tem de ser útil, ou seja tem de ser dia em que normalmente haja distribuição de correio, por outras palavras, que não seja sábado, domingo ou feriado.

    II - Repare-se que a referência aos três dias, devendo, no entanto, o último ser útil, não expressa uma certeza de distribuição, assumindo, no próprio dizer da lei, a natureza de uma presunção ilidível.

    III - Realidade diferente é aquela que resulta do n.º 5 do art. 145.º do CPC, mandado aplicar ao processo penal pelo n.º 5 do art. 107.º do CPP. Aqui os três dias são úteis, tanto assim que a taxa de justiça varia, consoante o acto for praticado no primeiro, no segundo ou no terceiro dia. (…)”


      Em sentido contrário, seguindo a corrente que se tem por maioritária no sentido de que todos os três dias terão que ser úteis, pode ver-se o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-04-2008, processo n.º 2030/07 - 5.ª Secção:

     “III - Tem havido divergências na interpretação do que seja o terceiro dia útil para efeitos processuais penais, dizendo o art. 113.º, n.º 2, do CPP: «Quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3.º dia útil posterior ao do envio (…)» – redacção algo diferente da fixada no art. 254.º do CPC: «A notificação presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja».

    IV - Segundo uma corrente (talvez maioritária), todos os dias terão que ser úteis; segundo outra, o chamado terceiro dia útil quer significar o dia útil imediato posterior ao terceiro dia do registo, quando este não seja útil. Ou seja, uma interpretação mais próxima da redacção da norma do CPC.

    V - Perante estas duas posições, por qual optar? Mesmo a entender-se que todos os dias de contagem devem ser úteis, o certo é que essa interpretação mais alargada obedece a um princípio de favorecimento dos sujeitos processuais em processo penal. Ora, se o sujeito processual interessado (no caso, o menor), a quem o prazo estabelecido por lei aproveita, alega que foi notificado no dia útil seguinte ao fim de semana (primeiro dia útil a seguir ao terceiro – não útil – posterior ao registo), não se vê como tal facto não deva relevar para efeitos de contagem do prazo para se considerar transitada em julgado a decisão. Aliás, a presunção pode ser elidida por prova em contrário.

    VI - Por outro lado, havendo a referida divergência de interpretações, deve aqui ser adoptado o critério mais favorável ao recorrente, ao menos em nome do princípio da favorabilia amplianda.(…)”


Extrai-se do acórdão de 27-11-2008, proferido no processo n.º 2808/08, da 5.ª Secção, onde igualmente se computam três dias úteis, sendo o recurso rejeitado por ultrapassado o prazo geral de 10 dias:

      Conforme dispõe o art. 113.º, n.º 2, do CPP, nos casos de notificação por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia útil posterior ao do envio. Esta norma tem sido objecto de interpretações diversas, uma considerando que a notificação se presume feita no terceiro dia ou no primeiro dia útil seguinte quando não seja útil o terceiro dia, tal como sucede com o art. 254.º, n.º 2, do CPC, outra, apoiada na redacção diferente relativamente à deste último Código, que entende que a presunção de notificação só opera decorridos que sejam três dias úteis. De harmonia com esta última interpretação, a notificação ao defensor do arguido ocorreu em 09-04-2008.

       Uma vez que a decisão de que se recorre foi proferida pela Relação em recurso e aplicou uma pena de 4 meses e 15 dias de prisão que substituiu por multa, isto é, aplicou pena não privativa de liberdade, dela não pode haver recurso para o STJ, conforme dispõe o art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP. Por isso, tal decisão transita decorrido que seja o prazo para arguição de qualquer nulidade do acórdão ou para recurso para o TC, se houver motivo para recorrer quanto à constitucionalidade.

      De harmonia com o disposto no art. 105.º, n.º 1, do CPP, e ressalvada disposição legal em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer acto processual; deste modo, os sujeitos processuais dispunham de 10 dias para arguir alguma nulidade do acórdão, sendo o mesmo o prazo para recorrer para o TC, conforme estabelece o art. 75.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15-11).

      Nada tendo sido feito, a decisão transitou em julgado no dia seguinte ao do fim desse prazo, ou seja, em 22-04-2008.


     Seguindo tal entendimento na contagem dos 3 dias como úteis, entre outros, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-04-2012, proferido no processo n.º 1/00.9TELSB-CA.C1-C.S1, da 3.ª Secção, onde se decidiu: 

     “V - Na situação dos autos, mesmo a considerar relevante a data de notificação do acórdão de 28-09-2011, o trânsito ocorreria decorridos 10 dias sobre o 3.º dia útil seguinte à data de expedição postal registada, ou seja, tendo esta ocorrido em 29-09-2011, presumia-se notificado a 04-10-2011 (3.º dia útil seguinte), transitando a 14-11-2011. Assim, a interposição do recurso efectuada em 07-02-2012 excede o prazo referido, sendo, por isso, intempestiva, o que dita a sua rejeição nos termos do art. 411.º, n.º 1, do CPP.”

      Segundo o acórdão deste Supremo Tribunal de 3-10-2013, proferido no processo n.º 45/10.2GGBJA.E2.S1, da 5.ª Secção:

     “Para efeitos de notificação, se o acórdão recorrido foi enviado, em 08-05-2013, por via postal registada, para o escritório da defensora do arguido recorrente, a notificação presume-se efectuada nos termos do art. 113.º, n.º 2, do CPP, no dia 13-05-2013.

      É que, não obstante tivesse sido devolvida a carta em questão, porque não reclamada pela destinatária, a notificação não deixou de produzir os seus efeitos (art. 254.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi art. 4.º CPP).

     Assim, tendo o recurso sido enviado, por via electrónica, em 12-06-2013, pelas 17h17, e registado na secretaria em 13-06-2013, há que concluir que o mesmo foi tempestivamente interposto (art. 411.º, n.º 1, do CPP)”.

      [Anota-se que o dia 8-05-2013 foi quarta feira e o dia 13, segunda feira, tendo sido computados os dias úteis 9 (quinta feira), 10 (sexta feira) e 13, pois 11 e 12 foram sábado e domingo].

     Também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-01-2015, proferido no processo n.º 7/14.0.SFGRD.C1-A.S1, da 3.ª Secção, se seguiu tal entendimento ao decidir:

    “III - Analisando o caso dos autos, o recurso não é tempestivo. O acórdão recorrido foi proferido em 08-10-2014, e notificado ao arguido por via postal em 10-10-2014, devendo considerar-se o arguido notificado em 15-10-2014, 3.º dia útil após a remessa da notificação postal. Sendo insuscetível de recurso ordinário, o acórdão transitou 10 dias depois, ou seja, em 27-10-2014.

      IV - Ora, a petição de recurso deu entrada no Tribunal da Relação em 22-10-2014, via email, e foi registada na secretaria no dia seguinte. Consequentemente, o recurso foi interposto antes de iniciado o prazo para o efeito, pelo que é intempestivo, devendo, assim, ser rejeitado.”


    Igualmente no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-11-2016, no processo n.º 2/15.2PJSNT.L1-B.S1 (recurso extraordinário para fixação de jurisprudência), da 5.ª Secção, foi decidido:

    I - O acórdão recorrido foi proferido em 18-05-2016, tendo sido notificado ao requerente, por via postal registada, expedida no dia 19-05-2016, presumindo-se feita no 3.º dia útil posterior ao do envio, ou seja, 24-05-2016. Como não era admissível recurso ordinário, o acórdão recorrido transitou decorridos 10 dias (prazo geral para pedir a respectiva aclaração, arguir nulidade ou recorrer para o TC). Motivo pelo qual, aquando da interposição do presente recurso, já tinha decorrido o prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado do acórdão, para interposição do mesmo.

      [Anota-se que o dia 19-05-2016 foi quinta feira e o dia 24, terça feira – 21 e 22 foram sábado e domingo]. 


     Seguindo tal entendimento maioritário, que, aliás, é o seguido nas Secções Criminais deste Supremo Tribunal no cômputo dos prazos a ter em conta, maxime, para saber se há ou não lugar a multa, forçoso é considerar que o Exmo. Advogado do ora recorrente se presume notificado do acórdão do Tribunal da Relação de … no dia 18-10-2016, que foi terça-feira (correspondente ao 3.º dos 3 dias úteis subsequentes a 13-10-2016, que foi quinta feira), pelo que o prazo de 30 dias para interposição de recurso terminava, sem dúvida, no dia 17-11-2016.


    Posto isto, o Ilustre Mandatário do recorrente enviou, através do email , por meio de correio electrónico, cópia em formato PDF do requerimento de recurso interposto para este Supremo Tribunal e respectivas alegações, do qual consta uma assinatura não certificada electronicamente e como data de envio 17-11-2016.

      

    A questão que se coloca é a de saber se o procedimento adoptado foi o correcto, de sorte a conferir tempestividade ao acto.


    Analisando.


     Não existe no processo penal norma específica a regular a remessa a juízo de peças processuais.

     O Título IV – Da comunicação dos actos e da convocação para eles – do Livro II – Dos actos processuais –, do Código de Processo Penal, é integrado pelos artigos 111.º a 117.°, regendo apenas sobre a comunicação dos actos e da convocação para eles, nada estabelecendo relativamente a remessa a juízo de peças processuais.

     Como decorre do artigo 4.º do Código de Processo Penal, “Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal”.

      Pelo que, subsidiariamente, são aplicáveis ao processo penal as normas previstas no Código de Processo Civil que regulam a remessa a juízo de peças processuais.


    Evolução da comunicação dos actos, tendo em vista a adopção de novas tecnologias, mesmo fora do quadro do direito processual, civil ou penal, e que veio a conduzir à tramitação electrónica.


    O Decreto-Lei n.º 54/90, de 13 de Fevereiro de 1990, publicado no Diário da República – I Série, n.º 37, de 13-2-1990, introduziu alguns ajustamentos ao Código de Registo Civil e aproveitou a oportunidade para legislar, em preceitos avulsos inseridos no diploma, em matéria de utilização de telecópia e de aplicação de informática no vasto domínio dos registos e do notariado.

    O artigo 3.º, n.º 1, estabelecia que “Os serviços de registos e notariado podem transmitir entre si documentos por meio de telecópia, nos mesmos termos em que deles podem extrair certidões, sendo reconhecida aos documentos emitidos a força probatória dos originais”.

    O artigo 4.º versava sobre a utilização de informática, podendo ser utilizada para o tratamento de dados relativos aos registos civil, predial, comercial, de automóveis, navios e aeronaves e ao notariado, dentro dos limites consentidos pelas disposições constitucionais e legais então em vigor.


    Entretanto, foi publicada a Lei n.º 12/91, de 21 de Maio de 1991 - Lei da Identificação Civil e Criminal (Diário da República - Série I-A, n.º 116/91, de 21 de Maio), que “sucedeu” ao Decreto-Lei n.º 33.725, de 21 de Junho de 1944.

    A lei previa o recurso a novas tecnologias, como no artigo 11.º, ao registo informático e o recurso aos serviços de informática do Ministério da Justiça, no artigo 12.º, n.º 2, ao acesso directo à informação civil, ao registo informático das pesquisas e tentativas de pesquisas directas de informação sobre identificação civil, no artigo 14.º, o recurso a meios informáticos no âmbito do ficheiro central, e outros, como os artigos 18.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 20.º e 42.º.

    De acordo com o n.º 1 do artigo 45.º a lei entraria em vigor com o decreto-lei que a regulamentasse, o que não aconteceu.

      Como se pode ler no preâmbulo do Decreto - Lei n.º 381/98, de 27 de Novembro (Diário da RepúblicaI Série-A, n.º 275, de 27-11-1998), que regulamentou e desenvolveu o regime jurídico da identificação criminal e de contumazes, aprovado pela Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, infra mencionado, após referir que o funcionamento do registo criminal encontrava-se até então regulado pelo Decreto-Lei n.º 39/83, de 25 de Janeiro, adiantava:

      “A Lei n.º 12/91, de 21 de Maio, pretendeu servir de quadro normativo de base regulador da matéria, mas manteve praticamente intocadas muitas das normas anteriores. Decorreram, porém, cerca de sete anos sem que este diploma entrasse em vigor, uma vez que tal dependia da publicação de decreto-lei que a regulamentasse, o que nunca veio a ocorrer”.


      Decorridos dois anos sobre a vigência do Decreto-Lei n.º 54/90, de 13 de Fevereiro, o Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro de 1992, publicado no Diário da República – I Série - A, n.º 49, de 27-2-1992, visou introduzir alguns ajustamentos à disciplina dos actos processuais, contribuindo para, através do recurso às novas tecnologias – no caso concreto a utilização da telecópia – desburocratizar e modernizar os serviços judiciais e facilitar o contacto destes com os respectivos utentes, permitindo o recurso à telecópia na transmissão de quaisquer mensagens entre serviços judiciais ou entre estes e os serviços públicos, estendendo-lhes o regime que o Decreto-Lei n.º 54/90, de 13 de Fevereiro, já havia instituído para os serviços dos registos e do notariado.


    Sob a epígrafe “Requisição de informações ou envio de documentos” estabelecia o


Artigo 1.º



    Pode efectuar-se por telecópia a transmissão de documentos, cartas precatórias e quaisquer solicitações, informações ou mensagens entre os serviços judiciais ou entre estes e outros serviços ou organismos dotados de equipamento de telecópia, aplicando- se, com as necessárias adaptações, o preceituado no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 54/90, de 13 de Fevereiro.


    O artigo 2.º versava sobre “Recurso à telecópia na prática de actos das partes ou intervenientes processuais”.


    A aplicação ao processo penal é expressamente consentida pelo


Artigo 3.º

Utilização da telecópia no âmbito do processo penal




 1 – O disposto nos artigos anteriores é também aplicável aos actos praticados em processos de natureza criminal, desde que se mostre compatível com a observância dos princípios do processo penal, designadamente do disposto no artigo 86.º do Código de Processo Penal.

  2 – A utilização da telecópia para acesso e transmissão de informação criminal ou do certificado de registo criminal, nos termos da Lei n.º 12/91, de 21 de Maio, pode ser conjugada com o uso de meios informáticos, observadas a garantias de segurança previstas na lei.


Estabelecia o


Artigo 4.º

Força probatória




    1 – As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respectivos duplicados e os demais documentos que os acompanhem, quando provenientes do aparelho com o número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário.

   2 – Tratando-se de actos praticados através do serviço público de telecópia, aplica-se o disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 54/90, de 13 de Fevereiro.

   3 – Os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contados do envio da telecópia, incorporando-se nos autos.

  4 – Incumbe às partes conservarem até ao trânsito em julgado da decisão os originais de quaisquer outras peças processuais ou documentos remetidos por telecópia, podendo o juiz, a todo o tempo, determinar a respectiva apresentação.

  5 – Não aproveita à parte o acto praticado através de telecópia quando aquela, apesar de notificada para exibir os originais, o não fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos ou o confronto a que alude o artigo 385.º do Código Civil.

 6 – A data que figura na telecópia recebida no tribunal fixa, até prova em contrário, o dia e hora em que a mensagem foi efectivamente recebida na secretaria judicial.


***



    O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 1997, proferido no recurso n.º 1316/96 da 3.ª Secção, versando crime de fraude na obtenção de subsídio, publicado na CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 200, entendeu não ser de rejeitar o recurso, por a motivação, feita por fax, não ter sido acompanhada, tempestivamente, do original dessa motivação.

     Abordando em sede de questão prévia a dúvida suscitada pela Exma. Magistrada do Ministério Público (também então), o acórdão versa o regime do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, aí se ponderando:

    “As telecópias gozam de presunção de autenticidade e exactidão, presunções só ilidíveis por prova em contrário, tendo uma força probatória igual à dos documentos autênticos (art.º 371.º do Código Civil), a qual só pode ser invalidada ou modificada por confronto com o original (artigo 385.º do Código Civil)”.

    Distingue “entre o regime aplicável aos articulados, em que há todo o interesse em demonstrar urgentemente a sua veracidade e exactidão, até por respeito ao princípio da celeridade processual, interesse que, relativamente às alegações de recurso, só nasce quando o juiz suspeita de anomalia que faça levantar a dúvida sobre a conformidade da telecópia com o original. No caso em apreço nada permite duvidar daquela conformidade. De resto, o recurso foi admitido ainda antes de junto o original da motivação; o que aconteceu por iniciativa da recorrente. Nada, por conseguinte, contra a admissibilidade do recurso da F., apresentado, como vimos, por telecópia em 7-10-1996, dando o respectivo original entrada na secretaria judicial em 22-10-1996”.


   O Decreto-Lei n.º 381/98, de 27 de Novembro de 1998, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 275, de 27 de Novembro de 1998, que regulamentou e desenvolveu o regime jurídico da identificação criminal e de contumazes, aprovado pela Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, previa no artigo 30.º a transmissão de documentos por telecópia, e no artigo 31.º, a transmissão de dados por via telemática.


    O uso de telecópia foi previsto na Lei n.º 33/99, de 18 de Maio (Diário da República, I Série-A, n.º 115, de 18 de Maio de 1999), que então regulava a identificação civil e a emissão do bilhete de identidade de cidadão nacional, no artigo 39.º, que dispunha sobre documentos recebidos por telecópia.

 

     O Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto (Diário da República, I Série-A, n.º 178, de 2 de Agosto de 1999), estabelece o regime jurídico que disciplina a validade, eficácia e valor probatório dos documentos electrónicos, a assinatura electrónica e a actividade de credenciação das entidades certificadoras.

 

     O diploma foi alterado pelos seguintes quatro Decretos-Leis.


    Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril (Diário da República, I Série-A, n.º 79, de 3 de Abril de 2003), que procurou compatibilizar o regime jurídico da assinatura digital, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a Directiva n.º 1999/93/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro, relativa a um quadro legal comunitário para as assinaturas electrónicas, que transpõe para a ordem jurídica interna.

     Altera vários preceitos, a epígrafe do capítulo II que passa a ser «Capítulo II -Assinaturas electrónicas qualificadas» e revoga o artigo 39.º.

     Republica em Anexo o Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto.


     Decreto-Lei n.º 165/2004, de 6 de Julho (Diário da República, I Série -A, n.º 157, de 6 de Julho de 2004), altera o artigo 29.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril.

    Decreto-Lei n.º 116-A/2006, de 16 de Junho (Diário da República, I Série - A, n.º 115, 2.º Suplemento, de 16 de Junho de 2006), procede à criação do Sistema de Certificação Electrónica do Estado – Infra - Estrutura de Chaves Públicas e designa a Autoridade Nacional de Segurança como autoridade credenciadora nacional, alterando pelo artigo 16.º o artigo 9.º, n.º 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 290-D/99, com a redacção do Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril e aditando pelo artigo 17.º ao mesmo diploma o artigo 40.º-A – Credenciação de entidades certificadoras públicas. [Alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril (Diário da República, I Série, n.º 70, de 9-04-2009)].

   Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril (Diário da República, I Série, n.º 70, de 9-04-2009), procede à 4.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, alterado pelos três diplomas citados, alterando os artigos 5.º, 28.º, 29.º, 38.º e 40.º e aditando os artigos 36.º-A, 36.º-B e 36.º-C, respeitantes a contra-ordenações, sanções e processo contra-ordenacional, e à 1.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 116-A/2006, de 16 de Junho, e procede à republicação de ambos os diplomas nos Anexo I e II.

     A Portaria n.º 1350/2004, de 23 de Outubro (Diário da República, I Série-B, n.º 250, de 23-10-2004), ao abrigo do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, fixou os termos a que obedece o registo das entidades certificadoras que emitem certificados qualificados.

       Revogada pela Portaria a seguir indicada.


    A Portaria n.º 597/2009, de 4 de Junho (Diário da República, I Série, n.º 108, de 4 de Junho) – na sequência do Decreto-Lei n.º 116-A/2006, de 16 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril, e da alínea j) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 170/2007, de 3 de Maio, estabeleceu os termos a que obedece o registo das entidades certificadoras que emitem certificados qualificados, nos termos do Decreto -Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto.

       Revoga a Portaria n.º 1350/2004, de 23 de Outubro.


   O artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto de 1999, previa a regulamentação no prazo de 150 dias, o que veio a ocorrer mais tarde.

      Decreto Regulamentar n.º 25/2004, de 15 de Julho (Diário da República, I Série -B, n.º 165, de 15 de Julho de 2004), regulamenta o Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção do Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril.

     O diploma visa aprovar as regras técnicas e de segurança exigíveis às entidades certificadoras que emitem certificados qualificados, regulamentando ainda alguns aspectos específicos relacionados com a credenciação das entidades certificadoras.

      Do diploma constam as regras técnicas e de segurança aplicáveis às entidades certificadoras estabelecidas em Portugal, na emissão de certificados qualificados destinados ao público.

    O Decreto-Lei n.º 461/99, de 5 de Novembro de 1999 (Diário da República, I Série-A, n.º 258/99, de 5 de Novembro de 1999), regulava a transmissão e recepção de documentos por telecópia nos serviços dos registos e do notariado.

      Revogou o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 54/90, de 13 de Fevereiro.

      Foi revogado pelo artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 66/2005, de 15 de Março.

   

     O Decreto-Lei n.º 66/2005, de 15 de Março, no Diário da República, I Série - A, n.º 52, de 15 de Março de 2005, arranca dos pressupostos definidos pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 95/2003, de 30 de Julho, de acordo com a qual a reforma da Administração Pública visava, entre outros objectivos gerais, uma ampla e racional utilização das tecnologias da informação, articulando-se com o Plano de Acção para o Governo Electrónico, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 108/2003, de 12 de Agosto, na orientação dos serviços públicos para o cidadão, e na potenciação das tecnologias de informação e comunicação como forma de modernizar e aumentar a eficiência da Administração Pública e com o Serviço Público Directo (Resolução do Conselho de Ministros n.º 156/2000, de 16 de Novembro e Decreto-Lei n.º 12/2001, de 25 de Janeiro) e mesmo ao Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março (Diário da República – I Série - A, n.º 61, de 13 de Março, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 5-H/2000, Diário da República, 2.º Suplemento, de 31-03-2000) no que respeita a autenticação de fotocópias pelos advogados e solicitadores.


     Do preâmbulo realça-se o seguinte parágrafo: 

     “Com vista à salvaguarda da respectiva força probatória consagram-se diversos formalismos de autenticação e regras de arquivo dos documentos transmitidos e recebidos por telecópia e por via electrónica por parte das diversas entidades competentes para o efeito, destacando-se, quanto aos formalismos, a necessidade de publicitação por via oficial do equipamento de telecópia e do endereço de correio electrónico privados usados na recepção dos documentos pelos advogados e solicitadores ou a necessidade de aposição de assinatura electrónica avançada nos documentos transmitidos por via electrónica”.


    De acordo com o artigo 1.º o objecto do diploma é regular a transmissão e recepção por telecópia e por via electrónica pelos serviços registrais, cartórios notariais e outros serviços, bem como a recepção pelas mesmas vias por advogados e solicitadores, de documentos com valor de certidão respeitantes aos arquivos dos serviços registrais e cartórios notarias ou destinados à instrução de actos ou processos dos registos e do notariado ou a arquivo nos respectivos serviços.

       O artigo 7.º versava sobre o valor probatório de documentos transmitidos por telecópia.

       Revoga pelo artigo 12.º o Decreto-Lei n.º 461/99, de 5 de Novembro.


     No domínio do processo penal, há que ter em conta, como já assinalado, a introdução do uso de telecópia, introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto e 1988, no n.º 8 do artigo 113.º, cujo texto dizia:

“8 - As notificações ao advogado ou ao defensor nomeado, quando outra forma não resultar da lei, são feitas nos termos do n.º 1, alíneas a), b) e c), ou por telecópia”.

   Seguiu-se o Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro de 2000, diploma que visou o combate à morosidade da justiça, in Diário da República – I Série-A, n.º 288, de 15 de Dezembro de 2000, emergindo da Lei de autorização n.º 27-A/2000, de 17 de Novembro e rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 9-F/2001, Diário da República, 2.º Suplemento, de 31 de Março de 2001.

     O diploma pretendeu ajustar o CPP a uma das prioridades da política da justiça, a saber, o combate à morosidade processual, tendo entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2001, conforme o disposto no artigo 4.º.

     Como consta do preâmbulo (no último parágrafo da 2.ª coluna, a págs. 7342 - (18), do citado Diário da República - I Série-A, n.º 288, de 15 de Dezembro de 2000, expunha-se:

     “A introdução nos tribunais de equipamentos técnicos que permitem o recurso a meios de telecomunicação em tempo real, nomeadamente a teleconferência, possibilita a previsão da tomada de declarações ao assistente, às partes civis, às testemunhas, aos peritos ou consultores técnicos, residentes noutra comarca, através da utilização dessa tecnologia, a ser solicitada ao juiz dessa comarca, evitando-se a deslocação das referidas pessoas, que tem frequentemente sido a causa da falta de comparência das mesmas, e ainda o recurso a teleconferência para ouvir os peritos ou consultores técnicos, nos próprios locais de trabalho, sempre que estes disponham destes meios”.


   Assim, foi alterado o       


Artigo 318.º

(Residentes fora da comarca)




1 – Excepcionalmente, a tomada de declarações ao assistente, às partes civis, às testemunhas, a peritos ou a consultores técnicos pode, oficiosamente ou a requerimento, não ser prestada presencialmente, podendo ser solicitada pelo presidente ao juiz de outra comarca, por meio adequado de comunicação, nos termos do artigo 111.º, se:

a) …….……………………………………………………………………………… 

b) …………………………………………………………………………………….

c) …………………………………………………………………………………….

2 – ………………………………………………………………………………………...

3 – ………………………………………………………………………………………...

4 – ………………………………………………………………………………………...

5 – A tomada de declarações realiza-se em simultâneo com a audiência de julgamento, com recurso a meios de telecomunicação em tempo real.

6 – ………………………………………………………………………………………...

7 – ………………………………………………………………………………………..


       Na alínea c) do n.º 3 do artigo 111.º (Comunicação dos actos processuais) prevê-se o uso de telecópia, correio electrónico ou qualquer outro meio de telecomunicações, como meio de comunicação entre serviços de justiça e entre as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal, quando estiver em causa um pedido de notificação ou qualquer outro tipo de transmissão de mensagens.


    Vejamos a evolução das soluções de comunicação de actos e tramitação do processo com recurso às novas tecnologias, no domínio do Código de Processo Civil


    Começando pela Reforma do Código de Processo Civil de 1995/1996

      

     Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro de 1995 (Diário da República, I Série-A, n.º 285/95, Suplemento, de 12-12-1995) e Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro (Diário da República, I Série-A, n.º 223/96, de 25-09-1996)


     Pode ler-se no preâmbulo do segundo diploma:

     “Reconhecendo a relevância que crescentemente deve ser atribuída às modernas tecnologias, prevê-se de forma expressa a prática de actos processuais através de meios telemáticos, bem como o acesso ao processo, pelos mandatários judiciais, através de consulta de ficheiros informáticos existentes nas secretarias”, o que é vertido nos artigos 138.º, n.º 5, 150.º, n.º 3 e 167.º, n.º 4.

 


Artigo 138.º

Forma dos actos



   5 – É permitido o uso de meios informáticos no tratamento e execução de quaisquer actos ou peças processuais, desde que se mostrem respeitadas as regras referentes à protecção de dados pessoais e se faça menção desse uso.



Artigo 150.º

Entrega ou remessa a juízo das peças processuais



  3 – Podem ainda as partes praticar actos processuais através de telecópia ou por meios telemáticos, nos termos previstos em diploma regulamentar.



Artigo 167.º

Publicidade do processo



  4 – Os mandatários judiciais poderão ainda obter informação sobre o estado dos processos em que intervenham, através de acesso aos ficheiros informáticos existentes nas secretarias, nos termos previstos no respectivo diploma regulamentar.


    Versando a formulação inicial do artigo 150.º do Código de Processo Civil, o Assento n.º 2/2000, de 9 de Dezembro de 1999, publicado no Diário da República, I Série - A, de 7 de Fevereiro de 2000, fixou jurisprudência neste sentido:

   “O n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo Civil é aplicável em processo penal, por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal”.

      

    Mais tarde, o Assento n.º 1/2001, de 8 de Março de 2001, publicado no Diário da República, I Série - A, de 20 de Abril de 2001, fez aplicação do assento anterior em processo contraordenacional.

    Com interesse para a matéria, seguiu-se a alteração introduzida pelo

 

    Decreto - Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto (Diário da República, I Série-A, n.º 184, de 10 de Agosto de 2000. Rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 7-P/2000, Diário da República – I Série-A, de 31de Agosto de 2000, n.º 201, 2.º Suplemento, e pela Declaração de Rectificação n.º 11-A/2000, Diário da República – I Série -A, n.º 227, Suplemento, de 30 de Setembro de 2000).

    O diploma entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2001 (artigo 8.º), exactamente no dia em que entrou em vigor a alteração ao Código de Processo Penal, feita pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro (artigo 4.º).

      Procurando combater a morosidade processual, consta do preâmbulo:

     “Relativamente à prática dos actos processuais pelas partes, prevê-se a apresentação dos articulados e alegações ou contra-alegações escritas em suporte digital, acompanhados de um exemplar em suporte de papel, que valerá como cópia de segurança e certificação contra adulterações introduzidas no texto digitalizado e dos documentos que não estejam digitalizados.

     As partes poderão ainda praticar os referidos actos através de telecópia ou por correio electrónico, valendo como data da prática do mesmo a da sua expedição, que será possível mesmo fora do horário de funcionamento dos tribunais, prevendo-se no entanto a obrigatoriedade de envio, no prazo de cinco dias, do suporte digital ou da cópia de segurança, respectivamente, acompanhados dos documentos que não tenham sido enviados”.


     No que por ora interessa, vejamos as alterações aos artigos 143.º, 150.º e 152.º e o novo artigo 260.º-A, sublinhando-se na parte ora em foco.



Artigo 143.º

Quando se praticam os actos



1 – ……………………………………………………………………………………...…

2 – ………………………………………………………………………………………...

3 – ………………………………………………………………………………………...

4 – As partes podem praticar os actos processuais através de telecópia ou por correio electrónico, em qualquer dia e independentemente da hora de abertura e do encerramento dos tribunais.



Artigo 150.º

Entrega ou remessa a juízo das peças processuais    



  1 – Os articulados, as alegações e as contra-alegações de recurso escritas devem ser apresentados em suporte digital, acompanhados de um exemplar em suporte de papel, que valerá como cópia de segurança e certificação contra adulterações introduzidas no texto digitalizado e dos documentos juntos pelas partes que não estejam digitalizados; quaisquer outros actos que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo podem igualmente ser apresentados em suporte digital.

   2 – Os articulados, requerimentos, respostas e as peças referentes a quaisquer actos que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo podem ser:

     a) Entregues na secretaria judicial, sendo exigida a prova da identidade dos apresentantes não conhecidos em tribunal e, a solicitação destes, passado recibo de entrega;

    b) Remetidos pelo correio, sob registo, valendo neste último caso como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal;

    c) Enviados através de telecópia ou por correio electrónico, sendo neste último caso necessária a aposição da assinatura digital do seu signatário, valendo como data da prática do acto processual a da sua expedição.

 3 – Quando as partes praticarem os actos processuais através de telecópia ou correio eletrónico, remeterão ao tribunal no prazo de cinco dias, respectivamente, o suporte digital ou a cópia de segurança, acompanhados dos documentos que não tenham sido enviados.

 4 – Quando a prática de um acto processual exija, nos termos do Código das Custas Judiciais, o pagamento de taxa de justiça inicial ou subsequente, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos.

 5 – Sem prejuízo das disposições legais relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no número anterior não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nas disposições relativas a custas judiciais.



Artigo 152.º

Exigência de duplicados



1 – ………………………………………………………………………………….……..

2 – ……………………………………………………………………………………...…

3 – ……………………………………………………………………………………...…

4 – ………………………………………………………………………………………...

5 – ………………………………………………………………………………………...

6 – A parte que apresente o articulado, o requerimento, a resposta, a alegação ou contra-alegação escrita ou a peça referente a quaisquer actos em suporte digital acompanhado da cópia de segurança ou que os envie através de correio electrónico fica dispensada de oferecer os duplicados, devendo a secretaria extrair tantos exemplares quantos os duplicados previstos nos números anteriores.



Artigo 260.º-A

Notificações entre os mandatários



1 – As notificações entre os mandatários judiciais das partes, nos termos do n.º 1 do artigo 229.º-A, são realizadas por todos os meios legalmente admissíveis para a prática dos actos processuais, aplicando-se o disposto nos artigos 150.º e 152.º

2 – …………………………………………………………………………….…………..

3 – ……………………………………………………………………………...…………

 

    Nas disposições finais e transitórias, no artigo 7.º, n.º 1, estabeleceu-se que o regime previsto nos n.ºs 1 a 3 [rectificado, e não, n.º 4] do artigo 150.º entrava em vigor no dia 1 de Janeiro de 2003, podendo as partes dele prevalecer-se desde o dia 1 de Janeiro de 2001.


    A apresentação em suporte digital dos articulados, alegações e contra-alegações de recurso escritas passou a ser obrigatória a partir de 1 de Janeiro de 2003, mas a parte final do n.º 1 do artigo 7.º admitiu que as partes se pudessem prevalecer do novo regime a partir de 1 de Janeiro de 2001, importando regulamentar desde logo aspectos técnicos decorrentes da inovação.

 

     E assim surgiu a Portaria n.º 1178-E/2000, de 15 de Dezembro (Diário da República, I Série - B, n.º 288, 3.º Suplemento, de 15-12-2000), regulamentando os aspectos técnicos decorrentes da inovação, determinando que as peças processuais a apresentar em suporte digital deviam sê-lo em disquette de 3,5” ou em CD-ROM, nestes termos:

   1.º As peças processuais a apresentar em suporte digital devem sê-lo em disquete de 3,5 ou em CD-ROM.

   2.º Cada suporte digital, exteriormente identificado, deve conter apenas uma peça processual.

   3.º Quando os actos processuais forem praticados através de correio electrónico é necessária a aposição da assinatura digital do signatário, certificada por uma entidade credenciada e com os requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto.

    4.º Nos casos referidos nos números anteriores os respectivos ficheiros devem ser apresentados no formato Rich Text Format (RTF).


   Esta Portaria, na sequência das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, nos artigos 150.º, n.º 2 e 254.º, n.º 2, veio a ser revogada pelo artigo 9.º da Portaria n.º 337-A/2004, de 31 de Março, infra mencionada.


   A Lei n.º 30-D/2000, de 20 de Dezembro, alterou o Decreto-Lei n.º 183/2000, aditando ao artigo 150.º, o n.º 6:

    6 – O disposto na primeira parte do n.º 1 não é exigível aos casos em que as partes não tenham constituído mandatário, por o patrocínio judiciário não ser obrigatório.

 

    O Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março (Diário da República, I Série - A, n.º 57, de 8-03-2003, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 5-C/2003, Diário da República – I Série-A, n.º 100, 3.º Suplemento, de 30 de Abril de 2003) - que no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 23/2002, de 21 de Agosto, alterou o Código de Processo Civil (alterações, aditamento e revogação), o Código Civil, o Código do Registo Predial, o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, o Código de Procedimento e de Processo Tributário, o Código de Processo do Trabalho, o Código dos Valores Mobiliários, o Código Penal (aditando o artigo 227.º-A – Frustração de créditos), a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, a Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto e o Código de Custas Judiciais, republicando o título II do livro III (alterando o regime jurídico da acção executiva) - não alterou nenhum dos preceitos ora em análise, v. g., artigos 143.º, 150.º, 152.º, 254.º, 260.º-A.

  O Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro de 2003 (Diário da República, I Série-A, n.º 298, de 27 de Dezembro), procedeu à revisão das custas judiciais, alterando e aditando o Código das Custas Judiciais, revogando os n.º 1 e 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10-08, alterando, pelo artigo 5.º, e aditando, pelo artigo 6.º, o CPC, e alterando pelo artigo 7.º, os artigos 101.º, n.º 2 e n.ºs 1 e 2 do artigo 519.º do CPP (ambos relacionados com custas).

     No que ora interessa, pelo artigo 5.º, foram alterados os artigos 150.º, 152.º (n.ºs 6, 7 e 8), 229.º-A (n.º 2), 254.º (n.ºs 2 e 5) e 260.ºA (introduzindo nova redacção ao n.º 3, passando o anterior n.º 3 para n.º 4) do Código de Processo Civil, com início de vigência em 1-01-2004, conforme artigo 16.º, n.º 1, com a excepção do n. 3, adante indicada.

     Esclarece-se no preâmbulo: “simultaneamente, e à margem da revisão do Código das Custas Judiciais, clarifica-se o regime do envio e do suporte das peças processuais, previsto no artigo 150.º do Código de Processo Civil, cuja aplicação e utilidade práticas têm vindo a suscitar inúmeras dúvidas, designadamente no que respeita à utilização do suporte digital e do correio electrónico, instituindo-se um normativo susceptível de acarretar vantagens e benefícios para todos os operadores judiciários. Assim, numa clara e efectiva aposta nas novas tecnologias, fomenta-se, mediante a consagração de uma redução da taxa de justiça devida e sem que sejam criados quaisquer factores de exclusão, a utilização do correio electrónico. Ao mesmo tempo, confere-se ao suporte digital uma relevância prática adequada à utilidade que o mesmo efectivamente comporta, eliminando-se factores geradores de desperdício de meios materiais e humanos”   



Artigo 150.º

Apresentação a juízo dos actos processuais



1 – Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por uma das seguintes formas:

    a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva entrega;

    b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal;

    c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto processual a da expedição;

    d) Envio através de correio electrónico, com aposição da assinatura electrónica avançada, valendo como data da prática do acto processual a da expedição, devidamente certificada;

   e) Envio através de outro meio de transmissão electrónica de dados.

2 – Os termos a que deve obedecer o envio através dos meios previstos nas alíneas d) e e) do número anterior são definidos por portaria do Ministro da Justiça.

 3 – A parte que proceda à apresentação de acto processual através dos meios previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 remete a tribunal, no prazo de cinco dias, todos os documentos que devam acompanhar a peça processual.

4 – Tratando-se da apresentação de petição inicial, o prazo referido no número anterior consta-se a partir da data da respectiva distribuição.

 5 – (Revogado.)

 6 – (Revogado.)



Artigo 152.º


6 – O disposto nos números anteriores não prejudica o dever de as partes representadas por mandatário facultarem ao tribunal, sempre que o juiz o solicite, um ficheiro informático contendo as peças processuais escritas apresentadas pela parte em suporte de papel.

7 – A parte que proceda à apresentação de peça processual através de correio electrónico ou outro meio de transmissão electrónica de dados fica dispensada de oferecer os duplicados ou cópias, devendo a secretaria extrair tantos exemplares quantos os duplicados previstos nos números anteriores.

8 – A dispensa prevista no número anterior não é, porém, aplicável aos documentos, cujas cópias são sempre oferecidas pela parte que os apresenta.



Artigo 229.º-A


1 – ……………………………………………………………………………………..…

2 – O mandatário judicial que só assuma o patrocínio na pendência do processo indicará o seu domicílio profissional e, se for o caso, o respectivo endereço de correio electrónico ao mandatário judicial da contraparte.



Artigo 254.º

Formalidades



1 – ……...….…………………………………………………………………..………….

2 – Os mandatários das partes que pratiquem os actos processuais pelo meio previsto nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 150.º são notificados por correio electrónico com aposição de assinatura electrónica avançada, em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça.

3 – (Anterior n.º 2.)

4 – (Anterior n.º 3.)

5 – A notificação por correio electrónico presume-se feita na data da expedição, devidamente certificada.

6 – (Anterior n.º 4.)


    Segundo o artigo 16.º, o regime previsto no n.º 2 deste artigo 254.º entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2004, estando o início de vigência do diploma previsto para 1 de Janeiro de 2004.



Artigo 260.º-A

Notificações entre os mandatários



1 – ………………………………………………………………………………………..

2 – ……………………………………………………………….………………………..

3 – Nos casos em que o mandatário da contraparte haja praticados actos processuais pelos meios previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 150.º, a notificação pode efectuar-se mediante o envio simultâneo do acto processual, através do correio electrónico, para o tribunal e para o endereço electrónico daquele, ficando dispensada a junção aos autos do documento a que se refere o número anterior.

4 – (Anterior n.º 3.)

 

Na sequência do estabelecido no n.º 2 dos artigos 150.º e 254.º é publicada a 

    Portaria n.º 337-A/2004, de 31 de Março (Diário da República, I Série - B, n.º 77, 2.º Suplemento, de 31 de Março de 2004), a qual regula a forma de apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio eletrónico, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo Civil, assim como as notificações efectuadas pela secretaria aos mandatários das partes, ao abrigo do n.º 2 do artigo 254.º do mesmo Código e a forma de apresentação a juízo do ficheiro informático a que alude o n.º 6 do artigo 152.º do Código de Processo Civil.

   Pelo artigo 9.º revogou a Portaria n.º 1178-E/2000, de 15 de Dezembro, supra mencionada.

   Foi revogada pelo artigo 11.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho de 2004.


   A Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho (Diário da República, I Série- B, n.º 140, de 16 de Junho de 2004), dando execução ao disposto no n.º 2 do artigo 150.º do CPC, clarificou alguns dos aspectos técnicos a que deve obedecer o envio por correio electrónico, por forma a assegurar a máxima segurança, definido um conjunto de regras uniformes que garantam a eficácia das comunicações, revogando a anterior Portaria (n.º 337-A/2004, de 31 de Março), pelo artigo 11.º.

    Veio a ser revogada pelo artigo 27.º, alínea a), da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, infra mencionada.

      Portaria n.º 1350/2004, de 23 de Outubro (Diário da República, I Série- B, n.º 250/2004, de 23 de Outubro de 2004) - Ao abrigo do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, fixa os termos a que obedece o registo das entidades certificadoras que emitem certificados qualificados.

     Veio a ser revogada pelo artigo 11.º da Portaria n.º 597/2009, de 4 de Junho.

      Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, (Diário da República, I Série-A, n.º 81, de 26 de Abril de 2006), alterou os artigos 74.º, 90.º, 94.º, 110.º e 808.º do Código de Processo Civil e aditou o


Artigo 138.º-A

Tramitação electrónica



   A tramitação dos processos é efectuada eletronicamente em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça, devendo as disposições processuais relativas a actos de magistrados e das secretarias judiciais ser objecto das adaptações práticas que se revelem necessárias.


   Ao abrigo deste preceito foi publicada a

    Portaria n.º 593/2007, de 14 de Maio (Diário da República, 1.ª série, n.º 92, de 14 de Maio de 2007) – Produzindo efeitos desde 20 de Abril de 2007 (artigo 3.º), regula a prática de actos processuais dos magistrados em suporte informático, através do sistema informático CITIUS, com aposição de assinatura electrónica qualificada ou de assinatura electrónica avançada e a prática de actos processuais das secretarias judiciais em suporte informático, através do sistema informático HABILUS, mediante a utilização de assinatura electrónica qualificada ou de assinatura electrónica avançada (artigo 1.º, n.º 1 e 2), dizendo o n.º 3 que “os actos processuais e documentos assinados nos termos dos números anteriores substituem e dispensam para todos os efeitos a assinatura autógrafa no processo em suporte de papel”, prevendo o artigo 2.º o requisito adicional de segurança.

      Veio a ser revogada pelo artigo 27.º, alínea b), da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, infra mencionada.

   Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho (Diário da República, I Série-A, n.º 111, de 8-06-2006) – Aprova um regime processual experimental aplicável a acções declarativas cíveis a que não corresponda processo especial e a acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.

    De acordo com o artigo 3.º os actos processuais, incluindo os actos das partes que devam ser praticados por escrito, são praticados electronicamente nos termos a definir por portaria do Ministro da Justiça.

    Portaria n.º 1097/2006, de 13 de Outubro (Diário da República, I Série, n.º 198, de 13-10-2006) – Regulamenta os termos da citação edital feita por publicação de anúncio em página informática de acesso público. Reporta o sítio onde é publicado o anúncio previsto no n.º 1 do artigo 5.º do citado Decreto-Lei n.º 108/2006.

     Esta Portaria veio a ser revogada pelo artigo 37.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, infra mencionada.

     Seguiu-se o Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, (Diário da República, I Série, n.º 163, de 24 de Agosto de 2007, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 99/2007, Diário da República, 1.ª série, n.º 204, de 23 de Outubro), que no uso de autorização legislativa concedida pela Lei n.º 6/2007, de 2 de Fevereiro, altera o Código de Processo Civil, procedendo à revisão do regime de recursos e de conflitos em processo civil e adaptando-o à prática de actos processuais por via electrónica, entrando em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008.


    No que ora interessa, vejamos as alterações introduzidas nos artigos 138.º-A, 143.º, 150.º e 254.º.



Artigo 138.º - A

Tramitação electrónica



1 – (Anterior corpo do artigo).

2 – A tramitação electrónica dos processos garante a respectiva integralidade, autenticidade e inviolabilidade.

                  


Artigo 143.º

Quando se praticam os actos



1 – ……………………………………………………………………………………...…

2 – ………………………………………………………………………………………...

3 – ………………………………………………………………………………………...

4 – As partes podem praticar os actos processuais por transmissão eletrónica de dados ou através de telecópia, em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos tribunais.



Artigo 150.º

Apresentação a juízo dos actos processuais



1 – Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados nos termos definidos na portaria prevista no artigo 138.º-A, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição.

2 – Os actos processuais referidos no número anterior também podem ser apresentados a juízo por uma das seguintes formas:

     a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva entrega;

     b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal;

     c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto processual a da expedição.

 3 – A parte que pratique o acto processual nos termos do n.º 1 deve apresentar por transmissão electrónica de dados a peça processual e os documentos que a devam acompanhar, ficando dispensada de remeter os respetivos originais. 

4 – A apresentação por transmissão electrónica de dados dos documentos previstos no número anterior não tem lugar, designadamente, quando o seu formato ou a dimensão dos ficheiros a enviar o não permitir, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A.

5 – …………...……………………………………………………………………………

6 –. ……………………..…………………………………………………………………

7 – Os documentos apresentados nos termos previstos nos termos previstos no n.º 3 têm a força probatória dos originais, nos termos definidos para as certidões.

8 – O disposto no n.º 3 não prejudica o dever de exibição de peças processuais em suporte de papel e dos originais dos documentos juntos pelas partes por meio de transmissão eletrónica de dados, sempre que o juiz o determine, nos termos da lei de processo.

9 – As peças processuais e os documentos apresentados pelas partes em suporte de papel são digitalizados pela secretaria judicial, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º -A.

   


Artigo 254.º

Formalidades



1 –…………………………………………………………………………………….…..

2 – Os mandatários das partes que pratiquem actos processuais pelo meio previsto no n.º 1 do artigo 150.º, ou que se manifestem nesse sentido, são notificados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º- A.

3 – ………………………………………………………………………………………...

4 – ………………………………………………………………………………………...

5 – A notificação por transmissão eletrónica de dados presume-se feita na data da expedição.

6 – ………………………………………………………………………………………...


     De acordo com o artigo 11.º, a produção de efeitos do artigo 1.º, na parte em que altera os artigos 138,º-A, 143.º, 150.º e 254.º, i. a., depende da entrada em vigor da portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A do referido código e aplica-se aos processos pendentes nessa data.

    Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª Série, n.º 26, de 6-02-2008). Aprovada no âmbito do projecto «Desmaterialização, eliminação e simplificação de actos e processos na justiça», regula a forma de apresentar a juízo, por tramitação electrónica de dados, os actos processuais e documentos pelas partes, através do sistema informático CITIUS, cabendo no âmbito da tramitação electrónica, nos termos do artigo 2.º, as acções declarativas cíveis, providências cautelares e notificações judiciais avulsas, com excepção dos pedidos de indemnização cível ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal, e as acções executivas cíveis, com excepção da apresentação do requerimento executivo, a efectuar nos termos previstos no Código de Processo Civil.

       Pelo artigo 27.º, alínea a), revogou a Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, supra aludida, e pela alínea b), revogou a Portaria n.º 593/2007, de 14 de Maio, supra mencionada.


      Alterações a esta Portaria.

     Portaria n.º 457/2008, de 20 de Junho (Diário da República, 1.ª série, n.º 118, de 20 de Junho de 2008), regulando vários aspectos da tramitação electrónica dos processos judiciais nos tribunais de primeira instância.

   Portaria n.º 1538/2008, de 30 de Dezembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 251, de 30 de Dezembro de 2008), regulando a entrega de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados pelos magistrados do Ministério Público.

      Altera e republica em Anexo a Portaria n.º 114/2008.


     O artigo 6.º desta Portaria 1538/2008 foi alterado pela Portaria n.º 458-B/2009, de 4 de Maio (Diário da República, 1.ª série, n.º 85, Suplemento, de 4 de Maio de 2009), adiando para 1 de Setembro de 2009 a data da entrega de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados pelos magistrados do Ministério Público.

    Portaria n.º 195-A/2010, de 8 de Abril (Diário da República, 1.ª Série, n.º 68, de 8 de Abril de 2010), regulando a tramitação electrónica dos processos nos tribunais de execução das penas, aplicando a Portaria n.º 114/2008 aos administradores da insolvência (artigo 4.º) e entrando em vigor em 12-04-2010 (artigo 7.º).

    Portaria n.º 471/2010, de 8 de Julho (Diário da República, 1.ª Série, n.º 131, de 8 de Julho de 2010) alterou os artigos 2.º, 4.º e 23.º, aditou exclusão no artigo 2.º, alínea a), dos processos de promoção e protecção das crianças e jovens em perigo e aditou o artigo 15.º-A relativo a tramitação da recusa de actos processuais electrónicos.


    A Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, veio a ser revogada pelo artigo 37.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, infra mencionada.


   Novo Código de Processo Civil (NCPC)


  A Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho de 2013 (Diário da República, 1.ª série, n.º 121, de 26-06-2013), aprovou o novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 1 de Setembro seguinte, tendo sido revogados pelo artigo 4.º o Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, que procedeu à aprovação do Código de Processo Civil e diplomas conexos.

   Aos anteriores artigos 138.º-A, 143.º, 150.º, 254.º e 260.º-A correspondem os actuais artigos 132.º, 137.º, 144.º, 248.º e 255.º.

Focando apenas os pontos com interesse:



Artigo 132.º

Tramitação electrónica



1 – A tramitação dos processos é efectuada eletronicamente em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça, devendo as disposições processuais relativas a actos de magistrados, das secretarias judiciais e dos agentes de execução ser objecto das adaptações práticas que se revelem necessárias.

2 – A tramitação electrónica dos processos deve garantir a respectiva integralidade, autenticidade e inviolabilidade.

3 – A regra da tramitação electrónica admite as exceções estabelecidas na lei.

 


Artigo 137.º

Quando se praticam os actos



1 – ……………………………………………………………………………………...…

2 – ………………………………………………………………………………………...

3 – ………………………………………………………………………………………...

4 – As partes podem praticar os actos processuais por transmissão eletrónica de dados ou através de telecópia, em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos tribunais.

                 


Artigo 144.º

Apresentação a juízo dos actos processuais



1 – Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes sáo apresentados a juízo por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição.

2 – A parte que pratique o acto processual nos termos do número anterior deve apresentar por transmissão electrónica de dados a peça processual e os documentos que a devam acompanhar, ficando dispensada de remeter os respetivos originais.

3 – A apresentação por transmissão electrónica de dados dos documentos previstos no número anterior não tem lugar, designadamente, quando o seu formato ou a dimensão dos ficheiros a enviar não o permitir, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º.

4 – Os documentos apresentados nos termos previstos nos termos previstos no n.º 2 têm a força probatória dos originais, nos termos definidos para as certidões.

5 – O disposto no n.º 2 não prejudica o dever de exibição das peças processuais em suporte de papel e dos originais dos documentos juntos pelas partes por meio de transmissão electrónica de dados, sempre que o juiz o determine, nos termos da lei de processo.

6 – Quando seja necessário duplicado ou cópia de qualquer peça processual ou documento apresentado por transmissão electrónica de dados, a secretaria extrai exemplares dos mesmos, designadamente para efeitos de citação ou notificação das partes, excepto nos casos em que estas se possam efectuar por meios electrónicos, nos termos definidos na lei e na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º. 

7 – Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, os actos processuais referidos no n.º 1 também podem ser apresentados a juízo por uma das seguintes formas:

  a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva entrega;

 b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal;

 c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto processual a da expedição.

8 – Quando a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo justo impedimento para a prática dos actos processuais nos termos indicados no n.º1, estes podem ser praticados nos termos do disposto no número anterior.



Artigo 248.º

Formalidades



Os mandatários são notificados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.



Artigo 255.º

Notificações entre mandatários



As notificações entre os mandatários judiciais das partes são realizadas pelos meios previstos no n.º 1 do artigo 132.º e nos termos definidos na portaria aí referida, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.


   A entrada em vigor do NCPC implicou necessariamente a revisão de um conjunto de matérias que procedem à sua regulamentação, sendo o caso da tramitação electrónica de processos até então regulamentada pela Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro.


    Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 132.º, a Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 163, de 26-08-2013), regula vários aspectos da tramitação electrónica dos processos judiciais nos tribunais de 1.ª instância, definindo no artigo 2.º o seu âmbito de aplicação.


Artigo 2.º

Âmbito de aplicação



 A regulamentação dos aspetos previstos no n.º 1 do artigo anterior aplica-se à tramitação eletrónica:

a) Das ações declarativas cíveis, procedimentos cautelares e notificações judiciais avulsas, com exceção dos processos de promoção e proteção das crianças e jovens em perigo e dos pedidos de indemnização civil ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal;

b) Das ações executivas cíveis e de todos os incidentes que corram por apenso à execução, sem prejuízo do previsto em regulamentação específica do processo executivo.  

      

    Pelo artigo 37.º revogou a Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro e a Portaria 1097/2006, de 13 de Outubro.


    Extrai-se do acórdão de 9-09-2015, proferido no processo n.º 342/10.7JALRA-A.C1.S1, da 5.ª Secção, em caso de falta de assinatura: “A Portaria n.º 280/2013, de 26-08, tem o seu âmbito de aplicação restrito à tramitação electrónica de processos de natureza cível e dos processos tramitados de acordo com o CEPMPL. Nenhuma referência é feita à tramitação processual penal, pelo que o artigo 19.º da referida Portaria não se aplica aos processos penais, constituindo a assinatura electrónica dos actos proferidos em tais processos uma irregularidade, que não afecta a existência do acórdão recorrido, devendo, contudo, ser suprida, aquando da posterior baixa do processo à 1.ª instância”.

     A Portaria n.º 170/2017, de 25 de Maio (Diário da República, 1.ª série, n.º 101, de 25-05-2017, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 16/2017, in Diário da República, 1.ª série, n.º 109, de 6 de Junho de 2017) procedeu à primeira alteração da Portaria anterior, revogando pelo artigo 5.º, o artigo 2.º, o n.º 4 do artigo 17.º e o n.º 2 do artigo 28.º da Portaria 280/2013.

       A Portaria entrou em vigor em 29 de Maio de 2017, conforme artigo 6.º, mas como resulta do n.º 1 do artigo 4.º, a revogação do n.º 2 da Portaria n.º 280/2013 aplica-se a partir do dia 1 de Julho de 2017.


  Como vimos, o artigo 150.º do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 324/2003, de 27 de Dezembro, admitia na alínea d) do n.° 1 a prática dos actos por correio electrónico, sendo a forma de apresentação em juízo dos actos processuais enviados por correio electrónico regulada pela Portaria n° 642/2004, de 16 de Junho.

    A redacção do artigo 150.º do CPC, no entanto, veio a ser alterada, como vimos, pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, tendo este eliminado de entre as formas de prática dos actos processuais o correio electrónico, tendo sido adoptada como meio preferencial uma forma de comunicação electrónica mais avançada, a transmissão electrónica de dados, agora integrada no sistema informático CITIUS, como se estabeleceu na Portaria n.º 114/2008.

    Porém, nos termos do artigo 11.°, n.º 2, a produção de efeitos das alterações introduzidas por este diploma, nomeadamente da alteração do artigo 150.°, do CPC, dependia da entrada em vigor da Portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.°-A.

       Esta Portaria veio a ser publicada sob o n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, apenas se aplicando aos processos cíveis enunciados no seu artigo 2.° (e por via da alteração introduzida pela Portaria n° 195-A/20l0, de 8 de Abril, supra mencionada, também aos processos da competência dos tribunais ou juízos de execução das penas) e em consonância, no seu artigo 27.° revogou a Portaria n° 642/2004, de 16 de Junho, “no que diz respeito às acções previstas no artigo 2.º”.


     Surgiu então uma divergência jurisprudencial quanto ao âmbito da revogação da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, operada pela mencionada Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro.

     Segundo uma corrente, no que tange ao processo civil e, logo, também ao criminal e contra-ordenacional - que a respectiva disciplina têm por subsidiária, (cfr. arts. 4.° do CPP e 41.°, n.º 1, do RGCO, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro) -a Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, foi “tacitamente revogada pelo acto legislativo traduzido no Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08 - fonte normativa hierarquicamente superior ao regulamento do governo, seu mero complemento, a ele (decreto-lei) necessariamente subordinado e vinculado, de que a portaria (a citada ou outra) constitui subcategoria, (cfr. art.º 112.°, n.ºs 1, 6 e 7, da Constituição Nacional) -, que, sendo-lhe posterior, pela nova redacção dessarte introduzida (pelo respectivo art.º 1.º) aos artigos 150.° (mormente n.ºs 1 e 2) e 138.º-A (aditado pela Lei n.º 14/2006, de 26/04) do Código de Processo Civil, e pela consequente e integrada dimensão normativa daí decorrente, eliminou tal modo (correio-electrónico) de apresentação a juízo de actos processuais escritos, e, logo, por manifesta incompatibilidade, como é de palmar e incontornável apreensibilidade, a atinente disciplina por tal acto regulamentar postulada, (vide art.º 7.°, n.º 2, do Código Civil), que substituiu pela resultante e subsequentemente regulamentada pela Portaria n.º 114/2008, de 06/02, de cujo art.º 2.º (quer na versão original quer nas posteriores) claramente decorre - ­como supra se esclarece - a respectiva inaplicabilidade ao procedimento criminal e contra-ordenacional”.

    Nesse sentido se pronunciou a Relação de Coimbra, nos acórdãos de 30-11-2011, processo n.º 135/03.8IDAVR.C1 e de 25-01-2012, processo n.º 123/09.0GTVIS.C1 (ambos citados no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2014, de 6 de Março de 2014) e o acórdão recorrido de 27-06-20102, processo n.º 42/04.7TAOFR.


   Para outra corrente jurisprudencial, a aplicação da regulamentação por esta Portaria ficou limitada, nos termos do respectivo artigo 2.º, às acções declarativas cíveis, providências cautelares e notificações judiciais avulsas e às execuções cíveis, ficando de fora da utilização da nova tecnologia a apresentação do pedido de indemnização civil ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal e a apresentação do requerimento executivo, conforme expressamente ali se determinou, devendo entender-se que, para o processo penal, continua em vigor a Portaria nº 642/2004 e o artigo 150.º do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro – nesse sentido, se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 20-12-2012, proferido no processo n.º 32/05.2TAPCV.C2.S2, da 5.ª Secção, in (CJSTJ 2012, tomo III, pág. 223), abordando a interposição de recurso através de meio electrónico, a Relação de Coimbra, no acórdão de 19-01-2011, processo n.º 51/06.1GAMGL.C1, a Relação de Évora, por acórdãos de 05-03-2013, processo n.º 559/07.1TAABT.E1 e de 19-03-2013, processo n.º 317/11.9GCPTM-A.E1 e a Relação do Porto, por acórdão de 15-01-2014, no processo n.º 441/07.2JAPRT.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt (todos estes acórdãos são citados na parte final do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2014, de 6-03-2014), para além do acórdão - fundamento, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Novembro de 2010, proferido no processo n.º 496/07.0TAFUN.

       Face à esta divergência jurisprudencial, o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2014, de 6 de Março de 2014 (Diário da República, 1.ª série, n.º 74, de 15 de Abril de 2014, págs. 2440 a 2447), com unanimidade, foi uniformizada jurisprudência, no sentido de que:

      “Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal.”


   Entendemos que a jurisprudência fixada no Acórdão n.º 3/2014, de 6-03-2014, mantém plena actualidade, na medida em que a Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, continua a ter um âmbito de aplicação restrito às acções referidas no seu artigo 2.º, ficando desta forma excluídos de tal regulamentação, uma vez mais, os processos de natureza penal, mantendo-se assim plenamente válidos os fundamentos invocados para fundamentar o referido acórdão de fixação de jurisprudência.


   Deve, pois, em consonância com o mencionado Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2014, de 6 de Março de 2014, considerar-se admissível, em processo penal, a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, e na Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal.


    A mencionada Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, estatui no artigo 2.º (Conteúdo da mensagem), n.º 5, que: “A mensagem de correio electrónico remetida por mandatário forense deve conter necessariamente a aposição da assinatura electrónica do respectivo signatário.”

   Dispõe, por outro lado, o n.º 6 do citado preceito legal, que: “A assinatura electrónica referida no número anterior deve ter associado à mesma um certificado digital que garanta de forma permanente a qualidade profissional do signatário.”


    Da prova da tempestiva comunicação de actos processuais

 

   Estabelece, por seu turno, o n.º 3 do artigo 4.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, que: “A expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea.”

     No caso concreto, na medida em que não se encontra certificada a assinatura do Ilustre Mandatário do recorrente signatário do recurso, nem se mostra validada cronologicamente a data de envio do correio electrónico, forçoso é considerar que nenhum dos requisitos supra mencionados se mostra observado.

    Porém, estatui o artigo 10.º da mencionada Portaria que: “À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia.”

    Pelo que, face ao disposto no mencionado preceito legal, dado tratar-se da apresentação de um requerimento de interposição de recurso e respectiva motivação por correio electrónico simples e sem validação cronológica, haverá que aplicar ao caso concreto o estatuído no Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, que, como vimos, disciplina o regime do uso da telecópia na transmissão de documentos entre tribunais, entre tribunais e outros serviços e para a prática de actos processuais.

    Estabelece o artigo 4.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, que: “A data que figura na telecópia recebida no tribunal fixa, até prova em contrário, o dia e hora em que a mensagem foi efectivamente recebida na secretaria judicial.”

    Prevendo-se no n.º 5 do citado preceito legal que: “Os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial, no prazo de sete dias contados do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios actos.”

    Revertendo ao caso concreto, verifica-se que, através do email , o Ilustre Mandatário do recorrente enviou cópia em formato PDF do requerimento de recurso interposto para este Supremo Tribunal e respectiva motivação, do qual constava como data de envio 17-11-2016 e que tal email foi efectivamente recebido, naquela data, no Tribunal da Relação de …, inexistindo deste modo qualquer dúvida quanto à data de entrada do referido correio electrónico em juízo.

    Mais se demonstra que o recorrente deu cabal cumprimento ao disposto no artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, juntando aos autos os originais do requerimento de recurso e respectivas alegações por meio carta registada expedida em 21-11-2016 (cfr. fls. 1043) e entrada em juízo em 22-11-2016 (cfr. fls. 1010), ou seja, no prazo de 10 dias estabelecido em tal preceito legal.


     Conclui-se que o recurso apresentado em juízo, por meio de correio electrónico simples, é válido e tempestivo.

     E assim sendo, avancemos para os temas processuais, logo, e substantivos, a seguir, propostos pelo recorrente, não sem antes abordarmos os inevitáveis compartimentos de acesso, escolhos colocados pela lei adjectiva, para depois aceder ao que adiante, ultrapassados os obstáculos, se dilucidará.

            


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      Questões propostas a reapreciação e decisão

      O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, onde o recorrente resume as razões de divergência com o deliberado no acórdão recorrido.   

       Questão Prévia II – Falta de conclusões tout court


    O recorrente afirma a sua discordância com o decidido no acórdão recorrido, conforme resulta do exposto na motivação e levado em repetição quase integral às supostas “conclusões”, que deveriam traduzir, de forma sintética, as razões de divergência com o decidido.

     O recorrente prescindiu de apresentar conclusões, apresentando como tal, algo que nada tem a ver com as proposições sintéticas em que se deve procurar dar a conhecer as razões de divergência com o decidido.

     O recorrente, de forma óbvia, sem qualquer esforço de síntese,  transpõe para as apelidadas “conclusões”, tudo o que estava na motivação,.

    Como ensinava José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV volume, pág. 359, as conclusões visam habilitar o tribunal a conhecer quais as questões postas e quais os fundamentos invocados.

     Como refere Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, págs. 320/1 (e edição de 2000, a págs. 335), o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Nas conclusões da motivação o recorrente tem de indicar concretamente os vícios da decisão impugnada e essa indicação delimita o âmbito do recurso. São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem de apreciar.  

      As conclusões devem ser «um resumo explícito e claro das questões levantadas pelo recorrente (…). O tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no artº. 684.º, n.º 3, do CPC» - Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, volume II, 2.ª edição, pág. 801.

     Segundo o acórdão de 04-02-1993, proferido no processo n.º 83281, in CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 140, proferido em sede de acção cível, mas com pleno cabimento aqui, as conclusões são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo das alegações; sem a indicação concisa e clara dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas alegações não há conclusões.

     Como refere o acórdão do STJ de 11-03-1998, in BMJ n.º 475, pág. 488, as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação.

      As conclusões servem para resumir as razões do pedido, para condensar a matéria tratada no texto da motivação – cfr. acórdãos de 15-07-2009, processo n.º 103/09-3.ª e de 5-12-2012, processo n.º 250/10.1JALR.E1.S1-3.ª.

     Lidas a motivação e as conclusões é patente que as ditas “conclusões” mais não são do que a repetição quase integral da motivação.

     E só não é total, completa e integral, porque para as “conclusões” não foram transpostos 4 parágrafos citando acórdãos (do Tribunal Central Administrativo do Sul, das Relações do Porto e de Guimarães – dois), situados entre a matéria que conduziu às conclusões 174.ª e 175.ª, a fls. 1021 e verso dos autos.

    De resto as diferenças têm a ver apenas com os realces, apresentando-se as conclusões despidas de realces presentes no texto da motivação.

     Assim, por exemplo, nas conclusões 36.ª, 41.ª e 113.ª consta no final (Sublinhado nosso), quando não existe qualquer sublinhado nas conclusões, realce apenas presente na motivação.

      O negrito é “abandonado” nas conclusões 6, 18, 36, 42, 53, 61, 64, 66, 67, 68, 70, 73, 74, 107, 113, 117, 123, 147, 172, 196 e 221.

      O sublinhado não está presente, para além das já referidas, nas conclusões 6, 41, 42, 64, 67, 68, 70, 117, 123, 147, 172, 190, 221 e 240.

     O itálico mantém-se nas conclusões 40, 41, 42, 83, 86, 90, 91, 92, 94, 95, 103, 126, 168, 184, 210, 229, 230 e 239.

     Até os erros de escrita se repetem. Assim “condensão”, em vez de condenação, na conclusão 3.ª e no § 3.º da motivação e “uma auto de notícia” na conclusão 11.ª e na motivação a fls. 1011.

     Mesmo a repetição das conclusões 242.ª e 235.ª é reflexo da repetição do respectivo texto na motivação, a fls. 1025 e verso e 1026. Realça-se que esta repetição estava presente igualmente no anterior recurso para o Tribunal da Relação, sendo a conclusão 272.ª repetida na conclusão 276.ª.

    Com esta falta de síntese já se defrontara a Relação face ao recurso interposto da sentença de primeira instância, com 281 conclusões, como consta da nota de rodapé a págs. 2 do acórdão e fls. 905 verso dos autos, prescindindo de convite à correcção, na sequência da repetição no recurso interlocutório e já antes na contestação que em pouco nada diverge do RAI apresentado – fls. 277 a 294 e 366 a 379.

     Apesar de serem extensas e mui prolixas as conclusões de recurso apresentadas pelo recorrente – que reproduzem praticamente de forma integral o texto da motivação apresentada – prescinde-se de formular convite a apresentação de novas e verdadeiras concisas conclusões, podendo adiantar-se, no entanto, num redobrado esforço de síntese, que as questões essenciais suscitadas pelo presente recurso se reconduzem às seguintes:

       Questões a apreciar e a decidir


Questão I – Nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, do CPP, por remeter para o disposto no artigo 425.º, n.º 5, do CPP, olvidando estar em causa uma condenação e não uma absolvição, violando o dever de fundamentação imposto pelo artigo 374.º, n.º 2, do CPP – Conclusões 1.ª a 3.ª.

Questão II – Inconstitucionalidade do artigo 425.º, n.º 5, do CPP – Conclusão 4.ª; Questão III – Inexistência de crime – Nulidade de todo o inquérito, nos termos do artigo 119.º, alínea d), do CPP, por não ter sido dado cumprimento às notificações impostas pelo artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, e não ter sido constituído, como arguido, CC – Conclusões 5.ª a 30.ª e 178.ª a 181.ª.

Questão IV – Prescrição do procedimento criminal relativamente a todos os factos anteriores a Junho de 2009 – Conclusões 31.ª a 36.ª.

Questão V – Descaracterização do crime continuadoConclusões 37.ª e 38.ª

Questão VI – Invalidade da acusação por nenhuma das prestações compreendidas na acusação exceder o limite de 7.500 euros Conclusões 39.ª a 45.ª.

Questão VII – Nulidade da sentença – artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP – por o tribunal ter deixado de se pronunciar sobre a responsabilidade cível da BB, Lda., sociedade declarada insolvente e de CC – Conclusões 46.ª a 54.ª.

Questão VIII – Nulidade insanável da sentença por omissão de pronúncia quanto ao alegado nos pontos 56.º a 60.º da contestação em que o recorrente invocou ter o ISS “(ao mesmo tempo) conduzido a investigação, na qualidade de OPC,  e considerando-se lesado, vir a constituir-se como assistente, deduzindo PIC” – Conclusões 55.ª a 61.ª, 76.ª e 77.ª.

Questão IX – Falta de inquérito por ter sido levado a cabo por entidade sem competência para tal (o Instituto da Segurança Social), comportando tal circunstância nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. d), do CPP, sendo a actuação do ISS enquanto OPC inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 2.º, 111.º, 165.º, n.º 1, al. c) e n.º 3 e 219.º da CRP, e tornando igualmente nula a acusação e a sentença, que sobre a mesma já se pronunciou, já que aquele instituto é uma entidade sem legitimidade e força constitucional para tal (DL n.º 276/07, de 31-07 e 83/2012, de 30-03), levando a cabo o inquérito e respectivos actos sem poderes para tal. Sendo nula toda a prova constante da acusação – Conclusões 62.ª a 75.ª.

Questão X – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto dada por provada no ponto 2 (o arguido só pode ser considerado gerente de direito da BB, Lda até 6 de Março de 2007, pelo que entre 6-3-2007 e 6-3-2012 decorreu o prazo prescricional de 5 anos consagrado no artigo 21.º, n.º 1, do RGIT) e nos pontos provados em 3, 4,7, 8 e 13 – Conclusões 78.ª a 176.ª.

Questão XI – Nulidade da acusação, da sentença e de todo o inquérito Conclusões 177.ª a 180.ª

Questão XII – Prescrição do procedimento criminal relativamente aos factos posteriores a Junho de 2009 por decurso do prazo especial de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária – artigo 45.º da LGT – Conclusões 182.ª a 196.ª.

Questão XIII – Atenuação especial da pena de multa – Conclusões 197.ª a 202.ª.

Questão XIV – Fixação da taxa diária da pena de multa pelo mínimo legal – Conclusões 203.ª a 205.ª

Questão XV – Consideração de que o último acto de execução que pode ser imputável ao arguido remonta a Fevereiro de 2007 e ao montante global de 14.921,74 €, pelo que nunca a sua condenação no pedido de indemnização civil poderia ascender ao quantum global de 121.130,82 € – Conclusões 206.ª a 209.ª.

Questão XVI – Prescrição de toda a dívida peticionada extensível aos juros peticionados – artigos 498.º, n.º 3 e 310.º, alínea d), do Código Civil – Conclusões 210.ª a 212.ª.

Questão XVII – Impugnação da matéria provada no acórdão (SIC) de primeira instância, no que respeita ao dolo e mera culpa do recorrente e à dívida à Segurança Social enquanto pressupostos da responsabilidade civil por inexistência de prova apta a demonstrá-los – Conclusões 213.ª a 225.ª.

Questão XVIII – A responsabilidade civil subsidiária dos administradores pressupõe sempre a prova de que a impossibilidade de pagamento derivou de uma actuação culposa dos agentes, pelo que, nada revelando os autos a esse respeito, o Tribunal proferiu a esse propósito uma sentença nula, por ter conhecido de questões das quais não podia tomar conhecimento – art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – Conclusões 226.ª, 227.º, 240.ª e 241.ª.

Questão XIX – A responsabilidade civil subsidiária a que alude o art. 8.º, n.º 1, do RGIT tem de ser declarada na sentença e actuada pelo mecanismo da reversão fiscal, o que não ocorreu, nem poderia ocorrer por via de uma decisão proferida pelo tribunal “a quo” – Conclusão 228.ª.

Questão XX – Face ao decretamento da insolvência da arguida BB a mesma estava legalmente impedida de proceder ao pagamento previsto no art. 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, aplicável ex vi do disposto no art. 107.º, n.º 2, do mesmo diploma, ocorrendo tal impedimento e consequente impossibilidade de verificação da correspondente condição objectiva de punibilidade a mesma é extensível à pessoa singular, dado que, quando o recorrente foi notificado, já nada podia legalmente fazer, dado que com o decretamento da insolência perdeu o poder de disposição sobre os bens da entidade que administrava – Conclusões 229.ª a 234.ª.

Questão XXI – Absolvição da instância do demandado, por ilegitimidade, atenta a absolvição da instância da arguida BB por preterição de litisconsórcio necessário – Conclusões 235.ª e 242.ª, esta, como se assinalou, mera repetição daquela.

Questão XXII – Inidoneidade do processo penal para exigir valores correspondentes a contribuições e impostos – Conclusões 236.ª e 237.ª.

Questão XXIII – Incompetência em razão da matéria do tribunal criminal para conhecer do pedido civil formulado, competência essa que assiste aos tribunais tributários – Conclusões 238.ª e 239.ª.

Questão XXIV – Falta de causa de pedir – Conclusões 243.ª a 247.ª.

                              


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    Apreciando. Fundamentação da matéria de direito


   A pretensão expressa nas conclusões 1.ª a 4.ª, agrupadas nas Questões I e II, tem a ver com o recurso interlocutório.


   Questão I – Nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, do CPP, por remeter para o disposto no artigo 425.º, n.º 5, do CPP, olvidando estar em causa uma condenação e não uma absolvição, violando o dever de fundamentação imposto pelo artigo 374.º, n.º 2, do CPP.

   Questão II – Inconstitucionalidade do artigo 425.º, n.º 5, do CPP.

   

       Enquadramento da questão.


     Como vimos, por despacho de 27-05-2015, proferido de fls. 391 a 399, foram indeferidas várias invalidades processuais suscitadas pelo arguido/demandado, ora recorrente, na contestação à acusação e ao PIC.

     O arguido interpôs recurso de tal despacho em 6-07-2015, conforme fls. 441 a 480.

     Tal recurso foi admitido por despacho proferido em 9-10-2015, a fls. 504/5, do volume 2.º, sendo atribuído efeito devolutivo, para “subir a final, conjuntamente com o recurso que venha a ser interposto da decisão que ponha termo à causa”.

     No recurso interposto para a Relação da sentença proferida na 1.ª instância, na conclusão 1.ª, o recorrente declarou, nos termos do artigo 412.º, n.º 5, do CPP, manter interesse no recurso apresentado em 6-07-2015 (fls. 808).

     O recurso interlocutório foi apreciado pelo Tribunal da Relação de … de fls. 928 verso a 938, tendo sido julgado improcedente.

     Daí que se passe a abordar a 

       Questão prévia III - Admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão do Tribunal da Relação proferida em recurso interlocutório

       Em causa o recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 12 de Outubro de 2016, que conheceu do recurso interposto da sentença final condenatória de 4 de Fevereiro de 2016, no qual foi entendido improceder o recurso interlocutório.

     No caso sujeito, impõe-se indagar da admissibilidade deste recurso, interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, visando impugnar o acórdão do Tribunal da Relação que decidiu julgar improcedente o recurso interlocutório.

 

     Vejamos.                                       

                                   

      O princípio geral em termos de recorribilidade é o de que as decisões judiciais em processo penal são recorríveis, pois como estabelece o artigo 399.º do Código de Processo Penal “É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei”.

     A delimitação das possibilidades de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça consta, de forma taxativa, do artigo 432.º do Código de Processo Penal, que na versão originária de 1987 (emergente do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro (rectificado), entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1988) estabelecia:

(Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça)

       Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

       a) De decisões das relações proferidas em primeira instância;

       b) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri;

       c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo;

       d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores;

       e) Noutros casos especialmente previstos na lei.

      O preceito na versão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto (Diário da República, I Série – A, n.º 195/98, da mesma data), que alterou o Código de Processo Penal, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1999 (artigo 10.º), passou a estabelecer:

Artigo 432.º

(Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça)

       1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

       a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância; *

       b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

       c) [Anterior alínea b).] De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri;

       d) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;

       e) [Anterior alínea d).]. De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores;

       * (Esta alínea foi a única inalterada em 1998, surgindo no texto republicado a expressão “1.ª instância”, no lugar de “primeira instância”).

       A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 166, de 29 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, I Série, n.º 207, Suplemento, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República, I Série, n.º 216, de 9 de Novembro de 2007), que procedeu à 15.ª alteração e republicou o Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, introduziu as seguintes alterações: 


Artigo 432.º

[…]

1 – ………………………………………………………………………………………...

a) ………………………………………………………………..………………………..

b) ………………...……………………………………………………………………….

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou do tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;

d) [Anterior alínea e)].

2 – Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º

       [Esta redacção permaneceu intocada nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, pela Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, pela Lei n.º 58/2015, de 23 de Junho, pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, pela Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro - 25.ª alteração - pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro - 26.ª alteração -, pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio - 27.ª alteração -, pela Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio - Vigésima sétima (sic) alteração - pela Lei n.º 94/2017 de 23 de Agosto e pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro].

     Por seu turno, estabelecia o artigo 400.º do Código de Processo Penal, na versão originária de 1987, sob a epígrafe


(Decisões que não admitem recurso)

       1 – Não é admissível recurso:

       a) De despachos de mero expediente;

       b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;

       c) De decisões proferidas em processo sumaríssimo;

       d) De acórdãos das relações em recursos interpostos de decisões proferidas em primeira instância;

       e) Nos demais casos previstos na lei.

       2 – ………………………………………………………………………………...

       A reforma de 1998 manteve inalterada a redacção das alíneas a) e b) do n.º 1, alterando a redacção de outras [alíneas c), d), e), f) e g), a qual passou a ser a “Anterior alínea e)], e, inovando, introduziu na alínea c) o seguinte teor:

  

       c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa.

       A citada Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, alterou as alíneas c), e) e f), daí resultando, no que ora interessa:

Artigo 400.º

[…]

1 - ……………...…………………………………………..……………….……………;

a) ……….…………………………………………………………….………………… ;

b) ……………………………………………………………………….……………..... ;

c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo.

d) ………...………………………………………………………………………………;

e) ………………………………………………………………………………………...;

f) …………………………………………..…………………………………………….;

g) ………………………………….……………...……………………………………..;

2 – ………………………………………………………….……………………………;

3 – Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.


    O preceito veio a ser alterado pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, que operou a 20.ª alteração ao CPP, embora sem interesse para o ponto que nos ocupa, dando nova redacção às alíneas d) e e) do n.º 1, que passaram a estabelecer:                                                   

d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos;

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos.


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     A questão a dilucidar é a de saber se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente o recurso interlocutório é, ou não, recorrível.

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       É abundante a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a propósito da interpretação a dar à antiga expressão “[não] ponham termo à causa”, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na versão de 1998, e da irrecorribilidade das denominadas decisões interlocutórias ou intercalares, quer o recurso tenha sido interposto para a Relação de forma autónoma ou isolada, ou no seio de recurso da decisão final.


       Como se pronunciou o acórdão de 08-07-2004, proferido no processo n.º 2238/04, da 5.ª Secção: «Decisão que põe termo à causa é a que tem como consequência o arquivamento ou encerramento do objecto do processo, mesmo que não se tenha conhecido do mérito. Tanto pode ser um despacho como uma sentença (ou acórdão). Nem sempre é uma “decisão final” (decisão que, após audiência e conhecendo do mérito, põe termo à causa) mas a “decisão final” é sempre uma “decisão que põe termo à causa”.

       Por isso, no caso dos autos, “decisão que pôs termo à causa” foi o acórdão absolutório, pois foi aí que se apreciou a “causa”, isto é, o objecto do processo definido pela acusação/pronúncia. E como essa decisão apreciou o mérito, após audiência, trata-se, também, de uma “decisão final”.

       O acórdão da Relação que rejeitou o recurso do acórdão final, por tê-lo julgado extemporâneo, não foi, portanto, uma decisão que pôs termo à causa, mas uma decisão processual posterior ao termo da causa.

       Posta a questão no seu devido lugar, há então que aplicar o disposto no art. 400.º al. c) do CPP, isto é, há que declarar irrecorrível o acórdão da Relação, pois não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa».

       No mesmo sentido, o acórdão de 26-01-2005, proferido no processo n.º 4438/04, da 3.ª Secção, onde se refere: «A decisão que põe termo à causa é a decisão que faz terminar a causa de modo substancial, que julga e determina o direito do caso e decide o objecto do procedimento criminal, definindo a existência ou a inexistência de responsabilidade criminal, e, quando for o caso, a culpabilidade e a pena.

       Não constitui, assim, decisão final aquela que se não refira, funcional e estruturalmente, à matéria da causa e ao objecto do processo, mas apenas a incidências estritamente processuais, próprias do desenvolvimento e da ordenação sequencial do processo, como são os despachos proferidos nos limites estritamente processuais da discussão sobre os pressupostos da admissibilidade de um recurso, como é o caso dos autos».

       Como se pode ler no acórdão de 20-02-2006, processo n.º 3043/06-3.ª, em caso de tráfico de estupefacientes: «I - O acórdão da Relação que confirmou o acórdão da 1.ª instância em que se decidiu julgar improcedente a arguição da nulidade das escutas telefónicas, é insusceptível de recurso, por se tratar de decisão que não pôs termo à causa e, como tal, abrangida pela regra da irrecorribilidade imposta pela al. c) do n.º 1 do art. 400.º, por referência à al. b) do art. 432.º, ambos do CPP. II - Apesar de o acórdão recorrido conter outras decisões que puseram termo à causa, em princípio susceptíveis de recurso para o STJ, tratando-se de uma questão interlocutória, a circunstância de não ter sido objecto de recurso autónomo não lhe confere recorribilidade, a reboque de algumas das restantes poderem ser objecto de recurso para este Tribunal, tanto mais que a hipótese não configura a excepção prevista na alínea e) do artigo 432º do CPP: embora o problema das escutas acompanhe a decisão final, pode e deve ser dela cindida, sendo que sobre ela até já se formou dupla conforme. III - Este entendimento, além de respeitar a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, está em perfeita consonância com o regime traçado na Reforma de 1998 para os recursos para o STJ, a qual obstou, de forma clara, ao segundo grau de recurso, terceiro grau de jurisdição relativo a questões processuais ou que não tenham posto termo à causa».

       Em registo semelhante, o acórdão de 15-03-2006, proferido no processo n.º 2787/05-3.ª, onde se diz: «O STJ só conhece dos recursos das decisões interlocutórias de 1.ª instância que devam subir com o da decisão final, quando esse recursos sejam directos para o STJ e não quando tenham sido objecto de recurso decidido pelas Relações. Compreende-se que assim seja, já que estão em causa meras questões procedimentais, não se justificando no sistema de recurso para o STJ, um 3.º grau de jurisdição para questões que não se referem directamente ao objecto do processo, não se vislumbrando que tal entendimento colida com as garantias do processo criminal contempladas no artigo 32.º da CRP».

      No acórdão de 06-04-2006, processo n.º 805/06-5.ª, in CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 159, com citação de vários arestos, afirma-se que por termo à causa significa que a questão substantiva, que é o objecto do processo, fica definitivamente decidida.

      Este Supremo Tribunal afirmou que o preceito em causa, na anterior versão, ao estabelecer a inadmissibilidade de recurso relativamente a acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que não punham termo à causa, abrangia todas as decisões interlocutórias, independentemente da forma como o respectivo recurso era processado e julgado pela Relação, ou seja, quer o recurso fosse autónomo quer fosse inserido em impugnação da decisão final.

     Assim, nos acórdãos de 02-02-2005, processo n.º 4046/04-3.ª, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 188 (acórdão da Relação que anule o julgamento em 1.ª instância e determine a sua repetição é irrecorrível); de 22-09-2005, processo n.º 1752/05-5.ª (embora a questão interlocutória acompanhe a decisão final, pode e deve dela ser cindida, sendo que sobre ela até já se formou dupla conforme); de 11-01-2006, processo n.º 4301/04-3.ª; de 02-02-2006, processo n.º 4224/05-5.ª, in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 180 (o despacho que revogou o perdão de penas aplicado na decisão final, não põe termo à causa, antes é uma decisão posterior ao termo da causa e, como tal, irrecorrível para o STJ); de 28-06-2006, processo n.º 1589/06-3.ª, de 20-12-2006, processo n.º 4546/06-3.ª (A norma da al. c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, quando se refere a decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, que não ponham termo à causa, quer significar, salvo contradição interna do sistema, que a competência em razão da hierarquia para proferis decisões que não ponham termo à causa cabe àqueles Tribunais, que decidem, em matéria interlocutórias, em última instância – quer seja decisão proferida em recurso, quer seja por ocasião de um recurso ou por intervenção incidental directamente deferida pela lei); de 16-05-2007, processo n.º 1239/07-3.ª; de 21-06-2007 (a circunstância de o recurso interlocutório ter subido com o interposto da decisão final não altera em nada a previsão legal, como não a altera a circunstância de ter sido apreciado e julgado na mesma peça processual em que o foi o principal); de 05-07-2007, processo n.º 2054/07-5.ª (a decisão intercalar da Relação que apreciou, em recurso, a questão da legalidade das escutas telefónicas é irrecorrível para o STJ. Tal decisão não põe termo à causa - cf. art. 400º, 1. f)); de 05-07-2007, processo n.º 1887/07-5.ª; de 12-07-2007, processo n.º 1771/07-5.ª.

      “O artigo 400.º, n.º 1, alínea c), abrange todas as decisões interlocutórias, subtraindo-as à competência do Supremo Tribunal (com a excepção supra indicada, da alínea d) do artigo 432.º): a competência em razão da hierarquia para proferir decisões que não ponham termo à causa cabe ao Tribunal da Relação, que decide, em matérias interlocutórias, em última instância” – neste sentido os acórdãos de 20-12-2006, processo n.º 4546/06-3.ª e de 09-05-2007, processo n.º 1242/07-3.ª. (Sobre a última asserção, cfr. o acórdão deste STJ de 22-07-2004, em trecho citado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 686/04, infra referido, publicado no Diário da República, II Série, de 18-01-2005 e em Acórdãos do Tribunal Constitucional (ATC), volume 60, pág. 665).

      

      Sobre o sentido e alcance da nova redacção dada à alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP pela reforma de 2007, pronunciaram-se os acórdãos de 14-11-2007, processo n.º 3249/07-3.ª; de 05-12-2007, processo n.º 3169/07-3.ª; de 09-01-2008, processo n.º 2793/07-3.ª, por nós relatado “Este Supremo Tribunal vem afirmando que o art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, ao estabelecer a inadmissibilidade de recurso relativamente a acórdãos, proferidos em recurso, pelas Relações, que não ponham termo à causa, abrange todas as decisões interlocutórias, independentemente da forma como o respectivo recurso é processado e julgado pela Relação, ou seja, quer o recurso seja autónomo, quer seja inserido em impugnação da decisão final

No presente caso, trata-se de uma decisão que não põe termo à causa, isto é, que não conhece do objecto do recurso. A decisão de que se pretende recorrer é um acórdão proferido em recurso pela Relação, que não pôs termo à causa. Na verdade, o segmento da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que declarou legal a valoração do depoimento da vítima [pessoa declarada incapaz], no sentido de dever ser considerado como meio de prova, por ser válido, não pôs termo à causa, ou seja, não conheceu do objecto do processo. Sendo aquela decisão irrecorrível, nos termos do indicado preceito (quer na anterior quer na actual redacção, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 04-09), deve o recurso na parte em que a impugna ser rejeitado, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1 e 414.º, n.º 2 do CPP”; de 23-01-2008, processo n.º 4570/07-3.ª (O acórdão da Relação, na parte referente às escutas telefónicas, impugnadas em recurso autónomo, interposto de decisão instrutória, mas que subiu com a decisão final, é irrecorrível, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, uma vez que se trata de decisão que não conhece do objecto do processo); de 31-01-2008, processo n.º 4843/07-5.ª (Se as decisões recorridas trataram tão só de saber se o arguido cumprira tempestivamente a condição de suspensão da execução da pena: pagar ao assistente e mulher uma determinada quantia e se era de aceitar a caução oferecida pelo arguido para obter a suspensão da eficácia da decisão recorrida, não conheceram a final do objecto do processo, pois que a decisão condenatória do arguido já havia transitado em julgado. Pelo que não são recorríveis nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, segundo o qual não é admissível recurso de acórdãos, proferidos em recurso pelas Relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo); de 05-03-2008, processo n.º 220/08-3.ª, afirmando-se neste que a actual redacção se aproxima do artigo 432.º, alínea c), do CPP, onde se faz menção à recorribilidade para o STJ de acórdãos finais do colectivo ou do tribunal do júri (no caso, em causa estava um despacho de juiz singular); e de 26-03-2008, processo n.º 820/08-3.ª; e ainda os de 18-12-2008, processo n.º 3065/08, de 25-11-2009, processo n.º 529/09.5YFLSB, e de 02-06-2010, processo n.º 1987/09.3TAFAR-A.E1.S1, sendo os últimos quatro todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, onde se pondera:

      «Decisão que não conheça, a final, do objecto do processo, é toda a decisão interlocutória, bem como a não interlocutória que não conheça do mérito da causa.

      O texto legal ao aludir a decisão que não conheça, a final, abrange todas as decisões proferidas antes da decisão final;

      Ao mencionar o objecto do processo refere-se, obviamente, aos factos imputados ao arguido, pelos quais o mesmo responde, ou seja, ao objecto da acusação (ou da pronúncia), visto que é esta que define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo, condicionando o se da investigação judicial, o seu como e o seu quantum, pelo que contempla todas as decisões que não conheçam do mérito da causa.

      O traço distintivo entre a actual e a anterior redacção reside na circunstância de anteriormente serem susceptíveis de recurso todas as decisões que pusessem termo à causa, sendo que actualmente só são susceptíveis de recurso as decisões que põem termo à causa quando se pronunciem e conheçam do seu mérito.

      Assim, são agora irrecorríveis as decisões proferidas pelas Relações, em recurso, que ponham termo à causa por razões formais, quando na versão pré - vigente o não eram, ou seja, o legislador alargou a previsão da al. c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, ampliando as situações de irrecorribilidade relativamente a acórdãos proferidos, em recurso, pelo Tribunal da Relação».

     Podem ver-se ainda sobre o tema os acórdãos de 23-04-2008, processo n.º 899/08-3.ª; de 24-04-2008, processo n.º 3057/06-5.ª (É irrecorrível o acórdão da Relação que confirmou um despacho proferido em 1.ª instância, em que foi ordenada a junção aos autos da acta de uma sessão de julgamento. Na verdade, são irrecorríveis as decisões proferidas em recurso pela Relação «que não ponham termo à causa» ou, como se estipulou depois da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, «que não conheçam, a final, do objecto do processo» (art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP); de 21-05-2008, processo n.º 106/08-3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08-5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1306/08-3.ª (caso em que a Relação altera a matéria de facto relativamente a um crime de receptação de que a arguida fora absolvida, determinando a reabertura de audiência); de 12-06-2008, processo n.º 1782/08-3.ª, onde se considera que a Lei n.º 48/2007 introduziu um fundamento novo de irrecorribilidade das decisões da Relação que não ponham termo à causa, ampliando o âmbito da irrecorribilidade das decisões da Relação que não conheçam, a final, do objecto do processo, ou seja, do mérito da causa; assim, não é admissível o recurso do acórdão da Relação que, na esteira do decidido em 1.ª instância, rejeitou a sujeição do arguido ao exame peticionado em audiência de julgamento, por ser caso de irrecorribilidade legal; de 19-06-2008, processo n.º 2043/08-5.ª (I - É irrecorrível, conforme estabelece a al. c) do n.º 1 do art. 400.º, por referência à al. b) do art. 432.º, ambos do CPP, a decisão da Relação tomada em recurso que, tendo absoluta autonomia relativamente às demais questões suscitadas, não pôs termo à causa por não se ter pronunciado sobre a questão substantiva que é o objecto do processo. Para efeito da recorribilidade, mostra-se indiferente a forma como o recurso foi processado e julgado pela Relação, isto é, se o recurso foi processado autonomamente ou se a decisão se encontra inserida em impugnação da decisão final - aqui convocando o acórdão de 9-01-2008, processo n.º 2793/07 e de 21-05-2008, proc. n.º 414-08-5.ª (?). II - Este entendimento respeita a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição e encontra-se em perfeita sintonia com o regime traçado pela Reforma de 1988 e mantido na Reforma de 2007, para os recursos para o STJ: sempre que se trate de questões processuais ou que não tenham posto termo ao processo, o legislador pretendeu impedir o segundo grau de recurso, terceiro de jurisdição, determinando que tais questões fiquem definitivamente resolvidas com a decisão da Relação); de 25-06-2008, processo n.º 449/08-3.ª (em causa recursos interpostos de despachos proferidos em audiência de julgamento, tendo o primeiro a ver com a constituição de assistente de M, em representação da menor ofendida de abuso sexual, sua neta, por incompatibilidade, no caso concreto, de representação de sua mãe, sendo os outros conexionados com questões relativas a meios de prova e diligências tendentes a descoberta da verdade material, que o Colectivo de Aveiro entendeu não atender) e da mesma data em incidente de recusa de juiz n.º 4842/07-3.ª; e ainda, de 10-07-2008, processo n.º 2142/08-3.ª e de 10-09-2008, processo n.º 1959/08-3.ª, do mesmo relator, que confirmando entendimento anterior, afirma: “a inadmissibilidade de recurso relativamente a acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo, abrange todas estas decisões (processualmente denominadas de interlocutórias), independentemente da forma como o respectivo recurso é processado e julgado pela Relação, isto é, quer o recurso seja autónomo, quer seja inserido em impugnação da decisão final. A decisão da Relação que apreciou, em recurso, a invalidade da prova por reconhecimento e decidiu no sentido da validade da mesma não conheceu, a final, do objecto do processo, pelo que é irrecorrível”; de 25-09-2008, processo n.º 809/08-5.ª; de 15-10-2008, processo n.º 2864/08-3.ª, em que interviemos como adjunto; de 12-11-2008, processo n.º 709/00.9JASTB.S1-3.ª; de 10-12-2008, processo n.º 3638/08-3.ª; de 18-02-2009, processo n.º 109/09, desta Secção “a decisão que conhece de contingências sobre a relação processual ou sobre uma questão avulsa, sobre incidências meramente processuais, próprias do desenvolvimento da relação processual, escapa ao conceito de decisão final e poderá, quando muito, constituir decisão que ponha termo ao processo”; de 25-02-2009, processo n.º 101/09-3.ª (O recurso interlocutório é um recurso autónomo relativamente ao recurso interposto do acórdão final condenatório. A circunstância de ter subido com o recurso interposto do acórdão final e, por isso, de ter sido conhecido juntamente com aquele - oportunidade ditada apenas por razões de economia processual -, não é susceptível de lhe retirar aquela autonomia formal e, consequentemente, de alterar as regras de (ir)recorribilidade que lhe são próprias. Assim, a pronúncia da Relação sobre os reconhecimentos – questão que era objecto de recurso interlocutório – é uma decisão que não conheceu, nessa parte, do objecto do processo, que por isso não faz parte da decisão condenatória e, como tal, não é susceptível de recurso para o STJ – cfr. a propósito de arguição de eventual nulidade, questão aqui versada, o acórdão de 07-07-2010, proferido no processo n.º 156/00.2IDBRG.S1-5.ª); de 27-05-2009, processo n.º 145/05-3.ª (Tendo o acórdão de 1.ª instância apreciado a [alegada] “nulidade das escutas telefónicas”, indeferindo-a, e tendo havido recurso para a Relação, a decisão desta, em sentido concordante, porque tomada em recurso e não pôs termo à causa, é “definitiva”, sendo o acórdão, nesta parte, irrecorrível - arts. 400.º, n.º 1, al. c) e 432.º, al. b), do CPP. Na verdade, tratando-se de questão interlocutória, a lei não lhe confere recorribilidade apenas pela mera circunstância de vir integrada numa decisão que contém outros segmentos, esses sim, recorríveis para o Supremo Tribunal); de 10-12-2009, processo n.º 326/04.4IDBRG.S1-5.ª, (Com a actual redacção do art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, introduzida pela Lei n.º 48/2007, o legislador pretendeu negar um duplo grau de recurso a decisões que se não tenham pronunciado quanto ao mérito; ou seja, mesmo que ponham fim à causa, se não conhecerem do objecto do processo, as decisões não são recorríveis; deste modo, é sempre irrecorrível a decisão da Relação que confirmou o despacho interlocutório proferido em 1.ª instância respeitante à questão da incompetência material do tribunal penal para se debruçar sobre a indemnização cível em que o recorrente foi condenado); de 13-01-2010, processo n.º 2569/01.3TBGMR-D.G1.S1-3.ª;  de 06-05-2010, processo n.º 156/00.2IDBRG.S1-5.ª (Não é admissível o recurso interposto pela recorrente do acórdão da Relação, de 1-06-2009, que indeferiu um requerimento daquela a invocar a prescrição do procedimento criminal (sendo certo que tal decisão foi proferida após o acórdão que decidiu o recurso interposto da decisão da 1.ª instância), pois o acórdão de que se quer recorrer não decidiu o objecto do processo, antes decidiu uma questão incidental, suscitada após a decisão final proferida pela Relação, questão surgida na pendência do recurso sobre o objecto do processo – art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP. A Relação foi chamada a decidir tal questão no âmbito do recurso ainda pendente e, portanto, a sua segunda decisão também se insere no processamento de tal recurso, tal como se tivesse havido um pedido de «reforma» ou de «nulidade» da decisão principal); de 02-06-2010, processo n.º 1987, CJSTJ 2010, tomo 2, pág. 213 (versando segredo profissional e bancário – sobre o tema, em sentido contrário, com voto de vencido do relator do anterior, os acórdãos de 09-02-2011, processo n.º 12153/09.8TDPRT-A.P1.S1, in CJSTJ 2011, tomo 1, p. 196 e de 24-03-2011, processo n.º 106/04.7TALMG-B.P1.S1, com os mesmos intervenientes); de 07-07-2010, processo n.º 156/00.2IDBRG.S1-5.ª (Considerou-se que a questão atinente à falta de pronúncia do tribunal de 1.ª instância sobre a validade das escutas e intercepções, antes do acórdão final, não era recorrível para o STJ; o recurso foi rejeitado por se tratar de questão interlocutória, para a qual há apenas um grau de recurso, e é o bastante. Pondera ainda que “Não sendo tais questões susceptíveis de recurso para o STJ, não seria a mera invocação de nulidade por omissão de pronúncia que iria tomar a decisão recorrível. A nulidade, a existir, teria de ser arguida pelo interessado no próprio tribunal que proferiu a decisão – a propósito de arguição de nulidade, cfr. o acórdão de 25-02-2009, proferido no processo n.º 101/09-3.ª); de 29-09-2010, processo n.º 520/00.7TBABT-A.S1-3.ª (acórdão proferido em recurso de revisão visando despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão, onde se refere que segundo a jurisprudência pacífica e constante do STJ, a decisão que põe fim ao processo é a decisão final, ou seja, a sentença, a qual em regra conhece da relação substantiva ou mérito da causa, bem como a que, proferida antes da sentença, tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do processo); de 6-10-2010, processo n.º 1131/01.5TASTS.S1-3.ª (estando em causa despacho proferido por juiz singular); de 13-10-2010, processo n.º 200/06.0JAAVR.C1.S1-3.ª (tratando-se de uma questão interlocutória, a circunstância de não ter sido objecto de recurso autónomo não lhe confere recorribilidade fundamentada na circunstância de as restantes poderem ser objecto de recurso para o STJ. A reforma de 2007 consagra no art. 432.º, n.º 1, al. d), a regra de que as decisões interlocutórias que devem ser apreciadas pelo STJ são unicamente as que devam subir com as als. b) e c)); de 27-10-2010, processo n.º 2519/06.0TAVCT.G1.S1-3.ª; de 26-01-2011, processo n.º 1349/06.4TBLSD.P1.S1-3.ª; de 09-06-2011, processo n.º 4095/07.8TPPRT.P1.S1-5.ª (distinguindo entre decisões proferidas “no recurso” e proferidas “em recurso”, admite o recurso quanto a questões interlocutórias, intermédias, por na espécie, a Relação ter conhecido delas “ex novo”); de 26-10-2011, processo n.º 29/04.0JDLSB.L1.S1-3.ª; de 17-11-2011, processo n.º 2235/09.1PBGMR.G1.S1-5.ª (de acordo com o art. 400.º, n.º 1, al. c) do CPP, o STJ não conhece da arguição de nulidade, por omissão de diligência posterior ao inquérito reputada essencial para a descoberta da verdade, quando o acórdão recorrido já se pronunciou sobre a questão, em termos que não merecem qualquer reparo, recusando a nulidade agora novamente arguida); de 21-12-2011, processo n.º 978/99.5TBPTM-A.S1-3.ª, proferido em processo de revisão, onde se pode ler “segundo a jurisprudência pacífica e constante do STJ, a decisão que põe fim ao processo é a decisão final, ou seja, a sentença, a qual em regra conhece da relação substantiva ou mérito da causa, bem como a que, proferida antes da sentença, tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do processo”; de 31-01-2012, processo n.º 171/05.0TAPDL.L2.S1-3.ª; de 22-02-2012, processo n.º 371/07.8TAFAF.G1.S1-3.ª; de 21-03-2012, processo n.º 804/03.2TAALM.L1.S1-5.ª e de 18-04-2012, processo n.º 660/10.4TDPRT.P1.S1-3.ª “Ponderando o estabelecido pelos artigos 432.º, n.º 1, al. d) e 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, o STJ só conhece dos recursos das decisões interlocutórias do tribunal de 1.ª instância que devam subir com o da decisão final, quando esses recursos (do tribunal de júri ou tribunal colectivo) sejam directos para o STJ e não quando tenham sido objecto de recurso decidido pelas relações

      É irrecorrível, conforme estabelece a al. c) do n.º 1 do art. 400.º, por referência à al. b) do artigo 432.º, ambos do CPP, a decisão da Relação tomada em recurso que, tendo absoluta autonomia relativamente às demais questões suscitadas, não pôs termo à causa por não se ter pronunciado sobre a questão substantiva que é o objecto do processo, sendo que para efeito da recorribilidade, mostra-se indiferente a forma como o recurso foi processado e julgado pela Relação, isto é, se o recurso foi processado autonomamente ou se a decisão se encontra inserida em impugnação da decisão final. 

      O recurso interlocutório (interposto do despacho que considerou que a consulta dos autos fora da secretaria está sujeita a tributação) versava exclusivamente uma decisão de natureza interlocutória e não uma decisão que pusesse termo à causa, pelo que, por inadmissível legalmente, não pode, nem deve, ser conhecido pelo STJ”.

     Segundo o acórdão de 26-04-2012, proferido no processo n.º 438/07.2PBVCT.G1.S1-5.ª “Não é admissível recurso directo para o STJ de decisões interlocutórias proferidas pela 1.ª instância, quando da decisão final da 1.ª instância não é admissível recurso directo para este tribunal (cfr. als. c) e d) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, a contrario). Como a relação apreciou e decidiu o recurso intercalar, o mesmo está definitivamente decidido, sendo infrutífera a tentativa do recorrente, no sentido de renovar, quando nem sequer é admissível recurso para o STJ da decisão da relação que dele conheceu (cfr al. c) do art. 400.ºdo CPP). A relação ao apreciar o recurso constituído por questões interlocutórias não conheceu, a final, do objecto do processo, não julgou o mérito da causa”; cfr. ainda o acórdão de 09-05-2012, processo n.º 418/08.0PAMAI.S1-3.ª; de 19-12-2012, processo n.º 1140/09.6JACBR.C1.S1-3.ª; de 6-02-2013, processo n.º 593/09.7TBBGC.P1.S1-3.ª; de 27-02-2013, processo n.º 1/00.9TELSB-C.1P1.S1-3.ª, citando o acórdão de 13-01-2010 e em que interviemos como adjunto; de 30-10-2013, processo n.º 40/11.4JAAVR.C2.S1-3.ª, onde se refere: “O STJ só conhece dos recursos das decisões interlocutórias do tribunal de 1.ª instância que devam subir com o da decisão final, quando esses recursos sejam directos para o STJ e não quando tenham sido objecto de recurso decidido pelas relações. A circunstância do recurso interlocutório ter subido com o interposto da decisão final não altera em nada a previsão legal, como não altera a circunstância de ter sido apreciado e julgado na mesma peça processual em que foi o principal”; de 20-11-2013, processo n.º 14.217/02.0TDLSBAM.L1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto (Mesmo que se entenda que o acórdão recorrido (da Relação) é decisão que pôs termo à causa, não conheceu, porém, do mérito, do objecto do processo. Dele, não é pois, admissível recurso para o STJ); de 4-06-2014, processo n.º 298/12.1JDLSB.L1.S1; de 10-09-2014, processo n.º 223/10.4SMPRT.P1.S1-3.ª “De acordo com o art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, não admitem recurso para o STJ as decisões da Relação que, pondo ou não fim ao processo, fiquem aquém do conhecimento final do objecto da acusação ou da pronúncia, trate-se ou não de decisões interlocutórias e independentemente da forma como o recurso é processado e julgado. A circunstância de a decisão sobre determinada questão interlocutória não ter sido objecto de recurso autónomo mas, antes, englobada no recurso interposto da decisão final que conheça do objecto do processo, não lhe confere recorribilidade a reboque das restantes questões poderem ser objecto de recurso para o STJ. Este entendimento, além de respeitar a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, está em consonância com o regime traçado pelas reformas do CPP de 1998 e de 2007, que quiseram obstar ao segundo grau de recurso, terceiro grau de jurisdição, relativamente a questões interlocutórias ou que não tenham conhecido, a final, do objecto do processo. Deste modo, deve ser rejeitado o recurso interposto para o STJ do acórdão do Tribunal da Relação na parte em que conheceu das questões relativas à perícia de voz, à nulidade do despacho de aclaração, à irregularidade da acta, à falta de tradução do acórdão, à utilização de alcunhas e ao exame crítico da prova”; de 10-09-2014, processo n.º 11/01.9TELSB.P2.S1-5.ª “não é recorrível o acórdão da Relação na parte em que determinou o reenvio do processo ao tribunal de 1.ª instância; nesta parte, o acórdão da Relação não pôs termo à causa (ela prosseguiu, em função do reenvio, no tribunal de 1.ª instância), nem conheceu, a final, do objecto do processo (não pronunciou uma condenação ou uma absolvição, esse encargo foi passado à 1.ª instância).

      No acórdão de 20-11-2014, por nós relatado no processo n.º 87/14.9YFLSB.P1.S1 (aliás, n.º 689/12.8JAPRT – homicídio de Joane), foi considerado inadmissível o recurso - em causa na decisão recorrida estava o segmento do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de Junho de 2014, que conhecendo do recurso interlocutório, confirmou o despacho proferido na audiência de julgamento de 24 de Outubro de 2013, no qual foi indeferida a nulidade arguida pelo arguido (na sessão de 9-10-2013, defendendo constituir prova proibida) e ordenada a visualização e leitura da reconstituição, requerida pelo Ministério Público na sessão anterior.

     Como então se referiu: “No presente caso, a decisão de que se pretende recorrer é um acórdão proferido em recurso pela Relação, que pondo termo à causa, o faz por razões substantivas, mas que no aspecto focado, nele inserido, por força da anterior retenção, não poria termo ao processo, por estar em causa questão meramente processual, pois através dela não conheceria do objecto do processo, nada diria sobre o mérito da causa.

     Ao confirmar um despacho que indeferiu arguição de nulidade, o acórdão ora recorrido não consubstancia uma decisão de fundo, uma apreciação de mérito, não tendo nesse segmento a natureza de decisão final, antes corresponde a uma decisão que não conhece do objecto do processo, nada tendo decidido, por essa via, em definitivo em termos substantivos, antes revestindo o carácter de decisão no plano processual.

     Trata-se de uma decisão interlocutória, intermédia, incidental, versando sobre questão processual avulsa que não põe termo à causa, e como tal, abrangida pela irrecorribilidade constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º, do Código de Processo Penal.

      Sendo o acórdão recorrido irrecorrível nesta parte, deve o presente recurso ser rejeitado, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b) e 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal”.

      Extrai-se do acórdão de 17-12-2014, processo n.º 206/12.0JSGRD.C1.S1-3.ª “o acórdão da Relação, ao declarar parcialmente nula a decisão de 1.ª instância, por omissão de pronúncia, em sede de fundamentação de direito, é insuscetível de recurso para o STJ, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, por não ter conhecido do objecto do processo, já que ordenou a prolação de nova decisão em 1.ª instância”.

     No acórdão de 17-12-2014, processo n.º 314/12.7IDLSB.L2.S1-3.ª, do mesmo relator dos acórdãos de 26-03-2008, processo n.º 820/08-3.ª, de 18-12-2008, processo n.º 3065/08, de 25-11-2009, processo n.º 529/09.5YFLSB e de 02-06-2010, processo n.º 1987/09.3TAFAR-A.E1.S1, supra referidos, conclui-se: “Deste modo, não admite recurso para o STJ o acórdão da Relação que se pronunciou sobre decisão proferida por desembargador relator que indeferiu a arguição de nulidade de acórdão da mesma Relação anteriormente proferido e que confirmou decisão instrutória de pronúncia proferida na 1.ª instância”.

     Segundo os acórdãos de 12-03-2015, processo n.º 724/01.5SWLSB.L1.S1, em caso de homicídio e da mesma data, no processo n.º 40/11.4JAAVR.C2.S1, em caso de homicídio qualificado, em que interviemos como adjunto, repristinando o teor do acórdão de 15-10-2008, proferido no processo n.º 2864/08:

    I - O STJ só conhece dos recursos das decisões interlocutórias do tribunal de 1.ª instância que devam subir com o da decisão final, quando esses recursos (dos tribunais de júri ou colectivo) sejam directos para o STJ e não quando tenham sido objecto de recurso decidido pelas Relações.

    II - A circunstância do recurso interlocutório ter subido com o interposto da decisão final não altera em nada a previsão legal, como não a altera a circunstância de ter sido apreciado e julgado na mesma peça processual em que o foi o principal (aqui na versão de 15-10-2008, convocando o acórdão de 21-06-2007, processo n.º 1581/07-5.ª Secção).

    III - Por isso, é irrecorrível, conforme estabelece a al. c) do n.º 1 do art. 400.º, por referência à al. b) do art. 432.º, ambos do CPP, a decisão da Relação tomada em recurso que, tendo absoluta autonomia relativamente às demais questões suscitadas, não pôs termo à causa por não se ter pronunciado sobre a questão substantiva que é o objecto do processo.

   Como se extrai do acórdão de 24-09-2015, processo n.º 539/09.2TATMR.C1.S1 – 5.ª Secção, “nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. a), do CPP, apenas se admite o recurso para o STJ das decisões da Relação que em primeiro grau conhecem o objecto do processo.

    É inadmissível o recurso para o STJ de uma decisão do tribunal da Relação que conheceu de uma nulidade invocada pelo recorrente de anterior acórdão do mesmo tribunal da Relação, por se tratar de um recurso de uma decisão da Relação que não conhece a final do objecto do processo, nos termos dos arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. c), ambos do CPP.

    Não é inconstitucional a interpretação do art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, que entende ser irrecorrível, por não conhecer a final do objecto do processo, o acórdão da Relação que apenas conhece de uma nulidade de anterior acórdão da mesma Relação, pois a garantia de um duplo grau de jurisdição apenas tem sido defendida pela jurisprudência do TC relativamente a decisões penais condenatórias e a decisões respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição e liberdade ou a quaisquer outros direitos fundamentais, mas não já relativamente a determinadas normas processuais que denegam a possibilidade de o arguido recorrer de determinados despachos ou decisões proferidas na pendência do processo”.

     Segundo o acórdão de 08-10-2015, proferido no processo n.º 32/13.9JELSB.L1.S1 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, “A decisão do tribunal da Relação que apreciou o despacho de autorização das intercepções telefónicas, e despachos prévios à decisão final, é uma decisão interlocutória. Atento o disposto nos arts. 432.º, n.º 1, al. d) e 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, do recurso interlocutório, decidido pela Relação, não é admissível recurso para o STJ. O STJ só conhece dos recursos das decisões interlocutórias do tribunal de 1.ª instância que devam subir com o da decisão final, quando esses recursos (do tribunal do júri ou do tribunal colectivo) sejam directos para o STJ e não quando tenham sido objecto de recurso decidido pelas Relações.

     A norma da al. c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, quando se refere a decisões proferidas, em recurso, pelos tribunais da Relação, que não ponham termo à causa, quer significar, salvo contradição interna do sistema, que a competência em razão da hierarquia para proferir decisões que não ponham termo à causa cabe àqueles tribunais, que decidem, em matérias interlocutórias, em última instância – quer seja decisão proferida em recurso, quer seja por ocasião de um recurso ou por intervenção incidental directamente deferida pela lei”.

    Para o acórdão de 29-10-2015, proferido no âmbito do processo n.º 1584/13.9JAPRT.C1.S1 - 5.ª Secção, “Não é admissível face ao disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 400.° do CPP, o recurso de acórdão da Relação na parte em que decidiu julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente nesse segmento, no entendimento de se mostrar acertada a decisão de indeferimento da realização de diligência de prova requerida pelo recorrente, pois, nesse âmbito, o acórdão da Relação conheceu de uma questão interlocutória, intermédia, e a natureza da questão não se altera pelo facto desta questão ter sido conhecida conjuntamente (na mesma peça processual) com as questões que respeitavam à decisão que conheceu, a final, do objecto do processo”.

    Podem ver-se ainda os acórdãos de 25-02-2015, processo n.º 1653/12.2JAPRT.P1.S1-3.ª; de 9-04-2015, processo n.º 5/13.1SWLSB.S1-3.ª, de 22-07-2015, processo n.º 1639/14.2PCSNT-B.L1.S1; de 30-03-2016, processo n.º 2932/07.6JFSB.C1.S2, desta 3.ª Secção; de 13-07-2016, processo n.º 542/13.8PBSCR.L1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto; de 14-09-2016, processo n.º 11744/13.7TDPRT.P1.S1-3.ª (Para efeitos do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, decisão que não conheça, a final, do objecto do processo, é toda a decisão interlocutória, bem com a não interlocutória que não conheça do mérito da causa, abrangendo todas as decisões proferidas antes e depois da decisão final e ao aludir ao objecto do processo, refere-se, aos factos imputados ao arguido, aos factos pelos quais o mesmo responde, ou seja, ao objecto da acusação (ou da pronúncia), visto que é esta que define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo, condicionando o se da investigação judicial, o seu como e o seu quantum, pelo que contempla todas as decisões que não conheçam do mérito da causa. II - São irrecorríveis as decisões proferidas pelas Relações, em recurso, que ponham termo à causa por razões formais, quando na versão pré-vigente o não eram, tendo o legislador alargado a previsão da al. c) do n.º l do art. 400.º do CPP, ampliando as situações de irrecorribilidade relativamente a acórdãos proferidos, em recurso, pelo Tribunal da Relação. É irrecorrível, face ao disposto na al. c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação que se pronunciou sobre a decisão de não pronúncia proferida em 1.ª instância, dado tratar-se de uma decisão proferida em recurso que não conheceu do mérito da causa); de 14-09-2016, por nós relatado no processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1 -3.ª, onde se pode ler: “No presente caso, a decisão de que o arguido M A O P pretende recorrer é um acórdão proferido em recurso pela Relação, que não pondo termo à causa, e nunca o poria, foi proferido a jusante da decisão final, por estar em causa questão meramente processual, de avaliação de proveito de prova produzida, pois através dela a Relação não conheceria do objecto do processo, et pour cause, obviamente, nada diria sobre a substância, sobre o mérito da causa. O acórdão em causa julgou improcedente a nulidade invocada, não consubstanciando uma decisão de fundo, uma apreciação de mérito, não tendo a natureza de decisão final, não sendo uma condenação nem absolvição, antes corresponde a uma decisão que não conhece do objecto do processo, nada tendo decidido, por essa via, em definitivo, em termos substantivos, antes revestindo o carácter de decisão no plano meramente processual, situada após o, esse sim, decisivo acórdão final condenatório. Trata-se de uma decisão interlocutória, intermédia, incidental, versando sobre questão processual avulsa, que não põe termo à causa, e como tal, abrangida pela irrecorribilidade constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º, do Código de Processo Penal. Sendo o acórdão da Relação irrecorrível, deve o recurso interposto pelo arguido M, nesta parte, ser rejeitado, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b) e 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal”; de 6-10-2016, processo n.º 535/13.5JACBR.C1.S1-5.ª; de 3-11-2016, processo n.º 63/10.0P6PRT.P1.S1-5.ª (questão processual relativa à produção de prova); de 9-11-2016, processo n.º 235/14.9JELSB.E1.S1-3.ª (A maior parte das questões suscitadas pelos recorrentes revestem natureza prévia, adjectiva, ou seja, trata-se de questões cujo conhecimento antecede o do mérito ou fundo da causa, razão pela qual as decisões sobre elas proferidas pelo tribunal a quo, consabido que foram proferidas em recurso, não tendo posto termo à causa, caiem na previsão da al c) do n.º 1 do art. 400.º, isto é, são irrecorríveis. É o que sucede com as questões atinentes à nulidade do inquérito, aqui se incluindo a nulidade das diligências investigatórias efectuadas no decurso do inquérito, à invalidade das buscas ao veleiro, à garagem do hotel e ao veículo automóvel ali estacionado, à invalidade da prova resultante de conversas informais, bem como à invalidade da prova resultante de visionamento das camaras de vídeo); de 23-11-2016, processo n.º 736/03.4TOPRT.P2.S1-3.ª (caso julgado quanto a decisão sobre perda de vantagens, sanção não penal); de 24-11-2016, processo n.º 108/10.4PEPRT.P1.S1-5.ª (A inobservância dos prazos do n.º 3 e do n.º 4 do art. 188.º do CPP, invocada pelo recorrente constitui uma questão que já foi objecto de recurso para o tribunal da relação, que a julgou improcedente. Tal questão foi pois objecto de decisão interlocutória, que tem que considerar-se definitiva. É uma situação abrangida pela regra da irrecorribilidade dos arts. 400.º, n.º 1, al. c) e 432.º, al. b), ambos do CPP); de 24-11-2016, processo n.º 569/13.0GDALM.L1.S1-5.ª (recurso do despacho de indeferimento da perícia psiquiátrica); de 18-01-2017, por nós relatado no processo n.º 698/10.1T3OBR.P1.S1, em que a relação decidiu não ser de conhecer do recurso interlocutório (Em causa está despacho de juiz singular a indeferir pretensão processual de adesão por parte dos recorrentes. A decisão proferida pelo Tribunal da Relação incide sobre questão incidental, processual, a qual não perde essa natureza pelo facto de ter havido pronúncia em acórdão que conhece do mérito. Sempre se dirá que não se verifica a invocada omissão de pronúncia. O acórdão recorrido emitiu pronúncia no sentido de não conhecer do recurso interlocutório em questão. O acórdão recorrido na parte em questão não consubstancia uma decisão de fundo, uma apreciação de mérito, não tendo a natureza de decisão final, não sendo uma condenação nem absolvição, antes corresponde a uma decisão que nesse segmento não conhece do objecto do processo, nada tendo decidido, por essa via, em definitivo, em termos substantivos, antes revestindo o carácter de decisão no plano meramente processual. Trata-se de uma decisão interlocutória, intermédia, incidental, versando sobre questão processual avulsa, que não põe termo à causa, e como tal, abrangida pela irrecorribilidade constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal. Sendo o acórdão da Relação irrecorrível no segmento em causa, deve o recurso interposto ser rejeitado, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b) e 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal); de 2-03-2017, processo n.º 126/15.6PBSTB.E1.S1-5.ª (Nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, não é admissível recurso dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo. Uma vez que o recurso interposto do acórdão da relação para o STJ visa unicamente a parte desse acórdão que desatendeu à nulidade invocada pelo arguido, relativa a uma alegada alteração substancial de factos que teria ocorrido fora das condições previstas no art. 359.º, do CPP, o mesmo não é, nessa parte, admissível, nos termos da citada al. c). Tratando-se de questão interlocutória, a última palavra sobre ela cabe à Relação. E isso não muda pelo facto de a referida questão haver sido suscitada no âmbito de recurso que impugna também a decisão que conheceu, a final, do objecto do processo); de 9-03-2017, processo n.º 32/13.9SFPRT.P1.S1-3.ª; de 10-05-2017, processo n.º 232/15.7JDLSB.E1.S1-3.ª e n.º 122/13.8TELSB-AH.L1.S1-3.ª, em caso de arguição de nulidades em procedimento incidental de pedido de escusa, e do mesmo relator do antecedente, o acórdão proferido no processo n.º 1805/09.2T3AVR.P1.S1.


     Em suma, da conjugação dos artigos 400.º, 427.º e 432.º, todos do CPP, retira-se que decisões de natureza processual ou que não ponham termo ao processo não são recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça: pressuposto do recurso para este Tribunal (salvo os casos específicos que a lei especialmente preveja – artigo 433.º – como quando o Supremo Tribunal funciona como primeira instância de recurso, como ocorreu no processo n.º 14/07.0LSB.L1.S1-3.ª, em que no acórdão de 14-06-2014 se apreciou impugnação de matéria de facto, na vertente de verificação de vícios decisórios e nos termos mais amplos consentidos pelo artigo 412.º, n.º 3, do CPP e recurso interlocutório relacionado com validade de busca domiciliária) é a natureza da decisão de que se recorredecisões finais - e não decisões que incidem sobre questões processuais avulsas (exceptua-se, aqui, o caso de recurso de decisão interlocutória que suba com recurso para cuja apreciação é competente o Supremo Tribunal – artigo 432.º, alínea e) - actual alínea d) - do Código de Processo Penal).  



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      Como refere Paulo Pinto de Albuquerque em Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, nota 4, pág. 1002 (pág. 1042, na 4.ª edição actualizada reportada a Abril de 2011), o propósito da Lei n.º 48/2007 foi o de ampliar este fundamento de irrecorribilidade, alargando-a a todos os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que ponham termo à causa, mas não conheçam do objecto do processo, do mérito do pleito, o que a redacção anterior de 1998 não incluía.


    Pereira Madeira no Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, pág. 1251 (pág. 1198, na edição de 2016), afirma: “A formulação do preceito foi introduzida pela Lei n.º 48/2007, que substituiu a antecedente fórmula «[decisões] que não ponham termo à causa», e que, por aparente equivocidade, esteve na origem de divergentes decisões judiciais.

    «Conhecer do objecto do processo», que, em processo penal, é balizado pela acusação e ou pronúncia e a pertinente defesa, é afinal, conhecer do mérito ou fundo da causa, enfim da viabilidade da acusação, com o inevitável desfecho de condenação ou absolvição do arguido, conforme o caso.  

     Assim, cairão no âmbito da irrecorribilidade, as decisões colegiais da relação, em recurso, que, pondo, ou não, fim ao processo, fiquem aquém do conhecimento final do objecto da acusação e ou pronúncia, como acontecerá quando o processo finda por razões meramente processuais.

    A razão de ser do dispositivo prende-se, seguramente, com a necessidade de preservar o tribunal superior da intervenção em questões menores, como serão, em regra, as questões processuais interlocutórias que o legislador que[r] ver decididas definitivamente, quando forem objecto de recurso intercalar autónomo. Se, porém, tiverem ligação relevante com o objecto [principal] do processo, nada obsta a que sejam reapreciadas aquando do recurso da decisão final”.

 

    A jurisprudência constitucional tem apontado a exigência do duplo grau de jurisdição apenas no que tange a decisões penais condenatórias e a decisões de privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais do arguido, e não tanto “com o cumprimento das regras procedimentais ou processuais a que o legislador subordine as decisões judiciais sobre tais matérias” – neste sentido podem ver-se os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 265/1994, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 27.º Volume, págs. 751 e ss.; n.º 30/2001, de 30-01-2001, processo n.º 469/00 (1.ª Secção), publicado no Diário da República, II Série, de 23-03-2001 e n.º 390/2004, de 02-06-2004, processo n.º 651/03 (2.ª), in Diário da República, II, de 07-07-2004 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 59, pág. 543.

      Por outro lado, a “garantia do recurso” introduzida na 4.ª revisão constitucional, pela Lei Constitucional n.º 1/1997, publicada no Diário da República, I-A, de 20-09-1997, conferindo nova redacção ao artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, não demanda a previsão de recurso até ao Supremo Tribunal para decisões quanto a questões processuais intermédias que não definem o direito do caso, mas apenas determinam um certo modo de ordenação e sequência processuais.


    Da Constituição da República não se retira a plena recorribilidade de todos os actos praticados pelo juiz ao longo do processo penal, ainda que sejam susceptíveis de afectar o arguido, tendo a questão sido abordada em alguns arestos do Tribunal Constitucional.


    Com efeito, o Tribunal Constitucional tem reiterado a afirmação de que o exercício das garantias de defesa, onde se inclui o direito de recurso, por parte do arguido condenado, não comporta, nem um acesso irrestrito ao Supremo Tribunal de Justiça, nem que sejam assegurados todos os graus de recurso abstractamente configuráveis, nem, por fim, a sistemática garantia de um triplo grau de jurisdição corporizado, sempre e necessariamente, num reexame da decisão condenatória, sucessivamente, pelas Relações e Supremo Tribunal de Justiça.

 

     O acórdão n.º 221/2000, de 5 de Abril de 2000, proferido no processo n.º 753/99, no âmbito do artigo 566.º, § 1.º, do Código de Processo Penal de 1929, publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Outubro de 2000, enunciou as seguintes asserções:

1 - O artigo 32.º, n.º 1, da CRP, ao dispor que o processo penal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, não atribui um direito ilimitado de impugnação de toda e qualquer decisão judicial proferida no processo penal.

O direito ao recurso no processo penal garante-o a Constituição quanto às decisões condenatórias e relativamente àquelas que privem ou restrinjam a liberdade ou quaisquer direitos fundamentais do arguido.

2 - Sempre o Tribunal Constitucional julgou compatíveis com a Constituição várias normas do processo penal que recusam ao arguido a possibilidade de recorrer de determinados despachos interlocutórios.

3 - Não é possível pretender inferir do direito ao recurso, a regra da irrestrita recorribilidade de todas as decisões interlocutórias do juiz ao longo do processo penal, incluindo meras decisões preliminares ou provisórias.


   Como se extrai do acórdão n.º 375/2000, de 13 de Julho de 2000, proferido no processo n.º 633/99, publicado in Diário da República, II Série, de 16 de Novembro de 2000, «a jurisprudência do Tribunal apenas reconhece a aplicabilidade do princípio de recorribilidade às decisões condenatórias e àquelas que impliquem privação ou restrições da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido. Por isso, o Tribunal não julgou inconstitucionais normas processuais penais que denegam a possibilidade de o arguido impugnar determinados despachos interlocutórios do juiz, que se limitam a fazer prosseguir o processo (Ac. 353/91, Acórdãos Tribunal Constitucional, 19.º volume)».


    No acórdão n.º 597/2000, de 20 de Dezembro de 2000, proferido no processo n.º 643/00, publicado no Diário da República, II Série, de 25 de Janeiro de 2001, foi julgada inconstitucional a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), segundo a qual não são susceptíveis de recurso para o STJ os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que versem sobre questões de direito processual penal.

     No caso apreciado no acórdão ora citado estava em causa rejeição do recurso, não chegando a ser censurada pelo Tribunal da Relação a sentença condenatória em pena de prisão efectiva, tendo nesse caso o acórdão recorrido ditado o termo do processo, fazendo transitar irremediavelmente a condenação da 1.ª instância, estando-se face a decisão final.

     Fazendo aplicação da doutrina deste acórdão e admitindo o recurso, o acórdão de 14-01-2009, por nós relatado, no processo n.º 2494/08, onde se decidiu: “No nosso caso a decisão recorrida é recorrível, pois que rejeitando o recurso interposto pelo arguido, com a invocação do caso julgado, considerando o recurso inadmissível, não conhecendo, por prejudicadas face à solução, as questões colocadas pelo arguido, põe termo ao processo, “reconfirmando” a pena de prisão aplicada.

    Tal decisão implica, sem dúvida, a privação de liberdade do arguido.

     Conclui-se, pois, pela admissibilidade do presente recurso”.


      Como se dizia no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 44/2005, de 26 de Janeiro de 2005, proferido no processo n.º 950/04-1.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13-02-2006, pronunciando-se sobre a alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, e seguindo o afirmado no acórdão n.º 49/2003, de 29 de Janeiro, proferido no processo n.º 81/2002, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 16-04-2003 e em ATC, volume 55 “…estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao STJ, evitando a sua eventual paralisação (…). Não se pode, assim, considerar infringido o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição (…) já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas”, no mesmo sentido se pronunciando, entre vários outros, o já referido acórdão n.º 390/2004, de 02 de Junho de 2004, proferido no processo n.º 651/03-2.ª Secção, in Diário da República, II Série, de 07-07-2004 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 59, pág. 543.

  O acórdão n.º 589/2005, de 2 de Novembro de 2005, proferido no processo n.º 240/05, da 1.ª Secção (ATC, volume 63.º, pág. 889, sumário), não julgou inconstitucionais as normas conjugadas da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º e da alínea b) do artigo 432.º do CPP, interpretadas no sentido de considerarem irrecorrível, por não pôr termo à causa, a decisão do incidente de prestação de depoimento com quebra de segredo profissional, prevista no n.º 3 do artigo 135.º do mesmo Código.

    O acórdão n.º 219/2009, de 5 de Maio, da 3.ª Secção, confirmou decisão sumária que não julgou inconstitucional a norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na interpretação que considera que nela estão incluídos os acórdãos do Tribunal da Relação que decidam não conhecer dos recursos interlocutórios (ATC, volume 75, pág. 738, sumário).


   As soluções de sentido contrário surgem por razões de conformidade constitucional com a garantia de defesa que o recurso constitui nos casos em que está directamente em causa a afectação imediata de direitos fundamentais, como as decisões relativas a aplicação de medidas de coacção privativas de liberdade, ou a possibilidade de sindicância da própria condenação, como aconteceu no caso do supra citado acórdão n.º 597/2000, de 20 de Dezembro.


    No acórdão n.º 686/2004, de 30 de Novembro, proferido no processo n.º 843/04, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 18-01-2005 e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 60, pág. 663, foi julgada inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que se pronuncie pela primeira vez sobre especial complexidade do processo, declarando-a.

 

    E ainda o acórdão n.º 107/2012, de 6 de Março de 2012, proferido no processo n.º 859/2011, da 3.ª Secção, decidiu “julgar inconstitucional a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não haver recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, sem prévio contraditório, considera intempestivo o recurso, admitido na 1.ª instância, de decisão que condena o arguido em pena de prisão igual ou superior a oito anos de prisão”.


      Abordando a mesma questão, colocada no mesmo processo de arguido preso, o acórdão n.º 191/2012, proferido no processo n.º 872/2011, da 1.ª Secção, decidiu estender o efeito de caso julgado da decisão proferida ao caso que julgou.


   No acórdão n.º 399/2013, de 15 de Julho de 2013, proferido no processo n.º 171/13, da 2.ª Secção, questionava-se se era inconstitucional interpretar os artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, no sentido de que um acórdão que não se pronuncie sobre o objecto do processo – mas apenas sobre uma questão acessória, como é a eventual nulidade por omissão de pronúncia – pode ficar isento de um controlo por uma outra instância jurisdicional, quando aquela questão acessória apenas foi ponderada e decidida por um único grau de instância.

    O acórdão seguiu de perto o já citado acórdão n.º 390/2004, que se pronunciou a propósito da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP e o acórdão n.º 659/2011, da 2.ª Secção, que se pronunciou a propósito da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, cujo entendimento veio a ser corroborado pelo acórdão n.º 194/2012, da 3.ª Secção.

     Lê-se na fundamentação: “Conforme bem demonstra o Acórdão n.º 659/2011, desde logo se exclui que o direito ao contraditório relativamente a alegadas nulidades da decisão penal condenatória fique colocado em causa, de modo desproporcionado, na medida em que o recorrente manteve a faculdade de confrontar o próprio tribunal que proferiu a decisão reputada de nula com essa mesma alegação de nulidade. Por outro lado, reitera-se igualmente a fundamentação já amplamente explanada naquele aresto, segundo a qual nem sequer o direito ao recurso penal ficou verdadeiramente prejudicado”.

    Invocando as razões expostas pelo aludido Acórdão n.º 659/2011, decidiu:

     “Não julgar inconstitucional a norma extraída da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, quando interpretada no sentido de determinar a irrecorribilidade de Acórdão do Tribunal da Relação ao qual seja imputada uma nulidade por omissão de pronúncia e que não tenha conhecido sobre o mérito do objecto do processo”.


   Revertendo ao caso concreto.


     A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa ao julgar improcedente o recurso interlocutório interposto do despacho de 27-05-2015, de fls. 391 a 399, que julgou improcedente a arguição de invalidades processuais suscitadas pelo arguido/demandado, pronunciou-se sobre uma questão adjectiva, incidental, da qual não cabe recurso, não sendo admissível recurso, não podendo em consequência ser apreciadas as questões colocadas nas conclusões 1.ª a 4.ª

      Trata-se de uma decisão interlocutória, intermédia, incidental, versando sobre questão processual avulsa, que não põe termo à causa, e como tal, abrangida pela irrecorribilidade constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.

     Sendo o acórdão da Relação de Lisboa irrecorrível no segmento em causa, deve o recurso interposto ser rejeitado, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b) e 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

     A tal não obsta a admissão, pois a decisão que admitiu o recurso não vincula o tribunal superior, como decorre do n.º 3 do artigo 414.º do CPP.


       Questão prévia IV – Inadmissibilidade do recurso em matéria penal - Irrecorribilidade quanto à matéria decisória relativa a crime punido com pena não privativa de liberdade confirmada pelo Tribunal da Relação


     O recurso interposto pelo recorrente, ora em apreciação, como desde logo no intróito do requerimento de interposição de recurso se proclama, a fls. 1010, incide sobre a condenação criminal e cível.

     Porém, no despacho de admissão de recurso proferido pela Exma. Juíza Desembargadora Relatora, a fls. 1047, foi admitido apenas o recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa “relativo à parte cível para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 399.º, 400.º n.º 3, 411.º n.º 1, 401.º n.º 1 al. b), 411.º n.º 1 e 414.º n.º 1 todos do Código de Processo Penal)”.

     Ou seja, o aludido despacho não admitiu o recurso na parte que incidia sobre a condenação penal do ora recorrente, sem porém o rejeitar de forma expressa.

    Cumpre, agora, suprir a referida irregularidade processual, apreciando expressamente a questão da admissibilidade do recurso, no que respeita à parte criminal, face ao disposto nos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), 432.º, n.º 1, al. b) e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP.

    Como já se referiu, a questão prévia da recorribilidade, no que toca à parte penal, foi colocada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal no parecer emitido, tratando-se de questão de conhecimento oficioso.

     A este respeito disse:

     “4.1. Da irrecorribilidade do Acórdão relativamente à matéria crime:

      Bem decidiu a Srª. Juíza Desembargadora ao não admitir o recurso do arguido relativamente à matéria crime, atento o que dispõe o art. 400º, nº 1, al. f), do CPP, decisão que deve manter-se, nos termos do art. 414º, nº 3 a contrario sensu”.

      Termina, defendendo não se conhecer do recurso relativo à parte crime, por inadmissibilidade.

      

       Vejamos.

      Há que abordar a questão da admissibilidade do presente recurso, no que toca à pena aplicada pelo crime por que foi condenado o recorrente e mantida pela Relação, face ao disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal. 

   O presente recurso foi interposto pelo mencionado arguido do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Outubro de 2016, tratando-se de um acórdão confirmatório, na totalidade, de condenação proferida na primeira instância em 4 de Fevereiro de 2016, no processo comum perante tribunal singular, que correu termos na Comarca de Lisboa – Instância Local, Secção Criminal – J5, na vigência do actual regime de recursos, introduzido com a entrada em vigor da 15.ª alteração do Código de Processo Penal, operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, e que teve lugar em 15 de Setembro de 2007, tendo os factos julgados sido praticados no período compreendido entre Junho de 2006 e Novembro de 2009.

    O ora recorrente AA foi condenado pela prática, em autoria material e sob a forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelo artigo 107.º, n.º 1, do RGIT, na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de seis euros e cinquenta cêntimos (6,50 €), o que foi mantido/confirmado pelo acórdão da Relação de Lisboa proferido em 12-10-2016.

 

    A lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão da primeira instância.

     É hoje consensual a ideia de que a recorribilidade se afere por referência à lei que vigora ao tempo da decisão da 1.ª instância, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.

     A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.

     A solução de atender à data da decisão da 1.ª instância foi adoptada como critério a seguir no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça – AUJ (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência) n.º 4/2009 - de 18 de Fevereiro de 2009, proferido no processo n.º 1957/08, desta 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 55, de 19-03-2009, que uniformizou jurisprudência em caso de dupla conforme, mas em que a decisão da 1.ª instância foi proferida antes de 15 de Setembro de 2007, nos termos seguintes: «Nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, é recorrível o acórdão condenatório proferido, em recurso, pela relação, após a entrada em vigor da referida lei, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a oito anos, que confirme decisão de 1ª instância anterior àquela data».

      Especificamente em causa estava a radical modificação dos pressupostos de recorribilidade para o STJ, de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância – os casos chamados de «dupla conforme» – previstos no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), em conjugação com o disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP.

     Face à reiteração assumida em vários acórdãos, é de concluir que é ponto assente na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, afirmada de forma reiterada, uniforme e sedimentada, que a aferição da recorribilidade se faz com referência à lei vigente à data da decisão da primeira instância, pois só então nasce, concretiza, o direito ao recurso.

     A excepção do artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tem campo de aplicação numa situação em que a própria decisão da 1.ª instância foi proferida já no domínio da lei nova, sendo esta de aplicação imediata.

     As várias soluções da jurisprudência, incluído o AFJ n.º 4/2009, formuladas a propósito da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, são perfeitamente transponíveis para o caso presente, até por estar em causa a recorribilidade de uma decisão proferida, em recurso, pela Relação.  


      É admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos contemplados no artigo 432.º do Código de Processo Penal, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o artigo 433.º do mesmo diploma legal.


     Estando em causa um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, vejamos a evolução legislativa sobre admissibilidade de recurso de decisões proferidas, em recurso, pelas relações.

 

    O Código de Processo Penal de 1987, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1988, por força do artigo único da Lei n.º 17/87, de 1 de Junho, introduziu profundas alterações ao regime de recursos constante do CPP de 1929 nos artigos 645.º a 667.º.

    Nota saliente era a introdução de um princípio de tramitação unitária para todas as espécies de recurso e consagração, para todos eles, de possibilidade deste ser liminarmente rejeitado por manifesta falta de fundamento, como constava da alínea 70) do artigo 2.º da Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro, ao definir o sentido e extensão da autorização legislativa de que emergiu aquele Código.

     No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 78/87, ponto III. 7, alínea c), frisando o carácter inovador do regime de recursos, afirmava-se: “Com as inovações introduzidas é pretendido um duplo efeito: potenciar a economia processual numa óptica de celeridade e de eficiência; e ao mesmo tempo, emprestar efectividade à garantia contida num duplo grau de jurisdição autêntico”.

     O Código de Processo Penal manteve-se inalterado neste ponto com a reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 317/95, de 28 de Novembro, o qual procedeu à adequação do CPP às alterações do Código Penal introduzidas pela Lei n.º 48/95, de 15 de Março.

    Correspondendo ao artigo 645.º do CPP de 1929, o artigo 399.º estabelece o princípio geral de ser permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.

    No que toca ao recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça rege o artigo 432.º, que, na versão primitiva, estabelecia: 


Artigo 432.º

(Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça)



      «Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em primeira instância;

b) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri;

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo;

d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores;

e) Noutros casos especialmente previstos na lei».


    Com a reforma de 1987, passou a estabelecer-se a possibilidade de recursos directos para o STJ, que no domínio do CPP de 1929 não estava consagrada, ressalvado o caso excepcional das decisões do tribunal do júri, após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro (artigos 9.º e 10.º, tendo aquele alterado os artigos 474.º a 527.º do CPP, prevendo o artigo 518.º o recurso sobre matéria de facto e o artigo 525.º o recurso restrito à matéria de direito).

    Em consonância, estabelecia o artigo 427.º (Recurso para a relação) que «Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso da decisão proferida por tribunal de primeira instância interpõe-se para a relação».

    O recurso para as relações passou a ser o regime-regra, só havendo lugar a recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos taxativamente previstos nas alíneas do artigo 432.º ou em outras disposições da lei.

    Em consonância, das decisões proferidas pelas relações apenas era admissível recurso das decisões proferidas em primeira instância; as decisões das relações proferidas em recurso não chegavam ao STJ, eram definitivas (cfr. a alínea d) do n.º 1 do artigo 400.º). O sistema geral perfilhado pelo Código admitia um único grau de recurso; o duplo grau de recurso apenas era perfilhado no caso do artigo 446.º, n.º 1.

    Então, não havia recurso de decisões proferidas, em recurso, pelas relações.



Por seu turno, estabelecia o Artigo 400.º

(Decisões que não admitem recurso)



       «1. Não é admissível recurso:

a) De despachos de mero expediente;

b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;

c) De decisões proferidas em processo sumaríssimo;

d) De acórdãos das relações em recursos interpostos de decisões proferidas em primeira instância;

e) Nos demais casos previstos na lei.

    2 - …………………………………………………………………………………….


    Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, Anotado, 1987, Almedina, Coimbra, pág. 464, comentando a alínea d), dizia constituir “inovação de muito relevo, relativamente ao direito anterior. Quando as relações funcionam como tribunal de recurso, normalmente já não haverá lugar a novo recurso para o Supremo. Só o poderá haver no caso excepcional do artigo 446.º, isto é, de decisões proferidas contra jurisprudência obrigatória. Normalmente, passa a haver só um grau de recurso – ou para as relações ou para o Supremo –, assim se reduzirá a duração média dos processos e se economizará actividade processual; em compensação, em cada um desses tribunais superiores dão-se garantias acrescidas, designadamente através do funcionamento pleno do princípio do contraditório e da realização de audiência”.


     A Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, Diário da República, I Série-A, n.º 195, de 25-08-1998, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1999, introduziu a quarta alteração ao Código de Processo Penal e procedeu à sua republicação.

     Alterou o artigo 400.º [altera as alíneas c), d), e) e f), passando a conter a nova alínea g) a integrar o texto da anterior alínea e), sendo modificado igualmente o texto do n.º 2] e o artigo 432.º [altera a redacção das alíneas b) e d), passando a nova alínea c) a integrar o texto da anterior b) e a nova alínea e) a integrar o texto da anterior alínea d)].


     A partir desta alteração foi modificada a competência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas relações. 


     O artigo 432.º do Código de Processo Penal passou a estabelecer: (em itálico, em tipo normal, as inovações; as referências às reproduções das anteriores alíneas vão igualmente em itálico, tal como no texto legal, mas aqui, até para diferenciar, e após o texto subsistente, em tipo de letra menor)



(Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça)

     «Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:


a) De decisões das relações proferidas em primeira instância; (mantida a versão primitiva)

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri [Anterior alínea b)];

d) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;

e) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores. [Anterior alínea d)].

    (O sublinhado da alínea d) é de nossa responsabilidade, unicamente para assinalar a introdução de uma novidade).


     Passou a estabelecer o artigo 400.º do Código de Processo Penal (em itálico, em tipo normal, as inovações; a referência à reprodução da anterior alínea e) vai igualmente em itálico, tal como no texto legal, mas aqui, até para diferenciar, e após o texto subsistente, em tipo de letra menor)


(Decisões que não admitem recurso)


    «1 - Não é admissível recurso:

     a) De despachos de mero expediente;

     b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;

     c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa;

     d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância;

     e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3;

     f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções.

     g) Nos demais casos previstos na lei. [Anterior alínea e)].      

     2 - …………………………………………………………………………………….

    

      Foi igualmente alterada a redacção do artigo 433.º na reforma de 1998 (em 1987 versava sobre “Poderes de cognição”, cujo texto passou para o artigo 434.º)


(Outros casos de recurso)


       «Recorre-se ainda para o Supremo Tribunal de Justiça noutros casos que a lei especialmente preveja».


       Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, Diário da República, 1.ª série, n.º 166, de 29 de Agosto, é introduzida a 15.ª alteração ao Código de Processo Penal.

       A publicação foi rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, in Diário da República, I Série, Suplemento, n.º 207, de 26 de Outubro, que no que ora importa, procedeu a rectificação no que respeita ao artigo 432.º, n.º 1, nestes termos:

em vez de

“1 -……...................................................................................................”, passa a ler-se

“1. (Anterior corpo do artigo)”.

      Esta declaração de rectificação foi por sua vez rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, in Diário da República, I Série, n.º 216, de 9 de Novembro, republicando integralmente a Declaração de rectificação, a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto e o respectivo anexo com a republicação do Código de Processo Penal.

     O artigo 432.º do Código de Processo Penal passa a estabelecer: (em itálico, em tipo normal, as inovações; a referência à reprodução da anterior alínea e) vai igualmente em itálico, tal como no texto legal, mas aqui, até para diferenciar, e após o texto subsistente, em tipo de letra menor)


(Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça)


1. Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: (Anterior corpo do artigo)

a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância; (mantida a versão primitiva)

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º; (mantida a versão anterior)

 c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;

 d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores. [Anterior alínea e)].

 2. Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º.



       Passou a estabelecer o artigo 400.º, n.º 1, do Código de Processo Penal:

(Decisões que não admitem recurso)



  1 – Não é admissível recurso:

    a) De despachos de mero expediente; (mantida a versão anterior)

    b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal; (mantida a versão anterior)

   c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo;

   d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância; (mantida a versão anterior)

    e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade;

     f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

   g) Nos demais casos previstos na lei. (mantida a versão anterior).      

 2 – ……………………………………………………………………………………

 3 – ………………………………………………………………………..…………..


     A Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 37, de 21-02, entrada em vigor em 24 de Março de 2013 (artigo 4.º, n.º 1), que introduziu a 20.ª alteração do CPP, altera o artigo 400.º, n.º 1, alíneas d) e e).

 


O artigo 400.º do Código de Processo Penal passou a estabelecer:

(Decisões que não admitem recurso)



 1 – Não é admissível recurso:

    a) De despachos de mero expediente; (mantida a versão anterior)

    b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal; (mantida a versão anterior)

    c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo; (mantida a versão anterior)

    d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos;

   e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos;

   f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos; (mantida a versão anterior)

  g) Nos demais casos previstos na lei. (mantida a versão anterior).      

2 – ….………………………………………………………………………………...

 3 – ……….…………………………………………………………………………...


       Na alínea e) a inovação consistiu em aditar a alternativa “ou pena de prisão não superior a 5 anos”.

 

    (Os preceitos em causa actualmente em vigor têm-se mantido inalterados nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto (aprova o Regime do segredo de Estado e altera o artigo 137.º, n.º 3), pela Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril (Diário da República, 1.ª série, n.º 72, de 14-04, opera a 22.ª alteração – altera os artigos 105.º, 283.º, 284.º, 285.º, 315.º, 316.º, 328.º, 364.º, 407.º e 412.º e adita o artigo 328.º-A), pela Lei n.º 58/2015, de 23 de Junho (Diário da República, 1.ª série, n.º 120, procede à 23.ª alteração, actualizando a definição de terrorismo e alterando o teor da alínea i) do artigo 1.º), pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 173, procede à 23.ª (rectius, 24.ª) alteração e aprova o Estatuto da Vítima, alterando os artigos 68.º, 212.º, 246.º, 247.º, 292.º e 495.º e adita artigo 67.º-A), pela Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 39, que procede à 25.ª alteração ao CPP, eliminando a possibilidade de aplicação do processo sumário a crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, alterando os artigos 13.º, 14.º, 16.º, 381.º, 385.º, 387.º, 389.º e 390.º), pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 244, de 22 de Dezembro – 26.ª alteração, alterando a redacção do artigo 318.º, pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio (Diário da República, 1.ª série, n.º 100, de 24 de Maio de 2017) – 27.ª alteração – altera n.º 4 do artigo 200.º (violência doméstica), pela Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio (Diário da República, 1.ª série, n.º 104, de 30 de Maio de 2017), que transpõe a Directiva 2014/42/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Abril de 2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia – Vigésima sétima (sic) alteração ao CPP, que pelo artigo 15.º, altera a redacção dos artigos 58.º, n.º 1, alínea b), 178.º, 186.º, 192.º, 227.º, 228.º, 268.º, 335.º e 374.º, n.º 3, alínea c), do CPP, e que pelo artigo 16.º, adita o artigo 347.º-A, relativo a “Declarações do terceiro titular dos instrumentos, produtos ou vantagens susceptíveis de ser declarados perdidos a favor do Estado, pela Lei n.º 94/2017 de 23 de Agosto, Diário da República, 1.ª série, n.º 162/2017, de 23 de Agosto, pelo artigo 13.º, alínea c), revoga o artigo 487.º e o Capítulo II do Título II do Livro X do CPP e pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, Diário da República, 1.ª série, n.º 249, de 29-12-2017 (Orçamento do Estado para 2018), pelo artigo 293.º alterou o artigo 185.º, n.ºs 1, 4 e 5].

    A interpretação do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, suscitou soluções divergentes nas Secções Criminais deste Supremo Tribunal.


    Dessa oposição de julgados emergiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/2013, datado de 9 de Outubro de 2013, proferido no processo n.º 11453/10.9TDLSB.L1.S1-A, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 219, de 12 de Novembro de 2013.

    Como se assinala na fundamentação estavam em causa situações de exercício do direito ao recurso anteriores à vigência da Lei n.º 20/2013, no âmbito da vigência da Lei n.º 48/2007, sendo este o regime aplicável por ser o que vigorava na data em que foi proferida a decisão da 1.ª instância, afirmando a natureza transitória da fixação face à solução da questão pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro e focando a natureza interpretativa da mesma Lei.

    O acórdão fixou a seguinte jurisprudência:

    “Da conjugação das normas do artigo 400.º, alíneas e) e f) e artigo 432.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão”


       Posições do Tribunal Constitucional 


     No domínio da versão de 1998 do Código de Processo Penal (Lei n.º 59/98), o acórdão n.º 49/2003, de 29 de Janeiro, proferido no processo n.º 81/2002, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 16-04-2003 e em Acórdãos do Tribunal Constitucional (ATC), volume 55, versando sobre caso de acórdão condenatório, que não confirma a decisão absolutória proferida em primeira instância e a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/98, considerou que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.

    Neste acórdão considera-se que o direito ao recurso, no domínio do processo penal, se basta com a existência de um duplo grau de jurisdição, mesmo em situações de acórdãos condenatórios, proferidos pelas Relações, revogatórios de decisões absolutórias da 1.ª instância, neste sentido se pronunciando igualmente os acórdãos n.º 390/2004, de 2 de Junho de 2004, processo n.º 651/03-2.ª Secção, versando sobre a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, publicado no Diário da República, II Série, de 07-07-2004 e ATC, volume 59, pág. 543), n.º 255/2005, de 24 de Maio, processo n.º 159/05-1.ª Secção, n.º 487/2006, de 20 de Setembro, processo n.º 622/06 (ATC, volume 66, pág. 815, sumário), n.º 682/2006, de 13 de Dezembro, processo n.º 844/06-2.ª Secção (ATC, volume 66.º, pág. 835, sumário).

    O acórdão n.º 424/2009, de 14 de Agosto, proferido no processo 591/09-2.ª Secção, decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), conjugada com a norma do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 48/2007, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão efectiva.

   Os acórdãos n.º 419/2010, de 9 de Novembro de 2010, proferido no processo n.º 296/10 da 2.ª Secção, e n.º 589/2011, de 30 de Novembro de 2011, no processo n.º 634/11, da 3.ª Secção, seguiram a mesma orientação.

       Em sentido oposto decidiu o acórdão n.º 591/2012, de 5 de Dezembro de 2012, 1.ª Secção: 

  “Julgar inconstitucional a interpretação normativa resultante da conjugação das normas da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º e alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, segundo a qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas relações, em recurso, que aplique pena privativa da liberdade inferior a cinco anos, quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).

       O Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Plenário, invocando a solução oposta do acórdão n.º 424/2009.


      Na sequência, o acórdão do Plenário n.º 324/2013, de 4 de Junho de 2013, proferido no processo n.º 87/12, publicado no Diário da República, II Série, n.º 145, de 30 de Julho de 2013, com uma declaração de voto e dois votos de vencido, decidiu:

     “Julgar inconstitucional a interpretação normativa resultante da conjugação das normas da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º e da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, segundo a qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas relações, em recurso, que aplique pena privativa de liberdade inferior a 5 anos, quando o tribunal de 1.ª instância tenha aplicado pena não privativa de liberdade, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa)”.

      (Este acórdão é referido no mencionado AFJ n.º 14/2013, de 9-10-2013, no ponto 13, pág. 6447, e novamente em I.2, na pág. 6448 do Diário da República).


     Mais tarde, no acórdão n.º 399/2014, de 7 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1348/13-2.ª Secção, considera-se que o Supremo Tribunal de Justiça apreciou a questão de constitucionalidade colocada por tal interpretação normativa em sentido divergente ao afirmado no acórdão n.º 324/2013, sem que tal apreciação se fundamentasse em argumentos ou elementos novos ou se traduzisse em ponderações diferentes das realizadas pelo Plenário deste tribunal.

      O acórdão entende manterem actualidade os fundamentos que no acórdão n.º 324/2013 conduziram ao juízo de inconstitucionalidade, afirmando: “Esses mesmos fundamentos levam a concluir pela inconstitucionalidade da interpretação normativa que, com base na respectiva qualificação como norma meramente interpretativa, determina a aplicabilidade imediata da redacção conferida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, ao artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal”.

       E decide:

       «Julgar inconstitucional a interpretação normativa do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, com a redacção dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, segundo a qual aquele artigo, com a redacção dada por esta Lei, constitui norma interpretativa do mesmo artigo com a redacção anterior – ou seja, a que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto –, sendo, por isso, de aplicação imediata, a estatuição de irrecorribilidade de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena de prisão não superior a cinco anos, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa)».

     O acórdão recorrido neste caso foi o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 258/06.1IDLSB.L1.S1, desta 3.ª Secção.


     O Acórdão n.º 163/2015, de 4 de Março de 2015, proferido no processo n.º 939/14, da 3.ª Secção, concordou com decisão sumária antes proferida segundo a qual “não viola o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, no sentido da irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão proferido em recurso, pelo Tribunal da Relação, que aplique pena de prisão não superior a cinco anos, ainda que a decisão da 1.ª instância seja absolutória”.


      O Acórdão n.º 245/2015, de 29 de Abril de 2015, processo n.º 244/15, da 2.ª Secção é defendida a constitucionalidade da norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º 20/2013, defendendo a suficiência do acórdão da Relação, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição constitucionalmente exigido em matéria penal, convocando nesse sentido, os Acórdãos n.ºs 49/2003, 424/2009 e 419/2010. Em causa revogação de pena suspensa da pena de 5 anos de prisão aplicada.

       Este acórdão é citado no Acórdão n.º 398/2015, como veremos de seguida.


     O Acórdão n.º 398/2015, de 17 de Agosto de 2015, proferido no processo n.º 738/15, da 1.ª Secção, pronunciou-se em caso em que era aplicável a versão da Lei n.º 20/2013, podendo aí ler-se:

     “No caso presente, todavia, não está em causa a aplicabilidade imediata da nova redação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP, visto que as decisões condenatórias foram todas proferidas no âmbito da vigência da lei nova, pelo que a dimensão interpretativa subjacente ao Acórdão n.º 399/2014 não tem, aqui, qualquer aplicação, nem, ademais, a questão vem colocada em tais termos. Pelo contrário, na redação atual e, em particular, na interpretação acolhida na decisão recorrida, a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP não merece qualquer censura. Como se refere no Acórdão n.º 163/2015, remetendo para a decisão sumária que o antecedeu:

      “ […]

       Conclui-se que não viola o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, no sentido da irrecorribilidade, para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão proferido em recurso, pelo Tribunal da Relação, que aplique pena de prisão não superior a cinco anos, ainda que a decisão da 1.ª Instância seja absolutória. Tal interpretação não viola igualmente o princípio da legalidade, uma vez que o teor textual do preceito, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro – ao contrário do que acontecia relativamente à redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto – inclui o sentido interpretativo em análise, não valendo, assim, neste âmbito, as razões de censura constitucional aduzidas no Acórdão n.º 324/2013 […].

       […]’.

       Ou, na formulação do Acórdão n.º 245/2015:

      ‘[…]

       ‘Na verdade, o Tribunal concluiu [no Acórdão n.º 343/2013] pela inconstitucionalidade de interpretação normativa de teor idêntico extraída dos referidos preceitos, mas na redacção conferida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, por violação do princípio da legalidade criminal. O que então se sancionou – o processo interpretativo pelo que se extraiu, dos referidos preceitos, a irrecorribilidade de tais arestos para o Supremo Tribunal de Justiça – foi posteriormente sanado com a nova redacção dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, ao artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, a qual veio prever expressamente a irrecorribilidade de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a cinco anos. Assim, não é aplicável a jurisprudência convocada pelo recorrente na sua reclamação. Subsiste incólume, por conseguinte, a fundamentação da decisão ora reclamada, nomeadamente no tocante à suficiência do acórdão da relação, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição constitucionalmente exigido em matéria penal, já que o arguido tem a possibilidade de, perante tal instância de recurso, fazer valer as suas razões de defesa (cfr. o Acórdão n.º 49/2003 e, por aplicação dos respectivos fundamentos a hipóteses normativas substancialmente idênticas, os Acórdãos n.ºs 424/2009 e 419/2010 […].

       […]’

       Constitui, pois, jurisprudência estabilizada do Tribunal Constitucional que, na redacção atual, o artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP, interpretado no sentido da irrecorribilidade da decisão condenatória do Tribunal da Relação que aplica pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, mesmo quando assim agrava a medida da pena de prisão efectiva aplicada pelo tribunal de primeira instância, não viola o disposto no artigo 29.º, n.º 1 da CRP, ou seja, não ofende o princípio da legalidade criminal.

       Vale tudo isto, enfim, pela improcedência do recurso. É o que resta formular decisoriamente.

     3. Assim, na improcedência do recurso, decide-se: não julgar inconstitucional a interpretação – aqui adotada pela decisão recorrida – do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal, com a redacção dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, no sentido da irrecorribilidade da decisão condenatória do Tribunal da Relação que aplique pena de prisão efectiva não superior a cinco anos, assim agravando a medida da pena de prisão efectiva aplicada pelo tribunal de primeira instância”.

      (Realces nossos).


     O Acórdão n.º 412/2015, de 29 de Setembro de 2015, proferido no processo n.º 1002/14, da 1.ª Secção, com um voto de vencido, decidiu:

     «Julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, resultante da revisão introduzida no CPP pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, que estabeleceu a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efectiva não superior a cinco anos, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição)».


     O Acórdão n.º 533/2015, de 14 de Outubro de 2015, processo n.º 622/2015, da 3.ª Secção, pronunciou-se pela constitucionalidade da norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, no segmento aditado pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, em caso em que a 1.ª instância condenara o arguido por tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos de prisão, com suspensão da execução da pena, suspensão que foi revogada pelo Tribunal da Relação. Invocando o acórdão n.º 72/2015, refere: “Mostra-se já assegurado, em tal hipótese normativa, o direito ao duplo grau de jurisdição que a Constituição consagra no n.º 1 do artigo 32.º da Lei Fundamental, pois que o arguido, na resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público teve a oportunidade de expor perante o Tribunal da Relação as suas razões de defesa”.


     Do acórdão n.º 412/2015, supra citado, foi interposto recurso para o Plenário que, pelo Acórdão n.º 429/2016, de 13 de Julho de 2016, com cinco votos de vencido, decidiu:

     «Julgar inconstitucional a norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efectiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição».


      Noutra perspectiva, a irrecorribilidade é impeditiva de apreciação de nulidade, posterga essa possibilidade.

      Assim, o acórdão n.º 390/2004, de 2 de Junho de 2004, proferido no processo n.º 651/03 da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Julho de 2004 e ATC, volume 59, págs. 543 a 554, com declaração de voto, decidiu não julgar inconstitucional a norma constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na dimensão normativa traduzida na irrecorribilidade de acórdão condenatório da Relação, ainda que o fundamento desse recurso se traduza na respectiva nulidade.

      Pode ler-se na fundamentação: “Aliás, admitindo-se a constitucionalidade das normas que prevêem a existência apenas de um duplo grau de jurisdição, mesmo quando está em causa a «bondade» do julgamento efectuado, maiores razões existem para não se terem por desconformes com a Lei Fundamental aquelas disposições que limitam o recurso ao mesmo segundo grau de jurisdição em caso de existência de nulidades da decisão, que advêm essencialmente da violação de regras processuais ou procedimentais, quando está aí garantido o direito de reclamação para apreciação dessas nulidades para o órgão jurisdicional que exerceu o último grau de jurisdição”.

       

      Neste sentido o acórdão n.º 659/2011, de 21 de Dezembro, proferido no processo n.º 670/11, da 2.ª Secção, decidiu:

      «Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não ser admissível o recurso de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que confirma a decisão de 1.ª instância e aplique pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo no caso de terem sido arguidas nulidades de tal acórdão».


     Através deste Acórdão n.º 659/2011, esclareceu-se o seguinte:

      «Também no caso dos autos, tendo sido assegurado aos arguidos um duplo grau de jurisdição (uma vez que tiveram a possibilidade de, face à mesma imputação penal, defender-se perante dois tribunais: o tribunal de 1.ª instância e o tribunal da Relação), a questão que se coloca é a de saber se, tendo sido arguidas nulidades do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, é inconstitucional limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, por aplicação da regra da dupla conforme, prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal. (…) Importa, antes de mais, ter em consideração o regime de arguição e conhecimento das nulidades em processo penal, que garante, mesmo em caso de irrecorribilidade, a possibilidade de serem arguidas nulidades da decisão perante o tribunal que a proferiu (como, aliás, aconteceu no presente caso), tendo este poderes para suprir as eventuais nulidades cuja existência reconheça (cfr. artigos 379º nº 2, e 414°, n.º 4, do Código de Processo Penal).

      Ora, sendo certo, conforme se disse, que o artigo 32.º n.º 1, da Lei Fundamental, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, resta verificar se, nos casos em que o Tribunal da Relação profere acórdão em que mantém a decisão condenatória da 1.ª instância e é arguida a nulidade de tal acórdão, se mostra cumprida a garantia constitucional do direito ao recurso, quando exige que o processo penal faculte à pessoa condenada pela prática de um crime a possibilidade de requerer uma reapreciação do objeto do processo por outro tribunal, em regra situado num plano hierarquicamente superior.

      Com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional. E o facto de, na sequência dessa reapreciação, terem sido arguidas nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não constitui motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso.

      Com efeito, a circunstância de os recorrentes terem arguido nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não modifica o objeto do processo uma vez que, tal como a decisão da 1ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa.

      O Acórdão do Tribunal da Relação constitui, assim, já uma segunda pronúncia sobre o objeto do processo, pelo que não há que assegurar a possibilidade de aceder a mais uma instância de controle, a qual resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição.

      Por outro lado, existindo sempre a possibilidade de arguir as referidas nulidades perante o tribunal que proferiu a decisão, mesmo quando esta seja irrecorrível, a apreciação de nulidades do acórdão condenatório não implica a necessidade de existência de mais um grau de recurso, tanto mais em situações, como a dos autos, em que existem duas decisões concordantes em sentido condenatório (uma vez que o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância nesse sentido).

       Acresce que, se fosse entendido que a arguição da nulidade de um acórdão proferido em recurso implicaria, sempre e em qualquer caso, com fundamento no direito ao recurso em processo penal, a abertura de nova via de recurso, ter-se-ia de admitir também o recurso do acórdão proferido na terceira instância, com fundamento na sua nulidade, e assim sucessivamente, numa absurda espiral de recursos..

      Impõe-se, pois, concluir que não é constitucionalmente censurável, neste caso, a exclusão do terceiro grau de jurisdição e que a interpretação normativa objeto de fiscalização não viola o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição». (Negrito e sublinhados nossos).

      A fundamentação deste acórdão n.º 659/2011 foi corroborada pelo acórdão n.º 194/2012 da 3.ª Secção e pelo já referido acórdão n.º 399/2013, de 15 de Julho de 2013, proferido no processo n.º 171/13, da 2.ª Secção, este respeitante à alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, mas seguindo de perto o acórdão n.º 659/2011. (Os dois acórdãos estão disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.).

      No acórdão n.º 228/2014, de 6 de Março de 2014, proferido no processo n.º 920/13, da 3.ª Secção, foi mantida a decisão sumária que concluíra pela inadmissibilidade do recurso e consequente não conhecimento do respectivo objecto, não deixando de referir o decidido quanto a não inconstitucionalidade da interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, no Acórdão n.º 194/2012, que remete para a fundamentação do Acórdão n.º 659/2011.

      A decisão sumária n.º 114/2014, proferida no processo n.º 139/14-2.ª Secção, de 12 de Fevereiro de 2014 (no âmbito do processo n.º 1027/11.2PCOER.L1.S1 desta 3.ª Secção, podendo ver-se a sua evolução no acórdão de 10-09-2014, por nós relatado, a fls. 7, tendo surgido na sequência de indeferimento da reclamação do despacho que não admitira recurso de um dos arguidos), transpondo as razões expostas no acórdão n.º 659/2011, decidiu “não julgar inconstitucional a norma extraída da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de determinar a irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação ao qual seja imputada uma nulidade”.

      O recorrente reclamou para a conferência, tendo o acórdão n.º 290/2014, de 26 de Março de 2014, indeferido a reclamação.   

      O arguido deduziu ainda incidente de aclaração, e por acórdão de 7 de Maio de 2014 (acórdão n.º 391/2014) foi indeferida a aclaração.

  

       O Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado sobre o ponto, tendo em conta a nova redacção da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, do modo que segue.

      Segundo o acórdão de 20-11-2013, proferido no processo n.º 258/06.1IDLSB.L1.S1-3.ª – (Acórdão recorrido no acórdão do TC n.º 399/2014):

       “A nova redacção da al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21-02, limitou-se a clarificar a interpretação que o legislador considera mais adequada, dentre as interpretações possíveis, ainda na vigência da anterior redacção do mesmo preceito (Lei n.º 48/2007, de 29-98), quanto à admissibilidade de recurso para o STJ dos acórdãos das Relações que apliquem penas privativas da liberdade não superiores a 5 anos. 

       A Lei n.º 20/2013 veio por termo a essas dúvidas, estabelecendo expressamente a irrecorribilidade dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que “apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos”.

       Como lei interpretativa, a nova lei integra-se na lei interpretada, nos termos do n.º 1 do art. 13.º do CC, deve ser aplicada imediatamente e não pode ser arguida de retroactiva, uma vez que ela correspondia já a uma das interpretações possíveis da lei, não sendo susceptível de frustrar expectativas seguras e legitimamente fundadas por parte do arguido.

       O AFJ 14/2013 consagrou tal entendimento.

       Lê-se no sumário do acórdão de 06-02-2014, proferido no processo n.º 315/11.2JACBR.C1.S1 da 3.ª Secção:

       “A al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, na redação da Lei 48/2007, de 29-08, no domínio da qual foi proferida a decisão condenatória, era a seguinte: “1. Não é admissível recurso: (...) e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade (…)”.

       No domínio desta lei, suscitaram-se sérias dúvidas sobre a interpretação da norma a nível jurisprudencial, inclusivamente no STJ, onde surgiram decisões contraditórias quanto à admissibilidade de recurso dos acórdãos das Relações que apliquem penas privativas da liberdade não superiores a 5 anos. Enquanto na 3.ª Secção se adotou uma orientação uniforme no sentido de que o recurso não é admissível, já na 5.ª Secção prevaleceu o entendimento oposto.

       A Lei 20/2013, de 21-02, veio estabelecer a irrecorribilidade dos acórdãos das Relações que apliquem, em recurso, pena de prisão não superior a 5 anos. É evidente, no contexto, a intenção interpretativa da nova lei. Uma intenção que é incontestável até porque confessada sem ambiguidades pelo próprio legislador na Exposição de Motivos da Proposta de Lei 77/XII, que está na origem daquela lei.

       A nova redação não é, pois, inovadora, porque se limita a escolher, melhor, a clarificar qual, dentre duas interpretações possíveis e efetivamente adotadas em decisões da jurisprudência, é aquela que o legislador considera a adequada. Como lei interpretativa, a nova lei integra-se na lei interpretada, nos termos do art. 13.º, n.º 1, do CC, e deve ser aplicada imediatamente, não podendo ser arguida de retroativa, uma vez que ela correspondia já a uma das interpretações possíveis da lei, não sendo assim suscetível de frustrar expetativas seguras e legitimamente fundadas por parte do arguido. Esta foi a orientação fixada pelo AFJ 14/2013 do STJ, publicado no DR, I Série-A, de 12-11-2013.

       Revertendo ao caso dos autos, há que concluir pela irrecorribilidade do acórdão da Relação impugnado, uma vez que aplicou pena de prisão não superior a 5 anos (a Relação manteve a pena de 5 anos aplicada em 1.ª instância, tendo determinado a revogação da suspensão da execução da mesma e o cumprimento efectivo da pena).

       E no sumário do acórdão de 13-02-2014, proferido no processo n.º 789/11.1JAPRT.P1.S1, da 5.ª Secção:

       “O arguido foi condenado em 1.ª instância pela prática de um crime agravado de abuso sexual de crianças dos arts. 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, al. a), do CP, na pena de 5 anos de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de 5 anos, com sujeição a regime de prova. Interposto recurso pelo MP, o Tribunal da Relação decidiu condenar o arguido pela prática de 33 crimes de abuso sexual de crianças na pena de 18 meses de prisão, por cada um deles, e, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 6 anos de prisão.

       As divergências jurisprudenciais sobre a admissibilidade de recurso para o STJ nestes casos, foram ultrapassadas pelo AFJ 14/2013, de 09-10, no qual se decidiu: “Da conjugação das normas do art. 400.º, als. e) e f), e art. 432.º, n.º 1, al. c), ambos do CPP, na redacção da Lei 48/2007, de 29-08, não é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão.”.

        Deste modo, não é admissível recurso quanto à questão da qualificação jurídica dos factos por, no quadro da alteração da qualificação jurídica a que a Relação procedeu, o recorrente ter acabado por ser condenado em penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão.

       Nesta ponderação, tem-se por ajustada a pena conjunta de 5 anos de prisão, que ficará suspensa na sua execução, por igual período, com regime de prova, segundo plano de reinserção social a acompanhar na 1.ª instância (arts. 50.º, 53.º e 54.º do CP)”.

       Para o acórdão de 14-05-2014, proferido no processo n.º 19/11.6IDSTB.L1.S1 da 3.ª Secção:

       “De acordo com a al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, não admite recurso para o STJ o acórdão do Tribunal da Relação proferido em recurso que, alterando a decisão do tribunal de 1.ª instância que tinha absolvido os arguidos, os condenou em pena de multa”.

       Consta do acórdão de 22-05-2014, proferido no processo n.º 10/12.5SFPRT.P1.S1 da 5.ª Secção:

       “Tendo o STJ, no AFJ n.º 14/2013, entendido que a Lei n.º 20/2013 constitui uma lei interpretativa, poder-se-ia considerar que o recurso devesse ser rejeitado, por se entender que a nova redação da al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP é igualmente aplicável às situações anteriores à sua entrada em vigor, dado que veio a ter força de lei o entendimento que o STJ tinha fixado no acórdão referido.

       A aplicabilidade imediata da modificação introduzida pela Lei 20/2013, de 21-02, ao art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP apenas se pode basear na consideração de que tal diploma detém a natureza de modificação legislativa de caráter interpretativo.

       O entendimento da Lei 20/2013 como uma lei interpretativa, nos termos e com as consequências previstas no art. 13.º do CC, possibilitando uma sua aplicação retroativa, pressupõe um entendimento constante e pacífico sobre a questão em discussão, o que de todo não se pode afirmar com o simples aparecimento do AFJ n.º 14/2013.

       Em matéria processual penal as novas leis são de aplicação imediata, salvo quando esta aplicação constitua um “agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa” (art. 5.º, n.º 2, al. a) do CPP).

       Ora, a interpretação que veio a ser consagrada no AFJ n.º 14/2013, constitui uma limitação do direito ao recurso não expressamente previsto na norma que estabelecia as situações de inadmissibilidade de recurso.

       Uma lei interpretativa é caracterizada por dois aspectos fundamentais: “1.º Ela intervém para decidir uma questão de direito cuja solução era controvertida ou incerta no domínio de vigência da LA. (...); 2.º A lei interpretativa, para o ser, há-de consagrar uma solução a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado no domínio da legislação anterior.”

       Ora, não só a matéria estava em debate quando a Lei 20/2013 surgiu, como a corrente jurisprudencial que impedia a interposição do recurso para o STJ de acórdão da Relação que aplicasse pena de prisão inferior a 5 anos, quando a 1.ª instância tivesse aplicado pena de substituição de execução da pena de prisão, tinha já sido objeto de declaração de inconstitucionalidade, ou seja, pode dizer-se que o legislador com a nova redação dada ao art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, veio consagrar uma interpretação que, no entanto, o julgador e o intérprete não estavam autorizados a dar-lhe, por inconstitucional, por violação do princípio da legalidade.

       Além do mais, “sabemos que, fundamentalmente, a não aplicação da regra da não retroactividade às leis interpretativas se baseia no facto de a aplicação «retroactiva» destas leis não violar quaisquer expectativas legítimas e fundadas dos indivíduos”.

       Ora, pode dizer-se que no caso existiam legítimas expectativas em ver seu recurso admitido no STJ: não só porque o acórdão da Relação foi proferido em momento anterior (a 18-09-2013) ao do AFJ (de 09-10-2013 e publicado a 12-11-2013), como também pelo facto de existir jurisprudência constitucional a afirmar a inconstitucionalidade do entendimento que veio a ser consagrado naquele acórdão do STJ”.

       Como se extrai do acórdão de 12-06-2014, proferido no processo n.º 271/07.1SAGRD.L1.S1 da 5.ª Secção:

       “O acórdão da 1.ª instância foi proferido em data anterior à Lei 20/2013, de 21-02, entrada em vigor a 24-03-2013. Mesmo merecendo a crítica do TC, é de aplicar, em matéria de recorribilidade, a acórdãos proferidos em 1.ª instância, em data anterior a 24-03-2013, o entendimento do AFJ 14/2013, de 12-11, segundo o qual a norma da al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, na redação da Lei 20/2013, de 21-02, é uma norma interpretativa, que portanto se integra na norma interpretada, ou seja, a anterior redação do preceito (da Lei 48/2007, de 29-08), e, nessa medida, não são recorríveis os acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena não superior a 5 anos”.

       Para o acórdão de 10-09-2014, proferido no processo n.º 11/01.9TELSB.P2.S1da 5.ª Secção “Muito embora o STJ, através do Ac. n.º 14/2013, tenha fixado jurisprudência noutro sentido (“Da conjugação das normas do arts. 400.º, n.º 1, als. e) e f), e 432.º, n.º 1, al. c), ambos do CPP, na redacção da Lei 48/2007, de 29-08, não é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão”), o TC veio a julgar inconstitucional a interpretação normativa no sentido de que a recorribilidade, para o STJ, de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem penas privativas de liberdade, está dependente de as mesmas serem superiores a 5 anos de prisão.

       Deste modo, à luz do art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, na versão da Lei 48/2007, vigente à data da interposição dos recursos, é recorrível para o STJ a decisão da Relação na parte em que condenou os arguidos pela prática do crime de associação criminosa em penas de prisão não superiores a 5 anos”.

       No acórdão de 8-10-2015, por nós relatado no processo n.º 18.068/11.2TDPRT.P1.S1, em caso de pornografia de menores, vinha interposto recurso de acórdão da Relação do Porto, que revogou a suspensão da execução da pena de 4 anos de prisão aplicada na primeira instância, estando em causa a admissibilidade do recurso face ao disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, tendo o recurso sido rejeitado.

       Extrai-se do acórdão de 14-12-2016, proferido no processo n.º 6242/13.1TAVNG.P1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto:

       “Não incumbe ao STJ, por não se circunscrever no âmbito dos seus poderes de cognição, apreciar e julgar recurso interposto de acórdão do tribunal da relação que em recurso interposto de decisão de 1.ª instância, aplicou pena não privativa da liberdade (pena de multa), atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e) e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP.

Tal irrecorribilidade não traduz qualquer diminuição das garantias de defesa nem prejudica o arguido, nem limita o exercício do direito ao recurso, uma vez que o art. 32.º, n.º 1, da CRP, não confere a obrigatoriedade de um duplo grau de recurso, ou terceiro grau de jurisdição, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária”.

       No acórdão de 25-01-2017, proferido no processo n.º 231/11.8IDLSB.L2.S1, o recorrente vinha condenado por crime de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na execução, condicionada ao pagamento de quantia ilíquida, o que tudo foi mantido/confirmado por acórdão da Relação de Lisboa, tendo o recurso sido rejeitado.

       Extrai-se do acórdão de 30-03-2017, processo n.º 83/13.3GBCNF.C1.S1-5.ª “Não é admissível recurso de acórdão proferido, em recurso, pela relação, que aplique pena de prisão de 4 anos e 6 meses quando, na primeira instância, fora aplicada pena de substituição de suspensão de execução dessa pena de prisão”.

      No acórdão de 27-04-2017, proferido no processo n.º 261/10.7JALRA.E2.S1, foi rejeitado o recurso do arguido MM, condenado por detenção de arma proibida, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na execução por igual período.

      Podem ver-se ainda os acórdãos de 29-03-2017, processo n.º 33/13.7GBLRA.C1.S1-3.ª; de 10-05-2017, processo n.º 122/13.8TELSB-AH.L1.S1-3.ª (pedido de recusa) e processo n.º 109/13.0GAMDB.G1.S1.3.ª; de 24-05-2017, processo n.º 1262/09.3TAVIS.C1-3.ª e de 18-01-2018, processo n.º 141/13.4GCALQ.L1.S1-3.ª.

     


*****


       Esta solução quanto a irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição pela 4.ª Revisão Constitucional (introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro – Diário da República, I Série -A, n.º 218/97, de 20-09-1997, entrada em vigor em 5 de Outubro de 1997).

       O direito ao recurso em matéria penal inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, por a Constituição, no seu artigo 32.º, se bastar com um duplo grau de jurisdição, já concretizado no caso dos autos, aquando do julgamento pela Relação.

       No caso em reapreciação, há uma afirmação de identidade de decisão completa, total, no que respeita à condenação pelo crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, em pena não privativa de liberdade (multa), estando-se, pois, perante a assunção de uma dupla conforme condenatória total, mostrando-se cumprido o duplo grau de jurisdição exercido pela Relação em via de recurso.

       As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o 3.º grau de jurisdição, por a Constituição, no seu artigo 32.º, se bastar com um 2.º grau, já concretizado no presente processo.

      O acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação em segunda instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição.


     O Tribunal Constitucional tem sido chamado a decidir da constitucionalidade quanto à perspectiva de violação do direito ao recurso, a propósito das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, concretamente se o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição impõe um duplo recurso ou um triplo grau de jurisdição em matéria penal, sendo a resposta maioritariamente no sentido negativo.

       Exemplificando: Acórdãos n.º 189/2001, de 3 de Maio, proferido no processo n.º 168/01-1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal ConstitucionalATC – volume 50, pág. 285), 215/2001, 336/2001, 369/2001, de 19 de Julho; 435/2001, de 11 de Outubro; 451/2003, de 14 de Outubro, processo n.º 527/03-1.ª Secção; 495/2003, de 22 de Outubro de 2003, processo n.º 525/03-3.ª Secção (citando os acórdãos n.º s 189/2001 e 369/2001); 102/2004, de 11 de Fevereiro; supra citado 390/2004, de 2 de Junho de 2004, proferido no processo n.º 651/03 da 2.ª Secção, versando sobre a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Julho de 2004 e ATC, volume 59, págs. 543 a 554; 610/2004, de 19 de Outubro; 640/2004 (supra citado), 104/2005, de 25 de Fevereiro; 255/2005, de 24 de Maio, processo n.º 159/05-1.ª Secção; 64/2006 (supra citado); 140/2006, de 24 de Março; 487/2006, de 20 de Setembro, processo n.º 622/06 (ATC, volume 65, pág. 815, sumário); 682/2006, de 13 de Dezembro, processo n.º 844/06-2.ª Secção (ATC, volume 66, pág. 835, sumário); 263/2009, de 25 de Maio, processo n.º 240/09-1.ª Secção (ATC, volume 75, pág. 249); 551/2009, de 27 de Outubro, 3.ª Secção (ATC, volume 76, pág. 566, sumário); 645/2009, de 15 de Dezembro, processo n.º 846/09- 2.ª Secção (ATC, volume 76, pág. 575); 174/2010, de 4 de Maio, processo n.º 159/10-1.ª Secção; 175/2010, de 4 de Maio, processo n.º 187/10-1.ª Secção; e 659/2011, de 21 de Dezembro, processo n.º 670/11, da 2.ª Secção, supra citado.

         

     O Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que o direito ao recurso como garantia de defesa do arguido não impõe um duplo grau de recurso.

     O Tribunal Constitucional sempre entendeu a garantia do duplo grau de jurisdição enquanto respeitando ao direito ao recurso relativo a decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais – Acórdãos n.º 265/94, Diário da República, II Série, de 19 de Julho de 1994; n.º 610/96, Diário da República, II Série, de 6 de Julho de 1996; n.º 468/97; n.º 216/99, Diário da República, II Série, de 6 de Agosto de 1999; n.º 113/00.

     A apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas – neste sentido, o já acima citado acórdão n.º 49/2003, de 29 de Janeiro, proferido no processo n.º 81/2002, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 16-04-2003 e em ATC, volume 55, versando sobre caso de acórdão condenatório, que não confirma a decisão absolutória proferida em primeira instância e a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/98.

     Neste acórdão considera-se que o direito ao recurso, no domínio do processo penal, se basta com a existência de um duplo grau de jurisdição, mesmo em situações de acórdãos condenatórios, proferidos pelas Relações, revogatórios de decisões absolutórias da 1.ª instância, neste sentido se pronunciando igualmente os supra referidos acórdãos n.º 255/2005, de 24 de Maio, processo n.º 159/05-1.ª Secção; n.º 487/2006, de 20 de Setembro, processo n.º 622/06; n.º 682/2006, de 13 de Dezembro, processo n.º 844/06-2.ª Secção (ATC, volume 66.º, pág. 835); n.º 424/2009, infra referenciado.

      Como se afirmava no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 44/2005, de 26 de Janeiro de 2005, proferido no processo n.º 950/04-1.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Fevereiro de 2006, pronunciando-se sobre a alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º, e seguindo o citado acórdão n.º 49/2003 “…estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao STJ, evitando a sua eventual paralisação (…). Não se pode, assim, considerar infringido o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição (…) já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas”.

     No mesmo sentido se pronunciaram, entre vários outros, o supra mencionado acórdão n.º 390/2004, de 2 de Junho de 2004, proferido no processo n.º 651/03-2.ª Secção, citado pelo anterior – versando sobre a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, publicado in Diário da República, II Série, de 7 de Julho de 2004 e ATC, volume 59, págs. 543/554; acórdão n.º 2/2006, de 3 de Janeiro de 2006, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13-02-2006 e ATC, volume 64, pág. 937, em sumário (Não é constitucionalmente imposto, mesmo em processo penal, um 3.º grau de jurisdição); o supra citado acórdão n.º 64/2006, de 24 de Janeiro de 2006, tirado em Plenário (face à contradição das soluções dos acórdãos n.º 628/2005 e n.º 640/2004), no processo n.º 707/2005, publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Maio de 2006 e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 64.º, 2006, págs. 447 e seguintes (a Constituição não impõe um triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal); e acórdão n.º 140/2006, de 21 de Fevereiro de 2006, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 22-05-2006 (e com sumário em ATC, volume 64, pág. 950).

   

      No mesmo sentido se tem pronunciado o Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, nos arestos supra referidos e ainda nos acórdãos de 06-02-2008, processo n.º 111/08-3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 4827/07-5.ª; de 17-04-2008, processo n.º 903/08-3.ª; de 30-04-2008, processo n.º 110/08-5.ª; de 05-06-2008, processo n.º 1226/08-5.ª; de 03-09-2008, processo n.º 2510/08-3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 3061/08 -5.ª; de 13-11-2008, processo n.º 4455/07-5.ª; de 27-11-2008, processo n.º 2854/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08; de 22-04-2009, processo n.º 480/09-3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 145/05-3.ª (o direito ao recurso, enquanto manifestação do direito de defesa, isto é, o direito que os recorrentes têm a ver reapreciada a causa por um tribunal superior, mostra-se assegurado com a interposição de recurso para o Tribunal da Relação, sendo que a tutela constitucional não exige um duplo grau de recurso mas apenas um duplo grau de jurisdição – artigo 32.º, n.º 1, da CRP); de 07-10-2009, processo n.º 35/01.6AFIG.C2.S1-3.ª; de 21-10-2009, processo n.º 306/07.8GEVFX.L1.S1-3.ª, onde se pode ler: “o nosso sistema de recursos não abdica de um duplo grau de jurisdição em matéria penal, de acordo com o artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12-06, que não impõe um triplo grau de jurisdição. Em consonância o artigo 5.º, n.º 4, da CEDH, limita-se, e só, a assegurar o direito ao recurso de qualquer pessoa condenada em pena de prisão ou a detenção. E nem se diga que a solução preconizada, atenta contra o direito fundamental do acesso ao direito e à justiça consagrado no artigo 20.º da CRP, porque o direito de defesa do arguido não exige, sempre e em todas as condições, mais do que um grau de recurso”.

      E ainda no citado acórdão de 29-10-2009, proferido no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224; de 13-10-2010, processo n.º 1252/07.0TABCL.G1.S1-3.ª; de 02-12-2010, processo n.º 263/06.8JFLSB.L1.S1-5.ª; de 19-01-2011, processo n.º 421/07.8PCAMD.L1.S1-3.ª; de 27-04-2011, processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1-3.ª; de 13-07-2011, processo n.º 352/01.5TACBR.C1.S1-3.ª; de 09-11-2011, processo n.º 43/09.9PAAMD.L1.S1-3.ª, de 21-12-2011, processos n.º 130/10.0GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 37/06.6GBMFR.S1-3.ª (o direito ao recurso como direito de defesa, inscrito como garantia constitucional no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, satisfaz-se com o duplo grau de jurisdição ou um grau de recurso, não exigindo, no plano constitucional, a previsão e a admissibilidade de um triplo grau de jurisdição e segundo grau de recurso, sendo esta a jurisprudência firmada e constante do Tribunal Constitucional - cf. acórdão n.º 187/10, aliás, 175/10, de 4 de Maio); de 28-12-2011, processo (habeas corpus) n.º 150/11.8YFLSB.S1-3.ª; de 29-03-2012, processo n.º 334/04.5IDPRT.P1.S1 – 3.ª (o direito ao recurso, como garantia constitucional, postula apenas o duplo grau de jurisdição que não se confunde com o duplo grau de recurso); de 11-04-2012, processo n.º 1042/07.0PAVHG.P1.S1-3.ª; de 26-04-2012, processo n.º 438/07.2PBVCT.G1.S1-5.ª; de 14-03-2013, processo n.º 156/11.7PALSB.L1.S1-3.ª (o direito de defesa do arguido não exige, sempre e em todas as condições, mais do que um grau de recurso); de 15-05-2013, processo n.º 175/10.0TAABT.E1.S1-3.ª, sendo recorrente o assistente; de 25-06-2014, processo n.º 2/12.4GALLE.E1.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª (o direito ao recurso está consagrado em apenas um grau, não impondo o n 1 do artigo 32.º da CRP a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição); de 1-10-2014, processo n.º 130/12.6PEALM.L1.S1-3.ª; de 2-10-2014, processo n.º 882/10.8PBLRA.C1.S1-5.ª; de 29-10-2014, processo n.º 418/07.8GFOER.L1.S1-3.ª (as legítimas expectativas criadas pelo exercício do direito ao recurso, foram acauteladas constitucionalmente, na situação concreta, com o recurso interposto para um tribunal de 2.ª instância, o Tribunal da Relação, com o contraditório inerente); de 17-12-2014, processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1-3.ª; de 17-12-2014, processo n.º 8/13.6JAFAR.E1.S1-5.ª (Este entendimento não constitui violação do direito ao recurso, já que o art. 32.º, n.º 1, da CRP, só assegura ao arguido o direito de ver a sua situação criminal ou processual reapreciada por um outro tribunal, o que se mostra garantido quando a decisão de 1.ª instância é confirmada, em sede de recurso, por um tribunal hierarquicamente superior); de 25-03-2015, processo n.º 1101/09.6PGLRS.L1.S1-3.ª; de 21-05-2015, processo n.º 128/04.8TAVLC.S1-5.ª; de 17-06-2015, processo n.º 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1-3.ª; de 25-06-2015, processo n.º 408/11.6TDLSB-A.L1.S1-5.ª (em incidente de quebra de segredo profissional); de 24-09-2015, processo n.º 3564/09.0TDLSB.S1.L1-5.ª; de 8-10-2015, processo n.º 18.068/11.2TDPRT.P1.S1-3.ª; de 25-01-2017, processo n.º 231/11.8IDLSB.L2.S1-3.ª.

     

       Revertendo ao caso concreto.


      Face à espécie de pena aplicada, acrescida da confirmação total pelo Tribunal da Relação, que dizer sobre a recorribilidade na vertente penal?

      No caso presente o recorrente foi condenado em pena não privativa de liberdade, numa pena de multa, não havendo dúvidas acerca da irrecorribilidade.

       À data da sentença estava em vigor a redacção da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, introduzida pela citada Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, entrada em vigor em 23 de Março de 2013, a qual estabelece:

        1 – Não é admissível recurso:

        e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos;

        

     Em suma, tendo-se em conta a concreta condenação, face ao regime resultante da actual redacção da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, é inadmissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos em recurso pelas Relações que apliquem (ou confirmem) pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos de prisão.

     No caso presente foi confirmada a pena não privativa de liberdade aplicada na primeira instância, sendo a confirmação total, completa.

      Resulta do exposto que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa é irrecorrível na parte em que confirma a pena aplicada ao arguido pela prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, ficando fora do âmbito de apreciação do presente recurso qualquer questão relativa a tal crime proposta pelo recorrente.

       A pena aplicada ao recorrente, sendo pena não privativa de liberdade, espécie confirmada pela Relação, inviabiliza a possibilidade do recurso e a reapreciação das questões colocadas a propósito do crime assim punido, verificando-se dupla conforme, que veda ao arguido a possibilidade de recurso, quanto a tal matéria. A natureza da pena cominada, a que no caso se alia a identidade de decisão nas duas instâncias, impede a recorribilidade.

       Assente que a decisão em crise é insusceptível de recurso neste segmento, impõe-se a rejeição do recurso interposto pelo arguido, no que tange às questões suscitadas a propósito do crime por que foi condenado.

      A tanto não obsta a circunstância do recurso ter sido admitido, por não vincular o Tribunal Superior – artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alínea e), 432.º, n.º 1, alínea b), 414.º, n.º 3 e 420.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal.

      Assim, a pena aplicada ao recorrente, bem como as questões relativas ao respectivo crime, não podem ser reapreciadas pelo STJ, por inadmissibilidade do recurso, em conformidade com os artigos 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, alínea e), ambos do CPP, sendo de rejeitar o recurso interposto nesta parte.

       Com esta solução, nos termos dos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicáveis, ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal, fica prejudicado o conhecimento das questões relativas ao crime em causa, submetidas a reexame pelo recorrente, supra elencadas nas Questões III a VI, VIII a XIV, XVII e XX, como falta de inquérito, nulidade do inquérito, nulidade da acusação, nulidade da sentença, descaracterização de crime continuado, prescrição do procedimento criminal, impugnação da matéria de facto nas duas vertentes apontadas, o que sempre seria inadmissível, bem com as questões relativas à pena de multa aplicada, a atenuação especial da pena e fixação em quantitativo mais baixo.

       Com efeito, constituindo a admissibilidade ou não de determinado recurso questão prévia ao conhecimento do mesmo, sendo o recurso penal inadmissível, tudo se passa como se não tivesse sido admitido. Assim, se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação nestes autos é irrecorrível, é óbvio que o STJ não poderá conhecer das questões que lhe subjazem, sejam elas processuais ou substantivas, sejam interlocutórias ou finais, referentes às razões de facto e direito da condenação em termos penais.


     Questão prévia V – Da existência de dupla conforme impeditiva do recurso relativo ao pedido de indemnização civil – revista normal


       Relembrando.

     Consta do dispositivo da sentença ter sido ainda julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência, condenado o demandado AA a pagar ao Instituto de Segurança Social, IP, a quantia de 121.130,82 €, relativos a contribuições deduzidas a trabalhadores e gerentes reportadas aos meses de Junho de 2006 a Novembro de 2009, acrescida de juros já vencidos sobre tais quantias e contados desde as datas de vencimento de cada uma, bem como nos vincendos, à taxa prevista no art.º 3.º, n.º 1, do DL n.º 73/99, de 16 de Março, até integral pagamento.

       A Relação analisa as questões a decidir j), j.1 a j.7, elencadas a págs. 90/1 do acórdão e fls. 949 verso/950 dos autos, no ponto 4.5. - Pedido civil, a págs. 98 a 101 do acórdão e fls. 953 verso a fls. 955 dos autos, confirmando na íntegra esta condenação.

 

       O recorrente impugna a condenação na parte cível, apresentando várias questões elencadas nas Questões VII, XV, XVI, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIII e XXIV, nos termos supra expostos.


       Nas conclusões 46.ª, 47.ª, 48.ª, a fls. 1029 verso, a um propósito, e nas conclusões 206.ª e 207.ª, a fls. 1039, a um outro, o recorrente invoca imperativos de melhor aplicação do direito e o artigo 672.º, n.º 1, alínea a), do CPC.


       Certo sendo não ser admissível recurso da matéria penal, verificando-se trânsito em julgado quanto a tal parte, vejamos da admissibilidade do recurso interposto da parte cível e respectiva amplitude.


      Admissibilidade do recurso - Lei aplicável


     O presente processo teve início com uma participação de notícia crime datada de 24 de Junho de 2014, entregue a Técnica Superior em 10 de Julho de 2014, sendo o processo registado em 15 de Julho de 2014 – 1.ª capa do 1.º volume do processo e fls. 1.

      O Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS, I.P.) deduziu o pedido de indemnização cível, constante de fls. 225 a 232, em 11 de Dezembro de 2014, como o atestam a data do faxe de envio da peça e o carimbo de entrada, ambos a fls. 225, sendo junto o original de fls. 236 a 243.

       A sentença condenatória data de 4 de Fevereiro de 2016.

       O acórdão confirmatório da Relação data de 12 de Outubro de 2016.

       Os factos por que foi condenado o ora recorrente ocorreram no período compreendido entre Junho de 2006 e Novembro de 2009, como se vê dos Factos Provados 5 e 7.


      Vejamos a evolução legislativa concernente à própria recorribilidade neste segmento específico do pedido de indemnização deduzido no processo criminal.

       (Segue-se aqui de perto o expendido no acórdão de 27 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 1466/07.3TABRG.G1.S1 e seguido nos acórdãos de 15 de Julho de 2015, de 10 de Dezembro de 2015, de 16 de Dezembro de 2015 e de 9 de Março de 2017, por nós relatados nos processos n.º 1/05.2JFLSB.L1.S1, n.º 111/02.8TAALQ.L1.S1 – neste processo, em sede de saneador intercalar –, n.º 641/11.0JACBR.C1.S1, em caso de dupla conforme in mellius e n.º 582/05.0TASTR.E2.S1, em caso de morte de sinistrado, estando em causa crime de infracção de regras de construção, e por último, no projecto de acórdão no processo n.º 111/02.8TAALQ.L1.S1, apresentado na sessão de 11 de Outubro de 2017, volvido em voto de vencido apresentado na sessão de 11 de Janeiro de 2018 (inédito).  


       “Dantes, a respeito da admissibilidade do recurso restrito a matéria cível, estabelecia o artigo 400.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, então na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto:

       «Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa a indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada».


      O acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ), cognominado na Imprensa Nacional/Casa da Moeda [pese embora a revogação do artigo 2.º do Código Civil – Nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina com força obrigatória geral – pelo artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, complementado pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, diplomas que introduziram a reforma do processo civil em 1995/1996], como «Assento» n.º 1/2002, de 14 de Março de 2002, proferido no processo n.º 255-A/98, da 5.ª Secção, publicado in Diário da República, I Série - A, n.º 117, de 21 de Maio de 2002, fixou jurisprudência no sentido seguinte:

      «No regime do Código de Processo Penal vigente - n.º 2 do artigo 400.º, na versão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto - não cabe recurso ordinário da decisão final do tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal».


      No sentido de que a norma do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal não se apresentava desprovida de razoabilidade e justificação e não se mostrava ofensiva do princípio da igualdade, não sendo de julgar inconstitucional, pronunciaram-se os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 320/2001, de 4 de Julho de 2001, proferido no processo n.º 641/00, in Diário da República - II Série, n.º 258, de 7 de Novembro de 2001; n.º 94/2001, de 13 de Março de 2001, processo n.º 589/00-3.ª Secção, in Diário da República - II Série, n.º 96, de 24 de Abril de 2001; e n.º 100/2002, de 27 de Fevereiro de 2002, processo n.º 557/2001-1.ª Secção, in Diário da República - II Série, n.º 79, de 4 de Abril de 2002.


      Referenciando o citado AUJ (na nomenclatura oficial “Assento”) n.º 1/2002 e correlativa bondade de solução, pronunciou-se o acórdão n.º 338/2005, de 22 de Junho de 2005, proferido no processo n.º 596/2002, da 2.ª Secção, publicado in Diário da República - II Série, n.º 145, de 29 de Julho de 2005, que decidiu:

        «Não julgar inconstitucional o artigo 432.º, alínea b), conjugado com o artigo 400.º, n.º s 1, alínea e) e 2, do CPP, interpretado no sentido de que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão do Tribunal da Relação relativa à indemnização civil, proferida em 2.ª instância, se for irrecorrível a correspondente decisão penal».

       No mesmo sentido, o acórdão n.º 575/2006, de 18 de Outubro de 2006, 2.ª Secção, com sumário publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional (ATC), volume 66.º, pág. 825, onde consta: “Não julga inconstitucional o artigo 400.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão do Tribunal da Relação relativa a indemnização civil, proferida em segunda instância, se for irrecorrível a correspondente decisão penal”.


       Entretanto, a consagração da dupla conforme.


       No Verão de 2007, à distância de escassos cinco dias, em 24 e 29 de Agosto, foram publicados dois diplomas - o Decreto-Lei n.º 303/2007 e a Lei n.º 48/2007 - que vieram alterar, senão de forma profunda, pelo menos de modo muito relevante, o panorama dos recursos, no que respeita aos recursos cíveis, no primeiro caso, e aos recursos em acções cíveis enxertadas em processo penal, no segundo, sendo patente que o legislador terá querido aproximar os respectivos regimes recursórios.    

       Mas, se tivermos em conta as significativas alterações da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, sobretudo, no específico campo do processo penal, teremos uma nova panorâmica global, emergente da consagração da figura da dupla conforme, quer no plano penal, quer no cível, e aqui, independentemente da área de adjectivação do pedido de indemnização baseado na responsabilidade aquiliana – cível ou penal.

 

       A 15.ª alteração do Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 166, de 29 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, Suplemento, n.º 207, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República n.º 216, de 09 de Novembro), entrada em vigor no imediato dia 15 de Setembro seguinte (artigo 7.º), procedeu, no que ora interessa, à alteração do artigo 400.º do CPP.

       A Lei n.º 48/2007, para além da modificação introduzida na alínea f) do n.º 1 - dupla conforme - manteve a redacção do n.º 2 do artigo 400.º e introduziu o n.º 3, que estabelece:

       «Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil».


      A partir daqui, alterou-se o paradigma do sistema recursório, a nível da recorribilidade autónoma da decisão cível, independentemente da sorte (no caso, cristalização) da decisão no segmento penal, o que deixava antever óbvias dificuldades de concatenação entre o caso julgado criminal, porque já não admissível o recurso neste vector (como diz o preceito legal “mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal”), mas apenas da matéria cível, e a decisão nesta sede.


      O citado n.º 3 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, introduzido em 2007, constitui absoluta inovação legislativa, que veio contrariar, não só a jurisprudência fixada pelo “Assento” n.º 1/2002, de 14 de Março de 2002, como as aludidas posições concordantes do Tribunal Constitucional, maxime, a do acórdão n.º 338/2005, de 22 de Junho de 2005, assumida mais de três anos depois da fixação de jurisprudência e mais tarde a do acórdão n.º 575/2006, de 18 de Outubro de 2006.

       Face ao regime anterior, havia lugar a apenas um grau de recurso, dizendo o Tribunal da Relação a solução final, divergindo assim os graus de recurso, consoante houvesse ou não adesão ao processo penal.


      Ora, foi justamente a equiparação de tratamento nas duas formas de adjectivação do pedido de indemnização, que esteve na base da inovação introduzida em 2007.

      Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, págs. 1007/8, «A bem da “igualdade” entre todos os recorrentes em matéria civil, dentro e fora do processo penal, como se afirma na motivação da proposta de lei n.º 109/X, o legislador introduz uma quebra ao princípio da adesão».

       Na 4.ª edição actualizada, Abril de 2011, o Autor repete esta consideração, na nota 17, pág. 1049, sendo aditado o seguinte: “(concorda, Simas Santos, 2008, b:363)”.


      A preocupação com o princípio da igualdade já vinha da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que explicitou: “Para restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal, substitui-se, no artigo 400.º, a previsão de limites máximos superiores a 5 e 8 anos de prisão por uma referência a penas concretas com essas medidas. Prescreve-se ainda que quando a Relação, em recurso, não conhecer a final do objecto do processo, não cabe recurso para o Supremo. Para garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal.”

      

      Maia Gonçalves, em anotação ao artigo 400.º, no Código de Processo Penal Anotado – Legislação Complementar, Almedina, 16.ª edição, 2007, dizia, a págs. 841:

       “3. A norma do n.º 2 foi decalcada em disposição semelhante prevista para ser introduzida no CPC pela Comissão que, aquando do funcionamento da CRCPP, estava a preparar a revisão daquele diploma. A disposição representa limitação do direito de recorrer relativamente ao regime do art. 626.º, n.º 6, do CPP de 1929, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 402/82, de 23 de Setembro; perante esse regime podia haver lugar a recurso sempre que o montante do pedido excedesse a alçada do tribunal recorrido.”.

        “4. O n.º 3, introduzido pela Lei n.º 48/2007, veio contrariar a jurisprudência fixada pelo STJ. Haja ou não lugar a recurso da matéria penal, pode haver lugar a recurso da parte relativa à indemnização civil, se o puder haver perante a lei civil, e conforme se estabelece no n.º 2. (Realce nosso).


      Entretanto, já antes, no plano do processo civil e na senda da dupla conforme.


      A Lei n.º 6/2007, de 2 de Fevereiro (Diário da República, I Série, n.º 24, de 2 de Fevereiro de 2007), autorizara o Governo a alterar o regime dos recursos em processo civil e o regime dos conflitos de competência, e definindo o sentido e extensão da autorização, para além do aumento das alçadas, consignado na alínea c), preconizava na alínea g) a “Consagração da inadmissibilidade do recurso de revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.


     Na sequência de tal Lei surgiu o Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto (publicado no Diário da República - 1.ª Série, n.º 163, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 99/2007, in Diário da República1.ª Série, n.º 204, de 23 de Outubro) em vigor - artigo 12.º, n.º 1 - a partir de 1 de Janeiro de 2008, o qual procedeu, para além do mais, à revisão da arquitectura do sistema de recursos no processo civil.

       A reforma, como dava conta o preâmbulo, foi norteada por três objectivos fundamentais: simplificação, celeridade processual e racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, acentuando-se as suas funções de orientação e uniformização da jurisprudência.

     Subsumiam-se dentro desse desígnio de racionalização do acesso ao STJ, para além da revisão do valor da alçada da Relação para € 30.000,00, a introdução da regra da «dupla conforme», pela qual se consagra a inadmissibilidade de recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância.

       O diploma alterou vários preceitos, revogou alguns e aditou outros, procedendo, a final – artigo 10.º –, à republicação, em anexo, do capítulo VI do subtítulo I do título II do livro III do Código de Processo Civil, ou seja, todo o capítulo dos recursos.


       Os artigos 678.º e 721.º passaram a estabelecer:

 


Artigo 678.º

(Decisões que admitem recurso)



 1 – O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.

 2 – Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

     a) Das decisões que violem as regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia, ou que ofendam o caso julgado;

     b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;

      c) Das cdecisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.

 3 – Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação:

     a) Nas acções em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, com excepção dos arrendamentos para habitação não permanete ou paar fisn especiais transitórios;

     b) Das decisões respeitantes ao valor da causa nos procedimentos cautelares, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre.

 4 – (Revogado.)

5 – (Revogado.)

6 – (Revogado.)

      


Artigo 721.º

(Decisões que comportam revista)



 1 – Cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação proferido ao abrigo do n.º 1 e da alínea h) do n.º 2 do artigo 691.º.

 2 – Os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação apenas podem ser impugnados no recurso de revista que venha a ser interposto nos termos do número anterior, com excepção:

    a) Dos acórdãos proferidos sobre incompetência relativa da Relação;

    b) Dos acórdãos cuja impugnação com o recurso de revista seria absolutamente inútil;

    c) Dos demais casos expressamente previstos na lei.

 3 – Não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

 4 – Se não houver ou não for admissível recurso de revista das decisões previstas no n.º 1, os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação podem ser impugnados, caso tenham interesse para o recorrente independentemente daquela decisão,  num recurso único, a interpor após o trânsito daquela decisão, no prazo de 15 dias após o referido trânsito.

5 – As decisões interlocutórias impugnadas com a sentença final, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 691.º, não podem ser objerecto do recurso de revista.


       O artigo seguinte referido no anterior n.º 3 é o aditado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto

 


Artigo 721.º-A

Revista excepcional



 1 – Excepcionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:

   a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

   b) Estejam em causa interesses de particular relevância social;

   c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

 2 – O requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição:

    a) As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

    b) As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social;

    c) Os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.

 3 – A decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis.

 4 – A decisão referida no número anterior é definitiva.


    Seguiu-se a Reforma de 2013.


    Aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (Diário da República, 1.ª série, n.º 121, de 26 de Junho de 2013), entrada em vigor - artigo 8.º - em 1 de Setembro de 2013.

       Ao artigo 721.º corresponde o artigo 671.º do NCPC e a revista excepcional passou a estar prevista no artigo 672.º.

      Passou a estabelecer o


Artigo 671.º

(Decisões que comportam revista)



 1 – Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termso ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

  2 – Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objecto de revista:

     a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

     b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferidopelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

 3 – Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

 4 – Se não houver ou não for admissível recurso de revista das decisões previstas no n.º 1, os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação podem ser impugnados, caso tenham interesse para o recorrente independentemente daquela decisão, num recurso único, a interpor após o trânsito daquela decisão, no prazo de 15 dias após o referido trânsito.



Artigo 672.º

Revista excecional



1 – Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:

    a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

    b) Estejam em causa interesses de particular relevância social;

   c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

2 – O requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição:

     a) As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

     b) As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social;

     c) Os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.

3 – A decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis.

4 – A decisão referida no número anterior, sumariamente fundamentada, é definitiva, não sendo suscetível de reclamação ou recurso.

 5 – Se entender que, apesar de não se verificarem os pressupostos da revista excecional, nada obsta à admissibilidade da revista nos termos gerais, a formação prevista no n.º 3 determina que esta seja apresentada ao relator, para que proceda ao respetivo exame preliminar.


       Prosseguindo.

    

     Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 166, de 29 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, Suplemento n.º 207, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República n.º 216, de 09 de Novembro), que operou a 15.ª alteração do Código de Processo Penal, e em particular, em consequência da referida introdução do n.º 3 do artigo 400.º de tal Código, procedeu-se a uma profunda alteração do regime de admissibilidade dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas sobre os pedidos de indemnização cível enxertados em processo penal.

    Por força desta alteração legislativa, a recorribilidade do segmento decisório relativo à matéria cível deixou de estar dependente da admissibilidade de recurso da parte criminal do acórdão recorrido, como até essa data sucedia, até por força do entendimento fixado pelo referido Acórdão uniformizador, dito “Assento” n.º 1/2002, de 14 de Março.

    Com as alterações introduzidas pela citada Lei, a recorribilidade da decisão sobre matéria cível desprendeu-se do recurso em matéria penal ou, dito por outras palavras, a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, restrito à matéria cível, passou a ser avaliada de acordo com os critérios próprios de recorribilidade adoptados pelo Código de Processo Civil.

    Na realidade, ao estabelecer no n.º 3 do artigo 400.º do Código de Processo Penal que “mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”, o legislador fez apelo, até por força do estatuído pelo artigo 4.º do CPP, para o regime de admissibilidade dos recursos, interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos proferidos em recurso pelos tribunais das relações, que se mostrava previsto para os processos de natureza exclusivamente civil, maxime, pelo então vigente artigo 721.º do Código de Processo Civil e ora artigo 671.º do NCPC.

     O n.º 3 apenas reporta a possibilidade de recurso da parte da sentença relativa a indemnização civil na situação descrita, silenciando sobre o regime da admissibilidade.

    Como a recorribilidade da matéria cível deixou de estar dependente da própria recorribilidade do segmento decisório relativo à matéria criminal, como até aí sucedia, o acesso em sede de recurso a este Supremo Tribunal passou a dever obediência ao regime jurídico do recurso de revista previsto no Código de Processo Civil, na medida em que o legislador processual penal, ao introduzir o mencionado n.º 3 no artigo 400.º do Código de Processo Penal, não definiu normas próprias de admissibilidade do recurso para a parte da sentença relativa ao pedido de indemnização civil, o que deve conduzir o julgador, perante esta lacuna a colmatar, a socorrer-se dos pertinentes normativos do processo civil.

       Por outras palavras.

    Como a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça da parte da sentença relativa à matéria criminal está essencialmente dependente da medida concreta da pena aplicada ao arguido (cfr., a este propósito, maxime, artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1, ambos do CPP) e como este critério de recorribilidade não demonstra virtualidade de aplicação, por razões óbvias, quanto ao segmento decisório relativo ao pedido de indemnização civil, a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão que incida sobre a matéria cível passou a ser regulada, subsidiariamente, pelo regime jurídico vertido no Código de Processo Civil, em face desta apontada lacuna (artigo 4.º do CPP), na medida em que se abandonou, nesta sede, a indexação aos critérios de recorribilidade da matéria criminal.

     No que diz respeito à admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das sentenças/acórdãos (ou dos seus segmentos decisórios) que versem matéria cível, procurou-se estabelecer um paralelismo entre a acção cível enxertada em processo penal e aquela que se mostra deduzida, de modo autónomo, em acção exclusivamente civil, de modo a que a diferente forma de dedução da pretensão indemnizatória/compensatória com a formulação do pedido cível (enxertada/hospedada, por adesão, ou autónoma) não venha a ter qualquer influência nas legítimas expectativas dos sujeitos processuais, no que diz respeito às possibilidades de acesso, em sede de recurso, aos tribunais superiores.

     Neste aspecto a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de forma largamente maioritária, tem entendido que o regime de admissibilidade dos recursos previsto no Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária aos pedidos de indemnização cível formulados em processo penal.

      Neste sentido, inter altera, pronunciaram-se os acórdãos de 29-09-2010, proferido no processo n.º 343/05.7TAVFN.P1.S1-3.ª Secção (o n.º 3 do artigo 400.º do CPP veio submeter a impugnação de todas as decisões civis proferidas em processo penal ao regime previsto na lei adjectiva civil, no sentido de que às decisões (finais) relativas à indemnização civil proferidas em processo penal é integralmente aplicável o regime dos recursos estabelecidos no CPC); de 10-11-2010, processo n.º 3891/03.0TDPRT.S1-3.ª Secção (Considerando o propósito do DL 303/07 de aproximar o regime jurídico dos recursos em processo criminal e cível, do mesmo modo que à dupla conforme se atribui efeitos em sede de recursos, no segmento estritamente penal, no art. 400.º, n.º 1, alíneas d) e f) do CPP, também para regulamentação global e autónoma, não havendo razão lógica para divergir, se deverá transpor o artigo 721.º, n.º 3, do CPC, por força do art. 4.º do CPP, para o campo do enxerto cível, sempre que a Relação confirme o decidido na 1.ª instância, ainda que parcialmente. Entre a decisão da 1.ª instância no que respeita ao pedido cível e a da Relação, apenas intercede uma diferença quanto ao momento a partir do qual são devidos juros de mora, ou seja, até ao limite em que as decisões coincidem e coincidem a partir do momento em que os juros são devidos segundo a Relação, caso em que a dupla conforme funciona); de 24-03-2011, processo n.º 2436/06.4TAVNG.P1.S1-3.ª Secção (Com a alteração de 2007 o legislador subtraiu ao regime de recurso da lei adjectiva penal as decisões relativas à indemnização civil, submetendo-as integralmente ao regime da lei adjectiva civil, o que fez, conforme afirmação consignada na motivação da proposta de Lei 109/X, a bem da “igualdade” entre todos os recorrentes em matéria civil, dentro e fora do processo penal. À alteração introduzida subjaz o propósito de colocar em pé de igualdade todos aqueles que pretendam impugnar decisão civil proferida, dentro ou fora do processo penal, ou seja, quer a respectiva causa ou pleito se desenvolva em processo penal ou em processo civil. Daqui resulta, necessariamente, que o n.º 3 do art. 400.º veio submeter a impugnação de todas as decisões civis proferidas em processo penal ao regime previsto na lei adjectiva civil, no sentido de que às decisões (finais) relativas à indemnização civil proferidas em processo penal é integralmente aplicável o regime dos recursos estabelecido no CPC. É este o único entendimento possível face à ratio do preceito em causa); de 07-04-2011, processo n.º 4068/07.0TDPRT.G1.S1-5.ª Secção (com voto de vencido); de 22-06-2011, processo n.º 444/06.4TASEI.C1.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2011, tomo 2, pág. 193 (com voto de vencido, no sentido de não haver lacuna e a norma do art. 400.º, n.º 2 do CPP não carecer de qualquer integração nem entrar em contradição com qualquer outra norma processual penal), podendo ler-se no sumário: “Não é admissível interpor recurso restrito à matéria cível do acórdão da Relação para o STJ quando aquele confirme, sem voto de vencido, ainda que por fundamento diferente, a decisão proferida em 1.ª instância”; de 30-11-2011, processo n.º 401/06.0GTSTR.E1.S1-3.ª Secção (citando os acórdãos de 29-09-2010, processo n.º 343/05.7TAVFN.P1.S1-3.ª e de 22-06-2011, processo n.º 444/06.4TASEI- 5.ª e subscrevendo as soluções aí adoptadas. Com a alteração ao CPP através da Lei 48/2007, de 29-08, teve-se o propósito de estabelecer a igualdade entre quem pretenda impugnar decisão cível proferida em processo penal ou cível no que respeita a matérias de indemnização. Essa equiparação de procedimento na acção cível e penal introduz desejável parificação de procedimentos e, consequentemente, é a mais justa, tanto mais que, no caso vertente, estando já em vigor a Lei 48/2007, de 29-08 – o pedido cível foi interposto em 29-04-2008 – a ser instaurada a acção cível autonomamente, a inequívoca redacção actualizada do art. 721.º, n.º 3, do CPC, ser-lhe-ia aplicável. Se em matéria penal, onde se colocam questões de onde pode derivar a privação de liberdade individual, por estar em causa a ofensa a valores fundamentais de subsistência comunitária, reclamando intervenção vigorosa do direito penal, impera a regra da dupla conforme, por maioria de razão, estando em causa a ressarcibilidade do prejuízo, mediante a atribuição de uma soma reparadora em dinheiro, a solução não deve ser divergente); de 15-12-2011, processo n.º 53/04.2IDAVR.P1.S1-5.ª Secção (A norma do n.º 3 do art. 721.º do CPC é subsidiariamente aplicável aos pedidos de indemnização civil julgados em processo penal, por força do disposto no art. 4.º do CPP. No mesmo sentido decidiu o STJ nos Acs. de 22-06-2011, Proc. n.º 444/06.4TASEI, e de 29-09-2010, Proc. n.º 343/05.7TAVFN. (…) Acresce que a limitação das possibilidades de recurso em matéria civil, obedecendo a um critério racional e objectivo, não tem sido considerada pelo TC violadora do princípio da igualdade, como no caso de alteração do valor das alçadas (cf. v.g. Ac. n.º 239/97); de 29-02-2012, processo n.º 220/07.7GAVNF.P1.S1-5.ª Secção, (convocando em seu abono os supra referidos acórdãos de 15-12-2011, processo n.º 53/04.2IDAVR.P1.S1, da 5.ª Secção e de 25-01-2012, processo n.º 360/06.0PTSTB.E1.S1, da 3.ª Secção e ainda, na percepção da completude da regulamentação, o acórdão de 22-06-2011, processo n.º 444/06.4TASEI.C1.S1 – 5.ª Secção, in CJSTJ 2011, tomo 2, pág. 193); de 11-04-2012, processo n.º 3081/06.0TAOER.L1.S1-3.ª Secção (Não é admissível o recurso interposto do acórdão recorrido na parte em que confirmou a decisão proferida em 1.ª instância, sem voto de vencido, sobre a indemnização a pagar à demandante pela arguida e demandada); do mesmo relator, o acórdão de 11-04-2012, processo n.º 3969/07.5TDLSB.L1.S1-3.ª Secção, e exactamente nos mesmos termos; de 9-05-2012, processo n.º 199/09.0PAVNF.P1.S1-3.ª Secção (o regime processual do art. 721.º, n.º 3, do CPC, deve aplicar-se ao processo penal, por força do disposto no art. 4.º do CPP, relativamente aos pressupostos de admissibilidade de recurso para o STJ que tenha por objecto o pedido de indemnização civil. A dupla conforme prevista no regime processual civil surge como complemento do n.º 2 do art. 400.º do CPP e como que o reverso, em termos cíveis, da al. f) do mesmo artigo em termos penais. Está-se perante uma lacuna em processo penal que, por aplicação do disposto no art. 4.º do CPP, importa suprir, e que a harmonia do sistema jurídico e o princípio da igualdade reclamam. Este sistema da dupla conforme entrou em vigor em 1-01-2008, aplicando-se apenas aos processos iniciados após essa data, como se prevê nos arts. 11.º, n.º 1 e 12.º n.º 1, do DL 303/07, de 24-08); do mesmo relator, de 16-05-2012, processo n.º 3/09.0IDFAR.E1.S1-3.ª Secção; de 20-06-2012, processo n.º 889/08.5GFSTB.E1.S1-3.ª Secção; de 19-09-2012, processo n.º 13/09.7GTPNF.P2.S1-3.ª Secção (A «conformidade» ou «desconformidade» das decisões das instâncias não pode ser aferida pelo critério puramente formal da coincidência ou não coincidência do conteúdo decisório da sentença. Haverá dupla conforme e, portanto, inadmissibilidade da revista, quando o apelante é beneficiado pelo Tribunal da Relação – isto é, quando o réu é condenado em “menos” do que o imposto pela 1.ª instância ou quando o autor “obtém” mais do que havia ali conseguido –, porquanto também não poderia ter recorrido se o acórdão do Tribunal da Relação tivesse mantido a decisão da 1.ª instância, para ele menos favorável); de 8-11-2012, processo n.º 6952/07.2TDLSB.P1.S1-5.ª Secção; de 21-11-2012, processo n.º 124/10.6TABTU-C1.S1-3.ª Secção (Se o legislador, através da alteração introduzida (n.º 3 do artigo 400.º do CPP em 2007), quis consagrar o princípio de equiparação das possibilidades de recurso, quanto à indemnização civil, no processo penal e em processo civil, há que implementar tal propósito até às ultimas consequências em sede de interpretação, concluindo-se que uma norma processual civil, como a do n.º 3 do art. 721.º do CPC é, também, aplicável ao processo penal, assim se consagrando o princípio de que não é admitido recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância. É o princípio da denominada dupla conforme. De facto, o recurso à analogia como primeiro meio de preenchimento das lacunas justifica-se por uma razão de coerência normativa ou de justiça relativa (princípio da igualdade: casos semelhantes ou conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante) a que acresce ainda uma razão de certeza do direito: é muito mais fácil obter a uniformidade de julgados pelo recurso à aplicação, com as devidas adaptações, da norma aplicável a casos análogos do que remetendo o julgador para critérios de equidade ou para os princípios gerais do Direito. Assim, não é admissível o recurso interposto pelos assistentes do acórdão da Relação que, sem voto de vencido, confirmou a decisão de 1.ª instância quanto aos pedidos de indemnização cível formulados); de 28-11-2012, processo n.º 10/06.4TAVLG.P1.S1-3.ª Secção, in CJSTJ 2012, tomo 3, pág. 216 (O legislador, através da alteração introduzida pela Lei 48/2007, quis consagrar a equiparação das possibilidades de recurso, quanto à indemnização civil, no processo penal e no processo cível. Significa isto que é aplicável ao processo penal o disposto no artigo 721.º, n.º 3, do CPC, ou seja, o princípio denominado “dupla conforme”); de 29-11-2012, processo n.º 700/05.9TABRR.L1-A.S1-5.ª Secção; de 13-02-2013, processo n.º 707/10.4PCRGR.L1.S1-3.ª Secção; de 14-03-2013, processo n.º 610/04.7TAPVZ.P1.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2013, tomo 1, pág. 212 (com voto de vencido); de 5-06-2013, processo n.º 1675/11.0JAPRT.P1.S1-5.ª Secção; de 12-06-2013 processo n.º 123/09.0GCTND.C1.S1-5.ª Secção; de 30-10-2013, processo n.º 150/06.0TACDR.P1.S1-3.ª Secção; de 6-03-2014, processo n.º 89/01.5IDLSB.L1.S1-5.ª Secção; de 26-03-2014, processo n.º 1962/10.5JAPRT.P1.S1-5.ª Secção; de 10-04-2014, processo n.º 378/08.8JAFAR.E3.S1-5.ª Secção; de 17-09-2014, processo n.º 652/03.0POLSB-3.ª Secção; de 30-10-2014, processo n.º 165/07.0IDBRG.G1.S1-5.ª Secção (a norma do art.º 671.º, n.º 3, do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, é subsidiariamente aplicável aos pedidos de indemnização civil julgados no processo penal, por força do disposto no art.º 4.º do CPP); de 26-11-2014, processo n.º 957/96.4JAFAR.E3.S1-3.ª Secção (infra referido); de 29-01-2015, processo n.º 91/14.7YFLSB.S1, processo n.º 288/08.9TAGDM.P2.S1 e processo n.º 29/09.3GAMDB.P1.S1, com voto de vencido - 5.ª Secção; de 5-02-2015, processo n.º 76/14.3YFLSB.S1-5.ª Secção; de 11-02-2015, processo n.º 63/13.9JBLSB.L1.S1-3.ª Secção; de 25-02-2015, processo n.º 1643/09.2TALRS.L1.S1-3.ª Secção; de 25-02-2015, processo n.º 444/08.0GEGDM.P1.S1-5.ª Secção (irrecorribilidade por repartição de culpas favorável ao demandado – 50% - 50% na Relação e não os 65% da 1.ª instância; apenas a demandante poderia recorrer); de 12-03-2015, processo n.º 41/08.0TACCH.E1.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto; de 21-05-2015, processo n.º 128/04.8TAVLC.S1-5.ª Secção; de 18-06-2015, processo n.º 944/08.1TAFIG.C1.S1-5.ª Secção; de 18-06-2015, processo n.º 623/10.T3SNT.L1.S1-5.ª Secção; de 15-07-2015, por nós relatado no processo n.º 1/05.2JFLSB.L1.S1-3.ª Secção; de 9-09-2015, processo n.º 864/07.7TACBR.C3.S1-3.ª Secção; de 10-12-2015, por nós relatado no processo n.º 111/02.8TAALQ.L1.S1-3.ª Secção (saneador intercalar); de 16-12-2015, por nós relatado no processo n.º 641/11.0JACBR.L1.S1; de 11-02-2016, processo n.º 4632/09.3TDLSB.L1.S1-5.ª Secção (Nada estipulando o n.º 2 do art. 400.º do CPP, quanto à dupla conforme a respeito do pedido civil, por força do disposto no art. 4.º do CPP, impõe-se a observância subsidiária das normas do CPC, sendo legítima a aplicação do art. 671.º, n.º 3, do CPC, segundo o qual não é admitida a revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância. A confirmação não significa nem exige a coincidência entre as duas decisões, porém ela supõe a sua identidade essencial e essa identidade essencial terá de ser suportada pela mesma matéria de facto); de 24-02-2016, processo n.º 338/07.6TAABF.E2.S1-3.ª Secção; de 7-07-2016, processo n.º 18/13.3TDPRT.P1.S1-3.ª; de 14-12-2016, processo n.º 305/05.4TAPTS.L1.S1-3.ª Secção (Independentemente da data da propositura, instauração ou dedução de qualquer acção ou de pedido de indemnização civil em processo penal (suposta a aplicação do regime recursório constante da Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto), o regime de recursos de revista para o Supremo Tribunal de Justiça contempla a dupla conforme, isto é, não é admitida revista de acórdão da Relação que confirme decisão de 1ª instância, obviamente, desde que além da inexistência de voto de vencido se verifique a inexistência de fundamentação essencialmente distinta); de 1-02-2017, processo n.º 335/08.4GAPMS.C2.S1-3.ª Secção (em caso de dupla conforme in mellius, refere-se que a admissibilidade de recurso para o STJ dos acórdãos ou dos seus segmentos decisórios que versem matéria cível passou desde 2007 a ser regulada, subsidiariamente, pelo regime de recurso de revista previsto no CPC e que estiver em vigor à data da prolação da decisão recorrida); de 9-03-2017, por nós relatado no processo n.º 582/05.0TASTR.E2.S1; de 10-05-2017, processo n.º 1805/09.2T3AVR.P1.S1-3.ª; de 21-06-2017, processo n.º 585/15.7PALGS.E1.S1-3.ª, e projecto de acórdão elaborado no processo n.º 111/02.8TAALQ.L1.S1, apresentado em 11 de Outubro de 2017, volvido em voto de vencido apresentado na sessão de 11 de Janeiro de 2018 (inédito).  


     A título exemplificativo do que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a decidir, de forma quase unânime, sobre esta matéria, pode ver-se o acórdão de 25-01-2012, processo n.º 360/06.0PTSTB.E1.S1-3.ª Secção, donde se extrai:

     “O recurso, interposto pela demandada cível, e restrito à questão cível, foi deduzido em 24-09-2008. São assim aplicáveis as normas processuais penais relativas ao regime dos recursos na redacção actual, após a revisão de 2007 (Lei 48/2007, de 29-08), e o regime de processo civil com as alterações introduzidas pelo DL 303/2007, de 24-08, na parte em que for chamado a intervir.

    As normas do processo penal relativas ao regime dos recursos quanto à questão cível deduzida no processo penal constam, com relativa autonomia do recurso da questão penal, nos n.ºs 2 e 3 do art. 400.° do CPP: o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil «só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada», e «mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil».

    O regime do recurso quanto à questão cível deduzida no processo penal resultante desta dupla proposição visou, directamente, criar novas soluções, fazendo caducar a interpretação constante do AUJ 1/2002, que determinava o alinhamento e a consequente irrecorribilidade da questão cível se fosse irrecorrível a correspondente acção penal. A separação dos regimes de recurso, tornando autónomo o recurso da questão cível, e chamando os pressupostos – valor; alçada; sucumbência – do processo civil, revela que o legislador quis claramente alinhar o regime de recurso da questão cível com o regime do processo civil, estabelecendo que as possibilidades de recurso do pedido de indemnização civil são as mesmas, independentemente da acção civil aderir ao processo penal ou de ser proposta e seguir autonomamente como processo civil.

     A intervenção dos pressupostos dos recursos em processo civil transporta o regime para área diferente dos pressupostos e do regime dos recursos em processo penal: a alçada, o valor e a sucumbência são noções estranhas ao processo penal e aos pressupostos do respectivo regime de recursos. A referência a tais elementos que conformam verdadeiramente o regime do recurso relativo à questão civil, que não têm qualquer correspondência no processo penal, determina que o recurso sobre a questão civil em processo penal, tendo autonomia, não tenha, em medida relevante, regulação no processo penal, ficando incompleto; a completude tem de ser encontrada, como determina o art. 4.° do CPP, no regime dos recursos em processo civil.

       Em processo civil, o recurso só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal – art. 678.°, n.° 1, do CPC. Mas, segundo determina o art. 721.º, n.º 3, do CPC, não é admitido recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância. Por esse motivo não é admissível o recurso da demandada cível”.

     Retira-se do sumário do acórdão de 26-11-2014, proferido no processo n.º 957/96.4JAFAR.E3.S1, desta Secção (versando caso em que não tem lugar a aplicação da dupla conforme, por a acção ter sido instaurada em 2002 – os factos datam de 1996): (…)

   VI - O caso sub judice é o de um pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime o qual, por força do princípio da adesão imposto pelo art. 71.º do CPP, foi deduzido no processo penal aberto em consequência da prática desse mesmo crime.

    VII - O pedido da demandante foi deduzido em 04-06-2002 e tem o valor de € 6.000.490,35. O recorrente/demandado, vem condenado a pagar à demandante mais de um milhão e novecentos mil euros, para além de juros e do que vier a ser liquidado quanto às “Situações” A e B.

    VIII - O n.º 3 do art. 400.º, introduzido pela Lei 48/2007, de 29-08, cortando com o princípio da adesão e com a doutrina do AFJ 1/2002 dele derivada, veio estabelecer que, mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença/acórdão relativa à indemnização civil – preceito aqui aplicável, de acordo com a doutrina que emana do AUJ 4/2009, de 18-02-2009, publicado no DR, I Série, de 19-03-2009, por o acórdão recorrido ter sido proferido na vigência daquela reforma.

    IX - Por força do art. 4.º do CPP, terá de se ter também em linha de conta as normas do CPC que regem sobre a admissibilidade do recurso de revista. Nessa matéria, a legislação processual civil tem sofrido significativas alterações ao longo da vida do processo aqui em apreciação. Actualmente, e desde 01-09-2013, vigora o novo CPC, aprovado pela Lei 41/2013, de 26-06. O Código actual como, de resto, o de 1961, não contém norma de direito transitório geral sobre a aplicação da lei no tempo.

    X - Todavia, a Lei 41/2013 contém uma norma de direito transitório especial, a do n.º 1 do seu art. 7.º, nos termos da qual «aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em acções instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações agora introduzidas, com excepção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente Lei».

   XI - É essa precisamente a situação sub judice: (a) a Lei 41/2013 entrou em vigor no dia 01-09-2013; (b) o acórdão do Tribunal da Relação de que o demandado/arguido interpôs recurso foi proferido depois dessa data, em 08-04-2014; (c) o pedido civil sobre que recaiu este acórdão foi deduzido antes de 01-01-2008, concretamente, em 04-06-2002, o mesmo é dizer que a presente acção foi instaurada nesta data.

   XII - A generalidade da doutrina e da jurisprudência do STJ parece interpretar aquela regra de direito transitório no sentido de que, em casos como o dos autos, não tem aplicação o regime da dupla conforme, com o que se concorda, pelo que no caso concreto estão preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, na parte cível, estabelecidos pelos n.ºs 2 e 3 do art. 400.º do CPP. (…)


     Também o Tribunal Constitucional já se pronunciou, julgando não inconstitucional a aplicação subsidiária do Código Processo Civil (artigo 721.º, n.º 3, do CPC) ao pedido de indemnização civil enxertado no processo penal (artigo 400.º, n.º 3, do CPP).

     Neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/2012, de 26 de Setembro, proferido no processo n.º 618/11, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 222, de 16 de Novembro de 2012, que decidiu que a consequência da aplicação subsidiária do n.º 3 do artigo 721.º do CPC resulta na vedação do acesso do recorrente ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto segunda instância de recurso.

   Como aí se pode ler: “O Tribunal Constitucional tem vindo a apreciar, de modo reiterado e constante, a questão da delimitação da esfera de proteção normativa do direito fundamental de acesso aos tribunais. Precisamente em sede de processo penal, a jurisprudência constitucional tem considerado, de modo unânime, que não decorre do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) um direito subjetivo a que determinada questão jurisdicionalmente controvertida goze de um duplo grau de recurso (nesse sentido, entre muitos outros, ver os Acórdãos n.º 338/2005, n.º 2/2006, n.º 575/2006 e n.º 551/2009)”.

    “Estando em causa, nos presentes autos, um recurso circunscrito a matéria de natureza cível – ainda que enxertado em processo penal –, existem razões acrescidas que justificam que a privação de um duplo grau de recurso não afeta, de modo desproporcionado, o direito de acesso do recorrente aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da CRP). O que este último preceito constitucional garante é a possibilidade de ver sindicadas decisões jurisdicionais proferidas por um tribunal de primeira instância. Tal não significa, porém, que essa possibilidade de confronto de uma decisão jurisdicional perante um tribunal superior exija um grau ótimo (ou pleno) de recurso, que apenas cabe ao legislador ordinário decidir se e em que medida é justificado”.

     Convocando o já decidido nos anteriores acórdãos n.ºs 263/2009, 551/2009, 645/2009, 125/2010, 174/2010, 276/2010, 277/2010, 308/2010, 314/2010, 359/2010, 471/2010 e 215/2011, defende o aludido acórdão não ser de julgar inconstitucional a interpretação normativa extraída da conjugação entre os artigos 400.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e 721.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, no sentido de que o momento determinante para a aferição do direito fundamental ao recurso corresponde à data da prolação de decisão condenatória a quem pretende exercer o referido direito.


     Daqui se retira que a data da prolação da decisão desfavorável, proferida pelo tribunal de primeira instância, é o momento decisivo de ponderação acerca dos meios de recurso ao dispor do recorrente.


     O momento relevante para a fixação do direito subjectivo ao recurso corresponde à decisão desfavorável proferida pela primeira instância.


     Deste modo, consignado o entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre a aplicação subsidiária das normas do processo civil aos recursos sobre os pedidos cíveis interpostos em processo criminal, importa agora tomar posição sobre que normativos devem regular o presente caso concreto, o que nos conduz ao problema da aplicação no tempo da lei processual sobre as condições de admissibilidade dos recursos.


     A este propósito importa relembrar que o presente processo teve início em 15 de Julho de 2014, que o pedido de indemnização cível foi formulado pelo Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS, I.P.) em 11 de Dezembro de 2014, que a sentença condenatória do tribunal de 1.ª instância data de 4 de Fevereiro de 2016 e que o acórdão confirmatório do Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido no dia de 12 de Outubro de 2016.

    Os factos por que foi condenado o ora recorrente ocorreram no período compreendido entre Junho de 2006 e Novembro de 2009.

     Deste modo, constata-se que o pedido de indemnização cível, que a decisão condenatória do tribunal de 1.ª instância e que o acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa foram deduzidos ou proferidos entre 11 de Dezembro de 2014 e 12 de Outubro de 2016, no âmbito do período de vigência do NCPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, iniciada no dia 1 de Setembro de 2013.

       A admissibilidade do recurso de revista assente na noção de dupla conforme deve ser, assim, apreciada à luz do artigo 671.º, n.º 3, do actual CPC (versão da Lei nº 41/2013).


       Assim sendo, a disposição transitória do artigo 7.º da citada Lei não tem aqui aplicação, pois reporta-se aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da lei – o que é o caso – mas relativas a acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008 – o que não é o caso.


      No caso presente deve considerar-se que a acção cível de indemnização foi interposta no dia 11 de Dezembro de 2014, por ser essa a data em que o Instituto da Segurança Social, I. P. enxertou no presente processo crime o pedido de indemnização cível que dirigiu contra o ora recorrente e a sociedade BB -Artes Gráficas, Lda.

     Neste sentido podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de 22-06-2011, processo n.º 444/06.4TASEI.C1.S1-5.ª Secção, CJSTJ 2011, tomo 2, pág. 193 (deve considerar-se como data do seu início a da apresentação do pedido de indemnização civil); de 15-12-2011, proferido no processo n.º 53/04.2IDAVR.P1.S1-5.ª Secção, no qual se pode ler: “Em regra, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, como estabelece o art. 71.º do CPP, que consagra o denominado processo de adesão. Nestes casos, no mesmo processo em sentido material, coexistem duas acções, uma penal e outra cível, autónomas entre si. O processo penal inicia-se com um acto do MP, em regra, a abertura do inquérito. Já o processo ou acção cível tem início com a dedução do pedido de indemnização civil. O equivalente à petição inicial do processo civil não está na notícia do crime, na participação ou na queixa, figuras alheias à acção civil, mas sim no requerimento em que é deduzido o pedido de indemnização. A consideração da data da apresentação do pedido de indemnização civil enxertado no processo penal como o início do processo em matéria cível, em si, não coloca qualquer questão de desigualdade. Está no mesmo plano que a consideração da petição inicial como o início do comum processo civil”; de 15-03-2012, processo n.º 870/07.1GTABF.E1.S1-3.ª Secção; de 27-06-2012, processo n.º 1466/07.3TABRG.G1.S1-3.ª (por nós relatado); de 5-07-2012, processo n.º 696/03.1PAVCD.P1.S1; de 19-09-2012, processo n.º 13/09.7GTPNF.P2.S1-3.ª Secção; de 08-11-2012, processo n.º 6952/07.2TDLSB.P1.S1-5.ª Secção; de 29-11-2012, processo n.º 700/05.9TABRR.L1-A.S1-5.ª Secção; de 14-03-2013, processo n.º 610/04.7TAPVZ.P1.S1-5.ª Secção, (com voto de vencido), in CJSTJ 2013, tomo 1, pág. 212 (O regime de dupla conforme, que entrou em vigor em 1-01-2008, apenas se aplica aos processos iniciados após essa data, considerando-se como tal a data em que foi apresentado o respectivo pedido de indemnização cível); de 06-03-2014, processo n.º 89/01.5IDLSB.L1.S1-5.ª Secção, onde se refere que “Quando o pedido de indemnização civil, que deu origem ao enxerto cível, foi apresentado em data anterior à da entrada em vigor da reforma introduzida pelo DL 303/07, de 24-08, fica afastada a possibilidade de rejeição do recurso cível, com fundamento na existência de dupla conforme”; de 30-10-2014, processo n.º 165/07.0IDBRG.G1.S1-5.ª Secção, onde consta: “Quando o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respactivo, há só um processo material, mas existem dois processos em sentido jurídico, isto é, no mesmo processo em sentido material coexistem duas acções, uma penal e outra cível, autónomas entre si. O processo ou procedimento penal inicia-se com um acto do MP, em regra, a abertura de inquérito; o processo ou acção cível tem início com a dedução do pedido de indemnização civil. Toda a actividade processual anterior a esse momento nada tem a ver com a acção cível. O artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26-06, no segmento «acções instauradas antes de 01-01-2008», só pode ter em vista a acção cível, visto a matéria que regula ser privativa desse tipo de acções, nada tendo a ver com a cção penal. O entendimento de que a acção cível enxertada no processo penal se considera instaurada com a dedução do pedido de indemnização civil, não viola o princípio da igualdade”; de 26-11-2014, processo n.º 957/96.4JAFAR.E3.S1-3.ª Secção; de 25-02-2015, processo n.º 1643/09.2TALRS.L1.S1-3.ª Secção; de 12-03-2015, processo n.º 41/08.0TACCH.E1.S1-3.ª Secção (em que interviemos como adjunto); de 28-05-2015, processo n.º 2647/06.2TAGMR.G1.S1-5.ª Secção (é na data da formulação do pedido de indemnização civil que se deve considerar instaurada a acção civil enxertada no processo penal); de 11-06-2015, processo n.º 127/06.5IDBRG.P1.S1-5.ª Secção (a acção civil só se inicia com a formulação do pedido nos termos do artigo 77.º, do CPP, sendo este o momento relevante); de 15-07-2015, processo n.º 1/05.2JFLSB.L1.S1-3.ª Secção (por nós relatado); de 10-12-2015, processo n.º 111/02.8TAALQ.L1.S1 (acórdão intercalar por nós relatado); de 16-12-2015, processo n.º 641/11.0JACBR.C1.S1, em caso de dupla conforme in mellius, por nós relatado e de 9-03-2017, processo n.º 582/05.0TASTR.E2.S1, aplicando-se neste o NCPC (por nós relatado); no projecto de acórdão no processo n.º 111/02.8TAALQ.L1.S1, apresentado em 11 de Outubro de 2017, volvido em voto de vencido apresentado na sessão de 11 de Janeiro de 2018 (inédito).

       Extrai-se do acórdão de 3 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 17112/01.6TDLSB.L2.S1, da 5.ª Secção:

“I - O recorrente não apresenta razões que ponham em causa a decisão reclamada, que fez coincidir o início do processo na vertente civil com a dedução do pedido civil. A ligação que existe entre a acção penal e o pedido de indemnização civil e a repercussão que determinadas incidências do inquérito criminal terão sobre a pretensão civil, não tem nada a ver com o momento que deve considerar-se como o do início do processo civil enxertado no processo penal.

II - Essa eventual repercussão só terá lugar quando e se vier a ser formulada a pretensão indemnizatória. Enquanto essa pretensão não for apresentada não há processo civil. Veja-se que aquelas ligação e eventual repercussão tanto têm lugar se o pedido civil deduzido no processo penal como se o for em separado, perante o tribunal civil, nas situações em que o pode ser, como, por exemplo, no caso previsto na al. a) do n.º 1 do art. 72.º do CPP. E se o pedido de indemnização for deduzido em separado ninguém dirá que o início do processo respectivo é outro que não o da apresentação do pedido.

III - Do princípio da adesão, tal como se encontra desenhado no art. 71.º, do CPP, não podem tirar-se quaisquer conclusões sobre esta temática, pois não tem outro alcance que não seja a obrigatoriedade de o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime ser deduzido no processo penal respectivo, com excepção dos casos previstos no n.º 1 do art. 72.º do CPP.

IV - Não é pertinente falar no âmbito de uma acção civil em lei mais desfavorável ao arguido e em limitação das garantias de defesa; na acção civil, o arguido é parte, parte civil. E não houve supressão de um grau de recurso, na medida em que a lei restringe o recurso da decisão da relação para o STJ é anterior à propositura da acção. Nem mesmo na acção penal a lei que regula o direito ao recurso é a vigente à data da prática do facto ilícito, mas sim a que vigorar no momento da publicação da decisão de 1.ª instância, pressuposto da jurisprudência fixada no acórdão 4/2009 do STJ”.

       Sabido que o presente processo teve início em 15 de Julho de 2014, que o pedido cível de indemnização foi deduzido em 12 de Dezembro de 2014, que a sentença da primeira instância foi proferida em 4 de Fevereiro de 2016 e que o acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa data de 12 de Outubro de 2016, importa averiguar se este acórdão admite (ou não) recurso para o Supremo Tribunal da Justiça, no que respeita à acção cível enxertada e, em caso afirmativo, se quanto a todas as questões ou apenas a alguma(s) dela(s).

       Considerando as já referidas datas do início do processo, da dedução do pedido de indemnização civil, da sentença condenatória de primeira instância e do acórdão da Relação, ora recorrido, tendo em conta a circunstância de tal acórdão ser irrecorrível a nível penal, e atendendo à alteração legislativa decorrente da introdução do n.º 3 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, pela Lei n.º 48/2007, de 24 de Agosto, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007, bem como da coeva alteração legislativa no domínio do processo civil, de que decorreu a introdução no processo civil do princípio da dupla conforme (nova redacção em 2007 do artigo 721.º do CPC), há que indagar, à luz da actual lei, se o acórdão ora em crise é ou não recorrível no plano civil.

      Para o efeito, importa, grosso modo, analisar em detalhe o texto recorrido no tocante ao pedido cível (em particular, se ocorre coincidência decisória, unanimidade por parte dos Exmos. Desembargadores e eventual identidade essencial da fundamentação), sabido ter aplicação ao caso o regime jurídico do novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, maxime, artigo 671.º, n.º 3.

       Vejamos.

    

      Analisando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no dia 12 de Outubro de 2016, verifica-se que a sentença da primeira instância da Secção Criminal da Instância Local de Lisboa, proferida no dia 4 de Fevereiro de 2016 e depositada no mesmo dia, foi integralmente mantida, sem qualquer voto de vencido, inclusive, no tocante à acção cível enxertada, o que acabou por ditar, em consequência, a manutenção da condenação do ora recorrente nos moldes enunciados supra.

      Verifica-se que, para além do que tange à parte criminal, no que diz respeito ao pedido de indemnização civil, tendo por base a mesma factualidade dada como provada, definitivamente assente, os segmentos decisórios das duas decisões em causa são absolutamente coincidentes, condenando-se o arguido/demandado a pagar ao ISS, I.P., a mesma quantia, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, contados do mesmo modo.

       O acórdão recorrido não apresenta nova fundamentação relativamente à que foi utilizada pela sentença de primeira instância, nomeadamente, no que diz respeito ao pedido de indemnização cível.      

      No caso vertente, o acórdão recorrido nada acrescentou à decisão então recorrida quanto à fundamentação da decisão relativa ao pedido de indemnização cível: ambas as decisões afastaram as deficiências invocadas pelo demandado e para a procedência da acção cível enxertada o tribunal de recurso subscreveu os considerandos a este respeito tecidos pelo tribunal a quo, ao mesmo tempo que rebateu toda a argumentação utilizada pelo demandado civil.

      Para além da absoluta coincidência decisória no que respeita ao pedido de indemnização civil, acresce que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi tirado por unanimidade, sem voto de vencido.

      Em suma: mostrando-se confirmada, em sede de recurso, a decisão singular proferida na Secção Criminal da Instância Local da Comarca de …, ocorrendo unanimidade por parte dos Juízes Desembargadores que apreciaram o recurso interposto e sem fundamentação essencialmente diferente das duas decisões, estamos perante uma situação de dupla conforme total/absoluta.

      Ocorrendo uma situação de dupla conforme, por regra, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do impugnado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

       É, pois, esta a solução jurídica imposta pelo princípio da irrecorribilidade em caso de dupla conforme, acolhida no processo civil pelo n.º 3 do citado artigo 671.º do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que, como vimos, é o aplicável ao caso.


      Importa ainda assinalar que, como já a outro propósito se mencionou acima, o Tribunal Constitucional, quanto ao direito ao recurso, tem afirmado por várias vezes que o legislador ordinário goza de uma ampla liberdade de concretização deste direito, desde que se mostre assegurado o duplo grau de jurisdição, ou seja, a possibilidade de uma causa ser reapreciada ao nível das matérias de facto e de direito, em sede de recurso, por um tribunal hierarquicamente superior.



Estabelece o artigo 671.º


        “ 3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que, confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.


     Face à dupla conforme verificada, há que concluir que não poderão ser apreciadas por este Supremo Tribunal as seguintes questões suscitadas a propósito da condenação na parte cível, elencadas em: 

      Questão VII – Nulidade da sentença – artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP – por o tribunal ter deixado de se pronunciar sobre a responsabilidade cível da VMJ, Lda., sociedade declarada insolvente e de CC – Conclusões 46.ª a 54.ª.

      Questão XV – Consideração de que o último acto de execução que pode ser imputável ao arguido remonta a Fevereiro de 2007 e ao montante global de 14.921,74 €, pelo que nunca a sua condenação no pedido de indemnização civil poderia ascender ao quantum global de 121.130,82 € – Conclusões 206.ª a 209.ª.

      Questão XVI – Prescrição de toda a dívida peticionada extensível aos juros peticionados – artigos 498.º, n.º 3 e 310.º, alínea d), do Código Civil – Conclusões 210.ª a 212.ª.

       Questão XVIII – A responsabilidade civil subsidiária dos administradores pressupõe sempre a prova de que a impossibilidade de pagamento derivou de uma actuação culposa dos agentes, pelo que, nada revelando os autos a esse respeito, o Tribunal proferiu a esse propósito uma sentença nula, por ter conhecido de questões das quais não podia tomar conhecimento – art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – Conclusões 226.ª, 227.º, 240.ª e 241.ª.

      Questão XIX – A responsabilidade civil subsidiária a que alude o art. 8.º, n.º 1, do RGIT tem de ser declarada na sentença e actuada pelo mecanismo da reversão fiscal, o que não ocorreu, nem poderia ocorrer por via de uma decisão proferida pelo tribunal “a quo” – Conclusão 228.ª.

       Questão XXI – Absolvição da instância do demandado, por ilegitimidade, atenta a absolvição da instância da arguida VMJF por preterição de litisconsórcio necessário – Conclusões 235.ª e 242.ª, esta, como se assinalou, mera repetição daquela.

       Questão XXIV – Falta de causa de pedir – Conclusões 243.ª a 247.ª.


       A questão de saber se a dupla conforme cede nos casos em que é sempre admissível recurso está actualmente clarificada com a redacção dada ao n.º 3 do artigo 671.º do NCPC, correspondente ao artigo 721.º, n.º 3, da versão anterior, ressalvando expressamente da dupla conforme os casos em que é sempre admissível recurso, ora previstos no artigo 629.º, n.º 2 e antes no artigo 678.º, n.º 2, do CPC de 2007.


       Estabelecia o n.º 2, alínea a), do artigo 678.º do CPC:

       “2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

       a) Das decisões que violem as regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia, ou que ofendam o caso julgado”.


       Era utilizada a expressão é sempre admissível, o que quer dizer que era sempre admissível recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça.

      E nas situações em que ocorria dupla conforme, então prevista no n.º 3 do artigo 721.º, cuja literalidade [Não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte], não permitia campo para excepção, ficava ou não vedado o recurso de revista (regra), quando fosse alegada uma violação das regras de competência em razão da matéria, prevista no artigo 678.º, n.º 2, alínea a), do CPC?

     A doutrina divergia; por seu turno, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – apesar de inicialmente ter tomado uma posição de não admissão de recurso de revista regra (ou dita normal) para conhecer das questões previstas no artigo 678.º, n.º 2, do CPC, em casos de existência de dupla conforme, considerando que a forma de reacção era a prevista no artigo 721.º-A, n.º 1, do CPC (recurso de revista excepcional) – passou a convergir no sentido de que a dupla conforme prevista no artigo 721.º, n.º 3, do CPC, cedia perante a apreciação de uma questão prevista no artigo 678.º, n.º 2, alínea a), do CPC, isto é, apesar do recurso ser inadmissível por força da existência de dupla conforme, a questão da incompetência absoluta sobrepunha-se, podendo e devendo ser apreciada tal questão em sede de recurso de revista (dita normal ou regra).

        Este ponto foi focado no projecto de acórdão exactamente por no caso então em apreciação ser aplicável o regime previsto no Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, de fls. 828 a 846.


       Com o NCPC a questão foi clarificada, pois a dupla conforme opera “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”, como explicita o n.º 3 do artigo 671.º.

      O legislador, no NCPC, na redacção dada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, introduziu uma nova redacção no artigo 671.º, n.º 3 (correspondente ao anterior artigo 721.º, n.º 3), que dispõe:

      “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da relação que confirme, sem voto vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”,

      assim acabando com as dúvidas de interpretação, prevendo expressamente que é admissível recurso de revista (dita normal ou recurso-regra) para os casos em que o recurso é sempre admissível, mesmo que estejamos perante uma situação de dupla conforme.

       Estabelece o


Artigo 629.º

Decisões que admitem recurso



2 – Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso jugado.


      Assim, é de concluir que os casos previstos no artigo 629.º, n.º 2, do CPC – nomeadamente, a questão de violação de regras da competência em razão da matéria – são susceptíveis de recurso de revista (dita normal), mesmo que estejamos perante uma situação de dupla conforme.

     Sendo estes os únicos casos em que a dupla conforme cede e o recurso de revista (dita normal) é susceptível de admissibilidade.

     Todas as outras questões não enquadráveis no artigo 629.º, n.º 2, do CPC, não são passíveis de recurso de revista dita normal, face a existência de dupla conforme.


       Vejamos.


     Da incompetência absoluta da instância criminal para conhecer do pedido de indemnização civil formulado pelo ISS, I.P.


     Em face da inadmissibilidade do recurso supra assinalada, subsiste apenas a questão de incompetência absoluta do Tribunal Criminal, alegada pelo recorrente no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça nas conclusões 238.º e 239.º, relativamente à qual, sem prejuízo da dupla conforme relativamente a todas as outras questões alegadas, é sempre admissível recurso de revista, dita normal, nos termos do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, aplicável ex vi do artigo 4.º do CPP.


       Em causa a cognição da

     Questão XXIII – Incompetência em razão da matéria do tribunal criminal para conhecer do pedido civil formulado, competência essa que assiste aos tribunais tributários – Conclusões 238.ª e 239.ª.


      A declaração de competência trará, se for o caso, implícito o reconhecimento de que o processo penal é meio idóneo.

      Questão XXII – Inidoneidade do processo penal para exigir valores correspondentes a contribuições e impostos – Conclusões 236.ª e 237.ª.


   A questão de incompetência absoluta suscitada pelo recorrente nas conclusões 238.ª e 239.ª, traduz-se unicamente na invocação por este efectuada de que “a instância criminal é materialmente incompetente, para conhecer do pedido cível formulado pelo IGFSS, IP, competência que nos termos da 2.ª parte do artigo 10.º do CPP, assiste aos Tribunais Administrativos e Fiscais”.

     A questão suscitada pelo recorrente consiste assim essencialmente em saber se o valor das contribuições, devidas e não entregues à Segurança Social, que integram a materialidade do ilícito penal fiscal por que foi condenado, pode ser reclamado em processo penal desencadeado por tal crime, face ao princípio da adesão, ou se o pagamento do referido valor por tais dívidas à Segurança Social não pode constituir objecto de pedido de indemnização civil em processo penal, por ser da exclusiva competência da jurisdição administrativa fiscal a sua liquidação e cobrança, como alega o recorrente.

       Com efeito, o recorrente questiona a idoneidade do pedido de indemnização civil para o ressarcimento da Administração Tributária.

     Mais refere que a responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores impõe a imperatividade da reversão sobre o arguido em sede de processo de execução fiscal, não sendo o pedido cível adequado para exigir e cobrar a obrigação fiscal.

      Em suma, o recorrente alega a incompetência do tribunal criminal para conhecer do pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto da Segurança Social, referindo que a competência cabe aos tribunais tributários.


        A competência em razão da matéria constitui um pressuposto basilar cujo preenchimento legitima o tribunal a decidir sobre o mérito da causa, não podendo a violação das respectivas regras ficar condicionada por aspectos secundários relacionados com o valor da causa ou com o valor do decaimento (sucumbência).

      Assim a competência em razão da matéria é de conhecimento oficioso e a violação dessa competência origina uma excepção dilatória que leva à absolvição da instância, ficando o tribunal impedido de conhecer do mérito da causa.


       Extrai-se do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 11/2007, de 24 de Maio de 2007, proferido no processo n.º 881/2007, Diário da República, 1.ª série, n.º 142, de 25 de Julho de 2007:

       “A competência de um tribunal é a medida da sua jurisdição ou nexo lógico entre ele e determinada causa; a incompetência, por seu turno, é a falta de poder legal do tribunal para o julgamento de determinada causa.

       A medida da sua jurisdição resulta de critérios legais atributivos da competência, do que decorre a sua legitimidade de julgamento em concreto, implicando a falta de tal atribuição, conforme os casos, abstraindo da preterição do tribunal arbitral, a incompetência relativa e a absoluta, nesta se incluindo a relativa à matéria.

 Aatribuição da competência em razão damatéria
às categorias de tribunais situados no mesmo plano assenta, em regra, no princípio da especialização com vista a proporcionar a maior eficácia da justiça”.



       Integrados no Título IV – Do Tribunal – Capítulo V – Das Garantias da competência – Secção I – Incompetência absoluta – estabelecem os preceitos:



Artigo 96.º

Casos de incompetência absoluta



Determinam a incompetência absoluta do tribunal:

a) A infração das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional;

b) A preterição de tribunal arbitral.



Artigo 97.º

Regime de arguição – Legitimidade e oportunidade



1 – A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e, exceto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.

2 – A violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final.



Artigo 99.º

Efeito da incompetência absoluta



1 – A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar.

2 – Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada.

3 – Não se aplica o disposto no número anterior nos casos de violação de pacto privativo de jurisdição e de preterição do tribunal arbitral.


     Absolvição da instância


    A verificação da procedência da excepção de incompetência absoluta conduz a absolvição da instância. 


       Aos anteriores artigos 493.º, 494.º e 495.º sucederam em 2013 os artigos 576.º, 577.º e 578.º, inseridos no Livro III – Do Processo de Declaração – Título I – Dos articulados – Capítulo III – Contestação – Secção II – Exceções, os quais estabelecem:

 


Artigo 576.º

Exceções dilatórias e perentórias – Noção



1 – As exceções são dilatórias ou perentórias.

2 – As exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.

3 – As exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.



Artigo 577.º

Exceções dilatórias



  São dilatórias, entre outras, as exceções seguintes:

a) A incompetência, quer absoluta, quer relativa, do tribunal;

[Alíneas b) a i)].

     [Este artigo reproduz, com a actualização das diversas remissões – presentes nas alíneas f), g) e h) – o anterior artigo 494.º, na redacção do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, com uma única alteração: foi revogada a anterior alínea j) que qualificava como dilatória a excepção da “preterição do tribunal arbitral necessário ou a violação de convenção de arbitragem”]. 



Artigo 578.º

Conhecimento das exceções dilatórias



O tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição do tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no artigo 104.º. [Conhecimento oficioso da incompetência relativa].


     Vistas as normas aplicáveis, impõe-se, ao abrigo do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do NCPC, conhecer da excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal – por violação das regras da competência em razão da matéria – pressuposto processual, que a ser julgado procedente, implica a absolvição do demandado civil da instância, obstando a que o tribunal possa conhecer do mérito da causa.


     No âmbito de admissibilidade de recurso nos termos do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do NCPC, importa analisar se o Tribunal Judicial (Criminal) violou ou não as regras de competência em razão da matéria, ao admitir e conhecer do pedido de indemnização civil deduzido pelo ISS, I.P.

     A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a acção penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo; a indemnização determinada em um processo penal emerge dos factos constitutivos das infracções criminais imputadas ao demandado, se e na medida em que puderem reconduzir-se aos pressupostos da responsabilidade civil [acórdão do STJ de 6-06-2002, proferido no processo n.º 1671/02]; fonte da obrigação de indemnizar não é a prática do crime, mas sim a lesão dos direitos e interesses jurídicos tutelados que os factos constitutivos do crime tenham causado.

     Segundo a sistemática do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, Lei que “Reforça as garantias do contribuinte e a simplificação processual, reformula a organização judiciária tributária e estabelece um novo regime geral para as infracções tributárias (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 15/2001, publicada no Diário da República, 1.ª série - A, n.º 180, pág. 4779, de 4 de Agosto de 2001, no que respeita ao n.º 4 do artigo 26.º e ao n.º 4 do artigo 117.º, e objecto de sucessivas alterações), na parte que ora interessa, há que atender à Parte III do Anexo, com a epígrafe – Das infracções tributárias em especial – abrangendo no Título I – Crimes tributários – as seguintes categorias:

    Capítulo I – Crimes tributários comuns (artigos 87.º a 91.º)

   Capítulo II – Crimes aduaneiros (artigos 92.º a 102.º)

    Capítulo III – Crimes fiscais (artigos 103.º a 105.º)

   Capítulo IV – Crimes contra a segurança social (artigos 106.º e 107.º).

    E o crime de abuso de confiança contra a segurança social está previsto na categoria dos Crimes contra a segurança social no artigo 107.º.

        De acordo com o artigo 3.º Direito subsidiário

      São aplicáveis subsidiariamente

c) Quanto à responsabilidade civil, as disposições do Código Civil e legislação complementar.


     Não se deixará de mencionar posições que não admitem de todo a possibilidade de dedução de pedido de indemnização cível em processo penal por falta de pagamento de imposto.

    Como refere Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009, págs. 315/6: “Alguma doutrina e jurisprudência separam em absoluto a responsabilidade pelo crime da responsabilidade pela prestação tributária e consideram arredada a responsabilidade civil pela indemnização dos danos emergentes do crime, no entendimento de que o crime não causa danos indemnizáveis já que a obrigação tributária e o inerente dever de prestar existem independentemente da prática do crime e a falta de cumprimento da obrigação acarretaria tão-só responsabilidade tributária pelo incumprimento da obrigação regulada pelas leis tributárias”.

     Assim, Paulo Marques, em Infracções tributárias, volume I, pág. 98, afirmando que “as eventuais prestações tributárias em falta não corporizam um ressarcimento de um dano causado ao Estado (...) mas derivam de uma relação jurídica de imposto, traduzindo-se, uma vez apuradas, num crédito tributário. Não nos parece que se possa atingir mediante um pedido civil enxertado em processo criminal aquilo que não se obteve pelo cumprimento das regras do procedimento tributário stricto sensu.

      Soares Martinez em Direito fiscal, Almedina, 7.ª edição revista e actualizada, 1993, versando o objecto da relação penal tributária, na pág. 394, refere: “A esfera jurídica do Estado não tem que ser reintegrada porque um contribuinte, ou um terceiro, deixou de prestar declarações ou as prestou com falsidade. Porquanto, tendo a respectiva infracção sido conhecida, o imposto acaba por ser lançado, liquidado e cobrado correctamente; e a mora que porventura tenha havido será compensada pelos respectivos juros, alheios à penalização da ilicitude. Com a cobrança desses juros de mora estará reintegrada a esfera jurídica do Estado, afectada pela falta de cumprimento pontual, e não pela infracção em si mesma. Desta resultará não qualquer direito a uma reintegração mas o poder de punir, inserido na relação penal tributária como seu objecto.” (Realces do texto).

      Segundo a Circular de Dezembro de 2002 da Direcção-Geral de Finanças, o processo penal não é meio idóneo para em sede de pedido de indemnização civil exigir do arguido quaisquer contribuições e impostos, já que existe um meio próprio de obter a sua cobrança voluntária ou coerciva ao devedor, tudo isto porque o processo penal não é o meio próprio, não só para o sujeito passivo atacar a legalidade de tal dívida, mas também para conhecer da exigibilidade da mesma ao contribuinte.


     Não é essa a posição do Supremo Tribunal de Justiça.


    Neste Supremo Tribunal é unânime o entendimento de que o tribunal criminal é competente para julgar pedido de indemnização cível deduzido pelo Instituto de Segurança Social, I.P., relativamente a quantias deduzidas pelas entidades empregadoras do valor das remunerações, respeitante a montante das contribuições legalmente devidas por trabalhadores e membros dos órgãos sociais e não entregues às instituições de segurança social.

       O pedido de indemnização cível deduzido nestes autos pelo demandante emerge da prática de crime tributário. 

      No que a este tipo de crimes respeita, foi controvertida a questão da competência para conhecer do pedido de indemnização civil com base na prática de tais crimes, colocando-se a questão de saber se poderia ser deduzido em processo penal ou se deveria sê-lo perante os tribunais administrativos.


       Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013


     A controvérsia foi solucionada, porém, com um âmbito apertado, restrito, pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, de 15 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 1187/09.2TDLSB.L2-A.S1, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, págs. 44 a 74, que, com unanimidade, fixou a seguinte jurisprudência: 

     “Em processo penal decorrente de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. p. pelo artigo 107.º n.º 1, do RGIT, é admissível, de harmonia com o artigo 71.º do CPP, a dedução de pedido de indemnização civil tendo por objecto o montante das contribuições legalmente devidas por trabalhadores e membros dos órgãos sociais das entidades empregadoras, que por estas tenha sido deduzido do valor das remunerações, e não tenha sido entregue, total ou parcialmente, às instituições de segurança social”.


      Esta jurisprudência tem aplicação directa no caso presente, desde logo porque a sua doutrina recaiu sobre competência material do tribunal criminal para apreciar/julgar pedido de indemnização cível conexionado com a prática de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, crime que está em causa nos presentes autos.

     Daí, o ter-se referido que a solução gizada na fixação foi encontrada num âmbito apertado, restrito.

      É de manter a posição aí traçada, por não ocorrer qualquer motivo que justifique distanciação, ao que acresce a reiteração em posteriores acórdãos, como, de resto, enfatizado foi no projecto de acórdão pelo ora relator apresentado à sessão de 11 de Outubro de 2017, no processo n.º 111/02.8TAALQ. L1.S1, volvido em voto de vencido na sessão de 18 de Janeiro de 2018, em que uma das conclusões afirmava:

     A força vinculativa de um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência não é a mesma que tinham os Assentos, figura desaparecida com a Reforma de 1995/1996 do Código de Processo Civil, com a revogação do artigo 2.º do Código Civil pelo artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.

       Actualmente o artigo 445.º do CPP, sob a epígrafe “Eficácia da decisão”, estabelece:

      1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 443.º, a decisão que resolver o conflito tem eficácia no processo em que o recurso foi interposto e nos processos cuja tramitação tiver sido suspensa nos termos do n.º 2 do artigo 441.º 

      2 - O Supremo Tribunal de Justiça, conforme os casos, revê a decisão recorrida ou reenvia o processo.

      3 - A decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão.


       A redacção do n.º 1 e do n.º 3, sendo que este n.º não tinha correspondente na versão originária, foi introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1999.

       As alterações introduzidas no n.º 1 e o aditamento do n.º 3 visaram aproximar o regime dos recursos para uniformização de jurisprudência em processo civil – então constante dos artigos 732.º-A e 732.º-B do Código de Processo Civil – e em processo penal, e sobretudo acatar a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que quebrara a força vinculativa genérica dos assentos.

      

       Como refere Pereira Madeira em comentário ao preceito no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1591, nota 3: “Não se trata agora de jurisprudência de observância estritamente obrigatória, como resulta claro do n.º 3. Porém, os tribunais judiciais que doravante divirjam dela, terão de fundamentar as divergências relativas àquela jurisprudência. Esta menção explícita à necessidade de fundamentação das divergências inculca a ideia de que se exige aqui uma fundamentação mais aprofundada, completa e cuidada do que o habitual, pois de outra forma o artigo seria neste ponto meramente redundante, atenta a imposição geral de fundamentação de todas as decisões judiciais que não sejam de mero expediente (art. 205.º, n.º 1, da Constituição). Como tem sido enfatizado pelo STJ, o tribunal judicial divergente não pode limitar-se ao desacato da jurisprudência uniformizada, sem adiantar qualquer relevante argumento novo não ponderado ainda, sem percepção de alteração notória nas concepções ou da composição do Supremo, vg, através de arestos publicados, baseando essa divergência tão-somente na convicção de que aquela não é a melhor solução legal”.

     Na 2.ª edição revista, de 2016, pág. 1486, é repetido o texto, nas notas 3 e 4, sendo no final desta aditado o seguinte: “Isto é: o tribunal desobediente há-de convencer suficientemente da razoabilidade dos fundamentos da divergência, sob pena de ser coagido a aplicar a jurisprudência de que diverge, o que não abonará em princípio para fortalecer o seu prestígio”.


     O recurso extraordinário de decisão contra jurisprudência fixada tem como escopo fundamental, não a tutela do caso concreto, não sendo o remédio jurídico de primeira linha para um erro de julgamento, sendo antes um meio de proporcionar a reanálise da jurisprudência fixada, designadamente, quando surjam argumentos novos, não anteriormente ponderados, ou quando a jurisprudência fixada se encontra ultrapassada.

     (Sobre o condicionalismo que poderá atingir a jurisprudência fixada, podem ver-se Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2.ª edição revista, 2016, pág. 1493, nota 7, e os acórdãos deste Supremo Tribunal de 3 de Abril de 2008, proferido no processo n.º 689/08, da 5.ª Secção; de 3 de Junho de 2009, proferido no processo n.º 21/08.5GAGDL.S1, da 5.ª Secção, de 19 de Janeiro de 2011, processo n.º 1/08.0GAPRT.S1, da 3.ª Secção; de 23 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 244/11.0TTBGC.P1-A.S1, da 3.ª Secção e de 4 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 41/07.7IDSRR.S1, da 3.ª Secção).

       Como se colhe dos acórdãos de 2 de Abril de 2008, proferido no processo n.º 408/08 e de 23 de Abril de 2008, no processo n.º 893/08, ambos da 3.ª Secção e do mesmo relator:

      “O recurso obrigatório para o MP, previsto no art. 446.º do CPP, visa garantir o controle do respeito pela jurisprudência fixada sem se pretender desautorizar o STJ na sua função uniformizadora da aplicação da lei, além de se assegurar margem de iniciativa aos tribunais de instância no provocar do seu eventual reexame, com inegáveis vantagens no caso de se entender que a jurisprudência está desactualizada”.

       Sobre esta norma disse o acórdão de 3 de Abril de 2008, proferido no processo n.º 689/08, da 5.ª Secção:

      “O n.º 3 do art. 445.º do CPP, na redacção dada pela Lei 59/98, veio permitir que os tribunais judiciais se afastassem da jurisprudência fixada pelo STJ, desde que fundamentem as divergências em relação à jurisprudência fixada.

      Este dever de fundamentação não corresponde ao dever geral de fundamentação das decisões judiciais (arts. 97.º, n.º 4 e 374.º do CPP), mas traduz-se num dever especial de fundamentação destinado a explicar as razões de divergência em relação à jurisprudência fixada.  

      Quis então o legislador que o eventual afastamento, por parte dos tribunais judiciais, da jurisprudência fixada, pudesse gerar uma “fiscalização difusa” da jurisprudência fixada (art. 446.º, n.º 3, do CPP).

     De seguida, enuncia as únicas três razões que podem levar um tribunal judicial a afastar-se da jurisprudência fixada.

     Mas acrescenta que seguramente tal não sucederá quando o Tribunal Judicial não acata a jurisprudência uniformizada, sem adiantar qualquer argumento novo, sem percepção da alteração das concepções ou da composição do STJ, baseado somente na sua convicção de que aquela não é a melhor solução ou a “solução legal”. 

     E finaliza, afirmando: «Se o TC vem emitindo um juízo de inconstitucionalidade de norma interpretada por um acórdão uniformizador de jurisprudência, deve o STJ reexaminar a posição assumida no acórdão uniformizador de jurisprudência».

      Mais recentemente, o acórdão deste Supremo Tribunal de 30 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 55/10.0PFSTB.E1.S1, da 5.ª Secção, afirmou: “Os acórdãos de fixação de jurisprudência tirados pelo pleno das secções criminais do STJ deixaram de ser obrigatórios para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências, quando decidam de maneira diversa, afrontando a jurisprudência fixada. Em tal caso, a lei prevê como admissível recurso directo para o STJ, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo aplicáveis ao recurso as regras do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (art. 446.º do CPP). Ao permitir que os tribunais decidam de maneira diversa, a lei pretende revitalizar a jurisprudência e criar condições para a sua reformulação ao longo do tempo, do mesmo passo que estimula a criatividade jurisprudencial, pela busca de novas perspectivas e de novos argumentos. No caso, a decisão recorrida «repescou» os argumentos da posição minoritária para violar a jurisprudência fixada pelo Ac. n.º 8/2008, nada trazendo de novo, pelo que é de determinar a sua substituição por outra que aprecie o requerimento do M.º P.º de acordo com a jurisprudência fixada”.

     Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2012, proferido no processo n.º 395/08.8PBSTB-A.S1, da 5.ª Secção, “Os acórdãos de fixação de jurisprudência tirados pelo pleno das secções criminais do STJ deixaram de ser obrigatórios para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências em relação a tais arestos, quando decidam de maneira diversa, prevendo a lei recurso directo para o STJ, que pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, ou a proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada (art. 446.º, n.º 3, do CPP).

     A sentença recorrida, se bem que fundamentada, limita-se a repetir argumentos que não obtiveram vencimento no acórdão de fixação de jurisprudência, não trazendo argumentos novos”.         

    Segundo o acórdão de 23 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 244/11.0TTBGC.P1-A.S1, da 3.ª Secção “O recurso extraordinário contra jurisprudência fixada tem como requisito substancial de admissibilidade, a oposição entre a decisão recorrida e a jurisprudência fixada pelo STJ; ou seja, um acórdão uniformizador de jurisprudência, tirado em julgamento, em conferência, pelo pleno das secções criminais, presidida pelo Presidente do STJ, nos termos do art. 443.º do CPP e sujeito a publicação na 1.ª série do DR. 

     A jurisprudência tem apontado como factos-índice que podem levar um tribunal judicial a afastar-se da jurisprudência fixada pelo STJ pelo facto de estar ultrapassada quando:

    - o tribunal tiver desenvolvido um argumento novo ou argumentos novos e de grande valor não ponderado no acórdão uniformizador (no texto ou em eventuais votos de vencido), susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada;

   - se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados por forma a que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso”.

       (NOTA: Em causa estava o Assento n.º 2/94, de 10 de Março de 1994, proferido no processo n.º 45325, publicado no Diário da República, I Série-A, de 7 de Maio de 1994 e no BMJ n.º 435, pág. 49, que versou sobre a natureza do prazo previsto no artigo 59.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro e a Lei n.º 107/09, de 14 de Setembro, relativa a processo de contra-ordenação laboral e de segurança social – contagem de prazo).

      Diz o acórdão de 25 de Outubro de 2012, processo n.º 393/08.1ECLSB.L1-B.S1, da 5.ª Secção: A norma do artigo 446.º está directamente relacionada com a do n.º 3 do artigo 445.º, que imediatamente a precede: embora a jurisprudência fixada pelo STJ não seja obrigatória para os tribunais judiciais, «estes devem fundamentar as divergências relativas» a essa jurisprudência.

      No voto de vencido, que mereceu voto de adesão do Presidente da Secção, pode ler-se: “O recurso existe, primacialmente, para que o STJ defenda a validade da decisão tomada pelo Pleno das Secções Criminais, obrigando o tribunal que dela se desviou, sem fundamento válido e inovador, a se conformar com jurisprudência fixada, já que a mesma, por lei, não tem força vinculativa geral”.

      Segundo o acórdão de 12 de Setembro de 2013, processo n.º 267/09.9PGALM.L1-A.S1, da 3.ª Secção – A impugnação de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ não se processa através do recurso para fixação de jurisprudência, regulado nos artigos 437.º a 445.º e 448.º do CPP, antes mediante o recurso de decisão contra jurisprudência fixada pelo STJ, recurso regulado nos artigos 446.º e 448.º do CPP.

      O critério de aferição da existência de decisão proferida contra jurisprudência fixada, conquanto a lei adjectiva penal o não enuncie expressamente, não pode deixar de ser o da oposição de julgados, critério aplicável ao recurso de fixação ou uniformização de jurisprudência, previsto no n.º 1 do artigo 437.º do CPP.

 

       Óbvio será que a convocação do recurso extraordinário nos termos do artigo 446.º do Código de Processo Penal terá lugar quando não seja tida em conta a doutrina do AFJ n.º 1/2013, num quadro em que se esteja perante responsabilidade civil emergente de prática de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

      De resto, assim aconteceu no acórdão de 17 de Janeiro de 2013, por nós relatado no processo n.º 430/09.2TATVD.L1.S1, em que foi revogado o acórdão recorrido “de modo a observar a orientação jurisprudencial fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, de 15-11-2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, respeitante a admissibilidade de dedução de pedido cível em processo crime relativo a abuso de confiança contra a segurança social”.

       (No caso apreciado o Tribunal da Relação de Lisboa revogara a sentença que condenara o recorrente no pedido deduzido pelo ISS, I.P.).


      Do mesmo modo se colocará a questão quando esteja em causa o AFJ n.º 8/2012, por nós relatado, que versou sobre crime de abuso de confiança fiscal, embora entendamos que poderá a solução aí encontrada ser alargada ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, o que se verificou no acórdão de 6 de Abril de 2016, proferido no processo n.º 521/11.0TASCR.L1-A.S1 (recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 446.º do CPP), versando alegada violação da jurisprudência fixada por aquele AFJ n.º 8/2012.


      Vejamos o que estava em causa na fixação de jurisprudência operada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013.

 

      Importa delimitar o respectivo âmbito, o seu campo de abrangência, as situações jurídicas a que pode aplicar-se a definição normativa conseguida em registo de unanimidade, sabido que requisito imprescindível da fixação de jurisprudência, nos termos do artigo 437.º do Código de Processo Penal, é que se esteja perante situações de facto idênticas e a mesma questão de direito. 

      Noutra perspectiva, olhada a questão a jusante, temos que a feridência de fixação de jurisprudência só se verifica em quadro que signifique uma inobservância, um desvio, uma deriva, o não acatamento da doutrina fixada ocorrido em situação idêntica à versada no acórdão uniformizador.


      No Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2013, a identificação do objecto do recurso consta da pág. 51 - 2.ª coluna do citado Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, nestes termos:

      “A questão objecto do presente recurso centraliza-se exclusivamente na admissibilidade ou não do pedido de indemnização civil em processo penal, que tenha por objecto o ressarcimento da quantia correspondente ao montante de contribuições - prestações tributárias, incluindo os respectivos juros - devidas e não entregues à Segurança Social, contempladas no art.º 107.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), cuja conduta omissiva constitui crime de abuso de confiança contra a Segurança Social. 

     A questão consiste em saber se o valor dessas quantias, devidas e não entregues à Segurança Social, que integram a materialidade desse ilícito penal fiscal, pode ser reclamado em processo penal desencadeado por tal crime, face ao princípio da adesão, ou se o ressarcimento do referido valor por tais dívidas à Segurança Social, não pode constituir objecto de pedido de indemnização civil em processo penal por ser da exclusiva competência da jurisdição administrativa fiscal a sua liquidação e cobrança.

       Explicitando de outra forma: 

      Cabendo embora exclusivamente à jurisdição administrativa-tributária a apreciação e conhecimento das obrigações advenientes das relações jurídicas tributárias, isso não obsta a que esteja incluído na competência material dos tribunais judiciais o conhecimento do pedido cível de indemnização pelos danos resultantes de uma dada conduta criminal, formulado pela Segurança Social nos termos do artigo 71.º do Código de Processo Penal?” (Realces nossos).

 

      No fundo a questão era a de saber se é adjectivável a pretensão de cobrança de créditos por parte da Segurança Social em processo penal.

      Tendo-se por hialino que a fixação de jurisprudência se pronunciou sobre dedução de pedido de indemnização emergente de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, e apenas sobre esta, coloca-se a questão de saber se será aplicável a outros domínios.


      Podemos avançar que no acórdão de 4 de Fevereiro de 2010, por nós relatado no processo n.º 106/01.9IDPRT.S1, no que toca às quantias relativas a IVA e IRS conexionadas com o crime de abuso de confiança fiscal, que não foram objecto de pedido, poderíamos admitir que a doutrina do Acórdão n.º 1/2013 se possa aplicar a tais situações.

     

      No acórdão de 4 de Fevereiro de 2010, por nós relatado no processo n.º 106/01.9IDPRT.S1 (citado na fundamentação do Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 1/2013 - aqui, a págs. 52 - 1.ª coluna - 57 - 2.ª coluna e 58, 69 - 2.ª coluna a 71 e nota de rodapé n.º 108, do Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013), em causa estavam um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 24.º, n.ºs 1, 2, 5 e 6 do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 394/93, de 24 de Novembro e, posteriormente, pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 4 e 5, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), por créditos de IVA e IRS, no montante apurado de 129.052,43 € e um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelo artigo 107.º, n.º 1, com referência ao artigo 105.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), sendo que apenas o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social Norte (IGFSS) deduziu pedido cível de indemnização, pedindo a condenação dos demandados no pagamento do montante, igualmente apurado, de 85.262,46 €.

      O pedido de indemnização versado no caso respeitava assim exclusivamente a créditos da Segurança Social, sendo esse o único objecto do processo, como o objecto da querela jurisprudencial dilucidada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013 era relacionado exclusivamente com a indemnização emergente do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

      Neste contexto, o acórdão de 4 de Fevereiro de 2010 e o AFJ n.º 1/2013 “equivalem-se” na argumentação, sabido que o tema controverso num e noutro caso era exactamente o mesmo. (De igual forma, no acórdão de 15-09-2010, por nós relatado no processo n.º 322/05.4TAEVR.E1.S, igualmente citado no AFJ n.º 1/2013).


     Poderá o tribunal criminal apreciar o pedido de indemnização com base em responsabilidade emergente da prática de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social?

      A resposta é afirmativa, como resulta da jurisprudência fixada, válida para a responsabilidade emergente do tipo de crime aí visado, como de outros acórdãos, onde o pedido de indemnização tem sido apreciado, relativamente a responsabilidade emergente de outros tipos de crimes tributários, todos eles com um denominador comum, estando em causa quantias líquidas, montantes concretizados, liquidados, havendo título exequendo, correspondendo os valores pedidos a quantias retidas ou deduzidas, perfeitamente quantificadas, concretamente apuradas.

       A apreciação ou não desta questão pelo Supremo Tribunal de Justiça tem a ver com a verificação ou não de dupla conforme, dependendo da data da dedução do pedido.

      Nem em todos os recursos sobre estas matérias se coloca a necessidade de apreciação de impugnação da decisão sobre o pedido de indemnização cível.

      Retirando os casos em que, estando apurados os montantes devidos a título de dívida tributária, não é formulado pedido de indemnização, sendo disso exemplo o caso do processo n.º 106/01.9IDPRT.S1, versado no acórdão de 4 de Fevereiro de 2010, invocado no AFJ n.º 1/2013, - em que a Administração Fiscal abdicou de deduzir pedido pelos créditos de IVA e IRS - e do mesmo modo, o caso do processo n.º 231/11.8IDLSB.L2.S1, versado em acórdão, igualmente por nós relatado, em 25 de Janeiro de 2017, estando em causa crime de fraude fiscal qualificada, relativamente a crédito de IVA determinado com quantias relativas aos períodos de Setembro de 2006, Dezembro de 2006 e Junho de 2007, em que resultou apurada a favor do Estado a quantia de € 98.243,25, conforme FP 10 e 14, outros há em que há dedução de pedido, há condenação e não é cognoscível o recurso neste Supremo Tribunal por inadmissibilidade, por se verificar a dupla conforme, instituto aplicável aos processos cíveis instaurados após 1 de Janeiro de 2008 e aplicável subsidiariamente no processo criminal com enxerto.

      Como referimos acima, no Verão de 2007, à distância de escassos cinco dias, em 24 e 29 de Agosto, foram publicados dois diplomas - o Decreto-Lei n.º 303/2007 e a Lei n.º 48/2007 - que vieram alterar, senão de forma profunda, pelo menos de modo muito relevante, o panorama dos recursos, no que respeita aos recursos cíveis, no primeiro caso, e aos recursos em acções cíveis enxertadas em processo penal, no segundo, por força do novo n.º 3 do artigo 400.º do CPP.

      A inadmissibilidade de recurso por verificação de dupla conforme no cível abrange os pedidos de indemnização cível enxertados no processo penal, incluídos naturalmente os conexionados com crimes tributários.

      Extrai-se do acórdão de 18 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 623/10.T3SNT.L1.S1, da 5.ª Secção “Mostrando-se confirmada, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão em sede de recurso no respeitante aos fundamentos da responsabilidade civil, improcede o recurso interposto na parte relativa aos pressupostos da responsabilidade civil”. (De seguida, o acórdão aborda a questão da taxa de juros de mora em pedidos de indemnização deduzidos pela Segurança Social).

      No processo n.º 4608/04.7TDLSB.L2.S1, em que proferimos acórdão em 28 de Janeiro de 2015, tendo sido deduzido pedido de indemnização cível com base em crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, a discordância com a 1.ª instância por parte do demandante cível restringia-se à discussão da lei aplicável para determinação do cômputo dos juros de mora em dívida, a lei geral ou a especial. 

      São vários os casos de recursos rejeitados por inadmissibilidade, podendo ver-se os acórdãos de 7-04-2011, processo n.º 4068/07.0TDPRT.G1.S1-5.ª Secção, com relator por vencimento; de 14-03-2013, processo n.º 610/04.7TAPVZ.P1.S1-5.ª Secção; de 15-05-2013, processo n.º 7/04.9TAPVC.L2.S1-3.ª Secção; de 13-11-2013, processo n.º 33/05.0JBLSB.C1.S2-3.ª Secção; de 14-04-2014, processo n.º 378/08.8JAFAR.E3.S1-5.ª Secção; de 30-10-2014, processo n.º 165/07.0IDBRG.G1.S1-5.ª Secção; de 29-01-2015, processo n.º 91/14.7YFLSB.S1-5.ª Secção e processo n.º 288/08.9TAGDM.P2.S1-5.ª Secção; de 5-02-2015, processo n.º 76/14.3YFLSB.S1-5.ª Secção; de 11-02-2015, processo n.º 63/13.9JBLSB.L1.S1-3.ª Secção; de 25-02-2015, processo n.º 1643/09.2TALRS.L1.S1-3.ª Secção e processo n.º 444/08.0GEDM.P1.S1-5.ª Secção; de 12-03-2015, processo n.º 41/08.0TACCH.E1.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto; de 21-05-2015, processo n.º 128/04.8TAVLC.S1-5.ª Secção; de 18-06-2015, processo n.º 944/08.1TAFIG.C1.S1-5.ª Secção; de 24-02-2016, processo n.º 338/07.6TAABF.E2.S1-3.ª Secção, em que o recurso de revista excepcional foi rejeitado pela formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do CPC; de 25-01-2017, processo n.º 1729/08.0JDLSB.L1.S1-3.ª Secção.

       No acórdão de 11-02-2016, processo n.º 4632/09.3TDLSB.L1.S1-5.ª Secção, ao invés, foi dada por inverificada a dupla conforme, que foi afastada.


      Vejamos alguns dos acórdãos em que foi assumida a competência material do tribunal criminal para apreciar pedido de indemnização civil, estando em causa reparação de dano causado pela prática de crime tributário-fiscal.


      No acórdão de 6 de Janeiro de 2005, proferido no processo n.º 4450/04, da 5.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 87, pág. 108, sendo os arguidos absolvidos de crime de abuso de confiança fiscal, foram condenados por dois crimes de fraude fiscal, pelo não envio das declarações de IRC, dos anos de 1997 a 2000 e de IVA, dos anos de 1997 a 2001, em penas de prisão suspensas na execução e condenados a pagar ao Estado Português a quantia peticionada de 1.089.295,10 euros, acrescida de juros de mora.

      Como se alcança da matéria de facto dada por provada, a matéria colectável foi determinada por aplicação de métodos indirectos, realizados pelos competentes serviços de fiscalização tributária, correspondendo as quantias indicadas à soma da colecta e da derrama, de acordo com relatório da acção inspectiva e de relatório de averiguações.

      Na apreciação do ponto III refere-se um técnico de administração tributária como instrutor do processo.

      Apreciando a questão de falta de competência dos tribunais comuns para conhecerem do pedido cível fundado em crime fiscal – ponto V – (refere o acórdão que “Os recorrentes entendem que os tribunais comuns não são competentes, em razão da matéria, para se pronunciarem sobre o apuramento de impostos ou taxas, de acordo com o vertido no n.º 1 do (SIC) Código sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e n.º 1 do artigo 90.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, conferindo estas normas aquela competência ao Tribunal Administrativo e Fiscal)”,  diz o acórdão:

      “Na verdade, se a questão devesse ser colocada desta maneira, os recorrentes teriam razão.

      Contudo, a acção cível que foi julgada pelo tribunal recorrido não se destinou a apurar impostos ou taxas devidas pelos recorrentes. O pedido não foi esse nem foi essa a causa de pedir, pois o pedido foi uma indemnização e a causa de pedir fundou-se na prática de factos ilícitos que integram a previsão penal de crimes e que geraram responsabilidade civil.

      Assim, o M.º P.º, em representação do Estado, fez o que a lei impõe, de acordo com o princípio da adesão configurado neste art. 71.º [do CPP], pois, perante o processo crime, interpôs uma acção conexa com a criminal a exigir o pagamento de uma indemnização fundada na prática dos crimes de abuso de confiança fiscal e de fraude fiscal, articulando que com a conduta descrita na acusação os arguidos locupletaram-se ilegitimamente, em prejuízo do Estado, com a quantia total de 868.533,41 €”.

       Termina julgando improcedente a questão.

      Embora na abordagem da questão se refira apuramento de impostos, na verdade os recorrentes não mencionaram apuramento de impostos, mas antes e apenas competência para a condenação, o que supõe prévio apuramento, referindo os recorrentes o apuramento da quantia em sede de relatório fiscal.

      A afirmação relativa a “apuramento” não corresponde exactamente à posição assumida pelos recorrentes, pois que na conclusão 5.ª referem pagamento da quantia apurada em sede de relatório fiscal e quanto a competência afirmam: “Ora, salvo melhor e douta opinião, os tribunais comuns, em razão da matéria, não são competentes para condenação de qualquer imposto ou taxa, de acordo com o vertido no número 1 do artigo 90.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, e número 1 do artigo 128.º do Código sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, pelo que foram estas normas violadas”.

      No caso abordado no acórdão a quantia pedida tinha sido apurada na sede própria, questionando os recorrentes a competência para a condenação e não para qualquer apuramento de impostos, que já se mostrava feito pela entidade competente.

 

      No acórdão de 26 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 235/05, da 5.ª Secção, estava em causa pedido de indemnização civil formulado pelo IGFSS, encontrando-se pendente uma execução fiscal por dívidas participadas pelo IGFSS, sendo que o âmbito da execução fiscal instaurada não coincidia, quer quanto aos períodos temporais a que a dívida fiscal se reportava, quer quanto aos executados, com o âmbito do pedido civil objecto do recurso.

      Retira-se do respectivo sumário:

    I - Se o demandante cível pretende obter título executivo também contra os sócios gerentes da sociedade devedora fiscal, arguida nos autos, tem necessariamente demandar aqueles em acção de condenação, tendo, pois, interesse em agir na demanda contra os mesmos.

   II - Pouco releva o facto de o IGFSS ter outros meios para obter o pagamento das quantias em divida, designadamente a execução fiscal.

  III - E que o facto de o IGFSS dispor de título executivo que lhe permitisse cobrar, em execução fiscal, a respectiva dívida nos termos do art. 162.° do CPPT, aprovado pelo DL 433/99, de 26-10, a execução só poderia ser intentada contra a devedora principal, como tal figurando no título de cobrança, nos termos do art. 153°. n.º 1, do mesmo diploma legal.

   IV - Porém, relativamente aos sócios-gerentes, porque a sua responsabilidade é subsidiária - art. 24.º, n.° 1, al. a). da LGT, aprovada pelo DL. 398/98, de 17-12 - ela só se efectiva por reversão do processo de execução fiscal, sujeita aos condicionalismos previstos na  lei - art. 23°, n°s 1 e 2, do mesmo diploma.

   V - Assim, para obter título executivo contra todos os arguidos, sempre o recorrente teria que formular o pedido cível contra todos.

  VI - Acresce que, independentemente de na situação concreta o demandante visar obter título executivo contra outros devedores que não sejam susceptíveis de figurar no título de cobrança fiscal, fundando-se o pedido de indemnização na prática de crime, teria ele de ser deduzido por dependência da acção penal, como decorre do princípio da adesão estabelecido no art. 71.° do CPP, são podendo ser em separado nos casos previstos na lei.

  VII - Ora, não configura excepção a tal regra o facto de a legislação tributária permitir ao demandante obter o pagamento das quantias em divida por outros meios, concretamente pela execução fiscal. E mesmo a existência de título executivo não obstaria a que o credor pudesse obter a condenação do devedor por meio do pedido cível, como se tem afirmado em diversa jurisprudência, uma parte dela sustentando que a única penalização que a lei prevê para estes casos seria a do art. 449°, n.° 2, al. e), do CPC, ou seja, a responsabilização pelas custas a que tal actividade desse lugar.


      No acórdão de 11 de Dezembro de 2008, proferido no processo n.º 3850/08, da 5.ª Secção, mencionado no Acórdão do Supremo Tribunal Justiça n.º 1/2013 (Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, pág. 52 - 1.ª coluna e pág. 68 - 2.ª coluna, § 8.º), estavam em causa três crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social, tendo o IGFSS deduzido pedido cível de indemnização, pedindo a condenação do demandado na quantia de € 24.317,26, ampliada para € 119.050,99 e depois para € 172.799,62, acrescidas de juros de mora, à taxa especial fixada nos termos da legislação prevista para as contribuições da Segurança Social, tendo o demandado sido condenado no pagamento do montante de € 101.964,85.

      Este acórdão segue a par e passo o acórdão anterior, de 26 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 235/05, transcrevendo a fundamentação constante dos pontos 9.2, 9.3, 9.4 e 10 deste.

       No acórdão de 29 de Outubro de 2009, proferido no processo n.º 433/04.3TAPRD-S1, da 5.ª Secção, invocado nas conclusões do Instituto de Segurança Social apresentadas no recurso para fixação de jurisprudência que conduziu ao Acórdão do Supremo Tribunal Justiça n.º 1/2013 - conclusão 19.ª - e incorporado no texto da fundamentação do acórdão (Diário da República, I Série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, pág. 48 - 1.ª coluna e pág. 68 - 2.ª coluna - § 8.º), consta:

        “Pelos danos causados pelos crimes tributários respondem os agentes do crime nos termos da lei civil e não nos termos da Lei Geral Tributária. O que é objecto do processo penal, por via do processo de adesão, é a responsabilidade civil emergente do crime tributário, ou seja, pelos danos causados com a prática do crime. O recorrente, enquanto responsável pelo crime de abuso de confiança à segurança social responde (solidariamente) pelos danos causados com a prática do crime, fixados na decisão da 1.ª instância – nos termos da responsabilidade civil extracontratual (arts. 483.º e ss. do CC) e em conformidade com os limites do pedido (art. 661.º do CPC)”.

      No acórdão de 15 de Setembro de 2010, por nós relatado no processo n.º 322/05.4TAEVR.E1.S1, já referido supra, igualmente mencionado na fundamentação do Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 1/2013 (a págs. 52 - 1.ª coluna; transcrição de págs. 69 - 2.ª coluna a 71 – 1.ª coluna e nota de rodapé n.º 108, do Diário da República, I Série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013), em que em causa estava um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, foram abordadas as questões de caducidade do direito à liquidação, substituição tributária (artigo 20.º da LGT), responsabilidade subsidiária (artigo 23.º da LGT), extensão da legitimidade passiva na execução fiscal (artigo 153.º, n.º 2, do CPPT), o instituto da reversão e litispendência.

      Do facto provado n.º 6 constava que o arguido descontou e reteve, dos salários que pagou aos trabalhadores, as quantias respeitantes a contribuições devidas à Segurança Social, ao longo de 2001 a Setembro de 2003, que totalizaram o montante de € 42.531,79.

      Aí se disse: “Mais do que uma presunção legal de culpa (artigo 23.º, n.º 4, da LGT), invocável em sede de responsabilidade tributária, aqui o pedido de indemnização baseou-se na prática de um facto que à data constituía crime doloso, pois o crime em questão é apenas previsto na forma dolosa (não estando expressamente prevista a punição por negligência, os factos integradores de crime só podem ser punidos se praticados com dolo - artigo 13.º do Código Penal), sendo o pedido substanciado numa causa de pedir de matriz diversa – não em responsabilidade tributária, mas responsabilidade criminal e responsabilidade civil decorrente da prática de um crime, uma responsabilidade extracontratual, delitual ou aquiliana.

      Sendo certo que o Instituto da Segurança Social, IP - Centro Distrital de Évora, podia interpor execução contra a sociedade arguida, antes de declarada insolvente, possuindo quanto a ela título executivo, podendo ainda nessa sede requerer a reversão contra os respectivos representantes legais, reunidos que fossem os necessários requisitos, nada impede que faça uso da faculdade conferida em processo penal do princípio da adesão.

      Conclui-se assim que o tribunal criminal tem competência em razão da matéria para julgar a acção cível interposta pelo ISS, não havendo lugar neste tipo de processos à figura da reversão”. (Sublinhado ora aposto).

     No acórdão de 27 de Abril de 2011, proferido no processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1 da 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, estando em causa crime de fraude fiscal, o benefício patrimonial estava apurado no valor global de € 463 368,12, quantitativo referente a impostos devidos a título de IRS.

     No acórdão de 21 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 10987/05.1TDLSB.L1.S1, da 5.ª Secção, mencionado supra, a fls. 901 e 902), em que estava em causa crime de abuso de confiança contra a Segurança Social foi ponderado: “Tratando-se de dívida originada por não entrega de contribuições devidas à segurança social, estas encontram-se perfeitamente determinadas, desde o momento em que a entrega era legalmente exigível, ou seja, muito antes da formulação do próprio pedido cível enxertado na acção penal. E a falta de entrega dessas contribuições configura a prática de um facto ilícito. Sendo assim, rege o n.º 2 do art. 805.º do CC, e não o n.º 3”.

     No mesmo sentido o acórdão de 6 de Dezembro de 2012, proferido no processo n.º 224/02.6TASRT.C1.S1, da 5.ª Secção, versando acção cível enxertada em processo crime, estando em causa crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, reiterando a jurisprudência fixada no acórdão de fixação, tirado, por unanimidade, na sessão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Novembro de 2012 – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, publicado in Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, do qual se extrai o seguinte:

     “Quanto aos juros, o art. 805.°, n.º 3, do CC, rege para as situações de o crédito ser ilíquido, mas, no caso, falha esse pressuposto. Tratando-se de dívida originada por não entrega de contribuições devidas à Segurança Social, estas encontram-se perfeitamente determinadas, desde o momento em que a entrega era legalmente exigível, ou seja, muito antes da formulação do pedido de indemnização civil “enxertado” na acção penal. (…).

     O acórdão de 27 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 2522/11.9TBVFX.L1.S1, da 5.ª Secção, segue a par e passo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, convocando depois o acórdão de 15-09-2010, por nós relatado no processo n.º 322/05.4TAEVR.E1.S1, aí se dizendo:

     “A interpretação seguida no AFJ 1/2013 não viola o principio da igualdade previsto no art. 13.º, n.º 1, da CRP, na medida em que, o pedido de indemnização civil em processo penal no crime de abuso de confiança contra a Segurança Social não tem por objeto a definição e exequibilidade de ato tributário, mas sim a obrigação de indemnização por danos emergentes da conduta danosa que o integra, com fundamento na responsabilidade por factos ilícitos que daí surge nos termos dos arts. 483.° e segs., do CC”.

     Em causa estava crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, muito embora na primeira instância o arguido tenha sido condenado por crime de abuso de confiança fiscal, sendo condenado a pagar ao ISS, I.P., a quantia de 57.992,02 €, sendo a condenação confirmada pela Relação, que apenas corrigiu o nomen do crime de abuso de confiança fiscal para crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

      A quantia em que foi condenado o recorrente foi especificada nas alíneas d) e e) e indicada na alínea g) dos Factos Provados.

      O então IGFSS, I. P. deduzira pedido de indemnização cível em 29 de Outubro de 2003 (e daí a possibilidade de apreciação do recurso), pedindo a condenação do demandado no pagamento de 171.374,00 €.

      No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, bem como nos invocados acórdãos de 26 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 235/05, da 5.ª Secção, de 11 de Dezembro de 2008, processo n.º 3850/08, da 5.ª Secção, de 29 de Outubro de 2009, proferido no processo n.º 433/04.3TAPRD-S1, da 5.ª Secção, de 4 de Fevereiro de 2010, por nós relatado no processo n.º 106/01.9IDPRT.S1, de 15 de Setembro de 2010, por nós relatado no processo n.º 322/05.4TAEVR.E1.S1, de 21 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 10987/05.1TDLSB.L1.S1, da 5.ª Secção, de 6 de Dezembro de 2012, proferido no processo n.º 224/02.6TASRT.C1.S1, da 5.ª Secção e de 27 de Janeiro de 2016, processo n.º 2522/11.9TBVFX.L1.S1, da 5.ª Secção, foi reconhecida a competência do tribunal criminal para julgar o pedido cível de indemnização, mas tendo um ponto comum.

      Nos casos versados no acórdão uniformizador e restantes oito acórdãos, o pedido deduzido pelo Instituto de Segurança Social - ISS, I. P. -, era líquido, as quantias estavam já apuradas, até porque retidas, deduzidas pelo mecanismo da substituição ou da retenção na fonte.

      No acórdão de 27 de Abril de 2011, proferido no processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1 da 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, estava em causa crime de fraude fiscal, sendo que o benefício patrimonial estava apurado no valor global de € 463 368,12, quantitativo referente a impostos devidos a título de IRS.

     No caso das contribuições devidas à Segurança Social, versado no AFJ n.º 1/2013 e nos apontados acórdãos, o pedido de indemnização tinha por objecto o montante das contribuições legalmente devidas por trabalhadores e membros dos órgãos sociais das entidades empregadoras, por estas deduzido do valor das remunerações e não entregue, total ou parcialmente, às instituições de segurança social.

      As quantias devidas a este título podem ser alcançadas por autoliquidação ou por liquidação oficiosa, suprindo a inércia do devedor.

      Como consta do acórdão proferido pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 1481/13, em 26 de Fevereiro de 2014:

       I – Por norma as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.

     II – Mas nem sempre é assim. Casos há, como o previsto no art.º 33º do Decreto - lei n.º 8-B/2002, em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Segurança Social em suprimento das obrigações dos contribuintes.
     III – Nestas situações, a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem um verdadeiro acto administrativo declarativo de liquidação de um tributo.

     IV – Sendo assim, ao direito de liquidar tais contribuições é aplicável, opor força do disposto nos artigos 1.º, 2.º e 3.º da Lei Geral Tributária, o regime de caducidade do direito à liquidação previsto no art.º 45.º do mesmo diploma legal, uma vez que o regime específico das quotizações e contribuições à Segurança Social não fixa um prazo especial de caducidade do direito de liquidação.

     Nos casos versados nos acórdãos citados os valores emergem de documentos, estando já apurados os montantes em dívida.

    No caso dos acórdãos analisados, estão presentes montantes determinados, pré-determinados, já computados, sem necessidade de qualquer mensuração, até porque estamos perante quantias deduzidas ou retidas, nos crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social (o que poderá estender-se aos caso de crime de abuso de confiança fiscal), estando ou tendo estado os montantes em falta na posse do substituto, que funciona como depositário, conforme Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, Lisboa, Dezembro 2009, que afirma, na pág. 58, que o que está em causa é “a utilização ou não entrega de valores que são pertença do Estado e de que o substituto é mero depositário. O que verdadeiramente se verifica nos crimes de abuso de confiança é o incumprimento do dever funcional do substituto: a entrega nos cofres do Estado dos bens que arrecadou em nome e por conta do Estado”. Daí entender que é a infidelidade a razão da punição.

     Como refere o acórdão deste Supremo Tribunal de 17 de Dezembro de 2009, proferido no processo n.º 331/01.2TAVCD.S1-3.ª Secção, nos crimes de abuso de confiança e de abuso de confiança contra a Segurança Social, ambos de natureza omissiva pura, o responsável pela entrega é fiel depositário, simples possuidor “nomine alieno”, um mero detentor.

      No voto de vencido de Henriques Gaspar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2010, de 14 de Julho de 2010, com relator por vencimento, publicado no Diário da República, I série, n.º 186, de 23 de Setembro de 2010, págs. 4219 a 4249, afirma-se que as entidades empregadoras funcionam não como devedoras tributárias de prestações, mas como agentes de cobrança obrigatórios de prestações devidas por outrem.

      Como se colhe da fundamentação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 312/2000, de 20 de Junho de 2000, proferido no processo n.º 442/99, 1.ª Secção, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 17 de Outubro de 2000 e no BMJ n.º 498, págs. 16-21 e citado na fundamentação do AFJ n.º 8/2012, de 12 de Setembro de 2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 206, de 24 de Outubro de 2012, pág. 6005-2.ª coluna, “ (…) no imposto sobre o valor acrescentado e no imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares, o devedor tributário encontra-se instituído em posição que se aproxima da figura do fiel depositário, pois os respectivos valores são deduzidos nos termos legais, devendo depois o respectivo montante ser entregue ao credor tributário, que é o Estado”.

 

     No caso das contribuições devidas à Segurança Social em que a obrigação, com prazo certo, provém de facto ilícito, as quantias estão determinadas, certas e líquidas, e mesmo já vencidas, de modo tal que o pedido inclui já o pagamento de juros de mora vencidos à data da apresentação do pedido cível.

      A declaração de competência poderá abranger casos relativos a abuso de confiança fiscal, fraude fiscal, ou outros pedidos deduzidos pelo Ministério Público, desde que o montante pedido esteja concretizado, como ocorre nas situações de retenção de montantes de imposto já liquidados, não demandando apuramento ao longo do processo penal.

     A Directiva n.º 2/2013 da Procuradora-Geral da República

 

      A Directiva n.º 2/2013 da Procuradora-Geral da República, de 6 de Setembro de 2013, publicada no Diário da República, 2.ª Série, n.º 189, de 1 de Outubro de 2013, a págs. 29.936/29.937, convoca o decidido no Acórdão do STJ n.º 1/2013.

       Certo sendo que as directivas emanadas pela Exma. Procuradora-Geral da República apenas vinculam os Magistrados do Ministério Público, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, alínea b), do Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro e posteriores alterações), vejamos o que consta nesta mencionada Directiva, que se passa a transcrever:

      “Pedido de indemnização civil em processo penal por crime fiscal

      A atuação do Ministério Público no âmbito do processo penal por crime fiscal tem-se pautado por diferentes critérios de decisão sobre a admissibilidade ou não da dedução de pedido de indemnização civil.

      O Código de Processo Penal consagra, a respeito do pedido de indemnização civil emergente da prática de crime, um sistema de adesão obrigatória ou vinculada relativamente aos crimes de natureza pública, só podendo ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, nos casos concretos que a lei processual penal elenca (n.º 1 do artigo 72.º) ou quando as questões por ele suscitadas inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem suscetíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal (n.º 3 do artigo 82.º).

     O Código de Processo Penal consagra ainda o princípio da sua suficiência (artigo 7.º), segundo o qual se afirma a autonomia da jurisdição penal para conhecer de todas as questões, mesmo que não penais que possam influir na apreciação da causa penal, uma vez que o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa.

     Ao Ministério Público cabe, em representação do Estado e de outras pessoas e interesses cuja representação lhe seja atribuída por lei, formular o pedido de indemnização civil conexo com o processo penal (n.º 3 do artigo 76.º do Código de Processo Penal), o qual deve ser deduzido aquando da prolação da decisão acusatória (n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo Penal).

     A Autoridade Tributária e Aduaneira constitui um serviço da administração direta do Estado dotado de autonomia administrativa que tem por missão administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos.

     A noção de Estado constante do n.º 3 do artigo 76.º do Código de Processo Penal reporta-se a serviço público/ente público diretamente gerido pela Administração (Estado Administração), a um serviço integrado, totalmente distinta da noção de Estado coletividade.

      O ato legislativo de criação da Autoridade Tributária e Aduaneira identifica expressamente um serviço integrado do Estado e não um ente personalizado, individualidade jurídica dele distinta, que indiretamente prossegue algum ou alguns fins específicos da administração pública que o Governo entendeu confiar-lhe.

      Aquilo que constitui a causa de pedir no pedido civil indemnizatório enxertado no processo penal fiscal são justamente os factos narrados e que integram a prática do crime, situação totalmente autónoma da dívida tributária consequente.

      Não ocorre litispendência entre o pedido formulado em ação executiva para cobrança da dívida de impostos e o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal contra o ali executado, neste arguido e demandado civil, pela prática de crime fiscal.

      Nas situações em que o valor do pedido indemnizatório seja inferior a 20 unidades de conta, enquanto demandante civil, o Estado Português - Autoridade Tributária e Aduaneira - está isento de custas [alínea n) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais]; e, nos casos em que o valor seja igual ou superior aquele limite, o Estado fica dispensado do pagamento prévio de taxa de justiça [alínea d) do n.º 1 do artigo 15.º do Regulamento das Custas Processuais].

      No pedido de indemnização civil enxertado no processo penal são aplicáveis as regras referentes ao instituto das custas de parte, devendo o Ministério Público, em representação do Estado, fazer uso, se for caso disso, das regras contidas no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais a esse respeito.

    Em face do exposto, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 12.º do Estatuto do Ministério Público, determino que os magistrados e agentes do Ministério Público observem o seguinte:

     1 - Cabe ao Ministério Público, em representação da Autoridade Tributária e Aduaneira, deduzir pedido de indemnização civil conexo com o processo penal, por crimes de natureza fiscal, sem exceção, e desde que aquela solicite tal intervenção [artigo 1.º, alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do Estatuto do Ministério Público, artigo 71.º e n.º 3 do artigo 76.º do Código de Processo Penal].

     2 - A pretensão dirigida ao Ministério Público para que, em representação da Autoridade Tributária e Aduaneira, deduza pedido de indemnização civil conexo com o processo penal por crime fiscal, deve ser expressamente formalizada no inquérito pelo dirigente do serviço desconcentrado competente, e, sempre que possível, prévia ou contemporaneamente à remessa ao Ministério Público do parecer a que alude o n.º 3 do artigo 42.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

    3 - Sempre que a Autoridade Tributária e Aduaneira não manifestar a sua posição nos termos assinalados no número antecedente, deverão os magistrados do Ministério Público efetuar as diligências necessárias tendo em vista a sua obtenção.

    4 - Em conformidade com a admissibilidade de dedução do pedido de indemnização civil, reunidos que se mostrem os respetivos pressupostos legais, nada obsta à utilização dos processos penais especiais, máxime o processo sumaríssimo e o processo abreviado, no domínio da criminalidade fiscal.”

    A Directiva n.º 2/2013 da Exma. Procuradora-Geral da República dá conta dos diferentes critérios de decisão sobre a admissibilidade ou não da dedução de pedido de indemnização civil no âmbito do crime fiscal, e efectivamente, como vimos, por vezes não há lugar a dedução de pedido de indemnização, como ocorreu nos termos supra assinalados nos casos dos acórdãos de 4 de Fevereiro de 2010, processo n.º 106/01.9IDPRT.S1 (IVA e IRS), estando o arguido acusado da prática de um crime de abuso de confiança fiscal e de 27 de Janeiro de 2017, no processo n.º 231/11.8IDLSB.L2.S1 (IVA), em que era imputada ao arguido a prática de um crime de fraude fiscal.

      Em causa a admissibilidade ou não de dedução do pedido de indemnização civil no âmbito do processo penal por crime fiscal, não de instrução ou de apuramento de montantes em dívida.

     A Directiva tem a preocupação de realçar a natureza da Autoridade Tributária e Aduaneira, identificada expressamente como um serviço integrado do Estado e não um ente personalizado, com individualidade jurídica dele distinta, como ocorre com o Instituto de Segurança Social, ISS, I.P., que surge nas vestes de demandante nos pedidos de indemnização emergente de crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social, a quem foi reconhecida legitimidade para intervir como assistente, conforme o Acórdão n.º 2/2005, de 16 de Fevereiro de 2005, proferido no processo n.º 1579/04, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, Série I-A, n.º 63, de 31 de Março de 2005, que fixou a seguinte jurisprudência:

     “Em processo por crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido no artigo 107.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social tem legitimidade para se constituir assistente”.

 

     Vejamos as possibilidades de intervenção conferidas no RGIT à Segurança Social em sede de actuação por crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

     O artigo 35.º que versa sobre aquisição da notícia do crime, ao longo dos números 1 a 6 versa os modos de aquisição de notícia do crime tributário, sua transmissão ao órgão de administração tributária com competência delegada para o inquérito, conteúdo da denúncia e no n.º 7 estabelece:

     7 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos órgãos e agentes da administração da segurança social.


      Estabelece o   


Artigo 40.º

Inquérito



1 – Adquirida a notícia de um crime tributário procede-se a inquérito, sob a direcção do Ministério Público, com as finalidades e nos termos do disposto no Código de Processo Penal.

2 – Aos órgãos da administração tributária e aos da administração da segurança social cabem, durante o inquérito, os poderes e as funções que o Código de Processo Penal atribui aos órgãos de polícia criminal, presumindo-se-lhes delegada a prática de actos que o Ministério Público pode atribuir àqueles órgãos.

3 – A instauração de inquérito pelos órgãos da administração tributária e da administração da segurança social, ao abrigo da competência delegada deve ser de imediato comunicada ao Ministério Público.


Artigo 41.º

Competência delegada para a investigação



1 – Sem prejuízo de a todo o tempo o processo poder ser avocado pelo Ministério Público, a competência para os actos de inquérito a que se refere o n.º 2 do artigo 40.º presume-se delegada:

a) Relativamente aos crimes aduaneiros (…);  

b)  Relativamente aos crimes fiscais (…);  

c) Relativamente aos crimes contra a segurança social, nos presidentes das pessoas colectivas de direito público a quem estejam cometidas as atribuições nas áreas dos contribuintes e dos beneficiários.


Artigo 42.º

Duração do inquérito e seu encerramento



     3 – Concluídas as investigações relativas ao inquérito, o órgão da administração tributária, da segurança social ou de polícia criminal competente, emite parecer fundamentado que remete ao Ministério Público juntamente com o auto de inquérito.    

    Pelo artigo 17.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 171/2004, de 17 de Julho, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) foi considerado um instituto público com personalidade jurídica, dotado de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, tendo por objectivo a gestão financeira dos recursos consignados no orçamento da segurança social, sendo que às dívidas à segurança social correspondem créditos das instituições desta e não do Estado, competindo ao IGFSS a sua cobrança e gestão, assegurando a cobrança coerciva da dívida à segurança social, acompanhando o respectivo processo.

    O Decreto-Lei n.º 83/2012, de 30 de Março, Diário da República, n.º 65/2012, de 30-03-2012, aprova a orgânica do ISS, I.P., constando do artigo 1.º:

   O Instituto da Segurança Social, I. P., abreviadamente designado por ISS, I.P., é um instituto público de regime especial, nos termos da lei, integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio.

     Segundo o artigo 3.º - Missão e atribuições

     2 – São atribuições do ISS:

    w) Assegurar, nos termos da lei, as acções necessárias à eventual aplicação dos regimes sancionatórios referentes a infracções criminais praticadas por beneficiários e contribuintes no âmbito do sistema de segurança social.

    A narrativa dos factos que constituem a causa de pedir e que integram a prática do crime, inculca que o pedido deve ser, desde logo quantificado, se não quando, desde logo, igualmente, acrescido do montante relativo à obrigação acessória de juros de mora.

    Ao que nos parece, o Acórdão n.º 1/2013 apenas é citado, na lógica subjacente à emissão da Directiva, para expressar que foi fixada jurisprudência sobre a admissibilidade de dedução de pedido de indemnização no âmbito de processo penal, pelo crime em questão, e apenas isso.

     A Directiva da Exma. Procuradora - Geral da República n.º 2/2013 invoca o n.º 3 do artigo 42.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.

   O preceito, sob a epígrafe “Duração do inquérito e seu encerramento”, estabelece:

     1 - Os actos de inquérito delegados nos órgãos da administração tributária, da segurança social ou nos órgãos de polícia criminal devem estar concluídos no prazo máximo de oito meses contados da data em que foi adquirida a notícia do crime.

    2 - No caso de ser intentado procedimento, contestação técnica aduaneira ou processo tributário em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos, não será encerrado o inquérito enquanto não for praticado acto definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária, suspendendo-se, entretanto, o prazo a que se refere o número anterior.

    3 - Concluídas as investigações relativas ao inquérito, o órgão da administração tributária, da segurança social ou de polícia criminal competente emite parecer fundamentado que remete ao Ministério Público juntamente com o auto de inquérito.

    4 - Não serão concluídas as investigações enquanto não for apurada a situação tributária ou contributiva da qual dependa a qualificação criminal dos factos, cujo procedimento tem prioridade sobre outros da mesma natureza.


      Como se referiu, na sentença da primeira instância, na abordagem a questões colocadas no início da audiência, foi decidido não tomar conhecimento da questão da competência material do tribunal para conhecer do pedido de indemnização civil, por tal questão não ter sido colocada na contestação.

      

    O acórdão recorrido, a págs. 100/1 do acórdão, fazendo fls. 954 verso e 955, defende a competência material do tribunal criminal para conhecer do pedido, invocando para tanto o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013.  


     Como o ora relator concluiu, a fls. 1329, no projecto de acórdão apresentado em 11-10-2017, volvido em voto de vencido em 11-01-2018, no processo n.º 111/02.8TAALQ.L1.S1:

6 – No caso das contribuições devidas à Segurança Social em que a obrigação, com prazo certo, provém de facto ilícito, as quantias estão determinadas, certas e líquidas, e mesmo já vencidas, de modo tal que o pedido inclui já o pagamento de juros de mora vencidos à data da apresentação do pedido cível.      

7 – Reafirma-se a plena validade da doutrina do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, de 15 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 1187/09.2TDLSB.L2-A.S1, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, págs. 44 a 74, enquanto declara a competência do tribunal criminal para julgar pedido de indemnização civil emergente de prática de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

8 – Por paridade de razão, entende-se que esta doutrina poderá ser aplicada em caso de responsabilidade delitual com causação em crime de abuso de confiança fiscal, ambos crimes omissivos puros, em que as quantias estão pré determinadas, deduzidas e retidas pelo substituto, responsável pela sua entrega, que funciona como fiel depositário, simples possuidor “nomine alieno”, mero detentor, e mesmo a outros crimes, desde que o montante pedido esteja concretamente quantificado. 

 

    O projecto debruçou-se sobre questão algo diversa, tendo em vista IABA, IVA e IRC, em que os montantes de impostos devidos por produção e comercialização de álcool foram apurados ao longo do inquérito e em audiência de julgamento, abrangendo quantias relativas a impostos cujo direito a liquidação havia caducado.

     No caso presente as quantias em dívida foram apuradas em sede de inquérito, dirigido por entidade competente, como se referiu no relatório deste acórdão, a fls. 2 e 3.

     Concluindo: Improcede o alegado nas conclusões 238.ª e 239.ª, declarando-se o tribunal criminal competente para em sede de enxerto cível apreciar pedido de indemnização cível tendo por base causação de lesão determinada por crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.


       Recurso de revista excepcional


Como resulta do alegado pelo recorrente no intróito do requerimento de interposição de recurso, a fls. 1010, e das conclusões 46.ª, 47.ª, 48.º e 52.ª, e depois nas conclusões 206.ª e 207.ª, o recorrente vem também, no que tange ao pedido de indemnização civil, deduzir, a título subsidiário, recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto nos artigos 671.º, n.º 3, 672.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a) e 674.º, todos do CPC, aqui aplicáveis por remissão do artigo 4.º do CPP.

 

    Nas conclusões 46.ª, 47.ª, 48.ª e 52.ª, a fls. 1029 verso, a um propósito, e nas conclusões 206.ª e 207.ª, a fls. 1039, a um outro, invoca o recorrente imperativos de melhor aplicação do direito, atenta a respectiva relevância jurídica, e o disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea a), do CPC.


   Trata-se de duas questões absolutamente distintas.


    Na primeira começa por alegar que o ISS, I.P., deduziu pedido de indemnização cível contra si e a sociedade BB, Lda., tendo o tribunal apenas condenado o recorrente, não se pronunciando a esse respeito relativamente à sociedade, igualmente demandada, pois apesar de a sociedade ter sido declarada insolvente, isso não implicava a impossibilidade de a mesma ser condenada na componente cível, e invoca o artigo 85.º do CIRE, que não determina sequer a suspensão da parte cível da acção em causa, pelo que é inconcebível a falta de pronúncia da sentença a respeito da matéria da indemnização que impende sobre a sociedade BB, Lda., defendendo a nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a responsabilidade da sociedade e de Valentim Morais – conclusão 53.ª.  

    Desde logo se diga que não faz sentido a referência a CC, Pai do ora recorrente, porque arquivado o processo quanto ao mesmo, antes da acusação dirigida contra o recorrente e a sociedade, certo sendo que já a entidade instrutora havia proposto o arquivamento, por o referido CC não ter sido notificado nos termos do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, como consta supra, na passagem de fls. 2 para fls. 3.


    Lida a sentença, no segmento “Da responsabilidade civil”, nada se diz sobre a sociedade - fls. 606/9.

     No entanto, na apreciação preliminar, antes do saneamento, a fls. 585 consta: “Por despacho proferido em 27-05-2015 foi declarado extinto o procedimento criminal contra a sociedade arguida, por cessação da respectiva personalidade jurídica, bem como a instância cível, na parte reportada à mesma”.

     No despacho de 27-05-2015, de fls. 391 a 399, são apreciadas invalidades processuais suscitadas pelo arguido na contestação à acusação e ao PIC (fls. 366 a 379) e abordada a certidão da matrícula da sociedade arguida, declarada insolvente em 25-05-2012, foi entendido que com tal decretamento dá-se a perda pela sociedade do poder de administração e disposição dos bens que integram a massa insolvente, perda que ocorre logo com a declaração de insolvência e não apenas com o trânsito, a qual se verificava já quando em Outubro de 2014 foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT.

     Entendendo não se poder dar por verificada a aludida condição objectiva de punibilidade, aplicável ex vi do 2 do artigo 107.º, na medida em que estava legalmente vedado ao agente dar-lhe cumprimento e assim, obstar à punibilidade da sua conduta, foi declarado extinto o procedimento criminal contra a sociedade arguida e determinado o arquivamento dos autos quanto à mesma, não havendo uma referência expressa à componente cível, mas sem crime falecia base à mesma.

     A verdade é que no recurso “independente em separado” interposto pelo ISS, I.P., por acórdão da Relação de Lisboa de 11-11-2015, foi mantida a decisão recorrida no sentido da extinção do procedimento criminal, retirando a consequência da extinção da instância cível conexa, reportando inutilidade superveniente da lide, em função da declaração de insolvência, convocando o AUJ n.º 1/2014, de 15-05-2013 e os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 46/2014, de 9-1-2014, processo n.º 564/13-2.ª e n.º 485/2014, de 25-6-2014, processo n.º 1100/2013.1.ª e do STJ, de 23-11-1982, in BMJ 321, 368.

     A questão da omissão de pronúncia sobre a condenação da sociedade na componente cível não é nova, visto que o arguido a suscitou no recurso interposto da sentença nas conclusões 35.ª, 36.ª, 37.ª, 38.ª e 42.ª, sendo que as conclusões 36.ª, 38.ª e 42.ª são repetidas ipsis verbis nas actuais conclusões 47.ª, 49.ª e 52.ª, o que igualmente ocorre nas conclusões 35.ª e 37.ª, só que nas correspondentes actuais conclusões 46.ª e 48.ª é acrescentada à partida a invocação da necessidade de melhor aplicação do direito.

     O certo é que o recorrente reporta a “absolvição da instância cível quanto à sociedade” nas conclusões 266.ª, 269.ª (esta repetida na conclusão 276.ª, tal como no recurso actual a conclusão 242.ª repete a 235.º) e 272.ª do recurso interposto para a Relação e daí tanto assim é que invoca na mesma conclusão 269.ª – 272.ª, o artigo 33.º do CPC e a excepção de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário, exactamente por desacompanhado da sociedade.

    Relembra-se que no despacho de 27 de Maio de 2015, a fls. 391/9, na apreciação de invalidades processuais suscitadas pelo arguido na contestação, foi abordada a questão dos efeitos de declaração da insolvência da sociedade arguida, entendendo-se que não se podia dar por verificada a condição objectiva de punibilidade prevista no art.º 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, aplicável ex vi do disposto no n.º 2 do art.º 107.º do mesmo diploma, na medida em que estava legalmente vedado ao agente dar-lhe cumprimento (cfr. fls. 4 supra).

     Tal questão, como se viu supra, a fls. 6, tinha sido abordada já na sentença, a fls. 586/7, a anteceder a apreciação da acusação e pedido cível, por colocada no início da audiência de julgamento, sendo indeferida a excepção de ilegitimidade processual no plano da instância cível conexa, por preterição superveniente de litisconsórcio necessário, o que pressupunha como certificada a não presença da sociedade.   

     Não faz sentido invocar a ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário, em razão da ausência da sociedade por força de absolvição de instância – dada por adquirida, v.g., na conclusão 238.ª – e depois invocar omissão de pronúncia sobre a condenação da “ausente” sociedade na componente cível, quando o recorrente reconhece que a sociedade não é parte, traduzindo tal posição uma forma de exercício de venire contra factum proprium, utilizando uma linha argumentativa que resvala para as margens de alguma incongruência.


     Quanto à outra questão, em causa o alegado nas conclusões 206.ª e 207.ª, cujos termos se relembra:

 206. Igualmente por imperativos de melhor aplicação do direito (Cfr. artigo 672°, n.º 1, al. a) do CPC) e atenta a respectiva relevância jurídica, constata-se, atento o teor da acusação que no período compreendido entre Junho de 2006 e Fevereiro de 2007, encontram-se contabilizados 14.921,74€ de valores de contribuições à Segurança Social supostamente em falta.

207. Pelo que por ser claramente necessária uma melhor aplicação do direito (Cfr. artigo 672, n.º 2, al. a) do CPC), ainda que não se conceda (visto que o Arguido sempre foi, única e exclusivamente um gerente de direito e de favor, no supra citado contexto), o último acto de execução que lhe pode ser imputável remonta a Fevereiro de 2007 e ao montante global de 14.921,74€, pelo que nunca a sua condenação poderia ascender ao quantum global de 121.130,82€.


     A este respeito apenas se dirá que a pretensão é apresentada num quadro em que se alega que o recorrente sempre foi, única e exclusivamente um gerente de direito e de favor, o que não corresponde ao que foi dado por provado, com trânsito em julgado, no FP n.º 13, e a melhor aplicação do direito tem de ter por base matéria de facto provada e não uma hipotética configuração.


De acordo com o artigo 672.º, n.º 3, do CPC, “A decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis.”

Relativamente ao recurso de revista excepcional cabe à formação constituída pelos três juízes a que alude o n.º 3 do artigo 672.º do CPC pronunciar-se sobre as questões alegadas e da admissibilidade do mesmo ou não.


    Assim sendo, deverão os autos ser remetidos à formação constituída por três juízes conselheiros das secções cíveis, nos termos e para os efeitos de apreciação preliminar sumária do recurso de revista extraordinária interposto, de acordo com o artigo 672.º, n.º 3, do CPC.

     Relativamente a custas, dir-se-á que, pese embora as rejeições parciais supra referidas, há que ter em conta que esta é uma decisão intercalar, não definitiva, de modo que, a final, tomar-se-á posição definitiva sobre o aspecto tributário, na sua globalidade.


        Decisão

       Pelo exposto, acordam nesta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

a) Considerar tempestivo o recurso interposto pelo arguido/demandado AA;

b) Rejeitar o recurso, no que toca ao segmento do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente o recurso interlocutório interposto do despacho de 27-05-2015, a fls. 391 a 399;

c) Rejeitar o recurso, na parte penal, por inadmissibilidade, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP;

d)  Rejeitar o recurso, na parte cível, por verificação de dupla conforme, ressalvada a questão da incompetência absoluta;

e) Admitir o recurso de revista (dita normal), apenas no que se refere à alegada violação das regras de competência em razão da matéria, nos termos conjugados do artigo 629.º, n.º 2, alínea a) e artigo 671.º, n.º 3, ambos do CPC e artigo 400.º, n.º 3 e artigo 4.º, ambos do CPP;

f) Julgar improcedente a excepção de incompetência absoluta, declarando o tribunal criminal competente para julgar pedido de indemnização cível, com base em crime de abuso de confiança contara Segurança Social;

g) Remeter os presentes autos à formação constituída por três Juízes Conselheiros das Secções Cíveis, nos termos e para os efeitos de apreciação preliminar sumária do recurso de revista excepcional, nos termos traçados supra.

Sem custas, por ora, nos termos sobreditos.

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

    

Lisboa, 24 de Janeiro de 2018

Raul Borges (Relator)

Gabriel Catarino 

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Atualmente, e através da jurisprudência uniformizada vertida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, ocorre reconhecimento da admissibilidade da dedução de pedido de indemnização civil conexo com o processo penal fiscal nos casos de crime de abuso de confiança contra a segurança social.