Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
754/15.0YRLSB.S2
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: JOÃO SILVA MIGUEL
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
PRINCÍPIO DO RECONHECIMENTO MÚTUO
EXTRADIÇÃO
DIREITOS DE DEFESA
RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO
RECUSA OBRIGATÓRIA DE EXECUÇÃO
IRREGULARIDADE
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
Data do Acordão: 08/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO EUROPEU - COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA EM MATÉRIA PENAL / MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU / EXECUÇÃO DE MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU EMITIDO POR ESTADO MEMBRO ESTRANGEIRO / PROCESSO DE EXECUÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / NULIDADES.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 123.º.
LEI N.º 65/2003, DE 23-08: - ARTIGOS 3.º, 11.º, 12.º, 21.º, N.º2, 34.º.
Legislação Comunitária:
DECISÃO-QUADRO DO CONSELHO N.º 2002/584/JAI, DE 13 DE JUNHO DE 2002: - CONSIDERANDOS 6 E 10 DA DECISÃO-QUADRO.
TRATADO DE AMESTERDÃO: - ARTIGO K.1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 17/01/2007, PROCESSO N.º 4828/06, PUBLICADO NA CJSTJ, ANO XV (2007), TOMO I, P. 168.
-DE 8/03/2007, PROCESSO N.º 733/07, PUBLICADO NA CJSTJ, ANO XV (2007), TOMO I, P. 206.
-DE 10/10/2007, PROCESSO N.º 3776/06, PUBLICADO NA COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (CJSTJ), ANO XV (2007), TOMO III, P. 207.
-DE 25/06/2009, PROCESSO N.º 1087/09.6YRLSB.S1.
-DE 10/09/2009, PROCESSO N.º 134/09.6YREVR.
-DE 6/01/2011, PROCESSO N.º 1217/10.5YRLSB.S1, E DE 29/11/2012, PROCESSO N.º 117/12.9YREVR.S1, ACESSÍVEIS, TAL COMO OUTROS CITADOS NO TEXTO, QUANDO OUTRA FONTE NÃO FOR ESPECIFICADA, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 9/08/2013, PROCESSO N.º 750/13.1YRLSB.S1. NO MESMO SENTIDO, ENTRE OUTROS, OS ACÓRDÃOS DE 25/01/2007, PROCESSO N.º 271/07, DE 8 DE MARÇO DE 2007, DE 9/08/2007, PROCESSO N.º 2847/07, E DE 9/01/2008, PROCESSO N.º 4855/07.
Sumário : I - O MDE constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, sendo o seu mecanismo baseado num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros, cuja execução só poderá ser suspensa em situações graves, excecionais e limitadas, destinando-se a substituir, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição.
II - O reconhecimento mútuo implicado no MDE não se deve sobrepor às garantias processuais e aos direitos reconhecidas na própria CEDH, como é o caso do direito de defesa inscrito no direito a um processo justo.
III - A ausência dos requisitos de conteúdo e de forma do MDE, a que se refere o art. 3.º, da Lei 65/2003, de 23-08, não é causa de recusa obrigatória ou de recusa facultativa, previstas, respetivamente, nos seus arts. 11.º e 12.º, envolvendo a falta desses requisitos uma irregularidade sanável, nos termos do art. 123.º, do CPP, aplicável subsidiariamente por força do art. 34.º daquela Lei.
IV - Questionar que os movimentos de capitais que teriam ocorrido por duas situações não são, por si só, ilícitos constitutivos de infração penal, além de que não há nenhuma descrição factual sobre as circunstâncias, o momento (data e hora) e o local em que o recorrente teria tido intervenção é extravasar espaços que respeitam à apreciação da regularidade formal do mandado de detenção europeu nos limites da competência do Estado da execução para alastrar à apreciação de mérito da questão de facto subjacente da competência da respetiva jurisdição do Estado emissor.
V - A versão dos factos relevante é aquela que consta da inscrição SIS, do próprio MDE e da respetiva tradução, resultando a débil divergência entre um e outro do facto de no requerimento de execução não se ter mencionado expressamente que o papel do arguido fora de correio de dinheiro nas indicadas transações, que se mostrava compreendida na inserção SIS, que já apresentava e materializava factos, e foram especificados na informação complementar, possibilitando o controlo da legalidade e, assim, observado o comando do art. 3.º daquela lei, e permitindo a possibilidade do contraditório ou a concretização da regra da especialidade.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório
1. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa requereu, em 17 de junho de 2015, o cumprimento do Mandado de Detenção Europeu (MDE) emitido pela autoridade da República Italiana – Juíza do inquérito preliminar do Tribunal criminal de Turim, com referência ao processo n.º 23946/13RGNR–, para detenção e entrega do cidadão de nacionalidade portuguesa, AA, identificado nos autos, à entidade judiciária emitente, para fins de procedimento criminal, pela prática de 2 (dois) crimes de tráfico de estupefacientes, agravados.
2. Submetido a interrogatório judicial, no dia imediato, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, o mesmo declarou não consentir na sua entrega nem renunciar ao benefício da regra da especialidade, requereu o prazo de 8 (oito) dias, que lhe foi concedido, para deduzir oposição, bem como foi solicitada a tradução, para português, do MDE. Foi ainda julgada válida a detenção e determinado que aguardasse nessa situação os ulteriores termos do processo.
3. Na oposição, o requerido suscitou a questão prévia da falta de tradução do MDE, que considera formalidade essencial para a sua validade substancial, desse alegado vício decorrendo a impossibilidade de exercício do direito ao contraditório, e, quanto ao fundo, alegou: que não foi informado do conteúdo do MDE; que dos autos constam versões diferentes dos motivos que levaram à emissão do MDE,  apenas se mantendo constante a sua qualificação jurídico-penal; e que a forma genérica adotada, que não revela factos, impede o controlo da legalidade do MDE, condiciona a possibilidade de o arguido exercer o seu direito de defesa e frustra a concretização do princípio da especialidade.
Na mesma peça, o arguido declarou, para os efeitos do preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, pretender que a decisão de entrega seja sujeita à condição de, após ter sido ouvido, ser devolvido ao Estado português, para aqui cumprir pena ou medida de segurança privativas da liberdade a que for condenado.
4. À oposição respondeu o Ministério Público, que concordando parcialmente com a posição do requerido, pronunciou-se pela necessidade de tradução do MDE para língua portuguesa e pela prestação de esclarecimentos complementares, relativamente ao conteúdo do mandado, quanto à materialização dos factos.
5. Deferidas as solicitações, sendo apresentada a tradução para língua portuguesa do mandado e prestados os esclarecimentos pretendidos, o requerido veio, em 16 de julho de 2015, alegar, além do mais, que os elementos trazidos ao processo não preenchem os requisitos mínimos constantes do Anexo I à Decisão-Quadro (2002/584/JAI, de 13 de junho de 2002), impossibilitando o respeito pelo principio da especialidade e impedindo que o arguido, mesmo que de forma sumária, se possa defender de factos que não conhece.
6. No dia imediato, o Ministério Público promove que, com urgência, se designe dia para alegações orais, em que o arguido seja pessoalmente ouvido, o que veio a ocorrer no dia 24 seguinte, sendo o arguido ouvido sobre os factos resultantes dos esclarecimentos complementares prestados pela entidade emitente quanto aos factos que lhe são imputados. Nas alegações orais, o Senhor Procurador Geral Adjunto defendeu o deferimento do MDE e a Exma Defensora manteve a posição expressa na oposição.
7. Na mesma data foi proferido acórdão, extraindo-se da parte relativa à fundamentação e à questão de facto o seguinte:

«De toda prova para os autos carreada e produzida, e das ocorrências processuais relevantes verificadas, consideramos assentes os seguintes factos:

2.1.1. O requerido AA acima identificado, e cidadão português, natural de ..., República Federativa do Brasil.

2.1.2. O presente Mandado de Detenção Europeu (M.D.E.) visa a entrega do requerido AA para efeitos de procedimento criminal a correr termos em Turim, Itália.

2.1.3. O M.D.E. está inserido no SIS II, sob o n.° ... e mostra-se devidamente traduzido.

2.1.4. O aludido procedimento criminal tem por objeto factos que, segundo a legislação italiana, integram 2 (dois) crimes de tráfico ilícito de estupefacientes, agravados, e que consistiram, respectivamente, em o arguido AA:

        (i) Em Maio de 2014 ou época imediatamente anterior, ter desempenhado o papel de correio de dinheiro na compra, na detenção e na importação da América Latina para Turim, província, de Itália, de 205 quilogramas de cocaína; e

        (ii) No período compreendido entre 28-Jul.-2014 e 02-set.-2014, ter desempenhado o papel de correio de dinheiro na compra, na detenção e na importação da América Latina para Turim e província, e para a Calábria, Itália, de mais 58 quilogramas de cocaína.

         -  Os factos foram cometidos por mais de três pessoas, concernem a uma quantidade considerável de substância estupefaciente e têm natureza transnacional, o que agrava os crimes.

2.1.5. Tais crimes são puníveis pela Lei da República Italiana, com penas de prisão até 30 anos.

2.1.6. Ouvido que foi o arguido AA, ora requerido, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 18º da Lei nº 65/2003, de 23-ago., não aceitou a sua transferência e declarou não renunciar ao benefício da regra da especialidade (cf. fls. 33-35 dos autos).

2.1.7. Em 30-JUN.-2015 o requerido opôs-se à execução daquele mandado, invocando:

         (i) A questão prévia, da falta de tradução do M.D.E., que considera, formalidade essencial para a sua validade substancial (pela necessidade de dar cumprimento ao disposto no artº 3.° nº 2 da Lei 65/2003, de 23-ago.), da qual extrai como efeito a impossibilidade de exercício do direito ao contraditório.

        (ii) Quanto ao substrato da oposição que desde logo apresenta aduz:

        -  Que não foi informado do conteúdo do M.D.E.;

        -  Que dos autos constam versões diferentes dos motivos que levaram à emissão do documento, apenas se mantendo constante a sua qualificação jurídico-penal;

        -  Que a forma, genérica adoptada aos referidos documentos, que não revela, factos, impede o controlo da legalidade do M.D.E., condiciona a possibilidade de o arguido exercer o seu direito de defesa, e frustra a concretização do princípio da especialidade.

         (iii) O arguido declarou, para os efeitos da alínea b) do nº 1 do artº 13.°, da Lei n.° 65/2003, pretender que a decisão de entrega seja sujeita à condição de, após ter sido ouvido, ser devolvido ao Estado português, para aqui cumprir pena ou medida de segurança a que eventualmente for condenado (cf. Fls. 66-73 dos autos).

2.1.8. Na sequência da oposição da pessoa procurada foi deduzido pedido de esclarecimentos, em resposta do qual a entidade emitente informou que os factos imputados ao arguido/requerido se contém nos seguintes termos:

- No que tange ao primeiro crime:

«(...) porque, em concurso entre eles e com outros sujeitos não identificados entre os quais o conhecido como "BUGNO", adquiriam, detinham e importavam na Itália 205 quilogramas de cocaína e em particular modo:

- BB, CC, DD, EE e FF, dispunham, organizavam e financiavam a importação na Itália da América, do Sul de uma quantidade de 205 quilogramas de cocaína., obtendo com a sucessiva cessão uma receita, de € 240.000 cada um;

- BB e CC, operando no Brasil, cuidavam com os fornecedores sul-americanos das modalidades de compra e exportação do entorpecente;

- FF, GG e HH, recebiam, contavam e ocultavam a soma total de € 3.842,50 recebida, como pagamento pela cessão dos 205 quilogramas de cocaína, de II, JJ E LL, em particular € 525.000 entregues por II a FF em 5 de Junho de 2014 na Lombardia, € 3.065.000 entregues por JJ como traficante de "SORDIBUGNO" ainda não identificado a FF, GG E HH em 6 de Junho de 2014 no posto de abastecimento de combustível ERG deste último, € 252.000 entregues por LL a GG e HH em 18 de junho de 2014 no local do mesmo posto de abastecimento;

- Os seguintes traficantes brasileiros operantes por conta dos BB, CC e DD, MM em data 6 e 25 de junho de 2014, NN e OO em data 15 de julho de 2014, OO e de PP em data 22 de agosto de 2014, recebendo de GG quantidades de dinheiro em espécie a serem transportadas para o exterior para a posterior entrega a BB e CC e o conseguinte pagamento dos fornecedores sul-americanos;

- QQ cuidava da contagem, a distribuição, o ocultamento e de modo mais geral da gestão das receitas derivantes da venda da partida de entorpecente.

Com as agravantes de ter cometido o facto em mais de três pessoas em concurso entre elas e do facto desenvolver uma grande quantidade de substâncias entorpecentes.

Crime agravado nos termos do artº 4 - L 16.3.2006 nº 146 porque cometido com a contribuição das associações dedicadas ao narcotráfico operantes na América, do Sul, grupos criminosos organizados e empenhados em actividades criminosas em mais de um País.

Facto cometido na América, do Sul e Turim e Província em maio de 2014 ou em época, imediatamente anterior.

BB, CC e DD, EE, FF, GG, RR, HH e AA.

Quanto ao segundo crime:

Crime agravado nos termos do artº 4 L 16.3.2006 nº 146 porque cometido com a contribuição de associações dedicadas ao narcotráfico operantes na América do Sul, grupos criminosos organizados e empenhados em actividades criminosas em mais de um País.

Facto cometido na, América do Sul e Turim e Província em maio de 2014 ou em época, imediatamente anterior.

BB, CC e DD, EE, FF, GG, RR, HH e AA pelo crime no específico dos artºs 110 C.P. 73 n°s 1 e 6, 80 inciso 2D.P.R. 309/90, art.º 4 L. 16.3.2006 n.º 146 porque, em concurso entre eles e com outros sujeitos não identificados entre os quais o conhecido como “SORDl” em verdade "BUGNO", adquiriam, detinham e importavam na Itália 58 quilogramas de cocaína e em particular modo:

- BB, CC e DD, EE, FF, dispunham, organizavam e -financiavam a importação da América do Sul - através do navio MSC ALICANTE atracado no porto de Gioia Tauro em 14.8.14 - de uma quantidade de 58 quilogramas de cocaína.

- BB e CC operando no Brasil, cuidavam juntamente com os fornecedores sul-americanos das modalidades de compra e exportação do entorpecente.

- FF e GG, em constante contacto com BB e CC no Brasil e com a colaboração de "..." que teria, comprado o entorpecente uma vez chegado à Itália, monitoravam as fases da viagem e cuidavam dos aspetos organizativos da mesma.

- RR, como responsável da gestão da retirada, e com a cumplicidade do pessoal operante no inferior do porto de Gioia Tauro, em particular o tal “PORCO” ainda não identificado, uma vez recebido, com código criptografado, o nome do navio e o número do contentor, em 14-8-14 retirada, o entorpecente e transportava-o para fora da área aduaneira do porto.

- FF, GG E HH, recebiam, contavam e ocultavam a soma global de 1.050.00 euros recebida, como pagamento pela cessão dos 58 quilogramas de cocaína, de um traficante não melhor identificado enviado por "...", em 25.8.14 no posto de abastecimento de combustível ERG de HH.

- AA, traficante brasileiro operante por conta dos BB, CC e DD, em data 2 de Setembro de 2014, recebia, de GG € 500.000,00 a serem transportados para a posterior entrega a BB e CC e o consequente pagamento dos fornecedores sul-americanos.

Com as agravantes de terem cometido o facto em mais de três pessoas em concurso entre elas e de envolver uma grande quantidade de substância, entorpecente.

Crime agravado nos termos do art.º 4 L. 16.3.2006 nº 146 porque cometido com a contribuição de associações dedicadas ao narcotráfico operantes na América do Sul, grupos criminosos organizados, empenhados em actividades criminais em mais de um País.

«Facto cometido na América do Sul, Turim e Província, e na Calábria entre 28.7.14 - e 2.9.14».

2.1.9. O arguido, ora requerido, foi notificado quer da tradução quer dos esclarecimentos complementares.

2.1.10. Em 24-jul.-2014, foi o arguido, ora requerido, novamente ouvido nos termos e para os efeitos do disposto no nº 4 do art.º 21° da Lei n.° 65/23, de 23-agos., quanto aos esclarecimentos complementares, prestados pela entidade emitente do M.D.E. em causa nestes autos, mantendo a sua oposição à execução do referido e renovou a declaração de que «não renuncia ao benefício da regra da especialidade».

2.2. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA

Os factos acima fixados foram encontrados com base em toda a prova documental para os autos carreada, nomeadamente, os seguintes documentos:

         - Documentos de Fls. 3-13 demonstrativos da inserção no SIS II;

         - Documento de Fls. 20 (auto de detenção);

         - Documento de Fls. 21 (constituição de arguido);

         - Documento de Fls. 22 (Termo de Identidade e Residência)

         - Documento de Fls. 23 (Fax da Policia Judiciária - Unidade Nacional contra terrorismo);

         - Documento de Fls. 33-35 (Auto de Audição de detido);

         - Documento de Fls. 84-97; 113-136 (tradução para Língua portuguesa do M.D.E.).

A materialidade fáctica acima fixada, foi encontrada com base na análise crítica aos documentos supramencionados, os quais no que ao caso releva, espelham os factos pelos quais a autoridade judiciária da República Italiana almeja exercer procedimento criminal contra o ora requerido.»

Na fundamentação de direito, refere-se, além do mais, que: «o MDE foi emitido em conformidade com o formulário anexo à Decisão-Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13-jun-2002, e a lei n.º 65/2003, de 23 ago.» e mostra-se inserido no SIISII; «não ocorrem causas de recusa obrigatória ou facultativa», os factos imputados «estão devidamente discriminados, bem como as circunstâncias de tempo e modo da respectiva comissão, estando agasalhadas as exigências adequadas ao cumprimento do princípio non bis in idem» e o «arguido foi informado quer do conteúdo do MDE inserido no SISII, no momento da sua audição (que ocorreu por duas vezes) e sobre ele se pronunciou, quer nessa sede quer na oposição», e, «[m]ais tarde, teve acesso aos autos e obteve cópias dos documentos juntos de acordo com o pedido que formulou e foi notificado quer da respectiva tradução quer das informações complementares», e que a «pretensa “forma genérica” adotada na inserção SIS já apresentava e materializava factos», estando, «em face da informação que serve de complemento,(…) especificados os factos e circunstâncias que possibilitam o controlo da legalidade, da possibilidade do contraditório ou a concretização da regra da especialidade».

A final consta o dispositivo, assim formulado:

«Perante tudo o que foi dito fica, acordam os juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

Em deferir a execução do Mandado de Detenção Europeu emitido em 10-jun.-2015, pela Senhora Juíza de Inquérito Preliminar do Tribunal Criminal de Turim, República Italiana, com referência ao processo 23946/13 R.G.N.R, e, consequentemente, determinar a execução definitiva do mandado de detenção europeu contra o arguido AA, com entrega após trânsito em julgado, às autoridades italianas para prossecução do procedimento criminal a que se reportam estes precisos mandados de detenção.

Em que a decisão entrega fica sujeita, na execução, ao estabelecimento da condição da garantia por parte da República Italiana da devolução do aludido arguido AA à República Portuguesa para aqui cumprir a pena a que for sujeito.

Em fazer menção ao facto de o arguido/ requerido AA ter declarado não renunciar ao benefício da regra da especialidade.

Em determinar a notificação do Ministério Público, GNI, arguido/ requerido e a sua Exmª defensora e que se informe a autoridade do Estado membro da de emissão (República Italiana).

Em determinar que se Comunique à Embaixada ltaliana.

E, após trânsito, confirmada preventivamente a garantia supra aludida, proceda-se à entrega combinada no prazo de 10 (dez) dias.

Em determinar que se oficie desde já e independentemente do trânsito em julgado, directamente à autoridade do Estado emitente do mando (República Italiana) para informar se presta a garantia exigida.

E que, sendo prestada, a execução, mesmo que tenha transitado em julgado a presente decisão sé se cumprirá depois de considerada válida tal garantia.

Em declarar que se a garantia não for prestada, a execução não terá lugar e o processo será arquivado.

Em determinar que se comunique nestes precisos termos à referida autoridade.

Em determinar que vão os autos ao Ministério Público para os fins que tiver por convenientes, relativamente à garantia.

Em declarar que não há lugar a custas por não serem devidas.»
8. Na sequência de promoção do Ministério Público e considerada a informação dada pelo Ministério da Justiça de Itália de que fosse considerada prestada a garantia solicitada, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13.º. n.º 1, alínea b), da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, o que foi deferido por despacho de 31 de julho de 2015.
9. Inconformado com o assim decidido no acórdão proferido, o requerido interpôs recurso, entendendo violadas as normas dos artigos 3.º e 7.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, que motivou e concluiu como segue[1]:

«1. O acórdão em crise deferiu a execução MDE e determinou a sua execução definitiva e a entrega do recorrente às autoridades italianas, apesar de não estarem preenchidos os requisitos legais que têm a ver com a "descrição das circunstâncias em que a infração foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infração da pessoa procurada" artigo 3.° n.º 1 e) da Lei n.º 65/2003 de 23 de agosto, na sua atual redação.

2. A versão dos factos transmitida pelas autoridades italianas refere a existência de movimentos financeiros destinados a pagar eventuais aquisições de cocaína efetuadas por alguns dos arguidos no processo italiano, na América do Sul e, posteriormente, transportadas e vendidas na Europa.

3. Esses movimentos ter-se-iam verificado na decorrência de duas situações nas quais, o recorrente teria, alegadamente, o papel de correio de dinheiro, a saber:

a) uma importação de 205 quilogramas de cocaína, na qual se menciona apenas circulação de dinheiro entre arguidos nos autos que corresponderiam a pagamentos relativos a transações do produto estupefaciente em Itália, sendo que esses valores teriam sido mais tarde, em datas determinadas, ‒ mas em circunstâncias, local e hora indeterminados ‒ repassadas a "traficantes brasileiros", entre os quais se encontraria o Recorrente, cuja atividade posterior permanece um mistério. É óbvia a irregularidade do documento cuja execução se pretende, por persistente falta de enunciação dos requisitos legais de conteúdo do MDE.

b) Uma outra importação de 58 quilogramas de cocaína ‒ aqui, o crime ‒ tráfico ‒ teria sido cometido entre 28 de julho de 2014 e 2 de setembro de 2014 (de acordo com o MDE). Ora, este dia 2 de setembro de 2014 é precisamente aquele em que o recorrente teria recebido o dinheiro (na informação complementar, 500€, mas evidentemente por lapso) de GG. Se nesse dia se conclui a prática do crime de tráfico (no qual o recorrente seria comparticipante como correio de dinheiro) qual é, concretamente, a atividade delituosa que lhe é assacada? No espaço de tempo disponível, não poderia ser correio, quando muito caixa de correio. Neste segundo momento a informação complementar é mais completa na descrição dos indícios relativos ao tráfico de estupefacientes mas a insuficiência dos factos mantém-se.

4. Os movimentos de dinheiro, só por si, não são ilícitos e, por isso, não correspondem à prática de qualquer ilícito criminal.

5. Em ambos os episódios não há nenhuma descrição factual sobre as circunstâncias, o momento (data e hora) e o local em que o recorrente teria tido intervenção.

6. Assim, mostram-se inexistentes, no primeiro caso em relação aos factos incriminadores, à intervenção do recorrente e à ligação entre um e outro e no segundo, só em relação à intervenção do recorrente e à ligação desta com o ilícito criminal, os requisitos mínimos exigidos pela Lei n.º 65/2003.

Consequências jurídico-processuais.

7. Ainda que não ocorram causas de recusa de execução obrigatórias ou facultativas, nem se possa discutir a substância da questão criminal em investigação pelas autoridades emitentes, não está esgotada a competência dos tribunais portugueses, enquanto autoridade de execução, para, nos termos gerais do direito processual, examinarem a questão específica do MDE, ou seja, no caso concreto verificar se se encontram cumpridas as regras definidas pela Lei n.º 65/2013 (tal como mencionada o Acórdão recorrido) como requisitos do MDE, sem que isto se traduza na violação do princípio de reconhecimento mútuo relativamente a decisões judiciais, mas tão só o exercício do dever de soberania que não contende com o aprofundamento dos mecanismos de cooperação decorrentes do princípio da livre circulação consequência da adesão ao Tratado da União Europeia.

8. A ausência daqueles requisitos, constitui uma irregularidade processual sujeita ao regime normal fixado no art. 123.° do Código do Processo Penal, determinando a invalidade do ato e, aqui, a impossibilidade legal de se adotar uma providência que ordene a execução do mandado, sempre que tiver sido arguida pelo interessado no momento processualmente adequado, o que aconteceu sem que tivesse sido suprida pela autoridades emitentes.

9. Em consequência, fica afetada a aplicabilidade da regra de especialidade à qual o arguido não renunciou e, portanto, o seu direito a um processo justo equitativo que lhe é garantido pela lei Lei n.º 65/2013 e pelo artigo 32. º da CRP.»

A final, pede que o «o acórdão recorrido (…) [seja] revogado».
10. Remetidos os autos a este Supremo Tribunal, a Senhora Conselheira relatora determinou, por despacho de 12 de agosto pp, a devolução dos mesmos ao Tribunal da Relação, por terem sido intempestivamente remetidos ao Supremo Tribunal, atendendo a que o Ministério Público ainda não tinha respondido ao recurso e estar em curso o prazo para o efeito, o que foi efetuado.

Recebidos os autos no Tribunal Recorrido e aberta vista ao Ministério Público, o prazo decorreu sem que fosse apresentada resposta.

Recebidos, de novo, os autos neste Supremo Tribunal, e colhidos os vistos, o processo foi submetido a julgamento, em conferência (artigos 25.º e 34.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto).


II. Fundamentação
1. Com o Tratado de Amesterdão foi estabelecido no artigo K.1 que «…será objetivo da União facultar aos cidadãos um elevado nível de proteção num espaço de liberdade, segurança e justiça, mediante a instituição de ações em comum entre os Estados-Membros no domínio da cooperação policial e judiciária em matéria penal e a prevenção e combate do racismo e da xenofobia», vindo o Conselho Europeu de Tampere, de outubro de 1999, debater a criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça como um dos objetivos principais da União Europeia e as conclusões adotadas têm sido usadas em diversas instâncias para legitimar as medidas propostas.
Nas conclusões foi afirmado que o Conselho Europeu «subscreve o princípio do reconhecimento mútuo que, (…), se deve tornar a pedra angular da cooperação judiciária na União, tanto em matéria civil como penal», devendo ser aplicado «às sentenças e outras decisões das autoridades judiciais. Em matéria penal, além do mais, «dever-se-á (…) reflectir sobre a possibilidade de estabelecer procedimentos de extradição acelerados, sem prejuízo do princípio do julgamento equitativo», sendo o Conselho e a Comissão convidados a adotar «até Dezembro de 2000, um programa legislativo tendo em vista a implementação do princípio do reconhecimento mútuo.»
A concretização do espaço de liberdade, segurança e justiça foi modelado na implementação dos eixos fundamentais seguintes: a harmonização da legislação substantiva; o reconhecimento mútuo; a cooperação judiciária em matéria criminal e a proteção dos Direitos Humanos.

O mandado de detenção europeu previsto na Decisão-Quadro do Conselho n.º 2002/584/JAI, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros, transposto para a ordem jurídica interna pela Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, «constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de "pedra angular" da cooperação judiciária»[2], sendo o seu mecanismo «baseado num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros», cuja execução só poderá ser suspensa em situações graves, excecionais e limitadas[3].
2. A jurisprudência reconhece esses princípios, quando afirma que «[o] MDE surgiu como instrumento de cooperação judiciária internacional, em matéria penal, que se quis dotado de particular funcionalidade que deriva de uma maior rapidez de execução e de uma patente simplificação de procedimentos, em que avultam os contactos directos entre as autoridades judiciárias», tendo-se passado «[d]a cooperação entre Estados com uma componente diplomática, que não prescindia da abordagem do caso também em termos políticos, (…) para uma cooperação directa entre autoridades judiciárias assente apenas na realização da justiça»[4], constituindo «[o] MDE previsto na Decisão-Quadro (…) a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de «pedra angular» da cooperação judiciária», o qual «deverá substituir, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição» e, por isso, «[m]oldadas na finalidade do instrumento específico de cooperação e nos pressupostos essenciais que lhe estão subjacentes (mútuo reconhecimento; substituição da extradição), as normas aplicáveis a cada situação têm de ser interpretadas no contexto dos referidos âmbito e finalidades e na conjugação ainda entre as exigências decorrentes do reconhecimento mútuo e os deveres assumidos e a permanência de alguns espaços de soberania estadual em matéria penal»[5].
No entanto, «o reconhecimento mútuo do mandado de detenção europeu não se deve sobrepor às garantias processuais e aos direitos inscritos na própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem, como é o caso do direito de defesa inscrito no direito a um processo justo»[6].
3. O mandado de detenção europeu em apreço foi emitido com vista à detenção e entrega do cidadão português AA, identificado nos autos, às autoridades competentes da República italiana, para fins de procedimento criminal, pela prática de 2 (dois) crimes de tráfico de estupefacientes, agravados, puníveis pela lei penal italiana com pena de prisão até 30 anos.
Estando preenchidos todos os pressupostos e condições legais e substanciais para a decisão definitiva de validação e aceitação de execução do mandado, foi, como resulta da parte decisória do acórdão recorrido, determinada «a execução definitiva do mandado de detenção europeu contra o arguido AA, com entrega após trânsito em julgado, às autoridades italianas para prossecução do procedimento criminal a que se reportam estes precisos mandados de detenção».
4. Nos termos do artigo 21.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, a oposição da pessoa procurada pode ter por fundamentos o erro da identidade da pessoa detida ou a existência de causa de recusa de execução do mandado de detenção europeu, a que se referem os aludidos artigos 11.º e 12.º, daquela lei, consoante se trate de recusa imposta ou facultativa.
Não foi oposto o erro de identidade, que ocorre sempre que ao procurado se atribui uma identidade que não lhe corresponde[7], e como o acórdão expressamente refere e o recorrente também aceita (na 7.ª conclusão da Motivação) não ocorre qualquer das causas de recusa, obrigatória ou facultativa, de execução do mandado de detenção.
5. O recorrente funda a oposição na violação dos artigos 3.º, relativo ao conteúdo e forma do mandado de detenção europeu, e 7.º (Princípio da especialidade) da aludida Lei n.º 65/2003.

Alega que o acórdão em crise «deferiu a execução [do] MDE e determinou a sua execução definitiva e a entrega do recorrente às autoridades italianas, apesar de não estarem preenchidos os requisitos legais que têm a ver com a "descrição das circunstâncias em que a infração foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infração da pessoa procurada"- artigo 3.° n.º 1 e) da Lei n.º 65/2003 de 23 de agosto (…)», pois «[a] versão dos factos transmitida pelas autoridades italianas refere a existência de movimentos financeiros destinados a pagar eventuais aquisições de cocaína efetuadas por alguns dos arguidos no processo italiano, na América do Sul e, posteriormente, transportadas e vendidas na Europa», movimentos que «ter-se-iam verificado na decorrência de duas situações», os quais «só por si, não são ilícitos e, por isso, não correspondem à prática de qualquer ilícito criminal» e em «ambos os episódios não há nenhuma descrição factual sobre as circunstâncias, o momento (data e hora) e o local em que o recorrente teria tido intervenção», pelo que «mostram-se inexistentes, no primeiro caso em relação aos factos incriminadores, à intervenção do recorrente e à ligação entre um e outro e no segundo, só em relação à intervenção do recorrente e à ligação desta com o ilícito criminal, os requisitos mínimos exigidos pela Lei n.º 65/2003».
6. O artigo 3.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, com a epigrafe «[c]conteúdo e forma do mandado de detenção europeu, estabelece no n.º 1, alínea e), que o mandado de detenção europeu deve conter a «[d]escrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção da pessoa procurada».
Interpretando esta norma, o Supremo Tribunal já decidiu que «a enunciação dos factos [a que se refere esta norma] é fundamental ao exercício do direito de recusa, seja ela obrigatória ou facultativa», mas «a descrição dos factos no formulário deve ser tão sucinta quanto possível e consignar apenas dados indispensáveis para apreensão do MDE pela autoridade judiciária de execução, sendo de evitar a transcrição completa de peças processuais»[8].
Noutro plano, este Supremo Tribunal concluiu «não procede[r] a oposição à execução do mandado de detenção europeu com base na insuficiência da descrição dos factos imputados à pessoa visada, quando eles são susceptíveis de ser por ela entendidos»[9] e, mais recentemente, que «a ausência dos requisitos de conteúdo e de forma do MDE, a que se refere o art. 3.º da Lei 65/2003, de 23-08, não é causa de recusa obrigatória ou de recusa facultativa, previstas, respectivamente, nos seus arts. 11.º e 12.º», envolvendo «a falta desses requisitos (…) uma irregularidade sanável, nos termos do art. 123.º do CPP, aplicável subsidiariamente por força do art. 34.º da Lei 65/2003, de 23-08 (…)»[10].
7. Insurge-se o recorrente quanto ao conteúdo do mandado de detenção, por, como se referiu, entender que os movimentos de capitais que teriam ocorrido por duas situações não são, por si só, ilícitos constitutivos de infração penal, além de que não há nenhuma descrição factual sobre as circunstâncias, o momento (data e hora) e o local em que o recorrente teria tido intervenção.
Colocada a questão nestes nestes termos, ainda que afirme o contrário (conclusão 7.ª), o recorrente está a extravasar espaços que respeitam à apreciação da regularidade formal do mandado de detenção europeu nos limites da competência do Estado da execução para alastrar à apreciação de mérito da questão de facto subjacente da competência da respetiva jurisdição do Estado emissor.
Sobre o conteúdo do mandado, o acórdão recorrido afirma o seguinte:
«Com o devido respeito por opinião em contrário, salta aos olhos de qualquer mortal que a versão dos factos relevante é aquela que consta da inscrição SIS, do próprio MDE e da respetiva tradução. A indicação feita pelo requerimento de execução não se sobrepõe à indicação feita pela autoridade emitente.
No caso em apreço, se bem vemos, a débil divergência entre um e outro redunda no facto de em sede daquele requerimento não se ter mencionado expressamente que o papel do arguido, ora requerente requerido, foi de correio de dinheiro nas indicadas transações.
Ora, a pretensa «forma genérica» adotada na inserção SIS já apresentava e materializava factos. Por sua vez, em face da informação que serve de complemento afigura-se-nos que que se mostram especificados todos os factos e circunstâncias que possibilitam o controlo da legalidade, da possibilidade do contraditório ou a concretização da regra da especialidade.»
Da transcrição efetuada, decorre que o acórdão recorrido afasta, em fundamentação bem elaborada e consistente, bem assente na matéria de facto provada e sem necessidade de outra argumentação, a pretensa insuficiência do conteúdo do MDE, face ao que dispõe o artigo 3º da Lei n.º 65/2003 de 23 de agosto.
De facto, aceitando-se a relevância do preenchimento do mandado na parte questionada, não só pelas implicações que tem no exercício do direito de defesa, como na vinculação do Estado emissor a uma factualidade que estabelece os limites da especialidade, o conteúdo que o mesmo patenteia, complementado com as informações suplementares que foram apresentadas e ficaram descritas, basta para se afirmar observado o comando do artigo 3.º daquela lei, e, desse modo, não se mostrar afetada a regra da especialidade, de que o recorrente não prescindiu.

Assim, por todo o exposto, improcede o recurso interposto, confirmando-se o acórdão recorrido.

III. Decisão

Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça, em:
a) Manter o acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa, que deferiu a execução do mandado de detenção europeu, emitido pela competente autoridade judiciária da República italiana para entrega do cidadão de nacionalidade portuguesa, AA;
b) Negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente;
c) Fixar as custas do recorrente, em 8 UC de taxa de justiça (artigo 34.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, artigo 513.º do CPP e artigo 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, e publicado como seu Anexo III, objeto de retificação e alterações posteriores).

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Supremo Tribunal de Justiça, 28 de agosto de 2015

Os Juízes Conselheiros,

João Silva Miguel

Isabel Pais Martins

Fernando Bento

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[1] Itálicos, negritos e sublinhados da transcrição como no original.
[2]     Considerando 6 da Decisão-Quadro.
[3]     Vd. Considerando 10 da Decisão-Quadro.
[4]     Entre outros os acórdãos deste Supremo Tribunal de 6 de janeiro de 2011, processo n.º 1217/10.5YRLSB.S1, e de 29 de novembro de 2012, processo n.º 117/12.9YREVR.S1, acessíveis, tal como outros citados no texto, quando outra fonte não for especificada, na base de dados do IGFEJ em http://www.dgsi.pt/.
[5]     Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de setembro de 2009, processo n.º 134/09.6YREVR.
[6]     Acórdão deste Supremo Tribunal, de 10 de outubro de 2007, processo n.º 3776/06, publicado na Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (CJSTJ), Ano XV (2007), Tomo III, p. 207.
[7]     Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de janeiro de 2007, processo n.º 4828/06, publicado na CJSTJ, Ano XV (2007), Tomo I, p. 168.
[8]     Acórdão de 25 de junho de 2009, processo n.º 1087/09.6YRLSB.S1.
[9]     Acórdão de 8 de março de 2007, processo n.º 733/07, publicado na CJSTJ, Ano XV (2007), Tomo I, p. 206.
[10]    Acórdão de 9 de agosto de 2013, processo n.º 750/13.1YRLSB.S1. No mesmo sentido, entre outros, os acórdãos de 25 de janeiro de 2007, processo n.º 271/07, de 8 de março de 2007, processo n.º 733/07, já citado, de 9 de agosto de 2007, processo n.º 2847/07, e de 9 de janeiro de 2008, processo n.º 4855/07.