Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOÃO SILVA MIGUEL | ||
Descritores: | MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU PRINCÍPIO DO RECONHECIMENTO MÚTUO EXTRADIÇÃO DIREITOS DE DEFESA RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO RECUSA OBRIGATÓRIA DE EXECUÇÃO IRREGULARIDADE PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE | ||
Data do Acordão: | 08/28/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO EUROPEU - COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA EM MATÉRIA PENAL / MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU / EXECUÇÃO DE MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU EMITIDO POR ESTADO MEMBRO ESTRANGEIRO / PROCESSO DE EXECUÇÃO. DIREITO PROCESSUAL PENAL - ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / NULIDADES. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 123.º. LEI N.º 65/2003, DE 23-08: - ARTIGOS 3.º, 11.º, 12.º, 21.º, N.º2, 34.º. | ||
Legislação Comunitária: | DECISÃO-QUADRO DO CONSELHO N.º 2002/584/JAI, DE 13 DE JUNHO DE 2002: - CONSIDERANDOS 6 E 10 DA DECISÃO-QUADRO. TRATADO DE AMESTERDÃO: - ARTIGO K.1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 17/01/2007, PROCESSO N.º 4828/06, PUBLICADO NA CJSTJ, ANO XV (2007), TOMO I, P. 168. -DE 8/03/2007, PROCESSO N.º 733/07, PUBLICADO NA CJSTJ, ANO XV (2007), TOMO I, P. 206. -DE 10/10/2007, PROCESSO N.º 3776/06, PUBLICADO NA COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (CJSTJ), ANO XV (2007), TOMO III, P. 207. -DE 25/06/2009, PROCESSO N.º 1087/09.6YRLSB.S1. -DE 10/09/2009, PROCESSO N.º 134/09.6YREVR. -DE 6/01/2011, PROCESSO N.º 1217/10.5YRLSB.S1, E DE 29/11/2012, PROCESSO N.º 117/12.9YREVR.S1, ACESSÍVEIS, TAL COMO OUTROS CITADOS NO TEXTO, QUANDO OUTRA FONTE NÃO FOR ESPECIFICADA, EM WWW.DGSI.PT . -DE 9/08/2013, PROCESSO N.º 750/13.1YRLSB.S1. NO MESMO SENTIDO, ENTRE OUTROS, OS ACÓRDÃOS DE 25/01/2007, PROCESSO N.º 271/07, DE 8 DE MARÇO DE 2007, DE 9/08/2007, PROCESSO N.º 2847/07, E DE 9/01/2008, PROCESSO N.º 4855/07. | ||
Sumário : | I - O MDE constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, sendo o seu mecanismo baseado num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros, cuja execução só poderá ser suspensa em situações graves, excecionais e limitadas, destinando-se a substituir, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição. II - O reconhecimento mútuo implicado no MDE não se deve sobrepor às garantias processuais e aos direitos reconhecidas na própria CEDH, como é o caso do direito de defesa inscrito no direito a um processo justo. III - A ausência dos requisitos de conteúdo e de forma do MDE, a que se refere o art. 3.º, da Lei 65/2003, de 23-08, não é causa de recusa obrigatória ou de recusa facultativa, previstas, respetivamente, nos seus arts. 11.º e 12.º, envolvendo a falta desses requisitos uma irregularidade sanável, nos termos do art. 123.º, do CPP, aplicável subsidiariamente por força do art. 34.º daquela Lei. IV - Questionar que os movimentos de capitais que teriam ocorrido por duas situações não são, por si só, ilícitos constitutivos de infração penal, além de que não há nenhuma descrição factual sobre as circunstâncias, o momento (data e hora) e o local em que o recorrente teria tido intervenção é extravasar espaços que respeitam à apreciação da regularidade formal do mandado de detenção europeu nos limites da competência do Estado da execução para alastrar à apreciação de mérito da questão de facto subjacente da competência da respetiva jurisdição do Estado emissor. V - A versão dos factos relevante é aquela que consta da inscrição SIS, do próprio MDE e da respetiva tradução, resultando a débil divergência entre um e outro do facto de no requerimento de execução não se ter mencionado expressamente que o papel do arguido fora de correio de dinheiro nas indicadas transações, que se mostrava compreendida na inserção SIS, que já apresentava e materializava factos, e foram especificados na informação complementar, possibilitando o controlo da legalidade e, assim, observado o comando do art. 3.º daquela lei, e permitindo a possibilidade do contraditório ou a concretização da regra da especialidade. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório «De toda prova para os autos carreada e produzida, e das ocorrências processuais relevantes verificadas, consideramos assentes os seguintes factos: 2.1.1. O requerido AA acima identificado, e cidadão português, natural de ..., República Federativa do Brasil. 2.1.2. O presente Mandado de Detenção Europeu (M.D.E.) visa a entrega do requerido AA para efeitos de procedimento criminal a correr termos em Turim, Itália. 2.1.3. O M.D.E. está inserido no SIS II, sob o n.° ... e mostra-se devidamente traduzido. 2.1.4. O aludido procedimento criminal tem por objeto factos que, segundo a legislação italiana, integram 2 (dois) crimes de tráfico ilícito de estupefacientes, agravados, e que consistiram, respectivamente, em o arguido AA: (i) Em Maio de 2014 ou época imediatamente anterior, ter desempenhado o papel de correio de dinheiro na compra, na detenção e na importação da América Latina para Turim, província, de Itália, de 205 quilogramas de cocaína; e (ii) No período compreendido entre 28-Jul.-2014 e 02-set.-2014, ter desempenhado o papel de correio de dinheiro na compra, na detenção e na importação da América Latina para Turim e província, e para a Calábria, Itália, de mais 58 quilogramas de cocaína. - Os factos foram cometidos por mais de três pessoas, concernem a uma quantidade considerável de substância estupefaciente e têm natureza transnacional, o que agrava os crimes. 2.1.5. Tais crimes são puníveis pela Lei da República Italiana, com penas de prisão até 30 anos. 2.1.6. Ouvido que foi o arguido AA, ora requerido, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 18º da Lei nº 65/2003, de 23-ago., não aceitou a sua transferência e declarou não renunciar ao benefício da regra da especialidade (cf. fls. 33-35 dos autos). 2.1.7. Em 30-JUN.-2015 o requerido opôs-se à execução daquele mandado, invocando: (i) A questão prévia, da falta de tradução do M.D.E., que considera, formalidade essencial para a sua validade substancial (pela necessidade de dar cumprimento ao disposto no artº 3.° nº 2 da Lei 65/2003, de 23-ago.), da qual extrai como efeito a impossibilidade de exercício do direito ao contraditório. (ii) Quanto ao substrato da oposição que desde logo apresenta aduz: - Que não foi informado do conteúdo do M.D.E.; - Que dos autos constam versões diferentes dos motivos que levaram à emissão do documento, apenas se mantendo constante a sua qualificação jurídico-penal; - Que a forma, genérica adoptada aos referidos documentos, que não revela, factos, impede o controlo da legalidade do M.D.E., condiciona a possibilidade de o arguido exercer o seu direito de defesa, e frustra a concretização do princípio da especialidade. (iii) O arguido declarou, para os efeitos da alínea b) do nº 1 do artº 13.°, da Lei n.° 65/2003, pretender que a decisão de entrega seja sujeita à condição de, após ter sido ouvido, ser devolvido ao Estado português, para aqui cumprir pena ou medida de segurança a que eventualmente for condenado (cf. Fls. 66-73 dos autos). 2.1.8. Na sequência da oposição da pessoa procurada foi deduzido pedido de esclarecimentos, em resposta do qual a entidade emitente informou que os factos imputados ao arguido/requerido se contém nos seguintes termos: - No que tange ao primeiro crime: «(...) porque, em concurso entre eles e com outros sujeitos não identificados entre os quais o conhecido como "BUGNO", adquiriam, detinham e importavam na Itália 205 quilogramas de cocaína e em particular modo: - BB, CC, DD, EE e FF, dispunham, organizavam e financiavam a importação na Itália da América, do Sul de uma quantidade de 205 quilogramas de cocaína., obtendo com a sucessiva cessão uma receita, de € 240.000 cada um; - BB e CC, operando no Brasil, cuidavam com os fornecedores sul-americanos das modalidades de compra e exportação do entorpecente; - FF, GG e HH, recebiam, contavam e ocultavam a soma total de € 3.842,50 recebida, como pagamento pela cessão dos 205 quilogramas de cocaína, de II, JJ E LL, em particular € 525.000 entregues por II a FF em 5 de Junho de 2014 na Lombardia, € 3.065.000 entregues por JJ como traficante de "SORDIBUGNO" ainda não identificado a FF, GG E HH em 6 de Junho de 2014 no posto de abastecimento de combustível ERG deste último, € 252.000 entregues por LL a GG e HH em 18 de junho de 2014 no local do mesmo posto de abastecimento; - Os seguintes traficantes brasileiros operantes por conta dos BB, CC e DD, MM em data 6 e 25 de junho de 2014, NN e OO em data 15 de julho de 2014, OO e de PP em data 22 de agosto de 2014, recebendo de GG quantidades de dinheiro em espécie a serem transportadas para o exterior para a posterior entrega a BB e CC e o conseguinte pagamento dos fornecedores sul-americanos; - QQ cuidava da contagem, a distribuição, o ocultamento e de modo mais geral da gestão das receitas derivantes da venda da partida de entorpecente. Com as agravantes de ter cometido o facto em mais de três pessoas em concurso entre elas e do facto desenvolver uma grande quantidade de substâncias entorpecentes. Crime agravado nos termos do artº 4 - L 16.3.2006 nº 146 porque cometido com a contribuição das associações dedicadas ao narcotráfico operantes na América, do Sul, grupos criminosos organizados e empenhados em actividades criminosas em mais de um País. Facto cometido na América, do Sul e Turim e Província em maio de 2014 ou em época, imediatamente anterior. BB, CC e DD, EE, FF, GG, RR, HH e AA. Quanto ao segundo crime: Crime agravado nos termos do artº 4 L 16.3.2006 nº 146 porque cometido com a contribuição de associações dedicadas ao narcotráfico operantes na América do Sul, grupos criminosos organizados e empenhados em actividades criminosas em mais de um País. Facto cometido na, América do Sul e Turim e Província em maio de 2014 ou em época, imediatamente anterior. BB, CC e DD, EE, FF, GG, RR, HH e AA pelo crime no específico dos artºs 110 C.P. 73 n°s 1 e 6, 80 inciso 2D.P.R. 309/90, art.º 4 L. 16.3.2006 n.º 146 porque, em concurso entre eles e com outros sujeitos não identificados entre os quais o conhecido como “SORDl” em verdade "BUGNO", adquiriam, detinham e importavam na Itália 58 quilogramas de cocaína e em particular modo: - BB, CC e DD, EE, FF, dispunham, organizavam e -financiavam a importação da América do Sul - através do navio MSC ALICANTE atracado no porto de Gioia Tauro em 14.8.14 - de uma quantidade de 58 quilogramas de cocaína. - BB e CC operando no Brasil, cuidavam juntamente com os fornecedores sul-americanos das modalidades de compra e exportação do entorpecente. - FF e GG, em constante contacto com BB e CC no Brasil e com a colaboração de "..." que teria, comprado o entorpecente uma vez chegado à Itália, monitoravam as fases da viagem e cuidavam dos aspetos organizativos da mesma. - RR, como responsável da gestão da retirada, e com a cumplicidade do pessoal operante no inferior do porto de Gioia Tauro, em particular o tal “PORCO” ainda não identificado, uma vez recebido, com código criptografado, o nome do navio e o número do contentor, em 14-8-14 retirada, o entorpecente e transportava-o para fora da área aduaneira do porto. - FF, GG E HH, recebiam, contavam e ocultavam a soma global de 1.050.00 euros recebida, como pagamento pela cessão dos 58 quilogramas de cocaína, de um traficante não melhor identificado enviado por "...", em 25.8.14 no posto de abastecimento de combustível ERG de HH. - AA, traficante brasileiro operante por conta dos BB, CC e DD, em data 2 de Setembro de 2014, recebia, de GG € 500.000,00 a serem transportados para a posterior entrega a BB e CC e o consequente pagamento dos fornecedores sul-americanos. Com as agravantes de terem cometido o facto em mais de três pessoas em concurso entre elas e de envolver uma grande quantidade de substância, entorpecente. Crime agravado nos termos do art.º 4 L. 16.3.2006 nº 146 porque cometido com a contribuição de associações dedicadas ao narcotráfico operantes na América do Sul, grupos criminosos organizados, empenhados em actividades criminais em mais de um País. «Facto cometido na América do Sul, Turim e Província, e na Calábria entre 28.7.14 - e 2.9.14». 2.1.9. O arguido, ora requerido, foi notificado quer da tradução quer dos esclarecimentos complementares. 2.1.10. Em 24-jul.-2014, foi o arguido, ora requerido, novamente ouvido nos termos e para os efeitos do disposto no nº 4 do art.º 21° da Lei n.° 65/23, de 23-agos., quanto aos esclarecimentos complementares, prestados pela entidade emitente do M.D.E. em causa nestes autos, mantendo a sua oposição à execução do referido e renovou a declaração de que «não renuncia ao benefício da regra da especialidade». 2.2. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA Os factos acima fixados foram encontrados com base em toda a prova documental para os autos carreada, nomeadamente, os seguintes documentos: - Documentos de Fls. 3-13 demonstrativos da inserção no SIS II; - Documento de Fls. 20 (auto de detenção); - Documento de Fls. 21 (constituição de arguido); - Documento de Fls. 22 (Termo de Identidade e Residência) - Documento de Fls. 23 (Fax da Policia Judiciária - Unidade Nacional contra terrorismo); - Documento de Fls. 33-35 (Auto de Audição de detido); - Documento de Fls. 84-97; 113-136 (tradução para Língua portuguesa do M.D.E.). A materialidade fáctica acima fixada, foi encontrada com base na análise crítica aos documentos supramencionados, os quais no que ao caso releva, espelham os factos pelos quais a autoridade judiciária da República Italiana almeja exercer procedimento criminal contra o ora requerido.» Na fundamentação de direito, refere-se, além do mais, que: «o MDE foi emitido em conformidade com o formulário anexo à Decisão-Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13-jun-2002, e a lei n.º 65/2003, de 23 ago.» e mostra-se inserido no SIISII; «não ocorrem causas de recusa obrigatória ou facultativa», os factos imputados «estão devidamente discriminados, bem como as circunstâncias de tempo e modo da respectiva comissão, estando agasalhadas as exigências adequadas ao cumprimento do princípio non bis in idem» e o «arguido foi informado quer do conteúdo do MDE inserido no SISII, no momento da sua audição (que ocorreu por duas vezes) e sobre ele se pronunciou, quer nessa sede quer na oposição», e, «[m]ais tarde, teve acesso aos autos e obteve cópias dos documentos juntos de acordo com o pedido que formulou e foi notificado quer da respectiva tradução quer das informações complementares», e que a «pretensa “forma genérica” adotada na inserção SIS já apresentava e materializava factos», estando, «em face da informação que serve de complemento,(…) especificados os factos e circunstâncias que possibilitam o controlo da legalidade, da possibilidade do contraditório ou a concretização da regra da especialidade». A final consta o dispositivo, assim formulado: «Perante tudo o que foi dito fica, acordam os juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: Em deferir a execução do Mandado de Detenção Europeu emitido em 10-jun.-2015, pela Senhora Juíza de Inquérito Preliminar do Tribunal Criminal de Turim, República Italiana, com referência ao processo 23946/13 R.G.N.R, e, consequentemente, determinar a execução definitiva do mandado de detenção europeu contra o arguido AA, com entrega após trânsito em julgado, às autoridades italianas para prossecução do procedimento criminal a que se reportam estes precisos mandados de detenção. Em que a decisão entrega fica sujeita, na execução, ao estabelecimento da condição da garantia por parte da República Italiana da devolução do aludido arguido AA à República Portuguesa para aqui cumprir a pena a que for sujeito. Em fazer menção ao facto de o arguido/ requerido AA ter declarado não renunciar ao benefício da regra da especialidade. Em determinar a notificação do Ministério Público, GNI, arguido/ requerido e a sua Exmª defensora e que se informe a autoridade do Estado membro da de emissão (República Italiana). Em determinar que se Comunique à Embaixada ltaliana. E, após trânsito, confirmada preventivamente a garantia supra aludida, proceda-se à entrega combinada no prazo de 10 (dez) dias. Em determinar que se oficie desde já e independentemente do trânsito em julgado, directamente à autoridade do Estado emitente do mando (República Italiana) para informar se presta a garantia exigida. E que, sendo prestada, a execução, mesmo que tenha transitado em julgado a presente decisão sé se cumprirá depois de considerada válida tal garantia. Em declarar que se a garantia não for prestada, a execução não terá lugar e o processo será arquivado. Em determinar que se comunique nestes precisos termos à referida autoridade. Em determinar que vão os autos ao Ministério Público para os fins que tiver por convenientes, relativamente à garantia. Em declarar que não há lugar a custas por não serem devidas.» «1. O acórdão em crise deferiu a execução MDE e determinou a sua execução definitiva e a entrega do recorrente às autoridades italianas, apesar de não estarem preenchidos os requisitos legais que têm a ver com a "descrição das circunstâncias em que a infração foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infração da pessoa procurada" artigo 3.° n.º 1 e) da Lei n.º 65/2003 de 23 de agosto, na sua atual redação. 2. A versão dos factos transmitida pelas autoridades italianas refere a existência de movimentos financeiros destinados a pagar eventuais aquisições de cocaína efetuadas por alguns dos arguidos no processo italiano, na América do Sul e, posteriormente, transportadas e vendidas na Europa. 3. Esses movimentos ter-se-iam verificado na decorrência de duas situações nas quais, o recorrente teria, alegadamente, o papel de correio de dinheiro, a saber: a) uma importação de 205 quilogramas de cocaína, na qual se menciona apenas circulação de dinheiro entre arguidos nos autos que corresponderiam a pagamentos relativos a transações do produto estupefaciente em Itália, sendo que esses valores teriam sido mais tarde, em datas determinadas, ‒ mas em circunstâncias, local e hora indeterminados ‒ repassadas a "traficantes brasileiros", entre os quais se encontraria o Recorrente, cuja atividade posterior permanece um mistério. É óbvia a irregularidade do documento cuja execução se pretende, por persistente falta de enunciação dos requisitos legais de conteúdo do MDE. b) Uma outra importação de 58 quilogramas de cocaína ‒ aqui, o crime ‒ tráfico ‒ teria sido cometido entre 28 de julho de 2014 e 2 de setembro de 2014 (de acordo com o MDE). Ora, este dia 2 de setembro de 2014 é precisamente aquele em que o recorrente teria recebido o dinheiro (na informação complementar, 500€, mas evidentemente por lapso) de GG. Se nesse dia se conclui a prática do crime de tráfico (no qual o recorrente seria comparticipante como correio de dinheiro) qual é, concretamente, a atividade delituosa que lhe é assacada? No espaço de tempo disponível, não poderia ser correio, quando muito caixa de correio. Neste segundo momento a informação complementar é mais completa na descrição dos indícios relativos ao tráfico de estupefacientes mas a insuficiência dos factos mantém-se. 4. Os movimentos de dinheiro, só por si, não são ilícitos e, por isso, não correspondem à prática de qualquer ilícito criminal. 5. Em ambos os episódios não há nenhuma descrição factual sobre as circunstâncias, o momento (data e hora) e o local em que o recorrente teria tido intervenção. 6. Assim, mostram-se inexistentes, no primeiro caso em relação aos factos incriminadores, à intervenção do recorrente e à ligação entre um e outro e no segundo, só em relação à intervenção do recorrente e à ligação desta com o ilícito criminal, os requisitos mínimos exigidos pela Lei n.º 65/2003. Consequências jurídico-processuais. 7. Ainda que não ocorram causas de recusa de execução obrigatórias ou facultativas, nem se possa discutir a substância da questão criminal em investigação pelas autoridades emitentes, não está esgotada a competência dos tribunais portugueses, enquanto autoridade de execução, para, nos termos gerais do direito processual, examinarem a questão específica do MDE, ou seja, no caso concreto verificar se se encontram cumpridas as regras definidas pela Lei n.º 65/2013 (tal como mencionada o Acórdão recorrido) como requisitos do MDE, sem que isto se traduza na violação do princípio de reconhecimento mútuo relativamente a decisões judiciais, mas tão só o exercício do dever de soberania que não contende com o aprofundamento dos mecanismos de cooperação decorrentes do princípio da livre circulação consequência da adesão ao Tratado da União Europeia. 8. A ausência daqueles requisitos, constitui uma irregularidade processual sujeita ao regime normal fixado no art. 123.° do Código do Processo Penal, determinando a invalidade do ato e, aqui, a impossibilidade legal de se adotar uma providência que ordene a execução do mandado, sempre que tiver sido arguida pelo interessado no momento processualmente adequado, o que aconteceu sem que tivesse sido suprida pela autoridades emitentes. 9. Em consequência, fica afetada a aplicabilidade da regra de especialidade à qual o arguido não renunciou e, portanto, o seu direito a um processo justo equitativo que lhe é garantido pela lei Lei n.º 65/2013 e pelo artigo 32. º da CRP.» A final, pede que o «o acórdão recorrido (…) [seja] revogado». Recebidos os autos no Tribunal Recorrido e aberta vista ao Ministério Público, o prazo decorreu sem que fosse apresentada resposta. Recebidos, de novo, os autos neste Supremo Tribunal, e colhidos os vistos, o processo foi submetido a julgamento, em conferência (artigos 25.º e 34.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto).
O mandado de detenção europeu previsto na Decisão-Quadro do Conselho n.º 2002/584/JAI, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros, transposto para a ordem jurídica interna pela Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, «constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de "pedra angular" da cooperação judiciária»[2], sendo o seu mecanismo «baseado num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros», cuja execução só poderá ser suspensa em situações graves, excecionais e limitadas[3]. Alega que o acórdão em crise «deferiu a execução [do] MDE e determinou a sua execução definitiva e a entrega do recorrente às autoridades italianas, apesar de não estarem preenchidos os requisitos legais que têm a ver com a "descrição das circunstâncias em que a infração foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infração da pessoa procurada"- artigo 3.° n.º 1 e) da Lei n.º 65/2003 de 23 de agosto (…)», pois «[a] versão dos factos transmitida pelas autoridades italianas refere a existência de movimentos financeiros destinados a pagar eventuais aquisições de cocaína efetuadas por alguns dos arguidos no processo italiano, na América do Sul e, posteriormente, transportadas e vendidas na Europa», movimentos que «ter-se-iam verificado na decorrência de duas situações», os quais «só por si, não são ilícitos e, por isso, não correspondem à prática de qualquer ilícito criminal» e em «ambos os episódios não há nenhuma descrição factual sobre as circunstâncias, o momento (data e hora) e o local em que o recorrente teria tido intervenção», pelo que «mostram-se inexistentes, no primeiro caso em relação aos factos incriminadores, à intervenção do recorrente e à ligação entre um e outro e no segundo, só em relação à intervenção do recorrente e à ligação desta com o ilícito criminal, os requisitos mínimos exigidos pela Lei n.º 65/2003». Assim, por todo o exposto, improcede o recurso interposto, confirmando-se o acórdão recorrido. III. Decisão Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça, em: * Supremo Tribunal de Justiça, 28 de agosto de 2015
Os Juízes Conselheiros,
João Silva Miguel
Isabel Pais Martins
Fernando Bento ---------------- |