Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA | ||
Descritores: | COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO EXCEPÇÃO DILATÓRIA EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA INSOLVÊNCIA LIQUIDAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 03/15/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 378º 428º, 661º, 847º CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 378º, 489º, 493º, 494º, 661º, 673º | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA, WWW.DGSI.PT, DE: – 28 DE ABRIL DE 2009, PROC. Nº 08B0782 – 16 DE NOVEMBRO DE 2009, PROC. Nº 674/02.8TJVNF.S1 – 20 DE SETEMBRO DE 2010, PROC. Nº 184/06.4TBTND.C1.S1 | ||
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Sumário : | 1. A excepção de não cumprimento tem como objectivo paralisar temporariamente a pretensão da contraparte. 2. Traduz-se na faculdade, em cujo exercício o juiz se não pode substituir à parte, de recusar o cumprimento de uma obrigação contratual invocando a não realização, pela contraparte, de prestações correspectivas, para cuja realização não haja prazos diferentes. 3. Se proceder, conduz à absolvição do pedido, mas não definitiva, pois não extingue o direito exercido pela parte contrária. 4. A extinção de créditos por compensação exige a manifestação da vontade de compensar; o tribunal não pode substituir-se à parte e declará-la. 5. A possibilidade de condenação “no que vier a ser liquidado”, prevista no nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil, não tem cabimento quando não foram oportunamente alegados factos que sustentem a condenação, ou quando se não conseguiu fazer prova de tais factos. Destina-se a permitir a quantificação de danos que não seja viável no momento da sentença, seja por estar dependente de cálculos a efectuar, seja por não terem ainda cessado os danos a ressarcir. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 29 de Setembro de 2008, AA, SA, instaurou uma acção contra BB BV, com sede em Bleismijk, Holanda, na qual pediu a sua condenação no pagamento de € 38.058,73 (€ 34.970,86 de capital e € 3.087,87 de juros de mora já vencidos), com juros de mora contados desde a citação até integral pagamento. Para o efeito, alegou ter fornecido à ré diversas mercadorias (calçado) que esta não pagou na totalidade, apesar de lhe ter enviado as correspondentes facturas, faltando liquidar € 34.970,86. Após diversas vicissitudes, na contestação, apresentada em 15 de Maio de 2009, a ré negou dever as quantias correspondentes a duas das facturas juntas (de € 57,75 e de € 84,15) e, quanto ao mais, disse, em síntese: que a autora não tinha respeitado o prazo expressamente acordado para a entrega dos 2232 pares de botas encomendados; que, por causa dos atrasos com que foram sendo entregues, não pode cumprir os seus próprios compromissos, acabando por ficar com 597 pares de botas em armazém (que a autora não levantou, apesar de para tanto ter sido notificada), no valor de € 22.696,00; que foi obrigada a realizar descontos a clientes (€ 11.594,10) e que perdeu lucros no montante de € 9.400,00. Concluiu que não deve à autora, nem a quantia de € 22.696,00, nem o montante de 141,91 (€ 57,75 + € 84,15), mas apenas € 12.132,95; mas que este crédito da autora tem de ser compensado com o montante dos prejuízos que sofreu, € 20.904,10 (€ 11.504,10 + € 9.0400,00), resultando um saldo, a seu favor, de € 8.771,15 (cujo pagamento, “atentas as actuais circunstâncias em que a A se encontra”, não pede “por ora”). A autora replicou, em 12 de Junho de 2009, nomeadamente aceitando “a confissão da ré, quando esta (...) confessa dever-lhe € 12.132,95” negando ser responsável pelo atraso na entrega. Na audiência preliminar de 17 de Novembro de 2011, a advogada respectiva “disse que a autora foi declarada insolvente” (cfr. acta de fls. 110). E, na sequência de despacho então proferido, foram juntas aos autos a certidão da sentença que decretou a falência, proferida em de 15 de Junho de 2009 e transitada em julgado em 27 de Julho de 2009, e uma procuração forense assinada pelo Administrador da Insolvência. Pela sentença de fls. 211, de 16 de Abril de 2011, a acção foi julgada parcialmente procedente. A ré foi condenada “a pagar à massa insolvente da autora (…) a quantia de €34.828,95 (…), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, contados sobre o valor do capital, contabilizando-se os juros de mora vencidos desde 12 de Dezembro de 2007 até 29 de Setembro de 2008 e os vincendos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento do capital, à taxa de juro comercial, que em cada momento vigorar, nos termos da Portaria nº 597/2003 de 19 de Julho”, e absolvida quanto ao mais. Em síntese, a sentença considerou estar provada a venda à ré de calçado cujo preço ascendia a € 86,261,50, dos quais € 51.432,55 tinham sido já pagos, faltando ainda o pagamento de € 34.828,95. Quanto aos créditos invocados pela ré, a sentença entendeu “que a ré não detém qualquer crédito sobre a autora”, porque, apesar de ter sido excedido o prazo ajustado, aceitou as sucessivas entregas do calçado encomendado, “”entendendo-se, assim que houve um acordo tácito na prorrogação do prazo de entrega da (…) mercadoria”. Logo, “não opera o instituto da invocada compensação nos presentes autos, por inobservância dos respectivos pressupostos legais para o efeito”.
2. A sentença foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 250, de 27 de Setembro de 2011, proferido em recurso interposto pela ré. Segundo decidiu a Relação, “A compradora apresenta-se como credora da vendedora, advindo esses créditos dos prejuízos causados pela mora na entrega do calçado para além do prazo convencionado. Sendo ambas as partes reciprocamente credora e devedora, opera a compensação, já que concorrem os requisitos exigidos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 847º do CC.”. (…) A Ré invocava, relativamente aos 597 pares que ficaram em armazém, a excepção de não cumprimento, sustentando que a vendedora não cumpriu o prazo previsto para a entrega pelo que à compradora não era exigível o pagamento. Mas a situação não se enquadra no artigo 428º, desde logo porque eram diferentes os prazos para a entrega da mercadoria e para o pagamento. Ao que acresce o facto de as mercadorias terem sido fornecidas e recebidas pela compradora (a R.), sem que esta tenha resolvido o contrato, apesar de decorrido o prazo convencionado. A vendedora entregou as mercadorias, que foram recebidas pela compradora sem que esta fizesse cessar o contrato, pelo que sobre a R. impendia a obrigação de pagar o preço (art. 879º, al. c). Só que, ficando com a mercadoria, que não foi vendida devido à mora da vendedora, tem um crédito sobre esta, emergente dessa mora. Mas, como detém os 597 pares de calçado, a considerar-se o crédito correspondente ao valor pelo qual aqueles foram fornecidos, a Ré estaria a locupletar-se à custa da Autora, porquanto, em tal hipótese ficaria com o calçado e com o crédito correspondente ao respectivo valor de facturação. Ora, aqueles pares de calçado valem algum dinheiro, por pouco que seja – não foi alegado que careçam totalmente de valor. Para evitar esse locupletamento, ao valor de €22.695,00 deve ser deduzida a importância que se lograr obter com a venda dos 597 pares de calçado. O apuramento deste crédito terá que ser relegado para liquidação, em obediência ao estatuído no nº 2 do artigo 661º, do CPC. O mesmo sucede com o montante dos lucros perdidos e dos descontos feitos para escoar o produto, já que, consoante o decidido no acórdão do STJ, de 24-01-1991, nada impede que o R. possa fazer um pedido genérico e que a liquidação do crédito oferecido em compensação possa operar-se em execução de sentença (BMJ, nº 403, p. 364).” Assim, a Relação deliberou julgar procedente a apelação, revogando “a sentença recorrida e, reconhecendo-se que a Autora detém um crédito sobre a Ré no montante de €34.828,95: 1. Declara-se que opera a compensação desse crédito com os créditos da Ré sobre a Autora, correspondentes: a) À diferença entre €22.696,00 e a importância que se lograr obter com a venda dos 597 pares de calçado, em montante que vier a ser liquidado; b) Aos descontos e aos lucros, referidos nos nºs 11 e 12 dos factos, de montante que vier a ser liquidado. 2. Condena-se a Ré a pagar à Autora a parte não compensada do crédito desta, se a houver.”
3. A Massa Insolvente de AA, SA, recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso foi admitido como revista, com efeito devolutivo. Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões: (…) 13)Esquece-se no Acórdão ora recorrido que a compensação legal, de que trata o caso em apreço, não é automática; 15) Dependendo de uma declaração de vontade, ou pedido do titular do crédito secundário, neste caso a ré; 16) E que de acordo com a nossa jurisprudência, esse pedido surge pela via da reconvenção se o crédito do demandado for superior ao crédito do demandante mas sê-lo-á por excepção peremptória se o contra-crédito for de montante inferior ao pedido. (Cfr. o acórdão do ST J, de 28.05.09, processo 09B0676, in www.dgsi.pt); 17) Ora no presente caso em que a ré, ao invés de deduzir um pedido reconvencional contra a autora; 18) Invoca, antes, em sua defesa a excepção do não cumprimento do contrato, nos termos do disposto no Artigo 428º do Código Civil; 19) Excepção esta que não foi julgada procedente na decisão de 1ª Instância, uma vez que a ré aceitou o cumprimento tardio da autora, recebendo todas as encomendas fora das datas inicialmente acordadas; 20) Sendo de concluir, por esta mesma razão, pela inexistência de qualquer crédito da ré sobre a autora; 21) Uma vez que, pese embora os factos dados como provados nos nº 11 e 12 da sentença de 1ª Instância; 22) Nomeadamente que em consequência da entrega nas aludidas datas das botas encomendadas à autora, a ré teve que fazer descontos para que alguns clientes ficassem com as mesmas (facto 11) e perdeu lucros (facto 12); 23) Uma vez que aceitando as entregas tardias feitas pela autora, não pode vir posteriormente a ré, invocar esse atraso para lhe imputar custos; 24) Ou seja, a ré não pode querer ser ressarcida de prejuízos que teve em consequência dum comportamento da autora que por si foi aceite; 25) Não podendo por isso operar a compensação, por não existir reciprocidade de créditos, 26) Além do mais a ré em momento nenhum deduz pedido reconvencional contra a autora, referindo mesmo na contestação que pondera a sua apresentação em momento posterior; 27)O que nunca aconteceu; 28)Bem esteve o Tribunal de 1ª Instância pois, ao decidir da forma que o fez pela não operação do instituto da compensação por falta de requisitos legais, por inexistência de qualquer crédito da ré sobre a autora; 29) Assim, a improcedência da compensação haverá de determinar, como não podia deixar de ser, a procedência do recurso ora apresentado; 30) E não tendo a ré pago na totalidade, o preço das mercadorias que lhe foram fornecidas; 31) Nem tendo comprovado que tal não se deveu a culpa sua (Artigo 799º do Código Civil), ou afastado a presunção de culpa que sobre si impende por força do disposto no Artigo 799º do Código Civil; 32) Terá de reparar os prejuízos causados à autora, Artigo 798º do Código Civil, satisfazendo o preço ainda em falta e os juros de mora nos precisos termos em que foi condenada na decisão de 1ª Instância. 33) Acresce que, em 15 de Junho de 2009, a autora foi declarada insolvente por sentença já transitada em julgado, proferida no Processo 641/09. OT2A VR, a correr termos no Juízo de Comércio de Aveiro da Comarca do Baixo Vouga; 34) Ora, a partir da sentença de declaração de insolvência da autora a admissão do direito de compensação dum eventual crédito da ré sobre a autora, estava sempre dependente da sua reclamação nos termos do disposto no Código de Insolvência e Recuperação da Empresa (CIRE); 35) De acordo com o disposto no Artigo 90º daquele Código, sob pena de se violar o princípio da igualdade entre os credores consagrado no Artigo 194º do CIRE; 36)O que não aconteceu; 37)Não podendo também nesta hipótese operar a compensação por não haver a ré reclamado o seu crédito de acordo com o CIRE; 38) Não podendo assim ser considerada titular de créditos sobre a insolvência, condição sem a qual a compensação não opera; 39) Para tal era necessário, como já se disse que a ré tivesse reclamado o seu crédito, no prazo fixado na sentença declaratória de insolvência, ainda que o mesmo estivesse reconhecido por decisão definitiva (Artigo 128º do CIRE); 40) Ou que o fizesse posteriormente, se verificado o condicionalismo do Artigo 146º do CIRE; 41) Não podendo pois deixar de concluir que em nenhum dos casos, poderá operar a compensação de créditos da ré com créditos da autora, por esta não ser titular de nenhum.”
A recorrida contra-alegou, mas foi determinado o desentranhamento das alegações, nos termos do disposto no artigo 685º-D do Código de Processo Civil.
4. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):
“1. A autora dedica-se ao fabrico e comercialização de calçado. 2. Por sua vez a ré dedica-se à comercialização de calçado. 3. No âmbito das relações comerciais entre ambas, a autora forneceu à ré diversa mercadoria que esta recebeu, tendo nessa sequência a autora emitido as facturas, ainda não pagas pela ré, que a seguir se discriminam e cujo teor consta de fls. 8 a 14 e aqui se dá por reproduzido: i. Factura nº 12521, datada de 18 de Setembro de 2007, vencida em 28 de Setembro de 2007, no montante de €6.517,50 (seis mil quinhentos e dezassete euros e cinquenta cêntimos); ii. Factura nº 12532, datada de 21 de Setembro de 2007, vencida em 1 de Outubro de 2007, no montante de €25.745,50 (vinte e cinco mil setecentos e quarenta e cinco euros e cinquenta cêntimos); iii. Factura nº 12536, datada de 25 de Setembro de 2007, vencida em 5 de Outubro de 2007, no montante de €14.894,50 (catorze mil oitocentos e noventa e quatro euros e cinquenta cêntimos); iv. Factura nº 12540, datada de 27 de Setembro de 2007, vencida em 7 de Outubro de 2007, no montante de €33.304,50 (trinta e três mil trezentos e quatro euros e cinquenta cêntimos); v. Factura nº 12542, datada de 28 de Setembro de 2007, vencida em 8 de Outubro de 2007, no montante de €5.799,50 (cinco mil setecentos e noventa e nove euros e cinquenta cêntimos). 4. Além das mencionadas em 3., a autora emitiu ainda as seguintes facturas, cujo teor consta de fls. 7 e 15: i. Factura nº 12489, datada de 23 de Julho de 2007, vencida em 03 de Agosto de 2007, no montante de € 57,75 (cinquenta e sete euros e setenta e cinco cêntimos); ii. Factura nº 12560, datada de 05 de Novembro de 2007, vencida em 15 de Novembro de 2007, no montante de €84,16 (oitenta e quatro euros e dezasseis cêntimos). 5. No dia 3 de Julho de 2007, a autora acordou com a ré fabricar uma encomenda de cerca de 2232 pares de botas, que teriam de ser entregues impreterivelmente até às 18 horas do dia 14 de Setembro de 2007. 6. Tais pares de botas foram efectivamente entregues no transitário nas seguintes datas: -172 pares no dia 18/9/2007; -662 pares no dia 21/9/2007; -380 pares no dia 25/9/2007; -850 pares no dia 27/9/2007; -148 pares no dia 28/9/2007. 7. A factura referida em 4.ii diz respeito a testes de verificação. 8. A entrega das botas encomendadas pela ré nas datas indicadas em 6. fez com que esta não pudesse cumprir os prazos de entrega nas lojas suas clientes; 9. Tendo, por isso, ficado com 597 pares em armazém; 10. No valor de € 22.696,00. 11. Em consequência da entrega nas aludidas datas das botas encomendadas à autora, a ré teve que fazer descontos para que alguns clientes ficassem com as mesmas. 12. E perdeu lucros.” 5. Cumpre conhecer do recurso. Está apenas em causa saber se o acórdão recorrido deveria ou não ter declarado a compensação entre o crédito da autora (€34.828,95) e a “diferença entre € 22.696,00 e a importância que se lograr obter com a venda dos 597 pares de calçado, em montante que vier a ser liquidado” somada “ Aos descontos e aos lucros, referidos nos nºs 11 e 12 dos factos, de montante que vier a ser liquidado”.
6. Contrariamente ao que se entendeu no acórdão recorrido, não podem tratar-se da mesma forma a recusa de pagamento do valor correspondente aos 597 pares de botas com que a ré ficou em armazém, € 22.696,00 (pontos 9 e 10 da lista de factos provados) e a indemnização que a ré pretende, por causa dos descontos que teve de realizar e dos lucros que perdeu (pontos 11 e 12 da mesma lista) Lida atentamente a contestação, verifica-se que a ré BB BV não opôs a compensação entre o crédito peticionado pela autora e a quantia que alegou corresponder ao preço dos referidos 597 pares de botas, em consequência de não ter sido respeitado o prazo de 14 de Setembro de 2007. Muito diferentemente, a ré alegou não dever à autora “a quantia de 22.690,00 € relativa aos 597 pares de botas (…) (cfr. artigo 21º da contestação); como frisou e explicou nas alegações apresentadas na apelação, a ré estava então a opor a excepção de não cumprimento, sustentando, aliás, que a sentença a não tinha apreciado. E, invocando expressamente o disposto no artigo 428º do Código Civil, concluiu: “A douta sentença deveria ter absolvido a Ré, ora recorrente, da obrigação de pagamento da quantia de 22.969,00 €. Assim dispõe o art. 428 do Código Civil" (conl. 4ª das citadas alegações). Ora, como se observou no acórdão recorrido, não pode proceder a excepção de não cumprimento. Tal como se escreveu já no acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Setembro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 184/06.4TBTND.C1.S1), a excepção de não cumprimento, cujo objectivo é o de “paralisar temporariamente a pretensão da contraparte” (acórdão de Supremo Tribunal de 16 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 674/02.8TJVNF.S1), «traduz-se na faculdade, em cujo exercício o juiz se não pode substituir à parte, de recusar o cumprimento de uma obrigação contratual invocando a não realização, pela contraparte, de prestações “correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I vol. anotação ao artigo 428º do Código Civil), para cuja realização não haja prazos diferentes. Se procedente, conduz à absolvição do pedido, mas não definitiva (cfr. o artigo 673º do Código de Processo Civil, quanto ao alcance do caso julgado formado), pois não extingue o direito exercido pela parte contrária; sendo por este motivo doutrinalmente qualificada como excepção material dilatória, como todos sabemos, mas funcionando, no contexto do Código de Processo Civil, como excepção peremptória (cfr. artigo 493º, nº 2).» No caso, a prestação contratual da autora, a que correspondia a obrigação da ré de pagar o preço, foi realizada, embora depois do prazo acordado pelas partes; não tem cabimento pretender invocar a excepção de não cumprimento para recusar o pagamento parcial do preço. Também não foi alegado e provado pela ré a resolução do contrato, ainda que parcial, em virtude da qual lhe fosse possível recusar (definitivamente) o pagamento da parte do preço reclamada pela autora. O que está assente é que, por causa do atraso na entrega das botas encomendadas, a ré ficou “com 597 pares em armazém”, e que o seu valor é de € 22.696,00. Desta prova, e da pretensão da ré de ser absolvida do pagamento de tal quantia, o acórdão recorrido construiu como que um pedido de indemnização com fundamento em responsabilidade contratual da autora, que entrara em mora no dia marcado para o cumprimento (14 de Setembro de 2007), o que não tem qualquer suporte, nem na contestação, nem na matéria de facto provada. O acórdão recorrido relegou para liquidação o apuramento do “crédito correspondente ao (…) valor de facturação”, referindo-se à “importância que se lograr obter com a venda dos 597 pares de calçado”. Mas não tendo a ré deduzido nenhum pedido de indemnização por via reconvencional, não procedendo a excepção de não cumprimento nem tendo sido resolvido o contrato, só enquadrando na compensação de créditos um eventual crédito indemnizatório da ré é que o acórdão recorrido poderia ter decidido assim; todavia, a falta de manifestação de vontade da ré no sentido de fazer funcionar a compensação impede, desde logo (ou seja, sem que se torne necessário averiguar do preenchimento dos demais requisitos da compensação), a confirmação do acórdão recorrido, quanto a este ponto. A ré não opôs a compensação com um eventual crédito resultante da mora da autora. Carecendo a compensação de ser alegada pelo credor/devedor – nº 1 do artigo 848º do Código Civil –, nunca poderia o Tribunal substituir-se à ré e declarar a compensação com a “importância que se lograr obter com a venda dos 597 pares de calçado”; o que não significa, naturalmente, que a ré não tenha eventualmente direito a ser indemnizada pelos prejuízos decorrentes da mora; apenas que o não veio exercer nesta acção. 7. Diferentemente, a ré opôs a compensação com os créditos correspondentes aos “descontos no valor de 11.504,10 €” e aos lucros que diz ter perdido, “no valor de 11.504,10 €” (contestação e alegações da apelação). No entanto, apenas conseguiu provar que teve que fazer descontos e que perdeu lucros, em consequência dos atrasos na entrega das botas encomendadas (cfr. quesitos 9º e 10º, a. fls. 129, e respectivas respostas, a fls. 204 e segs.) Por esse motivo, o acórdão recorrido relegou para liquidação também a determinação do montante dos descontos e dos lucros perdidos, sustentando-se no nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil (cfr. nº 2 do artigo 378º, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março). No entanto, a possibilidade de condenação “no que vier a ser liquidado”, ali prevista, não tem cabimento quando não foram oportunamente alegados factos que sustentem a condenação, ou quando se não conseguiu fazer prova de tais factos, como sucedeu no caso presente. Como se disse por exemplo no acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Abril de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 08B0782) “A possibilidade de se remeter para liquidação posterior o montante da condenação, constante do nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil (…), numa sentença que condene no pagamento de uma indemnização, não se destina a ultrapassar a falta de prova de factos oportunamente alegados para demonstrar os prejuízos. Antes se destina a permitir a quantificação de danos que não seja viável no momento da sentença, seja por estar dependente de cálculos a efectuar, seja por não terem ainda cessado os danos a ressarcir (artigo 378º do Código de Processo Civil).” A ré, no caso, não efectuou nenhum pedido genérico, susceptível de ser tornado líquido. Pediu montantes determinados, até porque se referia a prejuízos já ocorridos quando contestou; apenas não logrou fazer a respectiva prova, assim inviabilizando a procedência do pedido de indemnização correspondente. Remeter para liquidação a determinação desses montantes significaria, no caso, permitir à ré, seja a alegação de factos concretos que haveriam de ter sido alegados na contestação (cfr. artigo 489º do Código de Processo Civil), seja a repetição da possibilidade de fazer a prova que não conseguiu alcançar no momento de que dispôs para o efeito.
8. Aqui chegados, torna-se inútil saber se estariam ou não reunidos os pressupostos para que pudesse ser declarada a compensação com os prejuízos resultantes dos descontos efectuados e dos lucros que a ré deixou de obter; como igualmente se torna desnecessário conhecer da questão de saber se tais créditos haveriam ou não de ter sido reclamados no processo de insolvência, suscitada pela autora nas alegações do recurso de revista.
9. Resta, assim, revogar o acórdão recorrido e condenar a ré nos mesmos termos em que a sentença da 1ª Instância a havia condenado, embora por fundamentos não totalmente coincidentes. Com efeito, e tal como se refere na sentença, está assente que a autora vendeu à ré calçado no valor de € 86.261,50, dos quais esta apenas pagou € 51.432,55. Cumpre-lhe assim pagar o preço restante, no montante de € 34.828,95, em cumprimento do contrato celebrado. A esta quantia acrescem os correspondentes juros de mora, limitados pelos termos pedidos pela autora (os juros de mora vencidos desde a data do último pagamento efectuado, 12 de Dezembro de 2007, até à data da entrada da petição inicial em juízo, 29 de Setembro de 2008, e os juros de mora que se vencerem desde a data da citação nesta acção até integral pagamento).
10. Assim, decide-se: a) Conceder provimento à revista, revogando o acórdão recorrido; b) Condenar a ré BB BV, no pagamento à Masssa Insolvente da autora AA, SA, da quantia de € 34.828,95, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, contados sobre o valor do capital, contabilizando-se os juros de mora vencidos desde 12 de Dezembro de 2007 até 29 de Setembro de 2008 e os que se vencerem desde a data da citação na presente acção até efectivo e integral pagamento do capital, à taxa de juro comercial, que em cada momento vigorar.
Custas pela recorrida. Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Março de 2012 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora) Lopes do Rego Orlando Afonso
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