Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
124/12.1TYLSB-A.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
INSÍGNIA DO ESTABELECIMENTO
NOME DE ESTABELECIMENTO
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
AÇÃO DE ANULAÇÃO
PRAZO DE CADUCIDADE
MÁ FÉ
REGISTO
MARCAS
SINAIS DISTINTIVOS
ANALOGIA
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL - MARCAS - NOME E INSÍGNIA DE ESTABELECIMENTO
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / NEGÓCIO JURÍDICO.
Doutrina:
- CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, 1997, 40, 100.
- CARVALHO FERNANDES, “A Nova Disciplina das Invalidades dos Direitos Industriais”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 63, 2003, 96 e ss..
- J. MOTA MAIA, Propriedade Industrial, I, 2003, 36.
- PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil” Anotado, III, 1984, 88.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 10.º, N.ºS 2 E 3, 287.º, N.º 1.
CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI/95), APROVADO PELO DL N.º 16/95, DE 24 DE JANEIRO: - ARTIGOS 5.º, N.ºS 3 E 4, 214.º, N.º5, 230.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12 DE MARÇO DE 2009, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT (PROCESSO N.º 09B0369);
-DE 15 DE ABRIL DE 2015, TAMBÉM ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT (PROCESSO N.º 267/2001.E2.S1).
Sumário :
I - A insígnia de estabelecimento, como sinal distintivo de comércio, à semelhança da marca, não pode deixar de influenciar o seu tratamento jurídico.

II - Assim, por analogia, deve considerar-se aplicável o prazo de dez anos, para a propositura da ação de anulação do registo do nome ou da insígnia de estabelecimento, no âmbito do CPI, aprovado pelo DL n.º 16/95, de 24-01.

III - Existindo aí um regime específico para casos semelhantes, pouco sentido faria a aplicação da norma geral, prevista no art. 287.º, n.º 1, do CC.

IV - Sem a alegação de matéria susceptível de consubstanciar a má fé do registo da insígnia do estabelecimento, não pode deixar de ser aplicável o prazo de caducidade de dez anos.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I – RELATÓRIO


El Corte Inglês, S.A., e El Corte Inglês – Grandes Armazéns, S.A., instauraram, em 20 de janeiro de 2012, no então 4.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa (2.º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual), contra AA – Sociedade Alimentar do Norte, S.A., ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo, entre o mais, a anulação do registo da insígnia de estabelecimento n.º 11 944, concedida à Ré.

Contestou esta, alegando a caducidade do direito, pelo decurso do prazo de um ano, contado a partir do registo.

Replicaram as AA., alegando que o prazo é de dez anos, que ainda não decorreu, para além do direito não prescrever no caso de registo de má fé.

Na audiência prévia, realizada em 11 de junho de 2015, foi proferido despacho segundo o qual foi declarada a caducidade do direito.

Inconformadas com este despacho, as AA. apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, em 24 de novembro de 2015, por acórdão maioritário, confirmou o despacho recorrido.


De novo inconformadas, as AA. recorreram, então, para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam essencialmente as conclusões:

a) O CPI/95 não fixou qualquer prazo de anulação de insígnia de estabelecimento, nem de nome de estabelecimento ou de logótipo.

b) Podendo ser invocável a todo o tempo ou, recorrendo à analogia, no prazo de dez anos.

c) O acórdão recorrido está em oposição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de abril de 2015 (7.ª Secção), transitado em julgado.

d) Atendendo à lógica do sistema da propriedade industrial, um regime especial, regulado por Código próprio, não se compreenderia que a lacuna seja integrada com recurso ao regime geral e não ao mesmo regime especial.

e) Isso, quando este regime contém a regulamentação aplicável à anulação de sinais distintivos de comércio, que afasta o regime geral de invalidação de negócios jurídicos e dos atos administrativos.

f) A norma que o legislador teria criado sobre o prazo e as outras condições de anulação das insígnias do estabelecimento, seria equiparada à anulação de marcas, prevista no art. 214.º, n.º s 5 e 6, do CPI/95.

g) Este regime deve ser aplicado, como um todo, às ações de anulação de insígnias de estabelecimento, dado ser a mesa ratio do regime das ações de anulação de marcas e de insígnias.

h) Ao aprovar o novo CPI, o legislador colmatou a lacuna, introduzindo, no regime aplicável às insígnias, o art. 229.º, n.º s 2 e 3.

i) Deverá, por isso, prevalecer a jurisprudência do acórdão fundamento.


Com a revista, as Recorrentes pretendem a revogação do acórdão recorrido e, em consequência, seja o julgado o pedido de anulação do regista da insígnia n.º 11 944.


Contra-alegou a R., no sentido de ser negada a revista.


Não admitida a revista excecional, o recurso foi distribuído como revista normal.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está em discussão apenas a caducidade do direito de anulação de insígnia de estabelecimento, na vigência do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo DL n.º 16/95, de 24 de janeiro.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. Para além do descrito, foi ainda dado como provado:


1. O registo da insígnia de estabelecimento da R., com o n.º 11 944, foi efetuado a 17 de outubro de 1996.


*****



2.2. Delimitada a matéria de facto provada, de acordo com o decidido pelas instâncias, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente da caducidade do direito de anulação do registo da insígnia de estabelecimento, no âmbito da vigência do Código da Propriedade Industrial (CPI/95), aprovado pelo DL n.º 16/95, de 24 de janeiro.

Embora as Recorrentes tivessem identificado o recurso interposto como revista excecional, rejeitada esta, foi admitida como revista normal, em conformidade com o disposto no art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), sendo certo que a decisão confirmativa da Relação teve um voto de vencido.


Na questão jurídica em discussão, as instâncias seguiram o entendimento de que o prazo de caducidade para a ação de anulabilidade do registo da insígnia de estabelecimento, no âmbito do CPI/1995, era de um ano, por aplicação do disposto no art. 287.º, n.º 1, do Código Civil (CC), entendimento sufragado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de março de 2009, acessível em www.dgsi.pt (Processo n.º 09B0369), e pelo estudo de CARVALHO FERNANDES, A Nova Disciplina das Invalidades dos Direitos Industriais, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 63, 2003, pág. 96 e segs.

Por sua vez, as Recorrentes, sustentando a aplicação do prazo de caducidade de dez anos, apoiam-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de abril de 2015, também acessível em www.dgsi.pt (Processo n.º 267/2001.E2.S1).

Definidos sumariamente os termos da discussão, importa tomar posição sobre o prazo da caducidade, ainda que tal não se mostre decisivo para decidir, em concreto, da questão da caducidade da ação de anulabilidade do registo da insígnia de estabelecimento.


Na verdade, o CPI/95 não estabeleceu, expressamente, um prazo de caducidade para a ação de anulabilidade do registo da insígnia de estabelecimento.

Na decorrência desse caso omisso, procedeu-se ao seu preenchimento mediante a remissão para o regime comum da anulabilidade, previsto no art. 287.º, n.º 1, do CC, considerando-se, nomeadamente, não haver razões justificativas para todos os direitos de propriedade industrial serem tratados da mesma maneira, como se entendeu no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de março de 2009.

Diverso, porém, foi o entendimento do também já mencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de abril de 2015, que, reconhecendo também o caso omisso, concluiu, no entanto, pelo prazo de caducidade de dez anos, por analogia, porquanto o nome e a insígnia, à semelhança da firma ou denominação social, marca, logótipo e denominação de origem, incluem-se no grupo dos sinais distintivos do comércio e, por isso, justificam o mesmo regime específico.

Reconhecida, por todos, a lacuna legal, impunha-se preenchê-la analogicamente, em conformidade com o disposto no art. 10.º do CC.

Nesse pressuposto, constituindo a insígnia de estabelecimento “qualquer sinal externo composto de figuras ou desenhos, simples ou combinados com os nomes ou denominações (…), ou outras palavras ou divisas, contanto que o conjunto apresente uma forma ou configuração específica, como elemento específico e característico” (art. 230.º, n.º 1, do CPI/95), revela-se na insígnia de estabelecimento uma clara natureza de singularidade e novidade, potenciadora de capacidade distintiva, muito à semelhança do que sucede com as marcas (J. MOTA MAIA, Propriedade Industrial, I, 2003, pág. 36).

O direito ao nome ou à insígnia, como um direito privativo da propriedade industrial, destinado socialmente a garantir a lealdade da concorrência, goza da mesma proteção legal que a marca (CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, 1997, pág. 100).

Na afirmação explícita das características da insígnia de estabelecimento, encontramos a sua essência, traduzida na sua função distintiva, de modo a individualizar o agente económico no mercado, da mesma forma que a marca serve para distinguir os produtos ou serviços, nomeadamente a sua proveniência (CARLOS OLAVO, Ibidem, pág. 40).

Esta particularidade da insígnia de estabelecimento, como sinal distintivo de comércio, à semelhança da marca, não pode deixar de influenciar o seu tratamento jurídico, nomeadamente em termos da sua equiparação.

Sendo o regime jurídico da marca o paradigma dos diversos sinais distintivos de comércio, incluindo o da insígnia de estabelecimento, como resulta, explicitamente, em matérias respeitantes às exceções à proteção do nome ou insígnia de estabelecimento (art. 231.º, n.º 1, alínea e), do CPI/95) ou à violação de direitos de nome e insígnia (art. 268.º, n.º 2, do CPI/95), com ambas as situações a remeterem diretamente para o regime jurídico da marca, justifica-se que este último também possa ser aplicável à insígnia de estabelecimento, nomeadamente na verificação de caso omisso.

Com efeito, perante a natureza e os fins dos sinais distintivos de comércio, o seu tratamento jurídico deve ser idêntico, sendo viável, por isso, o uso da analogia, nos termos do disposto no art. 10.º, n.º 2, do CC.

Ora, no âmbito do regime da marca, a ação de anulação podia ser proposta dentro do prazo de dez anos a contar da data do despacho de concessão do registo (art. 214.º, n.º 5, do CPI/95).

Esta norma, por outro lado, harmoniza-se ainda com a prevista no n.º 4 do art. 5.º do CPI/95, segundo a qual as ações de anulação, por registo anterior, só podiam ser admissíveis no prazo máximo de dez anos, sendo certo que o n.º 3 do mesmo artigo tanto se referia ao registo de marca como ao registo da insígnia de estabelecimento, o que contribui, também, para a aplicação de um regime comum.

Assim, e numa perspetiva de unidade sistemática, deve considerar-se aplicável o prazo de dez anos para a propositura da ação de anulação do registo do nome ou da insígnia de estabelecimento, no âmbito do CPI/95.

Aliás, existindo um regime específico para casos semelhantes, nomeadamente no CPI/95, pouco sentido faria a aplicação da norma geral, prevista no art. 287.º, n.º 1, do CC, quanto ao prazo da propositura da ação de anulação do nome ou da insígnia de estabelecimento.


De resto, na versão inicial do CPI/2003, aprovado pelo DL n.º 36/2003, de 5 de março, previa-se, no capítulo do nome e da insígnia de estabelecimento, que a ação de anulação devia ser proposta no prazo de dez anos a contar da data do despacho de concessão do registo (art. 299.º, n.º 2).

Esse mesmo prazo continuou a manter-se depois das alterações introduzidas ao CPI pelo DL n.º 143/2008, de 25 de julho, o qual procedeu, designadamente, à fusão das três modalidades de direitos de propriedade industrial (nomes, insígnias de estabelecimento e logótipos) num só, ou seja, no do logótipo (art. 304.º-R).

Aliás, na versão ainda primitiva do CPI, regulava-se serem aplicáveis aos logótipos, com as necessárias adaptações, as disposições relativas aos nomes e insígnias de estabelecimento (art. 304.º), num tratamento comum específico, salvaguardado, expressamente, pelo n.º 1 do art. 1303.º do CC, ao estabelecer que a propriedade industrial está sujeita a legislação especial, e onde se compreende, naturalmente, a insígnia de estabelecimento (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, III, 1984, pág. 88).

 Para além do tratamento específico concedido à matéria da propriedade industrial, as soluções legislativas, neste âmbito, têm de ser encontradas na sua regulação específica, dada a especialidade do direito da propriedade industrial, de modo a conservar-se, justificadamente, a coerência do regime normativo.

Neste contexto, é possível afirmar ainda que, mesmo não existindo um caso análogo para a integração da lacuna em causa, era possível resolver a situação segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema, de acordo com o segundo critério plasmado no n.º 3 do art. 10.º do CC.

Assim, como se realça no mencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de abril de 2015, se houvesse de legislar, o intérprete estabeleceria um prazo de dez anos para a propositura da ação de anulação do nome ou da insígnia de estabelecimento, como aliás veio a suceder com o CPI/2003.

Nesta conformidade, está excluída, portanto, a aplicação do prazo geral previsto no art. 287.º, n.º 1, do CC, para a propositura da ação de anulação do nome ou da insígnia de estabelecimento, dissentindo-se do sentido do acórdão recorrido.

 

No entanto, não obstante a aplicação, ao caso, do prazo de caducidade de dez anos, também este prazo já estava transcorrido, quando as Recorrentes, em 20 de janeiro de 2012, propuseram a ação de anulação do registo da insígnia de estabelecimento n.º 11 944, concedido à Recorrida.

Na verdade, tendo o registo sido efetuado em 17 de outubro de 1996, é manifesto ter caducado, há muito tempo, o direito de pedir a anulação do registo da insígnia do estabelecimento da Recorrida, com o n.º 11 944.


Por outro lado, é certo inexistir prazo para o caso do registo de má fé. Todavia, ocorre que as Recorrentes não alegaram matéria suscetível de consubstanciar má fé, no registo da insígnia do estabelecimento da Recorrida, nomeadamente no artigo 33.º da réplica, não deixando, por isso, de ser aplicável, ao caso sub judice, o prazo de caducidade de dez anos, já transcorrido.

 

Consequentemente, com a verificação da caducidade, extinguiu-se o direito invocado, nesta parte, na ação, o que importa a absolvição da Recorrida do correspondente pedido.

Nestes termos, ainda que por diferente motivação, justifica-se a confirmação da decisão recorrida, negando-se por conseguinte a revista.  


2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. A insígnia de estabelecimento, como sinal distintivo de comércio, à semelhança da marca, não pode deixar de influenciar o seu tratamento jurídico.

II. Assim, por analogia, deve considerar-se aplicável o prazo de dez anos, para a propositura da ação de anulação do registo do nome ou da insígnia de estabelecimento, no âmbito do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo DL n.º 16/95, de 24 de janeiro.

III. Existindo aí um regime específico para casos semelhantes, pouco sentido faria a aplicação da norma geral, prevista no art. 287.º, n.º 1, do Código Civil.

IV. Sem a alegação de matéria sucetível de consubstanciar a má fé do registo da insígnia de estabelecimento, não pode deixar de ser aplicável o prazo de caducidade de dez anos.


2.4. As Recorrentes, ao ficarem vencidas por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Negar a revista, confirmando a decisão do acórdão recorrido.


2) Condenar as Recorrentes a pagar as custas.


Lisboa, 23 de junho de 2016


Olindo Geraldes (Relator)

Pires da Rosa

Lopes do Rego