Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
905/05.2TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
INTERPRETAÇÃO DE ACORDO JUDICIAL
FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
Data do Acordão: 06/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. V, 143.
- José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 645 e ss..
Legislação Nacional:
DECRETO-LEI N.º 143/99, DE 30 DE ABRIL (RLAT): - ARTIGOS 1.º, N.º 1, 2.º, ALÍNEA A), E 71.º.
DECRETO-LEI Nº 142/99, DE 30 DE ABRIL, NA VERSÃO QUE LHE FOI CONFERIDA PELO REFERIDO DECRETO-LEI Nº. 185/2007: - ARTIGOS 1.º, N.ºS 1, AL. A), 4, 5 E 6.
LEI Nº 100/97, DE 13/9 (LAT – REGIME JURÍDICO DOS ACIDENTES DE TRABALHO E DAS DOENÇAS PROFISSIONAIS): - ARTIGOS 18.º, 39,º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 10/9/2008 E 10/12/2008, PROCESSOS NºS 6/2008 E 3084/2008, E DE 9/9/2009, PROCESSO N.º 09S0159, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
-DE 17/06/2010, PROCESSO Nº 675/2001, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I – Sendo de concluir do teor do acordo realizado na pendência da fase contenciosa dos autos que a Seguradora assumiu a responsabilidade a título subsidiário pelo pagamento da pensão normal devida aos filhos do sinistrado falecido, e que a entidade empregadora assumiu a responsabilidade a título principal pelo pagamento das pensões agravadas, nos termos do artigo 18º, da Lei nº 100/97, de 13/9, conforme havia declarado na tentativa de conciliação da fase conciliatória, cuja posição foi confirmada no acordo, e tendo a empregadora sido declarada insolvente, deve o F.A.T. assumir a responsabilidade pelo pagamento do diferencial entre a pensão paga pela Seguradora e a devida pelo agravamento.

II – A responsabilidade do Fundo de Acidentes de Trabalho deve ser aferida em função da legislação em vigor à data em que ocorreu o acidente de trabalho, que vitimou o sinistrado, pelo que tendo o acidente ocorrido em 13/12/2004, não se aplica, ao caso sub judice, a alteração introduzida no respectivo regime jurídico pelo Decreto Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio.
Decisão Texto Integral:


ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – 1. No dia 18 de Fevereiro de 2005, a AA – Companhia de Seguros, S.A., participou no Tribunal do Trabalho de Lisboa um acidente que vitimou mortalmente BB, ocorrido em 13 de Dezembro de 2004, quando este prestava a sua actividade sob as ordens, direcção e fiscalização da CC – …, Lda.

Frustrada a tentativa de conciliação, realizada na fase conciliatória dos autos, vieram:

- DD e
- EE, patrocinados pelo MP, e

Enquanto beneficiários do sinistrado falecido, demandar os Réus:

1. AA – …, S.A.[1],
2. CC – …, Lda., e
3. Fundo de Acidentes de Trabalho, devido à situação de insolvência entretanto declarada da 2.ª Ré “CC”,

Pedindo a reparação do acidente de trabalho participado nos presentes autos e deduzindo os pedidos de fls. 183 a 187.
Alegaram para tanto que, no dia 13/12/2004, o falecido BB foi vítima de um acidente quando trabalhava sob a autoridade, direcção e fiscalização da 2ª Ré CC, cuja responsabilidade por acidentes de trabalho estava transferida para a 1ª Ré AA – Cª de Seguros, S.A.
       Assim, e tendo a morte do seu falecido pai ocorrido em consequência das lesões do acidente têm direito a pensão por serem filhos do sinistrado.
2. Os Réus Fundo de Acidentes de Trabalho (designado nos autos por F.A.T.) e a Seguradora “AA” apresentaram contestação, nos termos que constam de fls. 296/300 e 310/313.

3. Teve lugar uma tentativa de conciliação, em 28-11-2012, na qual, após aceitarem a fixação de um elenco de factos, as partes acordaram no seguinte:

«As partes aceitam os termos da conciliação expressa no auto de conciliação com a rectificação que a responsabilidade emergente do acidente de trabalho estava transferida pela totalidade da retribuição anual para a Companhia de Seguros (€ 6.868,08), bem como a sua responsabilidade a título subsidiário, e com a rectificação do valor da pensão anual e temporária a seu cargo cujo valor é de € 2.747,23, aos filhos do sinistrado.
Consideram deste modo prejudicado os montantes da prestação mensal de € 507,23 a cargo da entidade empregadora.
A Cª de Seguros aceita pagar, como decorre da lei, o subsídio por morte aos filhos do sinistrado, no valor de € 4.387,20, e no âmbito da sua responsabilidade subsidiária.
A Cª de Seguros aceita pagar a quantia de € 20,00 de transportes.
O F.A.T. assumirá futuramente eventual responsabilidade nos termos legais decorrendo destes a não assunção do pagamento de prestações por responsabilidade agravada - (cf. fls. 374; sublinhado nosso).
4. Seguidamente, pela MM.ª Juíza da 1.ª Instância foi proferido despacho a considerar válido o acordo, com o seguinte teor na parte que ora releva:
 
«Verificada a capacidade das partes e a legalidade do presente acordo por o mesmo estar de acordo com as regras imperativas da Lei dos Acidentes de Trabalho, considero o mesmo válido.»

5. Posteriormente, foi junta a certidão da sentença que, em 28/10/2010, declarou a insolvência da 2ª Ré CC – …, Lda. – cf. fls. 379/385.

6. Foi determinada a notificação do F.A.T., sob promoção do MP, para dizer o que tivesse por conveniente em face dos termos do acordo de fls. 374, lavrado no auto de tentativa de conciliação (designadamente no último parágrafo).

Na sequência dessa notificação, veio o mesmo alegar que não era responsável pelo pagamento de prestações por responsabilidade agravada e que a Ré Companhia de Seguros “AA” assumiu a responsabilidade a título subsidiário pela totalidade da retribuição auferida pelo sinistrado, informando que nenhuma responsabilidade deverá ser por si assumida no âmbito dos presentes autos de acidente de trabalhocf. fls. 390.

7. Notificada a Ré Seguradora para comprovar o pagamento das quantias determinadas na decisão de fls. 374, em face do acordo referido no ponto 3), veio a mesma informar que apenas liquidou a verba referente ao subsídio por morte e transportes aos herdeiros do falecido (juntando documentos comprovativos), por considerar, no que concerne ao pagamento de pensões temporárias aos filhos do sinistrado, que o seu pagamento é da responsabilidade do F.A.T. – cf. fls. 437.

8. Ouvido de novo o F.A.T., veio esta entidade reiterar o seu entendimento no sentido de que:
«Não é devida qualquer quantia pelo F.A.T. nos presentes autos, atendendo a que as pensões devidas aos filhos do sinistrado ficaram a cargo da Seguradora, na qualidade de responsável subsidiária (face à insolvência da entidade empregadora).» - cf. fls. 443.

7. Por sua vez o Ministério Público pronunciou-se no sentido de “nada ter a opor ao requerido pelo F.A.T.”, mas aduzindo o seguinte:

«Em conformidade com o acordo de fls. 370 e segts., requer a condenação da Cª de Seguros nos pagamentos que ali expressamente assumiu, a incluir os pagamentos das pensões anuais e temporárias aos beneficiários legais do sinistrado» – cf. fls. 452.

E em novo requerimento apresentado na mesma data, veio requerer que:

“1- Se considere a não oposição ao requerido pelo F.A.T., a fls. 443, formu-lada no anterior requerimento como referente à responsabilidade subsidiária da Cª de Seguros.
2- Assim, e na sequência do já requerido a fls. 439, deverá o F.A.T. considerar-se responsável pela diferença entre as prestações normais e as agravadas, face ao acordo de fls. 370 e segts., e ao que ficou exarado nos autos de tentativa de conciliação de fls. 263 e segts (cf. Acórdão STJ, de 17/6/2010, in www.dgsi.pt)» – cf. fls. 454.

8. O F.A.T. veio de novo afirmar, a fls. 460, que «não é devida qualquer quantia a título de pensões agravadas pelo F.A.T. nos presentes autos

9. Pela MM.ª Juíza da 1.ª Instância foi então proferida a seguinte decisão:

“Veio o Fundo de Acidentes de Trabalho (F.A.T.) dizer que não deve qualquer quantia nos presentes autos aos filhos do sinistrado que ficaram a cargo da Companhia de Seguros.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser aquele responsável pela diferença entre as prestações normais e as agravadas em face do que ficou exarado no acordo de fls. 370 e segts.
Notificado reitera o F.A.T. que do acordo resulta a não assunção por este pelo pagamento das prestações por responsabilidade agravada.
Cumpre decidir.

Resulta da acta de tentativa de conciliação (fls. 370-375) que as partes aceitaram “os termos da conciliação expressa no auto de conciliação com a rectificação que a responsabilidade emergente do acidente de trabalho estava transferida pela totalidade da retribuição anual para a Companhia de Seguros (€ 6.868,08), bem como a sua responsabilidade a título subsidiário e com a rectificação do valor da pensão anual e temporária a seu cargo, cujo valor é de € 2.747,23, aos filhos do sinistrado”.

Os termos do acordo, que terá sempre de respeitar as regras legais imperativas, remete assim para os termos do auto de conciliação da fase conciliatória, que se encontra a fls. 263-269, desta decorrendo expressamente o pagamento apenas a título subsidiário das prestações aos filhos do sinistrado.

No caso, o acidente de trabalho ocorreu em 13 de Dezembro de 2004, ou seja, ainda na vigência da redacção original do artigo 1º, do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, em que pacificamente se entendia que o Fundo de Acidentes de Trabalho assumia a responsabilidade pelo pagamento das prestações agravadas ou, existindo responsabilidade subsidiária da Seguradora, pelo respectivo diferencial.
O Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, veio conferir nova redacção ao artigo 1º, n.º 5, daquele diploma legal, vindo a afastar a responsabilidade do Fundo de Acidentes de Trabalho pelo pagamento das denominadas “prestações agravadas”.
Com efeito, ali se dispõe que “(V)erificando-se alguma das situações referidas no n.º 1 do artigo 295º, e sem prejuízo do n.º 3 do artigo 303º, todos da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, o F.A.T. responde apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa”.

Como se sumariou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.06.2010, domiciliado em www.dgsi.pt:
 (…) III – Todavia intui-se do modo como o legislador se exprimiu que a norma, na lei nova, limita a responsabilidade do F.A.T., ao mesmo tempo que não tem por objecto regular directamente situações jurídicas constituídas antes da sua entrada em vigor, ou seja, situações emergentes de acidentes de trabalho anteriormente ocorridos.
 IV – Por isso, em caso de acidente de trabalho ocorrido em data anterior à da entrada em vigor do DL n.º 185/2007, de 30 de Maio, e verificada a situação de impossibilidade de a entidade primitivamente responsável pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho proceder ao pagamento das prestações agravadas, mantém-se a obrigação do F.A.T. de assegurar este pagamento ou o seu diferencial, caso haja responsável solidário”.

Assim, tendo o acidente dos autos ocorrido em data anterior à alteração do artigo 1º, do Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10.05, não existem dúvidas que o Fundo de Acidentes de Trabalho é responsável pelo pagamento das prestações agravadas ou pelo seu diferencial no caso de existir responsável subsidiário.
As regras que acabámos de enunciar são imperativas, tal como aquelas que regulam os acidentes de trabalho.

O Fundo de Acidentes de Trabalho invoca que terá sido acordado coisa diferente, o que se mostra irrelevante em face do regime legal imperativo.
Contudo, entendemos que, pese embora os termos contraditórios que constam da declaração que aí consta, deverá entender-se que prevalece a primeira parte quando refere que: “O F.A.T. assumirá futuramente eventual responsabilidade nos termos legais”.
Com efeito, com a segunda parte – “decorrendo destes a não assunção do pagamento de prestações por responsabilidade agravada” – reporta-se seguramente à lei vigente à data da conciliação. Contudo, verificando-se que à data do acidente era vigente lei que tal contraria, é esta necessariamente a aplicável.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos deve o Fundo de Acidentes de Trabalho, considerando a data em que o acidente ocorreu, pagar as prestações aos beneficiários nos termos que decorrem do artigo 1º, do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, antes da redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10.05.» – cf. fls. 466-469 (sublinhado nosso).

10. Inconformado com esta decisão, o F.A.T. interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido Acórdão, em 22 de Fevereiro de 2017, no qual decidiu nos seguintes termos:

«Pelo exposto se acorda em julgar parcialmente procedente o recurso, alterando o despacho recorrido no sentido de determinar que o F.A.T. pague aos beneficiários o diferencial entre a pensão agravada e a pensão normal, sendo esta (a pensão normal) paga pela R. AA, Cª de Seguros, S.A – (sublinhado nosso).

11. De novo inconformado o F.A.T. interpôs revista, na qual formulou as seguintes conclusões:

1. Por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 22-02-2017, foi determinado que o F.A.T. pague aos beneficiários do sinistrado o diferencial entre a pensão agravada da responsabilidade da entidade patronal e a pensão normal da responsabilidade da “AA – Companhia de Seguros, S.A.”
2. Entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que a questão colocada no recurso interposto pelo F.A.T. se reconduz à interpretação dos termos em que ficou consignado o acordo celebrado pelas partes em primeira instância, designadamente quanto à responsabilidade do F.A.T.
3. Na acção emergente de acidente de trabalho proposta pelos beneficiários DD e EE, contra a entidade patronal “CC – …, Lda.”, a “AA – Companhia de Seguros S.A.” e o “F.A.T.” (face à situação de insolvência da entidade patronal), foi determinada a realização de uma tentativa de conciliação, atenta a posição assumida pelas partes nas respectivas contestações.
4. A diligência em causa realizou-se, em 28-11-2012, tendo sido presidida pela MMª Juíza do Tribunal do Trabalho e estado presentes todas as partes do processo.
5. Resulta da acta de tentativa de conciliação elaborada que as partes chegaram a acordo quanto a toda a factualidade relativa ao acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado, quanto à transferência da responsabilidade para a Seguradora da totalidade da retribuição auferida pelo sinistrado, no montante de anual de 6.868,08 €, e quanto ao facto de o acidente de trabalho em causa se ter devido à omissão por parte da entidade patronal das regras de segurança no trabalho.
6. Atenta a transferência da responsabilidade para a Seguradora, esta última aceitou proceder ao pagamento aos beneficiários do sinistrado de uma pensão anual e temporária, no montante de 2.747,23 €, bem como do subsídio por morte, no montante de 4.387,20 €, e a quantia de 20,00 €, a título de despesas de transportes.
7. Relativamente à responsabilidade do F.A.T., ficou a constar que este último assumiria futuramente a eventual responsabilidade nos termos legais decorrendo destes a não assunção do pagamento de prestações por responsabilidade agravada.
8. Face ao acordo alcançado, foi imediatamente proferido despacho, nos termos do qual foi o acordo considerado válido e conforme as regras imperativas da Lei dos Acidentes de Trabalho.
9. Entendeu, assim, a MMª. Juíza do Tribunal do Trabalho que o F.A.T. não era responsável pelo pagamento das prestações devidas aos beneficiários correspondentes ao agravamento das pensões, entendimento esse que não mereceu qualquer contestação por parte do Digno Magistrado do Ministério Público que patrocina os beneficiários.
10. Decorridos quatro anos desde a data em que foi celebrado o acordo mencionado, veio o mesmo Tribunal do Trabalho, por despacho proferido em 24-11-2016, entender que o F.A.T. é agora responsável pelo pagamento aos beneficiários do sinistrado das prestações agravadas.
11. Ainda nos termos do referido despacho, o acordo celebrado entre as partes, em 28-11-2012, foi classificado como "irrelevante" face ao regime legal imperativo, o qual estabelece que o F.A.T. é responsável pelo pagamento de prestações agravadas em relação a acidentes de trabalho ocorridos antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 185/2007, de 10 de Maio.
12. Inconformado com a decisão, o F.A.T. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual veio a ser julgado parcialmente procedente, por Acórdão proferido em 22-02-2017, e do qual ora se recorre.
13. Entendeu aquele Tribunal da Relação que os termos da declaração do F.A.T. consignada no acordo celebrado se revelam manifestamente obscuros e equívocos, tendo o despacho que foi proferido, em 24-11-2016, procedido à sua interpretação.
14. Foi ainda considerado que, tendo havido acordo quanto à responsabilidade agravada da entidade patronal e encontrando-se esta última insolvente, deveria o F.A.T. proceder ao pagamento das prestações da responsabilidade da mesma (atenta a data em que ocorreu o acidente de trabalho dos autos), mas correspondentes ao diferencial entre estas e as pensões normais pagas pela Seguradora.
15. Não pode este Fundo conformar-se com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
16. A validade do acordo celebrado, em 28-11-2012, foi verificada pela MMª. Juíza, conforme decorre do despacho proferido e notificado às partes na mesma data.
17. Tendo o acordo sido celebrado por todos os intervenientes processuais, é forçoso concluir que se formou caso julgado relativamente ao acordado, vinculando-se as partes nos seus estritos termos.
18. Por isso, não poderá considerar-se "irrelevante" um acordo judicial celebrado entre as partes do processo, cuja validade e legalidade, conforme as regras imperativas da Lei dos Acidentes de Trabalho, foram verificadas pela MMª. Juíza do Tribunal do Trabalho.
19. É esse mesmo regime legal imperativo, face ao qual o acordo foi classificado como de "irrelevante", que anteriormente fundamentou a legalidade do mesmo.
20. Encontrando-se as partes abrangidas pelo caso julgado que se formou quanto à desresponsabilização do F.A.T. no pagamento das prestações agravadas, tal matéria consolidou-se no ordenamento jurídico, não podendo, por isso, ser objecto de decisão diversa, como pretendeu fazer o Tribunal de 1ª instância ao proferir o despacho datado de 24-11-2016.
21. Contrariamente ao invocado no Acórdão de que ora se recorre, o despacho proferido pelo Tribunal do Trabalho, em 24-11-2016, não veio proceder à interpretação da posição do F.A.T. constante do acordo celebrado, até porque tal interpretação nunca poderia ser juridicamente admissível mediante a prolação de um despacho após a transacção efectuada, e com os efeitos conferidos pela Lei nos termos do disposto no artigo 52º, nº 1, do CPT, aplicável por força do nº 2, do artigo 131º e do nº 2, do artigo 70º, todos do CPT.
22. O despacho de 24-11-2016 veio, outrossim, proceder à modificação do entendimento das partes constante do acordo celebrado em primeira instância, a qual nunca foi contestada pelo Ministério Público que assegura o patrocínio dos beneficiários do sinistrado.
23. Ora, não existia qualquer fundamento legal para o Tribunal do Trabalho voltar a apreciar a responsabilidade pelo pagamento das prestações devidas aos beneficiários do sinistrado, muito menos para modificar os termos em que essa responsabilidade se fixou por via do acordo celebrado, em 28-11-2012, o qual produz efeitos de caso julgado conforme o disposto no já mencionado artigo 52º, nº l, do CPT.
24. Se tal fosse admissível, estaríamos perante uma situação de violação do caso julgado constituído pela decisão proferida nos presentes autos.
25. Assim, não podia o Tribunal do Trabalho voltar a pronunciar-se sobre a assunção de responsabilidades por parte do F.A.T., proferindo nova decisão de mérito sobre a causa, invocando para o efeito a figura da "interpretação" da vontade das partes.
26. Nestes termos, deverá manter-se o acordado pelas partes em 28-11-2012, bem como o teor do despacho proferido na mesma data, nos temos do qual resulta a não assunção por parte do F.A.T. do pagamento de prestações por responsabilidade agravada.
27. Entende, assim, o Réu Recorrente Fundo de Acidentes de Trabalho que deverá o Acórdão recorrido ser revogado, decidindo-se pela não assunção por parte do F.A.T. do pagamento aos beneficiários das prestações por responsabilidade agravada, tal como resulta do acordo celebrado pelas partes, em 28-11-2012.

Conclui, assim, pedindo que se revogue o Acórdão ora recorrido, substituindo-o por outro que defira a pretensão do Recorrente.


12. Não foram apresentadas contra-alegações.

 Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação do Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2, e 679º, ambos do CPC.

Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.[2]


II – QUESTÕES A DECIDIR:

Em sede recursória, a questão suscitada consiste em saber se:

- O Fundo de Acidentes de Trabalho (F.A.T.) pode, ou não, ser responsa-bilizado pelo pagamento das prestações devidas aos beneficiários do sinistrado por responsabilidade agravada, por força do acordo lavrado no âmbito da tentativa de conciliação realizada nestes autos, em 28/11/2012, cuja validação judicial transitou em julgado.



Pretende-se, pois, saber se, in casu, o Acórdão recorrido viola o caso julgado formado pelo despacho judicial que declarou válido o acordo lavrado em 28/11/2012, referido supra, no ponto 3).

Analisando e Decidindo.


III – FUNDAMENTAÇÃO:

I – DE FACTO

- A Relação, para além dos factos mencionados no relatório do seu Acórdão, e que já foram mencionados no ponto anterior, teve em consideração também os seguintes:

1. O sinistrado BB foi vítima de um acidente de trabalho, em 13 de Dezembro de 2004, no período temporal compreendido entre as 14:00 e as 15:30 horas, em Lisboa, e no Hospital de ..., sito na Avenida Prof. ....
2. Tal acidente verificou-se quando o sinistrado prestava o seu trabalho de servente à sociedade "CC - Sociedade de Construções, Lda.", N.LP.C.: ..., com sede na Rua de …. ..., …., …, …, Lisboa, em execução de contrato de trabalho com esta celebrado e sob as suas ordens, direcção e fiscalização.
3. A entidade empregadora supra referida tinha a sua responsabilidade emergente do acidente de trabalho transferida para a Ca. de Seguros “AA, Companhia de Seguros, S.A.” em função da retribuição de € 400,00 X 14 meses e € 5,24 X 22 X 11, a perfazer o montante global de € 6.868,08.
4. O sinistrado, na ocasião do acidente, tinha a categoria de servente.
5. Na data do acidente o sinistrado auferia, em contrapartida do seu trabalho e como retribuição da sua entidade empregadora, € 400,00 X 14 meses, a título de retribuição base, acrescida de um subsídio de alimentação de € 5,24 X 22 X 11 meses (fls. 98), a perfazer o montante anual de € 6.868,08.
6. O sinistrado na manhã do dia do acidente, dia 13-12-2004, encontrava-se no terraço do 8.° piso do Hospital …, a serrar chapas metálicas que faziam parte da platibanda de cobertura que estava a ser substituída.
7. Logo a seguir ao almoço daquele dia, e entre as 14:00 e as 15:30 horas, o sinistrado dirigiu-se à cobertura do 9.° piso, porque precisava de um barrote para o auxiliar no trabalho que estava a executar.
8. E ao serviço da sua entidade empregadora.
9. O sinistrado pegou, então, num barrote e ao proceder ao transporte do mesmo na cobertura do 9.° piso, caiu da cobertura daquele 9.° piso para o patamar do piso 6.°, do serviço de cirurgia experimental do Hospital … (cf. a fotografia de fls. 42, com o n.° 10).
10. Queda que ocorreu do local referido nas fotografias de fls. 40 a 41, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
11. A queda em altura do sinistrado foi de cerca de 12 metros.
12. Queda que foi devida ao facto de o sinistrado trabalhar na cobertura do aludido 9.° piso, nas circunstâncias descritas no relatório, de fls. 30 a 36, da Inspecção-Geral do Trabalho, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13. Em consequência necessária de tal queda, o sinistrado sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 83 a 86, que lhe determinaram como consequência necessária e directa a morte, em 13 de Dezembro de 2004 (cfr. fls. 178).
14. A entidade empregadora do sinistrado não tomou as providências necessárias a evitar a queda do sinistrado da aludida cobertura.
15. A entidade patronal não identificou os riscos previsíveis por forma a eliminá-los ou reduzi-los.
16. A entidade patronal alheou-se do modo como funcionavam os trabalhos onde o sinistrado exercia as suas funções e bem assim das suas condições de segurança.
17. A entidade patronal não forneceu ao sinistrado a preparação e os conhecimentos necessários para poder operar com segurança naquele local.
18. A entidade patronal também não tomou medidas eficazes e com regras de forma a que a circulação das pessoas e do sinistrado, em cima da mencionada cobertura e a sua movimentação nos postos de trabalho, se efectuasse com segurança.
19. A actuação do sinistrado foi sempre desenvolvida segundo as ordens e com o conhecimento e consentimento da sua entidade empregadora.
20. Entidade empregadora que omitiu o cumprimento das normas de segurança no trabalho desenvolvido pelo sinistrado, no dia do acidente e na aludida cobertura, o que foi determinante na produção do acidente que veio a vitimar o sinistrado.
21. O sinistrado tinha à data da sua morte dois filhos, DD, nascida a … de … de 1994, e EE, nascido em … de … de 1996.
22. E porque no acordo lavrado em 28/11/2012 (referido no no ponto 3) deste relatório), as partes começaram por dizer que aceitavam os termos da conciliação expressa no auto de conciliação – querendo referir-se aos termos da proposta apresentada pelo MP na tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória dos autos (cf. fls. 266), embora sobre ela não tenha chegado a haver acordo, para melhor compreensão da matéria a decidir, vamos reproduzir também os termos dessa proposta, que tem o seguinte conteúdo:

«A Companhia de Seguros pagará, a título subsidiário, com início em 14-12-2004, as seguintes prestações normais (art. 49°, nº 7, do Decreto-Lei nº 143/99, de 30/04 e art. 37°, nº 2, da Lei nº 100/97, de 13/09):

1 - Aos filhos do sinistrado a pensão anual e temporária no valor de € 2.240,00, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos de idade, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior – arts. 20° nº 1, alínea c), da Lei 100/97, de 13-9 e 49°, nº 1, do Decreto-Lei nº 143/99, de 30-4.
2 - As referidas pensões serão pagas nos termos do art. 51°, n.º 1 e nº 2, do Decreto-Lei 143/99, de 30/04, mensalmente, até ao 3o dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual.
Os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada, da pensão anual, são respectivamente pagos os meses de Maio e Novembro de cada ano.
3 - A entidade Seguradora pagará, ainda, nos termos do art. 22°, n.º 1, al. b), da Lei 100/97, de 13/09, um subsídio por morte aos filhos do sinistrado, no valor de € 4387,20.
4 - O salário do dia do acidente já foi pago, bem como as despesas de funeral, daí não se reclamar o pagamento de tais quantias.
5 - A entidade empregadora pagará também aos filhos do sinistrado, a título de prestação normal, a pensão anual e temporária no valor de € 507,23, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos de idade, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior – arts. 20°, n.º 1, alínea c), e 37°, nº 3, da Lei 100/97, de 13-9 e 49°, nº 1, do Decreto-Lei n.º 143/99,de 30/04.
6 - Pensão correspondente à quota-parte da responsabilidade da retribuição não transferida de € 1268,08, correspondente ao subsídio de alimentação.
7 - As referidas pensões serão pagas nos termos do art. 51°, nº 1 e nº 2, do Decreto-Lei 143/99, de 30/04, mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual.
8 - Os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada, da pensão anual, são respectivamente pagos nos meses de Maio e Novembro de cada ano.

A entidade empregadora pagará, a título principal, com início em 14/02/2004, aos filhos do sinistrado, o seguinte:

a) - Aos filhos do sinistrado a pensão anual e temporária no valor de € 6.868,08, sendo € 3.434,04 para cada filho, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos de idade, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior – art. 20°, nº 1, alínea c), da Lei 100/97, de 13/09 e 49°, nº 1, do Decreto-Lei nº 143/99, de 30/04;
b) A entidade empregadora pagará, ainda, nos termos do art. 22°, nº 1, alínea b), da Lei 100/97, de 13/09, um subsídio por morte aos filhos do sinistrado, no valor de € 4.387,20;
c) As referidas pensões serão pagas nos termos do art. 51º, nº 1 e nº 2, do Decreto-Lei 143/99, de 30/04, adiantadas, e mensalmente até ao 3.° dia de cada mês, correspondendo, cada prestação, a 1/14 da pensão anual;
d) Os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada, da pensão anual são, respectivamente, pagos, nos meses de Maio e Novembro de cada ano.»
23. Já na fase contenciosa dos autos, realizou-se nova tentativa de conciliação, em 28-11-2012, na qual as partes acordaram no seguinte:
“As partes aceitam os termos da conciliação expressa no auto de conciliação com a rectificação que a responsabilidade emergente do acidente de trabalho estava transferida pela totalidade da retribuição anual para a Companhia de Seguros (€ 6.868,08), bem como a sua responsabilidade a título subsidiário, e com a rectificação do valor da pensão anual e temporária a seu cargo, cujo valor é de € 2.747,23, aos filhos do sinistrado.
Consideram deste modo prejudicado os montantes da prestação mensal de € 507,23, a cargo da entidade empregadora.
A Cª de Seguros aceita pagar, como decorre da lei, o subsídio por morte aos filhos do sinistrado, no valor de € 4.387,20, e no âmbito da sua responsabilidade subsidiária.
A Cª de Seguros aceita pagar a quantia de € 20,00, de transportes.
O F.A.T. assumirá futuramente a eventual responsabilidade nos termos legais, decorrendo destes a não assunção do pagamento de prestações por responsabilidade agravada.” – (sublinhado nosso).
24. Sobre o acordo referido no ponto anterior recaiu despacho judicial a considerar válido o acordo, com o seguinte teor, na parte que aqui releva:
«Verificada a capacidade das partes e a legalidade do presente acordo por o mesmo estar de acordo com as regras imperativas da Lei dos Acidentes de Trabalho, considero o mesmo válido.»
25.  Por sentença proferida, em 28-10-2010, e transitada em julgado, em 02-12-2010, foi declarada a insolvência da Ré “CC – Sociedade de Construções, Lda.”

 
II - DE DIREITO

1. A questão objecto do recurso consiste em saber se o Fundo de Acidentes de Trabalho (=F.A.T.) pode ser responsabilizado pelo pagamento, aos beneficiários do sinistrado, do diferencial entre a pensão agravada da responsabilidade da entidade patronal e a pensão normal da responsabilidade da Seguradora “AA” (actualmente “AA, Companhia de Seguros, S.A.”), em face do teor do último parágrafo do acordo celebrado pelas partes em 28-11-2012 (e inserido a fls. 373 e 374), acordo esse julgado válido por decisão proferida na mesma data e já transitada em julgado.

Ou seja: pretende-se saber se o Acórdão recorrido viola o caso julgado formado pelo despacho judicial que declarou válido o acordo lavrado em 28/11/2012, referido supra, no ponto 3).

Concretizando:

2. Resulta dos autos que o Tribunal da Relação de Lisboa após analisar o acordo, aqui em causa, decidiu nos termos referidos: determinando que o F.A.T. pagasse aos beneficiários do falecido o diferencial entre a pensão agravada e a pensão normal, sendo esta (a pensão normal) paga pela Ré “AA, Cª de Seguros, S.A.”.
E fê-lo, com a fundamentação que, em síntese, se transcreve:
(…)
“A proposta em causa era precisamente que a seguradora assumisse a responsabilidade a título subsidiário, pelo pagamento, com início a partir de 14/12/2004, de pensão normal (ou seja, não agravada) anual e temporária aos filhos do sinistrado (além das demais prestações que, para o que ora está em discussão, são irrelevantes) e, por outro lado, que a entidade empregadora assumisse a responsabilidade, a título principal, pelo pagamento desde a mencionada data, das pensões anuais e temporárias agravadas nos termos do art. 18º da LAT.
Houve, pois, acordo quanto ao agravamento das prestações.
Porque a empregadora foi declarada insolvente, cabe ao FAT, nos termos do art. 39º da Lei nº 100/97 e art. 1º, nº 1, al. a), do DL 142/99, de 30/4, garantir o pagamento das prestações que não podem ser pagas pela responsável principal, não estando, até à entrada em vigor do DL 185/2007, de 10/5 (11/5/2007, cf. respectivo art. 5º) excluído que essa substituição abranja as prestações agravadas nos termos do art. 18º da LAT. Com efeito, só com o nº 5, do art. 1º, do DL 142/99, aditado pelo aludido DL 185/2007, que, como bem se refere no Acórdão do STJ, de 17/6/2010, citado na decisão recorrida, não tem natureza interpretativa, o legislador veio afastar a garantia do FAT quanto ao pagamento das denominadas pensões agravadas. Porque aquele diploma apenas dispõe para o futuro, não pode obviamente ter aplicação no caso dos autos, uma vez que o acidente ocorreu antes da respectiva entrada em vigor. Neste sentido, decidiu o STJ, além de, no Acórdão referido, também em Acórdãos de 10/9/2008 e 10/12/2008, naquele citados.
A parte final da declaração efectuada pelo FAT na tentativa de conciliação, de 28/11/2012, depois de, na parte inicial, declarar assumir futuramente a eventual responsabilidade nos termos legais, torna a declaração manifestamente equívoca e, de algum modo, contraditória. Sibi imputet a obscuridade de tal proposição. Assumida que estava pela seguradora que a responsabilidade por acidentes de trabalho fora para si transferida pela totalidade da retribuição do sinistrado (retribuição base e subsídio de refeição), a assunção da responsabilidade do FAT feita na parte inicial da declaração (ainda que qualificada de eventual) só podia referir-se ao agravamento das prestações da responsabilidade do empregador uma vez que fora excluída a sua intervenção para garantir a responsabilidade da empregadora pela não transferência ao subsídio de refeição.
Não obstante a falta de clareza e aparente contradição daquela declaração  integrada no acordo, tendo o acordo sido validado por despacho judicial que não foi impugnado, não pode deixar de ser interpretado em conformidade com a lei. Porque o legislador não conferiu retroactividade ao nº 5, do art. 1º, do DL 142/99, introduzido pelo DL 185/2007, bem andou a Sr.ª Juíza ao interpretar o acordo, mormente na parte atinente à aludida declaração do recorrente, no sentido de que prevaleça a 1ª parte – ou seja, a assunção da responsabilidade pelo pagamento das pensões agravadas, daí não resultando violação do caso julgado.
Entendemos, todavia (o que não é explícito no despacho recorrido), que ao FAT apenas incumbe garantir o diferencial entre a pensão agravada e a pensão normal, devendo esta ser paga pela seguradora no âmbito da responsabilidade subsidiária, que assumiu no acordo julgado válido.”

Impõe-se, pois, saber, em face dos autos, qual a efectiva responsabilidade legal do Fundo de Acidentes de Trabalho.

3. O presente acidente de trabalho, do qual resultou a morte do sinistrado, ocorreu em 13-12-2004, ou seja, na vigência da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, (LAT) e do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (RLAT) e, ainda, do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril (diploma que criou o Fundo de Acidentes de Trabalho).

Decorre dos autos que existiu acordo entre os principais intervenientes quanto ao agravamento das prestações nos termos do art. 18.º, da LAT, uma vez que houve culpa da entidade empregadora na eclosão do acidente, facto que esta expressamente aceitou (cf. auto de conciliação da fase conciliatória, de 22-02-2011, que se encontra a fls. 263-269).

Porém, o que está em causa neste recurso de revista prende-se com a interpretação a fazer ao auto de conciliação, realizado em 28/11/2012, no qual as partes acordaram, e que é do seguinte teor:

        “As partes aceitam os termos da conciliação expressa no auto de conciliação com a rectificação que a responsabilidade emergente do acidente de trabalho estava transferida pela totalidade da retribuição anual para a Companhia de Seguros (€ 6.868,08), bem como a sua responsabilidade a título subsidiário, e com a rectificação do valor da pensão anual e temporária a seu cargo cujo valor é de € 2.747,23 aos filhos do sinistrado.
Consideram deste modo prejudicados os montantes da prestação mensal de € 507,23, a cargo da entidade empregadora.
A Cª de Seguros aceita pagar, como decorre da lei, o subsídio por morte aos filhos do sinistrado, no valor de € 4.387,20, e no âmbito da sua responsabilidade subsidiária.
A Companhia de Seguros aceita pagar a quantia de € 20,00 de transportes.
O F.A.T. assumirá futuramente eventual responsabilidade nos termos legais decorrendo destes a não assunção do pagamento de prestações por responsabilidade agravada.” – (sublinhado nosso).

A este propósito, adianta-se, desde já, que o acordo alcançado, nesta parte final, é manifestamente equívoco quanto à responsabilidade do F.A.T.

Com efeito, a primeira parte diz expressamente que aquele “assumirá futuramente a eventual responsabilidade pelo acidente que nos termos legaislhe venha a caber.
No entanto, resultando da segunda parte que “decorrendo destes a não assunção do pagamento de prestações por responsabilidade agravada”, fica-se com a ideia de que o F.A.T. nada teria de pagar.
Não é porém assim, conforme decidiu a Relação.

Na verdade, face à posição que o Administrador da insolvência da 2ª Ré empregadora tomou na tentativa de conciliação de fls. 269, em que aceitou a descrição fáctica do acidente constante daquele auto, e declarou que “a sua representada aceita conciliar-se nos precisos termos da proposta apresentada pelo MP, que consta de fls. 266, tal corresponde à assunção da responsabilidade agravada da entidade empregadora – 2ª Ré “CC” – em virtude do acidente ter resultado da violação de regras de segurança relevantes para a sua ocorrência, que a empregadora livre e expressamente assumiu.

Esta posição da empregadora foi confirmada na acta de conciliação realizada em 28/11/2012, pois constando dela que “as partes aceitam os termos da conciliação expressa no auto de conciliação”, deste texto só se pode extrair, com sentido útil, que a entidade empregadora, através do Administrador da insolvência, confirmou a assunção da responsabilidade agravada do acidente de trabalho que vitimou o falecido BB, conforme já havia declarado a fls. 269.
 
Por outro lado, na audiência de conciliação realizada em 28/11/2012, as partes também acordaram num conjunto de factos, donde se colhe, conforme refere o Tribunal da Relação que:
“A eclosão do acidente de que resultou a morte do sinistrado se deveu à circunstância de a empregadora não ter implementado as medidas de segurança necessárias para evitar quedas em altura, nem ter fornecido ao sinistrado os conhecimentos necessários para operar em segurança no local onde se desenrolava a respectiva actividade, omitindo o cumprimento das normas de segurança no trabalho, do que resulta que a responsabilidade pela reparação do acidente seja agravada nos termos do art. 18º, nº 1, recaindo sobre a empregadora e só subsidiariamente sobre a seguradora a responsabilidade pelas prestações normais, isto é, com base apenas na responsabilidade pelo risco, conforme dispõe o art. 37º, nº 2, ambos da L. 100/97 de 13/9, então vigente.”

Assim sendo, os termos do acordo realizado (em 28/11/12) permitem concluir que as partes aceitaram expressamente a proposta de conciliação que o MP havia apresentado na tentativa de conciliação, que teve lugar na fase conciliatória dos autos, com a rectificação decorrente da transferência da responsabilidade para a Seguradora ficar a abranger a totalidade da retribuição do sinistrado (ou seja, € 6.868,08) e não apenas a retribuição base, como fora inicialmente declarado por esta.
E por isso temos de concluir que, assumindo a Seguradora a responsabilidade a título subsidiário pelo pagamento da pensão normal aos filhos do sinistrado é porque se partiu do princípio que a entidade empregadora assumiu a responsabilidade, a título principal, pelo pagamento das pensões agravadas, nos termos do art. 18º da LAT.

Daí que, como sustenta o Tribunal da Relação, “houve, pois, acordo quanto ao agravamento das prestações”.

Assim sendo, e tendo o acidente ocorrido em 13/12/2004, data em que estava em vigor, desde 1 de Janeiro de 2000, a Lei nº 100/97, de 13/9, é possível igualmente concluir que cabe ao Fundo de Acidentes de Trabalho garantir o pagamento das prestações que não podem ser pagas pela responsável principal, conforme resulta do art. 39º, da citada Lei nº 100/97, conjugado com o art. 1º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 142/99, de 30/4 e artigos 1º, nº 1, 2º, alínea a), e 71º, todos do Decreto-Lei nº 143/99, também de 30/4.

Explicitando mais desenvolvidamente, com base no regime jurídico vigente:

4. Estabelece o n.º 1, do art. 39º, da Lei nº 100/97, de 13/9, que:

“A garantia do pagamento das prestações, por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas nos termos da presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, serão assumidas e suportadas por fundo dotado de autonomia administrativa e financeira, a criar por lei, no âmbito dos acidentes de trabalho”.

Foi para este efeito que o legislador decidiu criar o Fundo de Acidentes de Trabalho, abreviadamente designado por F.A.T., que funcionando junto do Instituto de Seguros de Portugal, garantia o pagamento das prestações que fossem devidas por acidentes de trabalho, sempre que não pudessem ser pagas pela entidade responsável, v.g., no caso de situação de incapacidade económica resultante de processo judicial de falência ou processo equivalente.

Essa competência atribuída legalmente ao Fundo de Acidentes de Trabalho decorre explicitamente não só do normativo legal citado, mas também do diploma que o criou, o Decreto-Lei nº 142/99, de 30 de Abril, que, na vigência da sua redacção original, e sob a epígrafe “Criação e competências do Fundo de Acidentes de Trabalho”, estatuiu no seu art. 1º, na parte que aqui interessa:

«1 - É criado o Fundo de Acidentes de Trabalho, dotado de autonomia administrativa e financeira, adiante designado abreviadamente por FAT, a quem compete:
a) Garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável; (…)»

Do disposto no citado normativo decorria, assim, que o Fundo de Acidentes de Trabalho assumia a responsabilidade pelo pagamento das prestações que fossem devidas por acidentes de trabalho, desde que verificadas as referidas circunstâncias de impossibilidade por parte da entidade responsável.

5. Conforme ressalta dos diplomas legais citados, nenhum deles previa restrições a essa garantia de pagamento das prestações a cargo do F.A.T. e que se mostrassem devidas por não terem sido satisfeitas pela entidade responsável por incapacidade económica.

Esta situação veio, porém, a ser alterada pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, que dando nova redacção a alguns preceitos do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, procedeu a ajustamentos no regime jurídico do F.A.T. e do seu âmbito de intervenção, tendo limitado as suas responsabilidades às previstas no artigo 296º do Código do Trabalho de 2003, delas excluindo o pagamento das indemnizações por danos não patrimoniais devido pela entidade empregadora, conforme preceituado no nº 4 do artigo 1º, bem como o pagamento da parte correspondente ao agravamento das pensões resultante da actuação culposa por parte da entidade empregadora, nos termos do seu nº 5.[3]

Contudo, este Decreto-Lei nº 185/2007 só entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 11/Maio/2007 (cf. seu art. 5º, nº 1).

Quer isto dizer que só em relação aos acidentes ocorridos a partir dessa data (11/05/2007) é que passou a estar excluído que a substituição da entidade responsável pelo F.A.T. abrangesse as prestações agravadas calculadas nos termos do art. 18º da LAT – Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, aprovado pela Lei nº 100/97, de 13/09.

Norma esta que prevê o cálculo das prestações devidas em caso de morte quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.

Por conseguinte, só em relação a acidentes posteriores a 11/5/2007 é que se exclui da responsabilidade do F.A.T. o pagamento das indemnizações por danos não patrimoniais devidos pela entidade empregadora, bem como o pagamento da parte correspondente ao agravamento das pensões quando o acidente resulte da sua actuação culposa, e juros de mora das prestações pecuniárias em atraso que sejam devidos pela entidade empregadora, conforme estatuído nos números 4), 5) e 6) do artigo 1º, do Decreto-Lei nº 142/99, de 30 de Abril, na versão que lhe foi conferida pelo referido Decreto-Lei nº. 185/2007.

Efectivamente, o regime deste diploma só vigora para futuro, conforme Jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal[4], pelo que o mesmo não pode abranger o acidente dos autos, porquanto, como se viu, o sinistro ocorreu em 13/12/2004, antes, portanto, da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 185/2007.

Destarte, tendo a 2ª Ré empregadora “CC” sido declarada insolvente (cf. sentença junta a fls. 379-385, transitada em julgado em 02-12-2010), nos termos do art. 39.º da Lei n.º 100/97, de 13/9[5], e art. 1.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, caberia ao FAT garantir o pagamento das prestações que não pudessem ser pagas pela referida Ré, incluindo as prestações agravadas.

Este Supremo Tribunal de Justiça teve, aliás, a oportunidade de afirmar, em diversos arestos desta Secção, que o n.º 5, do art. 1.º, do Decreto-Lei n.º 142/99, aditado pelo aludido Decreto-Lei n.º 185/2007, de 1º de Maio, não tem natureza interpretativa e que aquele diploma apenas dispõe para o futuro.

6. A este propósito pode ler-se no Acórdão do STJ, desta Secção, de 17/06/2010, citado parcialmente nos autos, nos pontos 7) e 9), que[6]:

“I – No domínio da vigência do art. 1.º, do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, na sua redacção original, era entendimento pacífico que o FAT assumia a responsabilidade pelo pagamento das prestações agravadas ou, havendo responsabilidade subsidiária de uma seguradora – circunscrita às prestações fundadas na denominada responsabilidade objectiva – pelo respectivo diferencial.
II – A nova redacção conferida ao art. 1.º, n.º 5, do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, introduzida pelo DL n.º 185/2007, de 10 de Maio, veio afastar a responsabilidade do FAT pelo pagamento das denominadas “pensões agravadas”.
III – Todavia, intui-se do modo como o legislador se exprimiu que a norma que, na lei nova, limita a responsabilidade do FAT, não tem a natureza de lei interpretativa, ao mesmo tempo que não tem por objecto regular directamente situações jurídicas constituídas antes da sua entrada em vigor, ou seja, situações emergentes de acidentes de trabalho anteriormente ocorridos.
IV – Por isso, em caso de acidente de trabalho ocorrido em data anterior à da entrada em vigor do DL n.º 185/2007, de 30 de Maio, e verificada a situação de impossibilidade de a entidade primitivamente responsável pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho proceder ao pagamento das prestações agravadas, mantém-se a obrigação do FAT de assegurar este pagamento ou o seu diferencial, caso haja responsável subsidiário.
V – O texto do art. 1.º, n.º 1, alínea a), do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, deve ser necessariamente compaginado com o texto do art. 39.º, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, o que significa que as prestações cujo pagamento o FAT assegura são apenas as contempladas naquele art. 39.º, nas quais se não inclui a indemnização por danos não patrimoniais.” – (sublinhado nosso).

Também no Acórdão do STJ, desta Secção, de 10-12-2008, proferido no âmbito do recurso n.º 3084/08, Relatado por Bravo Serra, se decidiu que:

“I – A responsabilidade do Fundo de Acidentes de Trabalho – que veio a suceder ao Fundo de Garantia e Actualização de Pensões – é legalmente desenhada em função da ocorrência de determinadas condições previstas na lei, sendo que, tratando-se de uma responsabilidade garantística ou subsidiária das obrigações decorrentes de um acidente de trabalho que eclodiu no domínio de uma dada legislação e que impendiam, em primeira via, sobre e entidade primitivamente responsável, será essa legislação a regente do caso.
II – O novel regime jurídico que veio a ser consagrado pelo Decreto Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, ao proceder à introdução do n.º 5 do art. 1.º, do Decreto Lei n.º 143/99, de 30 de Abril – nos termos do qual “o FAT responde apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa” –, por não poder ser perspectivado como tendo tido o desiderato de interpretar anteriores comandos legais, só deve ser considerado para os casos ocorridos após a entrada em vigor do primeiro dos indicados Decretos-Leis.
III – Condenada definitivamente a entidade empregadora a pagar “prestações agravadas” (por virtude da sua actuação culposa) aos beneficiários de um acidente de trabalho ocorrido no âmbito da vigência da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, caso essa entidade venha, posteriormente à condenação, a ser declarada insolvente, o Fundo de Acidentes de Trabalho é responsável pelo pagamento dessas mesmas prestações, não se aplicando ao caso a alteração introduzida no respectivo regime jurídico pelo Decreto Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio.” – (sublinhado nosso).

Cita-se, ainda, o Acórdão desta Secção do STJ, de 25-06-2008, proferido no recurso n.º 06/08, Relatado por Vasques Dinis, onde se pode ler que:
(…)
“II – Face ao regime estabelecido na primitiva redacção do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, maxime na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º, que reproduz, com ligeiras e não significativas diferenças de redacção, o texto do n.º 1 do artigo 39.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT), verificada a situação de incapacidade económica das entidades responsáveis pela reparação do acidente de trabalho, ao Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) incumbia efectuar o pagamento das prestações a que os lesados tinham direito, contemplando a obrigação de garantir o pagamento, em caso de terem sido fixadas prestações agravadas, dos respectivos montantes.
III – Com a publicação do Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, o FAT passou a responder apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa (n.º 5 do artigo 1.º).
IV – Não contendo esta lei nova (Decreto-Lei n.º 185/2007) qualquer disposição de que resulte a sua aplicação retroactiva, nem decorrendo da análise dos termos em que o legislador se expressou o intuito de regular directamente situações jurídicas constituídas antes da sua entrada em vigor, ou seja, situações emergentes de acidentes de trabalho anteriormente ocorridos, é de concluir que a mesma só dispõe para o futuro.
V – Por isso, verificada a situação de incapacidade económica das entidades responsáveis pela reparação do acidente de trabalho, mantém-se a obrigação do FAT de assegurar o pagamento das prestações agravadas em consequência de acidente de trabalho ocorrido em 7 de Fevereiro de 2001.” – (sublinhado nosso).


Pode, assim, concluir-se, na senda da citada Jurisprudência, que o n.º 5, do art. 1º, do Decreto-Lei n.º 142/99, aditado pelo aludido Decreto-Lei n.º 185/2007, não pode ter aplicação no caso dos autos, uma vez que o acidente de trabalho aqui em causa ocorreu antes da entrada em vigor do respectivo diploma.

7. Por outro lado, no último parágrafo do acordo alcançado pelas partes na tentativa de conciliação de 28/11/2012, fez-se constar que:
«O F.A.T. assumirá futuramente eventual responsabilidade nos termos legais decorrendo destes a não assunção do pagamento de prestações por responsabilidade agravada.»

Ora, como bem refere o Acórdão recorrido, a parte final da citada declaração efectuada pelo F.A.T., depois de, na parte inicial, declarar assumir futuramente a eventual responsabilidade nos termos legais, torna a declaração manifestamente equívoca e, até, contraditória.

Com efeito, tendo a Seguradora então assumido que a responsabilidade por acidentes de trabalho fora para si transferida pela totalidade da retribuição do sinistrado (retribuição base e subsídio de refeição), a assunção da responsabilidade do F.A.T. feita na parte inicial da declaração (ainda que qualificada de eventual) só podia referir-se ao agravamento das prestações da responsabilidade da empregadora e que esta assumiu, livremente, por ter considerado que o acidente resultou do facto de, ela própria, enquanto empregadora, não ter adoptado as providências necessárias para evitar a queda do sinistrado da aludida cobertura, ter omitido o cumprimento das normas de segurança no trabalho e o demais que a matéria de facto provada nos dá conta nos pontos nºs 14) a 20).  

Ou seja, a empregadora, 2ª Ré, assumiu a responsabilidade agravada nos termos do art. 18º, nº 1, da LAT, pela reparação do acidente.

Daí resulta que, tendo sido declarada insolvente a entidade responsável a título principal, ao F.A.T. incumbe garantir o diferencial entre a pensão agravada e a pensão normal da responsabilidade da Seguradora, conforme decidiu o Acórdão recorrido sem que a Seguradora a tal se tivesse oposto ou reagido.

Efectivamente, não se antevê que outras prestações poderiam então eventualmente ficar a cargo do F.A.T. senão as que resultam do agravamento da responsabilidade a cargo da empregadora.

Pelo que, não obstante a validação judicial do acordo do qual consta a sobredita declaração do F.A.T., entendemos, tal como as instâncias o fizeram nesta parte, que tal acordo não pode deixar de ser interpretado em conformidade com a lei em vigor.

E assim sendo, não tendo o legislador conferido retroactividade ao n.º 5, do art. 1.º, do Decreto-Lei n.º 142/99, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, bem andou o Tribunal da Relação ao interpretar o acordo de 28-11-2012 no sentido da assunção, pelo F.A.T., de garantir o pagamento do diferencial entre a pensão agravada da responsabilidade da empregadora insolvente e a pensão normal da responsabilidade da Seguradora.

Fazendo prevalecer, dessa forma, a 1.ª parte da aludida declaração do F.A.T., sem que daí resulte qualquer violação do caso julgado.

8. Destarte, improcede a revista, devendo o Fundo de Acidentes de Trabalho Recorrente satisfazer a parte restante da pensão que legalmente cabe aos beneficiários nos termos definidos.


IV – DECISÃO:

- Termos em que se acorda em negar a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.

- Custas a cargo do Recorrente.

- Anexa-se sumário do presente Acórdão.


Lisboa, 22 de Junho de 2017


Ana Luísa Geraldes (Relatora)


Ribeiro Cardoso


Ferreira Pinto

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[1] Actualmente com a denominação de “AA, Companhia de Seguros, S.A.”.
[2] Cf. neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 645 e segts., reiterando a posição anteriormente expressa por Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 143, e que se mantém perfeitamente actual nesta parte, em face dos preceitos correspondentes e que integram o Novo CPC.0
[3] É o seguinte o teor do nº 5, do art. 1º, do Decreto-Lei nº 142/99, de 30 de Abril, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 185/2007, de 10 de Maio: «5 - Verificando-se alguma das situações referidas no n.º 1 do artigo 295.º, e sem prejuízo do n.º 3 do artigo 303.º, todos da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, o FAT responde apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa. (…)» (sublinhado nosso).
[4] Nomeadamente nos Acórdãos do STJ, de 10/9/2008 e 10/12/2008, respectivamente nas revistas nºs 6/2008 e 3084/2008, e de 9/9/2009, proferido no âmbito do processo 09S0159, disponível em www.dgsi.pt.
[5] O art. 39.º tem o seguinte conteúdo, aqui transposto na sua globalidade:
”Garantia e actualização de pensões

1 - A garantia do pagamento das pensões por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas nos termos da presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, serão assumidas e suportadas por fundo dotado de autonomia administrativa e financeira, a criar por lei, no âmbito dos acidentes de trabalho, nos termos a regulamentar.
2 - Serão igualmente da responsabilidade do fundo criado no âmbito do disposto no número anterior as actualizações de pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou por morte.
3 - Quando se verifique a situação prevista no n.º 1, serão ainda atribuídas ao fundo outras responsabilidades, designadamente no que respeita a encargos com próteses e ao disposto no artigo 16.º, n.º 3, nos termos em que vierem a ser regulamentados.

4 - O fundo referido nos números anteriores constituir-se-á credor da entidade economicamente incapaz, ou da respectiva massa falida, cabendo aos seus créditos, caso a entidade incapaz seja uma empresa de seguros, graduação idêntica à dos credores específicos de seguros.
5 - Se no âmbito de um processo de recuperação de empresa esta se encontrar impossibilitada de pagar os prémios do seguro de acidentes de trabalho dos respectivos trabalhadores, o gestor da empresa deverá comunicar tal impossibilidade ao fundo referido nos números anteriores, 60 dias antes do vencimento do contrato, por forma que o fundo, querendo, possa substituir-se à empresa nesse pagamento, sendo neste caso aplicável o disposto no n.º 4.
6 - As responsabilidades referidas nos números anteriores, no que respeita às doenças profissionais, serão assumidas pelo Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais.”
[6] Cf. Acórdão datado de 17/06/2010, proferido no recurso nº 675/2001, Relatado por Mário Pereira, e disponível em www.dgsi.pt.