Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2717/16.9T8VNF-B.G1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: DIREITO DE RETENÇÃO
SINAL
CONTRATO-PROMESSA
TRADIÇÃO DA COISA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
CRÉDITO
Data do Acordão: 07/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / DIREITO DE RETENÇÃO / CASOS ESPECIAIS.
Doutrina:
-Ana Prata, O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, p. 888;
-Antunes Varela, Sobre o Contrato-Promessa, 2.ª Edição, p. 113;
-Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 14.ª Edição, p. 166;
-Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, p. 155 ;
-Gravato Morais, Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial, p. 233 e 234;
-Januário Gomes, Em Tema de Contrato-promessa, p. 15, 61 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 755.º, N.º 1, ALÍNEA F).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 14-12-2006, PROCESSO N.º 7796/2006-8, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


- DE 26-10-2006, PROCESSO N.º 0634127, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O direito de retenção estabelecido na alínea f) do nº 1 do art. 755º do Código Civil a favor do beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa não depende necessariamente da existência de sinal.

II - Tal direito garante qualquer crédito indemnizatório - como seja o decorrente de indemnização convencionada - fundado no incumprimento do contrato-promessa.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

Tendo sido oportunamente declarada (Comarca de Braga-V. N. Famalicão-Inst. Central-Sec. Comércio) a insolvência de AA Lda., veio o Administrador da Insolvência a apresentar, nos termos do art. 129º do CIRE, a lista de credores por si reconhecidos.

Dessa lista constava como reconhecido o crédito da Credora BB, no montante de €369.897,95, e que foi qualificado como comum.

A Credora impugnou a lista no que concerne à natureza do seu crédito, sustentando que este havia de ter sido qualificado como garantido, por beneficiar da garantia real do direito de retenção.

A Credora Hipotecária CC, S.A. e o Administrador da Insolvência apresentaram respostas à impugnação, contestando a pretensão da Impugnante.

Seguindo o processo seus termos, veio, a final, a ser proferida sentença que julgou improcedente a impugnação, sendo o crédito da Impugnante havido como comum e graduado para pagamento nessa qualidade.

 

Inconformada com o assim decidido, apelou a Credora BB.

Fê-lo sem êxito, pois que a Relação de Guimarães confirmou o decidido.

Mantendo-se inconformada, interpôs a Credora recurso de revista excecional.

Neste Supremo Tribunal a competente formação de juízes admitiu a revista excecional.

                                                           +

Da respetiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões (suprimem-se as que se reportam especificamente à admissibilidade da revista excecional, assunto já ultrapassado):

XXIII. Admitido o recurso de revista nos termos explanados, está definitivamente assente a matéria de facto fixada pela 1ª instância, constante das alíneas A) a CC), sobre a qual não incidiu qualquer apelação.

XXIV. Tendo improcedido a matéria da ampliação do recurso de apelação da Impugnante CC, S.A., que versou exclusivamente sobre a qualificação jurídica do contrato em causa nos autos, celebrado entre Insolvente e Recorrente, se trata de um contrato-promessa de permuta ou troca.

XXV. Está ainda demonstrado, conforme resulta do acórdão, que nessa parte se baseou na matéria de facto provada sob as alíneas P) a X) e BB) da sentença da 1ª instância, que a Recorrente, ao destinar as frações para habitação da família, integra-se no conceito de consumidor previsto no artigo 2°, nº 1, da lei 24/96, de 31.07 adotado pelo AUJ 4/2014 de 20/03, publicado no DR a 19/05.

XXVI. A única questão a decidir por este Tribunal é aferir qual a natureza do crédito da Recorrente, em concreto se de natureza comum, como decidiram as instâncias anteriores, ou se está garantido por direito de retenção, seja por via da alínea f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil, seja por decorrência do artigo 754° do mesmo Código.

XXVII. Sobre esta temática, o legislador, através do DL 236/80, de 18/7, e conforme decorre do respetivo preâmbulo, pretendeu reforçar a posição jurídica do promitente-comprador, especialmente no campo das transações de imóveis urbanos para habitação, conferindo, no caso de incumprimento do contrato-promessa imputável à contraparte, em alternativa ao direito de reclamar o dobro do sinal, o direito de exigir o valor da coisa, objecto do contrato prometido, à data do incumprimento, sempre que essa coisa lhe haja sido antecipadamente entregue e se encontre em seu poder - art. 442º nº 2º do Código Civil.

XXVIII. Com o mesmo objetivo de tutelar a posição do promitente -comprador, incluiu-se no nº 3 do citado artigo 442º a seguinte estatuição: “no caso de ter havido tradição da coisa objecto do contrato-promessa, o promitente-comprador goza, nos termos gerais, do direito de retenção sobre ela, pelo crédito resultante do incumprimento pelo promitente-vendedor”.

XXIX. Posteriormente, o mencionado artigo sofreu as alterações introduzidas pelo DL 379/86, de 11/11, que manteve o direito de retenção, mas retirou-o das normas que se reportam ao sinal e integrou-o na secção do capítulo sobre as garantias especiais das obrigações dedicada ao direito de retenção, mediante a adição de uma nova alínea – alínea f) - ao nº 1 do art. 755° da CC.

XXX. Através do DL 379/86, de 11/11, e em nome da defesa do consumidor, o legislador atribuiu o direito de retenção ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato-prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento, imputável à outra parte, nos termos do artº 442° - cfr. art. 755°, nº 1 alínea f) do CC.

XXXI. Daqui resulta, em primeiro lugar, que goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa objecto do contrato-prometido.

XXXII. E em segundo lugar, “o direito de retenção existe para garantia do crédito resultante do não cumprimento imputável à parte que promete transmitir ou constituir um direito real; vale dizer, por outras palavras, que está em causa o crédito (dobro do sinal, valor da coisa, indemnização convencionada, nos termos do art. 442º n.º 4 CC) derivado do contrato definitivo” - Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa - DL 236/80 ao DL 376/86 - Coimbra 1996, 128/182.

XXXIII. No mesmo sentido, refere Ana Prata que “o direito de retenção pressupõe necessariamente a tradição da coisa e parece garantir qualquer crédito indemnizatório, seja o do sinal, o do valor da coisa ou o da pena convencional estipulada pelas partes, não sendo indispensável o sinal” – ob. cit. 889 e seguintes.

XXXIV. No caso concreto, da factualidade assente resulta que entre Recorrente e Insolvente foi celebrado, em 17.01.2007, um contrato-promessa de permuta, através do qual a primeira, enquanto proprietária do prédio rústico com capacidade construtiva, sito no Sitio da ..., freguesia de ..., concelho de ..., designado por terreno da horta, com uma área de 4100 m2, confrontando a Norte com DD, de Sul e Nascente com caminho, e de Poente com Caminho de Servidão, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, e inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo …°, prometeu permutá-lo com a Insolvente em troca de duas moradias (frações) a edificar por esta nesse mesmo terreno, acabadas e prontas a habitar” cfr. factos provados sob as alíneas A. a F.

XXXV. Mais decorre da factualidade provada, em concreto da constante das alíneas P) a X), que se deu a tradição da coisa, traduzindo-se a ocupação da coisa por motivo da sua tradição numa antecipação dos efeitos do contrato prometido.

XXXVI. O Incumprimento definitivo do contrato decorre da matéria de facto dada como provada constante das alíneas N, O, e Y a CC da sentença proferida em 1ª instância.

XXXVII. Está assente nos autos que a Recorrente, enquanto promitente adquirente, é titular de um crédito decorrente do incumprimento do contrato- promessa e que ascende ao valor de € 389.897,05 (trezentos e sessenta e nove mil oitocentos e noventa e sete euros e cinco cêntimos),

XXXVIII. Os pressupostos do direito de retenção do promitente adquirente são: a) a traditio da coisa ou coisas, objecto mediato do contrato definitivo prometido; b) incumprimento definitivo do contrato promessa pelo promitente alienante; c) a titularidade pelo promitente adquirente, por virtude desse incumprimento, de um direito de crédito;

XXXIX. Todos os referidos pressupostos se encontram preenchidos nos presentes autos, aos quais acresce o facto da apelante se integrar no conceito de consumidor previsto no artigo 2°, nº 1, da Lei 24/96, de 31.07 adotado pelo AUJ 4/2014 de 20/03, publicado no DR. a 19/05, o que resulta do Acórdão que antecede.

XL. O direito de retenção constitui um direito real de garantia do crédito resultante do incumprimento imputável à parte que promete, sendo que o que está em causa é o crédito que provém do incumprimento do contrato definitivo.

XLI. A existência de sinal não constitui condição ou requisito essencial de reconhecimento do direito de retenção previsto na alínea f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil.

XLII. No sentido de que a entrega de sinal não constitui condição para o reconhecimento direito de retenção concedido na alínea f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil, e que este disposto normativo tem aplicabilidade a outros contratos para além do contrato-promessa de compra e venda, veja-se o acórdão-fundamento proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14.12.2006.

XLIII. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 02.07.1996 e proferido no processo 96A151 em que foi relator o Exmo. Sr. Conselheiro Martins da Costa, transitado em julgado e disponível em www.dgsi.pt. de cujo sumário decorre, entre outros, o seguinte: “II - O direito de retenção, previsto no artigo 755 nº 1 alínea f) do Código Civil, não se aplica apenas no caso de contrato-promessa de compra e venda, abrangendo outros, como o contrato-promessa de troca.”

XLIV. Igualmente em caso em tudo similar aos dos presentes autos, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 13.09.2013, proferido no processo nº 765/12.0T25TC.C.E1, disponível em www.dgsi.pt

XLV. Por outro lado, para demonstrar que o direito de retenção concedido pelo art. 755°, nº 1, alínea f) do Código Civil tem aplicabilidade a outros contratos para além do contrato-promessa de compra e venda, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 20.11.2012, proferido no processo 6335/09.0TBBRG.G1, disponível em www.dgsi.pt, que reconhece o direito de retenção previsto na mencionada alínea f) do nº 1 do artigo 755° do Código Civil ao contrato-promessa de dação em pagamento, e no qual também não existiu qualquer sinal prestado.

XLVI. O entendimento da doutrina e jurisprudência, quanto à situação concreta, conduz à conclusão de que a entrega de sinal não constitui pressuposto ou condição para o reconhecimento do direito de retenção concedido pelo art. 755º, nº 1, alínea f) do Código Civil, e bem assim que o direito de retenção aí previsto tem aplicabilidade a outros contratos para além do contrato-promessa de compra e venda, mormente ao contrato-promessa de permuta em causa nos presentes autos.

XLVII. Ao fazer depender o reconhecimento do direito de retenção previsto no art. 755°, nº 1 alínea f) do Código Civil, da existência de sinal, o Acórdão que antecede coloca a Recorrente numa situação profundamente injusta, pois tendo realizado integralmente a prestação a que se vinculou e não obstante tenha obtido a tradição da coisa, fica numa posição mais periclitante e menos garantida do que aquela em que se situa um promitentes-comprador que tenha apenas cumprido apenas com parte da sua prestação e tenha atribuído a esta a natureza de sinal, ficando assim este último, que cumpriu apenas parcialmente a sua prestação, garantido pelo direito de retenção constante do artigo 755°, nº 1 alínea f) do Código Civil, ao contrário daquele, como é o caso da Recorrente, que por uma questão de boa-fé ou pela natureza do contrato-promessa em causa, tenha cumprido integralmente a sua prestação.

XLVIII. O entendimento vertido no Acórdão que antecede “garante mais a quem cumpriu menos”, e “garante menos a quem cumpriu mais”, o que traduz uma situação manifestamente injusta, inaceitável de um ponto de vista moral, não se vislumbrando enquadramento ou justificação legal que apoie tal disparidade de tratamento, e que, inclusive, viola o princípio da igualdade constante do artigo 13° da Constituição da República Portuguesa.

XLIX. Sem prescindir, e a título subsidiário, resulta do contrato-promessa de permuta celebrado com a Insolvente, que a Recorrente tinha a obrigação, para pagamento das duas frações prometidas em troca do terreno, de despender naturalmente do seu património (entrega do terreno), ficando, por isso mesmo, com direito a ser paga pelo valor da coisa em que as despesas foram efetuadas, entendendo-se como despesa o valor do terreno que permutou e, por coisa, as frações A e C que depois de edificadas lhe foram entregues e lhe são devidas, pelo que, mesmo à luz da norma geral prevista no artigo 754º do Código Civil, assiste-lhe o direito de retenção sobre as frações A (em ...) e C (em ...) do artigo matricial …° da União das Freguesias de ... e …, descritas na Conservatória do Registo Predial de ... sob os nºs …-A e …-C.

L. Se a coisa em questão existe - prédio em regime de propriedade horizontal -, é porque a Recorrente cedeu o terreno onde o mesmo foi edificado e ao qual pertencem as frações A e C prometidas e sobre as quais incidiu a traditio.

LI. A Recorrente, conforme resulta do contrato-promessa de permuta celebrado com a Insolvente, tinha a obrigação, para pagamento das duas frações que lhe foram prometidas, de despender naturalmente do seu património, ficando, por isso mesmo, com direito a ser paga pelo valor da coisa em que as despesas foram efetuadas, entendendo-se como despesa o valor do terreno que permutou e, por coisa as frações A e C que lhe são devidas e para cujo pagamento o respetivo terreno se destinou.

LII. Existiu, assim, uma antecipação do pagamento do preço devido pelas frações A e C, pois a Recorrente pagou, na íntegra, o valor dos bens que lhe são devidos, tendo suportado, portanto, uma despesa por conta da coisa.

LIII. Mesmo à luz da norma geral prevista no artigo 754° do Código Civil, assiste à Recorrente o direito de retenção sobre as frações A (em ...) e C (em ...} do artigo matricial …° da União das Freguesias de ... e …, descritas na Conservatória do Registo Predial de ... sob os nºs …, constituindo o terreno que permutou uma despesa por conta da coisa, isto é, por conta e para pagamento das frações A e C prometidas e que viriam a ser entregues à Recorrente pela Insolvente.

LIV. Neste sentido, veja-se o acórdão-fundamento indicado acerca desta questão, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 13.09.2013 no processo nº 756/12.0T2STC-C.E1, transitado em julgado e disponível em www.dgsi.pt.

LV. Assim, em face de tudo o expendido, quer pela alínea f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil, quer pelo artigo 754º do mesmo Código, assiste à Recorrente, enquanto beneficiária da promessa de transmissão do direito de propriedade sobre as frações A e C em apreço, cuja entrega lhe foi oportuna, voluntária e consensualmente efetuada, a ver reconhecido o direito real de retenção sobre aqueles imóveis pelo crédito reconhecido de €369.897,05 (trezentos e sessenta e nove mil oitocentos e noventa e sete euros e cinco cêntimos).

LVI. O acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos artigos 754°, 755°, nº 1 alínea f), e 759°, todos do Código Civil, e artigo 13° da Constituição da República Portuguesa.

Termina dizendo que deve ser revogado o acórdão impugnado, a ser substituído por outro que determine que o crédito da Recorrente, no valor de €369.897,05 (trezentos e sessenta e nove mil oitocentos e noventa e sete euros e cinco cêntimos), beneficia de direito de retenção sobre as frações A e C do artigo matricial 3949° da União das Freguesias de ... e ..., descritas na Conservatória do Registo predial sob os nºs ... e ..., as quais correspondem às verbas nºs 1 e 3 apreendidas à Insolvente, devendo o mesmo ser graduado em conformidade.

                                                           +

A Credora CC S.A. contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Estão provados os factos seguintes, como tal descritos no acórdão recorrido:

A. No exercício da atividade comercial da insolvente, esta contactou a Credora, propondo-lhe a celebração de um negócio de permuta, tendo o mesmo por objecto o prédio rústico com capacidade construtiva, sito no Sítio da ..., freguesia de ..., concelho de ..., designado por terreno da horta, com uma área de 4100m2, confrontando a Norte com DD, de Sul e Nascente com caminho, e de Poente com Caminho de Servidão, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …, e inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo …º.

B. Em concreto, a Credora/impugnante entregaria o imóvel em causa à insolvente, na qual esta edificaria várias moradias destinadas a revenda e, com isso, geraria dividendos,

C. E por sua vez, como contrapartida da cedência do terreno pela Credora/impugnante, esta receberia duas moradias a edificar nesse mesmo terreno, acabadas e prontas a habitar.

D. Após negociações entre Credora e insolvente, as partes acordaram os termos da indicada permuta,

E. Tendo para o efeito celebrado, em 17.01.2007, um acordo escrito, nos termos do qual a Credora e a insolvente prometiam permutar o terreno descrito em A) por duas moradias a edificar pela insolvente nesse mesmo prédio, sendo uma das moradias em ... e outra em ....

F. Mais estipularam Credora e insolvente, quanto ao prazo de entrega das indicadas moradias, que as moradias em ... e ... seriam entregues, “prontas a habitar” (cfr. clausula QUARTA), respetivamente, um ano e meio e dois anos após o levantamento da licença de construção.

G. Sucede que, não obstante o teor do acordo celebrado entre as partes, a insolvente propôs à Credora que declarasse, por meio da outorga de escritura pública, vender o terreno supra mencionado em A), tudo de modo a que a insolvente pudesse recorrer ao crédito bancário, financiando dessa forma a construção a edificar no terreno, dando este de garantia através de hipoteca.

H. Por conseguinte, Credora e insolvente outorgaram, em 22.05.2007, escritura pública de compra e venda através da qual aquela transferiu para a insolvente a propriedade do prédio supra identificado em B), de modo a que esta se pudesse financiar junto das instituições bancárias, e sem que nesse ato a Credora tenha recebido qualquer valor.

I. Nesse mesmo momento, isto é, da outorga da escritura que antecede, a insolvente, como garantia do cumprimento das obrigações assumidas, nomeadamente para entrega das duas moradias nos prazos convencionados, entregou à Credora um cheque no valor de 400,000,00 € (quatrocentos mil euros), equivalente ao valor das duas moradias a entregar no estado de acabadas, sendo este cheque só depositado no caso de a insolvente não entregar as moradias nos prazos estabelecidos.

J. Acresce que, da outorga desse ato notarial, daí resultaram “mais-valias” em sede fiscal, a liquidar pela “vendedora” e cujo valor ascendia a 30.102,95 € (trinta mil cento e dois euros e noventa e cinco cêntimos),

K. Pelo que, em virtude da Credora não possuir a quantia em causa, entre insolvente e Credora foi celebrado, em 03.10.2008, um “aditamento” ao acordo de 17.01.2007, através do qual acordaram em substituir a cláusula Segunda, passando nela a constar que a insolvente liquidaria a quantia referente às “mais-valias”, valor que seria objecto de acerto de contas aquando da entrega das moradias prometidas permutar à Credora.

L. Por outro lado, após a celebração do acordo de 17.01.2007, da escritura de 22.05.2007, e aditamento de 03.10.2008, as frações prometidas permutar pela insolvente à Credora vieram, após constituição da propriedade horizontal, a ser identificadas na matriz pelas frações A (em ...) e C (em ...) do novo artigo matricial 3949º da União das Freguesias de ... e ..., encontrando-se descritas na Conservatória do Registo predial sob os n.ºs ... e ....

M. As quais correspondem, tendo por referência o auto de apreensão de bens apresentado pelo Exmo. Sr. Administrador de Insolvência, às verbas descritas sob os números 1 (fração A) e 3 (fração C).

N. As moradias/frações a permutar com a Credora não foram concluídas pela insolvente no prazo acordado,

O. Sendo que, em Setembro de 2012, a insolvente havia apenas concluído a fração C do indicado empreendimento, estando as demais inacabadas e as obras paradas em virtude de dificuldades financeiras da insolvente para conclusão das mesmas.

P. A insolvente, em Setembro de 2012, para cumprimento do contrato promessa datado de 17.01.2007, entregou à Credora as chaves das frações A e C.

Q. Desde essa data que a Credora passou, juntamente com a sua filha (há data com 3 meses, hoje com 4 anos) e companheiro, a habitar na Fração C, única moradia/fração que a insolvente concluiu e deixou pronta a habitar,

R. Bem como a fruir da Fração A que, em virtude de se encontrar inacabada, passou a servir como espaço de arrumação e apoio à habitação.

S. O que tem vindo a fazer de forma pública, notória, e sem a oposição de quem quer que seja,

T. Suportando todos os custos inerentes às aludidas frações A e C,

U. Tendo ainda procedido à colocação de diverso mobiliário na Fração C, a qual constitui, conforme supra alegado, a habitação própria e permanente da Credora e agregado familiar (filha e companheiro) desde Setembro de 2012.

V. Vigiando a credora/impugnante as suas construções, procedendo às respetivas limpezas e conservação, ajardinando-as, pagando as despesas inerentes à conservação das frações A e C em apreço, e evitando a intrusão de quaisquer estranhos ao seu interior.

W. O que a ora Credora sempre fez e faz à vista de toda a gente, nomeadamente vizinhos, Insolvente, tudo sem oposição ou embaraço de quem quer que seja,

X. Agindo a Credora na plena convicção de estar a exercer um direito próprio, ou seja, na ignorância de lesão de eventuais direitos de outrem, e em tudo se comportando como dona das frações A e C, e por todos como tal sendo considerada,

Y. A insolvente, desde há vários anos que se mostra incapaz, por dificuldades financeiras, de concluir as frações restantes (com exceção da fração C), e nomeadamente da fração A.

Z. Sob as frações A e C em apreço encontram-se registadas hipotecas, arrestos e penhoras de correntes de diversos processos judiciais instaurados contra a insolvente.

AA. Nunca tendo a insolvente conseguido obter o distrate de tais hipotecas ou o pagamento das restantes dividas, com o objetivo de levantar os arrestos/penhoras.

BB. A fração A não se encontra acabada, e a fração C (única que se encontra acabada e habitada pela credora) não tem licença de habitabilidade.

CC. Tendo a Credora, aliás, vindo a rececionar do A.I. a comunicação que não pretendia cumprir o indicado contrato definitivo.

De direito

Quanto à matéria das conclusões XXIII, XXIV e XXV:

É exato o que aí se diz.

Porém, não se trata de questão sob controvérsia, pelo que não exige qualquer pronunciamento específico da parte deste Tribunal.

Quanto à matéria das conclusões XLIII, XLV e XLVI:

Também é exato o que se afirma nestas conclusões.

Mas, de igual forma, trata-se de temática absolutamente espúria, pois que ninguém (a começar pelo acórdão recorrido) defendeu o contrário.

Também se trata de questão que não demanda aqui qualquer pronunciamento decisório.

Quanto à matéria das conclusões XXVI a XLII, XLVII, XLVIII e LV (em parte):

A questão que vem colocada (por via principal) à nossa decisão nestas conclusões é apenas uma: a de saber se o crédito da Recorrente, emergente do incumprimento do contrato-promessa de permuta de imóveis, não sinalizado, está garantido pelo direito de retenção, na certeza de que para ela foram traditadas as frações que a Insolvente se havia obrigado a permutar. Tudo o mais são argumentos ou razões aduzidas pela Recorrente, e que, nos termos sobreditos, não correspondem a questões sobre que importe decidir.

O acórdão recorrido respondeu negativamente a essa questão.

Para o efeito argumentou assim:

“O artigo 442 do C.Civil, pela sua epígrafe, refere-se ao sinal que se traduz numa garantia de cumprimento, incentivando as partes a cumprir o contrato-promessa e a determinar o âmbito sancionatório do incumprimento. As partes terão de expressar, no respetivo contrato, a existência de sinal, com exceção do contrato-promessa de compra e venda em que há uma presunção de sinal no que tange “…a toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço” – artigo 441 do C.Civil. É o que resulta da leitura dos vários números que o compõem, especialmente do nº2 que refere, expressamente, a forma de cálculo da sanção ou cláusula penal pelo incumprimento do contrato. No caso de o incumprimento ser imputável ao que prestou o sinal, o promitente não faltoso pode fazer seu o sinal. No sentido inverso, o promitente não faltoso tem o direito a receber o sinal em dobro. Porém, se tiver havido tradição da coisa a que se refere o contrato prometido pode exigir o valor da coisa ou o do direito a transmitir ou se constituir sobre ela, calculado em termos objetivos, à data do incumprimento da promessa, com a dedução do preço convencionado e a entrega do sinal prestado e a parte do preço prestado. E será sobre o direito ao dobro do sinal ou ao cálculo do valor da coisa nos termos referidos que incide o direito de retenção consignado no artigo 755 n.º 1 al. f) do C.Civil, que foi deslocado do artigo 442 n.º 3 do C.Civil, com a redação introduzida pelo DL. 236/80 de 18/07, pelo DL. 379/86 de 11/11. Em qualquer um dos casos (dobro do sinal ou valor da coisa), em caso de incumprimento, exige-se que tenha havido a constituição de sinal”.

Daqui que, não tendo a ora Recorrente prestado qualquer sinal, não gozaria do direito de retenção.

Este ponto de vista do acórdão recorrido é respeitável. À respetiva argumentação, poder-se-ia porventura acrescentar o seguinte: que a constituição do sinal faz a diferença, pois que produz uma forte confiança na firmeza ou concretização do negócio, a impor, com particular acuidade, a defesa da posição (neste caso mediante a concessão do direito de retenção) daquele que prestou o sinal (v. a propósito Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª ed., p. 393).

Cremos, porém, que as coisas devem ser vistas de outro modo.

Justificando:

Nos termos do artigo 755 n.º 1 al. f) do CCivil, goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º.

Questão é saber se o direito indemnizatório resultante do não cumprimento é apenas o do nº 2 desta última norma (uma sub-questão é ainda saber se a faculdade de exigir o valor da coisa ou do direito, como alternativa ao recebimento do sinal prestado, pressupõe a existência de sinal), ou se compreende também a indemnização que, a despeito da existência do sinal, tenha sido convencionada, ou até a indemnização a calcular nos termos gerais (coincidente com o prejuízo real ou efetivo) quando não tenha sido constituído sinal nem fixado o quantum do prejuízo.

Vejamos:

Historicamente, o direito de retenção (ainda que então direcionado apenas para a defesa do promitente-comprador [de edifícios ou frações autónomas deles]) em sede de incumprimento de contrato-promessa surgiu com a alteração introduzida no Código Civil pelo DL nº 236/80. Aí (nº 3 do art. 443º) se concedia um direito de retenção para garantia do “crédito resultante do incumprimento pelo promitente-vendedor”. Literalmente, este direito não surgia vinculado ao crédito decorrente do regime do sinal ou do valor da coisa. Por isso, parece que era de entender que o direito de retenção garantia também créditos emergentes do incumprimento da promessa para além dos decorrentes do regime do sinal[1]. O que é dizer, o direito de retenção não estaria necessariamente dependente da constituição de sinal, senão e apenas do incumprimento do promitente-vendedor (com o consequente crédito do promitente-comprador) e da tradição da coisa.

O DL 379/86, que de igual forma alterou o Código Civil, manteve o direito de retenção, desta feita nos termos supra transcritos do artigo 755 n.º 1 al. f). Como resulta do respetivo preâmbulo (ponto 4), um tal direito foi suportado pelo legislador na seguinte argumentação: “Tem de reconhecer-se que, na maioria dos casos, a entrega da coisa ao adquirente apenas se verifica com o contrato definitivo. E, quando se produza antes, não há dúvida de que se cria legitimamente, ao beneficiário da promessa, uma confiança mais forte na estabilidade ou concretização do negócio. A boa-fé sugere, portanto, que lhe corresponda um acréscimo de segurança”. Do mesmo passo que o legislador considerou que se afigurava razoável atribuir prioridade (mediante esse direito de retenção) à tutela dos particulares em geral, o que, mais aduziu, vinha “na lógica da defesa do consumidor”. Também destes incisos se retira que a ratio do direito de retenção passou á margem do sinal, centrando-se exclusivamente no propósito de fortalecer (garantia acessória) os direitos do beneficiário (consumidor) da promessa de transmissão ou constituição de direito real.

Sendo assim, como nos parece que é, então o direito de retenção não depende necessariamente da existência de sinal, isto a despeito do art. 442º do CCivil regular sobre o sinal e, inclusivamente, a respetiva epígrafe se reportar precisamente ao sinal.

Acrescente-se que a remissão da alínea f) do nº 1 do art. 755º é feita para o artigo 442º, e não especificamente para o respetivo nº 2 (e seria neste nº 2 que se poderia ancorar a tese de que o sinal funcionaria como conditio sine qua non do direito de retenção). Ora, no art. 442º postulam-se (ou seja, estão previstos, admitem-se) três tipos de créditos pecuniários emergentes do incumprimento da contraparte do beneficiário do direito de retenção: (i) o do sinal em dobro (nº 2), (ii) o do valor da coisa ou do direito (idem nº 2) e (iii) o da indemnização para além do sinal (nº 4). O primeiro destes créditos pressupõe obviamente a constituição de sinal. O segundo crédito parece que não pressupõe necessariamente a constituição de sinal; o ponto será controverso, mas no sentido de que é dispensável a constituição de sinal se pronuncia, por exemplo, Galvão Telles (Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 155), quando aduz que “(…) a indemnização consistente no aumento do valor da coisa ou do direito tem lugar ainda que não haja sinal (ao contrario do que inculcaria a letra da lei), pois que não se vê motivo para que ela só possa funcionar quando sinal exista, como alternativa a este”; no mesmo sentido vai Januário Gomes (Em Tema de Contrato-promessa, pp. 15 e 61 e seguintes). Quanto ao último dos créditos - trate-se aí de crédito convencionado para além do sinal constituído, trate-se de crédito por indemnização a calcular nos termos gerais (coincidente pois com o prejuízo real ou efetivo) – o sinal não tem implicação. O que tudo reforça a ideia de que o sinal não pode ser erigido como pressuposto inelutável da atuação do direito de retenção.

Na doutrina encontram-se vários autores, para além destes que acabam de ser citados, que se pronunciam no sentido de que o direito de retenção de que estamos a falar não exige necessariamente um crédito fundado na existência de sinal.

Assim, diz-nos Ana Prata (O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, p. 888) que “O direito de retenção supõe necessariamente a tradição da coisa e parece garantir qualquer crédito indemnizatório, seja o do sinal, o do valor da coisa ou o da pena convencional estipulada pelas partes. É que a existência de sinal, como facto constitutivo do direito de retenção, não obstante a remissão do artigo 755º, nº 1-f), para o artigo 442º, não parece indispensável, pois (…) nem dele depende o direito de indemnização calculada no valor da coisa a que se refere o artigo 442º, nem a ele faz referência o artigo 755º, nº 1-f), o que significa, dado o necessário pressuposto da traditio rei, que o direito de retenção, garantindo sempre o direito indemnizatório de que esta é requisito, garantirá qualquer outro crédito indemnizatório fundado no incumprimento, seja ele o da indemnização calculada nos termos gerais, seja o da pena convencional, seja mesmo o de indemnização de benfeitorias realizadas pelo accipiens na coisa”.

Calvão da Silva (Sinal e Contrato-Promessa, 14ª ed., p. 166) aduz que “(…)o direito de retenção existe para garantia do crédito resultante do não cumprimento imputável à parte que promete transmitir ou constituir um direito real. Vale dizer, por outras palavras, que está em causa o crédito (dobro do sinal, valor da coisa, indemnização convencionada nos termos do nº 4 do art. 442º) derivado do incumprimento de finitivo (…), de que o direito de retenção constitui garantia acessória”.

Gravato Morais (Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial, pp. 233 e 234) explica: “O crédito emergente do contrato-promessa é o que tem na sua base o incumprimento definitivo daquele (…). Deve discutir-se, porém, se tal crédito apenas existe se tiver havido sinal passado ou não. Literalmente, o art. 755º, nº 1, al. f) só se refere ao “crédito”. Daí decorre que é, à partida, independente da sua causa. Todavia, o mesmo preceito também alude à existência do crédito “nos termos do art. 442º CC”. O que poderia significar que só havendo sinal passado ou se existisse convenção indemnizatória haveria lugar ao direito de retenção. Cremos que a conclusão não colhe. O direito de retenção há-de garantir qualquer crédito emergente do incumprimento definitivo do contrato-promessa. É esse o valor da ampla remissão efectuada para o art. 442º CC”.

Na jurisprudência, direcionam-se em igual sentido os acórdãos da Relação de Lisboa de 14 de Dezembro de 2006 (processo nº 7796/2006-8, relatora Carla Mendes, disponível em www.dgsi.pt) e da Relação do Porto de 26 de Outubro de 2006 (processo nº 0634127, relatora Deolinda Varão, disponível em www.dgsi.pt).

Concluímos assim que, diferentemente do entendimento adotado no acórdão recorrido, a circunstância do contrato-promessa de permuta aqui em causa não ter sido sinalizado pela ora Recorrente não obsta à atuação do direito de retenção estabelecido no art. 755º, nº 1, alínea f) do CCivil.

Isto posto:

Estamos perante um crédito, reconhecido pelo Administrador da Insolvência, que decorre do incumprimento definitivo da promessa por parte deste último (alínea CC) dos factos provados). Este crédito emerge da convenção estabelecida nos contratos-promessa de permuta (cláusula segunda do primeiro contrato; cláusula primeira do segundo contrato), e que foi depois melhor operacionalizada aquando da escritura de “venda” do prédio da Credora à Insolvente (alínea I) dos factos provados). Nesses termos assim convencionados, teria a Credora direito a receber da Insolvente €400.000,00 (valor das duas moradias a permutar com o terreno entretanto “vendido” pela Credora à Insolvente) em caso de não entrega das moradias, o que é dizer, em caso de incumprimento da promessa assumida pela Insolvente. O dito montante (reduzido depois para €369.897,05[2], em virtude da Insolvente ter assumido o pagamento de €30.102,95 a título de mais valias que à Credora competia suportar) corresponde ao prejuízo da Credora, que, por sua vez, corresponde ao montante do prejuízo convencionado. Assim, e nos termos sobreditos, está o crédito garantido pelo direito de retenção sobre as frações que foram traditadas para a Credora. Logo, goza da respetiva preferência legal, nomeadamente com respeito ao crédito hipotecário.

Procedem pois, no que à questão decidenda concerne, as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões XLIX a LV (em parte):

A questão colocada nestas conclusões - saber se o crédito da Recorrente é subsumível ao art. 754º do CCivil - é apresentada a título meramente subsidiário.

Procedendo a questão suscitada a título principal, fica prejudicado o respetivo conhecimento.

Quanto à matéria da conclusão LVI:

Pelo que fica dito resulta que a Recorrente tem razão quando afirma que o acórdão recorrido violou o disposto nos art.s 755º, nº 1, alínea f) e 759º do CCivil.

IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista e, revogando o acórdão recorrido, reconhecem à Credora BB, para pagamento do seu crédito de €369.897,05, o direito de retenção sobre as frações A e C do artigo matricial 3949 da União das Freguesias de ... e ..., descritas na Conservatória do Registo predial sob os nºs ... e ..., (verbas nºs 1 e 3 da massa insolvente).

Em consequência, graduam-se da seguinte forma os créditos a pagar pelo produto da liquidação dessas frações:

1) As dívidas da massa insolvente saem precípuas (nºs 1 e 2 do art. 172º do CIRE);

2) O crédito da Fazenda Nacional referente a IMI, na medida em que respeite a esses imóveis;

3) O crédito da Credora BB;

4) O crédito hipotecário da credora CC, S.A., na medida em que a hipoteca respeite a esses imóveis;

5) Os créditos privilegiados da Fazenda Nacional referentes a IRC e IRS;

6) Os créditos comuns.

Regime de custas:

Custas do presente processo de impugnação (1ª instância, apelação e revista) pela Credora CC, S.A., que nelas é condenada.

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Sumário:

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Lisboa, 3 de Julho de 2018

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Henrique Araújo

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[1] Neste sentido se terá pronunciado J. Lourenço Soares, em escrito policopiado denominado “O direito de retenção “maxime” no contrato-promessa de compra e venda (aspectos substantivos e processuais)”, isto de acordo com o que informa Ana Prata, em O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, p. 888, nota 2045. Também Antunes Varela (Sobre o Contrato-Promessa, 2ª ed., p. 113) parece concluir no mesmo sentido quando afirma o seguinte: “Quanto à prestação do sinal, embora o novo preceito (nº 3 do art. 442º) aparecesse inserido numa disposição legal que tinha como epígrafe a palavra sinal, nenhuma alusão se fazia no texto à exigência desse elemento. Quer isto dizer que o promitente-comprador poderia desfrutar do privilégio da retenção da coisa imóvel que lhe fora entregue, mesmo indo de mãos inteiramente a abanar, sem ter feito a menor despesa (…)”.
[2] Na lista dos créditos mostra-se escrito, aparentemente por lapso, €369.897,95.