Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3057/11.5TBPVZ-C.P1.S3
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: SIMULAÇÃO DE CONTRATO
PREÇO
NULIDADE
MASSA INSOLVENTE
ESCRITURA PÚBLICA
PROVA PLENA
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CONFISSÃO
Data do Acordão: 07/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / FALTA E VÍCIOS DA VONTADE / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / CONFISSÃO / PROVA DOCUMENTAL / DOCUMENTOS AUTÊNTICOS / PROVA TESTEMUNHAL.
DIREITO FALIMENTAR – MASSA INSOLVENTE E INTERVENIENTES NO PROCESSO / MASSA INSOLVENTE E CLASSIFICAÇÕES DOS CRÉDITOS / EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE / PAGAMENTO AOS CREDORES.
Doutrina:
-Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 5.ª Edição, p. 316 e 318;
-Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, II, p. 159;
-Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Edição, p. 232 e 255;
-Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, p. 198;
-Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Volume I, Tomo I, p. 851;
-Mota Pinto e Pinto Monteiro, Colectânea de Jurisprudência, 1985, III, p. 12 e 13;
-Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª Edição, p. 529, 531 e 533;
-Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, anotação ao artigo 394 ; anotação ao art. 243.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 240.º, 241.º, 358.º, N.º 2, 371.º, N.º 1, 393.º, N.º 2 E 394.º, N.º 2.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 51.º, N.º 1, ALÍNEA D), 121.º, ALÍNEA H), 126.º, N.ºS 1, 4 E 5 E 172.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 02-11-2011, PROCESSO N.º 758/06.3TBCBR-B.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A escritura pública é um documento autêntico que só faz prova plena de que as declarações dos contratantes aconteceram, e não já de que o teor destas corresponde à verdade.

II - Os factos que são objeto das declarações de ciência exaradas em documento autêntico podem ficar provadas em consequência de confissão feita.

III - Contudo, só há confissão quando se trata do reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto passado (ou presente duradoiro), que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.

IV - Não está nestas condições uma declaração negocial recíproca e atual de ambas as partes de que o preço da venda foi de €65.000,00, quando afinal foi convencionado e pago o preço de €175.000,00.

V - Mostrando-se que as partes outorgantes acordaram declarar o indicado valor de €65.000,00 para que não fossem cobrados os direitos fiscais devidos, estamos perante um negócio simulado quanto ao preço.

VI - Quando invocados pelos simuladores, é inadmissível a prova por testemunhas do acordo simulatório e do negócio dissimulado. Porém, esta regra não vale quando exista um começo ou princípio de prova por escrito.

VII - A nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa-fé.

VIII - É terceiro de boa-fé a massa insolvente que, pelo respetivo administrador, resolveu o contrato de compra e venda celebrado pelos insolventes (vendedores), por, face ao preço da venda constante da escritura pública e ao valor real do imóvel, ter considerado que as obrigações assumidas pelos insolventes excediam manifestamente as da contraparte.

IX – Sendo a simulação inoponível à massa insolvente, não goza a compradora do direito a receber da massa insolvente, como dívida desta, o valor do preço real.

Decisão Texto Integral:
                                                     +

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

Foi oportunamente declarada, no Tribunal Judicial da então Comarca da Póvoa de Varzim, a insolvência de AA e de BB.

Na sequência, fez o Administrador da Insolvência operar, por carta de 26 de Junho de 2012 e sob a invocação da alínea h) do nº 1 do art. 121º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), a resolução em benefício da massa insolvente do contrato celebrado (em 9 de Março de 2011) entre os Insolventes e a CC, Lda., mediante o qual aqueles haviam vendido a esta o prédio rústico descrito nos autos.

A CC, Lda. veio então, por apenso aos autos de insolvência, instaurar contra a Massa Insolvente, representada pelo Administrador, ação declarativa sob a forma ordinária, peticionando o seguinte:

Por via principal:

- A declaração da nulidade e ineficácia da resolução;

- Sem prescindir, a revogação da resolução;

- O reconhecimento, para todos os efeitos, de que é dona do prédio rústico em causa.

Subsidiariamente:

- A condenação da Ré a reconhecer que o preço da venda do imóvel foi de €175.000,00;

- A condenação da Ré na restituição à Autora dessa quantia, acrescida de juros, por se tratar de um crédito sobre a Massa, nos termos do art. 51º, nº 1, alínea i) do CIRE;

- O reconhecimento do direito de retenção sobre o prédio até reembolso.

Alegou para o efeito, em síntese, que a declaração de resolução não continha fundamentação de facto, pelo que era nula e ineficaz. Por outro lado, o preço da venda não foi o declarado na respetiva escritura (€65.000,00), mas sim o de €175.000,00, preço este que a Autora pagou efetivamente aos vendedores. Deste modo, a ser mantida a resolução, goza do direito, contra a massa insolvente, à restituição do que pagou (e seus juros), assim como goza de direito de retenção sobre o prédio até total restituição.

Contestou a Ré.

Entre o mais, suscitou a exceção da caducidade, dizendo que o direito à impugnação da resolução estava extinto quando a ação foi proposta, isto pelo decurso do prazo estabelecido no art. 125º do CIRE.

Mais impugnou parte da factualidade alegada pela Autora, alegando que o preço ajustado e pago foi o escriturado de €65.000,00.

Prosseguindo os autos a sua marcha, veio a ser julgado improcedente o pedido principal e feito seguir o processo para apreciação do pedido subsidiário. A final foi proferida sentença (fls. 394 e seguintes), cujo dispositivo é do seguinte teor (na parte que aqui importa):

«(…) decide este tribunal:

Em julgar procedente o pedido subsidiário formulado pela aqui autora, “CC, Lda.”, contra a ré, “Massa Insolvente de AA e BB” e, consequentemente:

a) Condenar a ré a reconhecer que o preço efectivamente pago pela autora aos insolventes e por estes recebido, pela aquisição do prédio aludido em a) da matéria assente, foi de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros); e condenada a ré a restituir à autora tal quantia, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 09-03-2011;

b) Condenar a ré a reconhecer que a autora goza de direito de retenção sobre o mesmo prédio, que se consubstancia na prevalência do crédito aludido em a) do dispositivo ser pago, relativamente ao produto de tal prédio, com prevalência sobre os demais credores.»

Inconformada com o assim decidido, apelou a Ré, pugnando pela revogação da sentença.

Após incidências processuais que não interessam ao caso, veio a Relação do Porto (acórdão de 16 de Janeiro de 2018, constante de fls. 644 a 672) a decidir o recurso da seguinte forma:

«Por todo exposto acordam os Juízes que compõem este Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação e em alterar a sentença recorrida pela forma seguinte:

Em julgar procedente o pedido subsidiário formulado pela aqui recorrida/autora, “CC, Lda.”, contra a recorrente/ré, “Massa Insolvente de AA e BB” e, consequentemente:

a) Condenar a recorrente / ré a reconhecer que o preço efectivamente pago pela recorrida/ autora aos insolventes e por estes recebido, pela aquisição do prédio aludido em a) da matéria assente, foi de 175.000,00 € (cento e setenta e cinco mil euros); e condenada a recorrente/ ré a restituir à recorrida/ autora tal quantia;

b) Condenar a recorrente / ré a reconhecer que a recorrida / autora goza de direito de retenção sobre o mesmo prédio, que se consubstancia na prevalência do crédito aludido em a) do dispositivo ser pago, relativamente ao produto de tal prédio, com prevalência sobre os demais credores.

c) Absolver a recorrente / ré do pagamento de juros de mora sobre a referida quantia de 175000,00 € à recorrida /autora.»

É agora a vez da Ré Massa Insolvente se manifestar inconformada com o assim decidido, na parte que lhe é desfavorável.

Fê-lo sob a interposição de revista excecional.

A competente formação de juízes admitiu a revista excecional.

                                                           +

Da respetiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões:

A. Depois das várias decisões que recaíram sobre o prosseguimento dos autos, a decisão final deste Tribunal foi no sentido do prosseguimento dos mesmos.

B. A Recorrente apenas teve provimento quanto ao não pagamento dos juros, sendo negada razão à Recorrente em toda a restante matéria.

C. Não se conformando a Recorrente com a decisão proferida, nomeadamente em virtude de contrariar um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sem que tenha sido proferido acórdão uniformizador de jurisprudência com ele conforme, bem como estando em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, se torna claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, vem a Recorrente interpor recurso, nos termos da alínea c) e a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.

D. O Tribunal a quo confirmou a condenação da Ré/Recorrente a reconhecer que o preço efetivamente pago pela autora aos insolventes e por estes recebido, pela aquisição do prédio aludido em a) da matéria assente, foi de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros); e condenou a ré a restituir à autora tal quantia;

E. Confirmou ainda a condenação da Ré/Recorrente a reconhecer que a autora goza de direito de retenção sobre o mesmo prédio, que se consubstancia na prevalência do crédito aludido em a) do dispositivo ser pago, relativamente ao produto de tal prédio, com prevalência sobre os demais credores.

F. A Recorrente já em sede de alegações em primeira instância e mais tarde no recurso, suscitou questão de que a A/Recorrida juntou ao processo a escritura pública referente à compra e venda do imóvel objecto da resolução (Doc. 1 junto com a P.I.). Escritura essa que refere que o valor do negócio realizado entre a A/Recorridos e os insolventes foi de 65.000,00 €.

G. De que tal documento autêntico tem força probatória plena, nos termos do n.º 1 do artigo 371.º do Código Civil (CC).

H. Sendo que, esse documento não foi impugnado pela A. nem arguiu a sua falsidade.

I. Pelo que, a declaração aí contante, o preço, configura uma declaração confessória extrajudicial, nos termos do artigo 352.º do CC, sendo que apenas pode ser ilidida com base na falsidade do documento (cfr. artigo 347.º e nº 1 do artigo 372.º, ambos do CC), ou mediante a invocação da falta ou vício de vontade que determinem a nulidade ou anulabilidade da confissão. O que não aconteceu.

J. Por força do nº 3 do artigo 358.º e nº 2 do artigo 393.º, ambos do CC, tal declaração confessória não admite prova testemunhal.

K. A Recorrente fez referência a um dos acórdãos que ia nesse sentido, o acórdão do STJ de 13-9-2012, processo n.º 2816/08.0TVLSB.L1.S1.

Concluindo a Recorrente:

“Pelas razões expostas, o Tribunal ao dar como provado que o preço pago no negócio foi de 175.000,00 €, sustentado na prova testemunhal e noutros documentos de valor probatório inferior, violou os artigos nº 2 do artigo363.º, nº 1 do artigo 371.º, o artigo 352.º, 347.º e nº 1 do artigo 372.º, o n.º 3 do artigo 358º e o nº 3 do artigo 393,º, todos do Código Civil.”

L. Não obstante o invocado e, em consequência peticionar a alteração da matéria de facto da alínea g) dos factos provados serem dados como não provados os factos das alíneas o), p), q), s) e t), o Tribunal a quo não deu provimento, considerando ser admissível o recurso à prova testemunhal, mesmo sem a Recorrida ter impugnado o documento autêntico ou alegado a sua falsidade.

M. Muito embora a Recorrente tenha já referido um acórdão que vai de encontro ao seu entendimento, existe um outro acórdão (fundamento) que mais se enquadra às questões discutidas nos autos, nomeadamente relacionado com o valor da prova, forma da impugnação da prova plena, a admissibilidade da prova testemunhal relativamente à prova de força plena não impugnada, às limitações da prova quando a simulação é arguida pelos simuladores dos negócios (Doc. 1 junto em anexo e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

N. Acórdão esse, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 30/01/2013, processo nº 2072/09.3TBTVD.L1.S1 - 2ª Secção, cujo sumário reza o seguinte:

“I - A força probatória plena das declarações negociais constantes de documentos autênticos confina-se à percepção que das mesmas teve o oficial público e não também à realidade dos factos que são objecto dessa declaração.

II - A impugnação dessa força probatória só pode ser efectuada através da arguição da sua falsidade.

III - Não sendo arguida a falsidade, a força probatória exclui a admissibilidade de prova testemunhal de convenções anteriores, contemporâneas ou posteriores à sua outorga, contrárias ou adicionais ao respectivo conteúdo.

IV - Tal limitação, porém, não se aplica ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocado por terceiros.

V - A reapreciação da decisão da matéria de facto pela Relação quando estiver em causa a arguição de simulação não pode deixar de abranger os meios de prova produzidos na 1.ª instância e que aí determinaram a decisão impugnada.”

O. Toda arguição da A/Recorrida teve por base uma alegada divergência entre a vontade real e a vontade declarada, uma vez que na escritura pública de compra e venda consta que o negócio foi realizado por 65.000,00€ e após a resolução a A/Recorrida veio impugnar a resolução, embora extemporaneamente, deduzindo no seu pedido subsidiário de que o valor pago afinal não era o constante na escritura, mas antes o valor de 175.000,00€, peticionando ser esse o valor a ser-lhe pago em caso de procedência da resolução.

P. Porém, para além da limitação imposta pelo artigo 394.º do CC, nunca a A/Recorrida arguiu a falsidade da escritura pública.

Q. Não tendo sido arguida a falsidade da escritura pública de compra e venda, a sua força probatória exclui a admissibilidade de prova testemunhal de convenções anteriores, contemporâneas ou posteriores à sua outorga, contrárias ou adicionais ao respetivo conteúdo, conforme decorre do conteúdo do acórdão fundamento.

R. O Tribunal recorrido ao manter a decisão de 1.ª instância, de que o preço pago no negócio foi de 175.000,00€, em vez dos declarados 65.000,00€ em escritura pública, arguido pelos simuladores, sustentado na prova testemunhal e noutros documentos de valor probatório inferior e sem que tenha sido arguida a falsidade da escritura pública violou os artigos 394.º, o n.º 2 do artigo 363.º, n.º 1 do artigo 371.º, o artigo 352.º, 347.º e n.º 1 do artigo 372.º, o n.º 3 do artigo 358º e o n.º 3 do artigo 393,º, todos do Código Civil.

S. Tal decisão é contrária ao acórdão fundamento, já transitado em julgado, proferido no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sem que tenha sido proferido acórdão uniformizador de jurisprudência com ele conforme, o que fundamenta o presente recurso.

T. Ao invés do Tribunal recorrido ter considerado admissível a prova produzida, ao arrepio das normas invocadas e do acórdão fundamento, deveria ter dado provimento à impugnação da Recorrente e expurgar os meios de prova não admissíveis produzidos na 1.ª instância, o que conduziria a dar como provado o valor do preço pago, como sendo o constante na escritura pública de compra e venda.

U. Salvo melhor opinião, aplicar-se-á à prova produzida o nº 3, in fine, do artigo 674.º do CPC.

V. No que concerne ao despacho que admitiu a depor a testemunha Dr. DD, Advogado, o Tribunal recorrido pronunciou-se no sentido de não proferir qualquer decisão sobre a matéria, uma vez que o recurso sobre esta matéria era extemporâneo, atendendo à data do despacho (30-5-2016) e de que a Recorrente teria quinze dias para o fazer e só o fez em 28-10-2016, aquando do recurso da decisão.

W. Acontece porém que, a Recorrente não se limitou a recorrer do despacho de admissão do depoimento do Dr. DD, mas também de que os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo, referindo:

“Resulta da alínea d) dos factos provados que o Dr. DD representava os insolventes.

Aliás, resultante da P.I. (artigo 73º), pelo que tal depoimento não seria em benefício do seu cliente ou representante, corroborado pelo depoimento do representante legal.

Também facilmente se pode comprovar pela existência de outras provas no processo: vários documentos e 11 testemunhas no processo (mais tarde reduzidas para oito).

Violou também o Tribunal o nº 1 do artigo 602º do CPC.

A aceitação pelo Tribunal, sem qualquer apreciação, da decisão contida no parecer emitido pela O.A., acarretou uma sobreposição da Ordem dos Advogados ao poder jurisdicional, o que constitui uma clara violação Constitucional, nomeadamente, ao nº 1 do artigo 13º, ao nº 1 do artigo 20, ao nº 5 do artigo 267º e ao nº 4 do artigo 268º.

Destarte, os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo, conforme preceitua o nº 5 do artigo 92º do EOA.

Não pode assim serem dados como provados os factos constantes nas alíneas g), j), k), m), n), o), p), q), r), s), t), v), w), x), aa), bb), cc), ee), gg), pois revela o Tribunal, na sua sentença, serem as declarações desta testemunha determinantes, pelo que se deixam aqui impugnados.”

X. O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre esta matéria, pelo que o acórdão padece do vício de nulidade, prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do CPC.

Y. Refira-se que em relação a esta matéria, no despacho proferido a 30-5-2016, disse o Tribunal da 1.ª instância a determinada altura:

“Por outro lado, e quanto à “recusa” da inquirição da testemunha indicada pela autora, por entender a ré que não deveria ter sido deferido o levantamento do sigilo profissional, é matéria que, nesta altura, não cabe ao tribunal apreciar.

A regra é a de que todas as pessoas com capacidade para tal e com conhecimento dos factos em discussão, devem depor, sob pena até de lhes ser assacadas consequências criminais.

As excepções estão expressamente previstas na lei e dizem respeito, nomeadamente, à questão suscitada nos autos quanto à protecção do sigilo profissional de algumas classes profissionais.

No entanto, na situação presente, quer o advogado sujeito ao sigilo, quer a entidade competente para apreciar o seu levantamento, estão de acordo em que deve ser “sacrificado” tal sigilo, tendo o primeiro requerido a sua dispensa e a segunda deferido tal pretensão.

De todo o modo, sempre seria de considerar “precoce” uma decisão do tribunal que rejeitasse liminarmente o depoimento de uma testemunha, invocando o sigilo profissional da mesma, quando a respectiva entidade, com competência para apreciação dessa matéria no âmbito da respectiva categoria profissional, entendeu deferir o requerido levantamento de tal sigilo e permitiu que o profissional em causa revelasse factos sujeitos ao mesmo.

A partir de tal decisão, que permite que a pessoa que em princípio não podia falar sobre determinados acontecimentos, falasse sobre os mesmos, não deverá o tribunal, salvo o devido respeito por opinião contrária, liminarmente, e desconhecendo que concreta (actualidade e versão vai trazer aos autos, concluir que não está a defender os interesses legalmente protegidos

Face ao exposto, indefere-se o requerido pela ré, devendo a testemunha em causa ser ouvida no âmbito do julgamento em curso.”

Z. No sentido da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância vai o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 10-09-2013, processo n.º 81/10.9TBSAT-A.C1, sendo no caso um Agente de Execução:

“Se anteriormente às alterações introduzidas no CPC pelo DL nº 329-A/95 a sujeição ao sigilo profissional, mais do que um mero fundamento legítimo de recusa a depor, consubstanciava um verdadeiro obstáculo ao depoimento, ou melhor, uma inibição para depor, agora a problemática acerca da admissibilidade da prova, não cumprindo o depoente a obrigação do nº 3 do art. 618º - agora 419.º -, passou antes a colocar-se a posteriori, ou seja, mais no campo da respectiva valoração do que da sua admissão/prestação.”

AA. Contudo, apesar deste entendimento, não fez o Tribunal de 1.ª instância, a posteriori, uma apreciação se os factos trazidos para os autos pelo Advogado, Dr. DD, poderiam ser utilizados como prova, mas antes valorou-os como tal e utilizou-os na sua fundamentação, como se tivessem sido produzidos por uma qualquer testemunha sem qualquer restrição.

BB. Ora, a Recorrente reitera tudo quanto foi dito nos sucessivos requerimentos e junto do Tribunal recorrido, de que não podem fazer prova em juízo os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional, conforme preceitua o nº 5 do artigo 92.º do EOA.

CC. Não pode assim serem dados corno provados os factos constantes nas alíneas g), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s), t), v), w) x), aa), bb), cc), ee), gg), pois revela o Tribunal, na sua sentença, serem as declarações desta testemunha determinantes, pelo que se deixam aqui impugnados.

DD. É por demais evidente a violação do segredo profissional por parte da testemunha Dr. DD, conforme se encontra nos autos.

EE. Destarte, deve este Tribunal colmatar a falta de pronúncia sobre esta matéria, pugnando a Recorrente nos termos supra expostos.

Sem prescindir,

FF. Existem razões pelas quais a apreciação de questões é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, como a seguir se descrevem.

GG. A decisão do Administrador de Insolvência (A.I.) em resolver o negócio em questão partiu das diligências que efetuou, chegando à conclusão que tendo em conta o valor constante num documento autêntico, escritura pública, em função dos valores de mercado, o negócio era prejudicial para a massa insolvente.

HH. Foi com estes pressupostos que o A.I. resolveu o negócio e não outros, tendo juntado a escritura de compra e venda aquando da missiva destinada à resolução.

II. A resolução efetuada consolidou-se no ordenamento jurídico em virtude da impugnação extemporânea, que é o mesmo que dizer que não existiu qualquer impugnação.

JJ. Ora, o ato praticado pelo A.I. foi um ato de resolução de um negócio de compra e venda de um imóvel, celebrado por 65.000,00€ e não por outro valor.

KK. Da decisão proferida, parece existir um conflito entre duas normas, a alínea d) do nº 1 do artigo 51.º e o nº 1 do artigo 126.º do CIRE.

LL. Porém, salvo melhor opinião, não se pode deixar de tomar em consideração a forma como a Recorrida invoca para si o valor de 175.000,00€.

MM. Toda a alegação da Recorrida tem por base a existência de um negócio simulado.

NN. Muito embora o Tribunal recorrido se tenha pronunciado, aquando a decisão sobre o direito de retenção, sobre a inexistência da má-fé, sustentado que a mesma não decorria da resolução efetuada pelo A.I., o certo é que a mesma resulta de toda a ação da A/Recorrida.

OO. Pois que, assumindo a A/Recorrida a posição de simuladora, a tal está inerente a má-fé.

PP. Conforme refere, a determinada altura, o assento n.º 3/1950 do Supremo Tribunal de Justiça, citando a doutrina de Beleza Santos e Cunha Gonçalves: “… na simulação, há sempre a má-fé de ambas as partes, visto como a simulação pressupõe o conluio dos pactuantes para a celebração de um acto fictício”.

QQ. Ora, a alegada simulação, que pressupõe a má-fé, e a negligência da A/Recorrida em impugnar a resolução é premiada com um pagamento de um montante por conta da massa insolvente no valor de 175.000,00€, quando da escritura pública consta um valor de 65.000,00€. RR.

RR. O que coloca em causa a certeza e segurança jurídica, bem como o interesse dos credores, objetivo primordial do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE).

SS. É uma obrigação do A.I. praticar todos os atos destinados à satisfação do interesse dos credores, nomeadamente arrecadar para a massa todos os valores destinados a tal.

TT. Porém, ao não ter qualquer consequência o negócio simulado e a má-fé de quem reclama o seu crédito, terá um efeito contrário e perverso ao interesse dos credores.

UU. Pois que, o A.I. pratica um ato de resolução no pressuposto dos elementos fiáveis que tem em seu poder, uma escritura pública, no interesse dos credores, uma vez que o negócio realizado é prejudicial à massa e a intenção será realizar um melhor valor para a massa insolvente.

VV. Contudo, porque existiu simulação e má-fé, os interesses dos credores são gravemente prejudicados, uma vez que o A.I. terá que pagar com montantes da massa (caso existam) valores que não contemplou e que se soubesse serem aqueles nunca procederia à resolução do negócio.

WW. E assim, um ato praticado no interesse dos credores, transforma-se em seu prejuízo, onde se incluem os encargos do processo judicial, com vantagens apenas para o “infrator”.

XX. O que desvirtua todo ordenamento jurídico, nomeadamente a finalidade mor do CIRE, a satisfação do interesse dos credores.

YY. Desta feita, o requisito de má-fé não deve apenas ser apreciado no âmbito do ato resolutivo, como entendeu o Tribunal recorrido quando se pronunciou sobre o direito de retenção, mas antes deve também ser tido em conta na postura das partes, nomeadamente quanto aos negócios simulados e respetivos simuladores, que têm como pressuposto a má-fé.

ZZ. Pelo que, nos casos de negócios simulados deve ser aplicado a alínea e) do artigo 48.º do CIRE, relativamente ao montante que excede o valor segundo o qual foi realizada a resolução pelo A.I.

AAA. A questão suscitada é de particular relevância, uma vez que uma solução como a preconizada pelo Tribunal de 1.ª instância, confirmada pelo Tribunal recorrido, poderá abrir brechas em todas as futuras resoluções em benefício da massa insolvente.

BBB. Pois que, se com alguma facilidade se aceitou a destruição da força probatória de um documento autêntico, estando por detrás um negócio simulado, com benefício para os simuladores, doravante, por maioria de razão, é conseguido o mesmo propósito para negócios em que a força probatória dos documentos é inferior.

CCC. Se os negócios simulados não tiverem qualquer consequência para os simuladores, passarão estes a serem credores “privilegiados” em detrimento daqueles que nomeadamente o CIRE, Código Civil e o Código do Trabalho definem como tal.

DDD. O que configura uma subversão do ordenamento jurídico, sendo a solução claramente desproporcional em função dos interesses em causa.

EEE. Não poderia o Tribunal recorrido, atendendo aos factos constantes no processo, considerar não existir a má-fé, que impedia desde logo o direito de retenção da A./Requerida, bem como da Recorrente ser condenada a pagar um valor que nunca ponderou aquando procedeu à resolução.

FFF. Violou assim o Tribunal recorrido vários normativos legais, nomeadamente o artigo 2.º, o n.º 2 do artigo 18.º, ambos da Constituição da República Portuguesa; o n.º 1 do artigo 1.º, a alínea d) do n.º 1 do artigo 51.º, o n.º 4 do artigo 47.º, todos do CIRE; o artigo 733.º, 747. º, 755.º, 756.º, 757.º, o n.º 1 do artigo 227.º, todos do Código Civil; o artigo 333.º Código do Trabalho.

                                                           +

A parte contrária contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

São questões a conhecer:

- Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia;

- Inadmissibilidade da prova testemunhal para prova do preço real da venda;

- Improcedência do pedido subsidiário.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

As instâncias consideraram provados os factos seguintes, como tal descritos no acórdão recorrido:

a) Através de escritura pública de compra e venda celebrada entre a aqui impugnante e os insolventes dos autos principais, em 09-03-2011, os segundos declararam vender à sociedade aqui impugnante, pelo preço de 65.000,00 €, o prédio rústico, de lavradio, sito no Lugar de ..., ..., …, descrito na conservatória do registo predial sob o n.º … e inscrito na matriz sob o artigo …, livre de ónus e encargos, nos termos que constam do documento cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 19 e seguintes;

b) Com vista à resolução do negócio aludido em a), pelo Sr. Administrador da insolvência nomeado na insolvência dos autos principais, foi remetida à aqui impugnante a carta cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 23 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

c) À carta aludida em b), a aqui impugnante respondeu ao Sr. Administrador da insolvência, com a carta cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 29 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e na qual invoca, além do mais, o seu direito de crédito sobre a massa no montante de € 175.000,00, bem como a sua intenção de exercer o direito de retenção sobre o prédio objecto do negócio;

d) Quer pelos insolventes, quer por parte de alguns credores e do ilustre causídico que os representava, foi dito à aqui autora que a venda era uma forma dos insolventes obterem liquidez para poderem pagar a quem deviam;

e) O teor da ata de assembleia de credores, realizada a 19/04/2012, nos autos principais, a fls. 243 e seguintes dos mesmos;

f) São dois os sócios da sociedade aqui autora: EE e FF;

g) A aqui autora pagou aos insolventes, a título de preço pelo prédio aludido em a), a quantia de 175.000,00 €, que era quanto os insolventes pediam para venderem tal prédio (resposta ao 1.º facto controvertido);

h) Antes da aquisição aludida em a), o representante legal da aqui autora conhecia os vendedores ali mencionados, que são da mesma freguesia daquele (resposta ao 2.º facto controvertido);

i) Em Novembro de 2010, os insolventes anunciaram a venda do prédio aludido em a), a potenciais interessados, na freguesia de ..., a quem foram propondo o negócio, nomeadamente à aqui autora (resposta ao 3.º facto controvertido);

j) Como o gerente da autora manifestou interesse no negócio, mas questionou a área do prédio, foram feitas diligências para aferir da área total do prédio, que é de 25.462 m2 (resposta ao 4.º facto controvertido);

k) O gerente da autora ofereceu, então, pelo prédio, 150.000,00€, a pronto, uma vez que os insolventes tinham mostrado interesse nas condições de pagamento (resposta ao 5.º facto controvertido);

l) Os insolventes pretendiam obter pela venda do prédio valor superior ao aludido em k) (resposta ao 6.º facto controvertido);

m) Em Fevereiro de 2011, os insolventes mandaram recado pelo pai do gerente da autora, referindo que tinham um interessado que dava 175.000,00€ pelo prédio, mas como tinham relação mais próxima com o referido pai do gerente da autora, fariam o negócio com esta se desse o mesmo valor (resposta ao 7.º facto controvertido);

n) Na sequência do aludido em m), e porque o aludido prédio interessava à autora por causa da sua área, do objecto da autora, por ser bom solo agrícola e por fazer frente com o ..., o que era bom em termos de água para a sua exploração agrícola, o gerente da autora acabou por aceitar comprar o referido prédio pelo preço de 175.000,00 (resposta ao 8.º facto controvertido);

o) Foi condição do negócio, colocada pelos vendedores para não pagar ou pagar o mínimo a título de imposto, não declarar na escritura o preço realmente a pagar pela autora e aludido em n), mas antes valor inferior (resposta ao 9.º facto controvertido);

p) Após a aceitação do preço pela autora, os insolventes trataram de solicitar ao seu advogado de então que minutasse o contrato promessa e organizasse tudo para a escritura e a autora apenas impôs que antes da outorga do contrato promessa o prédio ficasse liberto de um ónus que sobre ele impendia, que era uma hipoteca voluntária (resposta ao 10.º facto controvertido);

q) O contrato promessa tendo por objecto o aludido prédio foi outorgado no dia 28/02/2011, nos termos e condições que constam do documento junto a fls. 37 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o qual foi assinado por promitentes vendedores e promitente compradora (resposta ao 11.º facto controvertido);

r) A autora entregou aos insolventes o valor aludido em g), sendo que na data do contrato-promessa a autora pagou a quantia de 25.000,00 €, a título de sinal, através do cheque n.º ..., sacado sobre a sua conta da GG (resposta ao 12.º facto controvertido);

s) Na véspera da escritura de compra e venda aludida em a), na casa do gerente da autora, esta pagou aos vendedores a quantia de 110.000,00 €, sendo que desses 110.000,00 € foram entregues 87.500,00 € em dinheiro, pelo gerente da autora aos insolventes (resposta ao 13.º facto controvertido);

t) E os restantes 22.500,00 € correspondiam ao valor de uma dívida, capital e juros, que o casal vendedor tinha para com o pai do gerente da autora e que, por acordo entre todos, foi compensada no preço da venda, tendo aquele dado quitação aos devedores do indicado montante, nos termos da declaração subscrita por si e pelo representante da autora na data da escritura, nos termos que constam do documento cuja cópia foi junta aos autos a fls. 41 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao 14.º facto controvertido);

u) E com a celebração da escritura, em 9 de Março de 2011, a autora entregou aos vendedores os 40.000,00 € em falta, através de cheque cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 39, que aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao 15.º facto controvertido);

v) Pelo menos parte do dinheiro pago pela autora tinha sido dada ao gerente da autora, tempos antes, pelo seu pai, recebido no âmbito de um processo de expropriação para a construção da A7 (resposta ao 16.º facto controvertido);

w) Para manter o ritmo e o volume da sua exploração agrícola, a autora necessitava de adquirir mais terra agrícola boa, nomeadamente uma propriedade com área que se aproximasse àquela de que haviam sido expropriados (resposta ao 17.º facto controvertido);

x) Os capitais e créditos da autora são os que resultam da exploração agrícola e dos dinheiros que os sócios e ascendentes recebam por via hereditária ou pela venda de outras propriedades (resposta ao 18.º facto controvertido);

y) A autora cultiva o prédio em causa desde a data em que celebrou a escritura pública de compra e venda, tendo apenas aguardado que um vizinho retirasse a cultura de erva que os vendedores lhe tinham transmitido, o que ocorreu no mês de Abril de 2011 (resposta ao 19.º facto controvertido);

z) A autora passou a aí fazer culturas rotativas de milho para silagem e de ervas, também para silagem, destinada à alimentação de cerca de 300 animais da exploração pecuária que a autora tem na sua exploração agrícola (resposta ao 20.º facto controvertido);

aa) O preço pago pela autora aos insolventes, e aludido em g), foi do conhecimento de várias pessoas na freguesia, assim como o gerente da autora contou a várias pessoas, familiares e amigos próximos, como decorrera o negócio, incluindo o pagamento da dívida ao seu pai através do preço da venda (resposta ao 21.º facto controvertido);

bb) Antes da autora concretizar a compra e venda do aludido prédio, um vizinho, HH, com terreno confrontante com o prédio aludido em a), informou o gerente da autora que não reunia condições para comprar o prédio, assim como outras pessoas, nomeadamente II, JJ e KK, tomaram conhecimento que os insolventes pretendiam vender o terreno (resposta ao 22.º facto controvertido);

cc) Os insolventes deram a conhecer a credores seus e a outras pessoas da venda do prédio e o montante que receberiam (resposta ao 23.º facto controvertido);

dd) A autora tinha conhecimento que os insolventes tinham algumas dívidas (resposta ao 24.º facto controvertido);

ee) Alguns credores dos insolventes acreditaram que o produto da venda do prédio aqui em causa seria para pagar os seus créditos (resposta ao 25.º facto controvertido);

ff) O credor hipotecário do prédio, LL, dias antes do negócio, deu o distrate da hipoteca, confiando no recebimento do valor que lhe era devido (resposta ao 26.º facto controvertido);

gg) O valor do prédio em causa é actualmente de cerca de € 177.088,00 e em Março de 2011 era de cerca de € 190.000,00 (respostas aos factos controvertidos 27.º e 28.º).

De direito

Quanto à matéria das conclusões A) a E):

Nestas conclusões não é colocada qualquer questão decidenda, mas simplesmente feita uma descrição de factos processuais.

Donde, nada há a conhecer atinentemente.

Quanto à matéria das conclusões V) a EE):

Nestas conclusões a Recorrente argui a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia.

Isto porque o acórdão não se teria pronunciado sobre a questão, colocada no recurso de apelação, da ilegalidade da admissão a depor da testemunha Dr. DD.

Mas a arguida nulidade não existe.

É verdade que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão, mas também não tinha que o fazer (rectius, não podia).

Pois que o despacho da 1ª instância de 30 de Maio de 2016 (fls. 370 e seguintes) indeferiu o que havia sido requerido pela Ré em sede das objeções que esta apresentara à admissão da testemunha a depor, decidindo que a testemunha devia ser ouvida no âmbito do julgamento em curso. Tal decisão transitou em julgado (recorde-se que o recurso que contra ela foi interposto não foi admitido, e a reclamação que se seguiu a essa não admissão foi indeferida, como resulta de fls. 476 e seguintes).

Donde, ficou consolidado no processo que a testemunha podia (legalmente) ser ouvida e que iria ser ouvida. Diferentemente do que pretende a Recorrente, que se apega a um segmento do despacho que se afigura ser meramente subsidiário, o despacho é expresso quanto ao indeferimento da pretensão da Ré (e esta pretensão centrava-se na inadmissibilidade do depoimento, em razão de sigilo profissional não validamente afastado, incompatível com o que foi decidido), não se tratando de uma decisão intercalar e a operacionalizar aquando do julgamento. O que significa que a distinção que a Recorrente vem agora fazer entre despacho de admissão da testemunha a depor e possibilidade legal de atender ao depoimento da testemunha não tem o mínimo fundamento. Era reduzir a nada aquilo que foi decidido e que passou em julgado.

Improcedem pois as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões F) a U):

Nestas conclusões a Recorrente sustenta que, diferentemente do que foi entendido no acórdão recorrido (e na 1ª instância), não se podia ter considerado provado que o preço da venda feita pelos Insolventes aos Autores foi o de €175.000,00, e que foi este o preço efetivamente pago. Argumentam que, constando da escritura que formalizou o negócio o preço de €65.000,00, estava legalmente vedado chegar àquele preço com base (em parte) em prova testemunhal. Ao invés, impor-se-ia considerar provado o preço de €65.000,00, sendo que não foi ilidida a força probatória da escritura com base na sua falsidade.

Mas, quanto a nós, carece de razão.

Vejamos:

Em face do alegado pelos Autores na sua petição inicial, o preço da compra que fizeram aos Insolventes foi simulado, tendo sido declarado perante o notário e feito constar da escritura o preço de €65.000,00 quando afinal o preço estipulado e pago foi de €175.000,00. Isto mesmo mostra saber a Recorrente, quando afirma (conclusão MM)) que “Toda a alegação da Recorrida tem por base a existência de um negócio simulado”.

A escritura pública onde as ditas declarações foram exaradas, documento autêntico, só faz prova plena de que as declarações aconteceram, e não já de que o teor destas corresponde à verdade. É o que resulta do art. 371º, nº 1 do CCivil.

E daqui que a temática, aduzida pela Recorrente, da não arguição da falsidade da escritura não vem nada a propósito. A falsidade teria que ter por objeto os factos cobertos pela força probatória plena da escritura, e não aqueles que, como é precisamente o caso, estão fora dessa força plena.

Diz a Recorrente, porém, misturando o assunto com a força probatória da escritura, que se trata de declarações confessórias, que implicam a prova plena (logo indiscutível) de que o preço ajustado foi o de €65.000,00.

Mas não é assim.

Sem dúvida que, como observa Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª ed., p. 232), os factos que são objeto das declarações de ciência exaradas em documento autêntico podem ficar provadas em consequência de confissão feita (nº 2 do art. 358º do CCivil). Neste caso, saímos fora da órbita da força probatória do documento, para entrar na órbita da força probatória da confissão.

Simplesmente, a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352º do CCivil), e isto não tem o sentido que lhe está a emprestar a Recorrente, não se ajustando de forma alguma à situação em discussão. Como nos diz Lebre de Freitas (ob. cit., p. 255), o reconhecimento do declarante é o reconhecimento dum facto passado (ou presente duradoiro), isto é, “dum facto constitutivo dum seu dever de sujeição, extintivo ou impeditivo dum seu direito ou modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse, ou, ao invés, a negação da realidade dum facto favorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu direito, extintivo ou impeditivo dum seu dever ou sujeição ou modificativo duma situação jurídica no sentido do seu interesse”.

Ora, no caso vertente a compradora não reconheceu qualquer facto passado (ou presente, mas duradoiro) constitutivo dum seu dever de sujeição relativamente aos vendedores, extintivo ou impeditivo dum seu direito ou modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse. E muito menos procedeu à negação da realidade dum facto que lhe fosse favorável (facto constitutivo dum seu direito, extintivo ou impeditivo dum seu dever ou sujeição ou modificativo duma situação jurídica no sentido do seu interesse). Pura e simplesmente, nada reconheceu. Na realidade, do que se tratou foi de uma declaração negocial recíproca e atual de ambas as partes, assunto que se refere à formação do próprio contrato e não ao reconhecimento do que quer que seja. A única declaração confessória (esta sim, impeditiva de prova testemunhal em contrário) que foi exarada na escritura foi a de que o preço declarado já havia sido recebido pelos vendedores, mas esta é uma declaração confessória dos vendedores e nada tem a ver com o que estamos a discutir.

Donde, não está plenamente provado, seja por documento autêntico (a escritura) seja por declaração confessória da compradora, que o preço da venda foi o declarado na escritura. O que significa que, contrariamente ao que defende a Recorrente, não tem aplicação ao caso o nº 2 do art. 393º do CCivil. O que significa também que nada impedia que se averiguasse a questão do preço que foi efetivamente convencionado e pago pela compradora aos vendedores.

O que se aplica ao caso, isso sim, é o nº 2 do art. 394º, que estabelece que é inadmissível a prova por testemunhas do acordo simulatório e do negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores (quer entre si, quer relação a terceiros: v. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 5ª ed., p. 316). Compreende-se o objetivo da lei: afastar os perigos que a prova testemunhal seria suscetível de originar, pois, não fora assim, quando uma das partes quisesse infirmar ou frustrar os efeitos do negócio, poderia socorrer-se de testemunhas para demonstrar que o negócio foi simulado, destruindo desse modo, mediante uma prova extremamente insegura, a eficácia do documento (v. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, anotação ao artigo 394). Nesta medida, quando os simuladores pretendam invocar a simulação, só lhes está facultada, sem restrições, a prova por confissão, a prova documental e a prova pericial.

A verdade, porém, é que se tem vindo a entender (pode considerar-se atualmente o entendimento largamente dominante na jurisprudência e na doutrina: assim, de entre uma vasta produção doutrinária e jurisprudencial, Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª ed., p. 533; Mota Pinto e Pinto Monteiro, Col. Jur, 1985, III, pp. 12 e 13; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. I, tomo I, p. 851; Carvalho Fernandes, ob. cit., p.318; acórdão do STJ de 2.11.2011, processo nº 758/06.3TBCBR-B.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt) que, em casos particulares, é admitido o recurso à prova testemunhal, em complemento da prova documental. Um desses casos será aquele em que exista um começo ou princípio de prova por escrito.

Sobre isto, diz-nos Carvalho Fernandes (ob. cit., p. 318):

 “… as limitações do art. 394º não se fundam na força probatória do documento (…).

Não se trata, também, de sancionar os simuladores (…).

A razão de ser da proibição do art. 394º (…) reside na necessidade de afastar os riscos próprios da fiabilidade e fragilidade da prova testemunhal, que poderia conduzir à prova de uma simulação efetivamente não existente, contra a prova documental mais segura.

Por outro lado, importa também ter presente que, na generalidade dos casos, um entendimento muito rigoroso do art. 394º pode deixar um dos simuladores nas mãos do outro, facilitando o aproveitamento iníquo da aparência criada pela simulação.

Feito o balanço destes pontos, e não podendo ser ignorado o texto da lei, deve ter-se como afastada a possibilidade de recurso a testemunhas e a presunções judiciais, como meios probatórios exclusivos da simulação, mas já não se eles funcionarem apenas como meios complementares de prova da simulação, primariamente fundada em documentos. (…)

[P]ode ir-se um pouco mais longe, atribuindo à prova testemunhal uma função complementar da simulação, contribuindo então para permitir ao juiz formar uma convicção da existência da simulação, quando a prova documental apenas permitir tê-la como plausível ou provável.”

Não vemos razão - como não viram as instâncias - para não seguir o ponto de vista que vem descrito.

Ora, o pronunciamento do acórdão recorrido sobre os factos interessantes ao preço real da venda (maxime o facto do ponto g)) e seu pagamento aos vendedores, não se fundou exclusivamente na prova testemunhal. Ao invés, esse pronunciamento teve por base diversos documentos - a começar pelo contrato-promessa celebrado pelas partes e donde constava como preço da venda os falados €175.000,00 e por uma declaração dos vendedores da qual constava que haviam recebido €110.000,00 -, funcionando a prova testemunhal apenas como meio complementar de prova. Perante um princípio de prova assim tão eloquente quanto à realidade de um preço de €175.000,00 e à irrealidade de um preço de €65.000,00, era legítimo ao tribunal recorrido admitir a prova testemunhal nos termos em que o fez.

Donde, nenhuma ilegalidade foi cometida pelo acórdão recorrido.

O que significa que carece de fundamento a pretensão da Recorrente à aplicação do nº 3 do art. 674º do CPCivil.

Improcedem pois as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões FF) a FFF):

Nestas conclusões a Recorrente insurge-se contra a sua condenação (i) a entregar à Autora a quantia de €175.000,00 e (ii) no reconhecimento do direito de retenção como garantia dessa entrega.

Argumenta com a circunstância da resolução da compra e venda ter sido levada a cabo no pressuposto de um negócio feito pelo preço constante da escritura, e não por aquele que foi dado como provado, não podendo o negócio resolvido, pois que simulado, conduzir a um tal desfecho, que traz prejuízos à massa insolvente.

Tem inteira razão.

Vejamos porquê.

Percorrendo a matéria de facto provada, vemos que - como alegou (rectius, confessou) a própria Autora, isto como sustentáculo factual e jurídico do seu pedido subsidiário - a compra e venda tal como feita constar da respetiva escritura não foi verdadeira quanto ao preço. Efetivamente, por acordo entre as partes outorgantes, e no intuito de enganar o Estado (alínea o) dos factos provados), foi declarado o preço de €65.000,00, quando afinal o preço convencionado e pago foi de €175.000,00.

Estamos assim perante um negócio simulado quanto ao preço. Um tal negócio é incontornavelmente nulo, sem prejuízo do negócio dissimulado poder valer entre as partes e no confronto de terceiros desinteressados (art.s 240º e 241º do CCivil).

Porém, a nulidade proveniente da simulação não pode ser feita valer pelo simulador contra terceiros de boa-fé. É o que resulta do art. 243º, nºs 1 e 2 do CCivil.

Terceiros para este efeito são todos aqueles que, não sendo os simuladores e seus herdeiros, vejam a sua situação jurídica afetada, ainda que apenas na sua consistência prática (caso dos credores), com a nulidade do negócio (v. Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, p. 198). E a boa-fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os direitos desse terceiro (nº 2 do art. 243º do CCivil). Estamos aqui perante a inoponibilidade do ato simulado ao terceiro, tudo se passando, face a este, como se o negócio simulado fosse válido.

Compreende-se que a simulação não possa ser oposta pelo simulador a terceiro de boa-fé. Como nos diz Pedro Pais de Vasconcelos (ob. cit., pp.529 e 531) “Razões de justiça e até de simples decência assim o exigem. (…) A invocação da simulação, pelos próprios simuladores, contra terceiros interessados não deve ser admitida (…) porque constituiria um venire contra factum proprium, contrária à boa-fé, ilícita e eticamente reprovável. (…) A simulação é um acto ilícito e os simuladores não merecem protecção do Direito. Se, por exemplo, declaram um preço simuladamente baixo para lesar o fisco, correm o risco de sair economicamente prejudicados se o titular do direito da preferência a exercer por esse preço. Este risco é dissuasor da simulação e, enquanto tal, é bom que se mantenha. Não os parece atendível o interesse dos simuladores quando a simulação os venha a prejudicar. Sibi inputet”.

Isto posto:

A resolução é um negócio jurídico unilateral (ou, segundo alguns, um ato jurídico, mas a que se podem aplicar as regras do negócio jurídico, conforme o disposto no art. 295º do CCivil) potestativo, receptício e irrevogável, destinado a fazer extinguir o contrato.

No caso vertente, o Administrador da Insolvência veio resolver o contrato de compra e venda em causa no quadro da alínea h) do art. 121º do CIRE, que estabelece que é resolúvel em benefício da massa insolvente o ato a título oneroso realizado pelo insolvente (dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência) em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte.

Fê-lo dentro do pressuposto do ato se traduzir, perante a aparência das coisas (e no nosso ordenamento jurídico não deixa de valer o princípio da tutela da confiança do terceiro de boa-fé na existência da relação jurídica tal como afirmada publicamente ou perante os interessados, neste caso através de uma escritura pública) pelas respetivas partes, num ato prejudicial à massa. Tratou-se de uma resolução claramente fundada (nem, de resto, a Autora sustentou no presente processo que a resolução foi infundada), pois que se vê que o imóvel foi vendido (formalmente) por €65.000,00, quando afinal o seu valor de mercado não poderia deixar de ser muitíssimo superior (ponto gg) dos factos provados). O Administrador da Insolvência agiu, assim, no exercício legítimo de um direito que lhe estava legalmente deferido e fiado na aparência do negócio tal como retratado na respetiva escritura, visando o ato de resolução obviar a uma situação de prejuízo para a massa insolvente.

O exercício desse direito teve por consequência a restituição do imóvel ao acervo insolvencial, contra a restituição à compradora do valor da sua prestação, neste caso €65.000,00 (constituindo tal restituição dívida da massa até ao limite do respetivo enriquecimento - ou seja, até ao limite do produto da sua alienação em sede de liquidação do ativo - e dívida da insolvência quanto a um eventual remanescente). É o que resulta do art. 126º, nºs 1, 4 e 5, conjugado com o art. 51º, nº 1, alínea d) do CIRE.

Ora, a Ré, massa insolvente, é terceiro, e claramente que agiu, pela pessoa do respetivo Administrador, de boa-fé. É terceiro, porque no exercício do direito de resolução o Administrador da Insolvência atuou no interesse da satisfação dos créditos dos credores da insolvência, logo, atuou no interesse dos credores. E não no interesse dos Insolventes e da pessoa (a Autora) com quem este negociou. E agiu de boa-fé porque não se mostra (ninguém o alegou ou sugeriu) que o Administrador conhecesse a simulação do preço, ou que só por culpa sua a não conheceu.

Donde, não é oponível à massa insolvente a nulidade do negócio simulado em causa. Tudo se passa, quanto a ela, como se a simulação (e a consequente nulidade) não existisse. E isto independentemente da massa insolvente sair prejudicada com a nulidade (como se afigura ser o caso) ou de ficar beneficiada com a manutenção do negócio (v. a propósito desta temática, e no sentido, que subscrevemos, de que não há que distinguir entre uma situação e outra, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, anotação ao art. 243º; Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, II, p. 159; Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., p. 531).

Sendo assim, como é, carece de qualquer fundamento jurídico a pretensão da Autora a receber da Ré - e ainda por cima como dívida da massa, como se pretende no artigo 92º da petição inicial - o valor do preço real da venda. Como carece de qualquer fundamento jurídico o decidido de forma favorável a esta tese pelo acórdão recorrido (e pela 1ª instância).

Como bem observa a Recorrente, a pretensão da Autora e a decisão recorrida são anacrónicas, desvirtuando (defraudando) por completo a razão de ser e o pressuposto da resolução em benefício da massa insolvente que foi (legitimamente) operada. Esta teve em vista reagir contra um ato prejudicial à massa e defender os interesses dos créditos, originando assim uma deslocação patrimonial (restituição do prédio ao acervo insolvencial, contra a restituição do preço simulado) com causa (e não sem causa), e nada disto é compatível com o efeito jurídico almejado pela Autora e sufragado no acórdão recorrido. Neste, a Autora, que deu causa à resolução, acabou por sair premiada com a sua própria torpeza, tudo em detrimento dos credores. A este propósito, interessa não esquecer que as dívidas da massa (por oposição às dívidas da insolvência) são satisfeitas de forma prioritária sobre os créditos da insolvência (v. art. 172º do CIRE), podendo, no limite, ser satisfeitas até à custa do produto dos bens dos credores da insolvência onerados com garantias reais.

Na realidade, o valor pretendido pela Autora não deriva adequadamente da atuação do Administrador da Insolvência no exercício das suas funções (pois que a resolução não foi dirigida ao negócio dissimulado, mas sim ao simulado), e só no caso de dívida resultante da atuação do administrador é que se poderia estar perante dívida da massa insolvente (v. art. 51º, nº 1, alínea d) do CIRE). Tal valor veio à discussão por via da resolução, mas a sua única e exclusiva causa reside, não nessa resolução, mas na maquinação (fabricação de um facto falso, o preço declarado) levada a cabo entre os Insolventes e a Autora. Não poderia esta querer capitalizar à sombra da sua própria torpeza. Quem deu causa ao prejuízo que a Autora vem invocar foi ela própria (conjuntamente com os Insolventes), pelo que terá que se conformar com ele, ou que se entender com os Insolventes (se e quando tal for possível, o que tudo é desinteressante para o caso vertente).

Pelo exposto, conclui-se que, por juridicamente errada, não pode manter-se a condenação a que se refere a alínea a) do dispositivo do acórdão recorrido.

E não gozando a Autora de direito a receber da Ré a quantia de €175.000,00, em atenção à qual veio invocar o direito de retenção, nenhum direito de retenção sobre o imóvel pode ter lugar. O que significa que também não pode manter-se o decidido na alínea b) do mesmo dispositivo. Aliás, e em breve nota, diga-se que a ilogicidade do assim decidido é manifesta. Com efeito, o suposto crédito da Autora a garantir com o direito de retenção derivaria da resolução do contrato, e a resolução levaria necessariamente a uma dívida exclusivamente da massa insolvente. Porém, as dívidas da massa insolvente são satisfeitas nos termos do art. 172º do CIRE, não fazendo o mínimo sentido falar-se, quanto a elas, em garantias de pagamento. Na realidade, o interesse ou utilidade das garantias circunscreve-se aos créditos sobre a insolvência, pois que são estes (e não também os créditos sobre a massa insolvente) que são graduáveis.

Procedem pois as conclusões em destaque.

Do que fica dito resulta que improcede, na parte ainda em discussão, o pedido subsidiário da Autora. O direito à restituição a que esta tem direito por efeito da resolução do contrato corresponde ao preço constante do ato da venda (escritura), e é satisfeito nos termos do art. 126º do CIRE, nenhum outro direito possuindo contra a Ré no âmbito da insolvência.

IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista e, revogando o acórdão recorrido na parte impugnada (alíneas a) e b) do respetivo dispositivo), julgam improcedente o pedido subsidiário da Autora, dele absolvendo a Ré.

Regime de custas:

Custas da presente revista, custas da instância recorrida e custas da 1ª instância pela Autora, que nelas é condenada.

                                                           ++

Sumário:

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Lisboa, 3 de Julho de 2018

José Raínho (Relator)

Graça Amaral

Henrique Araújo