Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
12/14.7TBMGD-B.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: EDP
EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
CONTAGEM DO PRAZO
NOTIFICAÇÃO
ACTO DA SECRETARIA
ATO DA SECRETARIA
Data do Acordão: 04/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - EXPROPRIAÇÕES / EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA - RECURSOS / PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / ACTOS DA SECRETARIA ( ATOS DA SECRETARIA ) - RECURSOS.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª edição, 85, em nota ao artigo 634.º.
- José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil” Anotado, Volume 1.º, 316, em anotação ao artigo. 157.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 236.º, N.º1.
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (CE): - ARTIGOS 38.º, N.º1, 51.º, N.º5, 52.º, 58.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 157.º, N.º6, 629.º, N.º 2, C), 634.º, N.º2, A), N.º 3 E N.º 4, 671.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-DE 5.3.1998, PUBLICADO, IN D.R., II SÉRIE, DE 9.7.98, E EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 24.6.1993, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 2.12.1993, IN CJ/STJ, III, 159;
-DE 28.1.2016 – 1006/12.2TBPRD.P1-A.S1,ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. Em processo de expropriação por utilidade pública, sendo simultaneamente notificado aos interessados a decisão arbitral e o despacho de adjudicação, à entidade expropriante, da propriedade e da posse do bem expropriado, salvo quanto a esta se já houver posse administrativa, correndo desde aí o prazo para recorrer, não se pode cindir a única e simultânea notificação embora com dois efeitos: um substantivo e outro processual para proceder a uma contagem autónoma dos prazos. A notificação a que alude o art. 51º, nº5, do CE/99 deve conter, além de outros elementos ou requisitos ali referidos, uma advertência essencial “a faculdade de interposição de recurso a que se refere o art. 52º”.

II. Dada a especificidade da notificação prevista no art. 51º, nº5, do CE, não sendo a parte advertida que a contagem do prazo em curso se manteria (apesar de entretanto, ter sido já notificada do despacho que rectificou o despacho de adjudicação) e contendo esta 2ª notificação alusão à faculdade de interposição do recurso da decisão arbitral, não pode ser censurado o notificado que confiou nesta notificação como sendo a definitiva (expurgada de lapso) e contou desde aí o prazo para recorrer.

III. Ao erro ou omissão referentes a notificações da secretaria judicial são de equiparar actos equívocos, ou de dúbia interpretação, e que possam afectar negativamente direitos dos seus destinatários, desde que a interpretação lesiva que deles possa ser feita, aferida pelo standard interpretativo do destinatário normal – art. 236º, nº1, do Código Civil – possa ser acolhida.

IV. Na dúvida dever entender-se, e assim se entende, que a parte não pode ser prejudicada por actos praticados pela secretaria judicial, como estatui o art. 157º, nº6, do Código de Processo Civil vigente, e preceituava identicamente, o nº6 do art. 161º do Código de Processo Civil convocado no Acórdão-fundamento.
Decisão Texto Integral:

Proc.12/14.7TBMGD-B.G1.S1

R-542[1]

Revista


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

        EDP-Gestão de Produção de Energia, S.A., entidade expropriante nos autos de Expropriação nº12/14.7TBMGD, da comarca de Bragança, ...-Inst. Local-Sec. Comp. Gen. – J1, em que são expropriados AA e outros,  interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães do despacho proferido nos autos, em 2.12.2014, que decidiu, nos seguintes termos:

           

            “Por serem legais, tempestivos e terem sido apresentados por quem tem legitimidade, admito os recursos interpostos pelos expropriados AA, BB, CC, DD, EE e FF, a 25.02.2014 e pela expropriada GG, Lda.

            O referido recurso tem efeito meramente devolutivo (art. 38º, n.º3, do Código das Expropriações).

            Notifique a expropriada para, querendo, responder em 20 dias (arts. 59º e 60º do Código das Expropriações).

            Notifique.”


***

           A “EDP- Gestão da Produção e Energia, S.A.”, interpôs recurso para o Tribunal da Relação Guimarães, que, por Acórdão de 24.9.2015 – fls. 259 a 274 –, decidiu:

           “Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela entidade expropriante, EDP - Gestão de Produção de Energia, S.A., revogando-se a decisão recorrida na parte em que admitiu os recursos interpostos pelos expropriados da decisão arbitral da parcela MM0088.00, expropriada nos presentes autos, não se admitindo os aludidos recursos por extemporâneos, nos termos acima expostos.

            Custas pela entidade expropriante e pelos expropriados, estes em partes iguais, na proporção de ¼ e ¾, respectivamente”.


***

            Inconformados, os Expropriados AA, BB, CC, DD, EE e FF e a expropriada ADM, interpuseram recurso (esta aderindo também ao recurso daqueles), para este Supremo Tribunal de Justiça, e alegando formularam as seguintes conclusões:

            Os Expropriados

           1 - O Acórdão recorrido, ao decidir não admitir os recursos interpostos das decisões arbitrais põe fim ao processo, pelo que é uma decisão recorrível nos termos previstos no n°1 do art. 671° do Código de Processo Civil (Código de Processo Civil).

            2 - Por ofício expedido em 24.1.2014, o Tribunal de 1ª instância notificou pessoalmente os recorrentes do despacho de adjudicação e do Acórdão arbitral (1ª notificação).

           3 - Por despacho de 3.2.2014, foi oficiosamente rectificado o despacho de adjudicação: esta alteração consistiu em consignar que a expropriação não era total, como primeira e erradamente decidido, mas sim parcial.

            4 - Por ofício expedido em 6.2.2014, o Tribunal de 1ª instância notificou pessoalmente os recorrentes do despacho que decidiu a rectificação do despacho de adjudicação solicitada pela ora recorrida e do despacho de adjudicação rectificado (2ª notificação).

            5 - Ou seja, o Tribunal de 1ª instância notificou pessoalmente e duas vezes os recorrentes do despacho de adjudicação, no qual é referida a faculdade de interposição de recurso da decisão arbitral prevista no art. 51°, n° 5, do Código das Expropriações (CE).

            6 - Em 11.2.2014, após as duas notificações pessoais referidas nas conclusões 2 e 4, os recorrentes juntaram aos autos procuração forense.

            7 - A rectificação introduzida no despacho de adjudicação não corresponde à correcção de um mero lapso de escrita, mas sim a uma alteração substancial, tendo em conta que modificou a amplitude do ataque ao direito de propriedade dos recorrentes que foi afectado pela expropriação.

           8 - Na 2ª notificação, o Tribunal de 1ª instância notificou os recorrentes (para além do despacho que apreciou e decidiu a rectificação solicitada), do despacho de adjudicação rectificado na íntegra e, como tal, contendo a menção à faculdade de recurso da decisão arbitral mencionada no art. 51°, n°5, in fine, do CE.

            9 - A notificação referida na conclusão precedente foi correcta na medida em que o art. 51°, n°5, do CE impõe a notificação simultânea dos elementos aí mencionados, com vista a que os expropriados possam exercer cabalmente o seu direito de recurso do laudo arbitral.

           10 - In casu, o exercício efectivo do direito de recorrerem da decisão arbitral dos aqui recorrentes só pôde ser exercido de forma cabal e efectiva perante a notificação do despacho de adjudicação rectificado na íntegra (2ª notificação), visto que a alteração que lhe foi introduzida alterou o âmbito substancial da ablação do direito de propriedade dos recorrentes e objecto de indemnização.

           11 - A rectificação feita ao despacho de adjudicação é uma alteração substancial que implica a reanálise desse despacho e da decisão de recorrer.

           12 - Em face da alteração introduzida no despacho de adjudicação, a 1ª notificação deixou de ser suficiente para cumprir as exigências impostas pelo art. 51°, n°5, do CE, levando o Tribunal a proceder a uma 2ª notificação (tanto mais que são notificações pessoais e não a mandatário forense).

           13 - As duas notificações do despacho de adjudicação (quer a 1ª quer a 2ª) foram feitas pessoalmente aos expropriados ora recorrentes e não a mandatário forense (que só posteriormente é que juntou procuração aos autos), o que reclama uma maior tutela da segurança jurídica e da protecção da confiança (não é peregrino o entendimento segundo o qual as notificações pessoais devem ser feitas de acordo com as regras da citação pessoal, o que, in casu, determinaria que o recurso da arbitragem foi interposto no prazo de 20 dias, mesmo contado da primeira notificação, tendo em conta a dilação de que os ora recorrentes beneficiariam nos termos previstos no art. 245°, nº1, al. b) do Código de Processo Civil, dado terem sido notificados fora da área da comarca sede do tribunal onde pende a acção).

            14 - Ao que acresce o facto do art. 52°, n°1, do CE dispor que o prazo de recurso da decisão arbitral se contar “da notificação realizada nos termos da parte final do n°5 do artigo anterior”.

           15 - A 2ª notificação do despacho de adjudicação foi feita “nos termos da parte final do n°5 do artigo anterior”.

           16 - A 2ª notificação do despacho de adjudicação foi feita enquanto ainda decorria o prazo de recurso decorrente da 1ª notificação.

           17 - Pelo que, com a 2ª notificação feita por ofício expedido pelo Tribunal de 1ª instância em 6.2.2014, iniciou-se o decurso do prazo para interposição de recurso do laudo arbitral que terminou no dia 3.3.2014, pelo que, tendo os recorrentes interposto tal recurso em 25.2.2014, interpuseram-no tempestivamente.

           18 — Deste modo, ao considerar intempestivo o recurso da decisão arbitral interposto pelos ora recorrentes, o Acórdão recorrido interpretou erradamente e, em consequência, violou o disposto no art. 614° do Código de Processo Civil e 52°, n° 1 e 51º, n° 5 do CE.

            Todavia:

           19 - Mesmo que se entendesse que a 2ª notificação do despacho de adjudicação rectificado na íntegra (i.e., contendo também a menção à faculdade de recurso) feita pelo Tribunal de 1ª instância não era devida, o que sem conceder se refere, haverá que considerar tempestivamente apresentado o recurso da decisão arbitral interposto pelos recorrentes, por aplicação do disposto no art. 157º, n° 6 do Código de Processo Civil, que prescreve que “Os erros ou omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.

            20 - Por ofício datado de 6.2.2015, o Tribunal de 1ª instância não notificou os recorrentes apenas do despacho que decidiu a rectificação;

            21 - Por ofício datado de 6.2.2015, o Tribunal de 1ª instância notificou também os recorrentes, e pessoalmente, do despacho de adjudicação rectificado na íntegra, e do qual consta a menção à faculdade prevista no art. 51º, n°5 do CE que é a faculdade de interposição de recurso da decisão arbitral.

            22 - Ao notificar os recorrentes desse despacho do qual consta a referida menção, o Tribunal criou-lhes a legítima expectativa jurídica de que podiam recorrer da decisão arbitral no prazo de 20 dias contados de tal notificação, tendo em conta a confiança que depositam nos actos dos Tribunais e nas notificações que os mesmos expedem e tendo em conta, ainda, que o art. 130° do Código de Processo Civil proíbe a prática de actos inúteis.

            23 - A protecção da confiança e a segurança jurídica justificam a aplicação ao caso sub judice do disposto no art. 157°, n°6, do Código de Processo Civil por diversos motivos: (i) a 2ª notificação contém a referência expressa à norma que prevê a possibilidade de recurso do laudo arbitral; (ii) a 2ª notificação conferiu aos recorrentes um direito que lhes assiste; (iii) a 2ª notificação foi feita quando ainda não se tinha esgotado o prazo de recurso decorrente da 1ª notificação; (iv) as notificações foram pessoais e não a mandatário forense; e (v) a 2ª notificação determinou de forma directa (nexo de causalidade directa) o comportamento dos recorrentes, nomeadamente o momento em que interpuseram o recurso da decisão arbitral.

           24 - Mesmo que se entenda que a notificação dos dois despachos foi feita em cumprimento do disposto no art. 253° do Código de Processo Civil, como refere o Acórdão recorrido, então terá que se entender em sentido oposto ao constante de tal decisão tendo em conta que:

           

          (i) O despacho de rectificação de 3.3.2014 foi processado em computador e incorporado nos autos por via informática, logo estava, e está, perfeitamente legível;

           (ii) A rectificação do despacho de adjudicação foi feita oficiosamente pelo Tribunal de 1ª instância que remeteu aos ora recorrentes, também oficiosamente, o despacho de adjudicação rectificado manuscritamente, demonstrando que considerava o envio deste despacho como essencial para o exercício dos direitos dos recorrentes, nomeadamente o direito a recorrer da decisão arbitral referido nesse despacho.

           25 - Donde resulta que, ao convocar o referido art. 253° do Código de Processo Civil, o Acórdão sob recurso deveria ter decidido que, com a 2ª notificação do despacho de adjudicação rectificado, se iniciou a contagem do prazo de recurso da decisão arbitral (e de todos os demais eventualmente conexionados com a notificação perfeita — a segunda – do despacho de adjudicação), em conformidade com a doutrina expandida no Acórdão n°186/2004, de 23.3.2004 do Tribunal Constitucional.

           26 - Não o tendo feito, o Acórdão recorrido interpretou e aplicou erradamente, violando-o, o disposto no art. 253° do Código de Processo Civil e feriu a sua decisão de nulidade por estar em oposição com o respectivo fundamento (o art. 253° do Código de Processo Civil), nos termos previstos no art. 615°, n°1, al. c) e 674°, n°1, al. c) do Código de Processo Civil.

            27 - Deste modo, ao considerar que não se está perante um erro da secretaria, o Acórdão recorrido interpretou erradamente o disposto nos arts. 157°, n°6, 253° e 130° do Código de Processo Civil, normas que violou, e caucionou uma interpretação inovatória das regras processuais aplicáveis com a qual os recorrentes não podiam razoavelmente contar, tendo violado os princípios da protecção da confiança, da segurança jurídica e da proporcionalidade.

            Subsidiariamente:

           28 - Para o caso de se entender que o presente recurso não é admissível nos termos previstos no art. 671°, n°1 do Código de Processo Civil como referido na conclusão 1., o que se menciona por mero dever de mandato e sem transigir;

            29 - Sempre teria que se considerar que o Acórdão recorrido é uma decisão que admite sempre recurso nos termos previstos nos arts. 629°, n° 2, al. d) e 671°, n°2, al. a) do Código de Processo Civil, pois está em contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 6.11.2008 no processo n°7993/20008-6 (Acórdão-fundamento), porquanto:

           a) As duas decisões versam sobre a mesma legislação (o art. 157°, n°6, do Código de Processo Civil a que alude o Acórdão recorrido mantém a mesma redacção do art. 161°, n°6, do Código de Processo Civil de 1961 a que se refere o Acórdão-fundamento);

            b) As duas decisões versam sobre a mesma questão fundamental de direito: as consequências dos actos da secretaria à luz da tutela da protecção da confiança e da segurança jurídica enquanto elementos de um processo judicial equitativo;

          c) As duas decisões tiveram por objecto uma questão de facto idêntica: a realização por parte da secretaria judicial de duas notificações do mesmo despacho, e qual resulta a abertura de prazo para a prática de um determinado acto processual;

            d) É inegável a relevância jurídica da questão em causa: saber se, tendo a secretaria judicial expedido duas notificações em momentos distintos e com o mesmo objecto, a parte pode praticar o acto processual subsequente dentro de prazo contado a partir da segunda notificação, questão de direito que é fundamental pois contende directamente com a segurança jurídica que, por si só, uma notificação judicial encerra, bem como com a confiança que os destinatários das notificações judiciais depositam nos actos praticados pelas secretarias judiciais.

           30 - O Acórdão-fundamento entendeu que a situação teria que ser resolvida com recurso ao disposto no art. 161° do Código de Processo Civil então em vigor, cujo n°6 prescrevia que os actos da secretaria não podem, em qual caso, prejudicar as partes, fazendo ainda alusão ao art. 137° do mesmo diploma que proíbe a prática de actos inúteis, por considerar que “Esta é a única solução que garante a imprescindível tutela de confiança, como elementos de um processo equitativo, confiança que sairia certamente abalada quando o tribunal, dando um sinal no sentido de um acto produzir determinados efeitos, afinal, como que “dando o feito por não feito” e retirando quaisquer efeitos ao acto judicial praticado (remessa da 2ª carta), acaba por tirar o que acabara de conceder à partes”

           31 - O Acórdão recorrido considerou que tais normas (a que correspondem, respectivamente, os arts. 157°, n°6 e 130° do Código de Processo Civil em vigor) não eram aplicáveis ao caso dos autos, não tendo cuidado de fundamentar esse entendimento de modo suficiente, o que acarreta a nulidade constante do art. 615°, n°1, al. b) do Código de Processo Civil e prevista no art. 674°, n° 1, al. c) do mesmo diploma.

           32 - Ao decidir não aplicar o disposto no art. 157°, n°6, do Código de Processo Civil, o Acórdão recorrido restringiu os direitos e interesses legalmente protegidos dos recorrentes, fazendo precludir o seu direito de recurso que foi exercido no prazo que lhes foi concedido pela 2ª notificação, mesmo que se considere que foi feita erradamente, perfilhando um entendimento manifestamente desproporcionado das normas processuais e das finalidades do processo judicial (a justa composição do litígio).

           33 - O recurso da decisão arbitral interposto pelos recorrentes foi interposto dentro do prazo legal de 20 dias contado da 2ª notificação feita pelo Tribunal de despacho contendo a referência a essa faculdade de recurso, e na qual os recorrentes legitimamente confiaram.

           34 - A disposição contida no art. 157°, n°6, do Código de Processo Civil é uma emanação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança decorrentes do princípio do Estado de Direito (princípios essenciais para a convivência nas sociedades que se organizam segundo o modelo do Estado de Direito), bem como do princípio da transparência e da lealdade processuais, indissociáveis de um processo justo e equitativo tal como se encontra consagrado no art. 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

           35 - Ao decidir como decidiu, o Acórdão recorrido violou o disposto no art. 157°, n°6, e 130° do Código de Processo Civil e os princípios referidos na conclusão precedente, bem como inviabilizou o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional para defesa dos direitos legalmente protegidos dos recorrentes, designadamente do direito de recurso.

            36 - Em homenagem às normas legais e princípios jurídicos supra referidos, deve prevalecer in casu o entendimento e a solução jurídica perfilhados pelo Acórdão-fundamento e, em consequência, ser aplicado ao caso dos autos o disposto no art. 157°, n°6, do Código de Processo Civil, admitindo-se o recurso da decisão arbitral interposto pelos ora recorrentes e revogando-se o Acórdão recorrido.

           Em qualquer caso (quer o recurso seja apreciado nos termos deduzidos a título principal, quer nos termos deduzidos subsidiariamente):

           37 - A decisão recorrida padece de inconstitucionalidade por violação do disposto no n°1 do art. 20° da Constituição da República Portuguesa: o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva que o referido normativo constitucional tutela são violados quando, pondo em causa a confiança que o conteúdo das notificações judiciais encerram e a segurança jurídica que delas decorre, os seus destinatários são surpreendidos por uma interpretação em sentido contrário àquele que as próprias notificações encerram, com as consequentes ofensas aos seus direitos e interesses legalmente protegidos (in casu, o direito ao recurso), como aconteceu com a decisão sob recurso que, ao não aplicar o disposição contida no art. 157º, n°6, do Código de Processo Civil, violou o disposto no art. 20º, n°1, da CRP.

           38 - A decisão recorrida padece de inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 2° da Constituição da República Portuguesa: ao negar aos recorrentes o exercício de um direito dentro do prazo constante do despacho de adjudicação rectificado e não impugnado (despacho que lhes criou a legítima expectativa e a fundada confiança de que poderiam praticar tal acto nesse prazo), o Acórdão recorrido violou o princípio da segurança e da confiança jurídica ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no art. 2° da CRP, ou seja, o Acórdão recorrido violou este preceito constitucional ao não aplicar o disposto no art. 157°, n°6, do Código de Processo Civil e ao interpretar o art. 253° do mesmo diploma nos termos em que o fez.

           39 - O Acórdão recorrido interpretou erradamente e violou o disposto nos arts. 51º, nº5, e 52°, n°1 do Código das Expropriações e no art. 614° do Código de Processo Civil, violou a previsão constante dos arts. 157º, n°6, e 130° do Código de Processo Civil e aplicou erradamente, violando-a, a norma contida no art. 253° do Código de Processo Civil, bem como, ainda, violou o estatuído nos arts. 2° e 20°, n°2 da Constituição da República Portuguesa e os princípios da protecção da confiança, da segurança jurídica e da transparência e da lealdade processuais decorrentes da primeira norma constitucional mencionada, e pôs em causa o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional a que se refere o segundo preceito constitucional aludido.

            Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, concedendo-se provimento ao mesmo, devendo, em consequência, ser revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que admita o recurso da decisão arbitral interposto pelos expropriados ora recorrentes.


***

            A expropriada ABM formulou as seguintes conclusões:

            I) - Faz suas e subscreve na íntegra a ora Recorrente, ao abrigo do disposto no n°2 do art. 634° do Código de Processo Civil, uma vez que adere ao Recurso interposto pelo Recorrente AA e outros interposto, e às alegações e respectivas conclusões naquele formuladas.


            Adicionalmente e sem prejuízo daquelas,

           II) – É inequívoco que a notificação a que alude o n°5 do art. 51° do CE se equipara a uma citação nos termos previstos no art. 219°, n° 1, 2ª parte do Código de Processo Civil, pois, através dela, é que são chamados ao processo, pela primeira vez, os expropriados, já que, não obstante as notificações dos expropriados que possam ter lugar no âmbito do procedimento expropriativo, mesmo que efectuadas por carta registada com aviso de recepção e referentes à arbitragem, o certo é que, até à remessa dos autos ao Tribunal, não existe processo judicial.

          III) – Equiparando-se a notificação feita nos termos e para os efeitos previstos no art. 51°, n°5, do CE (do ponto de vista substantivo e formal) a uma verdadeira citação, tem essa dita notificação de seguir o formalismo e de ter o conteúdo mínimo e obrigatório que, em homenagem aos direitos de defesa e acesso à justiça, a lei ordena que seja fornecido ao destinatário.

           IV) – O entendimento contrário desse preceito, sufragado pelo Acórdão recorrido, faria com que o mesmo enfermasse de manifesta inconstitucionalidade, quer ao atribuir a uma das partes o direito da prática de uma acto que apenas àqueles órgãos do Estado de Direito que aplicam a Justiça pode ser atribuído, quer porque permitiria que esse acto, a citação, não fosse praticado com a observância de todas as exigências legais e constitucionais a que o mesmo está sujeito.

           V) - Estando sujeita à disciplina legalmente prevista para a citação a notificação prevista no n° 5 do art. 5º do art. 51º do verifica-se, consequentemente, que, quer o ofício expedido em 24 de Janeiro de 2014 notificando os Recorrentes do Despacho de Adjudicação e do Acórdão Arbitral, quer aquele que foi expedido em 5 de Fevereiro de 2014 notificando os Recorrentes do Despacho que decidiu a rectificação do Despacho de Adjudicação, alterando a expropriação de total para parcial, bem como do Despacho de Adjudicação rectificado e contendo a referência à faculdade de recurso do laudo arbitral, enfermam de vícios insanáveis para efeitos de início da contagem de prazo para efeitos de interposição de recurso da decisão arbitral.

            VI) – Apenas se poderão considerar como sanados tais vícios a partir de, e na medida em que, seja julgada a temporaneidade da interposição do recurso da decisão arbitral que pelos Recorrentes foi feita.

           VII) – Ainda que assim não fosse, sempre resultaria a temporaneidade da interposição dos Recursos da decisão arbitral por parte dos Recorrentes por lhes aproveitar o prazo de que a também expropriada HH dispunha para o efeito, prazo esse que apenas teria começado a contar com a sua citação/notificação pessoal feita através de Agente de Execução apenas em 23 de Abril de 2014, tendo todos os Recursos da decisão arbitral sido interpostos muito antes e da ora Recorrente no dia 26 de Fevereiro de 2014.

           VIII) – Sendo imperativa essa aplicação no caso dos autos do regime constante do art. 569°, n°2, do Código de Processo Civil, do qual resulta que o recurso de cada um (no qual exercem o seu direito de defesa respeitante ao laudo arbitral) pode ser apresentado dentro do prazo que começou a correr em último lugar, tanto mais que sempre que a lei pretende distinguir que o prazo para oferecer a defesa é único e autónomo e o último prazo não aproveita a todos os sujeitos processuais na mesma posição (ou seja, sempre que se afasta da regra geral contida no n°2 do art. 569° do Código de Processo Civil), a lei consigna-o de modo expresso (veja-se, por exemplo, as situações previstas nos arts. 638°, n°9, e 728°, n°3, ambos do Código de Processo Civil), o que não se verifica no caso em apreço.

           IX) – No caso dos autos, ao ter o Tribunal procedido, como procedeu, à chamada a juízo da expropriada HH à luz das disposições legais que regem a citação, a não ser entendido aproveitar aos restantes expropriados o prazo que a esta acabou por ser assinalado, consubstanciaria uma violação do princípio da igualdade das partes e da igualdade de armas, uma vez que estaria a ser caucionada uma situação em que o Tribunal aplicaria a uns sujeitos processuais (nomeadamente a ora Recorrente) as regras da notificação e a outro sujeito processual com a mesma posição processual as regras (mais vantajosas) da citação.

            X) - Sendo inequívoco que, à luz do previsto nos arts. 13° e 20° da Constituição República Portuguesa, que consagram, o primeiro a igualdade de tratamento dos cidadãos perante a lei e o segundo o livre acesso ao direito e aos tribunais, (traduzindo-se estes princípios na garantia da igualdade de tratamento de ambas as partes ao longo de todo o processo por parte do tribunal, nomeadamente ao nível do exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais, e que é acolhido de forma expressa no art. 4° do Código de Processo Civil) têm de ser observados no caso em apreço, sob pena de se violarem os referidos preceitos constitucionais.

            Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado concedendo-se provimento ao mesmo, devendo em consequência, ser revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que admita o Recurso arbitral interposto pela expropriada ora Recorrente.

            A Recorrida EDP, sem questionar a recorribilidade da decisão, contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão recorrido.


***

            Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

           I. EDP-Gestão de Produção de Energia, S.A., entidade expropriante nos autos de Expropriação nº 12/14.7TBMGD, da comarca de Bragança, ...-Inst. Local -Sec. Comp. Gen. – J1, em que são expropriados AA e outros, veio, interpor recurso do despacho proferido nos autos em 2/12/2014, o qual decide, nos seguintes termos:

           “Por serem legais, tempestivos e terem sido apresentados por quem tem legitimidade, admito os recursos interpostos pelos expropriados AA, BB, CC, DD, EE e FF, a 25.02.2014 e pela expropriada GG, Lda.

                O referido recurso tem efeito meramente devolutivo (art. 38º, n.º 3, do Código das Expropriações).

                Notifique a expropriada para, querendo, responder em 20 dias (arts. 59º e 60º do Código das Expropriações).

                Notifique.”

           2. Consta da decisão recorrida, com referência aos elementos dos autos:

           “O presente processo expropriativo teve início com o requerimento apresentado, a 15 de Janeiro de 2014, pela entidade expropriante, com vista à expropriação da parcela MM0088.00.

               A fls. 764 dos autos, com data de 21.01.2014 foi proferido despacho de adjudicação da parcela em causa ao estado Português, como resulta do teor da decisão.

               Tal decisão foi notificada aos expropriados nas datas constantes da informação supra, ou seja, 24.01.2014.

               Sucede que, a fls. 780 foi proferido despacho de rectificação do despacho de adjudicação, nos termos que damos por integralmente reproduzidos.

               Deste despacho foram os expropriados notificados a 6.02.2014.

                A fls. 799 dos autos vieram os expropriados, AA, BB, CC, DD, EE e FF, a 11.02.2014 juntar procuração forense a favor da I. Mandatária II.

               A fls. 341, bem como a fls. 817 e 823, encontra-se devolvida a notificação da expropriada HH. Tentada nova notificação a mesma frustrou-se, e apenas se veio a concretizar a 23.04.2014.

               A 25.02.2014 vieram os recorrentes supra identificados apresentar as respectivas alegações de recurso, por requerimento datado de 25.02.2014.

               Por seu turno, a expropriada GG, Lda. Veio a fls. 984 e ss dos autos apresentar as suas alegações de recurso, pelo requerimento datado de 27.02.2014.

               A fls. 1049 foram as partes notificadas para se pronunciarem quanto à extemporaneidade dos recursos apresentados.

                (...)

               Na sequência de tal despacho, veio a expropriada GG, Lda. alegar que a co-expropriada HH apenas havia sido notificada a 23.04.2014, aproveitando, portanto, aos demais interessados o prazo de que ela dispunha para interpor recurso, por força da aplicação do disposto no art. 569.º do CPC ao presente caso, alegando a tempestividade do recurso em causa. Mais refere que a contagem do prazo para recurso se iniciou aquando da notificação da rectificação do despacho de adjudicação que teve lugar a 6.02.2014. Por fim, alega, ainda, que o aviso de recepção da carta da citação foi assinado por terceiro e não pelos representantes legais da sociedade, não tendo o mesmo sido advertido, nos termos e para os efeitos do art. 228.º, 4 do CPC, aplicável por força do art. 246.º, 1 do CPC, não podendo a data constante do aviso ser tida em consideração. Não tendo, inclusivamente, sido assinalado o prazo de dilação de que dispunha por estar sediada em comarca diferente da deste tribunal.

               Por seu turno, AA e os demais expropriados constantes do recurso apresentado vieram alegar que, pelo facto de ter sido remetido às partes nova notificação do despacho de adjudicação, aquando da notificação das devidas rectificações se iniciou novo prazo, porquanto, foram os expropriados novamente notificados para usar a faculdade prevista no n.º 5 do art. 51.º do CE. Mais alegam que os erros da secretaria, nos termos do art. 157.º do CPC não podem prejudicar as partes. Acrescentando que, na esteira do recurso acima abordado, que a expropriada HH foi notificada posteriormente, pelo que o seu prazo deve aproveitar aos demais. E, por fim, alegam terem pago a competente multa por terem apresentado os recursos no primeiro dia útil seguintes.

                Por fim, a entidade expropriante veio pronunciar-se a fls. 1099 e ss alegando, em suma, pela verificação da extemporaneidade dos mesmos e consequente rejeição, porquanto, os mesmos foram apresentados depois do término do prazo e, além disso, estamos perante um acto de notificação da secretaria e não de um acto de citação, pelo que não são aplicáveis as normas processuais referidas pelas partes.

                (…)

                Cumpre apreciar e decidir.”

            3. Tendo vindo a ser proferida a decisão recorrida de admissão dos recursos da decisão arbitral relativa à parcela MM0088.00, expropriada nos presentes autos, interpostos pelos expropriados AA, BB, CC, DD, EE e FF, a 25.02.2014 e pela expropriada GG, Lda., com os seguintes fundamentos:

            (...) No caso em concreto, verificámos que os expropriados, à excepção de HH, foram notificados a 24.01.2014 do despacho de adjudicação. Sucede que, a requerimento da entidade expropriante vieram a ser rectificados lapsos de escrita, conforme resulta do teor de fls. 780. Sendo estes notificados às partes a 6.02.2014.

               Ora, impõe-se aferir a partir de que momento se deve contar o prazo de recurso constante do art. 52.º do CE, para avaliar da tempestividade dos recursos interpostos pelos expropriados.

              Dispõe o art. 614.º do CPC, aplicável tanto a sentenças como a despachos (art. 613.º, 3 do CPC, no sentido que: “1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz. 2 - Em caso de recurso, a rectificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à rectificação. 3 - Se nenhuma das partes recorrer, a rectificação pode ter lugar a todo o tempo”.

               A lei processual civil, por razões evidentes de justiça material, e em termos claros e circunscritos, prevê o mecanismo da correcção das decisões (...) Podendo o juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e rectificá-la se contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto (arts 614.º, 1 do C.P.C.), sempre com o limite da não modificação essencial.

                E, como se diz no art. 617º, nº2, parte final, a decisão que deferir a rectificação ou a reforma considera-se complemento e parte integrante da sentença.

               Nesta medida, consideramos, salvo melhor opinião, que se a correcção ou a rectificação passam a fazer parte integrante da sentença, então só depois disso é que temos uma decisão para eventual recurso, em causa está, quanto a nós, a denominada unidade da ordem jurídica, na medida em que, somos levados a considerar que, apenas com a introdução das correcções no despacho de adjudicação aquele ficou perfeito, pelo que, só a partir da notificação deste despacho a decisão se tem como boa, dada a integração da rectificação no despacho original, logo, o prazo em causa, salvo melhor opinião, deve começar a contar a partir das notificações ocorridas a 6.02.2014, sendo que, tal posição encontra, designadamente, apoio no aresto do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 12.03.2007, no âmbito do Processo n.º163/07-1, disponível em www.dgsi.pt.

               Face ao exposto, escusamo-nos de analisar os demais argumentos esgrimidos pelas partes e consideramos tempestivos os recursos ora apresentados pelos expropriados, inclusivamente, face ao pagamento das respectivas multas no âmbito do disposto no art. 139.º, 5 do Código de Processo Civil.

                Notifique.”


***


            Fundamentação:

           Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

           - se foi atempada a interposição de recurso da decisão arbitral por parte dos expropriados, o que passa por saber quais os efeitos da notificação do despacho de rectificação do despacho de adjudicação quanto estava em curso o prazo para recorrer da decisão arbitral, em virtude de anterior notificação.

           Os recorrentes, em primeira linha, filiam a admissibilidade do recurso no disposto no art. 671º, nº1, do Código de Processo Civil que estatui – “1. Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.

            Para aferir do bem fundado deste fundamento importa saber que decisão está em causa. Essa decisão relaciona-se com a pretensão dos expropriados de recorrerem da decisão arbitral proferida em processo de expropriação por utilidade pública.

           Dispõe o art. 38º, nº1, do Código das Expropriações (CE) que na falta de acordo entre expropriante e expropriado – arts. 33º e 34º – sobre o valor da indemnização é este fixado por arbitragem com recurso para os tribunais comuns. Do seu nº3 decorre que “da decisão arbitral cabe sempre recurso com efeito meramente devolutivo para o tribunal da situação dos bens ou da sua maior extensão”.

           O processo de expropriação é, pois, um processo especial que comporta a existência de decisão proferida por árbitros, sendo a arbitragem obrigatória, o laudo arbitral é remetido ao juiz que, como decorre do nº5º do art. 51º do CE/99 – Lei nº168/99, de 18.9 – “No prazo de 10 dias, adjudica à entidade expropriante a propriedade e posse, salvo, quanto a esta, se já houver posse administrativa, e ordena simultaneamente a notificação do seu despacho, da decisão arbitral e de todos os elementos apresentados pelos árbitros, à entidade expropriante e aos expropriados e demais interessados, com indicação, quanto a estes, do montante depositado e da faculdade de interposição de recurso a que se refere o artigo 52º.”

Nos termos do art. 52º, nº1, do CE/99 – “O recurso da decisão arbitral deve ser interposto no prazo de 20 dias a contar da notificação realizada nos termos da parte final do n.º5 do artigo anterior, sem prejuízo do disposto no Código de Processo Civil sobre interposição de recursos subordinados, salvo quanto ao prazo, que será de 20 dias”.


Entende-se geralmente na jurisprudência, que a decisão dos árbitros é uma decisão jurisdicional, por funcionar como tribunal arbitral obrigatório – cfr. por todos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2.12.1993, in CJ/STJ, III, 159.


Sobre saber se a decisão dos árbitros, no processo de expropriação por utilidade pública, constitui ou não decisão jurisdicional capaz de conduzir à formação de caso julgado, pronunciou-se o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão de 5.3.98, publicado, in DR. II Série de 9.7.98, nos seguintes termos, cuja acuidade se mantém, apesar de ser outro o Código das Expropriações aqui aplicável:

           “ (...) Não restam dúvidas de que os árbitros, dispondo de independência funcional (eles são de facto designados de entre uma lista oficial de cidadãos sujeitos a inibição e impedimentos vários: cf. artigos 43º, nº2, do Código das Expropriações, 2º e 3º do Decreto-Lei nº44/94, de 29 de Fevereiro, e 1º do Decreto Regulamentar nº21/93, de 15 de Julho), intervêm “in casu” para dirimir um conflito de interesses entre partes no processo de expropriação litigiosa.

Eles compõem um conflito entre entidades privadas e públicas ao decidirem sobre o valor do montante indemnizatório da expropriação, sendo que tal decisão visa tornar certos um direito ou uma obrigação, não cons­tituindo um simples arbitramento.

Tal intervenção, traduzida no recurso à arbitragem obrigatória, quanto à fixação do valor global da indemnização como primeiro passo nessa fixação, imposto pelos artigos 42º a 49º do Código citado, cabe, pois, no âmbito da acção de um qualquer tribunal arbitral, que o nº2 do artigo 211º da Constituição admite, como se viu já, quando prevê as categorias de tribunais (conquanto não defina o que são tribunais arbitrais, “há-de entender-se que foi recebido o conceito decorrente da tradição jurídica vigente no direito infraconstitucional”, como dizem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira loc. cit. p. 808; cfr. o citado Acórdão deste Tribunal Constitucional nº33/88).

Sendo a decisão dos árbitros no processo de expropriação, por uti­lidade pública uma verdadeira decisão judicial, é ela susceptível de formar caso julgado sobre o valor da indemnização devida ao expro­priado, se não for por este adequada e tempestivamente impugnada.

Nada tem, por isso, de inconstitucional a norma do artigo 671º do Código de Processo Civil, enquanto aplicável à decisão arbitral no processo expropriativo, já que a mesma consagra um valor cons­titucionalmente tutelado: o valor de caso julgado, ou seja, o valor da certeza e segurança jurídicas, o qual constitui uma das dimensões do princípio do Estado de direito, consagrado nos artigos 2º e 9º alínea b), da lei fundamental (...).”

               Sendo a decisão proferida no contexto da arbitragem obrigatória no processo expropriativo por utilidade pública uma verdadeira decisão judicial, a cujo trânsito em julgado se obsta mediante recurso para o Tribunal de comarca, à primeira vista parece não se poder considerar que, não tendo sido atempadamente interposto tal recurso, não existe uma decisão que põe fim ao processo atendendo à literalidade da norma contida no art. 671º, nº1, do Código de Processo Civil.

           Todavia, como se ponderou doutamente no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 28.1.2016 – 1006/12.2TBPRD.P1-A.S1 – de que foi Relator Abrantes Geraldes, aresto acessível, in www.dgsi.pt, sobre o âmbito de aplicação do art. 671º, nº1, do Código de Processo Civil ele é mais lato abrangendo, além de outros, os casos de não admissão de recurso, por intempestividade:

           “Embora o preceito apenas se reporte textualmente à absolvição do réu ou algum dos réus da instância, em relação a todos ou a alguns dos pedidos (o mesmo ocorrendo quanto à absolvição da instância quanto a pedido ou pedidos reconvencionais que atingirá o autor, na sua posição de reconvindo), cremos que tem suficiente latitude para abarcar outras formas de extinção da instância, ainda que formalmente não sejam de qualificar como “absolvição da instância”, designadamente quando se verifique uma circunstância reveladora da impossibilidade ou da inutilidade superveniente da lide. Outrossim quando se traduza, por exemplo, no decretamento da deserção do recurso ou na sua rejeição por inverificação dos respectivos pressupostos (v.g. ilegitimidade, extemporaneidade) ou de requisitos formais (v.g. falta de alegações ou de conclusões)”.

           Entendimento agora sustentado na 3ª edição do mesmo livro, [“Recursos em Processo Civil”], embora o preceito apenas se reporte textualmente à absolvição do réu ou algum dos réus da instância, em relação a todos ou a alguns dos pedidos (o mesmo ocorrendo quanto à absolvição da instância quanto a pedido ou pedidos reconvencionais que atingirá o autor, na sua posição de reconvindo), cremos que tem suficiente latitude para abarcar outras formas de extinção da instância, ainda que formalmente não sejam de qualificar como “absolvição da instância”, designadamente quando se verifique uma circunstância reveladora da impossibilidade ou da inutilidade superveniente da lide.            Outrossim quando se traduza, por exemplo, no decretamento da deserção do recurso ou na sua rejeição por inverificação dos respectivos pressupostos (v.g. ilegitimidade, extemporaneidade) ou de requisitos formais (v.g. falta de alegações ou de conclusões)”.

           Sufragando este entendimento, a decisão é admissível ao abrigo do referido normativo. Mas, mesmo que assim não fosse, o certo é que o Acórdão recorrido está em oposição com o sentenciado no Acórdão-fundamento, como se decidiu no despacho liminar, pelo que com esse fundamento a decisão é recorrível.

           Discordando os interessados da decisão arbitral que lhes foi comunicada pelo despacho a que alude o nº5 do art.51º do CE, ocorre decisão que põe termo ao processo, caso o Tribunal da Relação não admita o recurso por considerar extemporânea a respectiva interposição

           Lembre-se que o Tribunal de comarca, nos processos de expropriação por utilidade pública, é a 1ª instância de recurso e a Relação é o Tribunal de 2ª Instância.

           Em processo de expropriação por utilidade pública, sendo simultaneamente notificado aos interessados a decisão arbitral e o despacho de adjudicação à entidade expropriante da propriedade e da posse do bem expropriado, salvo quanto a esta se já houver posse administrativa, correndo desde aí o prazo para recorrer, não se pode cindir a única e simultânea notificação embora com dois efeitos: um substantivo e outro processual para proceder a uma contagem autónoma dos prazos.

             A notificação a que alude o art. 51º, nº5, do CE/99 deve conter, além de outros elementos ou requisitos ali referidos, uma advertência essencial “a faculdade de interposição de recurso a que se refere o art. 52º”.

            O recurso tem a tramitação prevista no art. 52º devendo ser interposto no prazo de 20 dias a contar da referida notificação.

            Não havendo atempada interposição do recurso da arbitragem – arts. 52º e 58º do CE – as consequências são as que constam do nºs 2 a 5 do art. 52º do CE, que, obviamente, têm implícito o trânsito em julgado da decisão dos árbitros que, como vimos, é uma inquestionável decisão judicial, e não um mero meio de prova (arbitramento).

            Os expropriados, pessoas singulares, requereram que, não sendo admitido o recurso nos termos do art. 671º do Código de Processo Civil, o seja com fundamento na contradição de acórdãos prevista no art. 629º, nº2, c) do Código de Processo Civil.

           Este normativo afirma ser admissível o recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, se o Acórdão da Relação estiver em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão uniformizador de jurisprudência com ele conforme.

           Os Recorrentes aduzem que o Acórdão recorrido está em oposição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6.11.2008, proferido no Processo nº7993/2008-6 erigido em Acórdão-fundamento, de que juntaram cópia.

            O aresto está publicado in www.dgsi.pt e do sumário consta:

           

           “I – As partes têm que contar com a diligência e eficácia dos servidores judiciais confiando neles e no papel que cada agente judiciário tem no processo, com vista a uma sã administração da justiça.

               II – A regra constante do nº 1 do art. 161º do Código de Processo Civil, implica que o acto da parte não pode, em qualquer caso, ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido”.

               III – A tutela de confiança, como elemento de um processo equitativo, sai abalada quando o tribunal, dando um sinal no sentido de um acto produzir determinados efeitos, acaba por decidir em sinal contrário, “dando o feito por não feito”. Das omissões e erros dos actos que os funcionários pratiquem não pode resultar, em qualquer caso, prejuízo para as partes”.

            O art. 161º do Código de Processo Civil de 1961 corresponde ao actual art. 157º do Código de Processo Civil, sendo que os nºs 3, 5 e 6 do diploma vigente reproduzem textualmente os mesmos números do art.161º. No essencial ambos os normativos enunciam os mesmos princípios relacionados com os actos da secretaria, função e deveres destas.

            De comum a aplicação nos acórdãos fundamento e recorrido do nº6 do preceito que estabelece – “Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.

            O fundamento do recurso ancora no facto de estando a decorrer o prazo da notificação aos expropriados do despacho de adjudicação a que se refere o nº5 do art. 51º do CE, notificação feita pessoalmente, (sem que tivessem sequer mandatário constituído), na sequência da rectificação judicial oficiosa de erro material, ter sido repetida aquela notificação. Ante ela o prazo para recorrer foi contado pelos ora recorrentes, desde a data desta 2ª notificação dimanada da secretaria do Tribunal.

           A 1ª Instância considerou atempado o recurso interposto pelos expropriados assente na contagem do prazo de 20 dias para recorrerem da decisão arbitral, enquanto que o Tribunal da Relação, adversamente, considerou extemporânea a interposição do recurso, por no seu entender, o prazo que estava em curso não poder ser alterado pela segunda notificação.

           Se bem entendemos a Relação considerou cindível o conteúdo do despacho a que alude o art. 51º, nº5º, do CE, do ponto que afirma:

           “Valendo, no caso em apreço, a data da decisão, mesmo que reparada ou rectificada, nos termos acima assinalados, não se interrompendo ou renovando tal prazo com a apresentação de reclamação do despacho e prolacção de despacho de rectificação, e, mesmo que oficioso, (cfr. decorre dos preceitos legais aplicáveis, e, nomeadamente, em confronto, precisamente, com a distinta determinação para os casos de recurso da decisão “reparada ou reformada” nos termos do nº2 do art. 617º citado).

           Acresce, que a decisão proferida nos autos principais em 21/1/2014, e que nos termos do disposto no art. 51º – nº5, do Código das Expropriações, adjudicou à entidade expropriante a propriedade da parcela de terreno expropriada, rectificada por despacho judicial de 3/2/2014, não conhece nem decide de mérito da causa, não se tratando de decisão sobre a relação material controvertida, tendo exclusivos efeitos processuais no processo em que é proferida, destinando-se de regular os termos legalmente prescritos do processo de expropriação litigiosa, decorrente da declaração de utilidade pública da expropriação, o que pressupõe a prévia existência de acto administrativo de expropriação, válido, tendo, por sua vez, por exclusiva finalidade, o processo de expropriação litigiosa, no qual é proferida a decisão de adjudicação à entidade expropriante da propriedade e posse do terreno expropriado nos termos do art. 51º – nº 5, do Código das Expropriações, fixar o valor da indemnização – Código das Expropriações – Capítulo II, art. 38º e sgs; e, sendo a notificação a realizar, prevista no art. 51º-nº5, parte final, do Código das Expropriações, referente à faculdade das partes de interposição de recurso a que se refere o artigo 52º, do citado código, ou seja, o recurso da “Decisão Arbitral.”

           Decorre deste trecho essencial da fundamentação do douto Acórdão que tendo havido uma rectificação oficiosa do despacho de adjudicação é ela irrelevante em termos da contagem dos prazos, porque os recorrentes pretendiam era recorrer da decisão da arbitragem e não do despacho de adjudicação, entretanto rectificado e notificado aos expropriados.

           Salvo o devido respeito, não sufragamos tal interpretação que decorre de uma interpretação do art. 51º, nº5, do CE que, pelas razões anteditas, não parece ser a que mais se ajusta espírito da lei e, muito menos, salvaguarda os sensíveis interesses em causa. Trata-se da ablação forçada do direito de propriedade, direito fundamental a postular garantias na oportunidade da sua defesa, devendo adoptar-se interpretação que salvaguarde sólida possibilidade de recurso e não que a restrinja.

           Estando em causa o prazo para recorrer, na sequência da unitária notificação a que alude o art. 51º, nº1, do CE, que, reafirmamos, não é cindível para que se possa afirmar que ante ela os interessados ou recorrem da decisão arbitral ou do despacho de adjudicação, as partes devem ter confiança nos actos da secretaria judicial que são pré-ordenados ao cumprimento de decisão judicial, sendo razoável que confiem na perfeição e genuinidade do acto de execução de decisão judicial.

           Se na pendência do prazo de 20 dias para recorrer daquela decisão, prazo que se iniciara a 24.1.2014 e, por despacho de 3.2.2014, o Juiz rectifica, oficiosamente, um erro contido na decisão, seja material ou não, tal decisão deve ser notificada às partes podendo ter repercussão na contagem do prazo em curso.

            O 2º despacho foi notificado pessoalmente aos expropriados em 62.2014, por ofício do Tribunal. A rectificação não era de pequena monta já que, como decorre do despacho de fls. 780, de 3.2.2014, na sequência de conclusão por ordem verbal – consta:

           

            “Compulsados os autos e analisada a certidão da Conservatória do Registo Predial junta aos mesmos, verifica-se ainda que o despacho de adjudicação padece de lapso de escrita, na parte em que descreve o prédio em causa nos autos.

           De acordo com o disposto no artigo 614.°, n.°1 do Código de Processo Civil, se a sentença contiver erro ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outras omissões ou lapso manifesto, pode ser corrigida a simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.

           Nos termos do n.°3 deste normativo, se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.

            Nessa conformidade e porque se trata de um manifesto lapso de escrita, determino a retificação do despacho de adjudicação proferido nestes autos, de molde a que onde se lê “ (…) a desanexar do prédio rústico (…) ‘‘ passe a constar “ (…) a desanexar do prédio misto, sito na freguesia …, concelho de …., inscrito na matriz predial sob os artigos .…, …, …, …, …, …, …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.°…”

            Proceda à alteração no local próprio.

            Notifique.” (destaque e sublinhado nosso)

               Não se vislumbra razão que justificasse a não notificação às partes deste despacho rectificativo, já que a possibilidade de rectificação de sentenças e despachos decorre dos arts. 613º, 614º e 616º do Código de Processo Civil, visando estabilizar as decisões, sendo que, integrando-se a rectificação na decisão rectificanda, não está vedado à parte afectada pela rectificação recorrer.

            Dada a especificidade da notificação prevista no art. 51º, nº5, do CE não sendo a parte advertida que a contagem do prazo em curso se manteria (apesar de entretanto, ter sido já notificada do despacho que rectificou o despacho de adjudicação) e contendo esta 2ª notificação alusão à faculdade de interposição do recurso da decisão arbitral, não pode ser censurado o notificado que confiou nesta notificação como sendo a definitiva (expurgada de lapso) e contou desde aí o prazo para recorrer.

            Também se dirá que a distinção operada no Acórdão recorrido, no que respeita ao objecto da rectificação, fazendo destrinça conforme se trate do mérito ou da forma da decisão rectificada, para estabelecer um regime diverso quanto à posição da parte notificada da decisão, não assume consagração na previsão legal. Obviamente que não estava em causa o acto administrativo fundante da expropriação.

            O Acórdão recorrido considera que “inexiste qualquer erro ou lapso da secretaria pois que com a notificação de 6/2/2014, não procedeu a secretaria a nova notificação dos expropriados do despacho de 21/1/2014, mas tão só á notificação do despacho de rectificação de 3/2/2014, mesmo que acompanhado de cópia da decisão e notificação anteriores, cumprindo o disposto no art. 253º do Código de Processo Civil.”

           Salvo o devido respeito, tendo a secretaria na 2ª notificação (provocada pela rectificação do despacho de adjudicação) notificado os expropriados por ofício expedido em 6.2.2014, juntando cópia do despacho do despacho primeiramente notificado e contendo este alusão à faculdade de interpor recurso, estamos perante uma única notificação passível de interpretação equívoca, pelo que, mesmo que não se tratasse de lapso da secretaria, as partes poderiam razoavelmente interpretar a 2ª notificação como fundando a contagem de prazo para recorrer, prevalecendo neste ponto esta 2ª notificação sobre aqueloutra.

           A notificação foi, como se disse, equívoca não se sabendo sequer em que termos o Juiz ordenou a notificação do despacho de rectificação, sendo de muito relevante que tal notificação tenha ocorrido na pendência do prazo que estava em curso.

           Na dúvida dever entender-se, e assim se entende, que a parte não pode ser prejudicada por actos praticados pela secretaria judicial como estatui o art. 157º, nº6, do Código de Processo Civil vigente, e preceituava identicamente, o nº6 do art. 161º do vCódigo de Processo Civil convocado no Acórdão-fundamento.

           Ao erro ou omissão referentes a notificações da secretaria judicial são de equiparar actos equívocos, ou de dúbia interpretação, e que possam afectar negativamente direitos dos seus destinatários, desde que a interpretação lesiva que deles possa ser feita, aferida pelo standard interpretativo do destinatário normal – art. 236º, nº1, do Código Civil – possa ser acolhida.

           No caso, entender que o prazo para recorrer corria indiferentemente ao conteúdo da 2ª notificação, implicaria, objectivamente, uma limitação injustificada do direito a recorrer, afrontando o preceito constitucional do art. 20º da Lei Fundamental. 

           José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado” – Volume 1º – Artigos 1º a 361º – pág. 316, em anotação ao art. 157º, escrevem:

          “O n.°6 estabelece a regra de que a parte não pode ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria judicial. Esta regra implica, por exemplo, que o ato da parte não pode, “em qualquer caso”, ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido (veja-se, designadamente, o art. 191-3).”

           Tendo os recorrentes interposto recurso da decisão arbitral em 25.2.2014, contando o prazo de 20 dias para recorrer a partir da 2ª notificação (de 6.2.2014), fizeram-no atempadamente.

           Assim sendo, o Acórdão recorrido não pode manter-se, considerando este Supremo Tribunal de Justiça que o recurso interposto pelos Recorrentes pessoas singulares, foi atempado, pelo que se revoga para ficar a valer a decisão da 1ª Instância.

            Quanto à expropriada GG, Lda.

            Como antes vimos, esta recorrente aderiu ao recurso interposto pelos expropriados pessoas singulares e, “adicionalmente”, recorreu de revista.

            Decorre do art. 634º, nº2, a) do Código de Processo Civil que, fora dos casos de litisconsórcio necessário, o recurso interposto aproveita aos outros compartes se “estes, na parte em que o interesse for comum, derem a sua adesão ao recurso”.

           O nº3 preceitua “A adesão ao recurso pode ter lugar, por meio de requerimento ou de subscrição das alegações do recorrente, até ao início do prazo referido no nº1 do artigo 657º.”

           

           O nº4 do citado preceito dispõe: “Com o ato de adesão, o interessado faz sua a actividade já exercida pelo recorrente e a que este vier a exercer; mas é lícito ao aderente passar, em qualquer momento, à posição de recorrente principal, mediante o exercício de atividade própria; e se o recorrente desistir, deve ser notificado da desistência para que possa seguir com o recurso como recorrente principal”.

            “A adesão ao recurso interposto por outrem é restrita aos casos em que o interesse em discussão seja comum. Tal situação não atinge a comunhão de interesses que caracteriza o litisconsórcio necessário, mas, apesar da autonomia de cada uma das acções, existe um interesse total ou parcialmente comum, como ocorre nos casos de obrigações solidárias ou conjuntas.

           Em tais circunstâncias, os compartes podem aderir à iniciativa daquele ou daqueles que interpuseram recurso, a fim de extraírem proveito do que viera ser decretado”. - Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2ª edição, em nota ao art. 634º, pág. 85.

           É inquestionável que a recorrente GG dispõe de interesse comum aos recorrentes expropriados pessoas singulares. Foi expropriada e as vicissitudes processuais descritas relativas à notificação também quanto a si se verificaram, pelo que aderindo à pretensão recursiva dos demais recorrentes o que se sentenciou em sede de revista aplica-se-lhe.

 

            Assim, o recurso que interpôs da decisão arbitral foi atempado pelas razões que antes aduzimos.

           Como argumento novo apresenta a recorrente o de que o chamamento dos expropriados a juízo, ao abrigo do art. 51º, nº5, do CE, deveria ser feito não pela via da notificação do despacho de adjudicação mas pela via da citação por a ela ser equiparável.

           Como antes se disse a decisão dos árbitros é uma verdadeira decisão judicial. A comunicação feita pelo Tribunal nos termos do art. 51º, nº2, do CE não se destina a citar os destinatários para uma acção lato sensu, mas a dar-lhes conhecimento, notificá-los, da adjudicação e, simultaneamente, informar que podem recorrer da decisão. Nesta perspectiva não se vislumbra que tal acto deva ser equiparado à citação, que encerra formalidades mais exigentes.

            “Nem o elemento literal, nem o racional, nem mesmo o histórico favorecem o entendimento de que a notificação da decisão arbitral dos expropriados deveria ter sido feita com observância das formalidades da citação, pois se assim se pretendesse teria o legislador – de presumir como consagrando as soluções mais acertadas – exigido a observância das formalidades da citação, nessa notificação” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 24.6.1993, in www.dgsi.pt, cuja doutrina, malgrado estarmos na vigência do CE de 1999, tem plena actualidade.

 

           Mas a questão, tendo a Recorrente aderido ao recurso dos demais expropriados, em vista o desfecho de tal recurso, não assume relevância.

 

            Destarte o Acórdão recorrido não pode manter-se.

            Sumário – art.667º, nº3, do Código de Processo Civil

            Decisão:

           Nestes termos, concede-se a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, com a consequente repristinação da decisão da 1ª Instância, por se considerar tempestiva a interposição do recurso, pelos Expropriados pessoas singulares, e pela Expropriada também recorrente “ABM-Actividades de Gestão Cinegética, Lda.” –, que apresentaram na sequência da segunda notificação, feita ao abrigo do art. 51º, nº5, do Código das Expropriações.

            Custas pela expropriante.

Supremo Tribunal de Justiça, 5 de abril de 2016

Fonseca Ramos (Relator)

Fernandes do Vale

Ana Paula Boularot

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[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.