Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
108/13.2TBMIR-A.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE EXECUÇÃO / TITULO EXECUTIVO.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / NEGÓCIOS UNILATERAIS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. I, 2.ª ed.,68 e ss., 174.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2ª ed., 321, 334-335.
- Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Depois da reforma, 5.ª ed., 29.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, vol. I, 2.ª ed., 385.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 458.º, N.º1, 595.º, N.º 1, AL. A).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 46.º, N.º 1, AL. C) 802.º (ACTUAL 713.º), 810.º, N.º 3, AL. B) (ACTUAL 724.º, N.º 1, AL. E)).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 713.º, 724.º, N.º 1, AL. E), 729.º, AL. A), EX VI DO ART.731.º.
LEI N.º41/2013, DE 26/6: - ARTIGOS 6.º, 8.º.
Sumário :

I - O título executivo deve conter os requisitos necessários para, por si só, nos certificar da existência da obrigação e do direito correspondente – é o chamado princípio da suficiência do título executivo.

II - Tem-se admitido, todavia, que possam valer como títulos executivos documentos que reconheçam a obrigação exequenda, embora de forma não expressa ou categórica, e que, por isso, careçam de ser conjugados com elementos fácticos complementares, ainda que estranhos ao próprio título.

III - Elementos esses que seriam adquiridos processualmente, mediante a respectiva alegação feita pelo exequente no requerimento executivo, e posterior prova a seu cargo.

IV – No documento particular, o devedor pode limitar-se a confessar a dívida, sem menção do respectivo negócio causal, o qual se presume, fazendo recair sobre o devedor o ónus de provar que aquela causa não existe, nos termos do nº1, do art. 458º, do C.Civil.

V – Assim, o exequente fica dispensado de provar tal causa, mas não fica dispensado de a alegar, designadamente no requerimento executivo, quando do título executivo não consta a causa da obrigação.

VI - Quando se está perante documento particular, a liquidez da obrigação pecuniária (ressalvada a liquidação por mero cálculo aritmético) integra também o próprio título executivo.

VII - Por força do disposto no art.802º (cfr. o actual art.713º), a certeza, exigibilidade e liquidez são pressupostos de carácter material que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, já que, sem eles, não é admissível a satisfação coactiva da pretensão.

VIII - O que significa, desde logo, que, tratando-se de documento particular, e sendo a liquidez da obrigação pecuniária, ainda que por mero cálculo aritmético, elemento integrante do próprio título executivo, a falta daquela implica inexistência ou insuficiência deste.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

1 – Relatório.

AA deduziu oposição à execução que contra ele e outra moveu BB, Ld.ª, alegando que o título dado à execução não preenche os requisitos necessários para que tenha força executiva.

Para o efeito, alega que dos documentos juntos pela exequente não se pode inferir qualquer confissão expressa de dívida por parte dos executados.

Mais alega que deles não consta a causa de pedir, pelo que não está dispensada a alegação da relação material subjacente, que deveria constar da exposição dos factos.

Conclui, assim, que o requerimento executivo é inepto, por não indicar o facto gerador da obrigação.

A exequente contestou, alegando que os sócios da empresa CC, Ld.ª, entre os quais se encontram os ora executados, assumiram expressa e pessoalmente uma dívida perante a exequente.

Mais alega que a causa de pedir é a confissão da dívida feita por aqueles sócios.

Conclui, deste modo, que, do título executivo e do requerimento executivo, consta a confissão de dívida dos sócios e a narração dos factos que integram a causa de pedir, pelo que não há ineptidão.

Seguidamente, foi proferido saneador-sentença, tendo-se decidido julgar totalmente improcedentes os embargos e determinar o prosseguimento da execução.

Inconformado, o opoente interpôs recurso de apelação daquela sentença, o qual foi julgado procedente, tendo o acórdão da Relação revogado a decisão recorrida, julgando procedentes os embargos e extinta a execução.

Inconformada, a exequente interpôs recurso de revista daquele acórdão.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. No acórdão recorrido consideraram-se relevantes os seguintes factos:
1. O exequente apresentou com o requerimento executivo dois documentos: cópia da acta da assembleia geral da sociedade por quotas denominada CC, Lda, realizada em 29 de Agosto de 2011, e cópia do relatório e contas de gestão da dissolução/ liquidação da mencionada sociedade.
2. Da acta da assembleia geral da sociedade, assinada pelos executados, consta, além do mais: Ponto Dois: Seguidamente o sócio gerente DD pediu de novo a palavra e afirmou que em virtude da sociedade, na presente data, já não ter qualquer activo nem passivo, se encontrava em condições de poder ser dada como liquidada (…).
3. Do relatório e contas de gestão da dissolução/liquidação, também assinada pelos executados consta: 3- Pagamento do passivo; 3.3. Outras dívidas “passaram para a responsabilidade dos sócios as seguintes dívidas: BB, Lda – 65 000,00”.
4. No requerimento executivo a exequente alegou: “no seguimento da dissolução da sociedade comercial CC, Lda, os executados assumiram uma dívida perante a exequente, por documento particular. A cada um dos executados cabe o pagamento de 16 250,00”.
Por nossa parte, consideramos, ainda, relevantes os seguintes pontos constantes do «Relatório e Contas de Gestão da Dissolução/Liquidação» (fls.34 a 35 v.º):
 «2.2 – Alienação dos bens do activo imobilizado
Foram transferidos para os sócios todos os bens do activo imobilizado pelo justo valor encontrado, tendo havido colaboração de todos os sócios na concretização das transferências nomeadamente para decisão do preço final a obter.
Valor das transferências
Escoras e juntas                         2.500,00€
Balde de descarga lateral              170,00€
Lixadeira                                        850,00€
Grua                                          36.000,00€
(…) 
3.4 – Empréstimos dos Sócios
No início do período de Liquidação comercial da sociedade existiam dívidas aos sócios que totalizavam 193.473,87€, assim repartidas:
Sócio DD                 97.337,75€
Sócio EE                 96.136,12€
(…)
6 – Obrigações declarativas
Sendo aprovadas as contas que aqui se apresentam, assim como o projecto de partilha, há que cumprir as inerentes obrigações declarativas perante a Conservatória de Registo Comercial e Administração Fiscal.
(…)».
Consideramos, também, relevante, o seguinte ponto constante da acta da assembleia geral realizada em 29/8/11 (cfr. fls.33):
«Postas à votação, foram aprovadas, por unanimidade, as contas e o respectivo balanço de exercício final, assim como a declaração de encerramento da liquidação, por inexistência de activo e passivo (…)»

2.2. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que veio revogar e substituir a decisão da 1ª instância por outra, a julgar procedentes os embargos de executado e a julgar extinta a execução.

2. Salvo melhor opinião, a ora recorrente considera que ao julgar o recurso procedente e ao revogar a decisão da 1ª instância, o acórdão recorrido violou a lei substantiva e a lei de processo, o que constitui fundamento para a presente revista (cfr. artigo 674º, nº1, alínea a) e b) do C.P.Civil).

3. No âmbito deste processo, quer ao nível da 1ª instância quer ao nível da 2ª instância, foi definido que o documento que serve de base à execução (relatório e contas de gestão da dissolução/liquidação) contém o reconhecimento de uma dívida, tal como está previsto no Art.458º, nº1 do C.Civil.

4. Concordamos com o douto acórdão proferido nos presentes autos, na parte em que refere que a declaração dos sócios « … contém o reconhecimento de uma dívida e a promessa de a pagar …».

5. No entanto, não concordamos que tal declaração da empresa e seus sócios não configure (também) uma assunção de dívida.

6. No referido relatório, a empresa e os seus sócios não só reconheceram a existência de uma dívida à exequente no valor de 65.000,00 €, como decidiram transmitir a responsabilidade pelo pagamento da referida dívida, da esfera da empresa para a esfera pessoal dos seus sócios.

7. Operou-se, é certo, uma transmissão da dívida através de um acordo entre a empresa e os seus sócios, nos termos do Art.595º, nº1, alínea a) do C.Civil.

8. É largamente maioritário na doutrina e jurisprudência o entendimento de que, quando a obrigação dada à execução é causal, só pode ser requerida com a invocação da relação causal subjacente ou fundamental, sob pena de ineptidão do requerimento executivo por falta de causa de pedir.

9. Necessário se mostra, pois, no caso concreto, verificar se foi (ou não) invocada a fonte da obrigação exequenda no requerimento executivo.

10. A ora recorrente entende que a causa da obrigação resulta, ainda que de forma sucinta, do requerimento executivo.

11. A fonte da obrigação exequenda é a dissolução da sociedade comercial CC, Ld.ª, e a responsabilidade dos respectivos sócios pelas dívidas da sociedade, nomeadamente pela dívida à exequente no valor de 65.000,00 €. São estes os factos constitutivos da obrigação exequenda dos executados perante a exequente, que demonstram claramente que se constituiu e reconheceu uma obrigação pecuniária individualizada, com a transmissão de dívida para os sócios e dissolução da sociedade.

12. A relação causal fundamental desenvolve-se então, no caso concreto, entre a empresa devedora e os seus sócios, que vieram a assumir a dívida da sociedade perante a exequente (assunção de dívida), com vista à dissolução da sociedade comercial.

13. Ora, no caso concreto, o relatório e contas de gestão da dissolução/liquidação e a referida acta valem como título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, incorporando a obrigação subjacente ou fundamental, porque a causa foi alegada no requerimento executivo.

14. Acresce que, assumindo os executados o pagamento da dívida da sociedade de que eram sócios, através de documento particular, operou-se uma assunção de dívida, com vista à dissolução daquela sociedade, sendo essa a causa que esteve na origem da obrigação exequenda.

15. Tendo a ora recorrente invocado a verdadeira relação causal subjacente ou fundamental, cabe aos devedores, por inversão do ónus da prova, provar que a relação nunca existiu ou deixou de existir.

16. Entendemos que a causa da dívida não é a relação de onde procede a dívida da sociedade CC, Ld.ª à ora exequente. No caso concreto, a causa da dívida decorre da relação existente entre a sociedade e seus sócios que vieram assumir a dívida da sociedade perante a exequente, com vista à dissolução da sociedade.

17. Na verdade, a causa da dívida apenas seria a relação de onde procede a dívida da sociedade CC, Ld.ª à ora exequente, se a ora exequente tivesse intentado a presente acção executiva directamente contra a sociedade, através de documento particular ou através de qualquer outro título. O que não aconteceu.

18. A exequente intentou a presente acção contra os sócios da sociedade CC, Ld.ª, que entretanto, por acordo com a referida sociedade, e juntamente com a mesma, reconheceram aquela dívida em concreto (dívida no valor de 65.000,00 € da sociedade à exequente), tendo assumido pessoalmente a responsabilidade pelo seu pagamento, com vista à dissolução da sociedade – sendo esta a verdadeira relação causal subjacente ou fundamental.

19. Portanto, ressalvado o devido respeito, entendemos que no acórdão proferido nos presentes autos, o Tribunal de 2ª instância não interpretou, nem aplicou correctamente a lei substantiva e a lei de processo, o que resultou na violação dos artigos 595º, nº1, alínea a) e 458º, nº1 do C.Civil e do artigo 46º, nº1, alínea c), 731º e 729º, alínea a) do C.P.Civil.

20. No acórdão recorrido, o Tribunal de 2ª instância concluiu que a declaração da sociedade e dos seus sócios, no título executivo, não configura uma assunção de dívida, nos termos do artigo 595º, nº1, alínea a) do C.Civil. Como já tivemos oportunidade de referir, entendemos que, além de se verificar no título executivo o reconhecimento de uma dívida e a promessa de a pagar, também se verifica uma transmissão de dívida, por acordo entre a sociedade e seus sócios, nos termos do artigo 595º, nº1, alínea a) do C.Civil.

21. Contrariando a douta decisão de 1ª instância, o Tribunal de 2ª Instância concluiu, ainda, para efeitos do disposto no artigo 458º, nº1 do C.Civil e por interpretação do artigo 46º, nº1, alínea a) do C.P.Civil, que a exequente não alegou no requerimento executivo a relação fundamental. Conforme exposto, a ora recorrente invocou, no requerimento executivo, a verdadeira relação causal subjacente ou fundamental, pelo que os documentos apresentados estão em condições de servir de base à execução, não existindo qualquer nulidade, por falta de causa de pedir, prevista no artigo 731º e 729º, alínea a) do C.P.Civil.

22. Por último, da acta da assembleia geral da sociedade por quotas CC, Ld.ª, realizada em 29 de Agosto de 2011 (documento que serve de base à execução), resulta de forma clara e evidente que os sócios eram 4 (quatro) e que as suas quotas eram de igual valor nominal.

23. No requerimento executivo a exequente refere, de forma sucinta, que a cada um dos sócios cabe o pagamento de 16.250,00 euros.

24. A exequente limitou-se a fazer uma simples operação de cálculo aritmético, dividindo o valor da dívida (65.000,00 euros) pelos 4 (quatro) sócios, detentores de participações sociais de igual valor nominal, tendo resultado a obrigação de pagamento de 16.250,00 euros, para cada um dos sócios.

25. A dívida exequenda encontra-se calculada de forma correcta, e os documentos que servem de base à execução dispensavam a concreta explanação da forma como a exequente procedeu ao cálculo da dívida, dada a simplicidade do referido cálculo, uma vez que todos os elementos necessários a tal operação resultam de forma clara e evidente dos documentos que servem de base à presente execução.

2.3. A única questão que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se a documentação apresentada pela exequente com o requerimento inicial da execução, constitui título executivo relativamente à quantia exequenda.

Na sentença da 1ª instância concluiu-se pela improcedência dos embargos de executado, tendo-se chegado à seguinte conclusão:

« … analisados quer a declaração de reconhecimento de dívida, quer o requerimento executivo, verificamos que a exequente alegou a relação subjacente, ainda que de forma sucinta, pois explicitou que a declaração de dívida assumida pelos executados advinha da dissolução da sociedade, da sua responsabilidade enquanto sócios, razão pela qual entendemos que os factos geradores da obrigação reconhecida em documento particular estão devidamente alegados. Concluímos, pois, não existir qualquer falta de cauda de pedir que conduziria à alegada inpetidão do requerimento executivo e por essa via, improcede a nulidade invocada».

O acórdão recorrido julgou procedente o recurso de apelação interposto pelo executado e, em consequência, revogou a sentença da 1ª instância, julgando procedentes os embargos de executado e extinta a execução.

Para o efeito, desenvolveu-se a seguinte argumentação:

«Como se escreveu acima, a primeira questão suscitada pelo recurso é a de saber se os documentos que servem de base à execução contêm o reconhecimento de uma dívida, tal como está previsto no n.º 1 do artigo 458.º do Código Civil.

Segundo o recorrente, os documentos devem ser interpretados com o sentido de uma aprovação da deliberação da dissolução da sociedade e, quando muito, com o sentido de uma assunção, nos termos legais, das dívidas que subsistissem apos a extinção da sociedade.

Pelas razões a seguir expostas, entendemos que o relatório e contas de gestão da dissolução/liquidação, na parte em que os gerentes da sociedade CC [gerentes que também são sócios da sociedade] declararam que “passaram para a responsabilidade dos sócios as seguintes dívidas: BB, Lda …. 65 000,00€”, contém o reconhecimento de uma dívida, subsumível à previsão do n.º 1 do artigo 458.º do Código Civil.

A interpretação de declarações que constem de documento obedece ao n.º 1 do artigo 236.º e aos n.ºs 1 e 2 do artigo 238.º, ambos do Código Civil. Assim:
1. Por aplicação da norma do n.º 1 do artigo 236.º, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele;
2. Por aplicação do n.º 1 do artigo 238.º, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso;
3. Por aplicação do n.º 3, o sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.

No caso, o sentido a determinar é o que seria deduzido do documento por um declaratário normal, uma vez que o sentido correspondente à vontade real carecia de ser invocado pelas partes, o que não sucedeu.

Seguindo a lição de Carlos Alberto da Mota Pinto [Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição, Coimbra Editora, página 444] “o sentido atribuído por um declaratário normal, é o sentido “que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente, em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer”.

Um declaratário normal, conhecedor do contexto em que os 4 sócios/ gerentes declararam, no relatório e contas de gestão da dissolução/liquidação, que “passaram para a responsabilidade dos sócios as seguintes dívidas: BB, Lda … 65 000,00” deduziria desta declaração o seguinte:
1. Em primeiro lugar, que os declarantes reconheciam que a sociedade a dissolver (CC, Lda) devia à exequente o montante de € 65 000,00;
2. Em segundo lugar que, dissolvida a sociedade, a responsabilidade pelo pagamento dessa dívida passaria a caber aos sócios (ou seja, aos declarantes). 

Sendo este o sentido a atribuir à declaração dos sócios, é de afirmar:
1. Que tal declaração não configura uma assunção de dívida, tal como ela está prevista no artigo 595.º do Código Civil. Com efeito, enquanto a assunção de dívida prevista em tal preceito tem na sua origem um contrato, que pode ser entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor [alínea a)], ou entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor [alínea b)], a declaração dos sócios gerentes segundo a qual passavam para eles as dívidas não se ajusta à figura dos contratos;
2. Que tal declaração ajusta-se à figura dos negócios jurídicos unilaterais, definidos por Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, página 385 como aqueles em que “…há uma só declaração de vontade ou várias declarações, mas paralelas, formando um só grupo”;
3. Que, dentro dos negócios jurídicos unilaterais, ajusta-se à previsão do negócio previsto no n.º 1 do artigo 458.º do Código Civil [promessa e cumprimento e reconhecimento de dívida], pois contém o reconhecimento de uma dívida e a promessa de a pagar, sem indicação da respectiva causa;

Definido que um dos documentos que serve de base à execução [relatório e contas de gestão da dissolução/liquidação] contém o reconhecimento de uma dívida, tal como ele está previsto no n.º 1 do artigo 458.º do Código Civil, apreciemos, de seguida, a segunda questão suscitada pelo recurso, que é a de saber se os documentos não dispensavam a alegação e a prova da relação subjacente, bem como a correcta explanação da forma como a exequente procedeu ao cálculo da dívida.

Pelas razões a seguir expostas, é de julgar procedente este fundamento do recurso.

Segundo a alínea c), do n.º 1 do artigo 46.º do CPC de 1961 - lei que regula, no caso, o regime dos títulos executivos por ser a que estava em vigor quando foi proposta a execução – podem servir de base à execução os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem o reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas deles constantes.

Porém, conforme se escreveu na sentença, o artigo 46.º, n.º 1, alínea c) – na parte em que se refere aos documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem o reconhecimento de obrigações pecuniárias – tem sido interpretado no sentido de que, quando o documento particular que estiver em causa for um documento que contém declaração unilateral de reconhecimento de divida, sem indicação da respectiva causa, o mesmo só estará em condições de servir de base à execução se o exequente alegar no requerimento executivo a relação fundamental, ou seja, a fonte da obrigação reconhecida pela declaração unilateral.

 Esta é também a interpretação seguida por este tribunal. Interpretação que foi seguida no acórdão indicado na sentença recorrida [acórdão proferido em 22-10-2013, no processo n.º 518/11.0TBFIG, onde o ora relator foi juiz-adjunto], bem como noutras outras decisões. Citam-se a título de exemplo, o acórdão do STJ proferido em 15-09-2011, no processo n.º 192/10.0TBCNT, e o acórdão proferido pelo STJ em 27 de Maio de 2014, no processo n.º 268/12.0TBMGD, ambos publicados em www.dgsi.pt.

Interpretando o artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC, no sentido acima exposto, concluímos que os documentos apresentados pela exequente não estão em condições de servir de base à execução, pois a exequente não alegou no requerimento executivo a relação fundamental, ou, por outras palavras, a causa da dívida reconhecida.

A causa da dívida, embora não seja um conceito unívoco, significa, para efeitos do disposto no artigo 458º, n.º 1, do Código Civil, a fonte ou o facto constitutivo dessa dívida [António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, Volume 1º, 1994, páginas 565].

Aplicando ao caso esta noção, é de afirmar que a relação fundamental (causa da dívida) é a relação de onde procede a dívida da sociedade CC, Lda, à ora exequente; relação que não foi alegada no requerimento inicial.

Assim, pese embora o respeito que nos merece a decisão recorrida, a mesma incorreu em erro quando afirmou que a exequente, ao explicitar que a declaração de dívida provinha da dissolução da sociedade e da sua responsabilidade enquanto sócios, alegara a relação subjacente. Com efeito, esta alegação explica a razão pela qual os sócios declararam que a dívida passava para a sua responsabilidade; não indica, no entanto, o facto ou os factos de onde procede a divida da sociedade dissolvida à exequente.

Pelo exposto, conclui-se que os documentos não estão em condições de servir de base à execução e que a oposição deverá ser julgada procedente por se verificar o fundamento de oposição à execução previsto na alínea a) do artigo 729.º do CPC, na parte em que se refere “à inexequibilidade do título”; fundamento de oposição aplicável à presente execução por remissão do artigo 731.º, do CPC».

A recorrente entende que o documento que serve de base à execução contém o reconhecimento de uma dívida e também uma assunção de dívida, sendo que considera ter invocado, no requerimento executivo, a relação causal subjacente ou fundamental.

Vejamos.

Antes do mais, haverá que apurar qual a lei processual aplicável ao caso dos autos, tendo em conta o disposto no art.6º, da Lei nº41/2013, de 26/6.

O nº1, da citada Lei, estabelece a regra geral de que o disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo àquela Lei, se aplica a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor, embora com as necessárias adaptações.

No entanto, o mesmo artigo prevê regimes transitórios, nomeadamente nos seus nºs 3 e 4.

Assim, relativamente aos títulos executivos, às formas do processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória, o disposto naquele CPC só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor (nº3).

Relativamente aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa, o disposto no referido CPC apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir da data da entrada em vigor da citada Lei (nº4).

Por força do art.8º, da mesma Lei, esta entrou em vigor no dia 1/9/2013.

Ora, uma vez que a execução em causa se iniciou em 26/4/13 (cfr. fls.37 v.º), não se aplica o NCPC, nomeadamente, em relação ao título executivo e ao requerimento executivo (citado art.6º, nº3).

Por outro lado, uma vez que a oposição à execução foi deduzida em 20/4/15 (cfr. fls.4 v.º), sendo este um incidente de natureza declarativa, já se lhe aplica o NCPC (citado art.6º, nº4).

Dispõe o art.45º, nº1, do C.P.C. (versão anterior à actual), que toda a execução terá por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.

 O que significa, por um lado, que o título executivo habilita a determinar qual foi a obrigação contraída pelo executado, sendo que é essa obrigação que define o fim da execução (se, por exemplo, o título contém a obrigação de pagar certa soma de dinheiro, a execução há-de ser destinada ao pagamento de quantia certa).

E, por outro lado, que é pelo título que se conhece, com precisão, o conteúdo da obrigação do devedor, nomeadamente, qual o montante que deve pagar.

Deste modo, não é admissível execução que não se baseie em título executivo (condição necessária) e, desde que este exista, pode logo iniciar-se a via executiva, sem que haja de propor-se previamente uma acção declarativa, tendente a verificar a existência do direito do credor (condição suficiente).

Quando o exequente tem a seu favor um título que incorpora o direito de crédito, existe a presunção de que o exequente é portador do direito que se arroga.

Daí que o título executivo justifique o uso da acção executiva, ou seja, o emprego da força, precisamente porque dá ao órgão executivo a garantia e a segurança de que o exequente tem razão.

No entanto, para o efeito, o título executivo deve conter os requisitos necessários para, por si só, nos certificar da existência da obrigação e do direito correspondente – é o chamado princípio da suficiência do título executivo (cfr. Alberto dos Reis, in Processo de Execução, vol.I, 2ª ed., pág.174).

Tem-se admitido, todavia, que possam valer como títulos executivos documentos que reconheçam a obrigação exequenda, embora de forma não expressa ou categórica, e que, por isso, careçam de ser conjugados com elementos fácticos complementares, ainda que estranhos ao próprio título.

Elementos esses que seriam adquiridos processualmente, mediante a respectiva alegação feita pelo exequente no requerimento executivo, e posterior prova a seu cargo.

Esta perspectiva acerca da delimitação do elenco dos títulos executivos extrajudiciais mereceu expressa consagração na reforma da acção executiva operada pelo DL nº38/2003, de 8/3.

Assim, nos termos do art.810º, nº3, al.b), do C.P.C., na redacção que lhe foi dada por aquele DL, o requerimento executivo deve conter, além do mais, uma exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo (cfr. o art.810º, nº1, al.e), na redacção do DL nº226/2008, de 20/11, e o actual art.724º, nº1, al.e)).

Isto é, a própria lei admite que os elementos essenciais da obrigação exequenda não resultem do próprio documento que serve de título executivo, mas sim de uma actividade complementar de alegação e prova a cargo do exequente.

O que significa que o princípio da auto-suficiência do título executivo sofre aqui uma quebra acentuada.

O título executivo por excelência é a sentença de condenação transitada em julgado, já que a declaração do direito aí expressa oferece todas as garantias de segurança e certeza.

Mas se o título é de carácter negocial, a segurança não é a mesma, embora, se a lei atribui ao título força executiva, haja que concluir que foi por ver nele a demonstração do direito do exequente.

Dir-se-á que os requisitos necessários exigidos pela lei para que o título tenha força executiva, se destinam a estabelecer a garantia ou a dar a segurança de que onde está um título executivo está, ao mesmo tempo, um direito de crédito (cfr. ob. cit., págs.68 e segs.).

O art.46º, nº1, do citado Código, enumera, nas suas alíneas a), b) e c), as espécies de títulos executivos.

Na al.a) alude às sentenças condenatórias, na al.b) aos documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação, e, finalmente, na al.c) aos documentos particulares.

São, pois, considerados títulos executivos, nos termos daquela al.c), «Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto».

Foi a reforma processual operada em 1995 que ampliou significativamente o elenco dos títulos executivos, conferindo força executiva aos documentos particulares, nos termos constantes da al.c), do art.46º, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº329-A/95, de 12/12.

No Relatório deste DL pode ler-se que «este regime – (…) – irá contribuir decisivamente para a diminuição do número das acções declaratórias de condenação propostas, evitando-se a desnecessária propositura de acções tendentes a reconhecer um direito do credor sobre o qual não recai verdadeira controvérsia, visando apenas facultar ao autor o, até agora, indispensável título executivo judicial».

Esta orientação legislativa, no entanto, veio a ser invertida com a aprovação do NCPC, que revogou o art.46º, nº1, al.c), restringindo a exequibilidade dos documentos particulares, como resulta do disposto no seu art.703º.

Assim, relativamente ao regime que vinha vigorando, optou-se por retirar exequibilidade aos documentos particulares, qualquer que seja a obrigação que titulem, ressalvando-se os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos (cfr. a al.c), do nº1, do citado art.703º).

Isto porque, como se diz na Exposição de Motivos da proposta de Lei nº113/XII, que veio dar origem à Lei nº41/2013, se é certo que a solução da reforma de 1995/1996 «teve por efeito reduzir significativamente a instauração de acções declarativas, a experiência mostra que também implicou o aumento do risco de execução injusta …», sendo que, «a discussão não havida na acção declarativa (dispensada a pretexto da existência de título executivo) acabará por eclodir mais à frente, em sede de oposição à execução».

De todo o modo, como já vimos, não se aplica, em relação ao título executivo, o NCPC, pelo que haverá que aplicar ao caso o disposto no art.46º, nº1, al.c), na redacção do DL nº226/2008, de 20/11.

Como se escreve no Acórdão da Relação de Lisboa, de 30/11/2010, disponível in www.dgsi.pt, prefiguram-se, naquela al.c), duas espécies de documentos negociais particulares, consoante o teor da declaração neles contida:

1ª - documentos constitutivos da obrigação exequenda, quando deles conste o próprio negócio jurídico que serve de fonte a essa obrigação;

2ª - documentos meramente recognitivos da obrigação, mormente de confissão de dívida, quando o devedor se limite a reconhecer a obrigação, sem menção do respectivo negócio causal, o qual se presume, fazendo recair sobre o devedor o ónus de provar que aquela causa não existe, nos termos do nº1, do art. 458º, do C.Civil.

Em anotação ao citado art.458º, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Anotado, vol.I, 2ª ed., pág.385:

«Não se consagra neste artigo o princípio do negócio abstracto. O que se estabelece é apenas a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental (…). Se A, por ex., declara dever a B 10 contos, sem invocação da causa (empréstimo, venda, etc.), presume-se que esta obrigação tem uma causa, podendo, porém, o devedor fazer a prova do contrário. Neste sentido se deve entender o disposto na al.c) do art.46º do Código de processo Civil, ao admitir como título exequível o escrito particular, assinado pelo devedor, do qual conste a obrigação de pagamento de quantia determinada ou de entrega de coisa fungível (…).

Sublinhe-se que o nº1 deste artigo não consagra um desvio ao princípio do contrato (…). Nenhum dos actos a que nele se alude (promessa de uma prestação ou reconhecimento de uma dívida) constitui, com efeito, fonte autónoma de uma obrigação (…). Criam apenas a presunção da existência de uma relação negocial ou extranegocial (a relação fundamental a que aquele preceito se refere), sendo esta a verdadeira fonte da obrigação. Se o declarante ou seus sucessores alegarem e provarem que semelhante relação não existe (…), a obrigação cai, não lhe servindo de suporte bastante nem a promessa de cumprimento nem o reconhecimento da dívida».

Na verdade, em regra, para que haja o dever de prestar e o correlativo poder de exigir a prestação é necessário o acordo (contrato) entre o devedor e o credor.

É a esta ideia que se tem dado o nome de princípio do contrato, o qual assenta na consideração de não ser razoável, fora dos casos especiais previstos na lei, manter alguém irrevogavelmente obrigado perante outrem, com base numa simples declaração unilateral de vontade (cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol.I, 2ª ed., pág.321).

Voltando ao caso dos autos, verifica-se que ambas as instâncias estão de acordo no entendimento de que um dos documentos que serve de base à execução (relatório e contas de gestão da dissolução/liquidação da sociedade) contém o reconhecimento de uma dívida, sem indicação da respectiva causa, tal como previsto no art.458º, nº1, do C.Civil.

Por outro lado, também estão de acordo no sentido de caber à exequente a alegação da causa debendi, a ter lugar no requerimento executivo, nos termos da al.e), do nº1, do art.810º (redacção do DL nº226/2008, de 20/11).

O desacordo reside no facto de a 1ª instância ter considerado que a exequente alegou aquela causa, ainda que de forma sucinta, por ter explicitado que a declaração de dívida assumida pelos executados advinha da dissolução da sociedade e da sua responsabilidade enquanto sócios.

Já a 2ª instância entendeu que aquela alegação explica a razão pela qual os sócios declararam que a dívida passava para a sua responsabilidade, mas não indica o facto ou factos de onde procede a dívida da sociedade dissolvida à exequente.

Por isso que se concluiu, no acórdão recorrido, que os documentos não estão em condições de servir de base à execução e que a oposição deve ser julgada procedente.

Naquele acórdão considerou-se, ainda, que o sentido a atribuir à declaração dos sócios é o de reconhecerem que a sociedade a dissolver (CC, Ld.ª) devia à exequente o montante de € 65.000,00 e que, dissolvida a sociedade, a responsabilidade pelo pagamento dessa dívida passaria a caber aos sócios, pelo que tal declaração não configura uma assunção de dívida, tal como está prevista no art.595º, do C.Civil.

Isto porque se considerou, também, que, enquanto a assunção de dívida tem na sua origem um contrato, a declaração dos sócios, segundo a qual passavam para eles as dívidas, não se ajusta à figura dos contratos, mas sim à figura dos negócios jurídicos unilaterais, mais concretamente à previsão de negócio do nº1, do citado art.458º.

Segundo a recorrente, além de se verificar, no título executivo, o reconhecimento de uma dívida e a promessa de a pagar, também se verifica uma transmissão de dívida, por acordo entre a sociedade e os seus sócios, nos termos do citado art.595º, nº1, al.a).

Sendo que, alega ainda, invocou no requerimento executivo a verdadeira relação causal subjacente ou fundamental.

Quer dizer, no entender da recorrente, estaríamos, simultaneamente, perante uma declaração unilateral de vontade (art.458º) e perante duas declarações de vontade (art.595º, nº1, al.a)).

Na verdade, este último artigo pressupõe, para que se verifique a transmissão a título singular de uma dívida, que haja um contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor.

Note-se que, por força do nº2, do citado art.595º, a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; caso contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.

Ou seja, só existe verdadeira assunção (liberatória) de dívida no caso de o antigo devedor ser exonerado e ficar apenas vinculado o novo devedor.

Por outro lado, a assunção de dívida por contrato entre o antigo e o novo devedor não será eficaz enquanto o credor não lhe der a sua anuência (al.a), do nº1, do art.595º).

Assim o impõe o chamado princípio do contrato e a regra segundo a qual a ninguém pode ser imposto um benefício contra sua vontade (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol.II, 2ª ed., págs.334-335).

Ora, o que resulta da matéria de facto assente, atrás elencada, é que o aqui executado Américo AA, bem como os restantes três sócios da sociedade «CC, Ld.ª», assinaram a acta da assembleia geral daquela sociedade, realizada em 29/8/11, onde foi posta à consideração deles a dissolução da referida sociedade, bem como o chamado «Relatório e Contas de Gestão da Dissolução/Liquidação», constante de fls.34 e 35 v.º.

Deste relatório consta que «Passaram para a responsabilidade dos sócios as seguintes dívidas: BB, Ld.ª – 65.000,00€.

Estamos, pois, perante uma sociedade que entrou em dissolução, liquidação e extinção.

Dissolvida a sociedade, esta entra em liquidação, mantendo ainda a sua personalidade jurídica (art.146º, nºs 1 e 2, do CSC).

Os seus administradores, em princípio, passam a ser liquidatários, devendo submeter a deliberação dos sócios um relatório completo da liquidação, acompanhando as contas finais (arts.151º, nº1 e 157º, nºs 1 e 4, do CSC).

Aprovada a deliberação, será requerido o registo do encerramento da liquidação e é com este registo que a sociedade se considera extinta (art.160, do CSC).

Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, já que se trata de sócios de responsabilidade limitada (art.163º, nº1, do CSC).

Face ao exposto, tudo aponta no sentido de estarmos perante uma simples declaração unilateral dos sócios da referida sociedade, entre os quais o ora executado, através da qual reconhecem a dívida de € 65.000,00 à ora exequente, sem indicação da respectiva causa.

Caso em que esta fica dispensada de provar tal causa, já que a sua existência se presume, até prova em contrário (citado art.458º, nº1).

Mas não fica dispensada de a alegar, designadamente no requerimento executivo, quando do título executivo não consta a causa da obrigação, como reconhecem as partes e os tribunais de 1ª e 2ª instância.

Constata-se, porém, que, no seu requerimento executivo, a exequente nada acrescentou de substancial em relação ao que já constava do título executivo.

Assim, na parte dos factos, limita-se a dizer: «No seguimento da dissolução da sociedade comercial CC, Ld.ª, os executados assumiram uma dívida perante a exequente, por documento particular. A cada um dos aqui executados cabe o pagamento de 16.250,00€».

E, mais à frente, na parte relativa à liquidação da obrigação, refere que: «No seguimento da dissolução da sociedade comercial CC, Ld.ª, passaram para a responsabilidade pessoal dos sócios, entre outras, uma dívida à exequente no valor de 65.000,00€».

Como se diz no acórdão recorrido, esta alegação explica a razão pela qual os sócios declararam que a dívida passava para a sua responsabilidade, mas não indica o facto ou factos de onde procede a dívida da sociedade dissolvida à exequente.

Na verdade, a verdadeira fonte da obrigação consiste numa relação negocial ou extranegocial, isto é, a relação fundamental a que alude o citado art.458º, nº1.

Acresce que também consideramos, tal como no acórdão recorrido, que a declaração dos sócios segundo a qual passava para eles, designadamente, a dívida à ora exequente, não se ajusta à figura dos contratos, que pressupõe o acordo bilateral dos contraentes, pelo que tal declaração não configura uma assunção de dívida, que, precisamente, implica um contrato entre o antigo e o novo devedor, nos termos atrás referidos (cfr. o citado art.595º, nº1, al.a)).

Aliás, a exequente nunca alegou tal contrato, apenas tendo aludido a ele em sede de alegações do recurso de revista, certamente em virtude de o acórdão recorrido lhe fazer referência.

Mas ainda que se considerasse ter sido indicada a relação fundamental, sempre haveria que ter em conta outras considerações.

Assim, quando se está perante documento particular, a liquidez da obrigação pecuniária (ressalvada a liquidação por mero cálculo aritmético) integra também o próprio título executivo

Note-se que, por força do disposto no art.802º (cfr. o actual art.713º), a certeza, exigibilidade e liquidez são pressupostos de carácter material que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, já que, sem eles, não é admissível a satisfação coactiva da pretensão (cfr. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, Depois da reforma, 5ª ed., pág.29).

O que significa, desde logo, que, tratando-se, como se trata, de documento particular, e sendo a liquidez da obrigação pecuniária, ainda que por mero cálculo aritmético, elemento integrante do próprio título executivo, a falta daquele implica inexistência ou insuficiência deste.

Ora, quer face ao requerimento executivo, quer face aos documentos apresentados pela exequente, sempre estaríamos perante uma situação de incerteza quanto à definição do direito de crédito da exequente e da correspondente obrigação do executado, dada a ausência de prova documental que, com segurança, os defina.

Veja-se que no referido «Relatório e Contas de Gestão da Dissolução/Liquidação» se alude a transferências para os sócios de todos os bens do activo imobilizado pelo justo valor encontrado, no total de € 39.520,00.

Fazendo-se, ainda, referência a empréstimos dos sócios, e, consequentemente, à existência de dívidas da sociedade aos sócios no valor total de € 193.473,87, sendo a do ora executado no valor de € 96.136,12.

Factos estes mencionados pelo executado na sua petição de embargos, onde conclui que, sem a delimitação do conteúdo dos débitos transitados, não se pode aferir que a cada um dos sócios caberia a quantia executada.

Ou seja, sempre haveria que considerar que o montante da obrigação pecuniária em causa não seria determinado, nem determinável, por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas constantes do documento particular, como exige a al.c), do nº1, do art.46º.

Haverá, assim, que concluir que a documentação apresentada pela exequente com o requerimento inicial da execução não constitui título executivo relativamente à quantia exequenda.

Que o mesmo é dizer, promoveu-se execução com base em documentos que não têm eficácia executiva.

Circunstância esta a justificar a procedência da oposição à execução mediante embargos, por inexequibilidade do título (art.729º, al.a), ex vi do art.731º, ambos do NCPC).

Improcedem, deste modo, as conclusões da alegação da recorrente, não merecendo, pois, censura o acórdão recorrido.

3 – Decisão.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso de revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.