Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
58/10.4GAVNF.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: VIOLAÇÃO
RAPTO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 06/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA D APENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL / RAPTO / CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL / VIOLAÇÃO.
Doutrina:
-Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense, 1990, Tomo I, p. 402, 403, 428 e 430;
-Cesare Becaria, Dos delitos e das Penas, tradução de José de Faria Costa, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38;
-Claus Roxin, "Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Fundamentos de la Estructura de la Teoria del Delito", ed, Civitas, 1997, p. 311-312;
-Eduardo Correia, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho DistDDl do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16;
-Enrique Orta Berenguer e José L. Gonzales Cussac, Compendio de Derecho Penal (Parte General e y Parte Especial), tirant lo blanch , Valência, 2004, p. 251 e 254;
-Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2.ª edição, p. 711 e 712 ; Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, p. 445 e ss.; 453, 454; §§ 6 e 14 ss., 473, §11; 473, §15 ; Direito Penal, Questões fundamentais, A doutrina geral do crime, Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito, 1996, p. 84 e 121 ; As Consequências Jurídicas do Crime, §55, p. 117 ; Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss. ; Direito Penal Português, As consequência jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, p. 239, § 323; 239, §324; 241, § 326; 234; 290-292 ; Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 255, p. 197;
-Hans –Heinrich Jescheck, Evolucion del concepto jurídico penal de culpabilidade en ALemania Y Áustria, Revista Electrónica de Ciência Penal y Criminologia, traducción de Patrícia Esquinas Valverde, RECPC 05-01(2003).
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 77.º, N.ºS 1 E 2, 161.º, N.º 1, ALÍNEA B) E 164.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 04-02-1987, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-10-1987, IN BMJ, 370, 329;
- DE 10-01-1996, IN BMJ, 453,157;
- DE 16-05-1996, PROCESSO N.º 181/96, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 01-04-1998, PROCESSO N.º 285/98;
- DE 11-11-2004, PROCESSO N.º 3259/04;
- DE 09-01-2008, PROCESSO N.º 3177/07;
- DE 06-02-2008, PROCESSO N.º 4454/07;
- DE 25-03-2010, PROCESSO N.º 544/08.6JACBR.S1;
- DE 11-11-2014, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - É certo que do art. 164.º, n.º 1, do CP, sobre o crime de violação, se poderia entender que a actuação do arguido na conduta prévia de privação de liberdade da vítima, conducente à violação, ainda faria parte deste crime, sendo um meio para alcançar o fim, mas tudo no âmbito da mesma tipicidade. Porém, ainda assim, também não pode ignorar-se que o art. 161.º, do CP referindo-se ao crime de rapto alude na al. b) do n.º 1 ao rapto com intenção de cometer crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da vítima.
II - Por isso, no cotejo de ambas as tipicidades referidas (crime de violação e crime de rapto), se possa considerar defensável, estar-se perante uma situação limite, em termos de interpretação do bem jurídico tutelado, não exclui contudo, a autonomia dos bens jurídicos, nos crimes em questão, havendo, por conseguinte, concurso real de infracções entre eles.
III - A violação sendo mais do que um acto sexual de relevo comunga, porém, a nível da violação da liberdade de autodeterminação sexual, da mesma matriz da coacção sexual. Face à matéria de facto provada, impõe-se concluir que o arguido, na ocasião descrita, constrangeu a ofendida, por meio de violência – dado que usou da superioridade física para lhe retirar a roupa que envergava – a praticar consigo acto de coito oral e vaginal, preenchendo, pois, a tipicidade objectiva do crime de violação na pessoa da ofendida.
IV - Apenas é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. O acórdão recorrido não desrespeitou os princípios estruturantes da proporcionalidade, da necessidade, da proibição do excesso e da segurança jurídica, pelo que nada há a alterar às penas parcelares de 7 anos de prisão quanto ao crime de violação e de 4 anos de prisão quanto ao crime de rapto, aplicadas pela 1.ª instância.
V - Tendo em conta o exposto, o disposto no art. 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, os factos praticados e a sua gravidade, e a personalidade do arguido documentada nos factos provados, reveladores perante a sua vida pregressa, que a actuação do arguido provem de tendência criminosa, e o efeito previsível da pena no comportamento futuro do arguido, e adequação da conduta motivadora, entre o meio e fim, revela-se adequada a pena única de 8 anos de prisão, em lugar da pena de 9 anos de prisão aplicada pela 1.ª instância.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

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Nos autos de processo comum com o nº 58/10.4.GAVNF do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Guimarães - Inst. Central - 2ª Secção Criminal - J3, foi submetido a julgamento em Tribunal Colectivo, o arguido AA, filho de BB e de CC, natural da freguesia de ..., Concelho do Porto, nascido a …/../1961, casado, com residência na Rua ..., nº …, …, ... -... ..., actualmente recluso no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, na sequência de acusação deduzida pelo Ministério Público, pela prática, em autoria material e em concurso real e efectivo de um crime de rapto p. e p. pelo art. 161º/1 b) e de um crime de violação p. e p. pelo art. 164º/1 a) do C.P., vindo a final, a ser proferido em 17 de Fevereiro de 2015, acórdão com a seguinte:

IV- DECISÃO.

Nestes termos e face ao exposto, o Tribunal julga totalmente procedente a acusação e, em consequência:
a) Condena o arguido AA, pela prática de um crime de violação p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 1, al a), do Código Penal, na pena de 7 (cinco) anos de prisão;
b) Condena o arguido AA, pela prática de um crime de rapto p. e p. pelos artigos 161.º, n.º 1, al b), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
c) Em cúmulo, condena-se o arguido AA, na pena única de 9 (nove) anos de prisão.
d) As custas criminais são a cargo do arguido AA, com 2 Uc’s de taxa de justiça (cfr. art 513.º, do Código de Processo Penal).
e) Deposite e notifique.
f) Após trânsito, remeta boletim ao registo criminal.
g) Após trânsito, determina-se a recolha de amostras de ADN do arguido, para efeitos do disposto no artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2008, de 12/02.”


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Não se conformando com o acórdão, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando a motivação com as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:

1. O douto acórdão recorrido padece, em nosso entendimento e salvo devido respeito por opinião diversa, do vício de violação do disposto no artº 30ºdo Código Penal por condenar em concurso efectivo e não aparente nos crimes de rapto e violação, fazendo uma dupla valoração dos mesmos factos.

2. No caso em apreço, os pressupostos dos crimes de rapto e violação são coincidentes, tendo o tribunal a quo dado como provado os exactos mesmos factos para ambos os crimes, violando assim o princípio da proibição da dupla valoração;

3. Diz Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, tomo 1, 2.a Ed., 1005 e ss), «Critério de primacial relevo para a conclusão pela tendencial unidade substancial do facto -apesar da pluralidade de tipos legais violados pelo comportamento global - é o da unidade, segundo o sentido social assumido por aquele comportamento, do sucesso ou acontecimento (hoc sensu do "evento" ou "resultado") ilícito global-final». Isto é, «quando o agente se propôs uma realização típica de certa espécie ( ... ) e, para lograr (e consolidar) o desiderato, se serviu, com dolo necessário ou eventual de métodos, de processos ou de meios já em si mesmos também puníveis».

4. A fundamentação da decisão de facto do acórdão recorrido, diz-nos que o arguido ofereceu boleia à denunciante e esta anuiu, que levou-a para um descampado em ..., estacionou o veículo numa zona rodeada de árvores, trancou o veículo, e após o acto sexual deixou-a sair do veículo;

5.  Aqui a privação da liberdade de movimentos dilui-se na violência indispensável à prática do crime de violação, que, aliás, só durou o tempo necessário para conseguir o fim que se propôs - acto sexual, e é patente a conexão espécio-temporal entre as respectivas condutas;

6. No comportamento global, apenas divisamos o desígnio criminoso da violação, pelo que o crime de rapto se revela aqui estDDmente instrumental do crime-fim. E pese  embora os dois crimes protegerem bens jurídicos diferentes, a imagem global que ressalta da conduta do arguido é a prática do crime sexual.

7. Ocorre, pois, uma relação de subsidiariedade, por isso entendemos que o crime de violação foi cometido em concurso meramente aparente com o de rapto;

8. Concomitantemente, foi violado o tipo legal de crime de rapto, previsto no artigo 161.°, n.º 1, al. b), do C.P., por esta norma ser consumida pela norma onde se insere o tipo legal do crime violação;

9. O que se verifica no caso em apreço é que a reacção contra a valoração concreta do bem jurídico realizada pelo tipo enformado pelo valor menos lato (rapto), se efectiva já pela aplicação do preceito que tem em vista a defesa de bens jurídicos mais extensas (violação), ocorrendo uma relação de consumpção em que a norma que mais extensamente protege o complexo jurídico-penal em presença (violação) consome a norma que em menor amplitude o faz (rapto).

10. Neste sentido, deverá o arguido ser absolvido da prática do crime de rapto, sendo o douto acórdão revogado em conformidade.

11. Concomitantemente, entende o arguido que apenas pode ser condenado pelo crime de violação, discordando o mesmo da pena de sete anos aplicada;

12.  O crime de violação de que o arguido vem condenado implica forçosamente o uso da força, ou pelo menos da ameaça e implica necessariamente a prática do acto sexual;

13. Da prova documental junta aos autos a fls. 16 a 19, elementos clínicos do episódio de urgência consta "sem escoriações, equimoses ou hematomas visíveis"; o relatório de perícia de natureza sexual de fls. 10 a 12 e 25 a 27 concluiu pela ausência de lesões ou sequelas;

14. Ora, a ofendida não apresentou o menor vestígio de danos físicos, para além, é evidente, de um grande constrangimento, não lhe foram diagnosticadas lesões ou deformações que este tipo legal de crime tantas vezes implica.

15. Também resulta da prova documental junta aos autos a fls 137, o consentimento do recorrente para colheita de saliva com recurso a zaragota local, evidenciando a colaboração do arguido na descoberta da verdade material e colaboração com a justiça;

16. Atendendo ao circunstancialismo dado como provado na matéria táctica, e às declarações prestadas pelo arguido e pela ofendida DD ínsitas na fundamentação da decisão de facto do acórdão recorrido, é evidente que não houve qualquer premeditação do crime de violação;

17. O facto da ofendida ter aceite a boleia pré-determinou para o arguido que a mesma percebesse e anuísse na intenção dele em ter relações sexuais;

18. Tendo presente a moldura penal, a matéria de facto dada como provada e as circunstâncias a que alude o art. 71.° do C.P., considera o recorrente sempre com o devido respeito, que a pena de 7 anos de prisão pelo crime de violação não é adequada, não é equilibrada, nem justa.

19. Perante os factos apurados, entende o recorrente que o Tribunal a quo deveria ter aplicado uma pena junto do limite mínimo previsto para o crime de violação, que por si só é já muito elevado atento pois a gravidade do crime em questão;

20. Devendo o arguido ser sujeito a uma pena não privativa da liberdade, suspendendo-se a pena que lhe vier a ser aplicada a qual não deverá ser superior a 3 anos de prisão, por se encontrarem preenchidos os pressupostos do artigo 50.° do C.P.;

21. O douto acórdão recorrido ao não decidir nesta conformidade, violou os artigos 40.°, 71.° e 50.° do CP.;

Sem prescindir,

22. Mesmo que assim não se entenda, o recorrente não concorda com as penas parcelares de 4 e 7 anos de prisão aplicadas para os crimes de rapto e violação, respetivamente, bem como a pena única de 9 anos de prisão, por considerar que as mesmas são manifestamente excessivas, desproporcionais e desajustadas à situação dada como provada nestes autos;

23. Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral especial das penas, não se podendo perder de vista a culpa do arguido;

24. Na determinação da medida concreta da pena, não foram atendidos de forma adequada as circunstâncias a favor do recorrente, tendo sido valoradas de forma muito mais significativa as circunstâncias que militam em seu desfavor;

25. O recorrente voluntariamente deu o seu consentimento para colheita da sua saliva com recurso a zaragota local, conforme fls. 137 dos autos, colaborando assim com a justiça;

26.  O facto de não ter havido qualquer premeditação, tendo o arguido praticado os factos convencido de que a ofendida era prostituta, e facto da ofendida ter aceite a boleia ou ter entrado de livre vontade no carro do arguido pré-determinou para o aquele que a mesma entendesse as intenções dele, de ter relações sexuais com aquela;

27. A ofendida também não apresentou o menor vestígio de danos físicos, não lhe foram diagnosticadas lesões ou deformações que este tipo legal de crime tantas vezes implica.

28.  A escolha da pena deve ser perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objectivos estipulados no artigo 40.° do C.P.;

29. A pena de 9 anos não dará certamente resposta à prevenção de um comportamento futuro por parte do arguido, muito pelo contrário, poderá produzir efeitos perversos, de dimensões imprevisíveis;

30. O exigir por parte da justiça uma reacção firme que, sem descurar as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, mantenha condenação tão pesada (9 anos de reclusão) impedirá seguramente o condenado de voltar a moldar a sua vida de modo socialmente aceitável;

31. O quantum de 9 anos se reclusão representa denegação da justiça e manifesta desigualdade com casos bem mais graves da justiça portuguesa, como por exemplo aqueles que se aplicam a autores de crimes de rapto agravado e crime de violação agravado;

32. Ora, a pena aplicada ao recorrente é excessiva e viola o princípio da proporcionalidade e os artigos 40.° e 41.° do C.P.

33. Ao condenar o arguido numa pena de 9 anos de prisão efectiva, a qual se afigura manifestamente excessiva e injustificável, violou, o douto Tribunal, as normas constantes do artigos 40.°, 71.°, n.º 1 e 2, ambos do C.P;

34. A redução da pena única de prisão efectiva daria adequada resposta às necessidades ditadas pela prevenção especial.

35. O quantum adequado será de 2 anos para o crime de rapto e 3 anos para o crime de violação, não devendo a pena única ultrapassar os 4 anos de prisão;

36. Considerando-se adequado e ajustado ser sujeito a uma pena não privativa da liberdade, suspendendo-se a pena que lhe vier a ser aplicada a qual não deverá ser superior a 4/5 anos de prisão, por se encontrarem preenchidos os pressupostos do artigo 50º do C.P.;

37. O acórdão recorrido desrespeitou os princípios estruturantes da proporcionalidade, da necessidade, da proibição do excesso e da segurança jurídica.

TERMOS EM QUE, e nos mais que vossas Excelências superiormente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida, alterando-se a mesma, nos termos expostos;

A V.as Ex.as caberá, como sempre melhor decisão, como é de JUSTIÇA.”

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            Respondeu ao recurso a Exma Magistrada do Ministério Público no sentido de que “O recurso apresentado pelo arguido recorrente deverá ser julgado improcedente.
            Pelo que, mantendo-se o Douto Acórdão recorrido nos seus precisos termos, farão Vossas Excelências, como habitualmente, J U S T I Ç A  “
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            Foram remetidos os autos ao Supremo, por o recurso versar apenas matéria de direito,
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            Neste Supremo, a Dig.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer onde refere:
“O MºPº, na sua resposta, colocou a questão prévia atinente à incompetência do Tribunal da Relação para decidir do presente recurso, atribuindo-a a este Venerando Tribunal.
               No mesmo sentido, o parecer do MºPº no Tribunal da Relação e o teor da decisão sumária proferida pelo Juiz Desembargador competente.
                Nos termos do art. 433.º, n.º 1, al. c) do CPP é este STJ o tribunal competente para decidir do presente recurso.
                4 – O recorrente levou às conclusões de recurso as seguintes questões:
               → O Acórdão recorrido viola o art. 30.º do CP, ao condená-lo em concurso efectivo de crimes, de rapto e de violação, fazendo uma dupla valoração dos factos.
                → O que se verifica no caso dos autos é que a reacção contra a valoração concreta do bem jurídico realizada pelo tipo enformado pelo valor menos lato (rapto), se efectiva já pela aplicação do preceito que tem em vista a defesa de bens jurídicos mais extensos (a violação), ocorrendo uma relação de consumpção em que a norma que mais extensamente protege o complexo jurídico-penal em presença (violação) consome a norma que em menos amplitude o faz (rapto)” – (concls. 1ª a 10ª)..
                → Devendo ser condenado exclusivamente pela prática de um crime de violação, a pena de 7 anos de prisão aplicada é desproporcional, desadequada e excessiva (concls. 11ª a 18ª).
               → A pena adequada pela prática do crime de violação deveria situar-se nos 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, nos termos do art. 50º do C.P: (concluss. 19ª a 21ª).
               → Sem prescindir, mesmo a considerar-se ter o arguido cometido dois crimes, em acumulação real, um de violação e outro de rapto, são estas penas parcelares injustas, por excessivas, assim como desajustada e desproporcional se mostra a pena única de 9 anos de prisão aplicada.
               → As penas parcelares devem diminuir para os 2 anos de prisão, para o crime de rapto, 3 anos de prisão para o crime de violação, fixando-se a pena única em 4 anos de prisão, suspensa na sua execução uma vez que se verificam os pressupostos do art. 50.º do C.P. (concls. 22ª a 35ª).
               5 - Respondeu o MºPº, com proficiência e pertinência, defendendo a manutenção do julgado, que não merece censura.
               6 - Efectivamente, o recurso do arguido não merece provimento.
               Dando aqui por integralmente reproduzida, com a devida vénia, a resposta do MºPº na 1ª instância, apenas se nos oferece acrescentar-lhe, melhor, sublinhar os seguintes pontos:
               6.1 - Ao invés do que afirma o recorrente, a factualidade fixada impõe, naturalmente, não só a condenação do arguido pela prática de dois crimes, em acumulação real, de rapto e violação, como se mostram adequadas, proporcionais e necessárias as medidas concretas das penas parcelares como a pena única de 9 anos de prisão, fixadas.
               Permitindo-nos não repetir aqui os factos dados como provados, registamos os fixados sob os n.ºs 3, 4, 5 a 13.
               Já tinha o arguido antecedentes criminais, maxime, duas condenações pelo mesmo tipo de crime, de violação, tendo sido condenado, no proc. de querela n.º 147/85 do tribunal da comarca do Porto, pela prática de 2 crimes de violação e no proc. 94/87 do Tribunal Criminal do Porto, por outro crime de violação.
               Apenas confessou ter mantido relação sexual com a vítima, mas com o consentimento desta.
                Não confessou a verdade.
               Apresenta “desde o início da sua fase de adulto o envolvimento em contexto de natureza desviante e marginal (…)”- facto 39.
               O arguido tinha perfeita consciência, porque já fora condenado 3 vezes, que é crime atentar contra a liberdade e autodeterminação sexual de terceiros e, não obstante, ao ver a vítima na estrada, logo congeminou um estratagema ardiloso para a recolher no carro que conduzia e levá-la, contra sua vontade, para um sítio ermo e inóspito que bem conhecia.
               O arguido quis, consciente e deliberadamente, “apanhar” a vítima indefesa, que seguia o seu caminho na estrada, rapidamente lhe montou uma cilada, dizendo--se perdido e oferecendo boleia á ofendida até ao centro da cidade, para que esta lhe ensinasse o caminho pelo qual o arguido inventou querer seguir, desviou-se da direcção que a vítima lhe ensinava, retirou-lhe o telemóvel com violência, deu-lhe uma bofetada, trancou as portas do carro, impedindo a saída da vítima e, não obstante o desespero e a vontade expressa e manifesta da vítima de fugir, o arguido manteve-a trancada no carro, sem possibilidade de sair e usar o telemóvel, prosseguindo a marcha para o local ermo onde efectivou o crime de violação.
               Durante o período de tempo que mediou entre o início do desvio da direcção que a vítima lhe indicava até ao local onde consumou o crime de violação, o arguido teve tempo e oportunidade para, se tivesse consciência ética e conforme ao direito, que bem conhecia pelas condenações anteriores, abandonar o seu propósito de violar a vítima.
               Mas não. Havia elaborado o plano, que concretizou, de desviar a vítima do seu caminho, fê-la entrar no carro com astúcia, sob falso pretexto, trancou o carro e levou-a para sítio que aquela não queria.
                Cometeu o arguido um crime de rapto.
                Apesar da reacção de repulsa, de medo e de tentativa de fuga da vítima manteve-a fechada no veículo e impossibilitada de livremente se locomover e fugir.
               Depois, chegados ao local escolhido pelo arguido, este, na prossecução dos seus instintos libidinosos, contra a vontade da ofendida, violou-a.
                Aliás, a fundamentação do Acórdão recorrido relativamente à pluralidade de crimes cometidos pelo arguido mostra-se lógica, cristalina e convincente, do ponto de vista do enquadramento jurídico-penal dos factos dados como provado.
               A Jurisprudência citada, que se mantém, refira-se o Ac. do STJ, de 12/7/2012, pº 1718/02.9JDLSB referenciado por Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal…, em anotação do art. 161.º, do C.P, nota 17:
               Verifica-se “concurso efectivo entre o crime de rapto e o crime contra a liberdade ou autodeterminação sexual, por exemplo se o agente deslocou a vítima, contra sua vontade, de um lado para o outro e aí a forçou a satisfazer os seus desejos sexuais (…)”.
                Não procedem as conclusões 1ª a 18ª.
               6.2 - No que concerne ao quantum das penas de prisão parcelares única aplicadas ao arguido, não merece censura o Acórdão recorrido.
               As circunstâncias atenuativas que o recorrente invoca são de pequena relevância face à gravidade dos factos criminosos cometidos, muito intensa a culpa do arguido e muito elevado o grau de ilicitude dos factos, os seus antecedentes criminais e a sua atitude de indiferença e desprezo pelo valor das normas jurídicas violadas, os bens jurídicos fundamentais por elas protegidos, que o arguido conhece bem porque já havia sido condenado por crimes de violação, cumpriu pena efectiva de prisão, mas que não se mostrou suficiente e capaz para afastá-la do seu percurso criminoso.
               A violência sexual é fortemente censurada pela comunidade que considera repugnante o comportamento do agente que atenta contra a liberdade e autodeterminação sexual, nomeadamente os crimes de violação, porque “repercute falta de ressonância ética do agente com respeito ao valor fundamental da pessoa, da sua liberdade sexual, basilar a uma sã convivência pacífica, severamente punido na generalidade das legislações (…)” Ac. do STJ, de 4/7/2011, pº 1243/10.4paalm.l1.S1.
               7 - Por todo o exposto emite-se Parecer no sentido da improcedência total do recurso interposto pelo arguido AA.”

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Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº2, do CPP.
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Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, após os vistos legais.
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Consta do acórdão recorrido:

“2.1.- Factos provados.

           Discutida a causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:

           1-No dia …/…/2010, cerca das 20h00min, a denunciante, DD, seguia na EN …, no sentido ...- ..., dirigindo-se a pé, para a casa da sua avó, sita na Rua ..., nº …, em ..., ....

2- No seu percurso, já na freguesia de ..., deparou-se com um veículo ligeiro de passageiros no interior do qual se encontrava, no lugar do condutor, o arguido.

3- Este, sob o falso pretexto de desconhecer a região e de necessitar de ajuda para se encontrar com uns amigos em ..., convenceu a denunciante a entrar no veículo para que esta lhe indicasse o caminho, comprometendo-se a deixá-la no centro da cidade.

4- Quando circulava na Rotunda …, já na freguesia de ..., o arguido deixou de seguir as instruções da denunciante e virou para o lado oposto ao indicado por aquela dizendo-lhe: “está calada, eu é que sei”.

5- Face ao comportamento do arguido, a denunciante, temendo o que lhe pudesse acontecer, tentou enviar uma mensagem escrita à sua avó, no entanto, foi impedida pelo arguido que atirou o telemóvel daquela para o banco de trás do veículo.

6- O arguido conduziu o veículo para um local ermo e inóspito, sito na Rua ..., freguesia de ..., e estacionou-o numa zona rodeada de árvores, dizendo à denunciante: “Agora vou fazer-te o que eu quiser”.

7- Perante o comportamento do arguido, a denunciante começou a gritar por socorro, enquanto tentava abrir a porta do veículo que constatou encontrar-se trancada.

8- Nesse momento, o arguido desferiu-lhe uma bofetada e disse-lhe: “se não parares de gritar vai ser pior para ti”, “tapo-te a boca até deixares de respirar”, fazendo com que a denunciante, temendo pela sua vida e integridade física, parasse de resistir.

9- Acto contínuo o arguido desapertou as calças, deixando o seu pénis a descoberto, agarrou a cabeça da denunciante e baixou-a até à altura da sua cintura, obrigando-a a introduzi-lo na boca, o que provocou naquela reflexo de vómito.

10- Por força da reacção da denunciante, o arguido recostou o banco em que esta se encontrava sentada, fazendo-a deitar.

11- Após, baixou-lhe os leggins e cuecas que trazia vestidos, subindo-lhe a saia, sentou-se em cima dela e introduziu o pénis, já erecto, na vagina da denunciante ficcionando até ejacular, o que fez para o exterior da vagina desta.

12- Já após o acto sexual, o arguido retomou o lugar de condutor do veículo, fez inversão de marcha, destrancou-o, devolveu à denunciante o telemóvel de que era proprietária e deixou-a sair do veículo, abandonando de seguida o local.

13- O arguido atuou ardilosamente com o propósito concretizado de privar a denunciante da sua liberdade de locomoção, para a conduzir para um local inóspito, tal como veio a suceder e aí manter com esta, contra a sua vontade, relações sexuais.

14- Com o comportamento descrito em 6. e 8., o arguido causou na denunciante medo de vir a ser fisicamente molestada ou até morta, logrando por essa via concretizar o seu intento de manter cópula com a denunciante, contra a vontade desta.

15- Agiu o arguido com a finalidade de satisfazer os seus instintos sexuais por meio do corto da denunciante, colocando em causa a sua liberdade sexual, o que representou e conseguiu.

16- O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Do relatório social do arguido BB constam os seguintes factos:

17- BB provém de um agregado familiar numeroso, composto pelos pais e irmãos, sendo aquele o terceiro elemento de uma fratria de cinco que viviam em ..., ..., em habitação arrendada. Este grupo familiar apresentava um nível socioeconómico modesto mas adaptado às necessidades básicas da família.

18- O progenitor, único elemento integrado profissionalmente, exercia funções no ramo de mecânica auto, por conta própria, a figura materna tinha como responsabilidades a gestão doméstica e acompanhamento do processo educativo dos descendentes.

19- O arguido descreve uma dinâmica familiar normativa, relatando um processo educativo exigente de acordo com normas e regras correspondente a um padrão convencional.

20- Apresenta uma trajetória escolar pouco investida, tendo abandonando a mesma em virtude do desinteresse e desmotivação escolares. Concluiu 4º ano de escolaridade com 12 anos, com referência a três retenções escolares, iniciando o seu percurso profissional na adolescência na área de mecânica auto como ajudante de pintor de automóveis, ocupação laboral que desenvolveu na oficina do progenitor até aos 17/18 anos, altura em que iniciou o seu processo de autonomização. A partir de maioridade o arguido manteve atividade profissional por conta de outrem na área já mencionada, em diferentes empresas do ramo automóvel. Aos 21 anos iniciou novo projecto profissional no sector de mecânico-auto com um familiar. Estabeleceu-se por conta própria através da montagem de uma oficina de reparação auto localizada em ....

21- Posteriormente, interrompeu o seu percurso profissional na sequência de condenação referente a duas penas de prisão efetiva: a primeira com duração de quatro meses aplicada por decisão em 03-09-1984 pelo crime de usurpação de funções e a segunda pela prática dos crimes de usurpação de funções, violação e atentando ao pudor, condenação, em cúmulo jurídico, na pena única de 15 anos de prisão, determinada em 02-12-1985, depois reduzida em um ano, 10 meses e 19 dias por aplicação de perdão. Cumpriu 7 anos e 6 meses de prisão efetiva, beneficiando de medida graciosa de liberdade condicional, a qual foi convertida em liberdade definitiva, com efeitos reportados em 25-06-1996.

22- Após libertação iniciou a sua vida conjugal com atual companheira, tendo o casal dois filhos, atualmente com 32 e 16 anos, respetivamente. Nesta altura, retomou a sua vida profissional numa empresa de comercialização de automóveis como vendedor, a EE função que desenvolveu durante cinco anos, caracterizando a mesma de forma empenhada, motivo pelo qual em 1995 foi distinguido e premiado, referindo abandonar aquela ocupação após conhecimento da situação financeira frágil daquele grupo comercial e perspectiva de retomar atividade profissional por conta própria.

23-Nesta sequência, aos 32 anos de idade restabeleceu-se com uma oficina de reparação e um stand de automóveis em ... em regime de sociedade, em zona fronteiriça com a Espanha, tendo encetado com a então sócia uma ligação marital da qual nasceu uma filha, actualmente com 17 anos de idade, preservando contactos com esta descendente.

24- Não obstante referenciar aquela experiência bem-sucedida, abandonou a atividade profissional que tinha em ... e montou nova oficina de automóveis em ..., espaço que ainda mantém arrendado. Por dificuldades de natureza financeira e inviabilização económica alegadas pelo arguido, encerrou a actividade e enceta nova mobilidade geográfica associada ao trabalho e emprega-se no ramo de mecânica auto numa empresa espanhola de adaptação de veículos, localizada em ..., local onde laborou algum tempo, preservando todavia residência e ligação com o agregado familiar constituído.

25- Não sendo primeiro contacto com o sistema de administração de justiça por delitos de idêntica natureza, o seu envolvimento e interação com meios diferenciados e de natureza marginal estão relacionados com as penas de prisão mencionadas, ocorridas em 1985, evidenciando o arguido um discurso com défice crítico, pouco consciente dos limites da norma e das repercussões nos outros e sem expressão de empatia no que respeita a análise do impacto do comportamento criminal pelo qual foi condenado na perspetiva da vítima (s) e da ordem jurídica.

26- De acordo com a consulta do registo criminal, BB também apresenta antecedentes criminais pelo crime de declaração de testemunho (s) falso (s), praticado em 26-03-1996, tendo sido condenado a uma pena de multa, extinta pelo seu cumprimento em 14-01-2000. Voltou a registar novo confronto judicial pelos crimes de falsificação de documento (1), roubo (2) e detenção ilegal de arma (1), tendo sido determinada a pena efetiva de cinco anos e dois meses em 14-05-2014, mantendo o arguido uma postura de desculpabilização e minimização da sua conduta, corresponsabilizando terceiros pelos atos ilícitos imputáveis àquele.

27- Não obstante a sua conduta adaptada às regras prisionais, o arguido apresentou então dificuldade em analisar criticamente a sua conduta criminal, não reunindo os pressupostos formais para a concessão de liberdade condicional.

28- À data dos acontecimentos narrados nas peças, BB vivia em ... com o agregado familiar constituído pela companheira e filhos de ambos, valorizando aquele a capacidade de manutenção do vínculo afetivo por parte daquela atendendo aos seus sucessivos problemas criminais/ contingências prisionais e tolerância face à estilo de vida passado pelo convívio com indivíduos com práticas desviantes e também associado, no domínio da sexualidade, à procura de prostituição.

29- Apesar de avaliar a sua relação conjugal globalmente positiva e satisfatória sob ponto de vista afetivo e sexual, à data dos acontecimentos narrados no processo sustenta o recurso pontual a sexo pago para diversificação e satisfação e das suas necessidades sexuais, atribuindo ao cônjuge, parceira sexual mais regular, um comportamento que classifica como mais contido e convencional nesta esfera.

30 - Em termos profissionais, o arguido preservava atividade profissional no ramo de mecânica auto numa oficina de pequenas reparações de automóveis localizada em ..., espaço que ainda mantém, embora em fase de desativação.

31- Presentemente e desde o termo da terceira pena de prisão em 05-05-2015 o arguido mantém enquadramento sociocomunitário na morada referenciada nos autos, em apartamento de tipologia três, arrendado, continuando a residir com o agregado familiar composto pelo cônjuge, ativa profissionalmente como ajudante de cozinha num estabelecimento escolar próximo à área residencial; a descendente mais velha, atualmente com 28 anos de idade, operadora na empresa da ... e o filho mais novo, FF, com … anos de idade, estudante. Também integra este agregado familiar o companheiro da filha, GG que labora na firma ..., desconhecendo o arguido os rendimentos daquele, não obstante verbalize que o mesmo participe nas despesas familiares.

32- Não obstante o arguido aprecie negativamente a condição socioeconómica da família, aspeto a que associa à sua situação profissional atual de natureza precária e instável, este núcleo familiar subsiste através dos proventos do arguido no ramo da mecânica – auto, responsabilizando-se aquele pelo pagamento da renda da habitação no valor de 375 euros. Acrescem-se os rendimentos do trabalho auferido pela companheira e filha do casal, que totalizam 1204 euros. O companheiro da filha também está integrado em termos profissionais, colaborando nos encargos. Este grupo familiar apresenta como encargos, além da renda já mencionada, as despesas correntes com água (20 euros), electricidade (50 euros) e serviços com telecomunicações (50), considerando a companheira que actual situação económica é suficiente, apesar da condição laboral incerta do arguido.

33- Ao nível da conjugalidade o arguido reitera uma relação positiva, apreciação que em termos semelhantes é efetuada pela companheira.

No meio socio-residencial e de acordo com a informação recolhida junto da rede de vizinhança, apesar de identificarem o arguido e associarem o mesmo ao ramo de automóveis, não interagem regularmente com aquele, aspecto a que o arguido associa à sua recente integração no agregado constituído.

         34 - Não sendo o primeiro confronto com o sistema de administração de justiça por ilícitos de idêntica natureza, BB revela uma postura tranquila, não manifestando qualquer preocupação e ansiedade face ao desfecho do presente processo, pelo que não se observa um impacto significativo ou emocionalmente perturbador na esfera pessoal e conjugal do arguido.

          35- Em termos abstractos, não obstante BB evidencie um discurso de acordo com a desejabilidade social no que respeita a análise e reconhecimento da ilicitude da natureza dos factos constantes no processo e o impacto dos mesmos podem exercer na(s) vítima(s), aquele enquadra e justifica os acontecimentos narrados numa fase de sua vida em que procurava esporadicamente a prostituição com intuito de satisfazer as suas necessidades sexuais, comportamento sexual que caracteriza como permissível, negando assim práticas atípicas e de natureza ilícita. Nesta sequência manifesta expectativas que a situação se venha a clarificar sem implicações concretas no seu percurso de vida presente, não ponderando hipótese de uma eventual condenação.

          36- Inicialmente o arguido não assumiu o presente confronto com o sistema de justiça perante a família de origem ou núcleo familiar constituído pelo constrangimento e exposição da sua conduta sexual em termos de recurso à prostituição, receando o impacto na dimensão da conjugalidade e parentalidade, não obstante reitere um discurso de uma imagem adequada auto atribuída em termos afetivo-sexuais.

         37- Na esfera parental e social o arguido pretende ocultar a existência deste processo atendendo a natureza do delito e consequente exposição do mesmo.

         38- A companheira mantém uma postura de apoio ao arguido, não obstante verbalize incómodo pelo conhecimento do presente confronto judicial. Aparenta uma atitude complacente face aos antecedentes criminais do arguido, expressando um posicionamento pouco crítico e reservado face ao presente processo, não se verificando da mesma impacto significativo na organização na familiar.

         39- O arguido, apresenta desde o início da sua fase de adulto o envolvimento em contextos de natureza desviante e marginal, tendo sido condenado em três penas efetivas de prisão, destacando-se a segunda pena pela prática de delitos de idêntica natureza aos quais se encontra acusado.

        40 - Não obstante estas contingências e outros envolvimentos relacionais afectivos preserva a inserção familiar, considerando a ligação com o cônjuge, estruturante e de expectável continuidade.

        41- Apresenta um percurso profissional com registo de mutabilidades e mobilidade geográfica ainda que focalizada desde a adolescência no mesmo ramo automóvel , actividade desenvolvida maioDDriamente por conta própria, em locais distintos, e a que perspectiva continuar a dedicar-se.

        42- BB evidencia uma postura de minimização face aos antecedentes criminais, expressa também uma postura tranquila quanto ao hipotético desfecho e uma atitude distanciamento face à presente acusação, sem ressonância emocional e com censura face aos acontecimentos descritos, concordante com o socialmente desejável, aspetos que se constituem de acentuada vulnerabilidade que podem contribuir para uma eventual recidiva.

         43- Em face dos antecedentes consideramos que na eventualidade de condenação, a execução de uma medida na comunidade poderá não acautelar as questões emergentes de prevenção geral e de prevenção especial de ressocialização.

          Do CRC do arguido constam as seguintes condenações:

a) No processo sumário nº 159/84, do 1º Juízo de Polícia do Porto, foi o arguido condenado por decisão de 3/9/84, pela prática de um crime de usurpação de funções, p. e p. pelo art. 400º do C.P., na pena de quatro meses de prisão efectiva;

b) No Processo de Querela nº 147/85, do Tribunal da Comarca do Porto, foi o arguido condenado pela prática em 2/12/85, pela prática de dois crimes de violação e seis crimes de usurpação de funções na pena única de treze anos e seis meses de prisão.

c) No Processo de Querela nº 94/87, do Tribunal Criminal do Porto, foi o arguido condenado por decisão de 6/11/87, de um crime de violação, atentado ao poder e usurpação de funções, na pena única de 15 anos de prisão.

d) No Processo nº 968/96, do 2º Juízo Criminal do Porto, foi o arguido condenado por decisão de 25/11/99, pela prática de um crime de falso testemunho p. e p. pelo art. 359º/1 e 2 do CPP., na pena de 120 dias de multa na quantia de 36 000$00.

e) No Processo nº 1677/09.7JAPRT, foi o arguido condenado pela prática em 23/02/2010 e 04/03/2010, de dois crimes de roubo p. e p. pelo art. 210º do C.P., um crime de detenção ilegal de arma p. e p. pelo art. 86º/1 c) e d) da Lei nº 5/2006, de 23/02, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelo art. 256º/1 a) e 3 do C.P., na pena única de 5 anos e dois meses de prisão, pena essa extinta em 05/05/2015.”

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            Cumpre apreciar e decidir
           Inexistem vícios ou nulidades de que cumpra conhecer, nos termos artº 410º nºs 2 e 3, do CPP, sendo competente o Supremo para conhecer do recurso, - artº 434º do CPP,
           Embora no dispositivo da decisão recorrida se refira à condenação pelo crime de violação “na pena de 7 (cinco) anos de prisão”, é manifesto o lapso de se ter escrito “cinco” com referência a 7, pois que como consta da fundamentação, e aí se escreveu, sem margem de dúvidas, “resultam como justas e suficientes as seguintes penas parcelares:
- pela prática do crime de violação, a pena de 7 (sete) anos de prisão;
- pela prática do crime de rapto, a pena de 4 (quatro) anos de prisão”
            E também na fundamentação do cúmulo:
“Resulta, deste modo, uma moldura penal, para o cúmulo, de 7 (sete) anos – correspondente à pena parcelar mais elevada[…]”
Fica pois corrigido o lapso no âmbito do artº 380º, nº1, al. b) e nº2, do CPP.
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            Alega o recorrente que no comportamento global, apenas divisa o desígnio criminoso da violação, pelo que o crime de rapto se revela aqui estDDmente instrumental do crime-fim. E pese embora os dois crimes protegerem bens jurídicos diferentes, a imagem global que ressalta da conduta do arguido é a prática do crime sexual, ocorrendo, pois, uma relação de subsidiariedade, e por isso entende que o crime de violação foi cometido em concurso meramente aparente com o de rapto; (conclusões 6 e 7) e que Neste sentido, deverá o arguido ser absolvido da prática do crime de rapto, sendo o douto acórdão revogado em conformidade.  (conclusão 10)

            Porém, não tem razão.
           Como assertivamente assinala a Exma Magistrada do Ministério Público em sua resposta:

           “Os bens jurídicos protegidos por cada um dos ilícitos são distintos; com a punição do crime de rapto pretende-se proteger a liberdade pessoal, pune-se o furto de uma pessoa, a violação do seu ius ambulandi com determinada intenção: as elencadas nas diversas alíneas do nº1 do artº161 do Código Penal e com o crime de violação protege-se a liberdade sexual, pelo que, sucedendo o crime de violação ao de rapto verifica-se concurso real entre estes ilícitos criminais – neste sentido Acórdãos do STJ de 04.02.1987, de 16.05.1996, de 11.11.2014 este disponível in www.dgsi.pt -.

               Como decidido no Acórdão do STJ de 01.04.1998, Processo nº285/98, “…tendo o arguido privado a ofendida da sua liberdade ambulatório, por meio de violências e ameaças, para manter cópula com ela, contra a sua vontade, impedindo-a sempre de sair da viatura e levando-a, assim, consigo, para um local isolado- distante cerca de 18 km daquele em que iniciou aquela privação – onde, sempre pela mesma forma, obrigou a vitima, efectivamente a suportar a cópula, aquele, além do crime de violação, cometeu ainda, em concurso real, não o crime simples de sequestro por que foi condenado, mas, sim, o de rapto p. e p. pelo artº160º, nº1, al.b) do Código Penal.”.

                “ O crime de rapto (consumado) não exige a consumação do “crime-fim” (isto é não exige a realização da intenção do raptor) nem sequer o inicio da tentativa deste crime; basta-se com a finalidade ou intenção de o praticar. Deste modo, se o raptor concretiza a sua intenção, responderá, em concurso efectivo, pelo crime de rapto (artº160º) e pelo “crime-fim”, isto é, pelo crime …. Sexual (p.ex., violação, artº164º…”- Américo Taipa de Carvalho in Comentário Conimbricense, 1990, Tomo I, pág.430-.
           
Mostra-se correcta a fundamentação do acórdão recorrido quando refere:
            “O crime de rapto constitui um tipo de crime conta a liberdade pessoal e de intenção específica - a privação da liberdade tem de ser determinada com a finalidade de exercer sobre a vítima alguma das acções que são especificamente referidas na lei, entre as quais uma ofensa contra a autodeterminação sexual da vítima - artigo 160º, nº 2, alínea b) do Código Penal.
Constitui, assim, elemento essencial do crime de rapto, que integra o tipo (elemento subjectivo do tipo - cfr., v. g., Claus Roxin, "Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Fundamentos de la Estructura de la Teoria del Delito", ed, Civitas, 1997, pág. 311-312), uma específica intenção, que qualifica, rectius, diferencia tipicamente a privação de liberdade em relação à privação de liberdade (fundamentalmente o mesmo bem jurídico) no crime de sequestro - artigo 158º do Código Penal, embora o rapto pareça exigir um plus típico que consiste na transferência da vítima de um lugar para outro (cfr. Taipa de Carvalho, "Comentário Conimbricense ao Código Penal", I, pág. 402-403 e 428).
[…]
Caracterizado o crime de rapto como um crime que tem em vista a protecção da liberdade circulatória, o chamado ius ambulandi e que pressupõe um dolo específico; isto é, que a impossibilidade de locomoção da vítima se realize através de violência, ameaça ou astúcia e que o agente o realize para atingir um fim determinado, designadamente uma ofensa contra a autodeterminação sexual da vítima - artigo 160º, nº 2, alínea b) do Código Penal – e, impondo o crime de violação que o acto sexual seja praticado tendo a vítima sido coagida, forçada a sofrê-lo ou a praticá-lo, parece que, para a verificação deste último crime, é pressuposto que a ofendida se mostre destituída de liberdade ambulatória.
[…]

No que concerne ao casos dos autos, há um desígnio autónomo do Arguido de previamente privar a Ofendida da sua liberdade ambulatória, deslocando-a do sítio para onde ela queria ir para outro, para depois e aí a forçar a satisfazer-lhe os seus desejos sexuais.

Há, assim, descontinuidade espacial e mesmo temporal entre as duas condutas.

È verdade que a violação não podia ter tido lugar se a vítima pudesse ter fugido da viatura. Mas a privação da liberdade indispensável à violação não coincide nem pressupõe necessariamente «a transferência da vítima de um lugar para o outro», como exige o crime de rapto e se verificou no caso concreto”
[…]

No sentido de que existe concurso efectivo entre o crime de rapto e o crime de violação (o crime-fim que nos interessa), se pronuncia Taipa de Carvalho, no “Comentário Conimbricense…”, Tomo I, 403 e 430. E é essa a orientação tradicional da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como se pode extrair dos Acórdãos de 25.03.2010, Pº 544/08.6JACBR.S1, de 11.11.2004, Pº nº 3259/04 e indicações aí fornecidas, de 10.01.96, BMJ, 453,157, de 16.05.96, Pº nº 181/96 e de 28.10.87, BMJ, 370, 329.

Tendo, pois, o Arguido raptado a ofendida DD com a intenção de a violar, como efectivamente violou, cometeu, em concurso efectivo, os crimes de rapto e de violação.”

Por outro lado, como acentuou o acórdão recorrido relativamente ao crime de violação:

O bem jurídico que a incriminação visa proteger é a liberdade e autoderminação sexual, como parte integrante do direito geral de personalidade, decorrente da eminente dignidade da pessoa humana e estreitamente ligado à integridade intelectual, moral e social de cada pessoa – Cfr., a este propósito, Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2.ª edição, págs. 711 e 712.

Mais concretamente e na sua modalidade simples – i. e., não agravada em função da idade da vítima –, protege-se o bem jurídico da autoconformação da vida e da prática sexuais da pessoa: cada pessoa adulta tem o direito de se determinar como quiser em matéria sexual, seja quanto ao momento ou ao lugar em que a elas se entrega ou ao(s) parceiro(s), também adulto(s), com quem as partilha – pressuposto que aquelas sejam levadas a cabo em privado e este(s) nelas consinta(m) – Cfr., op. cit., pág. 715, em anotação ao artigo 163.º, mas em termos aplicáveis ao crime p. e p. pelo art.º 164.º, do Código Penal.”

É certo que o artº 164, n 1 do CPenal, sobre o crime de violação refere - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa:[…],

E, daqui poderia entender-se que a actuação do arguido na conduta prévia de privação de liberdade da vítima, conducente à violação, ainda faria parte deste crime, sendo um meio para alcançar o fim, mas tudo no âmbito da mesma tipicidade.

Porém, ainda assim, também não pode ignorar-se que o artº Artigo 161.ºdo CP referindo-se ao crime de Rapto alude  no º 1,: “Quem, por meio de violência, ameaça ou astúcia, raptar outra pessoa com a intenção de:

[…]

b) Cometer crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da vítima;”

Por isso, e face ao já supra exposto, no cotejo de ambas as tipicidade referidas (crime de violação e crime de rapto, se possa considerar defensável, estar-se perante uma situação limite, em temos de interpretação do bem jurídico tutelado, não exclui contudo, a  autonomia dos bens jurídicos, nos crimes em questão, havendo, por conseguinte, concurso real de infracções entre eles.


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Alega o recorrente que o crime de violação de que o arguido vem condenado implica forçosamente o uso da força, ou pelo menos da ameaça e implica necessariamente a prática do acto sexual; e que da prova documental junta aos autos a fls. 16 a 19, elementos clínicos do episódio de urgência consta "sem escoriações, equimoses ou hematomas visíveis"; o relatório de perícia de natureza sexual de fls. 10 a 12 e 25 a 27 concluiu pela ausência de lesões ou sequelas; e a ofendida não apresentou o menor vestígio de danos físicos, para além, é evidente, de um grande constrangimento, não lhe foram diagnosticadas lesões ou deformações que este tipo legal de crime

Há que dizer:

A violação sendo mais do que um acto sexual de relevo comunga, porém, a nível da violação da liberdade de autodeterminação sexual, da mesma matriz da coacção sexual.(v. artº 163º)

Ensina Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, tomo I, Coimbra Editora, p 445 e segs, que o bem jurídico nos crimes contra a liberdade sexual “é o da autoconformação da vida e da prática sexuais da pessoa” e que “Agente do crime de coacção sexual pode ser qualquer pessoa, não se tratando aqui nem de um tipo de mão própria, nem sequer de um tipo específico, como se revela pela circunstância de ele compreender acções praticadas por terceiros e em terceiros.”

O bem jurídico protegido no crime de violação “é o da liberdade de determinação sexual. Ao perguntar-se porem porque especializa a lei o crime de violação face ao de coacção sexual, é ainda de uma especialização do próprio bem jurídico que se trata,” .v. p. 466, § 1

Sobre o requisito da violência como meio típico de coacção “deverá ser considerado, no contexto do artº 163º, apenas o uso da força física (como vis absoluta ou como vis compulsiva) destinada a vencer uma resistência oferecida ou esperada, sem que se torne indispensável uma resistência efectiva.

O que se torna necessário é que o agente devesse contar com a resistência e o uso da violência se destine a vencê-la, afectando de forma relevante a liberdade de autodeterminação sexual da vítima.. (F.Dias, ibidem, 453, 454)

Quanto à ameaça deve possuir um fundamento objectivo relacionado directamente com a vítima, excluindo-se a convicção errónea se não assentar nesse fundamento, bem como a ameaça contra o próprio agente e deve consistir em “um propósito de causar um mal ou um perigo se a pessoa ameaçada não consentir no acto sexual.”

A conduta típica traduz-se sempre em um acto de coacção que é imediatamente dirigido à prática, de forma activa ou passiva, a sofrer ou praticar cópula, coito anal ou oral, ou introdução vaginal ou anal, de partes , do corpo ou objectos tendo de existir entre a coacção e o acto sexual de relevo uma relação de meio/fim.

           

A partir da referida matriz descritiva comum ente os crimes de violação e de coacção sexual, “se compreende que a maioria dos elementos do tipo objectivo de ilícito coincide, no seu significado textual e também no seu sentido normativo e telelológico , com os elementos homónimos que forma considerados no art 163º §§ 6 e 14 ss.” idem. Ibidem, p. 473, §11.

Acrescente-se aliás que:

“Sendo na violação os meios de coacção e  constrangimento à cópula ou ao coito anal ou oral exactamente os mesmos que na coacção sexual relativamente ao acto sexual de relevo, e sendo exactamente a mesma a relação meio/fim que entre aqueles e esta tem de interceder, merece em todo o caso referência a questão do assentimento. Pode acontecer, na verdade que a vítima tenha resistido aos meios de coacção, mas cesse a sua resistência no momento da cópula ou durante ela, ou que tenha assentido nas manobras prévias de coacção ou mesmo na prática de certos actos sexuais preparatórios de cópula ou do coito, mas não consinta nestes. Naquele como neste caso deve considerar-se que o assentimento (parcial) da vítima não exclui a tipicidade da violação, se bem que possa relevar para aferição do dolo, para comprovação do erro ou para efeito de medida da pena.”(idem, ibidem, p.473, §15.

Face à matéria de facto provada, e como salienta o acórdão recorrido  “impõe-se concluir que o arguido, na ocasião descrita, constrangeu a ofendida, por meio de violência – dado que usou da sua superioridade física para lhe retirar a roupa que envergava –, a praticar consigo acto de coito oral e vaginal – introdução do pénis do arguido na boca e vagina da ofendida–, preenchendo a tipicidade objectiva do crime de violação na pessoa da ofendida DD.

E preencheu igualmente a tipicidade subjectiva, uma vez que se provou que: “15- Agiu o arguido com a finalidade de satisfazer os seus instintos sexuais por meio do corto da denunciante, colocando em causa a sua liberdade sexual, o que representou e conseguiu.

16- O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”.

Não se demonstrou, por outro lado, a ocorrência de quaisquer circunstâncias dirimentes da ilicitude ou da culpa.”


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Alega o recorrente que “O facto da ofendida ter aceite a boleia pré-determinou para o arguido que a mesma percebesse e anuísse na intenção dele em ter relações sexuais”

Mas esta alegação não corresponde a realidade.

A realidade  foi, como sintetiza a Digma Procuradora-Geral Adjunta em seu Parecer, que: “O arguido quis, consciente e deliberadamente, “apanhar” a vítima indefesa, que seguia o seu caminho na estrada, rapidamente lhe montou uma cilada, dizendo--se perdido e oferecendo boleia á ofendida até ao centro da cidade, para que esta lhe ensinasse o caminho pelo qual o arguido inventou querer seguir, desviou-se da direcção que a vítima lhe ensinava, retirou-lhe o telemóvel com violência, deu-lhe uma bofetada, trancou as portas do carro, impedindo a saída da vítima e, não obstante o desespero e a vontade expressa e manifesta da vítima de fugir, o arguido manteve-a trancada no carro, sem possibilidade de sair e usar o telemóvel, prosseguindo a marcha para o local ermo onde efectivou o crime de violação.

            Durante o período de tempo que mediou entre o início do desvio da direcção que a vítima lhe indicava até ao local onde consumou o crime de violação, o arguido teve tempo e oportunidade para, se tivesse consciência ética e conforme ao direito, que bem conhecia pelas condenações anteriores, abandonar o seu propósito de violar a vítima.

           Mas não. Havia elaborado o plano, que concretizou, de desviar a vítima do seu caminho, fê-la entrar no carro com astúcia, sob falso pretexto, trancou o carro e levou-a para sítio que aquela não queria.

            Cometeu o arguido um crime de rapto.

            Apesar da reacção de repulsa, de medo e de tentativa de fuga da vítima manteve-a fechada no veículo e impossibilitada de livremente se locomover e fugir.

           Depois, chegados ao local escolhido pelo arguido, este, na prossecução dos seus instintos libidinosos, contra a vontade da ofendida, violou-a.”


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            Sobre a questão da pena.

Considera o recorrente que tendo presente a moldura penal, a matéria de facto dada como provada e as circunstâncias a que alude o art. 71.° do C.P., a pena de 7 anos de prisão pelo crime de violação não é adequada, não é equilibrada, nem justa, entendendo perante os factos apurados, que o Tribunal a quo deveria ter aplicado uma pena junto do limite mínimo previsto para o crime de violação, que por si só é já muito elevado atento pois a gravidade do crime em questão; devendo o arguido ser sujeito a uma pena não privativa da liberdade, suspendendo-se a pena que lhe vier a ser aplicada a qual não deverá ser superior a 3 anos de prisão, por se encontrarem preenchidos os pressupostos do artigo 50.° do C.P.;

Sem prescindir,

Mesmo que assim não se entenda, o recorrente não concorda com as penas parcelares de 4 e 7 anos de prisão aplicadas para os crimes de rapto e violação, respetivamente, bem como a pena única de 9 anos de prisão, por considerar que as mesmas são manifestamente excessivas, desproporcionais e desajustadas à situação dada como provada nestes autos; entendendo que o quantum adequado será de 2 anos para o crime de rapto e 3 anos para o crime de violação, não devendo a pena única ultrapassar os 4 anos de prisão; e suspendendo-se a pena que lhe vier a ser aplicada a qual não deverá ser superior a 4/5 anos de prisão, por se encontrarem preenchidos os pressupostos do artigo 50º do C.P.;

Analisando:

. Escrevia CESARE BECARIA –Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38, sobre a necessidade da pena que “Toda a pena que não deriva da absoluta necessidade – diz o grande Montesquieu – é tirânica.”  - embora as penas produzam um bem, elas nem sempre são justas, porque, para isso, devem ser necessárias, e uma injustiça útil não pode ser tolerada pelo legislador que quer fechar todas as portas à vigilante tirania...” (XXV)

 Mas, como ensinava EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho DistDDl do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16, “Ao contrário do que pretendia Beccaria, uma violação ou perigo de violação de bens jurídicos não pode desprender-se das duas formas de imputação subjectiva, da responsabilidade, culpa ou censura, que lhe correspondem.

E neste domínio tem-se verificado uma evolução que seguramente não nos cabe aqui, nem é possível, desenvolver.

Essa solução está, de resto, ligada ao quadro que se vem tendo do homem, às necessidades da sociedade que o integra, aos fins das penas a que se adira e à solidariedade que se deve a todos, ainda que criminosos.

Na lição de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121):

“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”

As penas como instrumentos de prevenção geral são “instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução”, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar (idem, ibidem, p. 84)

Ensina FIGUEIREDO DIAS, As Consequências Jurídicas do Crime, §55, que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’”

O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.

A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos, até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, ibidem, p. 117)

O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa  relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.

A pena é imediatamente a consequência jurídica do facto criminal ilícito e culposo que é punível., sancionando o agente do facto pela reprovabilidade da sua conduta (activa ou omissiva) por ter agido contra os bens jurídicos tutelados penalmente por constituírem interesses fundamentais dos cidadãos, e da comunidade por eles constituída.

A pena é assim, imediatamente uma reacção pública ao ilícito criminal para assegurar a normal convivência no respeito, consideração e reposição da validade da norma violada, defensora do bem jurídico criminalmente tutelado e posto em causa..

Submetida necessariamente ao princípio de legalidade, o conceito de pena não explica de per se a sua natureza, fundamento, funções e finalidades, pois que tem variado no tempo, espaço e modo de concretização, e a interpelação histórica porque se castiga e para quê se castiga, convoca a heurística da justificação e do sentido da pena (função e fins da pena).

A finalidade das penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo o nº 1 deste preceito que, “a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”,

 Põe sua vez, o nº 2 acrescenta que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”

O que significa que em caso algum pode haver pena sem culpa (sem conhecer a medida desta) ou acima da culpa (ultrapassar a sua medida)

Nulla poena sine culpa

O princípio da culpa, segundo FIGUEIREDO DIAS. Consequências jurídicas do crime § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”

Mas, com o devido respeito, porque “a culpa é condição necessária”, necessariamente que a culpa é também fundamento da pena.

De outro modo, como pode haver pena sem culpa?!!!

A censura jurídico-penal só é possível,, só encontra o seu fundamento ético, na existência de culpa do agente que infringiu motu proprio, o bem jurídico protegido com tutela penal,

Na definição do conceito de pena escrevem ENRIQUE ORTA BERENGUER e JOSE L: GONZALES CUSSAC, Compendio de Derecho Penal (Parte General e y Parte Especial), tirant lo blanch , Valência, 2004, p,.251, (tradução noss), “Na actualidade, seu conceito se define pela concorrência de cinco características: a) A pena consiste necessariamente na imposição de um mal ao delinquente, isto é, supõe a privação ou restrição de um direito fundamental; b) a pena como mal ou privação de um direito se impõe por causa da violação da lei; e neste sentido é a sua consequência jurídica; c) a pena se impõe exclusivamente à pessoa ou pessoas responsáveis pela violação da lei, d) deve ser imposta ou administrada pelas autoridades fixadas na lei; e) a imposição da pena exprime a reprovação e censura pela violação da lei, pelo que se infringe como um castigo, e neste sentido , conceitualmente é retribuição pelo mal cometido.”

As teorias da prevenção ao fundamentarem a pena na prevenção geral e especial não arredam – nem podem, sob pena de infringirem a matriz ética primária do direito penal – excluir o direito penal do facto como um direito penal de culpa.

Se a prevenção geral pretende justificar a defesa do ordenamento jurídico ou da comunidade, não é esta uma comunidade de seres humanos, os destinatários das normas e os sujeitos da culpa?

E que outra coisa é a prevenção especial senão a exigência de socialização do agente na remissão da culpa através da reintegração social, ou seja, a educação do agente que pela sua culpa desprezou a norma penal.?

A função da pena costuma referenciar-se em trés finalidades: a retributiva como realização da justiça por meio do castigo. A prevenção geral como meio de se evitar a pratica de novos delitos pelos cidadãos da comunidade que integram, e a prevenção especial para evitar a prática de novos delitos pelo agente infractor.

Sem a pena, imposta estadualmente através do Poder Judicial, pela lesão de bens jurídícos fundamentais de tutela jurídico-criminal, a convivência humana na comunidade social onde se integra e constitui, seria impossível.

Porém, se as finalidades da prevenção (geral e especial) da pena justifiquem o cumprimento da função da pena,, não a justificam por si só, ou de forma exclusiva.

“Pelo contrário, a justificação da pena pela sua utilidade, somente pode ter lugar dentro dos limites que dimanam do princípio da proporcionalidade, como justa retribuição do injusto culpável.

Portanto, na função de tutela jurídica haverão de radicar-se tanto o fundamento justificativo da pena, como os limites dessa justificação. De maneira que se a ideia de tutela conduziu à justificação do castigo pela sua utilidade, a necessidade de que a mesma seja jurídica exige que não possa obter-se a qualquer preço, mas unicamente dentro dos limites que dimanam do princípio de proibição do excesso ou proporcionalidade em, sentido amplo.”(v. Enrique Orta Berenguer e José.L, Gonzales Cussac, ibidem,,p.254)

A função da culpa é imanente ao desvalor jurídico-penal da acção ou omissão desenvolvida na violação do bem jurídico.

Pena sem culpa, não pode existir, em qualquer Estado de Direito, democrático e material, porque qualquer Estado que se reclame de Direito há-de fundar-se na dignidade da pessoa, do ser humano, e a culpa é a responsabilização jurídico-penal da pessoa pela acção ou omissão causalmente adequada à lesão do bem jurídico-penal. consagrado pelo ordenamento jurídico da comunidade política em que se insere.

Por isso a culpa é fundamento e limite da pena.

Concordamos com FIGUEIREDO DIAS quando refere que “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso” e de “constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss; , mas já não concordamos quando salienta que “a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização.” E de que  “A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático.” (idem, ibidem)

Mas não pode ignorar-se, com o devido respeito, por outros entendimentos, que a culpa é a amplitude ético-criminal da determinação da medida concreta da pena e não se destina somente a limitar o máximo da pena.

            A culpa como proibição de excesso da prevenção, na determinação da pena, não significa que a culpa seja mera baliza punitiva, mas situa-se no mesmo campo, e no mesmo patamar da prevenção, numa dialéctica em que a culpa é fundamento e limite da pena

           

            Para se conhecer a medida da culpa, tem de se apreciar e avaliar a culpa. e por isso, se compreende também que o artigo 71° do Código Penal ao estabelecer o critério da determinação da medida concreta da pena, disponha em primeiro lugar  que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei “é feita em função da culpa do agente”, acrescentando depois “ e das exigências de prevenção.”

È que uma coisa são as finalidades da pena e outra, é a determinação da medida concreta destas.

Acrescente-se que também o artº 72º nº 1, do CP, prevê a diminuição acentuada da culpa como um dos fundamentos da atenuação especial da pena.

           

FIGUEIREDO DIAS, apesar da sua concepção sobre as finalidades da pena, reconhece que “ a culpa jurídico-penal não é uma «culpa em, si», mas uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-.ilicito”, pois que “pela via da culpa releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico,[…] «o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente» ((vDireito Penal Português, As consequência jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, p. 239, § 323)

Em suma, apenas “não relevam para a medida da pena, pela via da culpa, quaisquer consequências atípicas ou extratípicas do facto, mas apenas as consequências atípicas, no sentido social do tipo como um todo, a um seu singular elemento constitutivo ou à sua concretização”- idem, ibidem, p. 239, §324

Consequências extratípicas só poderão relevar – e deverão re3levar muitas vezes – não pela via da culpa, mas pela da prevenção (v.g. insegurança geral causada por uma série de crimes particularmente graves, pavor determinado por ataques sexuais particularmente repugnantes, etc; nomeadamente, pela via da prevenção geral positiva ou de integração, com a consequente necessidade acrescida de tutela dos bens jurídicos e de preservação das expectativas comunitárias” (idem, ibidem, p. 241, § 326.)

Pois, como se sabe: “Do que aqui se trata é, pois da construção de um tipo complexivo total (ou, na verdade, se se preferir, de um tipo para efeito da medida da pena), que suporta a consequência jurídica, tendo em vista as exigências não só da culpa, como da prevenção,”, distinguindo-se assim, “o conjunto de elementos que releva para a medida da pena pela via da culpa daquele que para ela releva pela via da prevenção”- (idem, ibidem, p 234,

Além das exigências de prevenção, protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), a  culpa é também fundamento, antes do limite da pena.

A prevenção, não é, pois, fundamento exclusivo da determinação da medida da pena.

Em sentido similar, como ressalta também do artigo de Hans –Heinrich Jescheck, Evolucion del concepto jurídico penal de culpabilidade en ALemania Y Áustria,  Revista Electrónica de Ciência Penal y Criminologia, traducción de Patrícia Esquinas Valverde, RECPC 05-01(2003), sendo a liberdade de decisão um facto antropológico evidente, a sanção ou pena entronca na merecida resposta de desaprovação da comunidade jurídica perante o facto injusto e culpável – o ilícito punível - pelo seu agente.

Se a função primordial ou determinante da pena fosse feita apenas em função da prevenção (geral e especial,) e a culpa considerada apenas como seu limite, como poderia entender-se a relevância das características da sua matriz ética?

Ao ser apontada a culpa como mero limite da pena, desde logo faz ressaltar a natureza antropológica da culpa na sua característica liminar de imanência à conduta desvaliosa activa ou omissiva do agente do facto.

Por isso, a montante do limite da pena, a culpa, “também deve ser codecisiva para toda a determinação da mesma “

Se a culpa radica na imputação ética do facto incriminado, como pode o juiz perder o ponto de conexão da culpa – dimensão ético-jurídica do facto – na repercussão da mesma nos objectivos da prevenção especial?

O problema da liberdade na violação dos bens jurídico-criminais envolve e convoca em toda a amplitude a dimensão da culpabilidade.

Se assim não for, como poderá censurar-se o facto ilícito punível, e em que medida a pena a aplicar se mostra justa a adequada à sua reintegração social?

Como poderá estabelecer-se a proporcionalidade da pena se, independentemente do limite da culpa, não tiver em conta as características desta?

 O n ° 2 do mesmo artigo do Código Penal, estabelece, que:

Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência:

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

           

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, concorrer na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.

           Quer dizer, na concretização legal da pena, na sua individualização como última fase da determinação da medida concreta desta, deve o tribunal atender à natureza e grau de gravidade do facto,, a considerações de prevenção geral e especial à punição aplicável ao delinquente concreto, e ào conjunto das condições e circunstâncias pessoais deste, de forma a que no conjunto dessas circunstâncias - todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele - e no quadro mais ou menos flexível da gravidade do facto, individualiza a pena aplicável.,

            São pois dois os critérios – em função da culpa e das exigências de prevenção - que devem guiar a tarefa individualizadora, do julgador, na determinação concreta da pena, ou seja na adaptação da pena ao caso concreto e ao indivíduo: a gravidade do facto que se fundamenta na retribuição proporcional ao crime cometido, orientada por critérios de prevenção geral , e nas circunstâncias pessoais do agente, envolvendo a culpa no desvalor da acção e no resultado e as decorrentes exigências de prevenção especial


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           A nível da medida concreta da pena, considerou a decisão recorrida:

3.2. Da medida da pena

Do art.164.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, resulta, para o crime de violação, a pena de 3 (três) anos a 10 (dez) anos de prisão.

Do art. 161º/1 b) do Código Penal, resulta, para o crime de rapto, a pena de 2 (dois) a 8 (oito) anos de prisão.

Cumpre, então, fixar a medida concreta da pena de prisão, tendo em consideração as molduras acima indicadas.        

Tal operação deve atender ao critério fixado pelo art.º 71.º, n.º 1, do Código Penal, o qual dispõe que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.

Por conjugação com o disposto no art.º 40.º do diploma acabado de citar, é possível retirar a conclusão de que à culpa caberá fornecer o limite máximo da pena que ao caso deve ser aplicada e para além do qual se estará perante uma instrumentalização da dignidade humana do delinquente, sendo em função de considerações de prevenção – geral de integração e especial de socialização – que deve ser determinada, abaixo daquele máximo, a medida final da pena.

A articulação entre ambas as finalidades faz-se de molde a que seja a prevenção especial a determinar, em último termo, a pena a aplicar, sem prejuízo de não se poder descer abaixo do limiar mínimo de prevenção geral, sob pena de o ordenamento jurídico se pôr a si próprio em causa.

A este respeito e quanto à culpa, há que ponderar o desvalor da acção decorrente do dolo do arguido – que se tem que considerar directo – e da elevada energia criminosa por este manifestada, já que a prática dos factos envolveu todo um planeamento e emprego de esforços com vista a convencer a ofendida a aceitar a boleia e a indicar-lhe o caminho, invocando um falso pretexto de que não conhecia a região e que precisava de ajuda para encontrar uns amigos em ....

Ainda quanto à culpa, importa considerar a gravidade das consequências da conduta do arguido para a vítima, que teve de sair do país, entrou em depressão e chegou a tentar o suicídio.

São, por outro lado, muito elevadas as exigências de prevenção geral associadas ao comportamento do arguido, atento o alarme social suscitado pelo tipo de condutas aqui em causa, que envolvem a agressão a bens fundamentais da personalidade e que, além do mais, lesam em grande medida os sentimentos de segurança na convivência social, dada a circunstância de o arguido se ter aproveitado da confiança que terceiros em si depositaram para levar a cabo os seus intentos.

Há, ainda, que referir que, o arguido além de não ter evidenciado qualquer arrependimento pela prática dos factos, não se coibiu de atentar contra a honra da ofendida, colando-lhe um rótulo de prostituta, para fundar um falso consentimento para a prática das agressões sexuais por si praticadas.

Como consta do relatório social “ o arguido evidencia uma postura de minimização face aos antecedentes criminais, expressa também uma postura tranquila quanto ao hipotético desfecho e uma atitude de distanciamento face à presente acusação, sem ressonância emocional e com censura face aos acontecimentos descritos, concordante com o socialmente desejável, aspectos que se constituem de acentuada vulnerabilidade que podem contribuir para uma eventual recidiva”, o que, na perspectiva da prevenção especial, revela uma maior carência de interiorização dos valores.

Por outro lado, o arguido tinha, à data dos factos, antecedentes criminais significativos, uma vez que, conforme resulta do certificado de registo criminal, já havia sido condenado, entre outros, pela prática de um crime de violação, tendo já sofrido penas de prisão efectiva significativas, o que torna especialmente prementes as exigências de prevenção especial.

A favor do arguido, releva-se apenas a circunstância de estar familiar, social e profissionalmente inserido.

Da conjugação de todos estes factores, resultam como justas e suficientes as seguintes penas parcelares:

- pela prática do crime de violação, a pena de 7 (sete) anos de prisão;

- pela prática do crime de rapto, a pena de 4 (quatro) anos de prisão;”

Tendo em conta a elevada gravidade dos crimes, e forte intensidade do dolo e da culpa,  e as fortes exigências de prevenção (geral e especial), bem como os fins e motivos determinares do arguido, na prática dos mesmos, a sua condição pessoal e económica e antecedentes criminais, bem como os limites legais punitivos e considerando que como já referia Figueiredo Dias, em 1993, Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 255, p. 197: “um pouco por toda a parte – e, de modo particular, tanto na jurisprudência alemã, como na doutrina portuguesa - se revela a tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista. Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Esta última posição é mais correcta […],

 Mas já assim não será, e aquela tradução será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada..” conclui-se pela fundamentação supra exposta, que não se revela terem sido violadas regras da experiência na determinação concreta das penas parcelares ou que sua quantificação se revele de todo desproporcionada., sendo por isso de manter

            O acórdão recorrido não desrespeitou os princípios estruturantes da proporcionalidade, da necessidade, da proibição do excesso e da segurança jurídica.


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Relativamente à pena conjunta.

Como se sabe, o artigo 77º nº 1 do Código Penal, ao estabelecer as regras da punição do concurso, dispõe: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

           E, estabelece o nº 2 que: A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa: e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.

Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.- (Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, in Proc. n.º 4454/07

Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, )sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

           Importa, contudo, realçar que na determinação da medida das penas parcelar e única não é admissível uma dupla valoração do mesmo factor com o mesmo sentido: assim, se a decisão faz apelo à gravidade objectiva dos crimes está a referir-se a factores de medida da pena que já foram devidamente equacionados na formação das penas parcelares.

           Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.

Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.

    Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado. (v. Ac. deste Supremo e desta 3ª Secção, de 09-01-2008 in Proc. n.º 3177/07).

            Considerou a decisão recorrida:

“3.3. Verificando-se que os crimes pelos quais é condenado o arguido foram cometidos em concurso efectivo, importa fixar uma pena única, nos termos do art.º 77.º nºs 1 e 2, do Código Penal, o qual estabelece que:

               “1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

                2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”.

            Tendo em conta o exposto, o disposto no artº 77º nºs 1 e 2, do CP, , os factos praticados e sua gravidade, e a personalidade do arguido documentada nos factos provados. reveladores  perante a sua vida pregressa, que a actuação do arguido  provem de tendência criminosa, e o efeito previsível da pena no comportamento futuro do arguido, e adequação da conduta motivadora, entre o meio e fim, a que supra se fez referência, revela-se adequada a pena única de oito anos de prisão.


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Termos em que, decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3ª Secção – em dar parcial provimento ao recurso, e, consequentemente, reduzem a pena única a oito anos de prisão,

           

Supremo Tribunal de Justiça,           21 de junho de 2017

Pires da Graça (Relator)

Raul Borges   

                              Elaborado e revisto pelo relator