Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
157/07.0TBOER.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
DEFEITO DA OBRA
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
TRADIÇÃO DA COISA
REGIME APLICÁVEL
RESTITUIÇÃO DO SINAL
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
DIREITO A REPARAÇÃO
DIREITO DE RETENÇÃO
RETROACTIVIDADE
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
OCUPAÇÃO DE IMÓVEL
RENDA
Data do Acordão: 12/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL / DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATO DE PROMESSA / COMPRA E VENDA / DEFEITOS / DIREITO DE RETENÇÃO
Doutrina:
Almeida Costa, «Direito das Obrigações», 12.ª Ed., Coimbra 2009, pág. 974
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: ARTS. 684.º, 721.º-A, ; CÓDIGO CIVIL: ARTS. 289.º, 410.º, 433.º, 434.º,442.º, 754.º, 755.º, N.º 1, AL. F), 798.º,913.º.
Jurisprudência Nacional: - ACÓRDÃOS DO STJ DE 13-09-2011, PROC. N.º 22/07.7TCGMR.G1.S1,

02-05-2003, PROC. N.º 03A1232, 27-11-2007, PROC. N.º 07A3717,

03-10-2013, PROC. N.º 420/06.7TVLSB.L1.S2, 22-03-2011, PROC. N.º

3121/06.2TVLSB.E1.S1, 31-01-2012, PROC. N.º

1358/08.9TBILH.C1.S1, 29-06-2010, PROC. N.º 258/2002.G1.S1,

20-05-2010, 19-11-2011, PROC. N.º 3109/08.9TVLSB.L1.S1;

- AC. RELAÇÃO DE LISBOA DE 05-05-2011
Sumário :

I - O regime previsto pelo art. 442.º do CC prevê uma forma de indemnização pré-definida do promitente a quem é imputável o incumprimento do contrato-promessa, tendo havido sinal passado e na falta da convenção em contrário.
II - Com a definição do montante indemnizatório nos termos do art. 442.º do CC dispensa-se tanto a prova de que o promitente não faltoso sofreu efectivamente prejuízos, como se exclui, ainda, o ressarcimento de prejuízos que excedam a indemnização encontrada.
III - No feixe das obrigações que incidem sobre o promitente-vendedor de uma fracção (incluindo esta arrecadação e locais de estacionamento) não se incluem – ainda que acessoriamente – aquelas que integram o contrato definitivo, como sejam as de construir e vender um bem com as qualidades, características e aptidões conformes com o contrato.
IV - Caso o contrato definitivo tivesse sido celebrado e a fracção lhe tivesse sido entregue, poderia o comprador: (a) invocar os defeitos e exigir a sua reparação; se esta não fosse efectuada (b) pedir a sua anulação; (c) exigir a substituição da coisa; (d) obter uma indemnização ou redução do preço; (e) resolver o contrato, com fundamento em incumprimento.
V - Não se entenderia que, para reagir contra defeitos da coisa, que a promitente-vendedora entregou, se aplicasse o regime previsto no art. 442.º do CC – com a consequente restituição do sinal em dobro –, ficando desta forma, igualmente, afastado o direito de retenção previsto na al. f) do n.º 1 do art. 755.º do CC.
VI - Não obstante, a falta de eliminação dos defeitos da fracção constitui causa legítima da recusa do autor em celebrar o contrato definitivo, bem como fundamento da resolução do contrato-promessa, atenta a estreita ligação entre este e o correspondente contrato de compra e venda.
VII - Não se podem ter como «despesas feitas por causa da fracção», para efeitos de atribuição de direito de retenção, a restituição em singelo do sinal pago pelo autor, do IMT, do custo de avaliação e constituição de dossier para financiamento da aquisição, uma vez que entre estes créditos que o autor detém e a fracção entregue não ocorre a relação – conexão directa e material – que fundamenta esse direito de retenção.
VIII - Tendo cessado – por via da resolução do contrato-promessa – a causa que legitimava a detenção do imóvel por parte do promitente-comprador e não gozando este de direito de retenção, tem o réu (promitente-vendedor) direito a ser indemnizado pelo montante equivalente à renda de uma fracção com as características da fracção dos presentes autos e com a localização da mesma, visto que a resolução do contrato tem eficácia retroactiva, com a inerente restituição de tudo o que tiver sido prestado.

Decisão Texto Integral:


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA instaurou uma acção contra BB, Lda., pedindo:

–que se declare “resolvido o contrato-promessa (…) celebrado entre A. e Ré em 10.12.2004 e relativo à fracção autónoma” que identifica;

– que se condene “a Ré a restituir e, assim, entregar à A. as quantias recebidas a título de sinal e seus reforços, em dobro, no valor de Eur. 123 500,00 (…);

Ou, se assim não for entendido face à traditio rei”,

– que se condene “a R. a pagar ao A. a quantia de € 63.000,00 relativa ao valor do andar e suas partes integrantes na data do incumprimento, abatido do preço convencionado para o mesmo e a restituir ao A. o sinal e respectivos reforços de sinal no valor de € 61.750,00, no total de € 124.750,00 (…)”;

– e ainda que se condene “a R. a pagar ao A. as quantias dispendidas por este em consequência necessária e directa do negócio contratualizado e não executado por culpa exclusiva daquela, no valor de € 5.142,10 (…);

– e “a reconhecer ao A. o direito de retenção sobre o imóvel e sua partes integrantes por força do crédito deste sobre aquela (artº 755º, nº 1, f) doCCivil), até pagamento das quantias peticionadas”;

– e ainda “a publicar em órgão de informação e âmbito nacional a sentença proferida nestes autos, a expensas suas”.

Para o efeito, e em síntese, alegou que o contrato-promessa foi celebrado quando o prédio ainda estava em construção, pelo preço de € 247.000,00; que pagou o sinal e sucessivos reforços; que a Ré não cumpriu o prazo acordado para a celebração da escritura de compra e venda (“até 31 de Dezembro de 2005”); que foram decisivas para a compra várias características que teria o apartamento, e que veio a verificar não existirem; que a Ré veio a marcar a escritura para 29 de Maio de 2006 mas não compareceu no cartório; que a fracção lhe foi entregue em 26 de Maio de 2006, tendo assinado um “termo de entrega” sem ter tido a oportunidade de verificar a existência de vícios ou deficiências que existissem; que detectou diversos vícios e desconformidades com o acordado; que os denunciou, mas não foram corrigidos, sendo certo que alguns são de correcção impossível; que, após diversas vicissitudes e avisos, resolveu o contrato em 5 de Dezembro de 2006 e não compareceu à escritura marcada pela ré, depois da resolução; que tem direito de retenção sobre a fracção, como garantia do crédito que detém sobre a ré; que realizou despesas com IMT (€ 9.046,00), registos (€ 400,00), avaliação e demais despesas junto do banco, para o financiamento (€ 419,75), no total de € 5.142.10 (sic), para além do pagamento do sinal e seus reforços (€ 61.750,00).

A ré contestou e deduziu reconvenção. Afirmou manter-se interessada na realização da escritura de compra e venda e atribuiu ao autor a responsabilidade pela sua não realização, sustentando ter direito a reter o sinal prestado, nos termos do nº 2 do artigo 442º do Código Civil. Pediu a condenação do autor no pagamento de € 1.000,00 por cada mês que mantivesse a fracção em seu poder, computando em € 8.000,00 as prestações já então vencidas.

O autor replicou.

A acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença de fls. 525, que declarou “resolvido o contrato-promessa”, condenou a ré “a pagar ao A. a quantia global de € 71.007, 75 (…), acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde a citação, bem como a reconhecer ao A. o direito de retenção sobre a referida fracção até pagamento da referida quantia” e absolveu o autor do pedido reconvencional.

Em resumo, a sentença entendeu:

– que não estavam verificados os pressupostos de conversão da mora da ré em incumprimento definitivo do contrato-promessa, “para efeitos de aplicação das sanções previstas no artº 442º do C.C., improcedendo desde  logo a restituição do sinal em dobro”  (“A R. não omitiu pura e simplesmente a sua obrigação, tendo procedido à marcação, em prazo que se pode considerar razoável. Por outro lado, no período que mediou o termo do prazo estipulado – 30/12/2005 –- até à notificação efectuada pela R. da marcação da escritura para 29 de Maio de 2006, não efectuou qualquer interpelação à R. no sentido de lhe fixar um prazo para a marcação da escritura. Nem posteriormente. Com efeito, as missivas aludidas no item 13 dos factos provados não se destinam à referida interpelação.) e a prova não permite concluir no sentido da perda de interesse no cumprimento, por parte do autor;

– que, todavia, resulta das cartas referidas em 13 que o autor comunicou à ré vários defeitos da fracção. Ora, “Estando em causa obrigações que não se integram no sinalagma específico do contrato-promessa, mas que autonomamente constituam fundamento de acção de cumprimento, de incumprimento ou cumprimento defeituoso, aplica-se o regime próprio do contrato prometido (art° 410°, n° 1 do C.C.) ou o regime geral – mas é-lhe inaplicável o regime do cumprimento ou incumprimento do contrato-promessa, maxime o art° 442° do C.C..”;

– que “o cumprimento defeituoso da prestação, nos termos” que a sentença descreve, “a não eliminação das desconformidades apontadas nos prazos concedidos pelo A., nas suas missivas, à luz do homem médio que celebra um contrato-promessa com vista a adquirir uma fracção, da qual fazem parte integrante dois lugares de estacionamento, cujo acesso se mostra de tal forma dificultado, que afecta a finalidade dos mesmos, constitui motivo razoável e aceitável para a invocada perda de interesse na celebração do contrato prometido”;

– que, nestas circunstâncias, se deve entender que houve incumprimento definitivo da ré: “assim, nos termos do disposto no artº 808º do C.C. a resolução do contrato-promessa comunicada pela carta datada de 05/12/2006 é válida e eficaz”;

– que, “Ao optar pela não subsistência do contrato a tutela do seu direito indemnizatório resume-se (…) ao interesse contratual negativo”; o que significa, no caso, que o autor tem “direito a ser indemnizado pelas quantias que despendeu em virtude da celebração do contrato-promessa: o valor das quantias entregues a título de sinal, no montante global de € 61.750,00, bem como as referentes ao pagamento do IMT ( € 9.046,00) e custo de avaliação e constituição de dossier para financiamento da aquisição (€211,75)”

– e que goza do direito de retenção, que não “advém do artº 442º do C.C.”, mas da circunstância de o seu crédito resultar “de despesas feitas por causa da coisa objecto do contrato-promessa”, nos termos do artigo 754º do Código Civil;

– que a ré não tem direito a “fazer seu o sinal entregue” , porque o autor tinha invocado fundadamente a excepção de não cumprimento, recusando-se a celebrar o contrato definitivo “enquanto os defeitos não fossem corrigidos”;

– que “a ocupação do imóvel está (…) legitimada pelo direito de retenção, pelo que carece de fundamento a condenação pelo pagamento da quantia peticionada” pela ré (€ 1.000,00 por mês, desde Junho de 2006 até à entrega”.

A publicação da sentença foi negada por não ter suporte legal.

2. Ambas as partes recorreram.

Pelo acórdão de fls. 717 do Tribunal da Relação de Lisboa, foi negado provimento ao recurso interposto pelo autor, insistindo no direito ao pagamento em dobro do sinal, e concedido provimento parcial ao recurso da ré, que pretendia que lhe fosse reconhecido o direito de fazer seu o sinal e que fosse negado ao autor o direito de retenção, com a sua condenação nos termos que tinha indicado.

A Relação considerou:

que “Não merece (…) acolhimento a pretensão do A. de reconduzir o caso a uma situação de incumprimento do contrato promessa, por parte da ré ­vendedora, com a inerente sanção do pagamento do sinal em dobro, pois que esta não se apresenta como incumpridora, na economia do contrato de promessa. Aliás, a R sempre se manteve interessada em cumpri-lo, sendo antes o A. que resolveu esse contrato (…)”;

– que a ré não tem direito a reter o sinal, pois não houve incumprimento do autor, que tem direito a ser ressarcido pelas despesas que efectuou;

– mas que o autor não goza de direito de retenção da fracção: “não se inserindo nos ‘casos especiais’ previstos no artº 755º, ou seja, na sua alínea f), como logo ficou definido na decisão recorrida, também não se pode englobar no preceito geral, sendo certo que analogias não se admitem. E não se engloba no preceito geral porque a devolução do sinal e das despesas feitas com registos, IMT e empréstimo bancário não são, de forma alguma, despesas feitas "por causa da coisa" (as feitas por danos estão desde logo afastadas), como se exige no citado preceito. São antes despesas feitas, uma no âmbito do contrato promessa: o sinal, e as demais, na perspectiva de se vir a celebrar do contrato definitivo, o que não veio a ocorrer, sendo que ao A. se reconheceu o direito a recebê-las da R., como decorrência da resolução do contrato e indemnização pelo interesse contratual negativo, respectivamente”;

– Consequentemente, condenou o réu no pagamento de € 1.000,00 mensais, “desde Janeiro de 2007 (considerando que a notificação para entrega foi feita em meados de Dezembro) até efectiva entrega”.

A Relação esclareceu ainda que a ré deveria pagar juros de mora contados desde a citação, tal como pedido pelo autor

3. O autor recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso foi admitido como revista, com efeito devolutivo.

Nas alegações que apresentou, o recorrente veio discordar do acórdão recorrido relativamente a duas questões: quanto à “tese da 1ª instância no que ao incumprimento contratual concerne” e quanto ao não reconhecimento do “direito de retenção invocado pelo Recorrente e anteriormente sufragado em sede de sentença” (cfr. alegações, fls.762)..

Sustenta o recorrente:

– que o acórdão recorrido contraria diversa jurisprudência, que cita;

– que é contraditório aceitar “o direito do recorrente à indemnização pelos danos causados pelo incumprimento do contrato-promessa” e rejeitar “o direito de retenção, que a este deve assistir, face ao disposto no artº 754 do CCivil”;

– que o contrato-promessa de compra e venda é um contrato complexo, implicando uma “obrigação principal, a de realizar a escritura, mas também obrigações acessórias, consubstanciada no dever de concluir a construção do andar e vendê-lo de acordo com as especificidades e características que ajustou com o recorrente”, devendo as partes agir de boa fé;

– que a vendedora não agiu de boa fé, mas com “dolo negocial”

– e incorreu em incumprimento definitivo do contrato-promessa, ao qual é aplicável “o regime sancionatório previsto no artº 442º, nº 2 do CCivil”);

– que “a tese defendida em ambas as instâncias anteriores (…) constitui um verdadeiro prémio ao infractor, pois apesar da manifesta má fé do recorrido, limita-se a obrigá-lo apenas por devolver aquilo que o infractor recebeu, acrescido dos danos causados, o que não consubstancia qualquer sanção”, e conduz a um verdadeiro abuso de direito;

– o recorrente tem direito de retenção da fracção, “seja por força do disposto no artº 755º, nº 1, alínea j) do CCivil, na tese do recorrente, seja por força do normativo do artº 754º do CCivil”.

A ré contra-alegou, sustentando que “o Tribunal a quo decidindo conforme fez deu cumprimento ao legalmente estabelecido, tendo para o efeito procedido a uma correcta interpretação dos factos e das provas que lhe foram dadas a conhecer pelas partes”.

Disse ainda a recorrida:

– que há dupla conforme quanto à pretensão de “devolução do sinal em dobro, nos termos do nº 3 do artigo 721º do C.P.C., porquanto manteve o tribunal da Relação a decisão da primeira instância no que a esta questão concerne”. Não pode, portanto, ser reapreciada na revista;

– que “da prova produzida (…) resultou provado que os alegados ‘vícios’ não impedem e não inviabilizam a utilização do imóvel, pelo que nunca poderiam constituir justa causa de resolução do contrato prometido, e muito menos do contrato de compra e venda em análise”;

– que “não incumpriu nenhumas das suas obrigações decorrentes do contrato promessa”;

– que foi o recorrente que “incumpriu o contrato-promessa celebrado, recusando-se a realizar a escritura do contrato prometido”;

– que o recorrente não tem direito a ser ressarcido das quantias relativas ao IMT e a despesas, pois nunca realizou qualquer interpelação admonitória;

– que não tem direito de retenção;

– que, de qualquer forma, o direito de retenção não confere a faculdade de usar a coisa retida;

– e sempre seria desproporcionado admitir o direito de retenção como garantia de créditos no valor do IMT e das despesas;

– que “foi o recorrente quem entrou em ‘incumprimento’, negando-se a realizar o contrato prometido”.

A recorrida conclui que o acórdão recorrido deve ser mantido “no que se refere ao não reconhecimento do direito de retenção do Recorrente”, mas revogado “na parte em que condena a Apelada a pagar ao Apelante a quantia global de Eur. 71.007,75 (…), acrescida de 4% desde a citação”.

4. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

1. Autor e Ré celebraram um contrato-promessa de compra e venda no dia 10 de Dezembro de 2004, no qual, a R, enquanto "... dona e legítima proprietária da fracção autónoma a que corresponde um T2- 11° andar letra A, com dois parqueamentos n° 93-94 no piso menos três e uma arrecadação n° 72 no piso menos três, do prédio urbano ainda em fase de construção e a constituir em regime de propriedade horizontal sito na Alta de Lisboa, Malha 3, Lote 99.020, Bloco B, descrito na 7a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° 1974 da freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa, com a licença de construção n° 14/COPRAD/2002 emitida em 19.12.02 pela Câmara Municipal de Lisboa", prometeu vender ao A., e este comprar-lhe, a sobredita fracção, ainda em construção, que viesse a corresponder ao referido T2-ll° andar, letra A (cfr. Cláusula Primeira, n° 1).

2. A R. prometeu vender ao A. e este comprar-lhe tal andar, parqueamentos e arrecadação conexos «(... )pelo preço global de € 247.000,00 (duzentos e quarenta e sete mil euros), totalmente livre de ónus ou encargos..." (cfr. Cláusula Segunda do referido contrato).

3. O Autor entregou à Ré, na data de outorga do contrato-promessa e a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 24.700,00 (vinte e quatro mil e setecentos euros).

    4. O A. entregou ainda à R., a título de reforço do sinal, as seguintes quantias:

     - € 12 350,00 (doze mil trezentos e cinquenta euros) em 15.03.2005;

- € 12 350,00 (doze mil trezentos e cinquenta euros) em 15.06.2005;

- € 12 350,00 (doze mil trezentos e cinquenta euros) em 15.09.2005;

no total de € 61 750,00 (sessenta e um mil setecentos e cinquenta euros e zero cêntimos).

5.     O remanescente do preço, no montante de € 185.250,00 (cento e oitenta e cinco
mil duzentos e cinquenta euros) seria pago pelo Autor à Ré no acto da escritura
pública (vd. Alínea e), n° 1, Cláusula Terceira do contrato-promessa).

6. Foi ainda convencionado pelas partes, neste contrato-promessa (cfr. 4a. cláusula do Doe. 1), que o contrato prometido seria celebrado por escritura pública «(...)em dia, hora e Cartório Notarial a designar pela Promitente Vendedora, até 30 de Dezembro de 2005, obrigando-se a avisar o Promitente Comprador por carta registada com a viso de recepção com a antecedência mínima de 15 dias. Este, por seu lado, obriga-se a entregar no prazo de dez dias toda a documentação que lhe diga respeito, devidamente regularizada e actualizada, necessária para a elaboração e outorga da escritura».

7. No contrato-promessa, a R. fez integrar o mapa de acabamentos, onde se obrigava à instalação de equipamento de domótica Kit base, ou seja, o publicitado para todos os apartamentos sem as opções de configuração, uma central de aspiração com tomadas nas divisões.

8. No escritório de vendas colocado junto ao edifício da fracção objecto do contrato-promessa foi entregue ao A. uma brochura a cores, intitulada "EDIFÍCIO EVOLUTION - Tecnologia e Conforto na Alta de Lisboa", na qual constava sob o título Edifícios do Futuro "os Edifícios Evolution são o expoente máximo da alta tecnologia na Alta de Lisboa. Localizados junto ao Parque das Conchas, integram equipamentos ultra-modernos que garantem o conforto, segurança e bem-estar fundamentais para uma excelente qualidade de vida...".e ainda "Equipamentos completos" e que os apartamentos teriam Internet Wireless de banda larga; Controlo de intrusão em todas as zonas da habitação;

Comando global e individual de luzes com circuito por zona; Detectores de fumo, fogo e de fugas de gás na cozinha; Detectores de inundação na cozinha e casas de banho; TV plasma; Ar condicionado programável por controlo remoto; Sensores de movimento para controlo de iluminação; Electrodomésticos inteligentes, em aço inox, conectáveis à Internet"; Ligação de videoporteiro ao sistema de TV e ao interface Internet e telefónico; controlo de iluminação com comando global e individual de luzes (um circuito por zona de controlo de presença);-interface por televisão, Internet, telefone fixo ou movei;- aspiração central e ainda "dos modernos Tl aos clássicos T3, todos os apartamentos estão completamente equipados, funcionando num sistema integrado em rede que lhe dá a oportunidade de programar todas as tarefas domésticas sem sair da sala.

9.     A brochura tinha impressa numa planta de um apartamento tipo, a tubagem
da aspiração central, desenhada a vermelho, onde se observa a colocação das
tomadas de aspiração nas respectivas divisões.

10. Em 26 de Maio de 2006 as partes assinaram o documento denominado "auto de entrega", o qual se rege pelas cláusulas que integram o documento de fls. 66 e verso e cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido.

11. AR. marcou a escritura de compra e venda para o dia 29 de Maio de 2006, pelas 15h30 horas no Cartório Notarial do Dr...., sito na Rua Latino Coelho, n° 6- 2o esq., Lisboa, na qual não compareceu a R.

12. Com data de 29 de Junho de 2006, a R. remeteu carta ao A., que a recebeu marcou escritura para o dia 14 de Julho de 2006, no Cartório Notarial Dr. ..., sito no Largo Marquês de Pombal n° 15-3° Lisboa, na qual o A. não compareceu.

13. O A. remeteu à R. cartas de 16 de Junho de 2006, 07 de Julho de 2006,18 de Setembro de 2006, 05 de Dezembro de 2006 e cujo teor dou aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

14. Em 29 de Novembro de 2006, deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Loures Notificação Judicial Avulsa, a qual foi distribuída ao 3.° Juízo Cível de Loures sob o n.° 7861/06.8TCLRS, nos termos da qual a R., notificou o A. para efeitos de marcação de escritura, resolução de contrato promessa de compra e venda, bem como de entrega da chave da fracção (doe. n.° 1).

15. Até à presente data o A. não devolveu a chave à R. nem celebrou a escritura de compra e venda.

16. A R. é a construtora do imóvel.

17. O A. é engenheiro e a sua especialização que era e é a de "aquisição automática de dados".

18. A formação académica do A. e a informação facultada pela R. sobre as características da fracção, consistente nas brochuras, informação dos vendedores e cartazes junto ao edifício foram determinantes para a sua opção de celebração do contrato-promessa.

19. A R. garantiu que a fracção se integrava num edifício inteligente e capaz, via interface por televisão, internet, telefone fixo ou móvel de possibilitar, por exemplo, fazer funcionar à distância os equipamentos de cozinha e o controlo dos estores.

20. O preço do apartamento objecto do contrato-promessa conjuntamente com os parqueamentos e arrecadação era superior a alguns apartamentos idênticos em termos de área e zona.

21. Com excepção da cozinha e do corredor, mais nenhuma divisão está equipada com tomadas de aspiração.

22. A instalação das tomadas em todas as divisões não foi prevista pelo construtor.

23. As cláusulas do termo de entrega não foram objecto de qualquer discussão por parte do A..

24. A visita à arrecadação e ao parqueamento foi efectuada após a assinatura do termo.

25. A montagem dos equipamentos de domótica é efectuada por terceiros.

26. A fracção não tinha electricidade.

27. O passeio de entrada na garagem é demasiado alto, tornando inacessível a entrada de automóveis ligeiros, sem o auxílio de um tronco, sob pena dos mesmos ficarem danificados, o que foi entretanto corrigido pelo urbanizador.

28. O acesso aos seus lugares de estacionamento - lugares n°s 93 e 94 - não pode ser efectuado de frente.

29. Apenas um veículo de muito pequenas dimensões, tipo Toyota Yaris, consegue entrar no parqueamento de frente, o qual só poderá sair de marcha atrás.

30. O acesso ao estacionamento só pode ser efectuado em manobra de marcha atrás desde a rampa de acesso num percurso de cerca de 30 metros em marcha atrás.

31. Mesmo junto à entrada no parqueamento ainda é exigido ao A., que faça mais algumas manobras.

32. A veículos com 4,43m de comprimento e 1,69 de largura, o acesso aos parqueamentos é muito dificultado.

33. Os estacionamentos afectos ao andar ficam um atrás do outro.

34. Os lugares de estacionamento estão posicionados a 90°.

35. As faixas de acesso aos lugares afectos ao andar dos autos são de circulação nos dois sentidos.

36. A respectiva largura é de 4,90 metros, medida entre as faces dos pilares que delimitam o corredor de circulação.

37. A largura entre as linhas definidas pela R. é de 5,23 m não correspondem ao corredor de circulação.

38. Junto e em frente à entrada nos parqueamentos em causa existem duas colunas que condicionam fortemente o acesso aos lugares, obrigando à realização de manobras.

39. Os estacionamentos existentes são superiores a 75 lugares.

40. No local a rampa tem de largura 6,15 m e no raio de curvatura apenas 5, 30m.

41. A largura da rampa e o raio de curvatura impedem o cruzamento simultâneo de dois veículos.

42. Existe um tomada de aspiração na cozinha e duas no corredor.

43. As demais divisões não possuem tomadas de aspiração.

44. Tal como se encontra a fracção não é possível colocar o sistema a funcionar em rede, por falta de colocação do Kit de domótica de configurações necessárias (com excepção dos electrodomésticos, que não podem vir a funcionar em rede, ainda que colocado o kit);

45. A arrecadação dispõe de 7,63 metros quadrados.

46. O escorredor da varanda do andar superior ao do A. conduz a que as águas escorram da varanda do andar em cima do A. para a varanda deste.

47. O A. despendeu com o pagamento do IMT € 9 046,00, com a avaliação e constituição do dossier junto da instituição bancária, visando o seu financiamento a quantia de € 211,75.

48. Em Dezembro de 2006 o valor da fracção objecto do contrato-promessa era de cerca de € 300.000,00.

49. A fracção dispõe de um hall, uma sala comum, dois quartos, cozinha, dois quartos de banho, varanda e zonas de circulação interior, dispondo ainda de dois parqueamentos e arrecadação.

50. Localiza-se numa zona bem servida de transportes e na qual a valorização do imobiliário tem sido muito elevada, por se tratar de uma zona de forte procura.

51.    O A. visitou o andar modelo, do qual constavam todos os materiais a utilizar
na fracção objecto de promessa de compra e venda, materiais esses que também
podiam ser vistos no stand de vendas existente no local.

52. A R. entrega o imóvel para publicidade e vendas a empresas da área imobiliária.

53. O equipamento de domótica Kit base é instalado logo que realizada a escritura.

54. Após a realização da escritura a empresa responsável pela domótica vai à fracção e põe o sistema a funcionar.

55. O A. assinou o termo de entrega sem fazer constar qualquer reserva.

56. A ligação da electricidade é tarefa que recai sobre o A..

57. Os estacionamentos encontram-se construídos de acordo com o projecto aprovado.

58. A fracção está construída de acordo com o projecto aprovado.

59. O sistema de aspiração central encontra-se operacional.

60. Por uma fracção com as características da fracção dos presentes autos e com a localização da mesma o A. teria que pagar uma renda mensal de cerca de € 1.000,00 (mil euros).

          Factos relevantes  extraídos das cartas aludidas sob o ponto 13:

61- na carta de 16 de Junho de 2006 o A. comunicou à R. que concedia 30 dias para a reparação dos "defeitos" relativos à entrada da garagem; ao acesso aos estacionamentos; a falta de tomadas de aspiração central, sob pena de ponderar a manutenção ou não do contrato ou a redução do preço.

- na carta 07 de Julho de 2006 o A. comunicou à R. outros "defeitos": inexistência de domótica e de electrodomésticos inteligentes; problema no escorredor da varanda; área menor  da  arrecadação.  E  informou  a  R.  de  que não iria comparecer no notário para celebração da escritura enquanto não fossem eliminados os defeitos, invocando expressamente o art° 428° do C.C.. Informou, ainda, que continuava a ter interesse na compra, mas só faria escritura depois de eliminados os defeitos.

- na carta de 18 de Setembro de 2006 o A. comunicou à R. que caso os defeitos não fossem eliminados, no prazo de 30 dias, tomaria outras iniciativas, uma vez que não lhe interessava comprar uma casa que não correspondesse ao publicitado e prometido.

- na carta de 5 de Dezembro de 2006 o A. comunicou que face à não reparação dos

- defeitos e atento o tempo decorrido deixou de ter interesse na compra e considerou resolvido o contrato, solicitando a devolução do sinal em dobro para proceder à entrega da fracção.

5. Antes de mais, cumpre esclarecer o seguinte:

– A ré não interpôs recurso do acórdão da Relação. Não será pois apreciada a pretensão de revogação do mesmo acórdão na parte e que manteve a sua condenação no pagamento de € 71.997,75, com juros de mora, determinada em 1ª Instância (artigo 684º do Código de Processo Civil, na versão aplicável), que aparece no fecho das contra-alegações;

– Tratando-se de uma acção proposta antes de 1 de Janeiro de 2008, não lhe é aplicável o artigo 721º-A do Código de Processo Civil, aditado pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 14 de Agosto (artigo 11º do mesmo Decreto-Lei). Não se apreciará assim a invocação de dupla conforme, feita pela recorrida;

– Ambas as instâncias concluíram no sentido de ter havido incumprimento da ré, justificativo de perda de interesse do autor na celebração do contrato definitivo e da resolução oposta pela carta de 5 de Dezembro de 2006. Não tendo a ré interposto recurso, trata-se de questão definitivamente decidida. Não se analisarão portanto as diversas considerações que o recorrente tece a esse respeito. A divergência entre o autor e o que vem decidido respeita a saber qual o regime aplicável a essa resolução: se o regime definido pelo artigo 442º do Código Civil, como sustenta o autor, se o regime geral relativo à resolução dos contratos por incumprimento de uma das partes, como julgaram as instâncias;

– Da conclusão a que se chegue dependerá naturalmente a solução a adoptar quanto ao direito de retenção, desde que se considere a al. f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil. No entanto, a exclusão do regime constante do artigo 442º é compatível com o reconhecimento do direito de retenção, desde que filiado em outro preceito, nomeadamente no artigo 754º; assim se decidiu em 1ª Instância. O que não se verifica seguramente é a contradição, apontada pelo recorrente ao acórdão recorrido, entre aceitar “o direito do recorrente à indemnização pelos danos causados pelo incumprimento do contrato-promessa” e rejeitar “o direito de retenção, que a este deve assistir, face ao disposto no artº 754 do CCivil”, nas palavras do recorrente. 

Com efeito, o acórdão recorrido interpretou o artigo 754º de forma diferente da sentença, concluindo nestes termos: “O crédito do A. sobre a R., não se inserindo nos "casos especiais" previstos no art.° 755.°, ou seja, na sua f), como logo ficou definido na decisão recorrida, também não se pode englobar no preceito geral, sendo certo que analogias não se admitem. E não se engloba no preceito geral porque a devolução do sinal e das despesas feitas com registos, IMT e empréstimo bancário não são, de forma alguma, despesas feitas "por causa da coisa" (as feitas por danos estão desde logo afastadas), como se exige no citado preceito. São antes despesas feitas, uma no âmbito do contrato promessa: o sinal, e as demais, na perspectiva de se vir a celebrar do contrato definitivo, o que não veio a ocorrer, sendo que ao A. se reconheceu o direito a recebê-las da R., como decorrência da resolução do contrato e indemnização pelo interesse contratual negativo, respectivamente. E se assim é, se o A. não goza do direito de retenção, sobre a fracção, temos que daí retirar as necessárias consequências.”

Não há qualquer contradição;

– O recorrente invoca abuso de direito, mas não identifica que direito terá sido exercido abusivamente pela ré, assim impossibilitando o conhecimento de tal alegação. E invoca manifesta má fé da recorrente; no entanto, não há factos provados que suportem esta afirmação;

– Finalmente, e recordando, mais uma vez, que a ré não interpôs recurso de revista, está assente que a fracção prometida comprar e vender (incluindo a arrecadação e os locais de estacionamento) apresentava defeitos e não tinha qualidades asseguradas pelo vendedor, em termos de justificar a recusa de celebração do contrato definitivo e de, conjugados com a sua não reparação, conduzirem à perda de interesse do recorrente na correspondente celebração, legitimando a resolução do contrato-promessa;

– Para a questão de saber se dispõe ou não de direito de retenção é irrelevante saber se, com a tradição da fracção, o autor adquiriu a qualidade de possuidor ou é um mero detentor precário: em qualquer caso, a ser titular de um crédito compreendido na al. f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil, beneficia do direito de retenção ali previsto. Sempre se recorda, todavia, que o Supremo Tribunal tem observado que a tradição que por vezes acompanha a celebração de contratos-promessa de compra e venda não transmite para o promitente-comprador a posse correspondente ao direito de propriedade, que só após a celebração do contrato definitivo ingressará na esfera jurídica respectiva (acórdão de 3 de Outubro de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 420/06.7TVLSB.L1.S2);

– Como a 1ª Instância observou, pese embora a alegação de diversos erros sobre o objecto e sobre os motivos e até de dolo da promitente vendedora, o autor nunca pediu a anulação do contrato, antes pretendendo a resolução do contrato-promessa, com os efeitos previstos no artigo 442º do Código Civil.

6. Como se viu, o recorrente sustenta que o incumprimento da ré é ainda o incumprimento de obrigações decorrentes do próprio contrato-promessa, dada a sua complexidade, e entendida essa complexidade à luz das exigências do princípio da boa fé. Qualifica o “dever de concluir a construção do andar e vendê-lo de acordo com as especificidades e características que ajustou com o recorrente” e como uma obrigação acessória decorrente do contrato-promessa; e sustenta que é aplicável ao incumprimento definitivo do contrato-promessa, decorrente da sua violação, nas condições que descreve, “o regime sancionatório previsto no artº 442º, nº 2 do CCivil”, sob pena de se estar a dar “um verdadeiro prémio ao infractor”.

Estão em causa defeitos da fracção prometida vender (incluindo nesta expressão os estacionamentos e a arrecadação),

Ambas as instâncias entenderam que a fracção a que os autos respeitam (repete-se, aqui incluindo a arrecadação e os locais de estacionamento) apresentava defeitos cuja relevância permitiria recorrer ao regime da venda de bens defeituosos ou ao cumprimento defeituoso da prestação devida; e que as obrigações violadas (de construir e vender um bem com as qualidades, características e aptidões conformes com o contrato) não se situam “no sinalagma específico do contrato-promessa” (expressão utilizada no acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Setembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 122/07.7TCGMR.G1.S1 e nos outros nele citados, os acórdãos de de 2 de Maio de 2003 e de 27 de Novembro de 2007, www.dgsi.pt, procs. nºs 03A1232 e 07A3717, respectivamente), mas sim do contrato prometido; o que, no caso concreto, é exacto.

Não se trata, na verdade, de obrigações acessórias, incluídas no feixe de obrigações que incidem sobre o promitente vendedor e portanto integradas no conteúdo específico do contrato-promessa; esta construção do recorrente desconsidera a ligação existente entre o contrato-promessa e o contrato definitivo, de que aquele é preliminar, que coexiste com a autonomia de ambos os contratos. Não é correcto transformar as obrigações que integram o contrato querido a final – o contrato definitivo – em meros vínculos acessórios… do dever de celebrar o contrato definitivo, de cujo conteúdo, na realidade, fazem parte.

O regime previsto pelo artigo 442º do Código Civil, aliás objecto de sucessivas alterações introduzidas com o objectivo de proteger o adquirente contra o incumprimento, pelo promitente vendedor, do dever de celebrar o contrato definitivo (cfr. preâmbulos do Decreto-Lei nº 236/80, de 18 de Julho e do Decreto-Lei nº 379/86, de 11 de Novembro), prevê uma forma de indemnização pré-definida do promitente a quem é imputável o incumprimento do contrato-promessa, tendo havido sinal passado e na falta de convenção em contrário (nºs 1 e 4); para o cálculo releva a circunstância de se tratar de incumprimento do promitente-alienante e ter havido tradição da coisa a que respeita o contrato-definitivo, em antecipação dos efeitos deste último. Recorde-se que, no caso, vem provado que a ré marcou mais de uma vez a realização da escritura, tendo as instâncias salientado que não incumpriu a obrigação que especificamente lhe incumbia, de celebrar o contrato definitivo; e que entregou a fracção, em antecipação do cumprimento da compra e venda, três dias antes da data marcada para o efeito.

Com aquela definição do montante indemnizatório, como se sabe, tanto se dispensa a prova de que o promitente não faltoso sofreu efectivamente prejuízos, como se exclui o ressarcimento de prejuízos que excedam a indemnização encontrada (salvo acordo em diferente sentido) – cfr., nomeadamente, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 22 de Março de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 3121/06.2TVLSB.E1.S1 ou de 31 de Janeiro de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 1358/08.9TBILH.C1.S1.

7. No caso dos autos, se tivesse sido celebrado o contrato de compra e venda da fracção e esta tivesse então sido entregue, o autor ver-se-ia confrontado com o regime da venda de bens defeituosos (artigo 913º e segs. do Código Civil) ou do cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda (incumprimento – artigo 798º e segs. do mesmo Código Civil).

Invocando os defeitos e exigindo a sua reparação, como aqui fez o autor, se esta não fosse efectuada, caber-lhe ia então o direito de anular o contrato, de exigir a substituição da coisa, se possível, de obter uma indemnização ou de redução do preço; ou poderia ainda resolver o contrato, com fundamento em incumprimento.

Seguindo a via da anulação ou da resolução, veria destruído retroactivamente o contrato, em termos aliás semelhantes (cfr. artigos 289º e 433º do Código Civil); e teria que demonstrar os prejuízos sofridos para o efeito de ser indemnizado. Em termos práticos, ser-lhe ia devolvido o sinal que prestou e ser-lhe-ia arbitrada a indemnização pelos prejuízos demonstrados.

Não se entenderia facilmente que se lhe aplicasse um regime diferente – o previsto no artigo 442º do Código Civil – para reagir contra defeitos da coisa que, em antecipação do cumprimento de uma obrigação decorrente do contrato de compra e venda, a promitente vendedora lhe entregou (imediatamente antes da primeira data marcada para a escritura correspondente).

Diferentemente, tem plena justificação a aplicação do regime que guiaria a resolução, por incumprimento, do contrato de compra e venda; aplicação que, aliás, se filia literalmente no disposto no nº 1 do artigo 410º do Código Civil (aplicação do regime relativo “ao contrato prometido”) – cfr. neste mesmo sentido o acórdão de 29 de Junho de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 258/2002.G1.S1, que em situação semelhante à dos autos decidiu que se não pode aplicar ao promitente vendedor “a sanção própria do incumprimento do contrato-promessa, a restituição do sinal em dobro”, mas antes as regras atinentes à venda de coisa defeituosa.”

Recorde-se, todavia, que está definitivamente assente, no caso presente, a eficácia da resolução oposta pelo recorrente; não cabe, portanto, discorrer sobre se os defeitos identificados pelas instâncias justificavam ou não a resolução do contrato-promessa.

Sempre se observa que a ligação entre os dois contratos (contrato-promessa e correspondente contrato de compra e venda) explica que as instâncias tenham entendido que a falta de eliminação dos defeitos era causa de legítima recusa do autor em celebrar o contrato definitivo e, simultaneamente, de resolução do contrato-promessa com fundamento em incumprimento definitivo, nos termos já vistos.

Improcede, portanto, a primeira questão suscitada pelo recorrente, sem que se possa dizer que se beneficia o infractor.

8. Concluindo desta forma, fica afastado o direito de retenção especificamente previsto na al. f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil.

Resta saber se os créditos reconhecidos ao autor (restituição em singelo do sinal que pagou, € 61.750,00, pagamento do IMT, € 9.046,00) e “custo de avaliação e constituição de dossier para financiamento da aquisição (€ 211,75)” (sentença) podem ter-se como “despesas feitas por causa”da fracção (artigo 754º do Código Civil), como entendeu a 1ª Instância, ou não (como decidiu a Relação).

A resposta não pode deixar de ser negativa, por não ocorrer entre a fracção, que o recorrente está obrigado a entregar desde o momento em que se tornou eficaz a resolução do contrato-promessa, e os créditos que detém sobre a ré, a relação que, em geral, fundamenta a atribuição do direito de retenção da coisa: nas palavras de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed., Coimbra, 2009, pág. 974, “uma conexão directa e material entre o crédito do detentor e a coisa retida”.

9. Não gozando de direito de retenção e cessando a causa que legitimava a detenção do imóvel, em virtude da eficácia da resolução do contrato-promessa, tem de proceder o pedido reconvencional, de pagamento da quantia que, segundo ficou provado, equivaleria à renda de “uma fracção com as características da fracção dos presentes autos e com a localização da mesma”: € 1.000,00 mensais (ponto 60 da lista de factos provados), nos termos e pelos fundamentos indicados no acórdão recorrido.

Com efeito, a resolução do contrato tem eficácia retroactiva (artigo 434º do Código Civil), “devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado” (nº 1 do artigo 289º, aplicável nos termos do disposto no artigo 433º).

A resolução operou pela carta de 5 de Dezembro de 2006, dirigida pelo autor à ré (cfr. parte final do ponto 61 da lista de factos provados); tal como se entendeu na Relação, da conjugação com a notificação judicial avulsa dirigida ao autor, exigindo, por entre o mais, a entrega da fracção, e que o acórdão recorrido considera efectuada “em meados de Dezembro” de 2006, o autor deve pagar à ré a quantia mensal de € 1.000,00, desde Janeiro de 2007 até à efectiva restituição da fracção.

10. A terminar, importa considerar as afirmações do recorrente, no sentido de existir jurisprudência, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, que suporta a sua pretensão.

Não se considera o acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Maio de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 20 de Maio de 2010, que apenas afirma a existência de direito de retenção da coisa entregue ao promitente comprador, em caso de incumprimento do contrato-promessa pelo promitente vendedor e nos termos do disposto nos artigos 442º e 755º, nº 1, f) do Código Civil; não é essa a questão que agora está em causa, mas a de determinar se o incumprimento dos autos deve seguir esse regime.

Mas a recorrente invoca o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Maio de 2011 que, acrescenta-se agora, foi confirmado pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 19 de Novembro seguinte (www.dgsi.pt, proc. nº 3109/08.9TVLSB.L1.S1).

No entanto, apesar de versar também sobre um contrato-promessa de compra e venda, sobre a existência de defeitos da fracção e sobre uma resolução oposta pelo promitente-comprador, a verdade é que as situações concretas em causa apresentam significativas diferenças, do ponto de vista jurídico e fáctico. Basta atentar em que, como o recorrente transcreve, se tratava de “defeitos que tornavam a fracção, destinada a habitação dos RR, sem condições de habitabilidade”: será difícil não ter como afectado no seu núcleo um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel destinado a habitação que não tem condições de habitabilidade, não obstante não ter sido considerado nessa condição (não habitabilidade), quando as partes contrataram.

Na verdade, razões de proporcionalidade e de devida consideração do equilíbrio contratual exigem que sejam ponderadas as situações concretas de cada caso, quando se avalia a justificação da resolução de um contrato por incumprimento definitivo e, portanto, por perda de interesse da parte que o resolve; o que significa que se podem justificar soluções concretas diferentes, que, todavia, não assentam em critérios divergentes de interpretação da lei a ambas aplicável.

11. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.


Maria dos Prazeres Beleza (Relator)

Salazar Casanova

Lopes do Rego