Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2044/06.0TJVNF.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: CINTO DE SEGURANÇA
CAUSALIDADE ADEQUADA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
CULPA EXCLUSIVA
CULPA DO LESADO
CONHECIMENTO OFICIOSO
PRESUNÇÃO JUDICIAL
AGRAVAMENTO
DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
RECURSO DE MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 02/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDAS PARCIALMENTE AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO ESTRADAL - TRÂNSITO DE VEÍCULOS / REGRAS ESPECIAIS DE SEGURANÇA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
– Antunes Varela, anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 1968, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 102º, p. 43 e segs.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 494.º, 496.º, 563.º, 566.º, 570.º, 572.º.
CÓDIGO DA ESTRADA (CE): - ARTIGO 82.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 690.º, 690.º-A, 712.º.
PORTARIA Nº 377/2008, DE 26 DE MAIO.
PORTARIA Nº 679/2009, DE 25 DE JUNHO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
– 20 DE NOVEMBRO DE 2003, PROC. Nº 03A3450;
– 15 DE JANEIRO DE 2004, PROC. Nº 03B926;
– 4 DE DEZEMBRO DE 2007, PROC. Nº 07A3836;
– 9 DE OUTUBRO DE 2008, PROC. Nº 07B3011;
– 30 DE OUTUBRO DE 2008, PROC. 07B2978;
– 3 DE MARÇO DE 2009, PROC. Nº 09A009;
– 18 DE JUNHO DE 2009, PROC. Nº 08B2998;
– 25 DE JUNHO DE 2009, PROC. Nº 08B3234;
– 7 DE JULHO DE 2009, PROC. Nº 205/07.3GTLRA.C1;
– 24 DE SETEMBRO DE 2009, PROC. Nº 09B0037;
– 5 DE NOVEMBRO DE 2009, PROC. Nº 381-2002.S1;
– 7 DE JULHO DE 2010, PROC. Nº 2273/03.8TBFLG.G1.S1;
– 30 DE SETEMBRO DE 2010, PROC. Nº 935/06.7TBPTL.G1.S1;
– 28 DE OUTUBRO DE 2010, PROC. Nº272/06.7TBMTR.P1.S1;
– 7 DE JUNHO DE 2011, PROC. Nº 3042/06.9TBPNF.P1.S1;
– 20 DE OUTUBRO DE 2011, PROC. Nº 428/07.5TBFAF.G1.S1;
– 23 DE NOVEMBRO DE 2011, PROC. Nº 90/06.2TBPTL.G1.S1;
– 31 DE MAIO DE 2012, PROC. Nº 14143/07.6TBVNG.P1.S1;
TODOS EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
1. O ónus constante do artigo 690º-A do Código de Processo Civil resulta da necessidade de impor ao recorrente uma “delimitação do objecto do recurso” e uma “fundamentação” específica, tendo em conta o âmbito possível do recurso da decisão de facto.

2. O convite previsto no artigo 690º do Código de Processo Civil restringe-se à hipótese de falta de especificação, nas conclusões, de elementos que figuram no corpo das alegações; não se permite, por essa via, a substituição das alegações, ainda que parcial.

3. O tribunal deve conhecer da culpa do lesado, “ainda que não seja alegada” (artigo 572º do Código Civil).

4. No sentido do artigo 563º do Código Civil, a falta de colocação do cinto de segurança não é causa adequada dos danos sofridos pelo passageiro de um veículo automóvel que foi embatido por outro; não se pode falar, assim, de uma situação de concorrência de causas do dano.

5. Mas essa falta pode ter contribuído para o agravamento do dano causado pelo acidente e, por essa via, conduzir à redução da indemnização devida, porque se trata de uma omissão de cuidado claramente culposa, ostensivamente reveladora da inobservância do cuidado e diligência exigíveis a uma pessoa medianamente diligente e cuidadosa, colocada na situação da lesado. É do conhecimento geral que é perigoso fazer-se transportar num veículo automóvel sem ter o cinto de segurança colocado.

6. A equidade é o critério fundamental de fixação da indemnização por danos não patrimoniais e por danos patrimoniais futuros.

7. É adequada a indemnização de € 25.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos por uma lesada de 30 anos à data do acidente que ficou afectada de uma IPG de 10 pontos, que, em consequência do acidente, foi projectada do banco traseiro do automóvel em que seguia e partiu o vidro com a testa, teve de ser desencarcerada, esteve três dias internadas e sofreu graves consequências, físicas e psicológicas, constantes da lista de factos provados, das quais se destaca a “cicatriz notável com um grau de dano estético de 6 em 7”.

8. E é adequado o montante de € 17.500,00, como indemnização pelos danos patrimoniais futuros, decorrentes daquela IPG, tendo especialmente em conta o tempo provável de vida da lesada, o valor do salário mínimo ao tempo do acidente, uma vez que, nesse momento, não desenvolvia nenhuma actividade profissional e a idade regra da reforma.

9. O julgamento segundo a equidade carece de ser facticamente fundado.
Decisão Texto Integral:


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA instaurou uma acção contra BB, pedindo a sua condenação no pagamento de € 125.800,00 (€ 300,00 pelo vestuário danificado, € 500,00 por despesas efectuadas, € 75.000,00 pela incapacidades permanente parcial de 25%, € 12.500,00 por uma operação estética que tem de vir a realizar, € 37.500,00 pelo “dano estético e moral”, despesas com “terceira pessoa” para a ajudar), “sem prejuízo das despesas que vier a fazer por causa do acidente e transportes”, como indemnização pelos danos decorrentes de um acidente de viação de que foi vítima, causado por culpa exclusiva de CC, condutor de um veículo seguro na ré.

A ré contestou, alegando desconhecer os factos relativos ao acidente e suas consequências, mas reconhecendo a existência de contrato de seguro válido e eficaz à data do mesmo.

Na audiência de julgamento, cuja acta se encontra a fls. 229, a ré requereu o aditamento de um facto de que, segundo alegou, só tivera conhecimento através da instrução e discussão da causa, “deduzindo o respectivo articulado superveniente”: “a autora não fazia uso do cinto de segurança”. O requerimento foi indeferido, pelo despacho de fls. 232.

A acção foi julgada parcialmente procedente, sendo a ré condenada a pagar a quantia de € 24.700,00 (€ 300,00 pelo vestuário, € 400,00 por despesas e € 24.000,00 por danos não patrimoniais – pela incapacidade resultante do acidente e pelos danos morais), com juros de mora contados desde a citação, quanto a € 300,00, e desde a data da sentença, quanto ao mais.

Em síntese, a sentença considerou não provados, nem os alegados pagamentos a terceira pessoa, nem a necessidade de realizar a operação estética, nem o reflexo patrimonial da incapacidade de 10% de que ficou afectada; mas teve como “significativos e consideráveis” os “danos da sua integridade física”, com repercussões “a nível psicológico e emocional, com as inerentes consequências nocivas para a sua qualidade de vida”, bem como as demais circunstâncias do caso.

Ambas as partes recorreram.

Pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 505 foram julgadas parcialmente procedentes as apelações, nestes termos:

«Face a tudo o exposto (procedendo parcialmente as apelações), e considerando os danos patrimoniais já fixados na decisão recorrida e não impugnados pelas partes (300,00€ relativamente ao vestuário que a autora envergava no momento do acidente e 400,00€ quanto a despesas médicas e medicamentosas – sendo este último montante actualizado à data da sentença, como nela expressamente se refere), ascendem os danos sofridos pela autora (patrimoniais e não patrimoniais) ao valor global de 48.200,00€.

Tal montante indemnizatório será reduzido em 20%, nos termos do art. 570º, nº 1 do C.C., razão pela qual ascende a responsabilidade da ré ao valor de 38.560,00€.

Os juros serão calculados, à taxa de 4% (ou outra que entretanto venha a vigorar), desde a citação sobre o valor de 240,00€, desde a data da decisão da primeira instância sobre o valor de 320,00€ e desde a presente data sobre o montante restante (face à jurisprudência uniformizadora estabelecida no A.U.J. do S.T.J. nº 4/2002, de 9/5 - no DR. I Série-A, de 27/06/2002).

            (…) Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar parcialmente procedentes ambas as apelações (autora e ré) e, em consequência, em condenar a ré a pagar à autora a quantia de 38.560,00€ (trinta e oito mil quinhentos e sessenta euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4% (ou outra que entretanto venha a vigorar) desde a citação sobre o valor de 240,00€, desde a data da decisão da primeira instância sobre o valor de 320,00€ e desde a presente data sobre o montante restante.»

            Para assim decidir, a Relação considerou:

            – que deve ser conhecida oficiosamente a existência de culpa da lesada (artigo 572º do Código Civil);

            – que os factos provados revelam, por presunção judicial, que a autora não tinha colocado o cinto de segurança, quando sofreu o acidente;

            – que, portanto, concorreu em 20% para o agravamento dos danos que sofreu, devendo ser correspondentemente diminuída a indemnização a atribuir, nos termos do nº 1 do artigo 570º do Código Civil;

            – que não está demonstrado que a perda do curso de informática que frequentava tenha causado algum dano patrimonial à autora, nem que esta “tenha tido qualquer dispêndio com a ajuda da pessoa a que teve de recorrer” nos “31 dias em que esteve impedida de realizar as suas tarefas domésticas”;

            – que não pode alterar de 10% para 25% da IPG de que a autora ficou afectada, como a mesma pretende;

– que essa IPG deve ser valorizado também no âmbito patrimonial, como dano futuro, que fixou equitativamente em € 17.500,00;

– que a indemnização por danos não patrimoniais deve ser aumentada para € 30.000,00;

– que, deduzidos 20%, a indemnização é fixada em 38.560,00.

2. Recorreram a ré e, subordinadamente, a autora. Os recursos, aos quais não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foram admitidos como revista, com efeito devolutivo.

Nas alegações que apresentou, a ré formulou as seguintes conclusões:

«1ª) O tribunal a quo, ao proceder à redução da indemnização a conferir à autora lesada, nos termos do disposto no art. 570° CCivil, confundiu essa redução com uma repartição de culpas a efectuar pela produção do evento danoso em si (v. arts. 483° segs. CCivil), e não pela produção ou agravamento do dano dali emergente com nexo de causalidade adequada (v. arts. 562° segs. CCivil), sobrestimando os danos respectivos;

2ª) Uma coisa é distribuir as culpas, por assim dizer, advenientes da produção do evento ilícito ou sinistro rodoviário a ajuizar, aliás da responsabilidade exclusiva do agente lesante, in casu, e outra coisa bem diferente é proceder à redução (ou eliminação, por mera hipótese) da indemnização a conferir ao lesado directo nesse sinistro, devido à sua culpa na produção ou agravamento do dano sofrido e dali emergente, em aplicação do cit. art. 570°;

3ª) Não tem, pois, que fazer-se uma comparação entre as duas culpas, bem diferentes por natureza que são, mas sim de efectuar uma redução, in casu, da indemnização respectiva, devido ao facto culposo que é só imputável à autora lesada: a falta de colocação do cinto de segurança responsável pela sua projecção do estofo traseiro para diante, indo de encontro ao pára-brisas do automóvel em que era transportada com mais pessoas, as quais ficaram aliás praticamente ilesas, ao contrário dela própria por assim ter procedido sem o cuidado devido a esse transporte;

4ª) Vistas as consequências físicas que advieram para a sua pessoa, e as quais, como reconhece o próprio tribunal a quo, seriam tipicamente evitáveis se o sistema de retenção do seu corpo estivesse em uso, pela sua fixação a esse assento traseiro, é adequada uma redução de 30% ao valor da indemnização que lhe vier a ser concedida, em termos de nexo causal entre o evento ilícito e o dano provocado e/ou assim agravado;

5ª) Acha-se sobrestimada a indemnização conferida pelo tribunal a quo à autora lesada, não só em sede de dano patrimonial futuro adveniente da IPG de 10% que a passou a afectar, atenta sua idade e as condições económico-financeiras actuais para o seu labor profissional futuro;

6ª) E o mesmo sucede com o ressarcimento da dano não patrimonial que sofre(u), atentos os ferimentos surgidos do sinistro após a projecção da sua pessoa no interior do veículo, por falta de fixação ao assento em que seguia, tipicamente evitáveis (v. face e cabeça) se o sistema de retenção respectivo estivesse em uso;

7ª) Em vista disso, e das condições que determinaram tais ferimentos ou sequelas à sua pessoa física e psíquica, devem tais danos ser fixados em não mais de € 15.000 para os danos patrimoniais futuros e de 20.000 para os danos morais sofridos, a reduzir depois na percentagem supra referida;

8ª) Aliás, o instituto da responsabilidade civil por facto ilícito não pode ser o último abencerragem de salários e pensões sempre crescentes que já ninguém, mesmo os demais concidadãos não lesados, tem garantido para toda uma vida de trabalho ou expectável, mormente nos tempos que correm da vida em sociedade, e sob as condições económico-financeiras de antemão previsíveis para as décadas mais imediatamente vindouras, bem diferentes das que foram até agora vividas e, assim mesmo, antes tidas em consideração mas agora insubsistentes na sociedade em geral;

9ª) O que importa agora ter na devida consideração, atento o disposto nos arts. 562° segs., CCivil, em termos de nexo de causalidade do dano e da restituição do lesado à situação patrimonial que previsivelmente teria sem a eclosão do evento danoso, como está já bom de ver por essa Europa fora com o próprio declínio do Estado providência;

10ª) Vale dizer que a fórmula do chamada acórdão de Coimbra, dos idos de 90 da centúria passada, e aliás citado expressamente como fundamento do próprio aresto recorrido, está ultrapassada e é mera ficção para os tempos correntes, que são a base do cálculo indemnizatório a efectuar, em sede de responsabilidade civil (ou seja, a colocação do lesado numa posição indemne em relação ao sinistro, ou como se este não se tivesse produzido, e em situação igual à dos seus concidadãos não lesados, que afinal era a sua anteriormente ao sinistro, sob pena de enriquecimento em relação aos demais à custa do lesante);

11ª) Decidindo douro modo, e com outras bases de cálculo actuarial que se mostram totalmente ultrapassadas em relação aos tempos correntes, pois não fizeram o devido uso da tabelas matemáticas e financeiras de uso cientifico em geral porque, elas sim, são independentes da situação de crise instalada vivida por todos em geral –, o tribunal a quo  violou o disposto não só no cit. art. 570°, por erro de aplicação, como também o disposto nos arts. 562° segs. CCivil, por erro de interpretação à luz da situação económico-financeira actual e, aliás, de duração previsível para os tempos ou décadas vindouras mais próximas em geral.»

Quanto à autora, formulou as seguintes conclusões:

«– DO RECURO À PRESUNÇÃO JUDICIAL PARA DAR COMO ADQUIRIDO QUE A AUTORA NÃO FAZIA USO DO CINTO DE SEGURANÇA

A.        O Tribunal da Relação do Porto tomou por adquirido (considerou como facto provado), através do recurso a uma presunção judicial, que a Autora se fazia transportar no veículo acidentado sem ter colocado o cinto de segurança, questão esta que nunca foi suscitada pela Ré no Tribunal de 1a Instância, nem sequer foi levado à base instrutória.

B.        Somos de opinião que o recurso a uma presunção judicial não poderá nem deverá suprir a carência da prova de um facto sujeito a julgamento, porque tal viola o princípio do dispositivo (art. 264° CPC), levando, em última análise, a uma desnecessidade de prova na elaboração de uma sentença, a qual assentaria apenas na convicção do julgador.

C.        A Ré não logrou provar se a Autora se fazia transportar com ou sem cinto de segurança, e o Tribunal, em modesta opinião, não deverá suprir esta falta de prova recorrendo à tal presunção judicial.

– DA (EVENTUAL) CONTRIBUIÇÃO DA CONDUTA DA AUTORA PARA O RESULTADO DANOSO E MEDIDA DESSA CONTRIBUIÇÃO

D.        Nunca foi quesitado se o veículo acidentado dispunha, ou não, de cinto de segurança de série no banco traseiro, pelo que reduzir a indemnização a atribuir à Autora com base numa mera presunção judicial, sem ter por base outros factos concretos relativos às condicionantes que levaram a Autora a não colocar o cinto de segurança nos parece temerário – neste particular esteve bem a sentença de 1ª instância que não deu qualquer relevância a este facto. Não obstante,

E.        Mesmo que os Srs Conselheiros colham a opinião do Tribunal "a quo", determinando que existe um nexo de causalidade entre a conduta da Autora lesada e as lesões por si sofridas, é nosso entender que a redução de 20% do valor indemnizatório fixada pelo Tribunal da Relação é excessiva, atenta a (eventual) culpa diminuta da Autora.

F.        Tendo por base o Ac. do STJ de 03/03/2009, e em termos comparativos, não se vislumbra em que medida a conduta da aqui Autora, que apenas não levava o cinto de segurança colocado, é mais gravosa do que a do lesado que vinha a "dormitar, e sem o cinto de segurança posto", Relator Conselheiro Nuno Carneira, in www.dgsi.pt, que determinou o seguinte "Provando-se que as lesões sofridas pelo autor se agravaram por viajar deitado no banco de trás, que se encontrava rebatido, a dormitar e sem o cinto de segurança posto, ignorando-se, todavia, o peso relativo de cada um destes factores em tal agravamento e, bem assim, a medida, o grau deste, a indemnização afixar deverá ser reduzida em 15%, por aplicação do disposto no art° 570°, n° 1, do CC."

G. Pelo que, tendo por base a referência deste Acórdão, assim como o disposto no art. 570° n° 1 CC, a eventual redução da indemnização à Autora deverá ser sempre inferior aos 15% determinados no Acórdão supra referido.

– DA ATRIBUIÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO À AUTORA PELA INTERRUPÇÃO DO CURSO QUE FREQUENTAVA

H. É facto assente e dado como provado que a Autora frequentava um curso de computadores que foi interrompido e perdido devido à ocorrência do acidente (ponto19° da matéria de facto dada como provada).

I. Existe um nexo de causalidade directo entre a interrupção (e consequente perda) do curso por parte da Autora e o acidente de viação de que foi vítima.

J. A culpa do acidente foi atribuída na totalidade ao condutor do veículo seguro pela Ré (veículo XG): "I - Em matéria de responsabilidade civil por danos patrimoniais vigora o princípio da reposição natural, consagrado no art. 562.° do CC, segundo o qual o lesante deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que provocou o dano. II - Esse dever abrange não só os danos emergentes, como também os lucros cessantes (art. 564.°, n.° 1, do CC), neles se compreendendo os danos futuros, desde que previsíveis (n.° 2 do mesmo preceito), entre estes avultando a perda ou diminuição da capacidade laboral. Hl - Não sendo possível a reconstituição natural, a indemnização é fixada em dinheiro (art. 566.°, n.° 1, do CC), a qual tem como medida a diferença entre a situação real do lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria caso não tivesse ocorrido o dano (n.° 2 do mesmo art. 566.° do CC). IV - Caso o exacto valor dos danos não possa ser averiguado, o tribunal fixará a indemnização recorrendo à equidade (n.° 3 do mesmo art. 566.°) sem que tal dispense o recurso a índices objectivos."

K. Uma vez que neste caso a reposição natural não é possível, é nosso entender que a indemnização não deverá ser inferior a 2.500,00c.

– DO CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DAS ALEGAÇÕES

L. Nas alegações para o Tribunal da Relação do Porto, efectivamente, a Autora não fez referência ao concreto ponto da matéria de facto dada como provada que queria impugnar, isto relativamente à atribuição da 1PG de 25% ou 10%. Reconhece, por isso que não cumpriu os requisitos legais dos arts. 712° n° 1 a) e 690° n° 1 e 2 do CPC.

M. No entanto, é seu entender que poderia ter-lhe sido dada a oportunidade de rectificar esse simples lapso através de um convite ao aperfeiçoamento das alegações apresentadas, tendo em conta:

•          o princípio da cooperação (art. 266° n° 1 CPC);

•          a busca por uma decisão sobre o mérito da causa, que se deveria sobrepor às questões meramente processuais;

•          que o juiz tem o poder de direcção do processo, que inclui o poder de promover "oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção" (n° 1 do artigo 265°, n° 1 do artigo 31°-A),

•          a hipótese que o juiz tem de correcção de deficiências formais (cfr., por exemplo, o n° 2 do artigo 265° ou os n°s 2 e 3 do artigo 508°, ou a ai. c) do n° 1 do artigo 508°-A) do CPC, ou da irrelevância ou possibilidade de afastamento de certas regras de processo (artigos 31°, n° 4, 274°, n° 3 ou 288°, n° 3)

•          por fim, a possibilidade de se aplicar, ainda que de forma analógica, o art. 690°, n° 4 do CPC.

N. O convite ao aperfeiçoamento garantiria a prevalência do fundo sobre a forma, até porque a falha em si, atenta a simplicidade da mesma, poderia ser superada através um mero juízo de dedução lógica – tal como foi efectuado um mesmo juízo para a presunção judicial.

O. Deveria o Acórdão recorrido ser anulado, determinando-se o regresso do processo à 2ª instância para que a Autora possa indicar a matéria de facto concreta que visou impugnar, e para que seja de novo julgado o recurso neste particular.

– DOS MONTANTES 1NDEMNIZATÓRIOS ATRIBUÍDOS A TÍTULO DE DANO PATRIMONIAL E NÃO PATRIMONIAL

P. Atentos os pontos da matéria de facto dados como provados, é entendimento da Autora que os montantes indemnizatórios atribuídos se encontram aquém do expectável, atenta a comparação jurisprudencial com outros casos semelhantes.

Q. A Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem assentado na seguinte ideia-força: "é entendimento praticamente unânime que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo    critérios    de    equidade,    procurar    um    justo    grau    de «compensação», não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios".

R. Tendo em conta esta orientação, assim como todos os Acórdãos referidos de situações semelhantes, a A./Recorrente considera ser justa e equitativa a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais nunca inferior a 40.000,Q0€.

S. É também entendimento que a indemnização pelo dano biológico deveria ser superior à atribuída pelo Tribunal da Relação do Porto.

T. Tal indemnização, tendo em conta a idade da Autora (30 anos), a sua esperança média de vida (75/80 anos), a taxa de juro (3%), a inflação, o vencimento equivalente  ao  salário   mínimo,   a   progressão   e   promoção profissional e a IPG de 10%, deveria ascender a, pelo menos, 24.318,00€ (segundo os cálculos efectuados no recurso para o TRP).

U. No entanto para o cálculo deste valor referido não foram contabilizadas a taxa de juro, a inflação, e a progressão e promoção profissional, pelo que a indemnização, atentos estes factores, deverá ainda ser aumentada para um valor superior.

V. Também neste aspecto do dano biológico existem vários acórdãos do STJ que atribuem, em circunstâncias similares, indemnizações superiores à que foi atribuída neste caso concreto.

W. Por fim, frisamos que a situação economico-financeira da Autora é bastante difícil, não só devido ao acidente como tendo em conta a situação em que o país vive, contrastando de forma brutal com a solidez e prosperidade das companhias de seguros.

X. Tal facto, genérico mas extremamente relevante, deverá sempre sopesar na ponderação da indemnização a atribuir.»

3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

«1- No dia 17/03/ 2006, pelas 17 horas, na Estrada Nacional nº 204 (Famalicão/Santo Tirso), ao km 40.500, deu-se um embate – A.

2- A autora era conduzida ‘gratuitamente’ no banco traseiro do veículo 00-00-00, conduzido pela sua ‘proprietária’ DD no sentido Vila Nova de Famalicão/Santo Tirso – 1º.

3- O local é uma recta, com cerca de 150 metros de comprido, com 7 metros de largura na faixa de rodagem, em alcatrão, delimitada por linhas longitudinais contínuas, e uma berma de 1 e 0,55 metros – 2º.

4- Chovia (chuva miúda) e a estrada estava húmida – e 3º.

5- O BP era conduzido pela sua faixa de rodagem, a uma velocidade de cerca de 50 km/hora, e na observância de todas as regras estradais – 4º.

6- Quando se aproximava da curva que se situa a cerca de 50 metros à sua frente, a condutora do BP reparou que vindo de Santo Tirso entrou o veículo 00-00-00 conduzido por CC e ‘propriedade’ de EE, Lda., que era conduzido a velocidade não concretamente apurada, mas não inferior a 60 km/hora – 5º.

7- Tal veículo invadiu a faixa de rodagem contrária, onde circulava o BP, indo embater na sua frente – 6º.

8- O BP ainda travou, mas não teve possibilidade de evitar o embate frontal no XG – 7º.

9- A autora foi projectada do banco traseiro do BP, para a frente do carro, partindo o vidro com a testa e cabeça – 9º.

10- Estiveram no local os Bombeiros Voluntários de Famalicão, que tiveram de proceder ao desencarceramento da autora, e suas duas companheiras de dentro do BP – 11º.

11- Foram internadas no Hospital de Vila Nova de Famalicão – 12º.

12- No Hospital de Vila Nova de Famalicão foi observada, radiografada, suturada e ficou internada três dias, e fez curativos nos serviços de urgência cerca de 15 dias – 13º.

13º- Do embate resultou laceração na região frontal e múltiplas feridas inciso-contusas e suspeita da disfunção da sínfise púbica – 10º.

14º- Foi encaminhada pela médica assistente para a consulta de Psiquiatria do Hospital de São Marcos, onde foi medicada com anti-depressivos, continuou tratamentos nos Serviços Clínicos da Companhia Seguradora no HPP da Boavista do Porto, onde efectuou consultas de cirurgia plástica, neurologia e psiquiatria até 18/1/2007 – 14º.

15º- Rasgou e estragou toda a roupa que consigo trazia, designadamente calças, camisolas, sapatos, blusa, kispo, meias e ‘soutien’, no montante de 300€ – 22º.

16º- Em despesas médicas e medicamentosas, incluindo as respectivas viagens de deslocação, a autora despendeu quantia não concretamente apurada – 23º e 24º.

17º- Durante 31 dias, a autora esteve impedida de realizar as suas actividades domésticas, altura em que precisou de ajuda de uma terceira pessoa – 25º.

18º- Está com uma Incapacidade Parcial Geral de 10% – 26º.

19º- Andava num curso de computadores no CITEVE, que teve de interromper por causa deste acidente, perdendo o já feito de 3 semanas e o curso de 3 meses – 19º.

20º- A autora padece de insónia, depressão e relembra constantemente o acidente, manifestando medo de andar de automóvel, em especial, como passageira – 16º.

21º- Apresenta perturbações persistentes de humor e perturbação de stress pós-traumático – 17º.

22º- A autora está em casa, acamada e sem nada fazer, o que debilita ainda mais a sua situação depressiva – 21º.

23º- A autora apresenta cicatriz notável com um grau de dano estético de 6 em 7 – 27º.

24º- Teve e tem dores, padecimentos e sofrimentos com o acidente e os tratamentos a que foi sujeita – 29º.

25º- A autora nasceu a 18/01/1976, é uma rapariga nova e bonita, sendo que a cicatriz se situa no rosto, que é uma parte do corpo muito visível e exposta e, nessa medida, susceptível de gerar complexos e inibições (30º e documento de fls. 63).»

4. Estão em causa as seguintes questões (nº 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil):

– anulação do acórdão recorrido, “para que a autora possa indicar a matéria de facto concreta que visou impugnar, e para que seja de novo julgado o recurso neste particular”;

– percentagem da eventual redução da indemnização, em consequência da não colocação do cinto de segurança, se este facto puder ser tido em conta e ser considerado provado;

– danos a ressarcir e montante da indemnização.

5.A autora entende que deveria ter sido convidada a aperfeiçoar as alegações do recurso de apelação, cumprindo “os requisitos legais dos artigos 712º nº 1 a) e 690º nº 1 e 2 do CPC".

            Mas não tem razão. Como este Supremo Tribunal já teve ocasião de afirmar (cfr., por exemplo, o acórdão de 9 de Outubro de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 07B3011, que aqui se segue), o artigo 690º-A do Código de Processo Civil foi aditado pelo Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, com a justificação de que “a consagração desta nova garantia das partes no processo civil” – referia-se o legislador à “garantia do duplo grau de jurisdição” – “implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”. O legislador retirava esta conclusão da forma como é concebido o recurso relativo à decisão de facto.

Como também se escreveu no preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.”

Assim, o “especial ónus de alegação, a cargo do recorrente”, relativo “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, como se disse já, “decorre, DDs, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.
Daí que se estabeleça”,
continua o mesmo preâmbulo, “no artigo 690º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto. Tal ónus acrescido do recorrente justifica, por outro lado, o possível alargamento do prazo para elaboração e apresentação das alegações, consentido pelo nº 6 do artigo 705”.

O ónus especialmente imposto foi pois justificado na necessidade de impor ao recorrente uma “delimitação do objecto do recurso” e uma “fundamentação” específica, repete-se, tendo em conta o âmbito possível do recurso da decisão de facto, tal como foi desenhado (acórdão de 18 de Junho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 08B2998).

O artigo 690º-A foi entretanto alterado pelo Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, sendo nesta versão que é aplicável ao caso presente. Continuou a incumbir ao recorrente que pretenda impugnar a decisão de facto proferida em primeira instância, para o que agora releva, “especificar (…) os concretos pontos de facto que [o recorrente] considera incorrectamente julgados” e “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”. Mas, se “os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas [tiverem] sido gravados”, passou a caber-lhe, “sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522ºC”.
O acórdão recorrido considerou que, “limitando-se a apelante a pôr à consideração deste tribunal a apreciação crítica das perícias realizadas nos autos e os demais meios de prova (sem aludir a estes outros meios de prova – sendo certo que em audiência depuseram um médico e a psiquiatra forense que elaborou o primeiro dos relatórios periciais a que alude) e a instar o tribunal a que pondere sobre a percentagem de IPG que a decisão recorrida considerou provada, não pode concluir-se, em termos concludentes, que impugne a matéria de facto. Se esse foi o seu propósito, deve o recurso, nessa vertente, ser rejeitado, por não se mostrarem cumpridos os ónus impostos nos artigos 712º e 690ºA do C.P.C. ao recorrente que pretendeu impugnar a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto”, não cabendo qualquer convite ao aperfeiçoamento das alegações.
Da leitura atenta das alegações da apelação resulta a identificação do ponto de facto que a autora então pretendia que fosse modificado – o grau de IPG que ficou assente. Mas o que a recorrente de forma alguma cumpriu foi o ónus de indicar quais os concretos meios de prova que impunham uma decisão diferente, como expressamente se exige nos preceitos indicados, a al. a) do nº 1 do artigo 712º e o artigo 690º-A do Código de Processo Civil.
Ora, ainda que fosse aplicável, por analogia, o disposto no nº 4 do artigo 690º do Código de Processo Civil (cfr. acórdão de 9 de Outubro de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 07B3011), a verdade é que, como o acórdão recorrido recorda, o convite ali previsto restringe-se à hipótese de falta de especificação, nas conclusões, de elementos que figuram no corpo das alegações; o que não é o caso. Não se permite, por essa via, a substituição das alegações, ainda que parcial; o que não infringe os princípios invocados pela recorrente. Com efeito, não se trata apenas de uma mera deficiência formal, como a autora sustenta, mas da alteração do objecto e da fundamentação do recurso.

6. A autora alega igualmente que a Relação não podia ter considerado assente que, quando ocorreu o acidente dos autos, não tinha o cinto de segurança colocado; mas também sem razão.
Cumpre antes de mais frisar que o despacho de fls. 232 não impede a consideração deste facto, já que apenas indeferiu o requerimento da ré de alegação do facto como superveniente; e que o artigo 572º do Código Civil obriga o tribunal a conhecer da culpa do lesado, “ainda que não seja alegada”.
Acresce que, no caso presente, a Relação não recorreu a presunções judiciais, nem para ultrapassar situações de falta de prova, nem para contrariar a decisão de facto, o que lhe estaria vedado (assim, acórdão de 7 de Julho de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 2273/03.8TBFLG.G1.S1). Antes se limitou a deduzir dos factos provados que a autora não tinha o cinto de segurança colocado, como era legalmente exigido (nº 1 do artigo 82º do Código da Estrada).

7. E sustenta, subsidiariamente, que se deve baixar a percentagem de 20%, aplicada pela Relação para reduzir a indemnização, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 570º do Código Civil. A ré, diferentemente, defenda que deve ser aumentada para 30%.
É indiscutível que a falta de colocação do cinto de segurança – cuja obrigatoriedade protege, em primeiro lugar, o próprio passageiro, mas tem igualmente em vista o interesse público de minorar as consequências dos acidentes de viação e as suas repercussões, por exemplo, no sistema de saúde, e não só –, no sentido do artigo 563º do Código Civil, não é causa adequada do acidente e, portanto do dano; não se pode falar, assim, de uma situação de 
concorrência de causas do dano.
O que releva, por via do disposto no nº 1 do artigo 570º do Código Civil, é a circunstância de a falta de colocação do cinto ter contribuído para o agravamento desse mesmo dano, causado pelo acidente. Determinando a redução da indemnização em função da gravidade da respectiva culpa, a lei sanciona a desconsideração da defesa dos próprios interesses do lesado (cfr. Antunes Varela, anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 1968, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 102º, pág. 43 e segs., pág. 60) do mesmo passo que preserva uma certa adequação entre a culpa do lesante e a responsabilidade pelos danos provocados; é o que sucede, no caso.
E releva, ainda, porque se trata de uma omissão de cuidado claramente culposa, ostensivamente reveladora da inobservância do cuidado e diligência exigíveis a uma pessoa medianamente diligente e cuidadosa, colocada na situação da lesada. É efectivamente do conhecimento geral que é perigoso fazer-se transportar num veículo automóvel sem ter o cinto de segurança colocado.
Entende-se, todavia, que a percentagem de redução da indemnização deve ser reduzida para 15%, tal como se fez no acórdão de 3 de Março de 2009 deste Supremo Tribunal  (www.dgsi.pt, proc. nº  09A009), aliás considerado pelo acórdão recorrido. Do ponto de vista da contribuição de cada um para o dano concretamente sofrido, a culpa da autora é significativamente inferior à do condutor do veículo, único responsável pelo acidente.
Como ali se escreveu, “a intensidade da culpa – vale por dizer, a gravidade do juízo de censura ético-jurídico a formular –  é incomparavelmente maior quando se aprecia sob esta perspectiva o comportamento do condutor do veículo (...). E isto porque foi ele, e só ele, que (…) deu causa ao acidente; sem tal conduta ilícita e culposa o autor não teria sofrido quaisquer danos, quer usasse, quer não usasse o cinto de segurança na ocasião do acidente. É diminuta, neste contexto, a sua culpa, também porque ela se limita, na realidade, à falta do cinto de segurança, que podia e devia ter colocado (…). Certa e segura é, de qualquer modo, a con­tribuição causal do facto culposo do lesado, não para a produção, mas apenas para o apro­fun­damento das lesões, circunstância que também não pode deixar de ser sopesada na avaliação global das condutas de lesante e lesado para que a lei aponta. Em face do que antecede, entende-se que a indemnização a arbitrar ao autor deve ser reduzida em 15%, por aplicação do disposto no artº 570º, nº 1, do CC.”

8. Finalmente, cumpre considerar os montantes indemnizatórios, atribuídos pelos danos não patrimoniais e pelos danos patrimoniais futuros.

Trata-se, em ambos os casos, de indemnizações cujo critério fundamental de fixação é a equidade (artigos 496º, nº 3, quanto aos danos não patrimoniais. e 566º, nº 3, para os danos patrimoniais futuros). Ora, como o Supremo Tribunal da Justiça já observou em outras ocasiões (cfr., por exemplo, o acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 381-2002.S1), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”.

E é ainda necessário ter presente que o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele (cfr., por todos, o acórdão de 7 de Julho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 205/07.3GTLRA.C1). O que, naturalmente, não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242, www.dgsi.pt). Cumpre “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes” (acórdão de 25 de Junho de 2002 (www.dgsi.pt, proc. nº 02A1321); nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição.”

Finalmente, há que verificar que não ficaram provados factos que possibilitem reduzir os montantes indemnizatórios considerados equitativos, nos termos previstos no artigo 494º do Código Civil (preceito para o qual remete expressamente o nº 3 do artigo 496º, já citado).

7. O acórdão recorrido calculou em € 30.000,00 a compensação adequada aos danos não patrimoniais, subindo o montante de € 24.000,00 encontrado pela sentença. Para o efeito, ponderou a gravidade do dano, “traduzida nas lesões sofridas pela autora (e suas consequências permanentes)”, o sofrimento, o dano estético, e as consequência relativas à afirmação pessoal e à saúde da autora e a sua idade, que justificaram a fixação da IPG de 10%.
A autora entende que deve ser aumentada, pelo menos, para € 40.000,00; a ré sustenta que tem de ser diminuída para € 15.000,00, ou, no máximo, para € 20.000,00.

Para a determinação da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais, ressarcíveis desde “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1 do artigo 496º do Código Civil), o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º) – cfr., por exemplo, os acórdãos de 31 de Maio de 2012 (proc. nº 14143/07.6TBVNG.P1.S1, www.dgsi.pt) e de 23 de Novembro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 90/06.2TBPTL.G1.S1), o que desde logo revela a natureza também sancionatória da obrigação de indemnizar.

No caso presente, a autora, com 30 anos à data do acidente, ficou afectada de uma IPG de 10 pontos, o que, em si mesmo, tem de ser considerado no âmbito dos danos de natureza não patrimonial, já que os danos futuros decorrentes de uma lesão física se traduzem, antes de mais, numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física (cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 30 de Outubro de 2008, www.dgsi.pt, proc. 07B2978); em consequência do acidente, foi projectada do banco traseiro do automóvel em que seguia e partiu o vidro com a testa, teve de ser desencarcerada, esteve três dias internadas e sofreu as consequências, físicas e psicológicas, constantes da lista de factos provados, das quais se destaca a “cicatriz notável com um grau de dano estético de 6 em 7”.

Tendo em conta este quadro e a função de compensação especialmente desempenhada pela indemnização por danos morais, bem como os montantes indemnizatórios fixados em outros casos, com os quais o presente deve ser comparado, conclui-se que a Relação se afastou significativamente, para mais, do que tem sido julgado equitativo. Assim:

– Pelo acórdão de 20 de Novembro de 2003, proc. nº 03A3450 (www.dgsi.pt), foi atribuída a indemnização de € 32.421,86 a uma lesada que, tendo a idade de 25 anos no momento do acidente, ficou em estado de coma, foi submetida a diversas intervenções cirúrgicas e sofreu lesões graves lesões por todo o corpo, que lhe provocaram cicatrizes profundas e visíveis;

– No acórdão de 15 de Janeiro de 2004, proc. nº 03B926 (www.dgsi,pt), foi arbitrada uma indemnização de € 10,951,92 a uma lesada que tinha 24 anos à data do acidente, à qual foi atribuída uma IPP de 10%, mas que ficou a sofrer de lesões graves e visíveis;

– No acórdão de 4 de Dezembro de 2007, proc. nº 07A3836 (www.dgsi,pt), foi arbitrado o montante de € 35.000 por danos morais a um lesado com 44 anos à data do acidente, na sequência do qual esteve em conta e em perigo de vida durante vários dias e sofreu diversas sequelas, e ao qual foi fixada uma IPP de 47%;

– No acórdão de 24 de Setembro de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 09B0037) fixou-se em € 40.000 a indemnização por danos não patrimoniais sofridos por um lesado, com 33 anos de idade à data do acidentes, que ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 18,28% (mas que, no caso, se traduziu em incapacidade total para o trabalho, o que também releva do ponto de vista da indemnização por danos não patrimoniais), que sofreu dores e danos físicos extensos que deixaram sequelas graves, foi sujeito a diversas intervenções cirúrgicas com os consequentes internamentos e períodos de recuperação e de dependência de terceiros, e teve de realizar sucessivos tratamentos, que se prolongaram no tempo;

– No acórdão de 25 de Junho de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 08B3234), foi atribuída uma indemnização de € 40.000 por danos não patrimoniais a uma jovem de 21 anos, vítima de atropelamento, que sofreu diversas intervenções cirúrgicas, tratamentos e recuperação, ficando afectada de uma incapacidade absoluta durante 12 meses, foi sujeita a diversas intervenções cirúrgicas e teve de realizar sucessivos tratamentos, nomeadamente de recuperação, que se prolongaram no tempo, sofreu danos físicos extensos que deixaram sequelas irreversíveis e gravosas, físicas e emocionais e ficou afectada de uma incapacidade parcial permanente de 50%, com aumento previsto de 3%.
O acidente ocorreu em 2006. Consideradas as consequências e feitas as devidas comparações, fixa-se em € 25.000,00 o montante correspondente aos danos não patrimoniais, dando especial relevo ao dano estético.

8. Quanto aos danos patrimoniais futuros, decorrentes da IPG de 10%, recorda-se que a 1ª Instância entendeu que esta incapacidade apenas devia ser considerada no âmbito dos danos não patrimoniais, por não te ficado provado que se repercutisse na capacidade de ganho da autora; mas que a Relação, considerou que “o dano [biológico]  em questão se repercute (também) na vertente patrimonial”, devendo aquela IPG “ser valorizada ao nível do dano patrimonial futuro”; e fixou a indemnização de 17.500,00. A ré entende que deveria ser de  € 12.500,00, ou, no máximo, de € 15.000,00; a autora aponta para um valor não inferior a € 24.319,00.

Não está pois em causa que, para efeitos da indemnização reclamada pela recorrente, se devem ter em conta os danos futuros, desde que previsíveis (nº 2 do artigo 564º do Código Civil), quer correspondam a danos emergentes, quer se traduzam em lucros cessantes (nº 1 do mesmo preceito), como é agora o caso.

Ora, uma incapacidade permanente geral, mesmo que não se prove a implica incapacidade para o trabalho, é causa de danos patrimoniais futuros, indemnizáveis nos termos dos artigos 562º e segs., do Código Civil, maxime dos artigos 564º e 566º (acórdão de 20 de Outubro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), Como se escreveu por exemplo no acórdão deste Supremo Tribunal de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978), citando outras decisões, «os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução. (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» No mesmo sentido, cfr., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal da Justiça de 30 de Setembro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 935/06.7TBPTL.G1.S1) ou de 7 de Junho de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 3042/06.9TBPNF.P1.S1).

Resulta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que, para a fixação das consequências do acidente, se atendeu ao “relatório médico legal elaborado pelo IML, e, apenas quanto à IPG, foi valorada a 2ª perícia” (fls. 385). Naquele relatório (a fls. 250 e segs.), afirma-se que as sequelas de que a autora ficou afectada, do ponto de vista do “rebate profissional”, são “compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares”.

Ora, para ser possível ponderar as razões apontadas pelas recorrentes para discordar do montante da indemnização atribuída, no que respeita aos danos patrimoniais futuros, há ainda que ter em conta o seguinte:

– Que a autora tinha 30 anos a data do acidente;

– Que não vem provado que desenvolvesse qualquer actividade profissional nessa altura. Sabe-se, apenas, que tinha três semanas de frequência de um curso de informática no CITEVE, de três meses de duração, curso esse que perdeu;

– Que, neste contexto, é adequado tomar como referência para o cálculo da indemnização o valor do salário mínimo, à data do acidente, como fez a Relação e as partes não contestam;

– Que a relevância da lesão não pode ser avaliada apenas com referência à vida activa provável da lesada; antes se há de considerar também o período posterior à normal cessação de actividade laboral, com referência à esperança média de vida; no sentido de dever ser tida em conta a esperança de vida, e não apenas de vida activa, ver por exemplo o acórdão de 17 de Junho de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 08A1266);

– Que, recorrendo, agora, ao regime geral de segurança social em vigor à data do acidente, em particular ao nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 329/93, de 25 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 9/99, de 8 de Janeiro (neste ponto específico, mantido pelo Decreto-Lei nº 187/2007, de 16 de Fevereiro, que revogou aquele diploma), a idade “regra” da reforma era fixada em 65 anos;

– Que as considerações genéricas que a ré apresenta sobre a desadequação do montante encontrado, face à actual situação económica, têm fundamento, mas não revelam objecções concretas ao caso presente;

– Que a diferença mais evidente entre o cálculo efectuado pelo acórdão recorrido e o que apresenta a ré se encontra no montante do salário mínimo considerado (à data do acidente, para aquele, o actualmente vigente, para esta) e na consideração de 12 (recorrente) ou 14 (acórdão recorrido) salários;

– Que é mais conforme com a teoria da diferença (artigo 562º do Código Civil) ponderar o salário mínimo vigente em 2006 e 14 meses de salário.

Feita a ponderação de todos os factores, não se encontram pois razões para censurar a quantia a que o acórdão recorrido chegou.

9. Finalmente, resta apreciar o pedido de indemnização de € 2.500,00 pela perda do curso de informática.

Ora a autora não alega, nem demonstra minimamente, como lhe cabia, nem que realizou despesas para o frequentar, nem qual é o ganho que previsivelmente deixará de obter por ter perdido o curso (cfr. artigo 564º, nº 2 do Código Civil), o que inviabiliza a atribuição de qualquer indemnização, mesmo recorrendo a critérios de equidade. O julgamento segundo a equidade carece de ser facticamente fundado; nas palavras da lei, tem de assentar nos “limites que [o tribunal]tiver por provados” (nº 3 do artigo 566º do Código Civil).

10. Não foi questionada a indemnização fixada por danos patrimoniais emergentes – € 300,00 pelo vestuário inutilizado e € 400,00 por despesas médicas e medicamentosas.

A condenação da ré corresponde, portanto, à soma deste valor (€ 700,00) com € 25.000,00 (danos não patrimoniais) e € 17.500,00 (danos patrimoniais futuros), reduzida em 15% – ou seja, € 36.720,00.

Não sendo questionada a condenação em juros, mantém-se o critério seguido no acórdão recorrido.

11. Nestes termos, concede-se provimento parcial a ambos os recursos, condenando-se a ré no pagamento da indemnização de € 36.720,00, com juros de mora, contados à taxa legal e até efectivo e integral pagamento, desde a citação sobre a quantia de € 255,00, desde a sentença da 1ª Instância sobre o montante de € 340,00 e desde a data deste acórdão quanto ao restante.

Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.

Liboa, 21 de Fevereiro de 2013

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Lopes do Rego

Orlando Afonso