Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0535/16
Data do Acordão:12/14/2016
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário:I - O recurso para o STA de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do artigo 25.º RJAT), não devendo, ainda, o recurso ser admitido - ou sendo-o, não devendo prosseguir para conhecimento do respectivo mérito - se, não obstante a existência de oposição, a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável “ex vi” do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).
II - Não havendo entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo eleito como fundamento contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, não deve tomar-se conhecimento do mérito do recurso.
Nº Convencional:JSTA000P21263
Nº do Documento:SAP201612140535
Data de Entrada:05/04/2016
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) ex vi do art. 25.º n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal da decisão arbitral proferida em 29 de Março de 2016 no processo n.º 566/2015-T CAAD, por alegada contradição com o decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19 de Março de 2015, proferido no recurso n.º 08300/14, transitado em julgado.

A recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.
B. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.
C. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a seguinte factualidade:
i. O objecto social da Requerente consiste no financiamento de aquisições a crédito de bens de consumo e equipamentos (locação financeira e crédito), bem como na actividade de Aluguer de Longa Duração (ALD) de veículos automóveis sem condutor, de motociclos e de barcos.
ii. No âmbito da actividade que desenvolve, a Requerente celebra com os seus clientes contratos de aluguer de longa duração e contratos de locação financeira, em cujo termo o veículo é transmitido ao locatário, cujo objecto são viaturas automóveis e, bem assim, contratos de mútuo para aquisição de viaturas automóveis nos quais é estabelecida a seu favor uma cláusula de reserva de propriedade.
iii. (...) As liquidações ora em causa respeitam a imposto cujo facto tributário se verificou, em momento em que a Requerente já havia procedido à venda do veículo (vd. Quadro n.º 3 e Docs. n.º 71 a 288); (...)
Como se verá melhor à frente, foi aí decidido:
- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, dos actos de liquidação de IUC supra identificados - com excepção dos actos de liquidação relativos ao veículo de matrícula ……….. - e, correspondentemente, o reembolso das importâncias indevidamente pagas.
D. Por seu turno, subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se a seguinte factualidade:
«-A firma impugnante é uma sociedade que tem por objecto o aluguer de veículos automóveis, no âmbito da qual celebrou vários contratos de aluguer com os respectivos locatários, tendo estes últimos adquirido as viaturas ao abrigo do direito de opção de compra, no termo final dos respectivos contratos; -As viaturas em causa encontravam-se registadas no registo automóvel, à data do respectivo aniversário da data de matrícula relativo ao ano de 2008, em nome da impugnante;
- Foi efectuada a liquidação oficiosa do imposto pelos serviços competentes da DGI por falta de liquidação do mesmo por parte do s.p., da qual foi deduzida reclamação graciosa que mereceu decisão de indeferimento de 28/02/2013, com fundamento na informação dimanada dos serviços, tudo conforme consta de fls.20 e 21 do processo de reclamação graciosa apenso (cfr. relação dos actos tributários relativos ao ano de 2008 constante de fls.14 e 15 do processo de reclamação graciosa apenso);
- Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: " ... A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório ... ",
-A impugnante, “…., L.da. ", é uma sociedade que tem por objecto o aluguer de veículos automóveis e a prestação de serviços conexos;
-A impugnante emitiu facturas relativas à venda dos veículos a que dizem respeito as liquidações de I.U.C. impugnadas;
- Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos identificados na factualidade aditada e na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte da impugnante/recorrida, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr.artº. 361, do CCivil).»
- Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a impugnação no que diz respeito às liquidações de I.U.C, com excepção das relativas a viaturas sinistradas e furtadas.
E. Como mais à frente veremos, dessa decisão recorreu a Fazenda Pública para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCA), que decidiu conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar totalmente improcedente a impugnação deduzida;
F. Demonstra-se, assim, que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.
G. Além daquela identidade, para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito.
H. Ora, estava em causa aferir se a documentação apresentada pela Requerente, ora Recorrida, se mostrava apta a ilidir a presunção decorrente da norma do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, i.e., se as facturas apresentadas pela Recorrida eram suficientes para ilidir a presunção estabelecida no citado preceito legal.
I. No caso aqui em análise, julgou aquele Tribunal arbitral que a ilisão da presunção foi realizada quanto aos veículos constantes do Quadro n.º 3 da p.i. (vd. Docs. 71 a 288 apensos aos autos), visto que, ao contrário do que alega a AT, as facturas apresentadas pela Requerente são suficientes para ilidir a presunção estabelecida no artigo 3.º do CIUC.
J. É contra este segmento decisório (força probatório das facturas apresentadas) que apresentamos o presente recurso, pois o entendimento perfilhado é oposto ao arrogado no TCA SUL, no âmbito do processo n. º 08300/14.
K. Tendo, a decisão ora recorrida incorrido em erro de julgamento de direito incidente sobre a norma constante do art. 3º, do C.I.U.C.
L. Como se verá a seguir, tanto no acórdão recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respetivas decisões situa-se em igual plano.
M. Isso, pois que estava aí em causa saber se o tribunal a quo havia decidido bem ao considerar que as facturas, por si só, são aptas a comprovar a transmissão da propriedade dos veículos, e consequentemente a celebração do contrato de compra e venda dos mesmos, e assim eximir o sujeito passivo, da responsabilidade de pagamento do imposto (IUC), face ao art. 3.º do CIUC.
N. Em ambos os casos, os ora recorrentes, colocam em causa os documentos de facturação aos clientes.
O. Sendo que, quanto à presunção legal que consagra o art. 3.º n.º 1 do CIUC, considerou o TCA:
«( ... ) O examinado artº.3, nº 1, do C.I.U.C., consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do artº.73, da L.G. T., tudo conforme já mencionado supra.
P. Nesta situação, a ilisão da presunção obedece à regra constante do artº. 347, do C.Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. O que significa que não basta à parte contrária opor a mera contraprova - a qual se destina a lançar dúvida sobre os factos (cfr. artº. 346, do C.Civil) que torne os factos presumidos duvidosos. Pelo contrário, ela tem de mostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais. Recorde-se que as presunções legais são provas legais ou vinculadas, que não dependem da livre apreciação do Tribunal. Pelo contrário, a sua força probatória, legalmente tabelada, proporciona ao juiz uma verdade formal (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.215 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 500 e seg.).
Q. Assim, no caso dos autos, o que a sociedade recorrida tinha de provar, a fim de ilidir a presunção que decorre do art. 3º, nº 1, do C.I.U.C., é que ela não era proprietária dos veículos em causa no período a que dizem respeito as liquidações impugnadas. Para provar que ocorreram tais transmissões de propriedade através de contratos de compra e venda, a impugnante e ora recorrida apresenta (cfr. nºs.6 e 7 do probatório) facturas relativas à venda dos veículos em causa.»
R. Aqui chegados, é então de salientar que, enquanto no Acórdão Fundamento se entendeu que «Tanto a factura como a nota de débito constituem documentos contabilísticos elaborados no seio da empresa e que se destinam ao exterior. A factura deve visualizar-se como o documento contabilístico através do qual o vendedor envia ao comprador as condições gerais da transacção realizada. Por sua vez, a nota de débito consiste no documento em que o emitente comunica ao destinatário que este lhe deve determinado montante pecuniário. Ambos os documentos surgem na fase de liquidação da importância a pagar pelo comprador, assim não fazendo prova do pagamento do preço pelo mesmo comprador e, por consequência, prova de que se concluiu a compra e venda (somente a emissão de factura/recibo ou de recibo faz prova do pagamento e quitação - cfr. art. 787º, do C.Civil; António Borges e Outros, Elementos de Contabilidade Geral, 14ª edição, Editora Rei dos Livros, pág. 62 e seg.).
S. Tendo concluído o douto Tribunal «que a sociedade recorrida nem sequer produziu prova relativa à alegada venda dos veículos, sendo que teria que provar que não era proprietária das viaturas à data a que dizem respeito as liquidações, o que implicaria, no caso concreto, provar quem era o actual proprietário. E recorde-se que esta prova seria fácil de fazer, bastando à recorrida actualizar o registo, para o que tem a legitimidade como vendedor e de forma unilateral, promovendo o registo dos veículos em nome dos compradores, através de um simples requerimento, nos termos do art. 25º, nº 1, al. d), do Regulamento do Registo Automóvel, tudo conforme já mencionado acima.
T. E rematou: «a prova apresentada pela recorrida é constituída, exclusivamente, por documentos particulares e unilaterais, com um valor insuficiente para, à luz do direito probatório material, negar a validade de factos - a propriedade de veículos - sobre os quais existe uma prova legal - presunção legal - que isenta a A. Fiscal de qualquer ónus probatório, e que não é contrariável através de mera contraprova, que lance dúvida sobre os factos provados pela presunção.»
U. Tendo julgado procedente o examinado recurso e, consequentemente, determinou a revogação da sentença recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito incidente sobre a norma constante do artº 3º, do C.I.U.C.
V. Já no acórdão recorrido se entendeu em sentido oposto, tendo o Tribunal arbitral considerado que «os documentos apresentados, particularmente as cópias das facturas que suportam, desde logo, as vendas [dos] veículos [...] referenciados, [...] corporizam meios de prova com força bastante e adequados para ilidir a presunção fundada no registo, tal como consagrada no nº 1 do art. 3º do CIUC, documentos, esses, que gozam, aliás, da presunção de veracidade prevista no n.º 1 do art. 75.º da LGT.»
W. Aludindo a uma outra decisão arbitral proferida no proc. n.º 230/2014-T, de 22/7/2014, acrescentou: «os elementos documentais, constituídos por cópias das respectivas facturas de venda [. .. ] gozam da força probatória prevista no artigo 376. º do Código Civil e da presunção de veracidade que é conferida pelo art. 75.º, n.º 1, da LGT, tendo, assim, idoneidade e força bastante para ilidir a presunção que suportou as liquidações efectuadas. Estas operações de transmissão de propriedade são oponíveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, porquanto embora os factos sujeitos a registo só produzam efeitos em relação a terceiros quando registados, face ao disposto no art. 5. º, n. º 1, do Código do Registo Predial [aplicável por remissão do Código do Registo Automóvel], a Autoridade Tributária não é terceiro para efeitos de registo, uma vez que não se encontra na situação prevista no n.º 2 do referido art. 5.º do Código do Registo Predial, aplicável por força do Código do Registo Automóvel, ou seja: não adquiriu de um autor comum direitos incompatíveis entre si. Quanto à prova de venda de veículos, ela pode ser feita por qualquer meio, uma vez que a Lei não exige forma específica, designadamente, escrita.»
X. Resulta, assim, demonstrada a identidade da questão fundamental de direito no acórdão arbitral de que se recorre e no Acórdão Fundamento,
Y. Sendo que, o acórdão arbitral recorrido incorreu em erro de julgamento de direito incidente sobre a norma constante do art. 3.º do CIUC, ao considerar que as facturas por si só são suficientes para ilidir a presunção estabelecida no art. 3.º do Código do IUC, que suportam as vendas dos veículos referenciados e corporizam meios de prova bastante e adequados para ilidir a referida presunção fundada no registo, ao contrário do Acórdão Fundamento no qual se decidiu, conforme se retira do respectivo sumário, que “tanto a factura como a nota de débito constituem documentos contabilísticos elaborados no seio da empresa e que se destinam ao exterior. A factura deve visualizar-se como o documento contabilístico através do qual o vendedor envia ao comprador as condições gerais da transacção realizada. Por sua vez, a nota de débito consiste no documento em que o emitente comunica ao destinatário que este lhe deve determinado montante pecuniário. Ambos os documentos surgem na fase de liquidação da importância a pagar pelo comprador, assim não fazendo prova do pagamento do preço pelo mesmo comprador e, por consequência, prova de que se concluiu a compra e venda (somente a emissão de factura/recibo ou de recibo faz prova do pagamento e quitação - cfr.artº 787, do C. Civil). "
Z. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.
AA. Tendo em consideração tudo quanto já exposto, é inequívoca a conclusão de que cabe perfilhar o entendimento preconizado pelo acórdão fundamento relativamente à questão de direito que se deixou expressa.
BB. De facto, o Tribunal arbitral errou ao julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação dos actos de liquidação de IUC referentes aos veículos identificados no Quadro 3 da p.i. (vd. Docs 71 a 288 apensos aos autos) - e, correspondentemente, o reembolso das importâncias indevidamente pagas.
CC. Ora, do exame de tais documentos particulares e unilaterais, i.e, facturas, aos quais se deve reconhecer um muito reduzido valor para provar a existência de um contrato sinalagmático, é forçoso concluir, contrariamente ao Tribunal "a quo", que não logrou a sociedade recorrida provar a transmissão da propriedade dos veículos que constituem objecto das liquidações de I.U.C. impugnadas.
DD. Nestes termos, deveria ter o Tribunal arbitral concluído que as facturas apresentadas não provam a transmissão da propriedade dos veículos que constituem objecto das liquidações de I.U.C. impugnadas.
EE. Por último e conforme se concluiu no acórdão fundamento, deveria ter o Tribunal Arbitral decidido que os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, na medida em que à luz do disposto nos artºs. 3, nºs. 1 e 2, e 6, do C.I.U.C., era a recorrida, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do I.U.C., constante da Conservatória do Registo Automóvel, sendo por esse facto o sujeito de imposto, não tendo efectuado prova capaz de que não era proprietária dos veículos em causa no período a que as liquidações impugnadas respeitam.
FF. O examinado artº.3, nº. 1, do C.I.U.C., consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do artº. 73, da L.G.T., tudo conforme já mencionado supra.
GG. Nesta situação, conforme alude o acórdão fundamento, "a ilisão da presunção obedece à regra constante do artº. 347, do C.Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto".
HH. No exame de tais documentos, i.e., facturas, o tribunal a quo considerou-os suficientes para ilidir a presunção estabelecida no artigo 3.º do CIUC
II. Ao contrário do que se concluiu no acórdão fundamento, e também propugnado pela Recorrente em sede Resposta "que nos encontramos perante meros documentos particulares e unilaterais, cuja emissão não supõe a intervenção da contraparte no alegado acordo, assim tendo um reduzido valor para provar a existência de um contrato sinalagmático, como é a compra e venda. E recorde-se que qualquer dos documentos contabilísticos em causa não prova, sequer, o pagamento do preço pelo comprador. Tanto a factura como a nota de débito constituem documentos contabilísticos elaborados no seio da empresa e que se destinam ao exterior. A factura deve visualizar-se como o documento contabilístico através do qual o vendedor envia ao comprador as condições gerais da transacção realizada. Por sua vez, a nota de débito consiste no documento em que o emitente comunica ao destinatário que este lhe deve determinado montante pecuniário. Ambos os documentos surgem na fase de liquidação da importância a pagar pelo comprador, assim não fazendo prova do pagamento do preço pelo mesmo comprador e, por consequência, prova de que se concluiu a compra e venda (somente a emissão de factura/recibo ou de recibo faz prova do pagamento e quitação - cfr.artº. 787, do C.Civil; António Borges e Outros, Elementos de Contabilidade Geral, 14ª. edição, Editora Rei dos Livros, pág. 52 e seg.).
JJ. Assim sendo, considerou o TCA, ao contrário do tribunal a quo, que a sociedade recorrida nem sequer produziu prova relativa à alegada venda dos veículos, sendo que teria que provar que não era proprietária das viaturas à data a que dizem respeito as liquidações, o que implicaria, no caso concreto, provar quem era o actual proprietário.
KK. Tendo considerado que a prova apresentada pela recorrida é constituída, exclusivamente, por documentos particulares e unilaterais, com um valor insuficiente para, à luz do direito probatório material, negar a validade de factos - a propriedade de veículos - sobre os quais existe uma prova legal - presunção legal - que isenta a A. Fiscal de qualquer ónus probatório, e que não é contrariável através de mera contraprova, que lance dúvida sobre os factos provados pela presunção.
LL. Pelo que na senda deste entendimento, que perfilhamos, deveria ter o tribunal a quo decidido pela manutenção dos actos tributários em apreço, considerando que as facturas não são documentos aptos a ilidir a propriedade dos veículos em causa, pois conforme propugnado no acórdão fundamento as facturas surgem na fase da liquidação da importância a pagar pelo comprador, não fazendo prova do pagamento do preço pelo mesmo comprador e, por consequência, prova de que se concluiu a compra e venda.
MM. Em suma, a Requerente, aqui Recorrida não logrou provar a pretensa transmissão dos veículos aqui em causa.
NN. Quer isto dizer que a Recorrida não fez qualquer prova de ter procedido efectivamente à alienação das viaturas objecto de incidência do imposto.
OO. Aqui chegados, é de concluir que deveria o Tribunal arbitral ter aplicado a doutrina preconizada no douto acórdão fundamento.
PP. Não o tendo feito, caberá a esse Supremo Tribunal acolher agora o que sobre a questão supra foi decidido no Acórdão Fundamento.

Contra-alegou o recorrido “A……………………….., SA.”, dizendo, em síntese:
(i) Vigora no RJAT, até por imposição da autorização legislativa que lhe subjaz, o regime regra da irrecorribilidade das decisões arbitrais.
(ii) Não obstante o exposto, nos termos do RJAT as decisões arbitrais sobre o mérito da pretensão deduzida podem ser objeto de recurso para o STA quando estejam em oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com um acórdão proferido pelos TCA ou STA.
(iii) Para se determinar a existência de "oposição", devem ser cumpridos os seguintes requisitos: (a) identidade de facto; (b) oposição expressa; (c) oposição das decisões; (d) desacordo com jurisprudência recente; e, (e) prova do trânsito em julgado.
(iv) Ora, o presente recurso não deve ser admitido, porquanto não se verificam os requisitos b), c) e e) (acima indicados) de que depende a existência de oposição em relação a uma questão fundamental de direito.
(v) Os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada e infração imputada à Decisão Recorrida são enunciados pela AT conforme seguidamente se transcreve: "Sendo que o acórdão arbitral recorrido incorreu em erro de julgamento de direito incidente sobre a norma constante do art. 3º do CIUC, ao considerar que as faturas, por si só são suficientes para ilidir a presunção estabelecida no art. 3º do Código do IUC, que suportam as vendas dos veículos referenciados e corporizam meios de prova bastante e adequados para ilidir a presunção fundada no registo, documentos esses que gozam da presunção de veracidade que é conferida pelo art. 75º, nº 1 da LGT, tendo assim idoneidade e força bastante para ilidir a presunção que suportou as liquidações efetuadas. Enquanto no Acórdão Fundamento se decidiu, conforme se retira do respetivo sumário, que "tanto a fatura como a nota de débito constituem documentos contabilísticos elaborados no seio da empresa e se destinam ao exterior. A fatura deve visualizar-se como o documento contabilístico através do qual o vendedor envia ao comprador as condições gerais da transação realizada. Por sua vez, a nota de débito consiste no documento em que o emitente comunica ao destinatário que este lhe deve um determinado montante pecuniário. Ambos os documentos surgem na fase de liquidação, pela importância a pagar pelo comprador e, por consequência, prova de que se concluiu a compra e venda (somente a emissão da fatura/recibo ou de recibo faz a prova do pagamento e quitação cfr. Art. 787º do Código Civil)."
(vi) Pelo que a Recorrente fundamenta a admissibilidade do Recurso no seguinte segmento da decisão: "a ilisão da presunção foi realizada quanto aos veículos constantes do quadro nº 3 da p.i. visto que, ao contrário do que alega a AT, as faturas apresentadas pela Requerente são suficientes para ilidir a presunção estabelecida no artigo 3° do CIUC.".
(vii) Sendo na perspetiva da AT quanto a este segmento da decisão a quo (força probatória das faturas apresentadas) que se apresenta o recurso por oposição de julgados.
(viii) Salvo o devido respeito que merece a posição assumida pela Recorrente, e que é muito, não se antevê qualquer oposição em relação a qualquer questão de direito no Acórdão Fundamento e Decisão Recorrida.
(ix) De facto, resulta indiscutida a questão de Direito que é a de saber se a presunção constante do artigo 3° CIUC é ilidível e em que termos.
(x) E quanto a essa questão, ela resulta inequivocamente decidida no mesmo sentido no Acórdão Fundamento e na Decisão Arbitral: a presunção é ilidível.
(xi) Por outro lado, em ambos os arestos se conclui que a ilisão da presunção só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto.
(xii) Senão vejamos, no Acórdão Fundamento: "A ilisão da presunção legal obedece à regra constante do art. 347º do C.Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. O que significa que não basta à parte contrária opor a mera contraprova - a qual se destina a lançar dúvida sobre os factos (cfr.art. 346º do C. Civil) que torne os factos presumidos duvidosos. Pelo contrário, ela tem de mostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais".
(xiii) Ora, a Decisão Recorrida, no mesmo sentido, conclui: "E ainda que se alegue a intenção do legislador foi a de que, para efeitos de IUC, sejam proprietários aqueles que, como tal, constem do registo automóvel, é necessário que tal registo, em face do que foi dito anteriormente gera apenas uma presunção ilidível, isto é, uma presunção que pode ser afastada mediante prova em contrário. Neste sentido vd. p.ex. o Acórdão do TCAS de 19/03/2015 processo 8300/14: "o art. 3°, n° 2 do CIUC, consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível".
(xiv) Não existe, portanto, qualquer alegada contradição quanto à questão fundamental de Direito.
(xv) E tanto não existe que, como se infere do trecho citado, a Decisão Recorrida expressamente remete para o Acórdão Fundamento (!).
(xvi) Não se compreende, portanto, como a AT alicerça o recurso com fundamento em oposição entre Acórdãos numa matéria em que a Decisão Recorrida especificamente remete para o Acórdão Fundamento.
(xvii) Na verdade, a existir uma contradição entre as decisões, esta resulta tão-só e apenas de uma questão adjetiva relacionada com a valoração que das provas é feita por cada um dos tribunais e não, de modo algum, de oposição quanto a uma questão fundamental de Direito.
(xviii) Efetivamente, ao contrário do que sucedeu nos autos do Acórdão Fundamento, em que a prova apresentada não foi reputada suficiente para convencer o Juiz da factualidade alegada pelo Autor, o mesmo não aconteceu nos autos do Processo Arbitral de origem, em que o tribunal se alicerçou em faturas apresentadas pela Autora e ora Recorrida, para considerar provados os factos por si alegados.
(xix) Ora, como é consabido, vigora, quanto à matéria da apreciação da prova, o princípio da livre apreciação que determina que, salvo específica e excecional disposição em contrário, o Juiz deve apreciar a prova segundo a sua livre convicção.
(xx) Já que, nos termos do disposto no nº 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil, "O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes".
(xxi) A Recorrida não antevê qual a decisão em relação à qual exista oposição, muito menos uma oposição expressa como exige a lei, relacionada com uma questão fundamental de Direito, o que determina a inadmissibilidade do presente Recurso.
(xxii) O que poderá existir e fundamentar que em ambos os arestos se chegue a uma decisão divergente, é uma oposição entre a matéria de facto que é considerada (não) provada.
(xxiii) Pelo que a questão sobre a qual existe uma eventual oposição não é, de todo, uma questão de Direito, mas tão-só uma questão adjetiva, que respeita à valoração da prova produzida nos autos.
(xxiv) Acresce referir que a AT também não se pronuncia quanto ao trânsito em julgado do Acórdão Fundamento.
(xxv) Nestes termos, deve ser julgado inadmissível, por falecerem os pressupostos legais de que depende, o presente Recurso.
Por outro lado,
(xxvi) Como resulta de todo o exposto, o Tribunal Arbitral não incorreu, ao contrário do propugnado pela Recorrente, em qualquer erro de julgamento.
(xxvii) Efetivamente, conforme se aduz de ambos, Decisão Recorrida e Acórdão Fundamento, o nº 1 do artigo 3º CIUC constitui uma presunção legal que, nessa circunstância constitui prova plena, nos termos do disposto no artigo 350º do Código Civil.
(xxviii) Ora, a prova plena pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto, ao abrigo do disposto no artigo 347º do Código Civil.
(xxix) Na verdade, conforme expendido pelo Prof. António Menezes Cordeiro, a prova plena só cede perante prova em contrário.
(xxx) "Por sua vez, prossegue o autor, a prova plena pode subdistinguir-se em:
(i) Prova simples: qualquer meio lícito é admissível para prova do contrário;
(ii) Prova qualificada: tal prova só é possível por vias especificadas na lei."
(xxxi) Para provar a transmissão da propriedade, uma vez que a lei não exige prova qualificada, foram apresentadas, pela ora Recorrida, no processo que deu origem à Decisão Recorrida, faturas que o tribunal arbitral considerou, dentro dos poderes e limites que a lei processual lhe concede, suficientes para ilidir a presunção estabelecida no artigo 3° do CIUC.
(xxxii) Na verdade, o artigo 72° LGT permite a utilização, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, de todos os meios de prova admitidos em direito.
(xxxiii) A Requerida e ora Recorrente não suscitou qualquer incidente de veracidade nem alegou a falsidade do meio de prova apresentado.
(xxxiv) Por outro lado, e ao contrário do que propugna a Recorrente, as faturas não são meros documentos unilaterais, na medida em que, sendo emitidas através de software certificado, conforme a Portaria n° 22-A/2012, de 24 de janeiro, são consideradas para efeitos fiscais, nomeadamente para efeitos de IRS e de IRC.
(xxxv) É inequívoco que as faturas gozam da presunção de veracidade do artigo 75° LGT.
(xxxvi) Pelo que foram suficientes para convencer o Juiz do contrário nos termos do artigo 347° do Código Civil.
(xxxvii) Um dos argumentos utilizados pela Recorrente, nas alegações apresentadas é que "que nos encontramos perante meros documentos particulares e unilaterais, cuja emissão não supõe a intervenção da contraparte no alegado acordo, assim tendo um reduzido valor para provar a existência de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, E recorde-se que qualquer dos documentos contabilísticos em causa não prova, sequer, o pagamento do preço pelo comprador. Tanto a fatura como a nota de débito constituem documentos contabilístico através do qual o vendedor envia ao comprador as condições gerais da transação realizada [ ... ] Ambos os documentos surgem na fase de liquidação da importância a pagar pelo comprador e, por consequência, prova de que se concluiu a compra e venda".
(xxxviii) Ora, a leitura deste trecho evidencia que a Recorrente incorre em grave erro sobre um princípio que decorre do artigo 408º do Código Civil português, que … é um "preceito com alcance fundamental no ordenamento jurídico português".
(xxxix) Nos termos da norma citada "A constituição ou transferência de direitos reais sobre uma coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as exceções previstas na lei".
(xl) E o que está expresso nesse preceito é o que se designa de princípio da consensualidade.
(xli) Nas palavras de … "o legislador português de 1867 afastou-se da nossa tradição jurídica, consagrando a eficácia real da compra e venda e, através dela, o princípio da consensualidade: em regra, basta o contrato para se constituir ou transferir um direito real. O atual Código Civil mantém esta tradição".
(xlii) Ora, como decorre de jurisprudência firmada, por exemplo, no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 12-03-1998 "No moderno direito dos contratos, o princípio da consensualidade não significa que tenha de se provar um acordo expresso e declarado de vontades: não se provando declarações de vontade 'expressis verbis', o comportamento das partes, nomeadamente se prolongado no tempo, pode bastar”.
(xliii) Por esse motivo, o comportamento corporizado na emissão das faturas foi suficiente para que, na Decisão Recorrida, se tivesse considerado provada a transmissão da propriedade dos veículos.
(xliv) Inexistindo, para a transferência dos bens aqui em causa - viaturas automóveis - exceção legalmente prevista, a transferência do direito real dá-se por mero efeito do contrato, sem necessidade de nenhum ato material ou publicidade.
(xlv) Pelo que a apresentação das faturas é comportamento bastante para provar a celebração do contrato, in casu, de compra e venda das viaturas, à luz da Lei e jurisprudência vigentes.
(xlvi) Julgamos advir deste claro erro sobre o qual labora a Ar, tudo quanto expende sobre o pretenso erro de julgamento em que incorreu o tribunal arbitral.
(xlvii) O Tribunal Arbitral firmou, ao abrigo do quadro legal vigente e do princípio da livre apreciação da prova consagrado no ordenamento jurídico português, a sua convicção sobre a matéria de facto e aos factos provados aplicou o Direito.
(xlviii) Subsumindo a matéria de facto nas normas vigentes.
(xlix) Não se antevê, portanto, qualquer erro de julgamento que inquine a Decisão Arbitral Recorrida, pelo que o presente Recurso deve ser julgado improcedente, por não provado.

Notificado, o Ministério público emitiu o seguinte parecer:
(…)
A decisão arbitral é susceptível de recurso para o STA, ao qual é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência (art. 25° nºs 2 e 3 DL nº 10/2011, 20 janeiro; art.152° CPTA)
O único requisito explicitamente exigido para a admissão do recurso é a existência de contradição entre a decisão arbitral e o acórdão fundamento, sobre a mesma questão fundamental de direito.
A identidade exigível da questão fundamental de direito pressupõe identidade dos pressupostos fácticos e jurídicos e ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica aplicável nas decisões em confronto.
A oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas subjacentes, entendida não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.
A expressão questão fundamental de direito inculca a primordial importância da sua análise, exigindo ponderação pelo tribunal dos argumentários contrastantes produzidos pelas partes sobre a questão específica, com expressão em pronúncia explícita impregnada de poder tendencialmente persuasório, não bastando mera pronúncia implícita ou consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta Só deve ser considerada fundamental a questão de direito de cuja resolução dependa, ainda que apenas mediatamente, a decisão final do acórdão.
Referência jurisprudencial: acórdãos STA-SCT Pleno 21.04.2016 processo n° 62/16; 15.10.2014 processo n° 1868/13; 26.03.2014 processo n° 865/13; 22.01.2014 processo n° 1106/13; 5.06.2013 processo nº 191/13; 5.06.2013 processo nº 180/12).
(…)
Questão jurídica fundamental de direito:
Ilisão da presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário (art. 3° nº 1 Código do Imposto Único de Circulação).
Sem reserva aderimos à argumentação da recorrida, condensada nas conclusões viii)/xxiii) das contra-alegações de recurso (fls.83/85), apontando no sentido da inexistência de soluções antagónicas sobre a mesma questão fundamental de direito; antes radicando os distintos sentidos das decisões em confronto em diferentes valoração da prova produzida nos respectivos processos, no exercício do poder de livre apreciação que ao tribunal é conferido (art.607º, nº 5 CCivil).
No sentido de inexistência de oposição relevante sobre a questão fundamental de direito sob análise, com invocação do mesmo acórdão fundamento, pronunciou-se o recente acórdão STA Pleno SCT 6.07.2016 processo nº 63/16.
CONCLUSÃO: O recurso deve ser julgado findo.

Cumpre decidir.

Na decisão recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
i) O objecto social da Requerente consiste no financiamento de aquisições a crédito de bens de consumo e equipamentos (locação financeira e crédito), bem como na actividade de Aluguer de Longa Duração (ALD) de veículos automóveis sem condutor, de motociclos e de barcos.
ii) No âmbito da actividade que desenvolve, a Requerente celebra com os seus clientes contratos de aluguer de longa duração e contratos de locação financeira, em cujo termo o veículo é transmitido ao locatário, cujo objecto são viaturas automóveis e, bem assim, contratos de mútuo para aquisição de viaturas automóveis nos quais é estabelecida a seu favor uma cláusula de reserva de propriedade.
iii) As liquidações ora em causa respeitam a imposto cujo facto tributário se verificou, comprovadamente: ou 1) na pendência de contratos de ALD (vd. Quadro n.º 1 e Docs. n.º 4 a 60); ou 2) em momento em que a Requerente era beneficiária de uma cláusula de reserva de propriedade estipulada no contrato de mútuo (vd. Quadro n.º 2 e Docs. n.º 61 a 70); ou 3) em momento em que a Requerente já havia procedido à venda do veículo (vd. Quadro n.º 3 e Docs. n.º 71 a 288); ou 4) em momento que se havia verificado a perda total dos veículos em questão, por sinistro a coberto de contrato de seguro (vd. Quadro n.º 4 e Docs. n.º 289 a 336); ou 5) na pendência de contratos de locação financeira (vd. Quadro n.º 5 e Docs. n.º 337 a 342); ou 6) quanto a veículos objecto de locação financeira que entraram em incumprimento, estando os processos em contencioso e não tendo sido, até à data, recuperados os referidos veículos (vd. Quadro n.º 6 e Docs. n.º 343 a 471).
iv) As liquidações ora em causa ascendem ao montante de €37.734,41, sendo o mesmo repartido, conforme os quadros constantes do ponto 3.º da p.i. da ora Requerente, da seguinte forma: €2966,11 (em resultado de indeferimento parcial expresso da Reclamação Graciosa n.º 3182201304002407, respeitante a 2008, e notificado à Requerente a 6/7/2015); €8526,92 (em resultado de indeferimento parcial expresso da Reclamação Graciosa n.º 3182201504000714, respeitante a 2013 e 2014, e notificado à Requerente a 20/7/2015) [neste valor incluem-se as liquidações de IUC de 2013 e 2014 relativas ao veículo com a matrícula …………….. (que será mencionado na factualidade não provada)]; €9861,89 (em resultado de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa n.º 3182201504001729, respeitante aos anos de 2013 e 2014); €5471,00 (liquidações de IUC respeitantes ao ano de 2014 e referentes ao mês de dezembro desse ano); €10.908,49 (liquidações de IUC respeitantes ao ano de 2015 e referentes aos meses de janeiro, fevereiro e março desse ano).
v) A ora requerente procedeu ao pagamento de todas as liquidações acima referidas.
vi) A cumulação de pedidos subjacente ao presente pedido de pronúncia arbitral tem acolhimento legal, uma vez que, à luz do art. 3.º, n.º 1, do RJAT, e do art. 104.º do CPPT, se verifica, quanto a todos eles, identidade de imposto, circunstâncias e fundamentos de facto e de direito invocados para a sua apreciação e decisão.
3.2. Quanto ao veículo que alegadamente foi devolvido pela Requerente ao respectivo fornecedor (matrícula ………..), por apresentar defeito (v. Quadro n.º 7 e Doc. n.º 472), não se mostra provado, com base no teor do referido Doc. n.º 472, a alegada devolução.
3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v.3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos autos. O facto considerado não provado fundamenta-se na ausência de prova documental demonstrativa da alegação feita.
Nada mais se levou ao probatório.

Por sua vez, no acórdão fundamento fixou-se a seguinte matéria de facto:
1-A firma impugnante é uma sociedade que tem por objecto o aluguer de veículos automóveis, no âmbito da qual celebrou vários contratos de aluguer com os respectivos locatários, tendo estes últimos adquirido as viaturas ao abrigo do direito de opção de compra, no termo final dos respectivos contratos (cfr. documentos de facturação aos clientes juntos a folhas não numeradas do processo de reclamação graciosa apenso);
2-As viaturas em causa encontravam-se registadas no registo automóvel, à data do respectivo aniversário da data de matrícula relativo ao ano de 2008, em nome da impugnante (cfr. factualidade admitida pela impugnante no artº.51 da p.i.; informação da A. Fiscal constante de fls.65 e 66 dos presentes autos; projecto de decisão junto a fls.16 e 17 do processo de reclamação graciosa apenso);
3-Foi efectuada a liquidação oficiosa do imposto pelos serviços competentes da DGI por falta de liquidação do mesmo por parte do s.p., da qual foi deduzida reclamação graciosa que mereceu decisão de indeferimento de 28/02/2013, com fundamento na informação dimanada dos serviços, tudo conforme consta de fls.20 e 21 do processo de reclamação graciosa apenso (cfr.relação dos actos tributários relativos ao ano de 2008 constante de fls.14 e 15 do processo de reclamação graciosa apenso);
4-A reclamação graciosa referida supra foi fundamentada na caducidade do direito de liquidação do imposto, o qual mereceu projecto de decisão de indeferimento, tendo o reclamante apresentado requerimento no exercício do direito de audição em que sustenta que já não era o s.p. do tributo em relação às viaturas aí identificadas, por já não ser proprietário dos veículos a que a mesma dizia respeito no ano a que se reporta a exigibilidade do imposto e por força dos contratos de aluguer que havia celebrado com os locatários e em cujo termo foi exercido a opção de compra das viaturas, assim como da declaração de perda de dois veículos por sinistro e furto (cfr. requerimentos apresentados pela reclamante constantes do processo de reclamação graciosa apenso).
5-A impugnante, “ .... L.da.”, é uma sociedade que tem por objecto o aluguer de veículos automóveis e a prestação de serviços conexos (cfr. factualidade admitida no artº.47 da p.i.);
6-A impugnante emitiu facturas relativas à venda dos veículos a que dizem respeito as liquidações de I.U.C. impugnadas (cfr. documentos de facturação aos clientes juntos a folhas não numeradas do processo de reclamação graciosa apenso);
7-A impugnante registou na sua contabilidade o montante do preço relativo às facturas emitidas e em dívida pelos adquirentes (cfr. notas de débito juntas a folhas não numeradas do processo de reclamação graciosa apenso).

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido, para o que se seguirá o que já se disse no acórdão datado de 06.07.2016, recurso n.º 063/16.
Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o prosseguimento para conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito e bem assim a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção.
Verificados aqueles pressupostos, haverá que conhecer do mérito do recurso.
Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso
Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.
Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul invocado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após - caso seja de reconhecer a existência de tal oposição -, se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).
Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento é exigível «que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)».
Vejamos se tais pressupostos se verificam no caso dos autos.
A decisão arbitral recorrida julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando os actos de liquidação de IUC respeitantes a todos os veículos identificados nos autos referentes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, anulando-os e condenando a AT ao reembolso do imposto pago e ao pagamento de juros indemnizatórios, no entendimento de que o artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, consagra uma presunção ilidível de que os proprietários dos veículos – sujeitos passivos do imposto – são as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados, presunção esta que foi julgada ilidida pelos meios de prova apresentados pela Requerente, julgados adequados e capazes de ilidir a presunção decorrente do registo, julgando provado - com base nas facturas de venda e nos termos de responsabilidade, nos quais os adquirentes dos veículos confirmam a compra -, que os veículos haviam sido vendidos pela Requerente em momento anterior ao da exigibilidade do imposto, razão pela qual entendeu que as liquidações de IUC efectuadas à Requerente enfermavam de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.
O Acórdão fundamento, por seu turno, concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública de sentença que julgara procedente impugnação de IUC, revogando a sentença na parte em que julgara procedente a impugnação e anulara as liquidações sindicadas, julgando, ao invés, improcedente a impugnação. Consignando, embora, que o artº.3, nº.1, do C.I.U.C., consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do artº.73, da L.G.T., entendeu igualmente que a ilisão da presunção obedece à regra constante do artº.347, do C.Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, não bastando à parte contrária opor a mera contraprova (…), antes lhe cabendo provar que não era proprietária dos veículos em causa no período a que dizem respeito as liquidações impugnadas, o que não logrou fazer através dos meios de prova que apresentou – facturas e notas de débito -, dado tratar-se de meros documentos particulares e unilaterais, cuja emissão não supõe a intervenção da contraparte no alegado acordo, assim tendo um reduzido valor para provar a existência de um contrato sinalagmático, como é a compra e venda.
Os arestos em confronto consignam, ambos, que o artigo 3.º, n.º 1 do Código do Imposto Único de Circulação, consagra uma presunção legal, ilidível, de que é proprietário do veículo quem como tal figure no registo, mas deram resposta divergente à questão de saber se, nos autos respectivos, fora ou não ilidida tal presunção, resposta esta afirmativa, no caso da decisão arbitral recorrida, e negativa, no caso do acórdão fundamento, sendo o diverso juízo afirmado num e noutro baseado na diversa apreciação dos parcialmente diversos meios de prova apresentados pelos requerentes/impugnantes nos respectivos juízos.
É certo que o acórdão fundamento consigna que a presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, porque decorrente do registo, apenas poderia ser afastada por prova em contrário, nada tendo consignado a decisão arbitral recorrida a tal respeito, sendo certo que, contrariamente ao alegado, os meios de prova que apreciou não se consubstanciam apenas nas facturas de venda, mas também nos termos de responsabilidade emitidos pelos adquirentes dos veículos, razão pela qual não é sério dizer que os elementos de prova eram, também neste caso, unilaterais, no sentido de que emitidos pelo próprio alienante.
Não há, por isso, quanto à prova requerida para ilidir a presunção, divergência, ao menos expressa, sobre a questão.
Daí que, como bem assinalado pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, se entenda que o que está em causa é uma diferente avaliação e valoração da prova, tendo em vista a elisão da presunção do artigo 3.º/1 do CIUC e não uma contradição sobre a mesma questão fundamental de direito.

Conclui-se, pois, não haver entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, razão pela qual não deve o presente recurso prosseguir.

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.
Custas pela recorrente.
Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 14 de Dezembro de 2016. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Maria da Fonseca Carvalho – Pedro Manuel Dias Delgado.