Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0288/13
Data do Acordão:03/13/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:GARANTIA
AUDIÇÃO PRÉVIA
DISPENSA DE AUDIÇÃO
DECISÃO
Sumário:Independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do ato de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia) – ato materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou ato predominantemente processual – é de concluir que não há, no caso, lugar ao exercício do direito de audiência previsto no artº. 60º da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P15446
Nº do Documento:SA2201303130288
Data de Entrada:02/22/2013
Recorrente:A......, LDA
Recorrido 1:INSTITUTO DA VINHA E DO VINHO, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. A………, Ldª, com os demais sinais nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Viseu que julgou totalmente improcedente a sua reclamação deduzida contra decisão do órgão de execução fiscal que lhe indeferiu o pedido de dispensa de garantia, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

A) O presente processo respeita a uma reclamação apresentada pela A……… contra o indeferimento, por parte do Serviço de Finanças de Tondela, de um pedido de dispensa de prestação de garantia em que não foi realizada a audição do contribuinte prévia a esse indeferimento, em violação do disposto nos artigos 267.°, n.° 5, da CRP, 60.° da LGT e 45.° do CPPT.

B) A sentença recorrida (acolhendo e transcrevendo o teor do Acórdão deste STA de 26.09.2012) acompanha a corrente que qualifica o ato de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia como um ato de natureza administrativa - cfr., em particular, páginas 31 e 33 da sentença aqui posta em crise.

C) Consubstanciando a decisão de indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia um ato administrativo em matéria tributária e, como tal, sujeito ao regime previsto na LGT para os procedimentos tributários (e, em particular, ao princípio da participação contido no artigo 60.° do mesmo diploma), não se pode aventar, no modesto entendimento da A………, a possibilidade da sua não observância ou simples dispensa, como acabou por concluir o Tribunal a quo.

D) Não parece ser legalmente admissível recorrer a uma possibilidade de dispensa de audição prévia prevista ou (i) num regime de aplicação supletiva (in casu, o regime previsto no CPA) ou (ii) num regime criado ad hoc (em concreto, um regime resultante da consideração de que o requerimento de dispensa de garantia, por dever ser fundamentado e instruído com prova, consubstancia, em si, a audição prévia do interessado), quando a própria Lei Geral Tributária não se mostra omissa quanto à matéria.

E) A aplicação do Código de Procedimento Administrativo às relações jurídico-tributárias, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 2.° da LGT, mostra-se de caráter supletivo: é a Lei Geral Tributária que se aplica em primeira linha à solução das questões postas ao intérprete-aplicador, só sendo legítimo o recurso aos restantes diplomas enunciados no artigo 2.° da LGT em caso de lacuna da mesma Lei.

F) A Lei Geral Tributária não contém qualquer lacuna quanto ao exercício de audição prévia ao indeferimento de um pedido de dispensa de garantia, que possibilite ou autorize o recurso a regimes especiais previstos em legislação subsidiária ou interpretativamente criados para a situação concreta. Bem pelo contrário: a LGT claramente ordena que previamente ao indeferimento de um pedido apresentado pelo contribuinte à Administração Fiscal - como vem a ser um pedido de dispensa de prestação de garantia - seja aquele ouvido e convidado a participar na formação da decisão final - cfr. artigo 60.°, n.° 1, alínea b), da LGT -, sendo que os nºs 2 e 3 do mesmo artigo 60.° da LGT vêm indicar, perentoriamente, as situações em que poderá ocorrer a dispensa de audição prévia no âmbito das relações jurídico-tributárias, nos quais não se inclui o indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia.

G) Ao fazer-se apelo a um regime previsto no Código de Procedimento Administrativo (ou mesmo a um regime que decorre da interpretação de que a própria petição fundamentada afastará a audição prévia) para justificar a possibilidade de dispensa de audição prévia no caso, está-se, em bom rigor, a revogar semelhante disposição da Lei Geral Tributária, aditando-lhe outras possibilidades de dispensa de audição prévia, que o legislador fiscal manifestamente não consagrou.

H) Ainda que se aceitasse a aplicação subsidiária da possibilidade de dispensa de audiência prévia, prevista no CPA para os casos em que a decisão se mostra urgente, às situações de indeferimento de pedido de dispensa de garantia - no que não se concede -, sempre importará notar que a urgência da decisão invocável para justificar esta dispensa de audiência prévia em procedimentos administrativos «não são razões ligadas com a necessidade de cumprimento do prazo legal de conclusão do processo ou com a necessidade de prevenir o aparecimento de atos tácitos que podem ser invocadas para justificar o preenchimento do pressuposto da urgência da decisão.» - cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, op cit.

I). Ao contrário do que se verifica na situação dos autos, a urgência da decisão deverá ser justificada e fundamentada por referência à situação material existente, devendo resultar objetivamente do ato e das suas circunstâncias (cf., neste sentido, Ac. STA de 28-05-2002, proc. 048378, disponível em www.dgsi.pt, não já por referência à situação procedimental de cumprimento de determinado prazo estipulado para a conclusão do procedimento, que vem a ser, afinal, a justificação em que se escuda o Tribunal a quo (acolhendo o teor do mencionado Acórdão deste Venerando STA) para considerar que este regime da dispensa de audiência prévia nas decisões urgentes dos procedimentos administrativos deverá ser aplicado ao pedido de dispensa de prestação de garantia em causa nos autos.

J). Por outro lado, não poderá igualmente colher o entendimento de que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando as razões que a justificam e juntando os respetivos elementos de prova documental, acabe por desempenhar a função de audição prévia do contribuinte ou por precludir a necessidade de realização da mesma, no sentido de atenuar «a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça» - cfr. Ac. STA de 26.9.2012, reproduzido na página 32 da sentença recorrida.

K). Se assim fosse, em todas as situações de apresentação de um pedido ou petição devidamente fundamentados e instruídos com prova documental à Administração Tributária, teria de se aplicar esta interpretação de que semelhante petição inicial daquele procedimento jurídico-tributário precludia a necessidade de realização de audição prévia, pelo que os contribuintes, sempre que apresentassem tais petições devidamente fundamentadas e instruídas com prova documental, não teriam a possibilidade de, previamente ao respetivo indeferimento pela Administração Tributária, virem participar na formação da decisão e, assim, virem obviar a eventuais erros por parte da Administração e contribuir para o cabal esclarecimento dos factos.

L). Por outro lado, apesar de o pedido de dispensa de prestação de garantia dever ser instruído, nos termos legais, com a prova documental necessária (cfr. artigo 170°, n.° 3, do CPPT), é certo que com esta referência a «prova documental necessária», o legislador não está a excluir outros meios de prova admitidos em Direito, o que redundaria numa restrição materialmente inconstitucional, nas situações em que esses outros meios de prova se mostram imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo contribuinte no seu pedido de dispensa.

M). São cogitáveis situações em que os factos alegados pelo contribuinte para demonstrar, por exemplo, a falta de culpa na insuficiência de bens para prestar garantia ou o prejuízo irreparável que lhe advirá da prestação de uma garantia, não se alcançam unicamente através de meios documentais, carecendo-se, por exemplo, de prova testemunhal.

N). A prova dos requisitos de que depende a dispensa de prestação de garantia poderá - e muitas vezes, apenas poderá - ser feita por recurso a outros meios de prova que não a documental - em especial tratando-se de prova de um facto negativo -, pelo que não deverá vingar o entendimento de que a petição inicial de dispensa de garantia desempenhe já a função de audição prévia do contribuinte ou precluda automaticamente a necessidade de realização dessa audição prévia, pois terão lugar diligências instrutórias e poderão surgir novos elementos sobre os quais o contribuinte nunca se pronunciou, em violação, inclusivamente, do princípio do contraditório em matéria de procedimento e processo tributário consagrado no artigo 45.° do CPPT.

O). O contribuinte tem a possibilidade legal (e constitucional) de, conhecendo a apreciação da Administração Tributária feita sobre as provas apresentadas e/ou produzidas no procedimento de dispensa de prestação de garantia, vir juntar novos elementos e sobre as mesmas se pronunciar.

P). Esta é a solução que se impõe no apuramento da verdade material e cabal esclarecimento dos factos alegados que incumbe à Administração Tributária e, bem assim, a solução que mais se coaduna com o preceituado no n.° 5 do artigo 267.° da CRP e no artigo 45.° do CPPT.

Q). No caso concreto dos autos, a necessidade, razoabilidade e utilidade da realização da audição prévia é manifesta:
Por um lado, o fundamento apontado, no despacho do OEF que dá causa aos autos, para indeferir o pedido de dispensa de prestação de garantia em causa foi a «falta de produção de prova». Ora, em sede de audição prévia, poderia a A……… ter obviado, mediante a junção dos elementos de prova que a Administração reputava por necessários, a essa decisão tomada com fundamentos meramente formais, que em nada contribui para a realização, administrativa, da justiça e que se revela não adequada e não proporcional.
Por outro lado, ainda no caso concreto, o argumento que se funda no curto prazo de 10 dias do procedimento para afastar a necessidade ou possibilidade legal de audição prévia a esse indeferimento, é particularmente inexpressivo, pois que o pedido de dispensa de prestação de garantia foi apresentado pela A……… em 14 de outubro de 2011 (cf. ponto n.° 4 da matéria de facto dada como provada) e Veio a ser decidido, apenas, por ofício de 5 de janeiro de 2012, volvidos quase 3 meses da respetiva apresentação (cf. ponto n.° 7 dos factos provados).

R). Se a lei prevê um prazo que, na prática, é meramente ordenador ou disciplinador, e que, no caso dos autos (que é o que aqui nos interessa) foi largamente incumprido, não se aceita que se retire a conclusão de que, in casu, a atribuição do caráter urgente que possibilita, na teoria acolhida na sentença recorrida, a dispensa da audição prévia com uma aplicação subsidiária do CPA encontre, sequer, justificação material.

S). Não se aceitando embora (conforme supra se fez notar) que o prazo estipulado na lei para a apreciação do pedido de dispensa justifique o afastamento do direito de audição prévia do contribuinte, não poderia, de qualquer modo, em face dos elementos de facto dos autos, ter sido decidido que não haveria lugar à audição prévia da A……… devido à urgência do procedimento, uma vez que o procedimento em causa demorou quase 3 meses a ser decidido!

T). Nos presentes autos, impunha-se determinar a anulação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia por preterição ilegal da audição prévia da A………, ao invés do que o Tribunal a quo decidiu, violando o disposto nos artigos 267º, nº 5, da CRP, 60º da LGT e 45º do CPPT.

Termos em que, deve o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida.

II. Em contra-alegações veio o recorrido concluir:

A) A Recorrente insiste que foi ilegalmente preterido o direito de audição prévia ao indeferimento do pedido de dispensa de prestação previsto no artigo 60.° da LGT.

B) O ato de indeferimento do pedido de isenção da prestação de garantia, não obstante praticado por um órgão administrativo, consubstancia um verdadeiro ato processual ou judicial e não um ato meramente procedimental ou administrativo — cfr. Acórdão do STA de 7 de março de 2012, proferido no processo n.° 0185/12, em que foi relator o Juiz Conselheiro Lino Ribeiro.

C) Tendo natureza judicial, aos atos praticados no âmbito dos processos de execução fiscal não são de aplicar as regras do procedimento tributário, designadamente a prevista no artigo 60.° da LGT, cuja violação é alegada nos presentes Autos pela Recorrente.

D) Ainda que se defenda uma posição segundo a qual a decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia deve qualificar-se como um verdadeiro ato administrativo em matéria a tese da Recorrente não pode proceder.

E) O princípio da participação dos interessados no procedimento administrativo, de que é manifestação o artigo 60.° da LGT, comporta necessariamente exceções que se encontram previstas na Lei.

F) O processo de execução fiscal, se não processualmente urgente, deve pelo menos ser considerado como materialmente urgente na medida em que o artigo 177.°, do CPPT estipula que este deve extinguir-se no prazo de um ano contado da sua instauração «salvo causas insuperáveis, devidamente justificadas» (cit.).

G) A urgência do processo de execução fiscal, está ainda patente nos curtos prazos definidos no artigo 170.°, do CPPT e especificamente no n.° 4 daquele preceito onde é imposto um prazo de 10 dias para que seja proferida decisão relativamente ao pedido de dispensa de prestação de garantia.

H) O artigo 103.°, n.° 1, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do artigo 2.°, alínea c) da LGT, prevê que, estando em causa a tomada de uma decisão urgente, a audição prévia do administrado seja afastada, pelo que a preterição da audição prévia no caso concreto, não consubstancia qualquer ilegalidade suscetível de conduzir à anulação da decisão recorrida — cfr. Acórdão deste venerando Tribunal de 23 de fevereiro de 2012, proferido no processo n.° 059/12, no qual foi relatora a Juiz Conselheira Dulce Neto.

I) “Ainda que não se aceite a aplicabilidade da referida norma do CPA, o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando todas as razões que, no seu entender, a justificam, e ao qual é obrigado a juntar logo todos os elementos de prova, desempenha já a função de audiência prévia, não havendo que chamá-lo novamente a participar na formação da decisão dada a regra geral contida no n.° 3, do artigo 60.° da LGT, quando aplicada a todos os procedimentos tributários que culminem com um ato final lesivo, seja ele ou não um ato de liquidação» — cfr. Acórdão de 23 de fevereiro de 2012, proferido no processo n.° 059/12, no qual foi relatora a Juiz Conselheira Dulce Neto (cit.).

J). No mesmo sentido do Acórdão citado, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de junho de 2012, proferido no processo n.° 625/12, 9 de maio de 2012, proferido no processo n.° 446/12, de 23 de maio de 2012, proferido no processo n.° 489/12 e de 26 de setembro de 2012, proferido no processo n.° 708/12.

K). Perante os parcos factos colocados à consideração do órgão de execução fiscal - que incluíram somente uma série de considerações genéricas sobre a situação financeira da Recorrente, sem qualquer suporte probatório associado, este limitou-se a aplicar o Direito em vigor...

L). Mesmo que pudesse considerar-se ter havido preterição indevida da audição do contribuinte - o que apenas por dever de patrocínio de concebe, e sem conceder - o ato de indeferimento do pedido de prestação de garantia sempre poderia ser aproveitado.

M). «Um ato tributário inválido por preterição de audição prévia pode ser aproveitado pelo juiz se houve a convicção de que, anulado o ato, virá a ser praticado outro com conteúdo idêntico» - cfr. Acórdão do STA de 12 de abril de 2012, proferido no processo n.° 0896/11, em que foi relator o Juiz Conselheiro Lino Ribeiro (cit.).

N). Como resulta provado nos Autos, a Recorrente é executada em inúmeros processos, todos pendentes no serviço de finanças de Tondela, tendo a Recorrente apresentado, massiva e recorrentemente pedidos de dispensa de prestação de garantia.

O). Em todos esses casos - mesmo naqueles em que o chefe de finanças entendeu ouvir a Recorrente de tomar a decisão final, note-se - os pedidos de dispensa foram instruídos com a mesma prova e indeferidos com base na não demonstração dos pressupostos de que depende essa mesma dispensa, tendo a validade material dos atos de indeferimento sido confirmada pelo TAF de Viseu em primeira instância e pelo TCA Norte em segunda instância.

P). A título de exemplo entre muitos outros possíveis - a Recorrente é executada em dezenas de processos com o mesmo objeto, apresentando pedidos, vejam-se os processos de reclamação judicial n.os 534/10.9BEVIS, 157/11.5BEVIS, 405/10.9BEVIS e 502/10.0BEVIS, no âmbito dos quais o TAF de Viseu e o TCA Norte, confirmaram a validade material dos atos de indeferimento dos pedidos de dispensa de prestação de garantia apresentados pela ora Recorrente junto do Serviço de Finanças de Tondela.

Q). Atendendo ao volume de processos de natureza semelhante e instruídos de igual forma pela Recorrente que conheceram desfecho idêntico junto do órgão de execução fiscal, do TAF de Viseu e do TCA Norte, com toda a probabilidade, o chefe de finanças de Tondela, confrontado com a anulação do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia por preterição de audição prévia à decisão subjacente aos presentes Autos, proferiria despacho com idêntico conteúdo após essa mesma audição.

R). A luz dos factos, o ato de indeferimento reclamado deve ser aproveitado ainda que venha a considerar-se ter havido preterição indevida do direito de audição prévia previsto no artigo 60.° da LGT.

Termos em que a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser mantida no que respeita ao indeferimento da pretensão da Recorrente em ver dispensada a prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal em que é executada, com as devidas consequências legais.

Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA!

III. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 803/805, no qual defende a improcedência do recurso.

IV. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os factos constantes de fls. 711/731 que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

V. Cumpre agora decidir.

A única questão a conhecer nos autos, de acordo com as conclusões das alegações da recorrente, é a de saber se o indeferimento do seu pedido de dispensa de prestação de garantia deveria ou não ter sido precedido da audição prévia da recorrente.

V.1. Esta questão foi objeto de variados acórdãos deste STA, tendo por acórdão de 26.09.2012, proferido no Processo nº 708/12 em julgamento ampliado de recurso sido fixado o seguinte entendimento:

“Independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do ato aqui em causa (indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia) – ato materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou ato predominantemente processual – é de concluir que não há, no caso, lugar ao exercício do direito de audiência previsto no art. 60º da LGT”.

Para assim decidir, este Supremo Tribunal louvou-se na seguinte argumentação:

“3.2. A questão da aplicabilidade deste preceito face a pedido de dispensa de prestação de garantia não tem tido uma resposta uniforme da jurisprudência, como dá nota a decisão recorrida.
É que, embora se aceite, sem discrepância, a natureza judicial do processo de execução fiscal e a constitucionalidade da atribuição de competência à AT para a prática de atos de natureza não jurisdicional no processo de execução fiscal (sem prejuízo da possibilidade de recurso (reclamação) para os Tribunais Tributários de quaisquer atos praticados pela mesma AT [cfr. os acs. desta Secção do STA, de 23/5/2012, rec. 489/12, de 9/5/2012, rec. 446/12, de 23/2/2012, rec. 59/12, de 7/2/2011, rec. 1054/11, de 2/2/2011, rec. 8/11, bem como, os acs. do Tribunal Constitucional, nº 80/2003, de 12/2/2003 (in DR nº 68, II Série, de 21/3/2003, pp. 4526 e ss.) nº 152/2002, de 17/4/2002 (in DR nº 125, II Série, de 31/5/2002, pp. 10338 e ss.) e nº 263/02, de 18/6/2002 (in DR nº 262, II Série, de 13/11/2002, pp. 18786 e ss.) e os acs. do STA, de 20/2/2008, rec. nº 999/07, de 16/6/2004, rec. nº 367/04, de 2/5/2001, rec. nº 25027 e de 19/2/92, recs. nºs. 13763 e 13830], já, no que tange à natureza do ato aqui em questão (indeferimento do pedido de isenção de garantia - arts. 170º do CPPT e 52º nº 4 da LGT), não tem havido unanimidade (Esta divergência jurisprudencial não será alheia à particular natureza do processo de execução fiscal. Veja-se que, por exemplo, Casalta Nabais aponta que «muito embora a LGT, no seu art. 103°, disponha que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, o certo é que estamos perante um processo que é judicial só em certos casos e, mesmo nesses casos, apenas em parte, já que um tal processo só será judicial se e na medida em que tenha de ser praticado algum dos mencionados atos de natureza judicial.» (cfr. Direito Fiscal, 5ª ed., Almedina, 2009, p. 341).) de posições: sustenta-se, por um lado, que estamos perante a prática de um ato predominantemente processual e relativamente ao qual, por isso, não se aplicam as regras do procedimento tributário, designadamente a regra constante do art. 60º da LGT (cf. o ac. de 7/3/2012, rec. 185/12) e, em contrário, argumenta-se, por outro lado, que esse ato se configura como ato administrativo praticado por órgãos da AT no âmbito do processo de execução fiscal (como sucederá, por exemplo, também com as decisões de suspender um processo de execução fiscal (art. 169º) e/ou de apreciar pedidos de pagamento em prestações (art. 196º) ou dação em pagamento (art. 201º, todos do CPPT). De acordo com este último entendimento, tais atos poderão ser definidos como atos materialmente administrativos em matéria tributária e não como meros atos de trâmite, uma vez que não se confinam nos estreitos limites da ordenação intraprocessual ou de mera regulamentação processual, antes projetam externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (cfr. art. 120º do CPA, e na jurisprudência, os acs. deste STA, de 14/12/2011, rec. nº 1072/11, de 2/2/2011, rec. nº 8/11).
E, a nosso ver, é de aceitar esta posição, pois que, confrontada a natureza dos atos que estão compreendidos nas hipóteses normativas acima transcritas, nomeadamente o pedido de dispensa de garantia previsto nos arts. 170º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 52º nº 4 da Lei Geral Tributária com a formulação habitualmente usada para atribuição à administração de poderes discricionários ou em cujo exercício é admissível uma margem de livre apreciação, é inquestionável que tais atos haverão de ser qualificados como verdadeiros atos administrativos em matéria tributária e não como meros atos de trâmite. (Neste sentido parece apontar, igualmente, Casalta Nabais, quando refere que, nos termos do art. 151° do CPPT, cabe aos Tribunais Tributários «decidir os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e verificação dos créditos, a anulação da venda e as reclamações dos atos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da administração tributária em sede da execução fiscal» (ob. cit. p. 253, bem como pp. 340/341).
Também a justificar a natureza administrativa (ato administrativo em matéria tributária), alguma doutrina (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, 4ª ed., 2012, Editora Encontro de escrita, p. 429, anotação 11 ao art. 52º) pondera que “O texto do nº 4 do art. 52º da LGT, na parte em que se refere que «a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia…», utiliza a fórmula habitualmente usada para atribuição à administração de poderes discricionários ou em cujo exercício é admissível uma margem de livre apreciação. Por outro lado, é claro por aquele texto que se trata de um poder que é atribuído à administração tributária, enquanto tal, pelo que não pode ser exercido pelo tribunal em substituição daquela, tendo a atividade deste de resumir-se à verificação de ofensa ou não dos princípios jurídicos que condicionam toda a atividade administrativa e será um controle pela negativa, não podendo o tribunal substituir-se à Administração na ponderação dos valores que se integram nessa margem”. )

3.3. Todavia e não obstante esta conclusão, a mais recente jurisprudência desta Secção de Contencioso Tributário do STA tem também vindo a acentuar, de forma dominante, que não há lugar, neste caso, ao exercício do direito de audiência previamente à decisão do pedido de prestação de garantia, porque a isso obsta a natureza urgente que o legislador atribuiu ao respetivo procedimento – nº 4 do art. 170º do CPPT (cfr. os citados acs. de 20/6/2012, rec. nº 625/12, de 9/5/2012, rec. nº 446/12, de 23/5/2012, rec. nº 489/12 e de 23/2/2102, rec. nº 59/12). (O ora relator subscreveu, aliás, o acórdão de 23/5/2012, no recurso nº 489/12, apondo declaração de voto no sentido de revisão da primitiva posição sufragada no anterior acórdão de 14/12/11, rec. nº 1072/11 (que é referenciado pelo recorrente para apoiar a sua alegação – cfr. Conclusões XXI a XXIX) quanto à aplicação do regime do art. 103º do CPA, ou seja, no sentido de que, face à urgência objetiva de prolação da respetiva decisão, revelada pelo art. 170º do CPPT, deve apelar-se ao regime contido no CPA, cujo art. 103º, nº 1, estabelece que não há lugar a audiência dos interessados «quando a decisão seja urgente», por força da aplicação subsidiária desta norma em conformidade com o disposto no art. 2º, al. c), da LGT.)
E, na verdade, a natureza urgente que o legislador atribuiu ao procedimento previsto no art. 170º do CPPT é de configurar como circunstância que, pela sua excecionalidade e pela incompatibilidade com a duração mínima da audiência de interessados, justifica a preterição daquela formalidade, de acordo com o disposto na al. a) do nº 1 do art. 103º do CPA (aplicável por força da al. c) do art. 2º da LGT), sendo que tal situação de urgência (determinante da não audiência dos interessados) ocorre quando haja de se prosseguir determinada finalidade pública em que o fator tempo se apresente como elemento determinante e constitutivo e seja impossível ou, pelo menos, muito difícil, cumpri-la através da observância dos procedimentos normais.
Ora, sendo certo «que o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes dizem respeito tem de ser norteado pelo princípio superior da salvaguarda dos seus direitos ou interesses legítimos na feitura de uma decisão que se deseja correta, não o é menos que tal exercício não deve criar obstáculos a situações objetivas de urgência legal, razão por que se impõe observar, também nos procedimentos tributários de caráter urgente, a norma que prevê a dispensa de audição contida no referido artigo 103º, nº 1, alínea a), do CPA.
No caso vertente, o curtíssimo prazo concedido à administração tributária para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a sua pretensão, denuncia objetivamente o caráter urgente deste procedimento tributário, onde o tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, de obviar ao sumiço de bens que possam garantir o pagamento integral da dívida exequenda, assim se justificando a não observância da formalidade prescrita no artigo 60º da LGT, ao abrigo do disposto na alínea a), do n° 1, do artigo 103° do CPA, face à aplicação subsidiária das normas do CPA ao procedimento tributário» (citado ac. de 23/2/2012, rec. nº 59/12).
A prescrição de um prazo imperativo tão curto, associado à preocupação do legislador em estabelecer que do pedido devem constar as razões de facto e de direito em que se baseia a pretensão e que o mesmo deve ser instruído com a prova documental pertinente, apontam no sentido de a AT ser chamada a decidir apenas com base nos elementos que lhe forem aportados pelo executado, recaindo sobre ele o ónus de instruir o procedimento com todos os elementos necessários à formação da decisão pela AT. Ou seja, é de concluir que o legislador, tendo em conta a forma como regula os elementos que devem constar do requerimento e o prazo exíguo para a resposta da AT, não quis deliberadamente assegurar o direito de audiência.
Neste sentido, Diogo Leite de Campos, et all., anotam que o prazo de decisão extremamente curto previsto no nº 4 do art. 170º do CPPT impõe a conclusão que não é legalmente assegurado o direito de audiência prévia nos casos de decisão sobre a dispensa de prestação de garantia: “A inviabilidade prática de assegurar o direito de audição do requerente da prestação de garantia nos termos previstos na LGT reconduz-se a que se esteja perante mais um caso em que, implicitamente, se estabelece que não há direito de audição, caso este que, aliás, até se enquadra sem esforço apreciável na alínea a) do nº 1 do art. 103º do CPA, em que se afasta o direito de audição prévia «quando a decisão seja urgente»: no caso em apreço, o facto de se estabelecer um prazo imperativo de 10 dias para decisão, é uma manifestação explícita de que, na perspetiva legislativa, se está perante uma situação em que se impõe uma decisão urgente, pelo menos suficientemente urgente para justificar o afastamento da audição prévia, como resulta da inviabilidade de o assegurar nos termos previstos na lei”. (Loc. cit., pp. 429/430, anotação 12 ao art. 52º, pp. 429/430 e anotação 12 ao art. 60º, pp. 512/513.)
Em suma, no caso vertente, a exclusão de audiência do requerente no âmbito do procedimento aqui em causa, encontra fundamentos objetivos de justificação na própria urgência da prolação da decisão, atendendo, desde logo, à natureza e características da execução (celeridade e simplicidade, que interessam, normalmente, ao credor que promove a execução), sendo que a premência do credor ganha aqui especial acuidade com a circunstância de o requerimento de isenção de prestação da garantia poder redundar em efeito suspensivo sobre a execução, aumentando o risco de poderem ser dissipados bens que o credor pretende executar.
E cabendo ao executado carrear para o procedimento todos os elementos, incluindo provas e demais informações, necessários ao êxito da sua pretensão [incluindo os necessários à demonstração do prejuízo irreparável, concretizando-o e indicando «as razões que o levam a crer que existe uma séria probabilidade de ele poder vir a ocorrer se ele não for dispensado da prestação de garantia» (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, Vol. III, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 4 a) ao art. 170º, p. 232). No mesmo sentido cfr. o citado ac. desta Secção do STA, de 23/2/2012, proc. nº 59/2012.)] ele mesmo contribui para a definição do objeto do procedimento, atenuando a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça, o que também acentua o sentido da diminuição da relevância deste direito nestes casos de decisão sobre a dispensa de prestação de garantia.

3.4. Por outro lado e de todo o modo, a entender-se que estamos perante mero ato predominantemente processual, também não haverá lugar a direito de audiência prévia, já que à formação desse ato processual não se aplicam as regras do procedimento tributário, designadamente a do art. 60º da LGT (cfr. o citado ac. de 7/3/2012, rec. nº 185/12).

3.5. Em suma, independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do ato aqui em causa (indeferimento do pedido de isenção de garantia) – ato materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou ato predominantemente processual, é de concluir que não há, neste caso, lugar a exercício do direito de audiência (art. 60º da LGT) falecendo, pois, a argumentação do recorrente e sendo de confirmar, com a presente fundamentação, a sentença recorrida, na parte em que assim decidiu”.

V.2. Não existem agora razões, até porque nenhuma mudança legislativa ocorreu que a tal conduza, para alterar o entendimento fixado no acórdão transcrito que responde a todas as questões suscitadas pela recorrente nas conclusões das suas alegações.

Apenas nos permitimos acrescentar o seguinte relativamente ao afirmado pela recorrente no sentido de que, conhecendo a posição da administração tributária, poderia depois apresentar a prova (testemunhal) em sede de audiência prévia (conclusão da alínea O) ).

Conforme resulta do artº 170º, nº 3 do CPPT o pedido de dispensa de garantia deve ser resolvido no prazo de 10 dias após a sua apresentação, sendo por isso que o nº 2 determina que o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária. Quer isto dizer que ao pedido se segue a decisão, até porque, em geral, e no caso das sociedades, a insuficiência económica se demonstra por documentos.
De todo o modo, ainda que se entenda que também é admissível prova de outra natureza (testemunhal, por exemplo), essa prova terá também de ser logo indicada no pedido.
Assim, ao contrário do afirmado pela recorrente, esta não poderia indicar prova testemunhal na sequência da audição prévia, se a ela houvesse lugar.

Sendo assim, e sem necessidade de mais considerações, o recurso tem de improceder.

VI. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 13 de março de 2013. - Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Pedro Delgado.