Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0903/09.7BESNT
Data do Acordão:02/01/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:PEDRO MCAHETE
Descritores:PLANO DE ORDENAMENTO DO PARQUE NATURAL SINTRA-CASCAIS
OBRAS DE AMPLIAÇÃO
ÁREA DE CONSTRUÇÃO
Sumário:I - O valor da área correspondente ao conceito de área bruta de construção, tal como definido no artigo 4.º, alínea e), do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Nacional de Sintra Cascais (“RPNSC”), é necessariamente inferior ao valor da área total de construção que, nos termos da legislação aplicável, consta dos alvarás de licença de construção.
II - Por isso, a verificação do cumprimento ou incumprimento do limite estabelecido no artigo 20.º, n.º 2, do RPNSC no que respeita à ampliação de obras de ampliação para uso habitacional, que se reporta expressamente à área bruta de construção, em razão da diferença entre a área referida num alvará relativo a obras de ampliação por comparação com a área indicada no alvará de licença relativo à obra a ampliar, assenta num pressuposto errado.
Nº Convencional:JSTA000P31868
Nº do Documento:SA1202402010903/09
Recorrente:MUNICÍPIO DE CASCAIS E OUTROS
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I. Relatório

1. Nos presentes autos de recurso de revista vindos do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), vem o MUNICÍPIO DE CASCAIS recorrer – recurso ao qual aderiu o contrainteressado AA – do acórdão daquele tribunal datado de 21.04.2021, que, concedendo provimento à apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (“TAF de Sintra”) de 7.01.2013, julgou improcedente a ação administrativa especial por aquele intentada tendente à declaração de nulidade do despacho de 30.09.2004 do Presidente da Câmara Municipal de Cascais (“CMC”), e, em consequência, revogou a decisão apelada e declarou a nulidade do ato impugnado.

2. O ora recorrido propôs ação administrativa especial contra o ora recorrente, impugnando a decisão do Presidente da CMC de 30.09.2004, que aprovou a operação de gestão urbanística de legalização de obras de alteração/ampliação, posteriormente titulada pelo Alvará de licença de construção n.º ...04, peticionando a declaração da sua nulidade. Indicou como contrainteressado o ora co-recorrente.
Segundo o autor, na sequência de um primeiro licenciamento da construção de uma moradia (titulado pelo Alvará de licença de construção n.º ...6), o contrainteressado adquiriu dois terrenos contíguos, fez obras de ampliação sem licença prévia e a seguir pediu o licenciamento/legalização das mesmas, as quais, alega, resultaram num imóvel com área bruta de construção superior à permitida pelo artigo 20.º, n.º 2, do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural de Sintra-Cascais, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 1-A/2004, de 8 de janeiro (“RPNSC”; cfr. os artigos 35.º e 36.º da p.i.). Alega ainda que a CMC aprovou as aludidas obras, sem ter em conta o sentido desfavorável do parecer do PNSC, sendo certo que, tratando-se de obras clandestinas, a falta de parecer resultante da sua não receção pela CMC equivale a parecer negativo.
Deste modo, o ato impugnado padeceria de um duplo o vício de violação de lei: a violação dos artigos 9.º, n.º 1, alínea a), e 20.º, n.º 2, ambos do RPNSC, e do artigo 68.º, alíneas a) e c), do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (“RJUE”, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de junho).
Em sentido contrário, invocou o contrainteressado que a moradia não se inseria em área de proteção complementar de tipo I do Plano de Ordenamento do PNSC, mas sim em área urbana (perímetro urbano da Malveira da Serra) e em área de intervenção delimitada (artigo 28.º, n.º 2, alínea g), do RPNSC). Além disso, não só a ampliação licenciada não excedeu os 250 m2 de área bruta de construção, como inexiste – nem era exigível – qualquer parecer emitido pela Comissão Diretiva do PNSC que pudesse ter sido contrariado pelo ato impugnado.
O réu, ora recorrente, também contestou, alegando que o contrainteressado requerera em 15.12.2003 a legalização de obras de alteração ao projeto inicial, licenciado no Proc. n.º 2984/94. Essas obras consistiram na construção de uma piscina e de um anexo/churrasqueira e traduziram-se na ampliação da edificação existente em 225,84 m2 de área bruta de construção, respeitando os princípios inerentes ao projeto inicial, seja na linguagem arquitetónica, seja nos materiais, cores, número de pisos e forma dos telhados.
Sobre o requerimento de 2003 recaiu a Informação de 31.3.2004 segundo a qual o terreno objeto da operação urbanística era composto pelos prédios adquiridos pelo contrainteressado, totalizando a área de 10 283,85 m2. Os serviços técnicos da CMC entenderam que a pretensão teria de ser objeto de parecer da Comissão Diretiva do PNSC, atendendo à aplicação do RPNSC.
Em 5.07.2004, o contrainteressado requereu à CMC o pronunciamento alertando para o decurso do prazo legal de vinte dias para a emissão parecer da Comissão Diretiva do PNSC. E, em 13.07.2004, o Departamento de Assuntos Jurídicos da CMC propôs o deferimento do requerimento de 05.07.2004 e o prosseguimento do processo, o qual veio a ser aprovado.
Mais acrescentou o então réu: o conceito de área bruta de construção, para efeitos do artigo 20.º, n.º 2, do RPNSC, consta do artigo 4.º, alínea e), do mesmo diploma. As obras de ampliação objeto do ato impugnado possuem uma área bruta de construção de 225,84 m2 e, em qualquer dos casos, as obras realizadas não excedem os 250 m2 previstos no artigo 20.º, n.º 2, do RPNSC. Aliás, estes 250 m2 reportam-se, exclusivamente, à área das obras de ampliação e não ao somatório da área da edificação pré-existente com a área respeitante a ampliação. Por outro lado, os procedimentos de licenciamento (legalização) não poderiam ficar suspensos eternamente, até que a Comissão Diretiva do PNSC emitisse o seu parecer, pois tal representaria um “poder de veto” sem qualquer suporte jurídico.

3. Proferido o despacho saneador, o autor e o contrainteressado juntaram alegações. Apreciando o mérito da ação, o TAF de Sintra começou por fixar o direito aplicável:
«Vigora o princípio tempus regit actum, ou seja, o princípio urbanístico segundo o qual a legalidade do ato administrativo se afere pela realidade fáctica existente no momento da sua prolação e pelo quadro normativo então em vigor (Acórdãos do STA, de 20/09/2011, Procº 0414/10; de 19/04/2012, Procº 01187/11; de 30/11/2011, Procº 0663/11; in www.dgsi.pt, (do Pleno da Secção) de 06/02/2002, Recº 37 633; da Secção de 07/10/2003, Recº 790/03; de 05/05/98, Recº 39 097; de 05/05/98, Recº 43 497; e de 25/03/2009, Recº 648/08] .
O que significa em concreto que o pedido de licenciamento/legalização das obras tem de ser apreciado de acordo com o direito vigente à data da decisão.
Um pedido de aprovação de um projeto correspondente a obras já realizadas não pretende uma autorização para exercer o direito de construir, mas uma aprovação para manter as obras já construídas sem licenciamento prévio. Donde, nestes casos, a conformidade de determinado pedido de licenciamento de obra com as disposições legais aplicáveis, não se afere em relação ao momento em que a obra é construída, mas sim ao momento em que aquele pedido é apreciado pela autoridade administrativa competente [Ac do STA, de 10/04/97, Procº 39 573]. Sendo o ato impugnado de 30.09.2004, concorrem os diplomas então vigentes, a saber, o do [RPOPNSC, aprovado pela RCM 1-A/2004, de 8 de Janeiro], o RJUE ([aprovado pelo] DL 555/99, de 16/12) e o PDM-C [ratificado pela RCM 96/97, de 15.05.1997].».

E aplicando o direito aos factos dados como provados, o mesmo tribunal, por acórdão de 7.01.2013, julgou a ação improcedente entendendo:
1.º – Que o parecer da Comissão Diretiva do PNSC não era devido, em virtude de estarem em causa obras de ampliação (cfr. o artigo 4.º, alínea tt), do RPNSC), e não obras de construção (cfr. o artigo 4.º, alínea vv), do mesmo regulamento), pelo que não se verifica a nulidade do ato impugnado fundada nos artigos 9.º, n.º 1, alínea a), do RPNSC e 68.º, alínea c), do RJUE;
2.º – Que as obras de ampliação a legalizar não haviam excedido o limite correspondente a 250 m2 de área bruta de construção previsto no artigo 20.º, n.º 2, do RPNSC, razão pela qual o ato impugnado também não é nulo nos termos desse preceito em articulação com o disposto no artigo 68.º, alínea a), do RJUE.

4. Irresignado, o Ministério Público recorreu para o TCAS, defendendo a revogação da decisão do TAF de Sintra. O réu e o contrainteressado contra-alegaram, pugnando pela manutenção do julgado.
Por acórdão de 21.04.2021 – o acórdão ora recorrido –, o TCAS deu razão ao recorrente, mas apenas na parte referente ao aludido excesso da área bruta de construção, e, em consequência, revogou aquela decisão.

5. Inconformado, vem o Município de Cascais recorrer para este Supremo de tal acórdão, tendo no final da sua alegação formulado as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão de 21 de abril de 2021 proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, que concedeu provimento ao recurso que o Ministério Público interpôs do douto Acórdão de 04/01/2013 do TAF de Sintra, revogando a decisão recorrida e julgando a ação procedente, e declarando a nulidade do ato impugnado.

B. Tal ato constitui a decisão do Presidente da Câmara Municipal de Cascais (doravante CMC) de 30/09/2004, que licenciou as obras de alteração/ampliação realizadas pelo contrainteressado AA, na moradia que constitui a sua habitação e do seu agregado familiar.

C. O TAF de Sintra decidiu, e bem, em primeira instância que o Despacho do Presidente da CMC de 30/09/2004 (decisão impugnada) não estava inquinada pelos vícios invocados pelo MP, então Autor, e, consequentemente, julgou a ação improcedente, mantendo na ordem jurídica o referido Despacho.

D. Apesar da inquestionável justeza e legalidade daquela sentença do TAF de Sintra, o MP não se conformou com a mesma e dela recorreu para o TCA Sul.

E. Entendeu o TCA Sul, em sede daquele recurso, que as questões a decidir reconduziam-se a saber se o Acórdão do TAF de Sintra padecia de erro de julgamento quer “ao não considerar ser nulo o ato impugnado nos termos dos artigos 9.º, n.º 1, al. a), do RPNSC/2004, e 68.º, al. c), do RJUE”, quer “ao não considerar ser nulo o ato impugnado nos termos dos artigos 20.º, n.º 2, do RPNSC/2004, e 68.º, al. a), do RJUE”.

F. Quanto à primeira questão, decidiu o TCA Sul que “não se pode ter por verificada a nulidade prevista na alínea c) do artigo 68.º do RJUE”.

G. No entanto, idêntica conclusão não foi tirada relativamente à nulidade prevista na alínea a), do mesmo artigo 68.º do RJUE, já que o Acórdão Recorrido entendeu – sem razão e salvo o devido respeito – que o ato impugnado é inválido por aplicação daquele preceito.

H. Sucede, porém, que, conforme se demonstrará, a conclusão a que chegou o Acórdão recorrido enferma – salvo o devido respeito – de manifesto erro de julgamento da matéria de facto e direito, vício esse que naturalmente, inquina a decisão proferida de violação de lei.

I. No caso sub judice, a Recorrente fundamenta a interposição do presente recurso de revista tanto no pressuposto da existência de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, quanto pela evidência de a admissão do presente recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, tudo nos termos e para efeitos do estatuído no n.º 1, do artigo 150.º do CP[T]A.

J. O Acórdão recorrido decidiu que o ato impugnado teria violado o disposto no artigo 20.º, n.º 2, do Regulamento do POPNSC, padecendo da nulidade prevista no artigo 68.º, alínea a), do RJUE, com o seguinte e único fundamento: a diferença entre a área de construção do Alvará de Construção n.º ...04, emitido em 01/10/2004, e a área de construção do anterior Alvará de Construção n.º ...15, emitido em 29/05/1996, se cifrou em 285,54 m2.

K. O referido artigo 20.º, n.º 2, do Regulamento do POPNSC estatui que nas “áreas de proteção complementar do tipo I” são permitidas obras de alteração, recuperação, reconstrução e ampliação das construções existentes “desde que, no que respeita à ampliação, não se exceda a área bruta de construção de 250 m2”.

L. Nos termos da alínea e), do artigo 4.º do Regulamento do POPNSC entende-se por “Área bruta de construção – o valor, expresso em metros quadrados, resultante do somatório das áreas de todos os pavimentos, acima e abaixo do solo, medidas pelo extradorso das paredes exteriores, com exclusão de sótãos não habitáveis, áreas destinadas a estacionamento, áreas técnicas (nomeadamente PT, central térmica e compartimentos de recolha de lixo), terraços, varandas e alpendres, galerias exteriores, arruamentos e outros espaços livres de uso público cobertos pela edificação”.

M. O conceito de “área bruta de construção” é diferente do conceito de “área total de construção”, não se tratando de conceitos urbanísticos equivalentes, já que abarcam realidades físicas dos edifícios distintas (vide páginas 86 e 88 do “Vocabulário de Termos e Conceitos do Ordenamento do Território”, editado pela DGOTDU - Direção do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano).

N. E tanto assim é que, no caso que nos ocupa, por força da definição dada na alínea e), do artigo 4.º do Regulamento do POPNSC, não relevam para efeitos da “área bruta de construção” as seguintes zonas: “sótãos não habitáveis, áreas destinadas a estacionamento, áreas técnicas (nomeadamente PT, central térmica e compartimentos de recolha de lixo), terraços, varandas e alpendres, galerias exteriores, arruamentos e outros espaços livres de uso público cobertos pela edificação’’.

O. O Acórdão recorrido, ao afirmar que o aumento da área de construção aprovado pelo ato impugnado se cifrou em 285,54 m2 (pelo que excedeu os 250 m2 fixados no artigo 20.º, n.º 2, do Regulamento do POPNSC), partiu do pressuposto – aliás, errado – que aquele limite de 250 m2 se reportava à área total de construção e não à área bruta de construção tal como definida na alínea e), do artigo 4.º daquele Regulamento.

P. O Acórdão sindicado interpretou, por isso, o n.º 2, do artigo 20.º do Regulamento do POPNSC, concretamente a expressão “desde que (...) não se exceda a área bruta de construção de 250 m2”, como se este valor se reportasse à “área total de construção”, quando, na verdade, se reporta à área bruta e não à área total.

Q. Não é irrelevante interpretar o limite fixado no n.º 2, do artigo 20.° do Regulamento do POPNSC, como reportado à área bruta de construção ou à área total de construção, uma vez que a mesma operação urbanística de ampliação de edificações existentes no PNSC poderá ficar interdita, ou ser autorizada, consoante a interpretação que for dada ao disposto na referida norma do Regulamento do POPNSC.

R. Assim, a questão sub judice extravasa, claramente, o caso dos autos já que muitas outras situações idênticas poder-se-ão colocar no futuro, e, certamente, já se colocaram no passado, designadamente porque, como resulta da experiência comum, existem, na área do PNSC, diversas edificações destinadas ao uso habitacional dos respetivos proprietários e seus agregados familiares – como é o caso do contrainteressado.

S. A não ser firmada jurisprudência desse Venerando Supremo Tribunal que fixe a interpretação a dar ao n.º 2, do artigo 20.º, do Regulamento do POPNSC, estará criada uma situação de enorme insegurança jurídica que, naturalmente, afetará um elevado conjunto de particulares, uma vez que estes dificilmente poderão saber qual a medida das obras de ampliação que lhes será lícito realizar nas suas habitações

T. Verificados que estão os pressupostos da presente revista, deve a mesma ser admitida em ordem à prolação de Acórdão do STA sobre a questão acima enunciada, ou seja, quanto à interpretação a dar ao n.º 2, do artigo 20.º, do Regulamento do POPNS.

U. Em 30/09/2004 o Presidente da CMC proferiu Despacho de deferimento do pedido de licenciamento apresentado pelo contrainteressado, constituindo tal decisão o ato impugnado nos presentes autos (ponto 23 do probatório).

V. A referida decisão fundamenta-se nas informações prestadas pelos serviços técnicos da CMC, designadamente na informação de 31/03/2004, pelo que a área de ampliação objeto do ato impugnado ascendeu a 225,84 m2, ou seja à área que foi consignada pelos serviços municipais na dita informação de 31/03/2004.

W. Em 01/10/2004, foi emitido o respetivo alvará de construção, com o n.º ...04, do qual consta, para além do mais o seguinte: “Área total de construção 560,41 m2” (ponto 24 do probatório).

X. O Acórdão recorrido decidiu que o ato impugnado estaria ferido da nulidade prevista na alínea a) do artigo 68.° do RJUE, em virtude da violação do disposto no n.º 2 do artigo 20.° do Regulamento do POPNSC, porque, no entendimento do Acórdão recorrido, o ato sindicado teria licenciado um aumento da área de construção de 285,54 m2, quando o referido preceito do Regulamento do POPNSC estatui que nas “áreas de proteção complementar do tipo I” são permitidas obras de alteração, recuperação, reconstrução e ampliação das construções existentes “desde que, no que respeita à ampliação, não se exceda a área bruta de construção de 250 m2”.

Y. Os alegados 285,54 m2 correspondem, segundo o Acórdão em crise, à diferença entre os 274,87 m2 do Alvará emitido em 1996 e os 560,41 m2 referidos no Alvará emitido em 01/10/2004, pelo que daí ocorreria violação do limite de 250 m2 fixado no artigo 20.º, n.º 2, do Regulamento do POPNSC.

Z. No entanto, a verdade é que, nada permite afirmar, nem resulta do probatório, que o ato impugnado tenha licenciado uma ampliação da área de construção em 285,54 m2.

AA. Em parte alguma da matéria de facto dada como assente consta que a área de ampliação se cifrou nos 285,54 m2 que fundamentam o Acórdão recorrido.

BB. Uma vez que o ato impugnado foi praticado na sequência da informação / parecer dos serviços técnicos da CMC de 31/03/2004 (ponto 10 do probatório), e no âmbito do respetivo procedimento administrativo, forçoso será concluir que a vontade real do autor do ato em crise foi no sentido de autorizar obras de ampliação com a área que consta daquela informação/parecer dos serviços, isto é com 225,84 m2.

CC. O Despacho do Presidente CMC de 30/09/2004, agora posto em crise, apenas autorizou a realização de oras de ampliação com a área de 225,84 m2, nada permitindo afirmar que o conteúdo e alcance de tal decisão fosse de molde a viabilizar obras de ampliação com dimensão superior aquele valor.

DD. O Acórdão sindicado enferma de erro de julgamento quanto à matéria de facto.

EE. O Acórdão recorrido decidiu que o ato impugnado padece da nulidade prevista na alínea a) do artigo 68.º do RJUE, por ter violado o disposto no artigo 20.º, n.º 2, do Regulamento do POPNSC, a qual estatui que nas “áreas de proteção complementar do tipo I” são permitidas obras de alteração, recuperação, reconstrução e ampliação das construções existentes “desde que, no que respeita à ampliação, não se exceda a área bruta de construção de 250 m2”.

FF. Uma coisa é a “área bruta de construção” e outra coisa diferente é a “área total de construção”, não se tratando de conceitos urbanísticos equivalentes, já que abarcam realidades distintas.

GG. Nos termos da alínea e), do artigo 4.º do Regulamento do POPNSC entende-se por “Área bruta de construção – o valor, expresso em metros quadrados, resultante do somatório das áreas de todos os pavimentos, acima e abaixo do solo, medidas pelo extradorso das paredes exteriores, com exclusão de sótãos não habitáveis, áreas destinadas a estacionamento, áreas técnicas (nomeadamente PT, central térmica e compartimentos de recolha de lixo), terraços, varandas e alpendres, galerias exteriores, arruamentos e outros espaços livres de uso público cobertos pela edificação”.

HH. Os 560,41 m2 que constam do Alvará de Construção n.º ...04, de 01/10/2004, reportam-se à “área total de construção”, conforme está expresso neste título, e não à “área bruta de construção”, o mesmo sucedendo com os 274,87 m2 do Alvará de Construção n.º ...15, de 29/05/1996.

II. O Acórdão recorrido, ao afirmar que o aumento da área de construção aprovado pelo ato impugnado se cifrou em 285,54 m2, pelo que excedeu os 250 m2 fixados no artigo 20.º, n.º 2, do Regulamento do POPNSC, partiu do pressuposto – aliás, errado – que aquele limite de 250 m2 se reportava à área total de construção, e não à área bruta de construção, tal como definida na alínea e), do artigo 4.° daquele Regulamento.

JJ. Não é lícito concluir, como faz o Acórdão recorrido, que a diferença entre as áreas totais de construção que constam dos dois Alvarás em confronto, ou seja 285,54 m2, corresponde à área bruta de construção que foi autorizada pelo ato impugnado.

KK. O Acórdão sindicado, ao decidir que o ato impugnado padecia de nulidade por violação do Regulamento do POPNSC, interpretou erradamente o n.º 2, do artigo 20.º do Regulamento do POPNSC, concretamente a expressão “desde que (...) não se exceda a área bruta de construção de 250 m2”, como se este valor se reportasse à “área total de construção”, quando, na verdade, se reporta à área bruta e não à área total, pelo que tal Acórdão enferma de erro de julgamento, quanto à matéria de direito.»

6. Como mencionado, o contrainteressado aderiu ao recurso do Município de Cascais (cfr. o artigo 634.º, n. 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3, do CPTA).
O autor ora recorrido, notificado da interposição do recurso de revista, não contra-alegou.

7. O presente recurso foi admitido por acórdão de 13.01.2022, proferido nos termos do artigo 150.º, n.º 6, do CPTA, tendo a formação de apreciação preliminar fundamentado a sua decisão com base nas seguintes ordens de razão:
«11. Presentes, no que ainda constitui objeto de dissídio, as pronúncias diametralmente divergentes das instâncias que se mostram firmadas nos autos e que a pronúncia do TCA, atentas as críticas que lhe foram dirigidas pelos recorrentes, não se mostra isenta de alguma controvérsia e não está imune à dúvida, carecendo de devida dilucidação por parte deste Supremo Tribunal para aferir do seu acerto, temos como justificada a necessidade de admissão da revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.

12. E, para além disso, temos que a concreta e atrás explicitada quaestio juris suscitada da revista revela-se como igualmente dotada de relevância jurídica e social fundamental, porquanto a mesma envolve não só complexidade jurídica, indiciada, desde logo, como vimos pelos juízos diametralmente divergentes das instâncias e para cuja dilucidação se exige a devida concatenação de variado quadro normativo e conceptual, assim como a mesma assume carácter paradigmático e exemplar, dado que dotada de capacidade de expansão da controvérsia, de se projetar ou de ser transponível para fora do âmbito dos autos para outras situações futuras indeterminadas, com evidente repercussão no âmbito dos procedimentos no domínio urbanístico, e que reclamam deste Supremo Tribunal a definição de diretrizes clarificadoras.
Flui do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Supremo Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista».

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. Fundamentação

A) De facto

8. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

«1) Em 12/04/1994, o contrainteressado, AA, na qualidade de proprietário, pediu à Câmara Municipal de Cascais (CMC) o licenciamento de construção de uma moradia unifamiliar, a implantar numa parcela de terreno sita no ..., na ..., concelho ..., em substituição de uma casa em ruínas que lá existia, e que tramitou como Procº 2984/94 - doc 1, fls 13.

2) A referida parcela de terreno correspondia ao prédio misto descrito sob o n° ...93, da 2ª Cª Rº Predial de Cascais, inscrita na matriz predial rústica da Freguesia ... sob o artigo nº ...07, secção 8, e compunha-se de uma parte urbana, com um edifício de R/C com a área coberta de 37,35m2, de um logradouro com a área de 46,50m2, e ainda de uma parte rústica, de mato e cultura arvense, esta com a área de 3.640m2, cuja aquisição a favor do contrainteressado foi levada a registo pela Ap. 3/23 09 93 - Doc 2, fls 14-16.

3) Em 13/07/1994 o Parque Natural de Sintra-Cascais (PNSC) emitiu parecer favorável à pretensão acabada de referir — doc 3, fls 17.

4) Em 24/05/1995, o vereador respetivo, da CMC, aprovou todos os projetos do pedido de licenciamento de construção, acabado de referir – doc 4, fls 18 – o que veio a ser titulado por alvará de licença n° ...6, emitido a .../.../1996, com uma área de construção de 274,87m2, com 1 piso acima e 1 abaixo da cota de soleira, e uma cércea de 5,50m, e 1 fogo - doc 5, fls 19.

5) O referido alvará de licença n° ...6 teve uma primeira prorrogação a 12/08/1997, autorizada pelo alvará de licença de construção n° ...7 - doc 6, fls 20.

6) O contrainteressado adquiriu duas parcelas de terreno contíguas ao seu prédio misto inicial, acima referido, cuja aquisição levou a registo, respetivamente:
--Pela Ap. 04, de 04/11/999, na 2ª Cª R° Predial de Cascais, com a área de 2.800m2, sendo um terreno de semeadura e mato, inscrita sob o artigo matricial n° ...08, secção 8, da matriz predial rústica da Freguesia ..., com a descrição predial n° ...88 -doc 7, fls 21/ss;
--Pela Ap. 06 de 03/02/000, na mesma Cª R° Predial, sendo um terreno de cultura arvense de sequeiro e mato, com a área de 3.760m2, inscrito na matriz predial rústica mesma Freguesia sob o artigo n° ...09, secção 8, com a descrição predial n° ...97 - doc 8, fls 26-28.

7) O contrainteressado ficou, assim, a ser dono do conjunto imóvel composto pelos três prédios referidos, sitos na Rua ..., ..., Freguesia ..., em Cascais, descritos na 2ª Cª R° Predial de Cascais sob as fichas n°s ...41, ...69 e ...44, e inscritos na matriz predial sob os n°s ...07..., ...08... e ...09°, com uma área total de 10.283,85 m2.

8) Antes de 15/12/2003, o contrainteressado procedeu à construção de uma piscina e um anexo/churrasqueira, totalizando uma área de construção acima do solo de 565,73m2 - doc 8-A, fls 29-30.

9) Em 15/12/2003, o contrainteressado pediu à Câmara Municipal de Cascais (CMC) a legalização / licenciamento das obras de alteração e ampliação efetuadas na moradia em causa, considerando os 3 referidos prédios com a inscrição matricial n° ...07, ...08 e ...09, o que deu origem ao Procº nº 1647/03 — doc 9, fls 31 e fls. 83 a 87 do PA anexo.

10) Em 31/03/2004, os serviços técnicos da CMC emitiram parecer (manuscrito fls. 32) sobre a pretensão acabada de referir, considerando, além do mais, que:
“(...) 2. O terreno em questão constitui-se na realidade pela agregação de quatro artigos distintos, totalizando 10.283,85m2 de área e que abrangem as seguintes classes de espaço do ordenamento do PDM:

- 65,95%, em espaço cultural natural, Nível 1 (REN); -33,69%, em espaço cultural natural, Nível 2; -0,35%, em espaço urbano de baixa densidade.

3. Assim, considerando o disposto no artº 12º do Regulamento do PDM, relativo aos “Condicionamentos ecológicos”, a presente proposta, integrando-se nos limites da área de intervenção do PNSN, sujeitar-se-á ao regime específico do recentemente publicado POPNSC, devendo, por conseguinte, ser consultada a aludida entidade para a emissão do devido parecer prévio.

4. A proposta traduz-se basicamente na ampliação da moradia existente (+225,84m2), respeitando os princípios inerentes ao projeto inicial, seja na linguagem arquitetónica, seja nos materiais, cores, nº de pisos e forma dos telhados então considerados.

5. Do ponto de vista estritamente relacionado com a integração da moradia (após ampliação), verifica-se que a mesma não importa qualquer impacto desfavorável no contexto da paisagem onde se integra, o que aliás resulta claro e de forma inequívoca no levantamento topográfico exibido. Assim, o pedido carecendo do parecer prévio favorável emitido pelo PNSC a respeito do disposto nos arts 12º e 20º do Regulamento do PDM, dever-se-á, cremos, ser de aguardar a sua junção ao processo, uma vez que o mesmo fora já diretamente requerido pelo interessado, pelo que se julga remeter o processo à SIGPU (...).

Concordo (...)” - doc 10, fls 32-35 e 122-125 do PA.

11) Em 10/03/2004, o contrainteressado apresentou no Parque Natural um expediente do processo camarário com pedido de parecer sobre a pretensão urbanística — doc 12, fls 41—o que deu origem ao processo, do Parque Natural de Sintra-Cascais, n° E/PNSC/3-5722 - doc 13, fls 42 e fls 40 e 133/ss do PA.

12) Em 10/03/2004, o Presidente da Comissão Diretiva do PNSC determinou: “Recebido em mão. Está conforme o original. Ao SOP, para seguimento, tendo presente a inserção em área urbana e em área de intervenção delimitada, fora de áreas valorizadas pelo POPNSC (ass)” - doc 12, fls 41.

13) Em 15/03/2004, no Procº E/PNSC/3-5722, o técnico referiu, entre o mais, que
“À consideração da Comissão Directiva. (...) Relativamente à solicitação de parecer sobre Projeto de Legalização de Alterações em Moradia Unifamiliar, implantada em terreno com 10.283,85m2, matriz predial Rústica, art° ..7, sito em ... (...) tem-se a informar:

-Por análise do PDM de Cascais, verifica-se que o terreno está implantado em Classe de Espaços Cultural Natural Nível 1.

-Pela análise do novo Plano de Ordenamento do P.N.S.C. o terreno está implantado em Área de Intervenção Delimitada.

Análise: (...) -Ao terreno inicial onde se implantou a construção inicial com 274,87 m2 de construção, anexou-se agora mais área de terreno que passou dos 3.723,85 m2 iniciais para os 10.283,85 m2, onde se implanta agora uma construção a legalizar com 565,75m2 de construção.

-As alterações a legalizar implicam um aumento muito significativo da área de construção.

-A área bruta de construção que se pretende legalizar é de 565.75m2, cerca de mais 291.00m2 de construção em relação à proposta inicial aprovada pela CMC, em área de Espaço Cultural de Nível 1.

Conclusão: -Face ao exposto, deixa-se à consideração da Comissão Diretiva a melhor decisão sobre o projeto de legalização de alterações em moradia unifamiliar sito (...), no entanto sugere-se parecer desfavorável. (...) Sintra, (...)” – doc 13, fls 42-43.

14) Em 23/03/2009, o Presidente da Comissão Diretiva do PNSC proferiu o seguinte despacho: “Aguarda Parecer/instrução da CM Cascais para ser analisado pela Com. Dir. (...)” — [Resulta do doc 13, fls 42, ao alto, manuscrito];

15) Em 01/04/2004 a Divisão Administrativa do Urbanismo da CMC remeteu, ao Parque Natural de Sintra-Cascais, cópia do parecer de 31/03/2004, dos serviços técnicos da CMC, acima referido, pelo ofício nº ...08, de fls. 40, “Para efeitos de apreciação e a fim de que se digne informar o que tiver por conveniente (...)” – doc 11, fls 40.

16) Em 25/06/2004, no Procº E/PNSC/3-5722, sob o Assunto «ENTRADA DIRECTA Processo n° ...3 Projeto de legalização de alterações de moradia — ... — ... AA», o Presidente da Comissão Diretiva do PNSC subscreveu o ofício de fls 44, dirigido ao Presidente da CMC nos seguintes termos: “A fim de completarmos a nossa informação técnica sobre o processo em epígrafe, solicitamos a V. Ex.a, que os serviços técnicos dessa Câmara Municipal informem sobre o projeto, no que respeita aos parâmetros urbanísticos do PDM de Cascais. (...)” - doc 14, fls 44.

17) Este ofício de 25/06/2004 não foi recebido pelo Município de Cascais (provado por acordo das partes, em face dos articulados).

18) Em 05/07/2004, o contrainteressado apresentou um requerimento à CMC, no qual alertava para o decurso do prazo legal de 20 dias para a emissão do parecer por parte da Comissão Diretiva do PNSC (nos termos e para os efeitos do artigo 19, do RJUE) solicitando a “urgente apreciação do referido processo” - fls 117 e 118 do PA anexo.

19) Em 13/07/2004, o Departamento de Assuntos Jurídicos (DAJ) da CMC propôs o deferimento do citado requerimento de 05/07/2004 e o prosseguimento dos termos ulteriores do processo (face ao artigo 19-9, do RJUE, porque há muito estava ultrapassado o prazo para pronúncia do PNSC, na sequência do citado ofício de 01/04/2004 da CMC) - fls 122 do PA.

20) Em 16/07/2004, os serviços camarários competentes propuseram a aprovação do projeto de arquitetura – fls 122 do PA – ficando o licenciamento condicionado a apresentação dos projetos das especialidades.

21) Em 29/07/2004, o Sr. Presidente da CMC deferiu o licenciamento, mediante aprovação do projeto, na parte de arquitetura - doc 15, fls 45.

22) Em 10/09/2004, o contrainteressado apresentou os projetos das especialidades - fls 63 do PA- vindo os mesmos a ter parecer favorável dos serviços da CMC em 22/09/2004 - fls 119 e 120, do PA.

23) Em 30/09/2004, por despacho do Sr. Presidente da CMC, foram aprovados os projetos das especialidades, consubstanciando tal ato a decisão final do pedido de licenciamento das obras em causa, sendo este o ato impugnado nos presentes autos - doc 16, fls 46.

24) Em 01/10/2004, foi emitido o respetivo alvará de construção, com o n° ...04, dele destacando “(... ) Registo Predial de Cascais sob o n° ...41, ...69 e ...44 e inscritos na matriz predial Mista / Rústica sob o artº ..7, 888, 508 e ...09 da respetiva freguesia. Tipo de Obra: Alterações — Ampliação. Área total de construção 560,41m2; (...) área de implantação 199,64m2; (...) Uso a que se destinam: Habitação. (...)” - doc 17, fls 48.

25) A presente ação deu entrada em 06/08/2009 (fls 3).».

B) De direito

9. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (artigos 144º, n.º 2, do CPTA e 608º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC ex vi artigo 140º, n.º 3, do CPTA), pelo que, uma vez admitida a revista, importa decidir se o acórdão recorrido enferma de erro quanto à interpretação e aplicação do artigo 20.º, n.º 2, do RPNSC, que tem o seguinte teor:
«Nas construções existentes à data da entrada em vigor do presente Regulamento são permitidas obras de alteração, recuperação, reconstrução e ampliação para uso habitacional desde que, no que respeita à ampliação, não se exceda a área bruta de construção de 250 m2; a superfície de terreno impermeabilizado não poderá, em caso algum, ultrapassar 750 m2.».

10. Refere o recorrente, na conclusão X. das suas alegações, que o tribunal a quo decidiu que o ato impugnado está ferido da nulidade prevista na alínea a) do artigo 68.º do RJUE, em virtude da violação do disposto no n.º 2 do artigo 20.º do RPNSC, por ter considerado que o ato sindicado licenciou um aumento da área de construção de 285,54 m2, quando o referido preceito do RPNSC estatui que nas “áreas de proteção complementar do tipo I” são permitidas obras de ampliação das construções existentes desde que as mesmas não excedam a área bruta de construção de 250 m2. Segundo o recorrente, os alegados 285,54 m2 correspondem, de acordo com o entendimento feito no acórdão recorrido, à diferença entre os 274,87 m2 do Alvará n.º ...6, emitido em 29.05.1996, e os 560,41 m2 referidos no Alvará n.º ...04, emitido em 01/10/2004 (cfr. a conclusão Y. das mesmas alegações), os quais, todavia, se reportam à área total de construção (cfr. ibidem, a conclusão HH.). Ou seja, o acórdão recorrido, ao afirmar que o aumento da área de construção aprovado pelo ato impugnado se cifrou em 285,54 m2, excedendo por isso o limite de 250 m2 fixado no artigo 20.º, n.º 2, do RPNSC, desconsiderou a diferença entre os conceitos de área total de construção e de área bruta de construção estabelecida no RPNSC.

11. Depois de se afastar a nulidade prevista na alínea c) do artigo 68.º do RJUE, dada a inaplicabilidade in casu da exigência de parecer vinculativo da Comissão Diretiva do PNSC, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do RPNSC, afirma-se no acórdão recorrido o seguinte quanto à questão objeto do presente recurso de revista:
«Todavia, conclusão idêntica não se pode retirar quanto à segunda questão invocada pelo recorrente, relativa à nulidade prevista na alínea a) do artigo 68.º do RJUE.
E isto porque o decidido em primeira instância assenta no pressuposto da área de ampliação ser inferior a 250 m2, o que se mostra desmentido em função da matéria de facto dada como assente.
É verdade que do parecer de 31/03/2004 dos serviços técnicos da CMC consta que a proposta do contrainteressado se traduz basicamente na ampliação da moradia existente em mais 225,84 m2, ponto 10 do probatório. Contudo, tal constatação carece de aderência à realidade.
Com efeito, o alvará de licença de construção inicial, emitido em 1996, contemplou uma área de construção de 274,87 m2, ponto 4 do probatório.
Sabemos também que antes de 15/12/2003, o contrainteressado procedeu à construção de uma piscina e um anexo/churrasqueira, totalizando uma área de construção acima do solo de 565,73 m2, ponto 8 do probatório.
Já da proposta de parecer do técnico do PNSC, datada de 15/03/2004, consta que agora se pretende legalizar uma construção com 565,75 m2, ou seja, cerca de mais 291 m2 de construção em relação à proposta inicial aprovada pela CMC, ponto 13 do probatório.
E o alvará de construção emitido em 01/10/2004 contempla uma área total de construção de 560,41 m2, ponto 24 do probatório.
Comparado com o alvará de licença de construção inicial, emitido em 1996, temos que o aumento da área de construção se cifrou em 285,54 m2. Ou seja, substancialmente superior ao limite vertido no artigo 20.º, n.º 2, do Regulamento do POPNSC.
Nestes termos, impõe-se concluir com o recorrente que, por se mostrar violada esta disposição legal, o ato impugnado é nulo, conforme decorre do artigo 68.º, al. a), do RJUE.».

12. Em primeiro lugar, importa esclarecer que os valores da área de construção referidos nos Alvarás de licença de construção n.ºs ...6 e ...04 se reportam exclusivamente à área total de construção.
Tal decorre, quanto ao segundo, dos respetivos termos literais: «Tipo de Obra; Alterações – Ampliação: Área total de construção: 560,41 m2» (v. o facto provado 24) e o doc n.º 17).
No que se refere ao primeiro, a menção «Área de construção 274,87 m2» (v. o facto provado 4) e o doc n.º 5), significa, nos termos da regulamentação então aplicável, a área total de construção, pois era esta a menção obrigatória. Com efeito, segundo o artigo 22.º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de outubro, uma das especificações obrigatórias do alvará de licença de construção a emitir nos termos do artigo 21.º do mesmo diploma é a área de construção (cfr. também a Portaria n.º 1115-B/94, de 15 de dezembro, n.º 1.º, alínea c), subalínea c3) ). Este elemento deverá constar igualmente dos avisos obrigatórios destinados a publicitar a emissão desse tipo de alvarás (cfr. o artigo 9.º, n.º 3, do mencionado Decreto-Lei n.º 445/91). E nos modelos de avisos constantes dos anexos I e II à Portaria 1115-D/94, de 15 de dezembro, especifica-se a este propósito que está em causa a “área total de construção”.
Consequentemente, a diferença entre as áreas de construção referidas nos dois alvarás de 285,54 m2 (561,41 m2-274,87 m2 = 285,54 m2), correspondente à ampliação da obra inicial, respeita à área total de construção, razão por que, contrariamente ao afirmado no acórdão recorrido não pode ser tida como «substancialmente superior ao limite vertido no artigo 20.º, n.º 2, do Regulamento do POPNSC», o qual, como mencionado, se reporta ao conceito de área bruta de construção (cfr. supra o n.º 9). Este último, tal como definido no artigo 4.º, alínea e), do RPNSC, é necessariamente inferior àquele:
«Área bruta de construção - o valor, expresso em metros quadrados, resultante do somatório das áreas de todos os pavimentos, acima e abaixo do solo, medidas pelo extradorso das paredes exteriores, com exclusão de sótãos não habitáveis, áreas destinadas a estacionamento, áreas técnicas (nomeadamente PT, central térmica e compartimentos de recolha de lixo), terraços, varandas e alpendres, galerias exteriores, arruamentos e outros espaços livres de uso público cobertos pela edificação» (itálico aditado).

Tem, por isso, razão o recorrente quando afirma, nas suas alegações, resultar «do conceito fixado no n.º 2 do artigo 20.º do Regulamento do POPNSC, que a “área bruta de construção” será sempre inferior à “área total de construção”, uma vez que ficam excluídos daquelas determinadas áreas da edificação que são contabilizadas para efeitos desta última.» (v. p. 22) e que, portanto, «[n]ão é irrelevante interpretar o limite fixado no n.º 2, do artigo 20.º do Regulamento do POPNSC, como reportado à área bruta de construção ou à área total de construção, uma vez que a mesma operação urbanística de ampliação de edificações existentes no PNSC poderá ficar interdita, ou ser autorizada, consoante a interpretação que for dada ao disposto na referida norma do Regulamento do POPNSC» (v. a concl. Q.).

13. Deste modo, o acórdão recorrido, ao afirmar que o aumento da área de construção aprovado pelo ato impugnado se cifrou em 285,54 m2 (pelo que excedeu os 250 m2 fixados no artigo 20.º, n.º 2, do RPNSC), partiu do pressuposto errado de que aquele limite de 250 m2 se reportava à área total de construção e não à área bruta de construção tal como definida no artigo 4.º, alínea e), daquele regulamento (cfr. as conclusões O. e II. das alegações do recorrente).
Contrariamente ao que se entendeu no mesmo acórdão, tinha razão o TAF de Sintra, quando assumiu que a área de ampliação da obra foi inferior ao limite de 250 m2 fixado no artigo 20.º, n.º 2, do RPNSC, baseado no parecer dos serviços técnicos da CMC de 31.03.2004, referido no n.º 10 dos factos provados (ampliação da moradia existente em mais 225,84 m2, reportados estes à área bruta de construção):
«O artigo 20-2, do PO/PNSC, ao permitir a realização de “obras de alteração, recuperação, reconstrução e ampliação” para uso “habitacional”, nas construções existentes à data da entrada em vigor do Regulamento (PO/PNSC/04), ou seja em 09/01/2004, “desde que, no que respeita à ampliação, não se exceda a área bruta de construção de 250m2; a superfície de terreno impermeabilizado não poderá, em caso algum, ultrapassar 750 m2” estabelece um regime especial, de exceção, como se disse, com os seguintes pressupostos:
-que, em 09/01/2004, existam construções; [no caso, existem, como resulta do probatório]; -que se trate de «obras de alteração, recuperação, reconstrução e ampliação»; [é o caso];
-que estas visem o uso «habitacional»; [é o caso, como resulta do probatório];
-que «no que respeita à ampliação» não se exceda a «área bruta» de 250m2;
-que a superfície de terreno impermeabilizado não ultrapasse, em caso algum, 750 m2.
[…]
Considerando que, quanto a este regime especial, a lei não exige qualquer parecer prévio, nem remete para a lei geral, nomeadamente para o RJUE, conclui-se que, por via do PO/PNSC, não tinha a CMC ou os seus Serviços técnicos de o pedir ao PNSC.
Tendo-o pedido —mesmo que fosse pressuposto do acto impugnado, e não é— a CMC não tinha que aguardar mais do que o prazo acima referido. Findo tal prazo (em regra) de 20 dias, à falta de outro especial, prosseguia o procedimento de licenciamento, como prosseguiu, devendo presumir a concordância da entidade consultada.
Em face do que vem de ser dito, mostrando-se a área da ampliação contida dentro dos 250m2, segue-se que o ato impugnado não violou o referido preceito legal.
Verificando a CMC que não havia outros entraves legais ao licenciamento das obras -piscina e churrasqueira--, mormente considerando os bens e interesses jurídicos tutelados pelas regras urbanísticas pertinentes, não havia razão para negar a pretensão da licença.
Claro está que, no primor dos princípios, o contra-interessado devia primeiro pedir a licença, e só depois construir. Mas a circunstância de a construção ter antecedido a licença não significa que essa construção não obedeça aos parâmetros exigidos para poder ser considerada, depois, formalmente, legal.
Dito de outro modo, o que é decisivo em sede de legalidade é que, materialmente, o cidadão tenha cumprido as exigências tuteladas pela norma legal, independentemente do momento em que a legalidade é declarada. O ato administrativo, nesse caso, declara uma legalidade (uma conformação do facto à norma) que já existe e apenas espera ser formalmente declarada. Se o comportamento é conforme a lei, como o ato impugnado reconheceu que é, não importa, para ser tido por legal, o momento em que o órgão competente reconhece essa conformidade. Portanto, o ato administrativo impugnado não padece, por esta via, de qualquer ilegalidade ao licenciar obras já efetuadas.» (v. pp. 23-25 do acórdão do TAF de Sintra).

Procedem, assim, as conclusões das alegações dos recorrentes quanto à correta interpretação e aplicação do artigo 20.º, n.º 2, do RPNSC feita na decisão da primeira instância.

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido na parte correspondente ao objeto do presente recurso de revista e julgar improcedente a ação administrativa especial intentada, não declarando a nulidade do ato impugnado.

Sem custas.

Lisboa, 1 de fevereiro de 2024. – Pedro Manuel Pena Chancerelle de Machete (relator) - Cláudio Ramos Monteiro – José Augusto Araújo Veloso.